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Rua Fradique Coutinho, 50 11º andar Pinheiros São Paulo SP 05416-000 Brasil T (55+ 11) 3472-1600 Fax (55+ 11) 3472-1601 www.alana.org.br www.criancaeconsumo.org.br São Paulo, 5 de julho de 2016 Ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios A/c: Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor A/c: Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Individuais, Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sede do MPDFT Brasília – DF 70091-900 Ref.: Representação. Estratégias abusivas de publicidade e comunicação mercadológica dirigidas às crianças desenvolvida pela empresa Danone Ltda. Prezados Senhores, o Instituto Alana (docs. 1 a 3), por meio de seu Projeto Criança e Consumo, vem, respeitosamente, à presença de V. Sas., REPRESENTAR a empresa Danone Ltda. (‘Danone’), em razão do desenvolvimento de estratégias de ‘comunicação mercadológica’ 1 dirigidas às crianças, especialmente de suas marcas Danoninho e Bonafont, em desrespeito à legislação vigente. 1 O termo ‘comunicação mercadológica’ compreende toda e qualquer atividade de comunicação comercial para a divulgação de produtos e serviços independentemente do suporte ou do meio utilizado. Além de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádios e banners na internet, podem ser citados como exemplos: embalagens, promoções, merchandising, disposição de produtos nos pontos de venda, etc.

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Rua Fradique Coutinho, 50 11º andar Pinheiros São Paulo SP 05416-000 Brasil

T (55+ 11) 3472-1600 Fax (55+ 11) 3472-1601 www.alana.org.br www.criancaeconsumo.org.br

São Paulo, 5 de julho de 2016 Ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios A/c: Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor A/c: Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Individuais, Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sede do MPDFT Brasília – DF 70091-900

Ref.: Representação. Estratégias abusivas de publicidade e comunicação mercadológica dirigidas às crianças desenvolvida pela empresa Danone Ltda.

Prezados Senhores, o Instituto Alana (docs. 1 a 3), por meio de seu Projeto Criança e Consumo, vem, respeitosamente, à presença de V. Sas., REPRESENTAR a empresa Danone Ltda. (‘Danone’), em razão do desenvolvimento de estratégias de ‘comunicação mercadológica’1 dirigidas às crianças, especialmente de suas marcas Danoninho e Bonafont, em desrespeito à legislação vigente. 1 O termo ‘comunicação mercadológica’ compreende toda e qualquer atividade de comunicação

comercial para a divulgação de produtos e serviços independentemente do suporte ou do meio utilizado. Além de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádios e banners na internet, podem ser citados como exemplos: embalagens, promoções, merchandising, disposição de produtos nos pontos de venda, etc.

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I. Instituto Alana e Projeto Criança e Consumo.

O Instituto Alana é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos que tem como missão “honrar a criança”. Mantido por um fundo patrimonial e apoiado nos pilares “advocacy – comunicação – educação – inovação”, o Instituto Alana reúne projetos cujo principal objetivo é mobilizar a sociedade para os temas da infância [http://www.alana.org.br].

Para divulgar e debater ideias sobre as questões relacionadas aos direitos da criança no âmbito das relações de consumo e perante o consumismo ao qual são expostas, assim como para apontar meios de minimizar e prevenir os prejuízos decorrentes da comunicação mercadológica voltada ao público infantil, criou em 2006 o Projeto Criança e Consumo [criancaeconsumo.org.br].

Por meio do Projeto Criança e Consumo, o Instituto Alana procura disponibilizar instrumentos de apoio e informações sobre os direitos do consumidor nas relações de consumo que envolva crianças e acerca do impacto do consumismo na sua formação, fomentando a reflexão a respeito da força que a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas ao público infantil possuem na vida, nos hábitos e nos valores dessas pessoas ainda em formação.

As grandes preocupações do Projeto Criança e Consumo são com os

resultados apontados como consequência do investimento maciço na mercantilização da infância, a saber: o consumismo e a incidência alarmante de obesidade infantil; a violência na juventude; a erotização precoce e irresponsável; o materialismo excessivo e o desgaste das relações sociais, dentre outros.

Nesse âmbito de trabalho, o Projeto Criança e Consumo defende o fim de toda e qualquer comunicação mercadológica que seja dirigida às crianças — assim consideradas as pessoas de até 12 anos de idade, nos termos da legislação vigente —, a fim de, com isso, protegê-las dos abusos reiteradamente praticados pelo mercado. II. A comunicação mercadológica realizada pela empresa Danone para promoção de seus produtos da linha Danoninho “Dino Arena”.

Dentro do seu âmbito de atuação, o Projeto Criança e Consumo

constatou prática de publicidade abusiva - consistente no desenvolvimento de estratégias de comunicação mercadológica direcionada ao público infantil em diferentes meios e suportes de mídia - realizada pela empresa Danone, para a promoção de sua marca e dos produtos da linha Danoninho “Dino Arena”.

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Conforme será detalhado, a campanha publicitária utiliza elementos

atraentes ao público infantil como presença de crianças, animações, personagens e itens colecionáveis.

Segundo o site da empresa2, Danoninho seria uma marca de “nutrição

infantil”. A empresa afirma que os produtos da linha seriam enriquecidos com cálcio, ferro, fósforo e vitaminas, para complementar a alimentação de crianças em idade pré-escolar. Tem como mascote o dinossauro Dino, reconhecido pelo público infantil, estampado nas diversas embalagens e demais estratégias publicitárias.

A Danone vem utilizando sua marca Danoninho e sua conhecida mascote

para atrair a atenção das crianças com a intenção de promover sua nova linha de produtos, “Dino Arena”, lançada em 2016, relacionada ao evento esportivo que o Brasil sediará no próximo mês de agosto, as Olimpíadas.

A campanha publicitária da linha “Dino Arena”, anunciada para o público

infantil por meio de comercial televisivo, vídeos no YouTube, site e Facebook da marca, estimula as crianças a colecionarem mais de 20 embalagens de iogurtes e queijos petit suisse, e, consequentemente, o consumo habitual desses produtos.

Site de “Dino Arena”

Para a divulgação da linha “Dino Arena” foi criada uma área específica no site da Danone3 (doc. 4).

2 Disponível em: http://danone.com.br/nossas-marcas/danoninho/. Acesso em: 20.6.2016.

3 Disponível em: http://promo.danoninho.com.br/dinoarena/. Acesso em: 16.6.2016.

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Nele é apresentada a promoção “Dino Arena”, válida de março a

setembro de 2016:

“CADA PACK DE PETIT OU GARRAFINHA POSSUI UM DOS 10 KIT ESPORTES QUE COMPÕEM A DINO ARENA. CADA KIT ESPORTE É COMPOSTO POR UM GOGO + UM CENÁRIO DO ESPORTE PARA MONTAR E BRINCAR” (grifos do site). Esse kit de esportes colecionáveis, contendo uma miniatura do

dinossauro Dino e o cenário de papel, acompanha quatro potes de queijo petit suisse com preparado de fruta no sabor amora, no total de 200 gramas.

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No site também são apresentadas as dez versões dos kit de esportes

colecionáveis. Ao clicar em qualquer uma das imagens, é possível ter acesso ao vídeo com instruções de montagem do kit respectivo.

4 Disponível em: http://www.savegnagoonline.com.br/petit-danoninho-200g-dino-arena/p. Acesso em:

2.7.2016.

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O site traz também as 20 novas garrafinhas colecionáveis de iogurte de

100 gramas, nos sabores morango e banana com maçã, que representam 20 esportes diferentes. Todas são personalizadas com o dinossauro Dino caracterizado como atleta de diversas modalidades que serão disputadas nas Olimpíadas: voleibol, boxe, corrida, futebol, handebol, hipismo, tênis de mesa, natação, levantamento de peso, basquete, tênis, canoagem, ciclismo, ginástica olímpica, golfe, judô, kart, patinação, polo aquático e beisebol.

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As garrafinhas também foram apresentadas no Facebook da marca:

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Também é disponibilizado no site o vídeo publicitário “Danoninho apresenta: Dino Arena”, veiculado na televisão e disponível no canal da marca no YouTube, conforme será descrito adiante.

Comerciais televisivos

Visando a divulgar a nova linha de embalagens com bonecos colecionáveis, a empresa desenvolveu dois comerciais televisivos (doc. 5), frequentemente exibidos, segundo pesquisas do Criança e Consumo, em canais infantis da TV fechada e na TV aberta, e que também podem ser visualizados no canal da marca no YouTube.

O filme publicitário “Dino Arena Danoninho”6 é marcado por elementos

que prendem a atenção das crianças. Inicia-se com a apresentação visual do produto, acompanhada da fala da animação da mascote Dino.

5 Disponível em:

https://www.facebook.com/DanoninhoBrasil/photos/p.547620705411624/547620705411624/?type=3&theater. Acesso em 8.6.2016.

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“DANONINHO APRESENTA: DINO ARENA!”:

Em seguida, aparecem crianças realizando esportes olímpicos, como judô natação e basquete, enquanto outras três crianças que assistem aos esportes consomem, rindo, os produtos da linha Danoninho.

6 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8RGVH55CG9M. Acesso em 8.6.2016.

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Então, a mascote aparece na arena em que as crianças estão, sendo recepcionada com gritos de alegria, e anuncia:

“CHEGUEI! TRAZENDO A SURPRESA MAIS DIVERTIDA E GOSTOSA DE DANONINHO: DINO ARENA!”

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Na sequência, aparecem imagens de uma arena fictícia onde o dinossauro Dino está praticando esportes como golfe, futebol e corrida. Ao fundo, a animação de Dino explica às crianças espectadoras:

“AGORA, CADA EMBALAGEM DE DINO ARENA VEM COM UM ESPORTE DIFERENTE, PRA VOCÊ E SEUS AMIGOS MONTAREM SUA ARENA. SÃO DEZ MODALIDADES PRA VOCÊ BRINCAR E APRENDER”. (grifos inseridos)

Nesse momento, acontece uma transição de imagens. A arena fictícia se torna a arena real onde três crianças estão brincando com o kit “Dino Arena”.

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Dino conclui sua narração com a seguinte frase: “DINO ARENA. FOI DADA A LARGADA PRA DIVERSÃO!”, e aparecem novamente os produtos.

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O outro comercial, “Danoninho apresenta: Dino Arena”7, começa com um som simbolizando um chamamento feito pelo pai a seu filho que está no corredor do supermercado amarrando seu tênis.

O pai sinaliza uma prateleira repleta de produtos da marca Danoninho. Na sequência, o menino olha de forma desafiadora, fica em posição de largada, e, então corre em direção à prateleira com uma música animada tocando ao fundo. Ele pega uma embalagem (com quatro unidades de Danoninho) e continua correndo pelos corredores do supermercado passando por vários “obstáculos” que aparecem em sua frente até finalmente chegar ao caixa, onde está sua mãe.

No momento em que ele chega, a funcionária que está no caixa diz “26”,

e, sem entender, a mãe pergunta o que significa, sendo informada que se tratava do tempo em que o menino percorreu da prateleira até o caixa, levando os produtos. A mãe e o menino ficam felizes e comemoram, fazendo alusão a uma conquista olímpica em que a equipe simbolizada por essa família conseguiu o melhor tempo cronometrado.

Então, aparecem os produtos da linha Danoninho em cima de uma mesa.

Ao fundo estão o menino e sua família brincando com a arena montada.

7 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yedPfkgD4aE&feature=youtu.be. Acesso em

8.6.2016.

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Na sequência, enquanto o menino com sua família abrem as embalagens colecionáveis que vão se transformando na arena, uma voz feminina anuncia:

“DANONINHO APRESENTA: DINO ARENA. CADA EMBALAGEM VEM COM UM KIT ESPORTE DIFERENTE. SÃO DEZ ESPORTES PRA VOCÊ E SEUS AMIGOS MONTAREM A ARENA. DINO ARENA, FOI DADA A LARGADA PRA DIVERSÃO!”

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III. A comunicação mercadológica realizada pela empresa Danone para promoção de seus produtos da linha “Bonafont Kids”.

De acordo com o site da Bonafont, marca de água da Danone, sua linha Kids é composta por embalagens de 330ml caracterizadas com personagens licenciadas das animações Avengers e Frozen.

“BONAFONT TRAZ TODA A AVENTURA DO SUCESSO DA MARVEL, AVENGERS, TRAZENDO EM SUAS EMBALAGENS OS PERSONAGENS QUE ENCANTARAM CRIANÇAS DO MUNDO TODO: CAPITÃO AMÉRICA, HOMEM DE FERRO, HULK E HOMEM-ARANHA. DESTINADA AOS PEQUENOS, BONAFONT KIDS É UMA FORMA SUPER DIVERTIDA DE INCENTIVAR AS CRIANÇAS A CONSUMIREM MAIS ÁGUA, IMPULSIONANDO HÁBITOS SAUDÁVEIS DESDE CEDO!”8 (grifos inseridos)

8 Disponível em: http://www.bonafont.com.br/produtos. Acesso em: 2.7.2016.

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“BONAFONT TRAZ TODA A MAGIA DO SUCESSO DA DISNEY, FROZEN, TRAZENDO EM SUAS EMBALAGENS OS PERSONAGENS QUE ENCANTARAM CRIANÇAS DO MUNDO TODO: ELSA, ANA E OLAF. DESTINADA AOS PEQUENOS, BONAFONT KIDS É UMA FORMA SUPER DIVERTIDA DE INCENTIVAR AS CRIANÇAS A CONSUMIREM MAIS ÁGUA, IMPULSIONANDO HÁBITOS SAUDÁVEIS DESDE CEDO!”10 (grifos inseridos)

9 Disponível em: http://www.bonafont.com.br/produtos. Acesso em: 2.7.2016.

10 Disponível em: http://www.bonafont.com.br/produtos. Acesso em: 2.7.2016.

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Além disso, na última semana do mês de junho de 2016 passaram a ser veiculados, na televisão e durante o trailer do cinema, dois comerciais com o título “Beber água nunca foi tão divertido”, diretamente direcionados para crianças.

Um deles se refere à linha Avengers, e é protagonizado por meninos12 (doc. 5), e a outro comercial, que apresenta a linha Frozen, conta com a presença de atrizes mirins (doc. 5)13. No comercial relativo às garrafinhas da linha Frozen, duas meninas, fantasiadas como as princesas Elza e Ana, personagens do filme, correm pela casa, logo pela manhã, pois uma delas acorda a outra pra dizer que descobriu um lugar cheio de bonecos de neve, em referência ao Olaf. O lugar da descoberta é a geladeira da casa, e os bonecos são muitas garrafas da água Bonafont, em forma de Olaf.

11

Disponível em: http://www.bonafont.com.br/produtos. Acesso em: 2.7.2016. 12

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VVO_zdmk7Mw. Acesso em: 2.7.2016. 13

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=252qL7JmT8A. Acesso em: 2.7.2016.

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A locução, feminina, diz, enquanto as meninas consomem os produtos:

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“CHEGOU BONAFONT KIDS. AGORA COM PERSONAGENS DE FROZEN, ANA, ELZA E OLAF. BEBER ÁGUA NUNCA FOI TÃO DIVERTIDO.”

No comercial da linha Avengers, três meninos, fantasiados de Homem Aranha, Hulk e Homem de Ferro, andam ao som de uma locução masculina que diz que:

“SALVAR O MUNDO, COMBATER O CRIME, PROTEGER OS FRACOS E OPRIMIDOS....UFA! DÁ MUITA SEDE!”

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Na sequência, os meninos saem correndo até uma geladeira, e pegam as garrafinhas de água licenciadas com as mesmas personagens de que estão fantasiados, e bebem seus conteúdos.

“CHEGOU BONAFONT KIDS. AGORA COM NOVOS PERSONAGENS. BEBER ÁGUA NUNCA FOI TÃO DIVERTIDO!”

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Os comerciais estão disponíveis do canal de YouTube Bonafont Brasil, e disponíveis no Facebook da marca14, que anuncia às crianças:

“VOCÊ QUER BRINCAR NA NEVE? COM UM POUQUINHO DE IMAGINAÇÃO E COM AS NOVAS GARRAFINHAS DE FROZEN A BRINCADEIRA ESTÁ GARANTIDA! BONAFONT KIDS: AGORA FICOU AINDA MAIS DIVERTIDO BEBER ÁGUA.” (grifos inseridos) “BRINCAR DÁ MUITA SEDE, NÃO DÁ? E AGORA FICOU AINDA MAIS DIVERTIDO BEBER ÁGUA! COM BONAFONT KIDS AVENGERS A CRIANÇADA ACABA DE GANHAR NOVOS REFORÇOS PARA SUAS AVENTURAS.” (grifos inseridos)

Ou seja, a empresa não apenas anuncia garrafas de água ao público infantil, por meio de personagens licenciadas, e vídeos comerciais, como faz a diferenciação entre água “de meninos” e “de meninas”, em clara segmentação de mercado, e com vistas a ampliar o conhecimento da sua marca, a fidelização das crianças e o consumo de seu produto, associado a momentos de diversão. Não se trata simplesmente do estímulo ao consumo de água, mas sim do consumo da água da marca que traz o apelo infantil.

IV. Programa “1, 2, 3, Saúde” 15.

Não bastassem as estratégias de comunicação mercadológica, explicitamente direcionadas às crianças, veiculadas pela Danone nos meios de comunicação e espaços públicos para promoção dos produtos da linha Danoninho e Bonafont, a empresa também realiza uma estratégia velada, camuflada de ação educativa e cultural, dentro do espaço escolar, para falar para as crianças sobre o consumo de lácteos e de água.

A ideia, portanto, é apresentar a relação entre a ação enquadrada em um

guarda-chuva de “Responsabilidade Social Empresarial”, desenvolvida no ambiente escolar, com o evidente estímulo ao consumo de produtos que são não apenas produzidos e comercializados pela Danone, como bastante anunciados às crianças nos veículos de comunicação, conforme já apresentado. A presente Representação não está focada na qualidade nutricional dos produtos ou nos supostos benefícios deles à saúde das crianças, mas sim no direcionamento abusivo e ilegal da mensagem da empresa para as crianças.

14

Disponível em: https://www.facebook.com/BonafontBrasil. Acesso em: 2.7.2016. 15

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/. Acesso em 21.6.2016.

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O programa “1,2,3 Saúde”: linhas gerais

Conforme release assinado pela Danone, e reproduzido, por exemplo, na

página da Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e Bebidas não Alcoólicas (Abir)16 o programa “1,2,3 Saúde” foi lançado em 8 de maio de 2016, em São Paulo.

É uma iniciativa da empresa Danone, com apoio de Colgate-Palmolive,

Tetra Pak, Associação Médica Brasileira (AMB), Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN). A realização, coordenação pedagógica e execução cabe à OAK Educação e Meio Ambiente e conta com financiamento via Lei Rouanet, de incentivo à cultura e educação.

O programa, de forma bastante abrangente, “definiu o ambiente escolar

como o ponto de partida para a transmissão de conhecimento, envolvendo não só alunos e professores como a família dos estudantes e toda a comunidade”17. Além disso, “propõe uma mudança da visão individual e coletiva; dos amigos, da escola, da família e da comunidade”. Para tanto, adota “o universo lúdico do teatro, a formação de educadores nas escolas participantes e atividades desenvolvidas em sala de aula que se estendem ao ambiente familiar e social dos estudantes”18.

Segundo a Danone19, o programa deve envolver 3 mil professores e

chegar à mais de 100 mil pessoas em 2016. Dele podem participar, gratuitamente, professores de 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental de todo o Brasil com o suposto objetivo de “levar para seus alunos informações e conhecimento a respeito das escolhas certas para uma vida saudável e feliz!”20.

Ainda segundo o release divulgado, o programa “1,2,3, Saúde” seria a

ampliação do antigo programa “1,2,3 e Lácteos!” idealizado pela Danone há quatro anos. A mudança seria a abordagem, no novo programa, de temas de âmbito social. De acordo com o site da campanha21, ela agora teria “o objetivo de compartilhar conceitos de nutrição, saúde, bem-estar e sustentabilidade para promover uma plenitude e felicidade em todas as fases da vida”.

Na prática, conforme será exposta, a Danone passa a falar também de

água, e não apenas de produtos lácteos.

16

Disponível em: http://abir.org.br/danone-lanca-programa-123-e-saude/. Acesso em 21.6.2016. 17

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/o-projeto/. Acesso em 21.6.2016. 18

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/o-projeto/. Acesso em 21.6.2016. 19

Disponível em: http://abir.org.br/danone-lanca-programa-123-e-saude/. Acesso em 21.6.2016. 20

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/materiais-didaticos/. Acesso em: 21.6.2016. 21

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/o-projeto/. Acesso em 21.6.2016.

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O que se percebe, portanto, é a apresentação às crianças de conteúdos que remetem à necessidade de consumo de produtos lácteos, como leite, iogurte e queijo, e de água, todos produzidos pela empresa idealizadora do projeto.

Em meio a uma atividade anunciada como educativa e cultural busca-se

que as crianças incorporam certos conteúdos para que os reproduzam para seus amigos e dentro de seus ambientes familiares. As crianças são chamadas o tempo todo a fazer escolhas certas e ter hábitos saudáveis. Essas escolhas, fica evidente pelo conteúdo do programa, são associadas à inserção da criança no mercado de consumo, especialmente a partir dos produtos da marca. Se assim não fosse, se falaria menos, nos materiais didáticos, da reciclagem e reaproveitamento de embalagens de produtos industrializados, ou do processo industrial de produção de iogurte, pra citar alguns exemplos. E se veria menos, nos trabalhos da criança, menções à Danone e aos seus iogurtes.

A busca pela mudança de hábitos (de consumo) de toda a família está

expressa na fala da diretora da OAK Educação, VERA GOMES: “O 1,2,3 e Saúde! é uma iniciativa cultural e educacional riquíssima, que tem como objetivo ensinar noções de nutrição, saúde, bem-estar e sustentabilidade às crianças e adolescentes, tornando os estudantes fontes de conhecimento e informação para uma mudança de hábitos em toda a família” (grifos inseridos). Certamente, uma boa proposta de educação alimentar e nutricional pode

trazer impactos positivos para a vida das pessoas, inclusive crianças. No entanto, esse parece ser o objetivo secundário da proposta da Danone. O principal é o aumento do consumo de lácteos e de água – industrializados, por certo, e preferencialmente produzidos por ela.

Para melhor compreender esse processo, é necessário analisar não

apenas todo o conteúdo do programa “1,2,3 Saúde”, como também seu antecessor, o “1,2,3 Lácteos!”.

O espetáculo “O Fabuloso Mundo das Descobertas”22 Uma das atividades propostas pelo programa “1,2,3 e Saúde” – e que já

fazia parte do “1,2,3 e Lácteos!”, é a temporada do espetáculo infantil “O Fabuloso Mundo das Descobertas”, desenvolvido pela OAK, em parceria com as

22

O espetáculo na íntegra está disponível na conta do YouTube de 1,2,3 Lácteos em: https://www.youtube.com/watch?v=OsPrFdCM78Q. Acesso em 2.7.2016.

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Secretarias de Educação das cidades envolvidas. A peça teria “o intuito de transmitir uma mensagem lúdica de bem-estar acerca de temas como nutrição na gestação e na primeira infância, hidratação, atividade física, entre outros23”.

Segundo a empresa, a previsão é de que o espetáculo seja apresentado

para 60 mil estudantes de seis cidades, em diversas regiões do Brasil. O transporte dos alunos aos teatros é feito por meio de parcerias com as Secretarias Municipais de Educação. Elas também seriam responsáveis por fazer o convite e inscrever os professores da rede pública24.

A apresentação seria gratuita para as escolas que participam do

programa, com o objetivo de que as sessões atinjam o maior número possível de alunos. “Professores são convidados a participarem da formação pedagógica para desenvolvimento das atividades do programa em sala de aula e agendam a presença de suas turmas ao teatro” 25. Essa formação prévia seria oferecida pela equipe da OAK Educação e Meio Ambiente e seria conduzida por “Professoras Doutoras em Educação e Saúde”, para “apresentar o material didático distribuído gratuitamente pelo projeto e sugerir formas de transposição do conteúdo do espetáculo para o dia-a-dia das salas de aula” 26.

A intenção da marca é clara. Durante os cerca de 50 minutos de duração

da peça (doc. 5), as personagens - Joãozinho, seu avô, professores, nutricionista, geriatra, pediatra, educador físico, biólogo, contadora de história - falam às crianças espectadoras sobre alimentação, hidratação, saúde e atividade física, especialmente a partir dos supostos benefícios de determinados tipos de produtos e nutrientes, sobretudo laticínios, cálcio e água, introduzindo palavras como lácteos, laticínios, lactobacilos, sempre reforçando a importância da hidratação.

A professora “Bete Palavra”, que fala sobre o significado das palavras,

apresenta os “lácteos”. Em um dos momentos da peça, em que participam a professora, Joãozinho e seu avô, é encenado o seguinte diálogo, em um contexto em que ela fala de alguns alimentos que seriam necessários para dar força para a criança protagonista brincar, aprender e estudar27. Ela é evidentemente prescritiva ao falar do consumo de três porções diárias de lácteos.

“PROFESSORA: DENTRE ELES, SABE QUAIS?

23

Disponível em: http://abir.org.br/danone-lanca-programa-123-e-saude/. Acesso em: 21.6.2016. 24

Disponível em: http://abir.org.br/danone-lanca-programa-123-e-saude/. Acesso em: 21.6.2016. 25

Disponível em: http://abir.org.br/danone-lanca-programa-123-e-saude/. Acesso em: 21.6.2016. 26

Disponível em: http://abir.org.br/danone-lanca-programa-123-e-saude/. Acesso em: 21.6.2016. 27

A cena é apresentada a partir do minuto 12, nessa versão: https://www.youtube.com/watch?v=OsPrFdCM78Q. Acesso em 2.7.2016.

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26

JOÃOZINHO: QUAIS, QUAIS? PROFESSORA: POR EXEMPLO, OS LÁCTEOS, E TRÊS PORÇÕES AO DIA! JOÃOZINHO: O QUE SÃO LÁCTEOS? AVÔ: EITA CURIOSIDADE BOA. ESCUTA A PROFESSORA “BETE PALAVRA”, HEIN, FILHO! PROFESSORA: VAMOS LÁ. LÁCTEOS. QUAL SERÁ O SIGNIFICADO DA PALAVRA LÁCTEOS? OUÇA O SOM, JOÃO. FALE COMIGO: LÁCTEOS! JOÃOZINHO: LÁCTEOS. PROFESSORA: REPITA: LÁCTEOS. JOÃOZINHO E AVÔ: LÁCTEOS. PROFESSORA: ESCUTE O SOM DA PALAVRA! JOÃOZINHO E AVÔ: LÁCTEOS.... PROFESSORA: SIM! JOÃOZINHO E AVÔ: LÁCTEOS.... PROFESSORA: LEITE! JOÃOZINHO E AVÔ: LÁCTEOS?! PROFESSORA: MAS NÃO SE PARECE COM LEITE? JOÃOZINHO E AVÔ: LEITE! LÁCTEOS! JOÃOZINHO: PARECE SIM! JOÃOZINHO E AVÔ: O SOM! PROFESSORA: VIU SÓ, JOÃO? LÁCTEOS VEM DE UMA PALAVRA MUITO ANTIGA, LACTIS, QUE SIGNIFICA LEITE. PARA NÓS E PARA NOSSA LÍNGUA QUER DIZER, LEITE. O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS. JOÃOZINHO: ENTENDI: LÁCTEOS CONTÊM LEITE. PROFESSORA: ISSO MESMO! E SE VOCÊ QUER FICAR ÁGIL, FORTE, TER SAÚDE E MANTER ESSA CURIOSIDADE E IMAGINAÇÃO, VOCÊ PRECISA DE TRÊS PORÇÕES DE LÁCTEOS AO DIA. JOÃOZINHO [cochicha para o avô]: TRÊS PORÇÕES DE LÁCTEOS AO DIA... PROFESSORA: VOCÊ PRECISA DE TRÊS PORÇÕES DO QUÊ, MESMO? JOÃOZINHO: DE LEITE, PROFESSORA. PROFESSORA [apontando para a lousa, onde as palavras estão escritas e um queijo está desenhado]: DE LEITE E ALIMENTOS QUE TENHAM LEITE, COMO QUEIJO. JOÃOZINHO: QUE SORTE A MINHA! EU COMO TODO DIA UMA BAITA FATIA DE QUEIJO BRANCO QUE MINHA MÃE FAZ PRA MIM. QUE DELÍCIA! PROFESSORA: AH, SUA MÃE QUE QUEIJO FAZ BEM. PROFESSORA: AH, CADÊ O QUEIJO QUE ESTAVA AQUI? [apontando para a lousa] JOÃOZINHO: CADÊ O QUEIJO QUE TAVA LÁ, VÔ?! AVÔ: ALGUM RATO SABICHÃO COMEU!!!! PROFESSORA: ESSES RATOS QUE SABEM SE ALIMENTAR BEM! FRUTAS, LEGUMES, E ÁGUA, MUITA ÁGUA, VÃO GARANTIR QUE VOCÊ FIQUE FORTE, ÁGIL E TENHA MUITA SAÚDE. [...]

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27

PROFESSORA: AGORA FOI A HORA DE CONHECER O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS E A IMPORTÂNCIA DOS LÁCTEOS NA SUA VIDA! (grifos inseridos)” Por se tratar de uma peça infantil, todas as falas têm uma forte e

exagerada entonação, cada sílaba é repetida com destaque, de forma alongada, reforçando as palavras ouvidas pela plateia.

Em outra cena, um professor fala da importância do cálcio, e retoma o

tema dos lácteos28: “PROFESSOR: E ESSES OSSOS, ESTÃO FORTES? JOÃOZINHO: SIM, EU BRINCO TODOS OS DIAS COM MEUS AMIGOS E AINDA JOGO FUTEBOL. PROFESSOR: ISSO É MUITO BOM! JOÃOZINHO: E UM PONTO MUITO IMPORTANTE, VIU? É CONSUMIR CÁLCIO. JOÃOZINHO: VÔ, O QUE É CÁLCIO? AVÔ: É UM NUTRIENTE, QUE ESTÁ PRESENTE NO LEITE, NA COUVE, NO BRÓCOLIS E NO FEIJÃO. JOÃOZINHO: E TAMBÉM NOS LÁCTEOS! JOÃOZINHO, AVÔ E PROFESSOR (EM CORO): E TAMBÉM NOS LÁCTEOS! PROFESSOR: QUE MENINO ESPERTO! JOÃOZINHO: APRENDI COM A PROFESSORA “BETE PALAVRA”! (grifos inseridos)” Em outro diálogo, na cozinha da escola, com a nutricionista, é

apresentada uma espécie de pirâmide alimentar, com destaque para a fala sobre os alimentos construtores:

“NUTRICIONISTA: AQUELES [ALIMENTOS] QUE SÃO MUITO IMPORTANTES, ESPECIALMENTE PARA CRIANÇAS COMO VOCÊ. JOÃOZINHO E AVÔ: QUAIS? QUAIS? NUTRICIONISTA: OS CONSTRUTORES!! JOÃOZINHO: ELES CONSTROEM O QUÊ? NUTRICIONISTA: NOVAS CÉLULAS, QUE NOS FORTALECEM E NOS FAZEM CRESCER! JOÃOZINHO: E QUAIS SÃO ELES? NUTRICIONISTA: AS CARNES, OS OVOS E OS LÁCTEOS! JOÃOZINHO: E OS ALIMENTOS QUE CONTÊM LEITE!

28

Aproximadamente a partir do minuto 24. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OsPrFdCM78Q. Acesso em: 2.7.2016.

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28

NUTRICIONISTA: ISSO MESMO. E NÃO SE ESQUEÇAM DE BEBER MUITA, MAS MUITA ÁGUA PARA TER SAÚDE. (grifos inseridos)” Outra personagem, o biólogo, chamado “Lácteo Pasteur” explica, com

sotaque francês – aliás, a Danone é uma empresa cuja sede fica em Paris - sobre as bactérias, dentre elas, os lactobacilos. A “aula” diferencia as bactérias que causam doenças daquelas benéficas, presentes em alimentos e medicamentos.

“PASTEUR: UM EXEMPLO DE BACTÉRIA QUE NOS FAZ MUITO BEM SÃO OS LACTOBACILOS. JOÃOZINHO E AVÔ: LACTOBACILOS? PASTEUR: SIM, OS LACTOBACILOS DENTRO DO NOSSO ORGANISMO AJUDAM A MELHORAR A NOSSA DIGESTÃO, EQUILIBRAR O NOSSO FUNCIONAMENTO INTESTINAL, ABSORVER NUTRIENTES IMPORTANTES COMO O CÁLCIO. ESSAS BACTÉRIAS AMBÉM SÃO MUITO IMPORTANTES EM NOSSA VIDA, EM QUALQUER FASE DELA. JOÃOZINHO MAS AS BACTÉRIAS TAMBÉM SE ALIMENTAM? PASTEUR: SIM, AS BACTÉRIAS TAMBÉM PRECISAM DE ALIMENTOS. SÃO AS FIBRAS QUE AJUDAM OS LACTOBACILOS A SOBREVIVER DENTRO DO NOSSO ORGANISMO. [...] PASTEUR: SE VOCÊ FIZER TUDO CORRETO, SE ALIMENTAR BEM, PRATICAR EXERCÍCIOS, BRINCAR, ESTUDAR, DORMIR E BEBER MUITA ÁGUA FICARÁ FORTE E SAUDÁVEL E TERÁ MUITAS BOAS IDEIAS PARA SUA INVENÇÃO. (grifos inseridos)”

Conforme notícia de 17.6.2016, uma das 1,2 mil crianças que já tinham

assistido ao espetáculo, em São Paulo, afirma que “Aprendi palavras novas e também como me alimentar direito. Adorei e meus amigos também adoraram!”29 (doc. 6). Uma das prováveis palavras novas a que se refere à criança é “lácteo”, sem dúvidas.

A água e a hidratação são mencionadas ao longo de todo o espetáculo

como fundamentais para a vida, o crescimento. Uma das personagens, a contadora de história, conta que a água de uma fonte salvou a vida de um rei, que depois viveu 200 anos. Não se questiona aqui a importância da água para os seres vivos, mas sim o interesse de uma empresa que engarrafa água e a coloca em embalagens atraentes para o público infantil de passar essa mensagem nada desinteressada para crianças de todo o país.

Como visto, uma das marcas da empresa Danone é a água Bonafont.

29

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/veja-como-foi-a-1a-semana-de-atividades-do-programa-123-e-saude-em-sp/. Acesso em: 2.7.2016.

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29

Não por acaso em uma das imagens disponibilizadas no site do programa,

um menino aparece segurando uma garrafa de água da linha “Bonafont Kids” de 330ml, estampada com a imagem de um super herói da animação Avengers. Presume-se que as garrafas tenham sido distribuídas às crianças que foram assistir à peça teatral. Certamente é muito mais fácil convencer uma criança sobre a importância de se beber água, e o significado da palavra “hidratação” se, durante os 50 minutos de duração do espetáculo, ela tem em suas mãos uma garrafa de água similar a um brinquedo. A associação é clara.

Os materiais utilizados nas escolas30

Tanto os professores das cidades que participam do programa como os

professores de 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental de outras localidades podem ter acesso à formação, apoio pedagógico e ao material desenvolvido pela Danone por meio do site www.123esaude.com.br, para realizar as atividades com as crianças e a comunidade escolar.

No site da ação é disponibilizado um formulário de inscrição para

preenchimento pelos professores com os dados da escola e das turmas em que lecionam. Alternativamente, é disponibilizado um e-mail “para incluir educadores e escolas que não tem acesso fácil à internet, mas que tenham interesse em fazer parte do nosso programa em 2016” 31.

Uma vez sendo aprovada a inscrição, são disponibilizados kits de materiais didáticos32 às escolas, composto por “Caderno do professor” (doc.

30

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/materiais-didaticos/. Acesso em: 21.6.2016. 31

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/materiais-didaticos/. Acesso em: 21.6.2016. 32

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/materiais-didaticos-2/. Acesso em: 21.6.2016.

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30

7)33, 36 “Cadernos de divertimentos”34 para os alunos (doc. 8) e Fichas de Profissões elaboradas para serem utilizados em sala de aula (doc. 9), além de cartazes e o jogo Meu Dia Alimentar (“um guia alimentar lúdico que servirá como base para a busca de uma vida mais saudável”), utilizados para trabalhar o conteúdo do programa dentro de sala de aula (doc. 10)

35

A metodologia proposta busca que as crianças, organizadas em grupos,

escolham uma profissão dentre as disponíveis - professora, nutricionista, educador físico, geriatra, pediatra, biólogo, sociólogo, contadora de histórias - e elaborem aulas para os próprios colegas, sobre nutrição e saúde. Nos materiais destinados aos alunos chamam a atenção, em meio a informações sobre alimentação, as perguntas diretamente relacionadas ao consumo de lácteos e de água.

33

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Caderno-do-Professor.pdf. Acesso em 21.6.2016. 34

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Caderno-Divertimentos.pdf. Acesso em 21.6.2016. 35

Disponível em: https://blogmaternidadesemfrescura.wordpress.com/2016/05/12/danone-lanca-a-o-programa-1-2-3-e-saude-2/. Acesso em: 2.7.2016.

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No “Caderno de Divertimentos”, por exemplo, é apresentado o processo industrial de fabricação de iogurte, receitas usando iogurte e leite e ilustrações de jarras e embalagens de leite para colorir.

A atividade atribuída à profissão de sociólogo é uma entrevista sobre o consumo de laticínios, e a ideia é que os alunos as realizem em suas casas:

“ESTAMOS FAZENDO UMA ENTREVISTA SOBRE O CONSUMO DIÁRIO DE LÁCTEOS POR PESSOAS DE DIFERENTES IDADES. VOCÊ SABIA QUE A SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA RECOMENDA QUE A GENTE CONSUMA, NO MINIMO, 3 PORÇÕES POR DIA DE LÁCTEOS, QUE SÃO OS ALIMENTOS COMO O LEITE, O IOGURTE, A COALHADA E O QUEIJO? 1. QUAL É A SUA IDADE? _______ANOS. 2. VOCÊ CONSOME 3 PORÇÕES DE LÁCTEOS TODOS OS DIAS? ( ) SIM ( ) NÃO 3. QUAIS SÃO OS PRODUTOS LÁCTEOS QUE VOCÊ CONSOME FREQUENTEMENTE? ( ) LEITE ( ) IOGURTE ( ) QUEIJO ( ) COALHADA” (grifos inseridos)

As atividades sobre o cuidado do planeta estimulam a reciclagem de embalagens de plástico e papel (lembrando que a Tetra Pak é uma das apoiadoras do projeto):

“NA AULA DA NUTRICIONISTA, SABE AQUELE FESTIVAL DE BRINCADEIRAS SOBRE OS ALIMENTOS? QUE TAL INVENTAR E CONSTRUIR ALGUNS BRINQUEDOS REAPROVEITANDO DIFERENTES EMBALAGENS? PODE SER O TELEFONE SEM FIO, O VAI E VEM, O BILBOQUÊ, ALÉM DE BONECOS E CARRINHOS, SEMPRE REAPROVEITANDO EMBALAGENS DE PLÁSTICO E PAPEL.” (grifos inseridos) “NA AULA DA CONTADORA DE HISTÓRIAS, AO ESCOLHER OBJETOS PARA CARACTERIZAR AS PERSONAGENS PRINCIPAIS (LUÍS, TUM--TUM, MÃE E PAI), TENTE CONSTRUIR OBJETOS REAPROVEITANDO MATERIAIS E EMBALAGENS. O QUE VOCÊ ACHA DE PRODUZIR UMA SACOLINHA FEITA DE “CAIXINHA DE LEITE” PARA TRANSPORTAR OS ITENS NA HORA DE CONTAR A SUA HISTÓRIA? [...]” (grifos inseridos)

O material também ensina os alunos a serem “bons consumidores”:

“AO COMPRAR QUALQUER PRODUTO ALIMENTÍCIO, COMO O IOGURTE, OS SUCOS E O LEITE, OBSERVE AS DATAS DE FABRICAÇÃO E VALIDADE PRESENTES NAS EMBALAGENS. APROVEITE E VERIFIQUE SE ELAS ESTÃO OU NÃO DANIFICADAS. [...] LEMBRE-SE DE QUE AS EMBALAGENS DESSES

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PRODUTOS PODEM SER REUTILIZADAS, POR EXEMPLO, NA CONSTRUÇÃO DE BRINQUEDOS! [...] (grifos inseridos)

A lâmina referente à profissão de nutricionista apresenta informações relativas ao consumo de lácteos. Uma delas chama a atenção para o grupo de alimentos “construtores”, tal qual acontece na peça teatral:

“ESCREVA AS PALAVRAS “CARNE”, “OVOS” E “LÁCTEOS” BEM PERTINHO DA PALAVRA “CONSTRUTORES”. ESCREVA “PROTEÍNAS” E “CÁLCIO” BEM AO LADO DAS PALAVRAS “CARNE”, “OVOS” E “LÁCTEOS”. (grifos inseridos) Além disso, há uma brincadeira para indicar os nomes dos produtos que

são feitos à base de leite, e silenciar aqueles que não são:

“A PRIMEIRA BRINCADEIRA É ASSIM: TODO MUNDO TEM QUE FICAR EM RODA. EU VOU CANTAR O SEGUINTE: ESTÁ NA HORA (TRÊS PALMAS) DA BRINCADEIRA (TRÊS PALMAS) DA COMIDA (TRÊS PALMAS) BEM SAUDÁVEL (TRÊS PALMAS) BEM GOSTOSA (TRÊS PALMAS) BATE PALMA (TRÊS PALMAS) PARA OS LÁCTEOS (TRÊS PALMAS) FAZ SILÊNCIO (TRÊS PALMAS) PARA O RESTO (TRÊS PALMAS) ATENÇÃO! (TRÊS PALMAS) VOU COMEÇAR! (TRÊS PALMAS) ARROZ (FAZ SILÊNCIO) IOGURTE (TRÊS PALMAS)” (grifos inseridos)

O pediatra reforça que “Para nossa sorte, o leite e os alimentos à base de leite, como iogurte e queijo, contêm muito cálcio!!!!”. E indica aos alunos: “Escreva: “cálcio = nutriente essencial para a saúde dos ossos”. A lâmina da professora traz atividades bastante prescritivas a favor do consumo de leite, da mesma forma que faz a personagem da peça teatral. Chama a atenção também o modo – imperativo, de certa maneira - em que as atividades são propostas aos alunos. A princípio lhes caberia a eles dar as aulas reproduzindo o que está escrito no material:

“PEÇA PARA TODOS DA SALA LEREM EM VOZ ALTA AS DUAS PALAVRAS. “LACTIS” “LEITE”” (grifos inseridos)

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“ESCREVA AS PALAVRAS “LATICÍNIO”, “LACTOSE”, “LACTANTE”, “VIA LÁCTEA”, “LACTÁRIO”, “LACTICULTURA”. DÊ UMA PALAVRA E DÊ UM PAPEL GRANDE PARA CADA GRUPO”. (grifos inseridos) “PEÇA PARA CADA GRUPO LER A DEFINIÇÃO DAS PALAVRAS. SEMPRE QUE VOCÊ ENCONTRAR A PALAVRA “LEITE”, FAÇA UM CÍRCULO EM TORNO DELA. DEPOIS DE LER TODAS AS DEFINIÇÕES, VOCÊ PODERÁ MOSTRAR QUE A IDEIA DE “LEITE” É IDEIA COMUM A TODAS AS PALAVRAS PESQUISADAS”. (grifos inseridos) “ANTES DE TERMINAR NOSSA AULA, EU QUERIA PROPOR UM ÚLTIMO DESAFIO. VOCÊS JÁ DEVEM TER OUVIDO FALAR QUE NÓS DEVEMOS INGERIR 3 LÁCTEOS POR DIA. AGORA QUE SABEMOS QUE LÁCTEOS TÊM HAVER COM LEITE, QUERO PERGUNTAR A VOCÊS: DE QUAIS ALIMENTOS ESTAMOS FALANDO? PODE SER UM COPO DE LEITE? PODE SER UM IOGURTE? PODE SER UM PEDAÇO DE QUEIJO? ESPERE SEUS COLEGAS DIZEREM: SIM! MUITO BEM! NOSSO GRUPO GOSTARIA DE AGRADECER A VOCÊS POR NOS OUVIREM E PARTICIPAREM DESSA AULA. ESPERO QUE TODOS TENHAM APRENDIDO ALGO SOBRE AS PALAVRAS, PRINCIPALMENTE SOBRE A PALAVRA “LEITE”. AFINAL, ESSA PALAVRA SERVE PARA DAR NOME A UMA DAS COISAS MAIS IMPORTANTES DA NOSSA ALIMENTAÇÃO” (grifos inseridos).

Informações e Notícias

O site do programa seria o meio para veiculação semanal de notícias36 (doc. 11) e informações37 (doc. 12) relativas aos conteúdos e divulgação das atividades do programa e os trabalhos realizados em sala de aula.

Dentre as informações disponíveis no site para os alunos e suas famílias,

algumas chamam especial atenção, como aquelas que falam de alergia e intolerâncias alimentares, lactobacilos e diferença entre leite de pó e de caixa, todas relacionadas ao conteúdo disponibilizado nos materiais oferecidos às escolas e na peça de teatro.

“A MAIS COMUM DE TODAS É A INTOLERÂNCIA À LACTOSE, O AÇÚCAR DO LEITE. A INTOLERÂNCIA À LACTOSE NORMALMENTE NÃO SE

36

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/category/noticias/. Acesso em: 2.7.2016. 37

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/category/saude/. Acesso em: 2.7.2016.

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MANIFESTA NO COMEÇO DA VIDA, QUANDO PRODUZIMOS A QUANTIDADE NECESSÁRIA DE LACTASE, ENZIMA PARA METABOLIZAR ESSE AÇÚCAR. MAS, COM O TEMPO, ALGUMAS PESSOAS PASSAM A SENTIR ALGUNS DESCONFORTOS QUANDO INGEREM LEITE E SEUS DERIVADOS. [...] A BOA NOTÍCIA É QUE, DIFERENTE DO QUE OCORRE COM PESSOAS ALÉRGICAS, QUEM TEM ALGUMA INTOLERÂNCIA ALIMENTAR NÃO PRECISA NECESSARIAMENTE EXCLUIR AQUILO QUE GOSTA DO CARDÁPIO. NA MAIORIA DOS CASOS, É POSSÍVEL CONSUMIR O ALIMENTO EM PORÇÕES MENORES, DESCOBRINDO-SE QUAL O GRAU DE ACEITAÇÃO DO ORGANISMO. PARA QUEM TEM INTOLERÂNCIA À LACTOSE, POR EXEMPLO, EXISTE AINDA A POSSIBILIDADE DAS CÁPSULAS QUE REPÕE A LACTASE DO ORGANISMO OU A OFERTA DE LEITE E DERIVADOS SEM LACTOSE. DESSA FORMA, NÃO É NECESSÁRIO EXCLUIR ALIMENTOS E PODEMOS GARANTIR NUTRIENTES E DELÍCIAS NA NOSSA MESA. [...] PORTANTO, ANTES DE RESTRINGIR SUA ALIMENTAÇÃO, CONSULTE UM MÉDICO E AVALIE SE VOCÊ TEM ALERGIA OU INTOLERÂNCIA. SE FOR INTOLERÂNCIA, EXISTEM ALTERNATIVAS PARA QUE VOCÊ POSSA COMER AQUILO QUE GOSTA – E QUE FAZ BEM!” (GRIFOS DO SITE)38 “UM EXEMPLO DE BACTÉRIA DO BEM SÃO OS LACTOBACILOS, QUE, COMO VOCÊ JÁ SABE, PROTEGEM O CORPO CONTRA AGENTES QUE PODEM FAZER MAL AO INTESTINO E SÃO ENCONTRADAS EM ALIMENTOS FEITOS COM LEITE, COMO QUEIJO E IOGURTE”. 39

“SERÁ QUE EXISTEM DIFERENÇAS ENTRE O LEITE EM PÓ E O LEITE LÍQUIDO? COMO SERÁ QUE O LEITE EM PÓ É FEITO? SERÁ MESMO QUE TODO MUNDO PODE TOMAR LEITE EM PÓ? JÁ SABE AS RESPOSTAS PARA TODAS ESTAS DÚVIDAS? NÃO SE DESESPERE, A EQUIPE DE 1,2,3 E SAÚDE! DESVENDA TODAS ELAS PARA VOCÊ! [...] TANTO O LEITE EM PÓ QUANTO O LÍQUIDO – AQUELE DE CAIXINHA – TÊM AS MESMAS PROPRIEDADES NUTRITIVAS. “APESAR DE ALGUMAS DIFERENÇAS, O LEITE EM PÓ NADA MAIS É DO QUE O LEITE LÍQUIDO DESIDRATADO, OU SEJA, SEM ÁGUA”, EXPLICA. [...] ALIÁS, QUEM TEM INTOLERÂNCIA AO LEITE DEVE FICAR LONGE DO LEITE EM PÓ! O AÇÚCAR DO ALIMENTO, QUE SE CHAMA LACTOSE (QUE PROVOCA A INTOLERÂNCIA), ESTÁ MAIS CONCENTRADO NESTE TIPO DE LEITE.[...] E FIQUE SABENDO QUE O LEITE EM PÓ TAMBÉM PODE AJUDAR A TURBINAR A SUA BEBIDA! [...]”40.

38

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/alergia-e-intolerancia-alimentar-duas-coisas-muito-diferentes-antes-de-restringir-seu-cardapio-faca-uma-avaliacao/. Acesso em: 2.7.2016. 39

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/saiba-mais-sobre-as-bacterias-boas-e-ruins/. Acesso em: 2.7.2016. 40

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/diferencas-entre-os-tipos-de-leite-em-po-x-de-caixa/. Acesso em: 2.7.2016.

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Dentre as notícias atualmente disponíveis está a informação, datada de 27.6.2016, de que “voluntários da Danone” estão desenvolvendo as atividades pedagógicas em instituições sociais que atendem crianças em situação de vulnerabilidade social41. Por meio do site, também é possível saber, por exemplo, que o município de Fortaleza receberá o espetáculo entre os dias 8 e 11 de agosto p.f.42, sendo que a fase preparatória com docentes da rede pública acontecerá no dia 5 de agosto.

“Concurso Cultural 1,2,3 e Saúde!”43 O compartilhamento de informações por alunos e professores seria

estimulado pelo “Concurso Cultural 1,2,3 e Saúde!”, uma competição para criação e divulgação de “Campanhas de Utilidade Pública”, com o objetivo de “informar a população sobre os benefícios relativos ao consumo equilibrado dos alimentos e ações para melhorar a qualidade de vida”44, com a ideia de “transmitir os conceitos trabalhados em sala de aula para a família e comunidade escolar, ampliando os benefícios do programa” 45.

Nos termos do regulamento (doc. 13)46, as campanhas devem ser

produzidas por trios de estudantes de 3º, 4º e 5º anos do Ensino Fundamental das escolas públicas e privadas de todo o território nacional – que podem desenvolver mais de uma campanha – e inscritas pelos professores.

Além disso, as campanhas devem ser criações originais e podem ter

forma de cartaz (formato A3), anúncio de jornal/revista (formato A4), texto, imagem, foto, ilustração, vídeo (15 a 90 segundos, interpretados pelos autores), áudio (15 a 60 segundos, locutados ou cantados pelos autores) ou alguma ação presencial. Paródias de músicas são permitidas. O site disponibiliza modelo de termo de autorização47 (doc. 14) para ser assinado pelos responsáveis legais dos alunos no caso de utilização de imagens ou voz de crianças e adolescentes. Basicamente, uma forma gratuita de realizar publicidade usando os direitos de imagens de crianças.

41

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/atividades-do-programa-123-e-saude-sao-desenvolvidas-por-voluntarios/. Acesso em: 2.7.2016. 42

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/fortaleza-recebe-o-programa-123-e-saude/. Acesso em: 2.7.2016. 43

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/concurso/. Acesso em: 2.7.2016. 44

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Regulamento-do-Concurso.pdf. Acesso em: 2.7.2016. 45

Disponível em: http://abir.org.br/danone-lanca-programa-123-e-saude/. Acesso em: 21.6.2016. 46

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Regulamento-do-Concurso.pdf. Acesso em: 21.6.2016. 47

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/concurso/. Acesso em: 21.6.2016.

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Os professores interessados em participar do concurso, devem registrar e

enviar os trabalhos por e-mail até o dia 7.11.2016, conforme o site48, ou por e-mail ou encaminhadas por correio49 até 31.10.2016, conforme o Regulamento.

Um júri é o responsável por analisar as campanhas e as três mais bem

colocadas são premiadas com bicicletas para os alunos, tablet para os professores e kits esportivos e científicos para a escola. Os resultados serão anunciados, no site, no dia 1.12.2016.

São adotados como critérios de julgamento, nos termos do regulamento:

criatividade e ineditismo, apresentação, adequação e pertinência em relação à proposta, impacto da ideia.

Conforme o regulamento, tudo o que for inscrito no concurso cultural

“poderá ser utilizado pela empresa OAK Educação e Cultura com plena cessão de direitos dos participantes, por tempo indeterminado”. Os vencedores “estarão sujeitos a ceder seus nomes, imagens produzidas e vozes para divulgação em eventos sem qualquer ônus à empresa patrocinadora”.

Ainda não há trabalhos disponíveis, mas é possível ter uma previa das

produções, a partir da análise do programa anteriormente desenvolvido, o “1, 2, 3 Lácteos”.

“1,2,3 e Lácteos!” 50

A visão apresentada sobre o programa “1, 2, 3 Saúde”, de que se trata de uma estratégia comercial como se fosse uma atividade educativa e cultural, tem uma razão de ser. Esse programa é a ampliação de um programa anterior, desenvolvido até 2015, o “1,2,3 e Lácteos!”. A principal diferença é que agora, além de estimular o consumo de laticínios, é promovido também o consumo de água. Ou seja, as crianças já tinham contato com a ideia de consumir o gênero de produtos do qual Danoninho faz parte, bastante anunciado para crianças, e agora passam a ser estimuladas a falar sobre água. Como visto, a Danone é detentora da marca Bonafont, e sua versão kids é focada no público infantil, por meio do licenciamento de personagens de Avengers e Frozen nas embalagens, e, recentemente, de campanha veiculada em televisão e cinemas.

48

Disponível em: http://www.123esaude.com.br/concurso/. Acesso em: 21.6.2016. 49

Central de Relacionamento 1,2,3 e Saúde! Av. São Gabriel, 18 – Jardim Paulista, São Paulo/SP, CEP 01435-000; E-mail: [email protected]. 50

Disponível em: http://www.123elacteos.com.br/materiais-didaticos/. Acesso em: 2.7.2016.

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O site do programa referente aos lácteos, realizado basicamente pelos mesmos parceiros, dá uma dimensão da fidelização das crianças ao consumo, dentro do ambiente escolar. O projeto é apresentado como ação de educação alimentar e nutricional, mas estava centrado em apresentar a recomendação nutricional do consumo de três porções diárias de lácteos. A escola é colocada como promotora de critérios de escolha para os produtos consumidos pelos alunos. A expectativa era de que os alunos participantes estudassem o conteúdo para elaborar aulas, para ensinar os outros colegas, familiares e comunidade escolar. Com isso, poderiam incorporar melhor o conteúdo, ou seja, a necessidade de consumo de lácteos51. Analisando o site, chama a atenção o número de escolas inscritas em Poços de Caldas/MG, onde está instalada a fábrica da Danone. Em uma página de fotos52, foram disponibilizados todos os trabalhos inscritos, em fotos, textos, aulas etc., sendo possível ter a dimensão do que as crianças produzem, a partir do conteúdo que recebem da empresa. Fica evidente a influência da marca Danone nos trabalhos, seja por meio de seu nome, embalagens, conteúdo de mensagens publicitárias. Acróstico sobre iogurte:

Desenho ilustrando o consumo de Danoninho:

51

Disponível em: http://www.123elacteos.com.br/materiais-didaticos/. Acesso em: 2.7.2016. 52

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/123elacteos. Acesso em: 2.7.2016.

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Crianças com potes de Danoninho, em sala de aula:

Crianças com potes de “Activia”, em sala de aula:

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Maquete feita com reciclagem de embalagens da marca Danone:

Escola com Danoninho para consumo:

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Criança consumindo o produto na mesma escola da imagem anterior:

Crianças comprando iogurtes no supermercado, como parte da atividade escolar:

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Campanha produzida por crianças, sobre leite e Danoninho, com estímulo ao consumo do produto:

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Redações sobre a história de danone, utilizado como sinônimo de iogurte: Uma maravilha que batizaram de Danone:

A origem do Danone:

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E um desenho com “Não esqueça de praticar esportes e consumir lácteos! Beijo da tia Danone”, que recebeu uma menção honrosa:

53

53

Disponível em: http://www.123elacteos.com.br/conheca-as-campanhas-de-utilidade-publica-que-receberam-mencao-honrosa-no-nosso-concurso/. Acesso em: 2.7.2016.

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“Copa Danone das Nações” Entre as fotos dos trabalhos realizados a partir do programa “1,2,3 e Lácteos!”, algumas delas eram relativas à “Copa Danone das Nações”, “o maior campeonato infantil do mundo – categoria mista 10 a 12 anos”, segundo o site da ação54. Pelas imagens55 é possível entender que, durante a realização do campeonato de futebol, foram realizadas outras atividades esportivas relativas ao “1,2,3 e Lácteos!”. Aparecem ao fundo das fotos, tiradas em um parque, alguém fantasiado como personagem Dino, um estande de “Degustação”, um estande com nome de “Espaço “Activia”, além de crianças com a camiseta estampando a marca da empresa Danone. Personagem Dino ao fundo, com logotipo de Danoninho:

Crianças vestindo camisetas com logotipo da empresa:

54

Disponível em: http://www.copadanone.com.br/#. Acesso em: 2.7.2016. 55

Disponíveis em: https://www.flickr.com/photos/123elacteos/. Acesso em 2.7.2016.

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Estande de “degustação”, ao fundo, e indicativo de que a ação envolve a campanha 1,2,3 Lácteos.

“Espaço Activia” ao fundo:

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Há fotos também envolvendo uma espécie de premiação das crianças que participam da “Copa Danone das Nações”, com indicativo de que a ação aconteceu simultaneamente com a ação “1,2,3 e Lácteos!”:

Todos esses fatos aconteceram durante a campanha “1, 2, 3 Lácteos!”,

apenas no ano de 2015, e certamente serão reproduzidos com o programa “1,2,3 e Saúde”.

Certamente é importante haver, nas escolas, ações de educação alimentar e nutricional. O que se questiona aqui é a promoção dessas ações a

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partir de uma iniciativa complexa desenvolvida por uma empresa do setor alimentício, que tem em seu portfólio produtos lácteos e água engarrafada, com estratégias publicitárias focadas no público infantil, como atestam as campanhas direcionadas às crianças veiculadas nos meios de comunicação. Essas ações “1,2,3 e Saúde”, “1,2,3 e Lácteos!” e “Copa Danone de Futebol” fazem parte de um universo maior de ações de comunicação mercadológica focadas nas crianças. Elas passam a conhecer mais sobre lácteos, laticínios, lactobacilos etc. dentro da escola, consomem os produtos em meio a atividades educativas, culturais e esportivas, incorporam profissões e produzem aulas para seus colegas, produzem conteúdo para ser divulgado por meio de um concurso, reproduzem essas lições a seus familiares, participam de gincanas com exposição da marca e degustação de produtos, e assistem à publicidade que fala diretamente a elas na televisão ou na internet. O foco aqui não é questionar a qualidade nutricional dos produtos, sejam eles os laticínios ou a água. Mas sim questionar a estratégia de comunicação comercial por meio da qual a empresa se aproxima do público infantil, com apoio de agentes do poder público, como as secretarias de educação, em especial, no caso das escolas públicas.

O objetivo principal é a proteção da criança, e de seus direitos, a mensagem velada que lhe é transmitida, seja no teatro, na escola, em espaços públicos ou nos meios de comunicação. É a fidelização da clientela, desde cedo. A criança é constantemente estimulada a consumir, a desejar, a querer produtos comercializados por empresas, como a Danone.

É interessante destacar, nesse ponto, que apesar das proteções legais aos

direitos das crianças contra a publicidade a elas dirigida, foi divulgado, no dia 26.4.2016, pela Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir) compromisso corporativo, válido apenas para as empresas associadas, dentre elas a Danone, sobre marketing para crianças56. (doc. 15)

Nesse documento chamam a atenção alguns pontos, especialmente o

fato de que suas diretrizes não serão aplicadas a “água pura (mineral, fonte, purificada, com e sem gás), aos sucos de frutas ou vegetais e às bebidas à base de leite”. Também “fica excluído deste compromisso o uso de personagens próprios das marcas”, como o caso do Dino, da Danone, bem como “comunicações de marketing em escolas com crianças abaixo de 12 anos, exceto quando acordado ou solicitado pela administração da escola para propósitos educacionais ou esportivos”. Essas exceções só comprovam o

56

Disponível em: http://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2016/04/DiretizesABIRsobreMarketingparaCriancas.pdf. Acesso em: 2.7.2016.

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interesse da marca em continuar anunciando para crianças esses produtos e dentro da escola. Nesse ponto, cabe destacar que algumas empresas do setor de bebida, ao contrário da Danone, vêm anunciando mudanças em suas práticas direcionadas ao público infantil.

A Coca-Cola, em 2013, anunciou que não faria publicidade de qualquer produto de seu portfólio para crianças com menos de 12 anos de idade, o que incluiria suas linhas de águas57, por afirmar acreditar que “os pais e os cuidadores fazem as melhores decisões para eles mesmos e para suas famílias”. (doc. 16). Por essa razão, em 2013, o Projeto Criança e Consumo enviou uma carta à Danone, e a outras empresas do setor alimentício que haviam assinado acordos corporativos sobre o tema, solicitando que assumisse compromissos semelhantes (doc. 16).

Além disso, a Coca-Cola, há menos de um mês, junto com outras duas

grandes empresas do setor de bebidas, Ambev e Pepsico, reconheceram publicamente que “crianças abaixo de 12 anos ainda não têm maturidade suficiente para tomar decisões de consumo", ao falar sobre o fim da comercialização de alguns de seus produtos, como refrigerantes, néctares e algumas bebidas lácteas adoçadas, dentro do ambiente escolar. (doc. 17) V. Publicidade abusiva dirigida à criança e o desrespeito à peculiar fase de desenvolvimento infantil.

Por todo o exposto na presente Representação, a análise das estratégias publicitárias desenvolvidas pela empresa Danone torna evidente a intenção da anunciante de direcionar sua mensagem comercial ao público infantil, seduzindo-o ao consumo de seu produto e ao conhecimento da sua marca.

Via de regra, a comunicação mercadológica voltada a crianças apresenta

uma combinação de alguns elementos típicos, como linguagem infantil, jingles alegres e cativantes, personagens, bonecos, celebridades infantis, crianças, representações de crianças, desenhos, animações, brincadeiras, jogos, promoções, prêmios ou brinquedos colecionáveis. Todos os itens possuem apelo entre o público infantil, conseguindo assim captar sua atenção e simpatia a fim de, com sucesso, incutir nas crianças o desejo ou preferência por um produto ou serviço.

57

Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/compromisso-global-coca-cola/. Acesso em: 2.7.2016.

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Os principais elementos infantis no caso concreto são os comerciais, em grande parte veiculados em canais infantis, que mesclam realidade e fantasia; a presença de atores-mirins brincando nos comerciais; a oferta de embalagens colecionáveis, as ações dentro de escolas e em espaços públicos, inclusive com degustação dos produtos, associados a momentos de entretenimento, diversão e aprendizado.

A utilização desses elementos atrativos caracteriza a publicidade abusiva

que se vale da deficiência de julgamento das crianças, que se encontram em peculiar estágio de desenvolvimento físico, psíquico e social.

No que tange às relações de consumo e comunicação mercadológica,

pesquisas evidenciam que as crianças – até os 12 anos de idade - ainda não compreendem o caráter persuasivo da publicidade nem conseguem fazer uma análise crítica sobre seu caráter comercial, de maneira que se encontram em uma posição hipervulnerável (Anexo I).

Ademais, se considerarmos o conjunto de ações publicitárias da empresa,

é possível constatar que ela se vale de uma comunicação transmídia, que atinge a criança por meio de diversas mídias e faz com que a marca esteja presente no cotidiano dela por meio de todas as redes a que tem acesso (televisão, sites na Internet, Facebook, YouTube). É importante destacar que, em média, a criança brasileira passa cerca de 5h35. Além disso, atualmente, os programas e comerciais infantis frequentemente convidam seus telespectadores a acessarem seus sites e fanpages na internet, com jogos e vídeos de animação, e uma vez que segundo a Pesquisa TIC Kids Online Brasil 2013, 77% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos são usuários da internet, são espaços nos quais são expostos ainda mais a todo conteúdo mercadológico das marcas que são anunciadas na TV (Anexo II).

Se a publicidade por si só já exerce influência sobre o público infantil,

certamente a possibilidade de proporcionar entretenimento irá potencializá-la. O bombardeamento de anúncios e apelos publicitários faz com que a criança associe o produto anunciado com diversão e valores tidos como positivos, de maneira que é construída uma fidelização à marca desde a infância, quando o público infantil ainda não tem discernimento para realmente decidir se está fazendo uma escolha responsável ou apenas em função de um apelo (Anexo III).

Por conta disso, o oferecimento de itens colecionáveis (embalagem em

forma de personagem e kits de jogos) atrelados à compra do produto é uma estratégia bastante atraente para as crianças, especialmente quando envolvem a presença de personagens. São produtos infantis exclusivos (só podem ser adquiridos com a compra do Danoninho), efêmeros (estão disponíveis por um tempo determinado) e colecionáveis (há a disponibilização de diversos

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brinquedos que juntos compõem um conjunto único comprado em partes), de forma a garantir que em um curto período de tempo a criança consuma diversos produtos alimentícios da empresa para completar a coleção. Pesquisas revelam que itens colecionáveis podem influenciar o desejo por qualquer tipo de alimento, o que demonstra que ele é mais importante do que o alimento em si (Anexo IV).

Neste caminho, ninguém melhor para ser esse interlocutor com a criança

que uma personagem animada, tal como o dinossauro “Dino”, ou as personagens de Avengers ou Frozen. Pesquisas indicam que “um bom personagem comunica mais que mil palavras. As crianças confiam nas personagens, se identificam com eles e os têm como referência de valores”, de forma que o público infantil é facilmente atraído por tal estratégia (Anexo V).

As personagens, aliadas à linguagem lúdica que aproxima ainda mais a

criança, concretizam um duplo efeito oneroso à criança: dificuldade de reconhecimento da comunicação mercadológica e, ainda, confusão entre o prazer provocado pela atividade e o prazer pela visão dos próprios elementos da atividade – no caso, os produtos da marca (Anexo VI).

Por conta da maior facilidade de serem persuadidas, as crianças são o

meio encontrado pelos publicitários e anunciantes para apresentar, aos pais, suas marcas, transformando-as em verdadeiras promotoras de vendas. Busca-se, por meio da utilização de elementos que possuem forte apelo ao público infantil, fidelizar as crianças e manipular seu potencial de intervenção e decisão nas compras de casa, de forma a garantir a influência sobre três mercados: o da família, o da criança e do adulto que ela virá a ser (Anexo VII).

A realização de atividades dentro da escola é utilizada para conquistar o

interesse das crianças para a promoção de seus produtos e garantir sua relação afetiva com a marca. Busca-se, dessa forma, construir na criança um sentimento positivo com relação à marca, que será reencontrada muitas outras vezes por ela, seja na televisão, internet, outdoors, espaços públicos como ruas, praças, centros comerciais, de forma a promover uma associação do produto anunciado com diversão e valores tidos como positivos, de maneira a construir uma fidelização à marca desde a infância.

Ocorre que a escola deve ser compreendida como um espaço privilegiado

para a formação de valores, a conformação de aspectos mais ou menos permanentes da personalidade que individualizam as crianças em desenvolvimento, a criação de desejos, entre outros. Sendo assim, a entrada de empresas comerciais externas ao cotidiano dos pequenos pela via da comunicação mercadológica, prejudica a autonomia político-pedagógica dos estabelecimentos de ensino e impede que as crianças sejam capazes de

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diferenciar o momento de aprendizagem da comunicação mercadológica realizada (Anexo VIII).

Especialmente sobre esse tema da publicidade em escolas já foram

publicados Relatório da ONU sobre Direitos Culturais (doc. 18)58, Notas Técnicas pelo Ministério da Educação (doc. 19)59, e Ministério Público do Estado de São Paulo (doc. 20)60 e recomendações do Ministério Público Federal (Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo) (doc. 21)61, cada qual em seu âmbito de atuação.

É preciso chamar a atenção também que, além de todos esses

elementos, a publicidade da Bonafont estimula a concretização de valores estereotipados de gênero, ao segregar seus produtos em águas “para meninas” e “para meninos”. Ao se utilizar dessa estratégia, a empresa contribui, muitas vezes, com a construção de preconceitos desde a infância e aproveita-se dessa segmentação para obter mais lucro, uma vez que, estimula o desejo de meninas e meninos em obterem produtos diferentes e faz com que os produtos não sejam mais intercambiáveis, mesmo sendo, apenas, garrafas de água (Anexo IX).

Não minimiza o direcionamento da publicidade infantil, o fato de o

produto alimentício lácteo ser anunciado como “enriquecido com Cálcio, Ferro, Zinco, Fósforo e Vitaminas para complementar a alimentação das crianças”. Isso porque se trata da publicidade diretamente focada na criança, de um produto alimentício ultraprocessado, que busca influenciar seus hábitos alimentares desde cedo, por meio de situações lúdicas e prazerosas, fidelização à marca estimulada por brinquedos e embalagens colecionáveis e personagens. Esse tipo de estratégia comercial focada na criança é um dos fatores responsáveis pela transição nutricional da população brasileira, e, ainda, da obesidade infantil (Anexo X).

Cabe aqui mencionar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que manteve multa aplicada pelo Procon de São Paulo à Danone em razão de publicidade enganosa e abusiva do produto Danoninho. Não se trata exatamente publicidade abusiva direcionada a crianças, mas sim de publicidade abusiva e enganosa de produto infantil, Danoninho, que fazia com que o consumidor, especialmente mães e pais de crianças pequenas, acreditassem 58

Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/para-onu-publicidade-infantil-e-acoes-de-marketing-em-escolas-devem-ser-proibidas/. Acesso em: 2.7.2014. 59

http://criancaeconsumo.org.br/noticias/mec-pede-o-fim-da-pulicidade-nas-escolas/. Acesso em: 2.7.2014. 60

Disponível em:http://criancaeconsumo.org.br/noticias/ministerio-publico-apresenta-nota-tecnica-sobre-publicidade-em-escolas/. Acesso em: 2.7.2014. 61

Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/ronald-mcdonald-nao-deve-mais-fazer-shows-em-instituicoes-de-ensino-paulistas/. Acesso em: 2.7.2014.

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que o produto era substituto de alimentação completa, e, por conseguinte, adotassem comportamentos contra sua saúde ou segurança, a partir das falas de pediatras, mães e crianças apresentadas no comercial.

O caso é importante para trazer à reflexão, nesse momento, a relação

entre as mensagens positivas apresentadas pelos materiais “didáticos” elaborados pela empresa, que trazem a voz do professor, do médico, da nutricionista, e as reais características dos iogurtes ultraprocessados, cujo consumo excessivo e habitual se estimula, por meio dos anúncios destinados às crianças62.

“[…] por isso que se deve classificar esta publicidade como abusiva na medida em que se excede na “propaganda” das qualidades nutritivas do produto levando o telespectador, principalmente, a população menos esclarecida a crer que um Danoninho possa substituir o complexo alimentar caseiro, ou, ao menos, induzir essa mesma população a adquirir o produto como eficiente e decisivo para uma alimentação saudável que favorece o crescimento do infante.” (Apelação nº 0018829- 84.2011.8.26.0053, 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 28.11.2012) (doc. 22) Ainda de acordo com acórdão supracitado, “a aplicação do artigo 37, §

2º, do Código de Defesa do Consumidor é inderrogável ao presente caso já que a publicidade do Danoninho se mostra “capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde”.

E, ainda, a recente e histórica decisão do E. Superior Tribunal de Justiça,

publicada em 15.4.2016, que julgou abusiva publicidade da empresa Bauducco, relativa à campanha de produtos alimentícios da linha Gulosos Shrek, objeto de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em 200763:

62

No site são informados como ingredientes do Danoninho sabor morango: “Leite desnatado, açúcar, creme, preparado de morango (água, frutose, polpa de morango, fosfato tricálcico, citrato de cálcio, amido modificado, zinco, vitamina E, ferro, maltodextrina, vitamina D, acidulante ácido cítrico, espessantes goma xantana, carboximetilcelulose e goma carragena, aromatizante, conservador sorbato de potássio e corante natural carmim cochonilha), cálcio, cloreto de cálcio, fermento lácteo, quimosina, estabilizantes goma guar, carboximetilcelulose, goma carragena e goma xantana. CONTÉM GLÚTEN. PODE CONTER TRAÇOS DE CASTANHA DE CAJU. Disponível em: http://danone.com.br/nossas-marcas/danoninho/. Acesso em: 2.7.2016. 63

Recurso Especial nº 1558086. Relator: Min. Humberto Martins (2ª Turma). Recorrente: Pandurata Alimentos Ltda. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Data de julgamento: 10.3.2016. Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/stj-publica-acordao-do-julgamento-historico-sobre-publicidade-infantil/. Acesso em: 2.7.2016.

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53

“PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. PUBLICIDADE DE ALIMENTOS DIRIGIDA À CRIANÇA. ABUSIVIDADE. VENDA CASADA CARACTERIZADA. ARTS. 37, § 2º, E 39, I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. Não prospera a alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que deficiente sua fundamentação. Assim, aplica-se ao caso, mutatis mutandis, o disposto na Súmula 284/STF. 2. A hipótese dos autos caracteriza publicidade duplamente abusiva. Primeiro, por se tratar de anúncio ou promoção de venda de alimentos direcionada, direta ou indiretamente, às crianças. Segundo, pela evidente "venda casada", ilícita em negócio jurídico entre adultos e, com maior razão, em contexto de marketing que utiliza ou manipula o universo lúdico infantil (art. 39, I, do CDC). 3. In casu, está configurada a venda casada, uma vez que, para adquirir/comprar o relógio, seria necessário que o consumidor comprasse também 5 (cinco) produtos da linha "Gulosos". Recurso especial improvido.” (grifos inseridos) (doc. 23)

VI. Publicidade abusiva dirigida à criança: legislação aplicável.

Resta demonstrada a violação da legislação em vigor, em razão do abuso da deficiência de julgamento e experiência das crianças, com o objetivo de seduzi-las para conhecer a marca e consumir seus produtos, afrontando os direitos de proteção integral e atacando suas vulnerabilidades e sua hipossuficiência presumida (Anexo XI).

A criança, em razão de sua peculiar condição de desenvolvimento, deve

ter assegurada a proteção de seus direitos com absoluta prioridade, em respeito a sua proteção integral e melhor interesse da criança. A legislação brasileira proíbe, de forma genérica, as publicidades direcionadas às crianças considerando-as abusivas, tendo em vista que a proteção da infância é um valor social que precisa ser respeitado, inclusive nas relações de consumo. Portanto, ser protegida contra as publicidades abusivas, pela interpretação sistemática da Constituição Federal (art. 227), do Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 4º, 5º, 6º, 7º, 17, 18, 53), da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças (arts. 17 e 31), do Código de Defesa do Consumidor (arts. 36 e 37, §2º) e da Resolução nº 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – Conanda (Anexo XI).

Merece destaque, no tocante à violação dos direitos das crianças, a Nota

Técnica da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça

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54

(Senacon/MJ) (doc. 24)64, publicada em maio de 2016, que trata, especificamente, das ações publicitárias de produtos alimentícios direcionadas às crianças, bem como aquelas realizadas no ambiente escolar. A nota conclui:

“Portanto, a publicidade de alimentos, especialmente daqueles com baixo valor nutricional e/ou acompanhados de brindes (ou com promoções que demandem a aquisição de muitos produtos para a obtenção de brinde ou de coleção de produtos) deve ser considerada especialmente abusiva, por violar também o direito à saúde da criança e estimula-las a adotar comportamento de consumo que coloque em risco a sua saúde e segurança, nos exatos termos exemplificados no artigo 37, § 2º.” (grifos inseridos) “Diante de todo o exposto conclui-se que é fundamental que a publicidade dirigida às crianças seja abolida dos ambientes escolares, tendo em vista a vedação legal que se depreende dos artigos 37, § 2º e 39, IV do Código de Defesa do Consumidor, o que deve ser objeto de atuação dos órgãos de defesa do consumidor”. (grifos inseridos) A Nota Técnica se baseia, entre outros fundamentos, na pesquisa

“Publicidade Infantil em Tempos de Convergência65” divulgada em 12.4.2016 pelo Ministério da Justiça, realizada em parceria com a Universidade Federal do Ceará.

A publicação é a primeira análise de caráter público e nacional feita no

Brasil sobre o grande volume de publicidade direcionada à criança, nos mais variados lugares e mídias; o que envolve estratégias mais complexas de publicidade na internet; e a confusão entre publicidade e informação feita pelos pequenos. O estudo foi realizado com 81 crianças de 9 a 11 anos, em dezembro de 2014, nas cidades de São Paulo, Fortaleza, Brasília, Rio Branco e Porto Alegre, e buscou identificar a compreensão da criança sobre a publicidade, sua percepção das estratégias utilizadas e os impactos no seu bem-estar. A partir dos dados obtidos foi evidenciada a grande quantidade de publicidade nos ambientes físicos e virtuais que as crianças frequentam, o que, segundo a pesquisa, provoca uma avaliação negativa das crianças em relação aos excessos de publicidade, principalmente quando elas interrompem seus momentos de lazer. Mas muitas vezes, elas não conseguem identificar a mensagem como publicitária.

64

Disponível em: http://www.justica.gov.br/noticias/senacon-divulga-entendimento-sobre-publicidade-infantil. Acesso em: 2.7.2016. 65

Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/estrategias-complexas-de-publicidade-infantil-invadem-a-internet/. Acesso em: 2.7.2016.

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55

VII. Pedido.

O Instituto Alana, por meio de seu Projeto Criança e Consumo, entende que as práticas comerciais descritas, desenvolvidas pela empresa representada, são abusivas, e, portanto, ilegais, por desrespeitarem a proteção integral e a hipervulnerabilidade da criança, em patente violação ao artigo 227, da Constituição Federal, diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, artigos 36, 37, § 2º e 39, IV, do Código de Defesa do Consumidor e Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que devem ser analisados e interpretados conjunta e sistematicamente.

Diante do exposto, o Instituto Alana, por meio do seu Projeto Criança e

Consumo, vem solicitar a este I. órgão que sejam tomadas as medidas jurídicas admitidas, em âmbito judicial ou extrajudicial - para coibir estas nocivas práticas mercadológicas, a fim de que a empresa cesse com tal abusividade e ilegalidade, deixe de realizar ações semelhantes, bem como repare os danos já causados às crianças de todo o país. Atenciosamente,

Instituto Alana Projeto Criança e Consumo

Isabella Henriques Ekaterine Karageorgiadis Diretora Advogada

Isabela Minelli D’Andréa Acadêmica de Direito

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ANEXO I Hipervulnerabilidade e hipossuficiência da criança

Motiva a análise o fato de que esse tipo de estratégia de comunicação

mercadológica, que se direciona diretamente ao público infantil, configura-se como abusiva, aproveitando-se da deficiência de julgamento e experiência da criança.

A criança se apresenta como pessoa em peculiar estágio de

desenvolvimento físico, psíquico e social. Essa condição bastante singular confere ao público infantil especial vulnerabilidade, o que é reconhecido pela legislação vigente, que a protege.

No complexo universo das relações de consumo e da comunicação

mercadológica a criança é ainda considerada hipervulnerável e hipossuficiente, uma vez que não tem o discernimento necessário para compreender o caráter venal da publicidade, sendo por isso facilmente por ela influenciada.

Sobre o tema o emérito professor de psicologia da Universidade de São

Paulo, YVES DE LA TAILLE, em parecer conferido sobre o tema ao Conselho Federal de Psicologia, expõe1:

i. A publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro as crianças até os 12 anos, quando não possuem todas as ferramentas necessárias para compreender o real; ii. As crianças não têm a mesma capacidade de resistência mental e de compreensão da realidade que um adulto; e iii. As crianças não estão com condições de enfrentar com igualdade de força a pressão exercida pela publicidade no que se refere à questão do consumo. Uma pesquisa realizada pelo sociólogo sueco ERLING BJURSTRÖM2

acrescenta que somente por volta dos 8-10 anos as crianças conseguem diferenciar publicidade de conteúdo de entretenimento e que somente após os 12 anos todas conseguem entender o caráter persuasivo da publicidade e fazer uma análise crítica sobre sua mensagem comercial.

1 Parecer sobre PL 5921/2001 a pedido do Conselho Federal de Psicologia, ‘A Publicidade Dirigida ao

Público Infantil – Considerações Psicológicas’. http://www.crprj.org.br/noticias/2008/0305-publicidade-dirigida-ao-publico-infantil.html. Acesso em 28.11.2014. 2 Children and television advertising – Swedish Consumer Agency Erling Bjurström, sociólogo contratado

pelo Governo Sueco em 1994-95. https://pt.scribd.com/doc/137315965/Children-Tv-Ads-Bjurstrom. Acesso em 8.12.2014.

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É notório que publicitários, como especialistas de sua área, possuem

amplo conhecimento sobre o comportamento de seu público-alvo e de sua vulnerabilidade e, desse modo, sabem de antemão que direcionando seu anúncio às crianças, obterão maior sucesso na transmissão de sua mensagem e no convencimento ao consumo de seus produtos. Com esse objetivo, as empresas investem em pesquisas para saber qual a forma mais eficiente de incutir no público infantil o desejo pelo produto anunciado e ensiná-la a pedir insistentemente a seus pais ou responsáveis para que o comprem.

Verifica-se, portanto, que a relação do público infantil com a publicidade

é marcada pela falta de isonomia, pois é a criança o público alvo de uma mensagem comercial criada pela empresa para seduzi-la.

Consequentemente, o direcionamento de comunicação mercadológica

apelativa, indutiva ou sugestiva à criança é abusivo, já que explora a condição natural da infância e suas características intrínsecas, que fazem com que necessite especial cuidado e proteção.

Dessa forma, a publicidade da empresa bem como outras formas de

comunicação mercadológica da empresa voltadas ao público infantil, deve ser objeto de crítica por desrespeitar princípios éticos e morais de respeito à hipervulnerabilidade das crianças nas relações de consumo.

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ANEXO II A utilização da comunicação transmídia para atingir a criança

Ao passo que a hipervulnerabilidade da criança diante da mídia é

amplamente comprovada por diversos estudiosos nas mais variadas áreas do conhecimento, a prática de endereçar a comunicação mercadológica às crianças tem se mostrado cada vez mais comum em meio ao mercado.

A criança brasileira é uma das que mais assiste televisão no mundo, com

uma média de 5h35 por dia1. Segundo dados do IBOPE Media referentes ao ano de 2013, no site do

Media Book2: “Durante o último ano, os investimentos publicitários movimentaram o equivalente a U$$ 51,8 bilhões de dólares no Brasil. O valor corresponde a 58% do total investido em publicidade na América Latina no período. A TV aberta concentrou 53% dos investimentos publicitários, além do merchandising que, sozinho, totalizou 5% das verbas destinadas à publicidade”. Dados do IBOPE Media apontam ainda que 96% da população brasileira

têm o hábito de assistir TV aberta, e que com o crescimento de 10% no consumo de TV paga pela população, a televisão ganhou mais força.

Esse grande consumo de mídia pela criança brasileira, aliado à excessiva

quantidade de anúncios nos veículos de comunicação e aos estudos que revelam que bastam apenas 30 segundos de exposição para uma marca de alimentos influenciar uma criança3, permitem imaginar a dimensão do impacto das estratégias de mercado na vida das crianças.

O aumento4 dos pacotes de TV por assinatura, associado com internet e

telefone, promoveu, sem dúvidas, um investimento em estratégias de comunicação mercadológica transmídia, ou seja, que tem por objetivo divulgar ações de marketing por meio de diversas redes, em complementaridade entre a mídia televisiva e as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

1 Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/tempo-diario-de-criancas-e-adolescentes-em-

frente-a-tv-aumenta-em-10-anos/. Acesso em 2.7.2015. 2 Disponível em: http://www.mediabook.ibope.com/pais/brasil/2013/abertura/destaque Acesso em

31.03.2015 3 Fonte: Associação Dietética Norte-Americana – Borzekowski Robinson

4 De acordo com a pesquisa, segundo dados da ANATEL, foram registrados a 16,9 milhões de assinaturas

no primeiro semestre de 2013.

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Tendo em vista que, atualmente, até os pacotes mais econômicos

contam com canais infantis, já é comum os programas infantis convidarem os telespectadores a acessarem seus sites e fanpages na internet, especialmente na rede Facebook, atingindo de maneira ampla e direta o público infantil.

O número de usuários do Facebook, por exemplo, cresce no país.

Segundo pesquisa divulgada em janeiro de 2014 o número de crianças e adolescentes na rede social aumentou 118% entre 2012 e 2013, ou seja, de 4,3 milhões para 9,4 milhões, e esses usuários passam mais de 18 horas mensais conectados à rede social.5

Atualmente, 77% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos são usuários

da internet. Dados do IBGE6 referentes a 2014 mostram que 36,8 milhões de casas estavam conectadas, o que representa 54,9% do total. Em 2013, esse índice era de 48%. O IBGE indicou ainda que a quantidade de internautas chegou a 54,4% das pessoas com mais de 10 anos em 2014, são 95,4 milhões de brasileiros com acesso à internet.

Além de acessarem de casa, os últimos anos refletem um aumento vertiginoso no acesso via celular. Também de acordo com o IBGE7, o celular para navegar na rede era usado em 80,4% das casas com acesso à internet, já o computador para esse fim estava em 76,6% desses domicílios e teve queda na comparação com 2013 (88,4%).

Outro dado relevante é que cerca de 136,6 milhões de pessoas de 10

anos ou mais tinham celular em 2014 no país. O número representa 77,9% dessa população e um aumento de quase 5% em relação a 2013 (6,4 milhões de pessoas) e de 142,8% em relação a 2005.

Os grupos de idade que apresentaram os maiores aumentos entre 2013 e

2014 foram o de 10 a 14 anos de idade, ao passar de 49,9% para 54,1%, o de 15 a 17 anos, com 80,8% com celulares, em comparação a 76,7% em 2013, e o de 60 anos ou mais em que 55,6% tinham celulares em 2014, ante 51,6% em 2013.

5 Fonte: http://www.comscore.com/por/Insights/Press-Releases/2014/5/Estudo-da-comScore-Brazil-

Digital-Future-in-Focus-2014-esta-disponivel. Acesso em 30.3.2015. 6 Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/04/internet-chega-pela-1-vez-mais-de-

50-das-casas-no-brasil-mostra-ibge.html. Acesso em: 8.4.2016. 7 Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-04/celular-e-principal-meio-

de-acesso-internet-na-maioria-dos-lares. Acesso em 8.4.2016.

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No que tange às redes sociais, 79% dos usuários têm perfil próprio em sua rede social de mais uso e 63% acessam redes sociais todos, ou quase todos, os dias.8

O contato constante do público infantil com a internet e redes sociais é impulsionado ainda mais com a ascensão do uso do celular por crianças. De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto iStart9, 37% das crianças de 9 a 10 anos levam o celular até para a escola, e, ainda, de acordo com o mesmo Instituto, as crianças não recebem orientações adequadas sobre o uso ético, legal, seguro e saudável destes dispositivos digitais.

De acordo com os resultados divulgados, os maiores problemas

relacionados com o uso precoce do celular, segundo as escolas ouvidas pelo Instituto, foram o cyberbullying (75%), distração, dispersão e interferência no andamento da aula por conta do manuseio do celular (56,25%) e a exposição demasiada de intimidade com o compartilhamento de imagens íntimas de menores de idade (31,25%).

Ainda, importante destacar que a idade mínima para uma criança ter

acesso a redes sociais, como Facebook e Snapchat é 13 anos, para o Whatsapp, a idade mínima é 16 anos, e serviços como YouTube e Netflix, 18 anos. Desta forma, é realizado um incentivo e comunicação direta com a criança em um espaço que sequer ela poderia acessar.

A partir do conhecimento desses dados, as empresas e agências de publicidade passaram a apostar de maneira maciça na publicidade direcionada a crianças, de forma que este público passa a ter contato com a marca via estratégias 360 graus.

Importante ressaltar que a evidente destreza de crianças em relação às

novas tecnologias não significa que possuem plena capacidade de discernimento para identificar o caráter persuasivo que está sendo transmitido.

A publicidade direcionada ao público infantil nesses meios busca fazer

com que sejam vistas como entretenimento ou ações educativas, deixando a criança totalmente vulnerável e sem condições de se defender desses apelos – ainda mais porque seus pais e responsáveis têm pouco domínio de tais tecnologias.

8 Fonte: Pesquisa TIC Kids Online Brasil 2013. Disponível em: http://www.cetic.br/pesquisa/kids-

online/indicadores. Acesso em 30.3.2015. 9 Disponível em: http://www.familiamaissegura.com.br/pesquisa/. Acesso em 21.10.2015.

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Dados também indicam que cada vez mais esta influência das crianças se intensifica, o que faz com que as crianças se sintam em uma posição de poder, resultando no fortalecimento do sentimento de onipotência e do egocentrismo na criança. Em consequência, as crianças encontram dificuldades em lidar com a frustração de ouvir um não e seus pais ou responsáveis, que apresentam também maiores dificuldades em impor limites a eles10.

As mensagens provenientes da mídia possuem um grande peso na

formação e elaboração dos referenciais de mundo de uma criança, principalmente por um público que não tem ainda sua capacidade de resistência aos apelos externos completamente desenvolvida.

10

Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/135430353/tns-ninos-mandan-pdf. Acesso em 28.11.2014.

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ANEXO III O uso de entretenimento como estratégia de marketing

Agrava a prática abusiva de direcionamento de publicidade ao público

infantil a forma como essa é articulada: associação da marca a formas de entretenimento infantil.

É facilmente identificada a opção da anunciante por utilizar a linguagem

do entretenimento, que permeia profundamente o universo e o momento da infância, para transmitir sua mensagem comercial com mais eficácia.

Os resultados demonstram que uma empresa especializada em comunicação com o público infantil reconhece a fundamental importância da linguagem de entretenimento para fazer com que as crianças captem melhor as mensagens transmitidas.

No entanto, o objetivo do mercado publicitário é logrado na medida em que desrespeita características importantes do desenvolvimento infantil.

Conforme estudo realizado pela ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE

PSICOLOGIA1, um indivíduo consegue ter uma compreensão madura de anúncios publicitários quando adquire duas habilidades fundamentais: (i) o poder de discernir em um nível de percepção conteúdo comercial de conteúdo não-comercial; e (ii) o poder de atribuir intenção persuasiva à publicidade e atribuir um certo ceticismo à interpretação de mensagens comerciais a partir de tais conhecimentos.

Essa compreensão madura não é inata. Segundo ERLING BJÜRSTROM2, as

crianças, assim consideradas as pessoas de até 12 anos de idade, não têm condições de entender sozinhas as mensagens publicitárias que lhes são dirigidas, por não conseguirem, justamente, distingui-las da programação na qual são inseridas, nem, tampouco, compreender seu caráter persuasivo.

Nesse aspecto, a falta de maturidade bio-psicológica na infância dificulta o reconhecimento e a reflexão sobre os elementos publicitários contidos em jogos, histórias, sites de internet, revistas em quadrinhos, espetáculos circenses, peças de teatro e outras atividades lúdicas. Se a criança enxerga os

1 http://biblioteca.alana.org.br/biblioteca/CriancaConsumo/Biblioteca2.aspx?v=6&pes=39. Acesso em

16.11.2013. 2 Children and television advertising – Swedish Consumer Agency Erling Bjurström, sociólogo contratado

pelo Governo Sueco em 1994-95. http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/pesquisas/children_tv_ads_bjurstrom_port.pdf. Acesso em 16.11.2013.

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produtos/serviços da anunciante em um jogo ou vídeo de entretenimento, por exemplo, ainda que não entenda a razão de aquilo estar ali, os efeitos da publicidade surtirão da mesma maneira: ela grava a imagem do produto/marca e facilmente a reconhecerá mais tarde nas prateleiras do supermercado ou nas lojas de um shopping.

Assim, a mescla de publicidade e entretenimento causa duplo efeito oneroso à criança: dificuldade de reconhecimento da comunicação mercadológica e, ainda, confusão entre o prazer provocado pela atividade e o prazer pela visão dos próprios elementos da atividade – no caso, os produtos da marca. A empresa cuida de tornar a o público infantil afeito ao produto, pela repetição de imagens, associadas ao prazer e diversão, sem expor claramente para as crianças suas reais intenções.

Nesse sentido, pretende-se que a criança seja seduzida por um dos símbolos da marca, e assim começa seu processo de fidelização que se pretende, por parte da empresa, atingir o período do berço ao túmulo. Entende NICOLAS MONTIGNEAUX:

“Mas as marcas que procuram seduzir e conquistar a fidelidade dos jovens consumidores devem estabelecer com eles um relacionamento mais profundo e mais durável. Não podem se contentar em ser conhecidas pelo maior número possível de consumidores ou de veicular uma imagem de modernidade ou de dinamismo. Para que a criança se sinta atraída pela marca ela deverá desenvolver com a criança um verdadeiro e durável relacionamento. (...) Quando a marca ‘fala’ à criança, esta se sente conhecida e reconhecida. Está no centro da relação, relação que a tranquiliza, visto que, assim, a criança existe aos olhos da marca. Dessa maneira, a marca se aproxima da criança e faz parte do seu cotidiano. A marca entende a criança, e, eventualmente, poderá ajudá-la. Essa familiaridade com a marca dá tranquilidade à criança. O relacionamento entre a marca e a criança não é uma comunicação em sentido único. Supostamente, há uma troca, uma interatividade. A relação deve ser entendida pela criança como algo vivo. A marca mobilizará a criança, solicitará sua curiosidade e estimulará sua imaginação. A criança deverá se colocar em ação, ler, descobrir, adivinhar, responder a questionamentos, mostrar-se astuta: atitudes que, nessa idade, lhe dão muito prazer”. (grifos inseridos)

Desta forma, verifica-se que a criança, em seu processo de formação,

ainda não apresenta capacidade plena de desenvolver um pensamento crítico em face da publicidade a ela dirigida, e acaba sendo convencida pelas

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informações externas que lhe chegam, especialmente quando veiculadas por modos familiares e de seu apreço, como são as formas de entretenimento.

Diante disso, questiona-se não somente o direcionamento de publicidade

ao público infantil, mas também a forma abusiva que é utilizada, que coloca as mensagens comerciais de maneira que dificulta ou até impossibilita a percepção da criança sobre o caráter mercadológico do conteúdo.

Não se trata aqui de proteção excessiva ou alienação da criança da

dinâmica social, mas sim da preservação da saúde da infância, considerando que possuem inteligência e esperteza diretamente relacionadas às suas experiências de vida e grau de desenvolvimento cognitivo.

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ANEXO IV Influência da oferta de alimentos com brinquedos e outros itens colecionáveis sobre as crianças

As recentes mudanças ocorridas no mercado de consumo atual, tais como o surgimento de inúmeras novas marcas, adoção de frequentes promoções por parte da concorrência, aumento da similaridade entre os produtos e, por fim, perda da eficiência da publicidade, devido ao seu alto custo e à saturação da comunicação, fizeram com que o mercado passasse a buscar alternativas mais viáveis e menos onerosas para rentabilizar suas verbas de marketing.

Dentro desse cenário, com o objetivo de orientar o consumidor em

direção à sua marca, as empresas passaram a investir em novas estratégias para influenciar o desejo de compra do consumidor, entre eles o oferecimento de diversos itens junto aos produtos comercializados.

Isso porque a comercialização de utensílios junto aos produtos tem o

poder de encantar e conquistar a simpatia do consumidor. O objeto que acompanha a mercadoria faz com que o consumidor lembre-se da marca e fixe uma ideia positiva da empresa, estimulando a criação de laços afetivos entre o consumidor e a marca1.

Assim, mais do que uma lembrança simbólica, o oferecimento de um

item junto ao produto tem por objetivo deixar a marca em evidência, reforçando o vínculo dos consumidores com a empresa. Busca-se estimular a fidelização da marca, de modo que o consumidor sinta-se “presenteado” pela marca e faça uso do brinde em seu cotidiano2.

Por conta disso, diferentemente de uma mídia tradicional, que atinge o

consumidor apenas uma vez, os itens comercializados junto aos produtos, além de serem um fator determinante no momento da compra, garantem um contato constante com o consumidor3.

Se for bem escolhido, o “brinde” consegue liberar a mensagem ao longo

do tempo, obtendo efeito mais duradouro do que outras ferramentas de

1 Disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/marketing/a-forca-do-brinde-uma-

ferramenta-do-marketing-promocional/54084/. Acesso 4.1.2015. 2 Disponível em: http://www.rumomarketing.com.br/blog/marketing-de-relacionamento-brindes/.

Acesso em 4.1.2015. 3 Disponível em: http://www.promoline.com.br/blog/index.php/estrategia-de-marketing/. Acesso em

4.1.2015.

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marketing. Afinal, sempre que o consumidor vê ou utiliza o objeto oferecido por determinada empresa, ele tem uma lembrança positiva da marca.

Assim, o oferecimento de itens junto a produtos torna-se importante

para o processo de fidelização por incentivar sua compra, aproximar a empresa do consumidor, e destacá-la dentre as demais4.

Pesquisa denominada “Effectiveness Of Promotional Products When

Compared To Traditional Media” (“A Efetividade de Produtos Promocionais comparada à Mídia Tradicional”), realizada pela PROMOTIONAL PRODUCTS ASSOCIATION INTERNATIONAL (PPAI)5, comprovou a eficácia da comercialização de itens junto aos produtos.

A pesquisa, realizada com adultos, foi divida em duas partes: (i)

“Efetividade de produtos promocionais como um meio de publicidade”, a qual focava apenas nos “brindes” oferecidos pelas empresas, avaliando a reação e o relacionamento dos produtos e consumidores; e (ii) “Produtos Promocionais e Outras Mídias”, que tinha por objetivo comparar a efetividade dos “brindes” com outros tipos de mídia (televisão, anúncios na internet e mídia impressa), avaliando seu alcance e a reação dos consumidores.

De acordo com os dados coletados na primeira etapa6, 94% dos

consumidores entrevistados conseguiam se lembrar de algum item que receberam com a compra de algum produto. Destes, 69% ainda faziam uso dos objetos recebidos.

Em meio a tal cenário, é inegável que a publicidade e o desenvolvimento

de promoções com a distribuição de itens junto aos produtos é fator que interfere significativamente no aumento de suas vendas.

e a comercialização de itens junto aos produtos é capaz de determinar a

preferência de adultos em relação a determinados produtos, essa influência agravada pela publicidade, certamente será muito maior entre as crianças que, devido a seu peculiar estágio de desenvolvimento físico, psíquico e social, não

4 BORGES, Pedro Gabriel Teixeira Santos e CARNEIRO, Carla Maria Bessa. A importância da promoção de

vendas para a fidelização de clientes. Disponível em: http://www.uff.br/ensaiosdemarketing/artigos%20pdf/2/AIMPORTANCIADAPROMOCAODEVENDASPARAAFIDELIZACAODECLIENTES.pdf. Acesso em 4.1.2015. 5 Promotional Products Association International (PPAI). Effectiveness Of Promotional Products When

Compared To Traditional Media, 2009. Disponível em: http://www.ppai.org/press/ppai-study-confirms-effectiveness-of-promotional-products. Acesso em 4.1.2015. 6 A pesquisa foi realizada com 1005 consumidores que afirmaram ter recebido algum “brinde” nos

últimos 24 meses. Aqueles que afirmaram não ter recebido coisa alguma, não responderam ao questionário.

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têm o discernimento necessário para compreender o caráter venal da publicidade.

A persuasão sobre as crianças, exercida pelas ações de comunicação

mercadológica, é ampliada quando a comercialização dos produtos é realizada em conjunto com brinquedos ou outros itens atraentes às crianças, como bolsas, materiais escolares, acessórios de vestuário, bijuterias, figurinhas. Isso porque, se a publicidade por si só já exerce influência sobre o público infantil, certamente a possibilidade de entretenimento irá torna-la mais convincente. A comercialização de um prêmio junto aos produtos chama a atenção das crianças, especialmente quando envolve a presença de personagens do universo infantil.

Não há dúvidas de que a oferta do brinquedo ou de outros itens –

acompanhada de ampla publicidade nos meios de comunicação e pontos de venda - busca atrair as crianças ao consumo dos produtos ofertados. Frequentemente, o adulto, enquanto responsável por uma criança, é por ela pressionado a comprar o produto anunciado para adquirir o item a ele associado. E, enquanto consumidor, é induzido pelo fornecedor a acreditar que a oferta lhe é vantajosa, por “ganhar” o presente.

Os itens comercializados com os produtos são caracterizados por sua

exclusividade, efemeridade e caráter colecionável, fazendo com que as crianças sejam incentivadas a consumir uma grande quantidade de certa mercadoria em um curto espaço de tempo. Afinal, no caso de prêmios colecionáveis, quando as crianças obtêm o primeiro brinquedo da série, elas passam a desejar completar a coleção, o que a faz “amolar” para obter os itens remanescentes.

Logo, por meio dessa estratégia, nunca cessará a possibilidade de

aquisição de novos brinquedos e de formação de novas compilações que só podem ser compradas com o consumo de uma marca específica.

A oferta de brinquedos é bastante vinculada a produtos alimentícios com

altos teores de sódio, açúcar, gorduras e bebidas de baixo teor nutricional. Referida vinculação, por estimular o consumo excessivo e habitual desses produtos, é extremamente prejudicial à saúde das crianças. A obesidade e as doenças crônicas associadas têm se tornado um problema crescente no país, atingindo cada vez mais brasileiros, desde a infância.

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PABLO JOSÉ ASSOLINI7 estudioso do tema, em artigo sobre o Eatertainment, ou seja, a associação de alimentos a entretenimento, aborda a grande influência dos brinquedos sobre o comportamento das crianças:

“Se a publicidade por si só já influencia o público infantil, a possibilidade de proporcionar entretenimento à experiência de consumo é capaz de potencializá-la. A estratégia tem crescido muito, principalmente na indústria de alimentos. (...) Segundo Linn (2006, p.133) nos últimos anos, a literatura de marketing centrou-se na necessidade de a comida ser ‘divertida’. A indústria de alimentos refere-se ao fenômeno como ‘eatertainment’ (comertimento).(...) Essa estratégia funciona especialmente com o público infantil, porque ele dá preferência às escolhas que resultam em ganhos imediatos. Um dos exemplos da prática é o fornecimento de “brindes”, freqüentemente atrelado à compra de determinado produto. Para Kapferer (1987, p. 151) “o brinde que vem dentro da embalagem é o preferido das crianças, por ser imediato e palpável, diferente de desconto sobre o preço do produto, vale brinde. [..] Em geral, elas preferem a certeza de um prêmio pequeno à incerteza de um prêmio grande”. A ideia de proporcionar entretenimento no ato de consumir um produto alimentício torna-se ainda mais atraente quando envolve um personagem que faz parte do cotidiano das crianças, como um herói da televisão, por exemplo. Isso porque a criança, em nossa sociedade, tem a TV como uma mídia familiar. A pequena reprodução do herói no brinde permite que ela reveja seus personagens favoritos. Melhor que isso: ela ainda pode levá-lo para casa, para que possa fazer parte de suas brincadeiras (KAPFERER, 1987, p. 152). Para Linn (2006, p. 129-130) “as corporações estão tentando estabelecer uma situação na qual as crianças fiquem expostas às suas marcas no maior número de lugares possível [...] no decorrer de suas atividades diárias”. As referências que grande parte do público infantil tem sobre alimentação estão diretamente ligadas ao que são apresentadas para ela na TV, na internet e em outros meios tecnológicos. E o que é posto em destaque pela propaganda não é o valor nutricional dos alimentos, mas a capacidade de entreter, de tornar o cotidiano da criança mais divertido.” (grifos inseridos)

Além disso, de acordo com pesquisa denominada “Collectible Toys as Marketing Tools: Understanding Preschool Children´s Responses to foods paired with premiums”, publicada em 2012, na Revista American Marketing

7 ASSOLINI, Pablo José. O eatertainment: alimentando as crianças na sociedade de consumo, p.13.

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Association8, a oferta de itens colecionáveis possui uma influência determinante no consumo de produtos por crianças em idade pré-escolar.

Os resultados da pesquisa demonstraram que sem a oferta de qualquer

prêmio as crianças sempre preferem os alimentos conhecidos como fast food. Mas os prêmios podem influenciar o desejo por qualquer tipo de alimentos, o que demonstra que ele é mais importante do que o alimento em si.

Nesse cenário, a única hipótese em que as crianças demonstraram

preferências pelos alimentos nutricionalmente mais adequados em detrimento das guloseimas e fast food é no caso de aqueles serem ofertados com brinquedos colecionáveis e esses sem qualquer tipo de brinquedo. Nas demais hipóteses, as crianças sempre preferiram os alimentos do segundo grupo.

Outra pesquisa, denominada “Commercial Television Exposure, Fast Food

Toy Collecting and Family Visits to Fast Food Restaurants among Families Living in Rural Communities”9, também comprova que crianças que são mais expostas à comerciais televisivos tendem a incentivar suas famílias a visitarem os restaurantes anunciados. Em meio a essa relação, a oferta de brinquedos colecionáveis mostrou-se como um dos fatores determinantes para a associação positiva criada pela maior exposição à comerciais e elevada frequência de visitas à determinados restaurantes.

Os resultados obtidos reforçam a tese já comprovada em outras

pesquisas de que as crianças influenciam fortemente a decisão da família em frequentar determinado restaurante e que a oferta de brinquedos apresenta-se como um meio bastante efetivo de influenciar os pedidos realizados por elas.

Reforçam ainda o fato de que os itens que acompanham os produtos não

são apenas elementos acessórios, mas muitas vezes a razão principal da compra de determinado combo alimentício comercializado pelas empresas. A possibilidade de adquirir determinado objeto colecionável ou brinquedo relacionado a personagens do universo infantil estimula o desejo de consumir, uma vez que, por diversas vezes, o brinquedo só pode ser adquirido mediante a obtenção do produto oferecido.

8 Collectible Toys as Marketing Tools: Understanding Preschool Children´s Responses to foods paired

with premiums. Anna R. McAlister and T. Bettina Cornwell. Jornal of Public Policy and Marketing, V. 31 (2), Fall 2012, 195-205, p. 195. 9 Commercial Television Exposure, Fast Food Toy Collecting and Family Visits to Fast Food Restaurants

among Families Living in Rural Communities. Jennifer A. Emond, Diane Gilbert-Diamond, Zhigang LI e James D. Sargent. The Journal of Pediatrics, V. 31 (2), Fall 2012, 195-205, p. 195.

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ANEXO V Uso de personagens do universo infantil

Na ação mercadológica analisada, a utilização de personagens do mundo infantil com o objetivo de seduzir as crianças e, consequentemente, elevar as vendas é evidente.

Agrava, assim, a prática abusiva de direcionamento de publicidade ao

público infantil a forma como essa é articulada, ou seja, por meio do uso de personagens conhecidas das crianças.

Pesquisa realizada pela NICKELODEON BUSINESS SOLUTION RESEARCH1

intitulada ‘10 Segredos para Falar com as Crianças’ revela que “um bom personagem comunica mais que mil palavras. As crianças confiam nas personagens, se identificam com eles e os têm como referência de valores”.

Esses resultados demonstram que uma empresa especializada em

comunicação com o público infantil reconhece a fundamental importância da linguagem de entretenimento e de figuras infantis para fazer com que as crianças captem melhor as mensagens transmitidas.

No entanto, o objetivo do mercado publicitário é logrado na medida em

que desrespeita características importantes do desenvolvimento infantil. Sobre as características inerentes ao estágio de desenvolvimento em que

se encontram as crianças, quanto à proporção da influência do uso das estratégias de convencimento no público infantil, o Professor YVES DE LA TAILLE, expõe:

“Sendo as crianças de até 12 anos, em média, ainda bastante referenciadas por figuras de prestígio e autoridade – não sendo elas, portanto, autônomas, mas, sim, heterônomas – é real a força da influência que a publicidade pode exercer sobre elas, força essa que pode ser sensivelmente aumentada se aparecem protagonistas e/ou apresentadores de programas infantis”. (grifos inseridos) A respeito da percepção da criança sobre a associação de marca e

personagens ou elementos infantis, CARLA DANIELA RABELO RODRIGUES, Mestre e Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, expõe:

1 Pesquisa Nickelodeon Business Solution Research. 10 Segredos para Falar com as Crianças (Que você

esqueceu porque cresceu), 2007. Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/137316961/Nickelodeon-2. Acesso em 28.11.2014.

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“Nesse quesito, Brée e Cegarra (1994) apontam que no caso da memorização das crianças é o nome da personagem que é estendido à marca e não o inverso, isso demonstra que a chave de entrada da marca é muito mais a personagem do que o produto. Para as crianças pequenas, a capacidade restrita de compreensão de elementos semânticos, como o texto, demonstra uma maior adesão aos elementos físicos, como as imagens. Já a memória visual, representação sob a forma de ícones, produz melhor armazenamento e recordação (HENKE, 1995; MIZERSKI, 1995; NEELEY; SCHUMANN, 2004). Ela reconhece suas personagens preferidas e suas características, sejam nas animações ou em histórias em quadrinhos aplicadas tanto nas embalagens quanto nas propagandas de produtos. Esses produtos são caracterizados como de sua preferência pela presença de personagens que pertençam ao seu “mundo imaginário.” (BAHN, 1986; NEELEY, SCHUMANN, 2004)2 (grifos inseridos) As personagens passam então a ser representantes das marcas,

transmissores de entretenimento, e mediadores entre a empresa e a criança. Além disso:

“Torna a marca mais acessível, mais compreensível e mais viva para a criança ao criar um verdadeiro relacionamento. O personagem é a tradução da marca (realidade física, conteúdos, valores...) em um registro (imaginário) que torna possível uma cumplicidade e uma verdadeira conivência com a criança. O personagem facilita a percepção da marca, ao representá-la fisicamente em movimento (introduz vida, movimento) sobre um suporte vetor de imaginário e de afetividade.” (...) O personagem é capaz, portanto, de transmitir à criança as diferentes dimensões de sua identidade ou as características do produto sem que isso exija da criança o menor esforço de compreensão.”3 (grifos inseridos). A ação de comunicação mercadológica desenvolvida pela empresa faz

claramente o uso de personagens com o objetivo de promover a venda de suas refeições. A empresa busca tornar o público infantil afeito ao produto, pela distribuição de brinquedos licenciados e desenvolvimento de aplicativos.

2 Dissertação de mestrado: Rodrigues, Carla Daniela Rabelo. Perto do alcance das crianças: o papel dos

personagens em propagandas de produtos de limpeza, apresentada ao DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROPAGANDA E TURISMO/ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES/USP. 3 Isleide Arruda Fontenelle, O nome da marca – McDonalds, fetichismo e cultura descartável, São Paulo:

Boitempo, 2002,, p. 116.

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O comercial, por sua vez, não veicula as qualidades do produto anunciado, mas tem como função principal associar o produto a situações lúdicas e de entretenimento.

Dessa forma, conclui-se que ao utilizar de personagens para a promoção

de seus produtos, a empresa se vale da inexperiência do público infantil para seduzi-lo em busca do aumenta de vendas, o que configura conduta ilegal, além de antiética.

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ANEXO VI A mistura entre fantasia e realidade

Conforme pode ser verificado na descrição do comercial televisivo, é

possível constatar que existe uma clara exploração da associação e até mesmo a mescla entre realidade e fantasia, já que o comercial é construído na forma de animação.

Tais mecanismos são abusivos e se aproveitam da capacidade de

julgamento e da inocência da criança, uma vez que, por estarem em processo de desenvolvimento bio-psicológico, os pequenos não possuem capacidade de posicionamento crítico e de discernimento e abstração suficientes para apreender e diferenciar a realidade da situação apresentada na comunicação mercadológica.

Ao ver em mensagens comerciais, a mesma linguagem utilizada em

meios de entretenimento (como desenhos animados, filmes de animação e fantasia, e contos de fadas), eles absorvem tal familiaridade inconscientemente, criando vínculos afetivos que impulsionam a associação entre consumo, felicidade e satisfação.

De acordo com YVES DE LA TAILLE, em parecer acerca do PL 5.921/2001

ao Conselho Federal de Psicologia1: “Não tendo as crianças de até 12 anos construído ainda todas as ferramentas intelectuais que lhes permitirá compreender o real, notadamente quando esse é apresentado por meio de representações simbólicas (fala, imagens), a publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro e à ilusão. (...) é certo que certas propagandas podem enganar as crianças, vendendo-lhes gato por lebre, e isto sem mentir, mas apresentando discursos e imagens que não poderão ser passados pelo crivo da crítica.” (grifos inseridos) Dessa forma, a utilização de elementos fantasiosos na peça publicitária

dificulta a compreensão pela criança daquilo que se enquadraria como real e irreal. Os pequenos ainda são incapazes de compreender o que efetivamente o produto promovido faz, comprando-o devido a essa falta de compreensão errônea e frustrando-se no futuro.

1 Parecer sobre PL 5921/2001 a pedido do Conselho Federal de Psicologia, ‘A Publicidade Dirigida ao

Público Infantil – Considerações Psicológicas’. http://www.crprj.org.br/noticias/2008/0305-publicidade-dirigida-ao-publico-infantil.html. Acesso em 28.11.2014.

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ANEXO VII A utilização da criança como promotora de vendas

No contexto de desenvolvimento psicológico em que se encontra a criança, que a torna mais suscetível à publicidade, é notório como as empresas investem em pesquisas para saber qual a forma mais eficiente de incutir no público infantil o desejo pelo produto anunciado e ensiná-la a pedir insistentemente a seus pais ou responsáveis para que o comprem.

As crianças são o meio encontrado pelos publicitários para apresentar, aos pais, suas marcas. Se conseguem fazer com que se lembrem destas marcas na hora da compra, então a chance de a criança pedir este produto a seus pais é grande, por isso publicitários e anunciantes utilizam-se, no momento de produção de suas estratégias, de elementos com os quais as crianças se identificam e têm impressões positivas ao entrarem em contato.

Sobre o tema, a Comissão Federal do Comércio (FTC) dos Estados Unidos, em 1999, já se manifestou no sentido de que:

“a indústria deve proibir os planos de marketing que pretendam dirigir a publicidade de produtos para adultos à audiência infantil”.1 (grifos inseridos) De modo geral, há intenção de que a criança funcione como uma espécie

de promotora de vendas dos produtos das empresas. Assim, identificam estes produtos no mercado, em meio a tantos outros, e pedem para seus pais ou responsáveis que os comprem.

Fica evidente que a publicidade ora denunciada corrobora com essas más práticas de comunicação mercadológica. Neste sentido, YVES DE LA TAILLE2 expõe:

“Se problema moral há com a manipulação, esse não se resume ao fato de ela existir em variadas relações sociais. O problema moral ocorre quando o beneficiário da manipulação é o manipulador, e não a pessoa manipulada. (...)

1 Publicidade violenta dirigida às crianças. Disponível em: http://www.montemuro.org/portal

/index.php?option=com_content&task=view&id=38&Itemid=2. Acesso em 14.5.2012. 2TAILLE, Yves de La. Parecer sobre PL 5921/2001 a pedido do Conselho Federal de Psicologia, ‘A

Publicidade Dirigida ao Público Infantil – Considerações Psicológicas’. http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/10/cartilha_publicidade_infantil.pdf. Acesso em 7.11.2013.

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pode ocorrer de a manipulação ser feita com objetivo de instrumentalizar outrem para benefício de quem manipula. Por exemplo, se alguém procura convencer outra pessoa de que seu interesse está em fazer tal ou tal coisa, quando, na verdade, tal interesse inexiste, sendo que o convencimento alheio trará proveito para quem procura inculcar-lhe certas idéias, temos uma transgressão moral”.

A prática de endereçar a comunicação mercadológica à criança tem se

mostrado cada vez mais comum em meio ao mercado. As pesquisas apontam que 88,5%3 das crianças acompanham a pessoa responsável pela compra, sendo exatamente esta a oportunidade para pedirem os produtos que desejam.

Em 1.2.2012, a revista Salt publicou matéria em seu site intitulada “Eles compram muito!”4. A publicação destaca o potencial de influência da criança na família, em razão da expressão numérica das pessoas de 0 a 14 anos na população brasileira – quase 25% do total, segundo o Censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A tabela abaixo mostra a influência da criança nas decisões de consumo,

de acordo com sua idade:

5

Além disso, a idade desse público e uma crise de valores - incentivada

pela ausência de brincadeiras na infância e a predominância de atividade sedentárias relacionadas às novas tecnologias - tornaria esses indivíduos ainda mais influenciáveis pela publicidade e mais ditadores de opinião. A fala da psicóloga e terapeuta FERNANDA BALTHAZAR, reproduzida pela revista, expõe essa problemática:

3 NICKELODEON BUSINESS SOLUTION RESEARCH. 10 Segredos para Falar com as Crianças (Que você

esqueceu porque cresceu). 2007. http://biblioteca.alana.org.br/CriancaConsumo/Biblioteca2.aspx?v=6&pes=34. Acesso em 7.11.2013. 4 REVISTA SALT. Eles compram muito! 2012. http://revistasalt.com.br/salt/?p=190. Acesso em

11.11.2013. 5 http://revistasalt.com.br/salt/wp-content/uploads/2012/02/grafico1.jpg. Acesso em 11.11.2013.

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“São crianças que estão pulando fases essenciais no seu desenvolvimento. Os papéis dentro da família têm se invertido e muitas vezes crianças se tornam adultos precoces e os adultos continuam sendo crianças na meia idade, tanto do ponto de vista emocional, quanto no que se refere à adequação de interesses”.

Dessa forma, é possível desde cedo fidelizar as crianças e manipular seu

potencial de influência e decisão e garantir os interesses das empresas, o que é amplamente feito.

Um comunicado feito pela WESTERN MEDIA INTERNACIONAL com o título: “The Fine Art of Wining: Why Naggin is a kid´s Best friend” (em tradução livre: A arte de choramingar: porque a amolação é a melhor amiga da criança) agrupava os pais em diferentes tipos de categorias, de acordo com a propensão a ceder às amolações. SUSAN LINN descreve o impacto causado por este estudo:

“Talvez por ter descoberto que ‘o impacto da amolação das crianças é estimado como responsável por 46% das vendas em negócios-chave direcionados à criança’, o estudo Fator Amolação atraiu muito a atenção no mundo publicitário, e diversas publicações descreveram detalhadamente o estudo e a forma como foi conduzido”.6 (grifos inseridos)

Pesquisa feita pelo canal especializado em programação infantil

CARTOON NETWORK, “Kids Experts”7 aponta que 27% das crianças entrevistadas, para conseguir o produto que queriam, utilizavam o método de insistir com seus pais para que comprassem o bem de consumo desejado, até que eles acabassem cedendo.

Assim, publicitários e anunciantes aproveitam esse espaço, sabendo de antemão que dirigindo maciçamente suas publicidades, ainda que de produtos de uso adulto, para o público infantil, terão forte impacto sobre as decisões de consumo da família, na medida em que as crianças passam a literalmente promover o produto anunciado. Dessa forma, as crianças insistem com seus pais ou responsáveis para que comprem aquilo que desejam, sendo que nem sempre o que desejam é um produto ou serviço destinado ao público infantil.

6 LINN, S. Crianças do Consumo: A infância Roubada. Tradução Cristina Tognelli. 1ª ed. São Paulo:

Instituto Alana, 2006. Pág. 58. 7CARTOON NETWORK. Kids Expert. 2011. Disponível em:

http://biblioteca.alana.org.br/biblioteca/CriancaConsumo/Biblioteca2.aspx?v=6&pes=17. Acesso em 11.7.2013.

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Mas o problema não é só no momento em que os pais ou responsáveis levam seus filhos às compras. Mesmo em casa, longe das tentadoras prateleiras de supermercados, que muitas vezes são arrumadas de maneira a atrair as crianças e a deixar todos os produtos mais sedutores ao alcance de suas mãos, as crianças têm um poder de influência enorme para convencer os adultos a consumirem o que querem.

As mensagens publicitárias possuem um grande peso na formação e elaboração dos referenciais de mundo de uma criança, principalmente por um público que não tem ainda sua capacidade de resistência aos apelos externos completamente desenvolvida. Além disso, crianças adoram novidades e as interatividades que trazem as tecnologias, como as veiculadas pela televisão, internet e jogos eletrônicos.

Logo, ao se deparar com um daqueles produtos vistos nos meios de comunicação, nos pontos de venda, brinquedos, ou nos seus espaços de convivência, a criança facilmente poderá reconhecê-lo – mesmo que não se lembre de onde – e, tocada pelo sentimento de prazer do momento da entrega do presente que ela relacionou com a figura do produto, demonstrar preferência pela compra desse ao invés de outro qualquer, independente da qualidade efetiva que tenha, ou da finalidade a que realmente se destina.

Diante do exposto, conclui-se que a realização de ações combinadas nos meios de comunicação como televisão, rádio e internet, além da utilização de personagens animadas, facilmente percebida pelas crianças, constituem estratégias publicitárias abusivas que buscam atrair a atenção do público infantil com finalidades puramente mercadológicas.

Com isso, espera-se que a criança, que tem contato com a marca inserida

em seu momento de diversão, familiarize-se com ela e passe a associá-la a valores tidos como positivos. Consequentemente, essa criança, bombardeada por mensagens comerciais em diversos momentos, resgata permanentemente os sentimentos positivos associados à marca que lhe proporciona diversão, facilitando a sua influência nas decisões de consumo da criança - caso receba algum tipo de mesada – e também na de seus responsáveis.

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ANEXO O direcionamento da comunicação mercadológica às crianças em escolas

O desenvolvimento de ações de marketing em ambiente escolar deve ser objeto de especial atenção. Crianças são muito vulneráveis a campanhas, particularmente quando estas são realizadas em associação com escolas. Nesta faixa etária, não têm ainda plena compreensão das diferenças, eventualmente sutis mesmo aos adultos, entre a publicidade comercial e intervenções com fins didático-pedagógico.

A escola é um espaço privilegiado para a formação de valores, a

conformação de aspectos mais ou menos permanentes da personalidade que individualizam as crianças em desenvolvimento, a criação de desejos, entre outros1. É o segundo espaço de socialização da criança, atrás apenas da família.

O professor MARCUS TAVARES2 esclarece que por muitos anos os saberes

imprescindíveis à vida eram transmitidos às crianças por suas famílias. No século XIX, com a Revolução Francesa, surge o conceito de “escola pública, gratuita, laica e igual para todos”, capacitada para educar crianças, organizando, sistematizando e transmitindo conhecimento por meio dos professores.

Com o passar dos anos, e as mudanças ocorridas com a Revolução

Industrial, e também com o advento de uma preocupação com o espaço social, e com a relação entre os indivíduos, que são ao mesmo tempo receptores e criadores de cultura, a escola passa a ser um espaço que também se relaciona com o ambiente social. Novos meios de ensino, aprendizagem e metodologias são pensados, e críticas são feitas à escola enquanto instituição.

Recursos midiáticos criam um cenário informacional que atinge

diretamente as crianças, seus conhecimentos e habilidades. A escola e a família não são os únicos espaços de produção e transmissão de conhecimento. Mas

1 Sobre a particularidade dos primeiros anos de vida na formação dos indivíduos, sinalizando

necessidade de especial atenção à formação dos planos subjetivos e objetos das crianças, o pedagogo francês JEAN PIAGET enfatiza: “O espírito da criança é tecido simultaneamente em dois planos diferentes, de certo modo superpostos um ao outro. O trabalho operado no plano inferior é, nos primeiros anos, muito mais importante. É obra da própria criança, que atrai para si e cristaliza ao redor das suas necessidades tudo que é capaz de satisfazê-la. É o plano da subjetividade, dos desejos, do brinquedo, dos caprichos. O plano superior é, pelo contrário, edificado pouco a pouco pelo meio social, cuja pressão impõe-se cada vez mais à criança. É o plano da objetividade, da linguagem, dos conceitos lógicos, em uma palavra, da realidade. Esse plano superior é, desde logo, de uma fragilidade muito grande. Desde que sobrecarregado, estala, encolhe, afunda, e os elementos de que é feito vêm cair sobre o plano inferior para aí misturarem-se”. Jean Piaget. A Linguagem e o Pensamento da Criança. Ed Martins Fontes. São Paulo. 1993. 2 Marcus Tavares, A linguagem Televisiva na Sala de Aula, 1ª ed., Rio de Janeiro: Multifoco, 2009, p. 56.

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ainda cabe ao professor a “mediação entre o conhecimento do aluno e o conhecimento sistematizado e organizado da sociedade”3.

“No início do século XX, educar exige um exercício de encontro, de busca, de eco e de significação das áreas do conhecimento (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, História, etc.) com os aspectos da chamada vida cidadã (saúde, sexualidade, vida familiar e social, entre outros) e com os valores. Educar, de acordo com alguns estudiosos, é pôr em prática um currículo integrado em diferentes aspectos. Mas o que ensinar nos dias de hoje? Eis uma das grandes questões epistemológicas que se coloca, atualmente à escola. Afinal, qual é o papel da escola diante de novas gerações conectadas com aparatos tecnológicos e eletrônicos, diante de gerações que estabelecem outras estratégias para se chegar ao conhecimento? Diante de gerações que, mesmo desprovidas de direitos, têm acesso à mídia, especialmente à televisão”.4 Considerando a centralidade do ambiente escolar na formação da

linguagem e pensamento das crianças, qualquer intervenção alheia ao fim estritamente educativo, não adequada ao escopo pedagógico das instituições de ensino ou com fins comerciais deve ser encarada com reservas, mesmo quando desenvolvidos com alegadas finalidades educativas e culturais.

Isso porque a entrada de empresas comerciais externas ao cotidiano dos

pequenos, pela via da comunicação mercadológica, prejudica a autonomia político-pedagógica dos estabelecimentos de ensino. O marketing nas escolas, o endosso implícito de produtos, serviços e marcas de alguma forma anunciados comercialmente em ambiente escolar e a própria cultura do consumismo irresponsável relacionada à publicidade dirigida às crianças podem eventualmente interferir no conteúdo curricular de forma negativa5.

Ademais, o anúncio de produtos e marcas em ambiente escolar pode

sinalizar mensagem implícita aos alunos de que a escola ou mesmo seus professores apoiam a empresa anunciante ou o consumo do produto ou serviço anunciado: as crianças, por não serem ainda capazes de entender diferenças

3 Idem, p. 59.

4 Idem, p. 59.

5 A pesquisadora SUSAN LINN defende de maneira contundente o fim da publicidade nas escolas. Sobre

o problema específico da autonomia pedagógica nas escolas que admitem publicidade comercial, a autora afirma: “O único objetivo para a criação de material escolar deveria ser o favorecimento da educação dos alunos que o utilizasse. Se o objetivo torna-se a gravação de uma marca na consciência dos alunos ou a criação de uma associação positiva em relação a um produto, a educação provavelmente fica para trás”. Susan Linn. Crianças do Consumo A Infância Roubada. Instituto Alana. 2006.

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entre o meio e a mensagem, passam a associar as marcas comerciais presentes no ambiente de ensino como parte do momento de aprendizagem.

NICOLAS MONTIGNEAUX, em livro sobre o marketing infantil com o uso

de personagens, apresenta a visão do mercado sobre o marketing escolar e a importância das empresas se inserirem no ambiente escolar:

“Os estabelecimentos escolares são o lugar ideal para as operações de comunicação dirigidas para os jovens consumidores. A atenção das crianças é sustentada e o ambiente permite fazer passar um discurso sobre qualidade. Por razões éticas ou legais, as marcas devem interditar a prática de publicidade no sentido clássico do termo, e devem fazer suas investidas com um verdadeiro conteúdo pedagógico. A publicidade no ambiente escolar é teoricamente interditada na França, embora seja encontrada frequentemente, apesar dessa interdição. Segundo nosso ponto de vista, a intenção promocional não é forçosamente incompatível com uma ação educativa. Promover a ideia de se segurar contra riscos individuais ou promover a ideia de uma boa higiene dentária possuem um real valor educativo. Um documento bem feito pode servir de ponto de partida para uma ação educativa, ainda que a marca se anuncie da maneira como ela é. Além disso, nos parece normal, e mesmo desejável que a marca, tendo prometido um documento, se faça conhecer sem que para isso tome pela repetição um caráter demasiado publicitário. É por isso que a marca deve aparecer, mesmo que o faça de uma maneira moderada”.6 (grifos inseridos) Segundo o autor, esse marketing poderia ser travestido sob a forma de

“ação pedagógica” (distribuição de materiais, por exemplo) ou de “ações comerciais” (distribuição de amostras ou produtos). No primeiro caso, os temas apresentados com frequência dizem respeito à nutrição ou alimentação, energia, água, saúde, higiene, deveres do cidadão, meios de transporte.

Essa é a visão do mercado, focada não no melhor interesse da criança,

mas sim nos interesses comerciais do anunciante. Apresentar a publicidade como uma ação pedagógica revela, sem sombra de dúvidas, que o interesse principal não é educativo, mas sim comercial. O ambiente escolar é visto com um dos melhores cenários para a introdução de uma marca à criança, por meio da personagem imaginária que “é uma transposição imaginada e simbólica da marca sobre uma forma inteligível e sensível para a criança”7. Pela atração que

6 Nicolas Montigneaux, Público-alvo: crianças – A força dos personagens e do marketing para falar com o

consumidor infantil. Trad. Jaime Bernardes. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 236. 7 Nicolas Montigneaux, Idem, p. 24.

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gera sobre as crianças, permite aumentar o valor da marca e sua performance no mercado.

A respeito dos motivos comerciais que levam as empresas a realizarem

ações de marketing em escolas, pesquisadores do CENTER FOR SCIENCE IN THE PUBLIC INTEREST (CSPI), entidade não-governamental localizada em Washington D.C, Estados Unidos, afirmam que:

“Marketing em escolas se tornou um grande negócio. As empresas vêm como uma oportunidade de fazer vendas diretas e cultivar a lealdade à marca. Eles percebem que as escolas são um ótimo lugar para atingir as crianças, uma vez que quase todos vão à escola e que gastam uma grande parte das horas em que estão acordadas lá. O marketing nas escolas também acrescenta credibilidade às atividades de comercialização, associando o nome da empresa e do produto com escolas ou professores confiáveis”.8 (grifos inseridos) O marketing em escolas busca introduzir uma marca aos alunos, e,

consequentemente, os valores a ela associados, para assim cativar novos consumidores, que, espera a empresa, serão fieis por toda a vida.

Dentro do ambiente escolar a marca que se comunica com a criança fica

mais bem colocada perante sua concorrência e vê aumentado o nível de prescrição da criança perante seus pais, responsáveis e colegas.

Quando dentro das escolas, a marca, representada muitas vezes por uma

personagem, recebe tanta confiança das crianças quanto os professores, também ludibriados. Assim, unir professores, diretores de escolas e personagens em uma atividade anunciada como lúdica e educativa abusa da credulidade, inexperiência e confiança das crianças.

Os assuntos abordados pela marca e seus representantes, como saúde,

nutrição, esportes, corpo humano, meio ambiente, ciências, reciclagem, música, etc., são algumas vezes transmitidos às crianças por meio de canções, danças, jogos, competições e brincadeiras. As crianças, nessas atividades, absorvem os conteúdos e os associam à empresa, que os fez rir, brincar, pular e se divertir.

Se, eventualmente, determinada criança não conhece a marca e as

personagens que a representam antes de ter contato com ela na escola, quando

8 Pestering Parents: How Food Companies Market Obesity to Children. Disponível em

http://cspinet.org/new/pdf/pages_from_pestering_parents_final_pt_2.pdf. Acesso em 1.8.2013. Pg. 14. Tradução livre.

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a conhecer, fora do ambiente escolar, em pontos de venda, centros comerciais, espaços públicos, fará a imediata associação entre o momento de alegria e diversão proporcionado no interior da escola, e a marca. A criança já foi seduzida por um dos símbolos da marca, e assim começou seu processo de fidelização que se pretende, por parte da empresa, atingir o período do berço ao túmulo. Nesse sentido, entende MONTIGNEAUX:

“Mas as marcas que procuram seduzir e conquistar a fidelidade dos jovens consumidores devem estabelecer com eles um relacionamento mais profundo e mais durável. Não podem se contentar em ser conhecidas pelo maior número possível de consumidores ou de veicular uma imagem de modernidade ou de dinamismo. Para que a criança se sinta atraída pela marca ela deverá desenvolver com a criança um verdadeiro e durável relacionamento. (...) Quando a marca ‘fala’ à criança, esta se sente conhecida e reconhecida. Está no centro da relação, relação que a tranquiliza, visto que, assim, a criança existe aos olhos da marca. Dessa maneira, a marca se aproxima da criança e faz parte do seu cotidiano. A marca entende a criança, e, eventualmente, poderá ajudá-la. Essa familiaridade com a marca dá tranquilidade à criança. O relacionamento entre a marca e a criança não é uma comunicação em sentido único. Supostamente, há uma troca, uma interatividade. A relação deve ser entendida pela criança como algo vivo. A marca mobilizará a criança, solicitará sua curiosidade e estimulará sua imaginação. A criança deverá se colocar em ação, ler, descobrir, adivinhar, responder a questionamentos, mostrar-se astuta: atitudes que, nessa idade, lhe dão muito prazer. Enfim, não se deve esquecer que, do ponto de vista da empresa, manter um relacionamento satisfatório com os consumidores é ainda a melhor garantia de conquistar sua fidelidade”.9 Constrói-se, assim, na criança, um sentimento positivo com relação à

marca, que como dito será reencontrada muitas outras vezes por ela, seja na própria escola – não raro uma mesma instituição recebe a visita da empresa em anos consecutivos – como na televisão, internet, outdoors, espaços públicos como ruas, praças, centros comerciais. A repetição da imagem da marca nos tantos lugares em que a criança está presente, sem dúvidas gera impactos em sua memória, escolha, fidelidade e preferências.

A opção das empresas em anunciar para crianças desde a tenra infância

e, sobretudo, num ambiente de confiança como a escola, certamente lhe traz

9 Idem, p. 94.

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resultados financeiramente positivos. As crianças passam a acreditar que os produtos da marca são melhores do que outros10. Passam também a amolar seus pais e responsáveis para que adquiram os produtos da empresa anunciante, cada vez mais cedo e com maior frequência.

Verifica-se, assim, que a colocação da marca em escolas faz parte de uma

estratégia de marketing complexa, que não se encerra no próprio ambiente de ensino, mas está relacionada a todas as outras ações de comunicação mercadológica adotadas pela marca para capturar o público infantil. Além disso, seu objetivo está longe de ser lúdico ou educativo, mas sim puramente e finalisticamente venal e mercadológico.

Nesse sentido, a Psicóloga ROSELY SAYÃO em texto intitulado “Ideologia

do consumo na escola11”, que bem se aplica ao caso analisado, esclarece: “Cabe à escola formar os alunos para que eles possam fazer escolhas bem informadas e conscientes. Nos últimos dias, duas mães me contaram fatos acontecidos nas escolas que os filhos frequentam e que as deixaram bem aborrecidas. São dois exemplos que podem nos ajudar a pensar a respeito do papel da escola no mundo contemporâneo. (...) Já a outra mãe contou que a escola que o filho frequenta ofereceu "palestras" para as classes a respeito da nutrição e do valor de alguns alimentos. Acontece que quem ofereceu as tais "palestras" foi uma empresa que produz um desses alimentos, que foi distribuído graciosamente aos alunos após a explanação. Foi o que bastou para deixar essa mãe indignada e a fez procurar outra escola para o filho. Qual é o elemento comum em situações tão diversas? O fato de pais e alunos serem tratados como consumidores pelas escolas. (...) Vivemos na era do consumo. E a escola? Qual o seu papel social nesse contexto? Repercutir essa ideologia? Claro que não. Cabe à escola, na formação cidadã de seus alunos, usar o conhecimento para que eles, em meio a tantas ofertas e pressão para o consumo desenfreado, possam fazer escolhas conscientes, bem informadas e críticas.

10

Estudo feito com embalagens de alimentos identificou – entre crianças que provaram 6 pares de alimentos iguais, apenas em embalagens diferentes que a escolha e manifestação de preferência foi influenciada pela presença da marca e, principalmente, personagens infantis nas embalagens - Fonte: Projeto PropagaNUT/UnB. 11

Disponível em Jornal Folha de São Paulo, Caderno Equilíbrio, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ equilibrio/116873-ideologia-do-consumo-na-escola.shtml. 2.7.2013.

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E é bom saber que as escolas, quer queiram ou não, formam cidadãos, principalmente no "currículo oculto", ou seja, aquilo que é ensinado pelas atitudes tomadas, como essas de nossos exemplos. Os mais novos não vão à escola para satisfazer os pais, deixá-los orgulhosos ou para aprender a consumir. O mundo já se encarrega desse último item, muito bem por sinal. Eles vão à escola para, por meio do conhecimento, entender melhor o mundo, desenvolver senso crítico e ser capazes de pensar de modo diferente de seus pais. É justamente isso que possibilita que o mundo mude, não é verdade? Ou queremos que eles vivam como seus pais? Se, no entanto, a escola não pensar minuciosamente naquilo que ensina de todas as formas, ficará submetida a várias ideologias, principalmente a do consumo. É isso que queremos para os mais novos?”. Assim, se por um lado a escola deve considerar a influência dos diversos

meios de comunicação sobre os alunos, e inclusive trabalhar o tema, por outro não deve se equiparar a eles. Não deve funcionar como anunciante, não deve vender símbolos, produtos, ideologias ou valores de mercado.

NEIL POSTMAN12, diferencia a educação das crianças – que acontece em

todos os momentos de sua vida - de escolarização, circunscrita aos limites da escola. A escola deveria ser capaz de alterar as lentes pelas quais as crianças veem o mundo, e ter em vista a maneira como construir uma vida, e não apenas como ganhar a vida. No entanto, as escolas, muitas vezes, focam a utilidade econômica do ensino, ou seja, no preparo para ganhar a vida, unindo-se, assim, ao consumo. Ou seja, os alunos, no seu tempo letivo, focam no que vão poder ser quando crescerem, enquanto profissionais, e, consequentemente, desde seus primeiros anos de vida, almejam ganhar dinheiro para poder consumir. Para o autor:

“A devoção ao deus do Consumo serve facilmente de base metafísica da escolarização porque é inculcada nos jovens desde cedo, muito antes de irem para a escola; na realidade tão logo ficam expostos aos poderosos ensinamentos da indústria da publicidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, o veículo principal da publicidade é a televisão, e em geral se começa a ver televisão com um ano e meio de idade, e o hábito se consolida aos três anos. Esta é a idade em que as crianças começam a pedir produtos que veem anunciados na televisão e cantam os jingles que os acompanham. (...)”13

12

Neil Postman, O fim da educação: redefinindo o valor da escola. Trad. José Laurenio de Melo. Rio de Janeiro: Graphia, 2002. 13

Idem, p. 39.

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Sobre a relação do “deus do consumo” com as escolas, complementa:

“Podia-se pensar que nossas escolas também estivessem em oposição explícita a esse deus, já que se supõe que a educação libertaria a juventude da servidão do materialismo cru. Mas, na verdade, muitas de nossas escolas, em especial nos últimos tempos, aliaram-se a esse deus de maneira entusiástica. Refiro-me, por exemplo, ao fato de que aproximadamente dez mil escolas aceitaram a oferta feita por Christopher Whittle de incluir, diariamente, dois minutos de mensagens comerciais no currículo – a primeira vez, que eu saiba, que um anunciante empregou o poder do Estado para forçar alguém a ver comerciais. Em troca desta oportunidade, oferece sua própria versão de dez minutos de notícias do dia e, gratuitamente, valioso equipamento de televisão, inclusive antena parabólica14 (...) O fato de as escolas aceitarem essa proposta revela duas coisas ao mesmo tempo. A primeira, naturalmente, é que há apoio generalizado ao deus do Consumo. Isto é, as escolas não veem contradição alguma entre aquilo que elas desejariam que os alunos aprendessem e o que os comerciais desejam que eles aprendam. (...) Aqui importa dizer que nenhum argumento razoável pode ser apresentado contra educar os jovens para serem consumidores ou para pensarem nos tipos de emprego que poderiam interessá-los. Mas quando essas coisas são alçadas à condição de imperativo metafísico, percebemos que não sabemos mais o que fazer; pior ainda, que alcançamos o limite da nossa sensatez”.15 Desta forma, deve haver preocupação com a criação de currículos para

crianças para que não estejam a serviço de interesses comerciais, em que o ensino e a cultura se fundem com valores de mercado e exploram a fantasia e o desejo das crianças. Os meios de comunicação fornecem aos indivíduos os símbolos e mitos que auxiliam no processo de construção de uma cultura comum. As crianças constroem seus conhecimentos a partir de um conjunto de informações que também são compartilhadas pelos adultos, muitas vezes sem qualquer proteção.

A escola deve ser um espaço institucional descompromissado com os

interesses da indústria, muito embora não ignore sua presença no cotidiano e no imaginário das crianças. Mídia e anunciantes exercem forte influência na escola, na medida em que influenciam as pessoas que dela fazem parte, sejam professores ou alunos.

14

Idem, p. 41. 15

Idem, p. 41.

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No entanto, ainda que contaminada por esses elementos externos não

deve a escola ser palco direto das influências do mercado. Não deve se transformar ela mesma em um meio de comunicação mercadológica, como o são a televisão, o rádio e a internet, tampouco em um anunciante que faz parte do mercado. Cabe aos gestores escolares e aos docentes atentarem para os riscos dessa influência sobre as crianças, e, como educador, deve diferenciar-se dos meios de comunicação e das influências publicitárias.

A escola deve abrir seu espaço ao lúdico, à brincadeira, e também deve

promover o ensino científico. Pode trazer elementos externos para auxiliá-la em sua missão de educar, mas deve estar atenta aos objetivos reais dos interlocutores e aos impactos que tais ações podem representar na formação dos hábitos, em especial o alimentar, das crianças.

É inegável a força de penetração de marcas como a da empresa

denunciada no imaginário infantil, e, consequentemente, no controle e manipulação de suas emoções. Cabe à escola conhecer essa realidade, e atuar de forma diferente da cultura da comunicação mercadológica, ao cuidar de crianças, que devem ser vistos como alunos, e não consumidores ou simples espectadoras16.

Essa criança fidelizada comercialmente no ambiente escolar será uma

promotora de vendas dentro de casa, exigirá a aquisição do bem de consumo desejado, que entra em contato com ela, de diversas maneiras e em vários de seus espaços de convivência. A criança torna-se verdadeira parceira da marca, tornando-se sua defensora e subscritora.

A possibilidade de intervenção de empresas privadas nos

estabelecimentos educacionais se mostra ainda mais preocupante quando se trata de escolas públicas, pois além da interferência nos valores transmitidos aos alunos, ocorre a confusão entre as esferas pública e privada. Não só a escola passa a ser vista como apoiadora da empresa anunciante, como também o Estado, que deveria proporcionar a educação básica, obrigatória e gratuita com “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, conforme determinam os Arts. 205, caput e inciso II, e 208, I, da Constituição Federal.

Ao eliminar a publicidade dos espaços voltados às crianças, forma-se uma

geração mais consciente e saudável, já que incentivar o consumismo na infância não gera impacto tão somente no âmbito ambiental, mas também na saúde, na

16

Solange Medina Ketzer, A criança, a produção cultural e a escola. In A criança e a produção cultural – do brinquedo à literatura. Sissa Jacoby (org), Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003. pp. 11-27.

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convivência social e comunitária, nas relações familiares e em todo o processo de desenvolvimento biológico, psíquico e social das futuras gerações. Isso tudo se deve ao fato de que a publicidade não vende apenas produtos, mas propaga valores e desejos a eles atrelados, que também serão passados ao público infantil.

Nesse sentido, e em razão de todos os riscos e consequências negativas

apontados, o Instituto Datafolha, no ano de 2011, realizou uma pesquisa17 que abrangeu todo o território nacional, tendo como um dos temas a publicidade em escolas18. Entre os principais resultados desta pesquisa está que 56% da população brasileira desaprova esse tipo de estratégia publicitária.

2.061 pessoas maiores de 16 anos, pais ou não, responderam à questão

“É correto as empresas fazerem propaganda dentro das escolas?” e 56% se posicionaram contra. A porcentagem sobe para 59%, no caso de pais com filhos. Enquanto 49% dos adultos sem filhos se manifestaram nesse sentido.

Outro dado relevante da pesquisa mostra que as classes C, D e E são as

que mais discordam de haver publicidade em escolas (60%).

17

Pesquisa Instituto de Pesquisa Datafolha, pesquisa realizada em Maio de 2011 (2.061 entrevistados) 18

Em https://pt.scribd.com/document/285218079/Pesquisa-Datafolha-2011. Acesso em 20.7.16.

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No entanto, muitos pais e professores acabam sendo levados a acreditar que apresentações promovidas pelas empresas dentro das escolas não são uma forma de publicidade, mas sim uma atividade lúdica e educativa.

Muitos pais tomam conhecimento da publicidade a que seus filhos foram

submetidos quando esses chegam em casa, pedindo o produto, ou o dinheiro para comprar o produto, ou mesmo a autorização para participar de uma atividade da qual todos os seus amigos irão participar. A jornalista DESIRÉE RUAS, coordenadora do movimento Cosciência e Consumo e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo – Rebrinc, faz algumas perguntas importantes sobre a publicidade dentro do ambiente escolar:

“Por que a escola, ambiente que deveria ser de conhecimento e reflexão sobre o mundo, está cada mais [sic] absorvendo os estímulos comerciais que já ocupam intensamente outros espaços, como os meios de comunicação e até as ruas? Será que as famílias já pararam para pensar nos valores que estas pequenas doses de publicidade sedimentam na vida das crianças? Está na hora de famílias e escolas se unirem para refletir sobre o uso da criança como público de mensagens publicitárias dentro da escola (ou na porta dela e nos outros espaços) e deixar bem claro quais são as regras para uma escola livre de publicidade e exploração comercial. O debate sobre a publicidade e o consumismo que invadem a vida das crianças e as escolas ajuda a incentivar o espírito crítico por parte de todos os envolvidos. Perguntas como: o que é preferível ser enviado na lancheira escolar? O que deve ser vendido na cantina da escola? Por que as crianças querem o bolinho recheado do comercial que passa na TV? Por que as crianças querem material escolar com personagens e marcas? De que forma o consumismo interfere no relacionamento das crianças na escola? Quantas vezes por ano a escola promove momentos de reflexão sobre consumismo e infância? Nossas crianças estão crescendo cercadas por mensagens que transmitem quais valores? Qual o papel da escola, das famílias, dos governos, do mercado? Temos consciência da nossa corresponsabilidade pela proteção integral da infância? Como a escola pode desempenhar bem o seu papel sem abrir espaço para o marketing que entra em projetos educativos duvidosos e que beneficiam comercialmente determinados grupos? Enfim, questões complexas que passam pela liberdade das famílias para fazer suas próprias escolhas mas que estão inseridas dentro de um projeto amplo de educação e de vida. É possível estimular o espírito crítico nos alunos e em toda a comunidade escolar para que as pessoas tenham mais consciência e não sejam

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repetidores de modelos não saudáveis, consumistas e prejudiciais ao planeta. Escola é espaço para pensar e não para repetir!”19 Infelizmente as escolas, ao serem abordadas pelas empresas para

aceitarem as atividades propostas, são habilmente persuadidas pela possibilidade de apresentar às crianças uma manifestação artística e lúdica, sem, no entanto, refletirem a respeito do objetivo da empresa, de aproximar sua marca de um público cada vez mais jovem, cativando-os dentro de um ambiente que deveria manter-se isento de apelos do mercado.

Às escolas, por certo, não são repassadas informações que apresentam a

completude do problema. E a tradição da estratégia de marketing dentro do ambiente de ensino, desenvolvida há anos, az parecer tratar-se de ação séria, isenta, e realmente educativa. No entanto, o que é comum, e muitas vezes aceito como normal, não é necessariamente adequado para o desenvolvimento infantil. Dirigir comunicação mercadológica a crianças é antiético e ilegal, muito embora seja prática recorrente.

O direito à educação

Diante disso, importante colocar que o direito à educação é um direito

social, consagrado pela Constituição Federal em seus arts. 6º20 e 205 e seguintes21, como um dever atribuído ao Estado e à família. Deve observar o primado da prioridade absoluta garantido pelo art. 227 da Carta Magna22, reafirmado pelo art. 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A democratização do ensino implementa o princípio da igualdade, bem

como a dignidade da pessoa humana, pilar do Estado Democrático de Direito. O acesso efetivo à educação é base para a construção da cidadania, e permite ao indivíduo efetivar os demais direitos fundamentais a ele assegurados.

19

Disponível em: http://rebrinc.com.br/noticias/educacao/o-que-as-familias-e-os-educadores-pensa m-sobre-o-marketing-na-escola/. Acesso em 28.3.2014. 20

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 21

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 22

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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Apesar de não se resumir à educação formal, tampouco ao universo escolar, é inegável que cabe à escola uma parcela importante da educação das crianças.

Por essa razão, para garantir o direito fundamental à educação, foi

promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que disciplina a educação escolar. De acordo com ela, a educação visa ao pleno desenvolvimento do educando (art. 2º).

A educação infantil – creches e pré-escolas - busca desenvolver as

crianças de até 5 anos em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social. O ensino fundamental – a partir dos 6 anos de idade – objetiva a formação básica do cidadão, desenvolvendo a compreensão do ambiente, formação de atitudes e valores, fortalecimento de vínculos de família e solidariedade humana, dentre outros aprendizados importantes.

Na distribuição de competências entre as pessoas políticas, os sistemas

de ensino devem ser organizados em sistema de colaboração entre União, estados e municípios, cabendo aos últimos atuar, prioritariamente, no ensino fundamental e educação infantil, enquanto aos estados, nos ensinos fundamental e médio.

A existência de um direito fundamental à educação, que visa à realização

da dignidade da pessoa humana, e ao pleno desenvolvimento da criança - nos níveis infantil e fundamental de ensino, é incompatível com a utilização da criança como público-alvo da mensagem publicitária, prática ilegal.

Valer-se da deficiência de julgamento e de experiência da criança para

impingir-lhe produtos e serviços, inclusive dentro da escola ou por meio de suas atividades, significa transformá-la em uma promotora de venda a serviço do anunciante. E as escolas, sejam públicas como privadas, enquanto espaço de cuidado e educação, de maneira algum poderiam servir como cenário para esse ataque à integridade psíquica, e até mesmo física, das crianças.

Ilegalidade da publicidade infantil dentro de escolas

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda),

o Ministério da Educação (MEC), a Organização das Nações Unidas (ONU), o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo produziram documentos que evidenciam a ilegalidade da realização de comunicação mercadológica em ambientes escolares.

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De acordo com os órgãos, o ambiente escolar é um espaço destinado a garantir a formação de valores e a conformação de aspectos da personalidade das crianças em desenvolvimento, devendo, portanto, ser um local desvinculado e protegido de interesses mercadológicos.

Resolução nº 163 do Conanda e a publicidade em escolas

O documento normativo em questão conferiu especial atenção para a realização de publicidade dentro de ambientes escolares, pois reserva um parágrafo inteiro do artigo 2º para tratar do tema de forma expressa:

“(...) §2º Considera-se abusiva a publicidade e comunicação mercadológica no interior de creches e das instituições escolares da educação infantil e fundamental, inclusive em seus uniformes escolares ou materiais didáticos.” (grifos inseridos)

Conclui-se, portanto, que estratégias publicitárias realizadas dentro de

escolas afrontam dois aspectos da Resolução nº 163. O primeiro é o direcionamento da comunicação mercadológica ao publico infantil e o uso de elementos para captar a atenção desse público com o objetivo de promover um produto ou serviço. O segundo é a realização de comunicação mercadológica em ambientes escolares, que segundo a Resolução, devem ser preservados de apelos mercadológicos.

Como resultado, conclui-se que a ilegalidade das estratégias de

comunicação mercadológica realizadas é reforçada pela realização em ambientes escolares, de forma contrária aos comandos da Constituição Federal, Estatuto da Criança e Adolescente, Código de Defesa do Consumidor e Resolução 163 do Conanda.

Nota técnica nº 21/2014/CGDH/DPEDHC/SECADI/MEC (doc. 1) A Nota Técnica editada no âmbito da Coordenação Geral de Direitos Humanos da Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de educação continuada, alfabetização, diversidade e inclusão do Ministério da Educação (CGDH/DPEDHC/SECADI/MEC) analisa a Resolução nº 163 do Conanda, especificamente seu artigo 2º, parágrafo 3º, que considera “abusiva a publicidade e comunicação mercadológica no interior de creches e das instituições escolares da educação infantil e fundamental, inclusive em seus uniformes escolares ou materiais didáticos”.

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A análise do órgão reconhece a validade da Resolução com base nos direitos à educação, dignidade da pessoa humana e da sustentabilidade socioambiental. Também reconhece o MEC como um dos órgãos que compõe CNDA (Conselho Nacional das Crianças do Adolescente), admitindo, portanto que a criança é um ser em peculiar fase de desenvolvimento, razão pela qual necessita de proteção aos seus direitos fundamentais com prioridade absoluta.

A Nota Técnica também afirma que a publicidade infantil em ambientes

escolares é uma realidade. Destaca a importância do ambiente escolar ao desenvolvimento da criança que, por isso, deve estar a salvo de apelos mercadológicos. Por ser a Resolução um importante marco para a proteção da criança frente aos apelos publicitários, reconhece que a publicidade infantil é prática abusiva.

Como resultado, o MEC, por meio da SECADI - Secretaria de educação

continuada, alfabetização, diversidade e inclusão, encaminhou o Ofício Circular nº 57/2014 a todas as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, a fim de que lhes fosse dada ciência sobre a existência da Resolução nº 163 do Conanda e nota técnica nº 21/2014 CGDH/DPEDHC/SECADI/MEC.

Relatório da ONU sobre o os impactos do marketing nos direitos culturais (doc.2)

O Relatório da ONU produzido pela Relatora Especial Farida Shaheed e

publicado em 2014 aborda o tema do impacto das práticas de publicidade e de marketing comercial no gozo dos direitos culturais, com foco especial sobre a liberdade de pensamento, de opinião e de expressão, a diversidade cultural, os direitos das crianças, educação e lazer, liberdade artística e acadêmica e o direito de participar na vida cultural, e de desfrutar das artes.

O texto assinado pela Relatora Especial de direitos culturais afirma que

devem ser proibidas todas as formas de publicidade para crianças com menos de 12 anos, independentemente do meio de veiculação, bem como discute a abusividade da realização de comunicação mercadológica em ambientes escolares.

De acordo com o documento, a presença de crescente publicidade nas

instituições de ensino é evidente. Em inúmeros países podem ser verificados exemplos de estratégias que tem por objetivo garantir uma interação entre as crianças e determinadas marcas no horário escolar (televisão em escolas de "conteúdo educacional" com publicidade; shows por personagens que representam marcas, logotipos em material escolar, entre outros).

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No entanto, a normalidade com que o assunto é tratado no mundo e sua grande incidência, não significa que essas ações são adequadas ao desenvolvimento infantil. De acordo com o relatório, as escolas, compreendidas como um espaço cultural necessariamente frequentado pelas crianças, devem ser protegidas de qualquer influência comercial.

O documento reconhece as possíveis dificuldades decorrentes dessa

restrição. Em cenários de escassez orçamentária, a permissão da realização de comunicação mercadológica em ambientes escolares tem como contrapartida investimentos que garantem a manutenção da infraestrutura e o oferecimento de livros, material escolar e outros elementos essenciais. Em face disso, a Relatora Especial Farida Shaheed reconhece que o investimento privado pode auxiliar na obtenção de fundos para o bom funcionamento das instituições, isso não deve, no entanto, resultar na permissão da realização de atividades de marketing e publicidade nas dependências da escola, direcionadas ao público infantil.

Em face do exposto, o Relatório determina em suas conclusões e recomendações que os Estados “proíbam toda a publicidade comercial em escolas públicas e privadas, garantindo que os currículos sejam independentes dos interesses comerciais”, bem como identifiquem espaços que devem ser completamente ou especialmente protegidos da publicidade, tais como creches.

Recomendações da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal

Com base no conteúdo da Resolução nº 163 do Conanda e da Nota

Técnica n° 21/2014/CGDH do Ministério da Educação, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal de São Paulo, em 21.11.2014, expediu as Recomendações nº 66/2014 (doc. 3) e 67/2014 (doc. 4).

Os documentos foram endereçados à Secretaria de Educação do Estado

de São Paulo e às prefeituras e secretarias de educação de todos os municípios com mais de 100 mil habitantes do estado de São Paulo com o objetivo de recomendar a suspensão dos Shows do Ronald McDonald23 ou qualquer ação

23

Os shows do Ronald McDonald consistem em apresentações realizadas pelo mascote da rede de

restaurantes Arcos Dourados Comércio de alimentos Ltda. (‘Mc Donald’s’) em instituições públicas e

privadas de educação infantil e fundamental. Durante todo o evento as crianças são entretidas e expostas

intensivamente à marca McDonald’s. De acordo com as Recomendações expedidas pelo Ministério

Público Federal, o personagem “oferece gratuitamente diversão, brincadeiras e aproveita esse momento

lúdico para cativar consumidores, sob a justificativa de transmitir conceitos educativos, como respeito ao

meio ambiente, valorização da amizade e da vida ativa e dicas de bons hábitos”.

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similar nas instituições públicas estaduais de ensino básico e de ensino infantil e fundamental dos referidos municípios

O Desafio Foroni possui grande similitude com os shows, uma vez que,

aproveita-se da credibilidade do ambiente escolar para expor as crianças constantemente à sua marca.

Nota Técnica do Ministério Público do Estado de São Paulo (doc. 5)

Em março de 2015, o Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela

Coletiva do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo expediu Nota Técnica com o objetivo de “fornecer esclarecimentos e subsídios aos Promotores de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo no que concerne à questão da publicidade abusiva em escolas”.

O documento faz referência à Resolução 163 do Conanda, Nota Técnica

n° 21/2014/CGDH do Ministério da Educação e ao Relatório sobre o os impactos do marketing nos direitos culturais da ONU para ressaltar que a publicidade realizada no ambiente escolar é abusiva e, portanto, ilegal, tendo em vista que se aproveita, para fins mercadológicos, de um ambiente central na formação da linguagem e pensamento da criança.

De acordo com a Nota Técnica, a compreensão da defesa do consumidor

como direito fundamental, juntamente com os arts. 4º, 6º, 36 e 37, §2° do Código de Defesa do Consumidor, não deixa dúvida de que “as normas de defesa do consumidor, calcadas na proteção da criança como prioridade absoluta do Estado e da sociedade (art. 227, da Constituição Federal), impõem o dever legal de proibir a publicidade no interior de instituições escolares”.

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ANEXO IX A construção de estereótipos de gênero na infância

À parte da construção de valores consumistas, a publicidade direcionada

ao público infantil também influencia diretamente a construção de estereótipos de gênero e valores distorcidos no que tange aos papeis sociais da mulher e do homem.

A segregação por gênero influencia de forma incisiva as preferências

futuras da criança, e monta no seu imaginário a imagem do as meninas ou os meninos deveriam ser e poderiam ou não gostar, impedindo um desenvolvimento livre e sem limitações.

Uma das vantagens dessa segmentação de produtos pelas empresas é o

fato de deixarem de ser intercambiáveis. Ou seja, em uma família com um filho e uma filha, uma bicicleta rosa não serviria para os dois, de maneira a estimular o consumo.

Outra vantagem é que, por meio da segmentação, criam-se grupos

específicos para direcionamento de publicidades de produtos teoricamente específicos para eles. Essa técnica de marketing, chamada de segmentação de mercado, define as preferências de compra de um grupo e o induz a querer e consumir o que é anunciado. Assim, ao desenvolver produtos de determinada cor, azul ou rosa, por exemplo, ou associados a produtos comumente relacionados a um dos gêneros, como carrinhos ou bonecas, as empresas conversam com meninos e meninas separadamente e têm mais facilidade de conquistá-los pelas características pelas quais socialmente aprenderam a ter apreço.

A influência da publicidade na construção de estereótipos é de tal forma

evidente que dentre os apelos do Relatório da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros do Parlamento Europeu1 sobre o impacto do marketing e da publicidade na igualdade entre homens e mulheres2, elaborado pela eurodeputada sueca EVA-BRITT SVENSSON (CEUE/EVN), deputados europeus defenderam a eliminação “dos livros escolares, brinquedos, jogos de vídeo, da Internet e da publicidade televisiva e noutros meios de comunicação todas as mensagens que veiculem estereótipos de gênero, exortam à criação de um código de conduta para a publicidade e pedem que seja ponderada com

1 Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+REPORT+A7-

2012-0401+0+DOC+XML+V0//PT. Acesso em 3.2.2016. 2 Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+REPORT+A7-

2012-0401+0+DOC+XML+V0//PT. Acesso em 3.2.2016.

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cuidado a contratação de mulheres extremamente magras para a promoção de produtos”.

Ainda segundo o mesmo relatório, "a publicidade que veicula

estereótipos de gênero limita as mulheres e os homens, as raparigas e os rapazes, confinando-os a papéis predefinidos, artificiais e, muitas vezes, degradantes, redutores e estupidificantes para os dois sexos", apresentando frequentemente "de forma caricatural" a realidade da vida dos homens e mulheres.

Na Inglaterra, um recente relatório divulgado pelo grupo “Let Toys be

Toys” (“deixem brinquedos serem brinquedos”, em tradução livre), sua relatora, JESS DAY, escreveu:

“Desigualdade de gênero é aprendida. Se nós queremos que jovens cresçam acreditando que todas as opções estão abertas para eles nos seus estudos, carreiras e escolhas de vida, nós precisamos parar de ensiná-los quando crianças que apenas certas atividades são adequadas para meninos ou para meninas”3 Resta claro, assim, que a divisão de produtos com base em estereótipos

de gênero na infância e a publicidade desses produtos direcionada ao público infantil enfatizam a naturalização de diversos preconceitos infundados e contribuem para uma sociedade que trata meninos e meninas de forma desigual.

3 Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/women/family/250-childrens-toy-adverts-on-british-tv-

analysed---its-worse-tha/. Acesso em 3.2.2016.

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ANEXO X A influência da comunicação mercadológica de produtos alimentícios

Segundo o recém-lançado Guia Alimentar da População Brasileira1, do Ministério da Saúde, a publicidade de alimentos, especialmente quando dirigida ao público infantil, é um dos obstáculos à alimentação saudável.

Constitui uma das causas da transição nutricional da população brasileira,

além de impactar no aumento das taxas sobrepeso infantil, que já atinge 30% das crianças, e mais de 50% da população adulta2, e consome 2,4% do PIB brasileiro (100 bilhões de reais) segundo pesquisas recentes3.

O Guia Alimentar revela um conjunto de preocupações mundiais com a

alimentação da população e as consequências negativas à saúde do consumo excessivo e habitual de alimentos e bebidas ultraprocessados, com altos teores de sódio, açúcar, gorduras, baixo valor nutricional. Organização das Nações Unidas4, Organização Mundial de Saúde5 e Organização Panamericana de Saúde6, por exemplo, já se debruçaram sobre o tema, e recomendam aos países a forte regulação da publicidade de alimentos, especialmente para crianças.

As empresas de alimentos investem em anúncios para o público infantil

em razão da influência que exercem sobre ele, e do retorno positivo dessas campanhas.

De acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha em janeiro de 20107,

guloseimas sem valor nutricional são os produtos mais desejados, sendo que biscoitos, refrigerantes e salgadinhos são os alimentos mais consumidos. Além disso, 85% dos pais afirmam que as peças publicitárias influenciam na escolha dos filhos.

1 Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/05/Guia-Alimentar-

para-a-pop-brasiliera-Miolo-PDF-Internet.pdf. Acesso em 28.3.2015. 2 Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_

noticia=1699&id_pagina=1. Acesso em 20.2.2013. 3 Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/custo-com-obesidade-no-pais-e-de-24-do-

pib/. Acesso em 28.3.2014. 4 http://criancaeconsumo.org.br/noticias/publicidade-de-alimentos-nao-saudaveis-preocupa-onu/.

Acesso em 24.3.2015. 5 Disponível em http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789241500210_eng.pdf. Acesso em

11.3.2013 e http://www.who.int/dietphysicalactivity/framework_marketing_food_to_children/en/. Acesso em 11.3.2013. 6 Disponível em http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/CD53-9-p1.pdf. Acesso

em 25.3.2015. 7Disponível em http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/pesquisas/

Datafolha_consumismo_infantil_final.pdf. Acesso em 16.11.2013.

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Pesquisa de maio de 20118, com pais, apresentou os seguintes dados a

respeito da influência da publicidade de alimentos sobre as crianças:

Pesquisas realizadas por canais de televisão especializados em

programação infantil apresentam conclusões similares. O setor empresarial afirmou que as crianças de seis a 11 anos mais gastam seu dinheiro com: Guloseimas (73%), Salgadinhos (47%), Sorvetes (44%), Bebidas (29%),

8 Disponível em: http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/pesquisas/

propaganda-infantil-maio-2011.pdf. Acesso em 16.11.2013.

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Brinquedos e jogos (23%), Outras coisas (16%), Roupas e acessórios (14%), Videogames(13%), Música (9%), Leitura (7%)9.

O CARTOON NETWORK, dentre várias outras constatações, concluiu que

“O mais fácil de pedir... e conseguir” (pelas crianças) é justamente o produto alimentício. Com 56% de respostas, comidas, lanches e doces são os produtos mais fáceis de serem ‘conseguidos’ pelas crianças quando pedem aos adultos10.

Por sua vez, o NICKELODEON Business Solution Research colocou os

alimentos infantis, balas e doces, alimentos em geral e fast foods como alguns dos produtos a respeito dos quais a criança exerce alta influência na hora das compras, elegendo inclusive suas marcas11.

Em razão desses dados que comprovam a influência das crianças na hora

das compras das famílias, é que todo o mercado alimentício gera diariamente uma avalanche de diversas promoções e comunicações mercadológicas ao público infantil para vender seus produtos.

Pesquisa a partir de análise de oito sites de revistas e canais televisivos e

39 sites de empresas que produzem alimentos direcionados ao público infantil revelou que:

(i) Os alimentos mais anunciados forma bebidas gaseificadas ou sucos artificiais (22%). (ii) As estratégias utilizadas foram vídeos (82%) que apresentavam mascotes, celebridades e personagens. (iii) Os valores veiculados se referiam sempre à experimentação e à novidade. Além disso, houve a valorização do tema ambiental (reciclagem/reutilização da embalagem) por meio de troca por prêmios, pontos nos jogos.12 Estudo feito com embalagens de alimentos identificou – entre crianças

que provaram seis pares de alimentos iguais, apenas em embalagens diferentes: (i) a escolha e manifestação de preferência foi influenciada pela presença da marca e, principalmente, personagens infantis nas embalagens; (ii) forte

9 Fonte: Estudo Kiddos, 2004, 2005 e 2006, Brasil apresentado na Pesquisa do Cartoon Network “Kids

Experts” (2007). 10

Disponível em: http://biblioteca.alana.org.br/CriancaConsumo/Biblioteca2.aspx?v=6&pes=17. Acesso em 30.1.2013. 11

Pesquisa Nickelodeon Business Solution Research. 10 Segredos para Falar com as Crianças (Que você esqueceu porque cresceu), 2007. Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/137316961/Nickelodeon-2. Acesso em 28.11.2014. 12

Fonte: Projeto PropagaNUT/UnB

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presença do marketing “nutricional” por meio de “dicas de saúde”, “informações sobre nutrientes”13.

Segundo CORINNA HAWKES, que foi presidente do Grupo de Especialistas

em Marketing de Alimentos para Crianças da OMS: (...) já conhecemos o efeito do marketing de alimentos sobre as crianças e sabemos que o efeito é contrário à preservação de sua saúde no curto e no longo prazo. Isto, em si, constitui um indício suficiente para que os governos tomem medidas em relação ao marketing de alimentos e bebidas para crianças14.

Importante destacar também que, a OMS, em 2016, apresentou um

relatório15 com uma série de recomendações para erradicar a obesidade infantil. Entre as recomendações que fazem parte do relatório está a implementação de programas abrangentes que promovam a ingestão de alimentos saudáveis e reduzam a ingestão de alimentos não saudáveis, e portanto a necessidade de reduzir a exposição de crianças ao marketing de alimentos não saudáveis e bebidas açucaradas. O texto ressalta, ainda, que os governos devem definir parâmetros para a execução de mecanismos de monitoramento, e se necessário, considere abordagens regulamentares e estruturais. A regulamentação deve garantir a proteção igual a todas as crianças, independente do grupo socioeconômico e garantir responsabilidade igual para as empresas independente do porte.

Outro estudo relevante é a pesquisa realizada pela Universidade de

Liverpool16, na Inglaterra, publicado no American Journal of Clinical Nutrition na edição de janeiro de 2016, mostrou que publicidades de alimentos com baixo teor nutricional, como refrigerantes, salgadinhos e bolachas recheadas, provocam um impacto maior nas crianças do que nos adultos.

A pesquisa sugere que esses dados sejam usados para fundamentar

ações que visam a redução da exposição das crianças à publicidade de alimentos não saudáveis. Essa pesquisa contribui, ao lado de outros estudos, para mostrar como a publicidade de junk food é um dos fatores responsáveis pela obesidade infantil, um problema que aflige o mundo todo.

13

Fonte: Projeto PropagaNUT/UnB 14

MULLIGAN, Andrea; KWAN, Angela; CHUNG, Ashley A.; JENNY, Brenna; HAWKES, Corinna; HENRIQUES, Isabella; GELBORT, Jason; SWIREN, Jenna Rose; CHIU, Kathryn; LEE, Minsun e GONÇALVES, Tamara Amoroso. Publicidade de Alimentos e Crianças: Regulação no Brasil e no Mundo. 15

Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/204176/1/9789241510066_eng.pdf?ua=1. Acesso em 4.2.2016. 16

Disponível em: http://ajcn.nutrition.org/content/103/2/519.abstract. Acesso em 4.2.2016.

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Assim, o que se espera, portanto, é que esse e outros produtos, sejam anunciados para os pais, que detêm o poder de compra, e não para as crianças, em respeito à legislação vigente no país e o respeito à infância.

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ANEXO XI A ilegalidade da publicidade dirigida à criança

No Brasil publicidade dirigida ao público infantil é ilegal. Pela interpretação sistemática da Constituição Federal, do Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), da Convenção das Nações Unidas sobre as Crianças (Decreto no 99.710/1990), do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e da Resolução nº 163 de 13 de março de 2014, publicada no Diário Oficial da União em 4 de abril de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda12, pode-se dizer que a publicidade dirigida ao público infantil é proibida, mesmo que na prática ainda sejam encontrados diversos anúncios voltados para esse público.

Neste sentido, entende VIDAL SERRANO JR.3: “Assim, toda e qualquer publicidade dirigida ao público infantil parece inelutavelmente maculada de ilegalidade, quando menos por violação de tal ditame legal. (...) Posto o caráter persuasivo da publicidade, a depender do estágio de desenvolvimento da criança, a impossibilidade de captar eventuais conteúdos informativos, quer nos parecer que a publicidade comercial dirigida ao público infantil esteja, ainda uma vez, fadada ao juízo de ilegalidade. Com efeito, se não pode captar eventual conteúdo informativo e não tem defesas emocionais suficientemente formadas para perceber os influxos de conteúdos persuasivos, praticamente em todas as situações, a publicidade comercial dirigida a crianças estará a se configurar como abusiva e, portanto, ilegal.” Recentemente, o tema publicidade infantil adquiriu tamanha importância

que foi escolhido como assunto da Redação do Enem 2014. 1 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), vinculado à Secretaria

Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, é um órgão colegiado de caráter normativo e deliberativo, que atua como instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal. Criado pela Lei nº 8.242/1991, e composto por representantes de entidades da sociedade civil e de ministérios do Governo Federal, é o órgão responsável por tornar efetivos os direitos, princípios e diretrizes contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990. 2 Disponível em http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=4&data

=04/04/2014. Acesso em 19.5.2014. 3 JUNIOR, Vidal Serrano. Constituição Federal: Avanços, contribuições e modificações no processo

democrático brasileiro. Coordenação Ives Gandra Martins e Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: CEI – Centro de Extensão Universitária, 2008. Páginas 845-846.

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Princípios norteadores dos Direitos das Crianças: prioridade absoluta, proteção integral e melhor interesse da criança.

Inicialmente, para compreender a razão de considerar abusiva a

publicidade dirigida ao público infantil, é preciso ter em mente que o ordenamento jurídico brasileiro busca proporcionar à criança um desenvolvimento saudável e feliz, livre de violências e opressões, em garantia dos princípios da prioridade absoluta, proteção integral e da primazia do melhor interesse da criança, conforme preconizam o texto constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

O artigo 227, da Constituição Federal, estabelece o dever da família, da

sociedade e do Estado de assegurar com absoluta prioridade à criança os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também determina que todas as crianças devem ser protegidas de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Dessa forma, as crianças, por se encontrarem em peculiar processo de

desenvolvimento, são titulares de uma proteção especial, denominada no ordenamento jurídico brasileiro como proteção integral.

Segundo a advogada e professora de Direito de Família e de Direito da

Criança e do Adolescente da PUC/RJ e UERJ, TÂNIA DA SILVA PEREIRA4: “Como ‘pessoas em condição peculiar de desenvolvimento’, segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, ‘elas desfrutam de todos os direitos dos adultos e que sejam aplicáveis à sua idade e ainda têm direitos especiais decorrentes do fato de: - Não terem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos; - Não terem atingido condições de defender seus direitos frente às omissões e transgressões capazes de violá-los; - Não contam com meios próprios para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas; - Não podem responder pelo cumprimento das leis e deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que o adulto, por se

4 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente – Uma proposta interdisciplinar. 2ª edição

revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Página 25.

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tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e sociocultural.” Além disso, segundo interpretações as mais autorizadas de juristas

especialistas em infância, as ações que atingem as crianças - praticadas por particulares ou pelo poder público - devem ser levadas a cabo tendo-se em vista a garantia do melhor interesse da criança.

Como bem nos aponta TÂNIA DA SILVA PEREIRA acerca da proteção do

melhor interesse da criança: “O Brasil incorporou, em caráter definitivo, o princípio do ‘melhor interesse da criança’ em seu sistema jurídico e, sobretudo, tem representado um norteador importante para a modificação das legislações internas no que concerne à proteção da infância em nosso continente.”5 De acordo com este princípio de atendimento ao melhor interesse da

criança, deve-se levar em conta, no momento da aplicação da lei; da criação de políticas públicas para a infância e de desenvolvimento de ações do poder público e privado, o atendimento a todos os seus direitos fundamentais, o que inclui uma infância livre de pressões e imperativos comerciais.

No mesmo sentido, o ECA estabelece os direitos dessas pessoas em

desenvolvimento e o respeito à sua integridade inclusive com relação aos seus valores, nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 17, 18, 53, dentre outros.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças6, por sua

vez, é o documento de direitos humanos mais bem aceito no mundo, tendo sido aprovada por unanimidade na Assembleia da Organização das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 e ratificada por quase todos os países do planeta (só não a ratificaram os Estados Unidos da América e a Somália). Em razão disso, suas disposições assumem papel de consenso internacional acerca dos direitos e garantias destinados às crianças.

Este documento foi internalizado no Brasil por meio do Decreto no

99.710, de 21 de novembro de 1990 e, portanto, integra o ordenamento jurídico brasileiro, tendo as suas disposições ao menos hierarquia de lei ordinária. Esta convenção também determina que o tratamento jurídico

5 PEREIRA, Tânia da Silva. O princípio do “melhor interesse da criança”: da teoria à prática. Disponível

em: http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pdf. Acesso em: 4.11.2013. 6 A Convenção da ONU Sobre os Direitos das Crianças considera “criança” como todo ser humano com

idade entre 0 e 18 anos.

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dispensado a crianças seja balizado pelos parâmetros de direitos humanos e norteadores da proteção integral. Segundo TÂNIA DA SILVA PEREIRA:

“A Convenção consagra a ‘Doutrina Jurídica da Proteção Integral’, ou seja, que os direitos inerentes a todas as crianças e adolescentes possuem características específicas devido à peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento em que se encontram, e que as políticas básicas voltadas para a juventude devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado. Recomenda que a infância deverá ser considerada prioridade imediata e absoluta, necessitando de consideração especial, devendo sua proteção sobrepor-se às medidas de ajustes econômicos, sendo universalmente salvaguardados os seus direitos fundamentais. Reafirma, também, conforme o princípio do melhor interesse da criança, que é dever dos pais e responsáveis garantir às crianças proteção e cuidados especiais e na falta destes é obrigação do Estado assegurar que instituições e serviços de atendimento o façam.” 7 Especificamente no que se refere à temática de crianças e meios de

comunicação merecem destaque os artigos 17 e 31, conforme abaixo reproduzidos:

“Artigo 17 – Os Estados-parte reconhecem a importante função exercida pelos meios de comunicação de massa e assegurarão que a criança tenha acesso às informações e dados de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente os voltados à promoção de seu bem-estar social, espiritual e moral e saúde física e mental. Para este fim, os Estados-parte: a) encorajarão os meios de comunicação a difundir informações e dados de benefício social e cultural à criança e em conformidade com o espírito do artigo 29; b) promoverão a cooperação internacional na produção, intercâmbio e na difusão de tais informações e dados de diversas fontes culturais, nacionais e internacionais; c) encorajarão a produção e difusão de livros para criança; d) incentivarão os órgãos de comunicação a ter particularmente em conta as necessidades linguísticas da criança que pertencer a uma minoria ou que for indígena; e) promoverão o desenvolvimento de diretrizes apropriadas à proteção da criança contra informações e dados prejudiciais ao seu bem-estar, levando em conta as disposições dos artigos 13 e 18.”

7 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente – Uma proposta interdisciplinar. 2ª edição

revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Página 22.

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“Artigo 31 –1. Os Estados-parte reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou seja nocivo para saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.” Assim, reforçam-se as percepções de que a exposição de crianças à mídia

deve favorecer o seu pleno desenvolvimento físico, mental e emocional e não prejudicá-lo, o que infelizmente ocorre quando da promoção de publicidade a elas dirigidas.

Aliás, sobre o tema, vale indicar trecho do Comentário Geral n. 1,

parágrafo 21, do Comitê das Nações Unidas ligado à Convenção Sobre os Direitos da Criança:

“A mídia, amplamente definida, também tem um papel central a desempenhar tanto na promoção dos valores e objetivos estabelecidos no artigo 29 (1) como assegurando que suas atividades não prejudicarão esforços de outros na promoção destes objetivos. Os governos são obrigados pela Convenção, de acordo com o artigo 17 (a), a adotar todas as medidas para encorajar a mídia de massa a disseminar informações e materiais que beneficiem a criança social e culturalmente.”8 Em seu artigo 13 também afirma que “A criança terá direito à liberdade

de expressão”, incluindo o da liberdade de procurar e receber informações. No entanto, também prevê, visando proteger a criança, que “O exercício de tal direito poderá estar sujeito a determinadas restrições”.

Em que pese a responsabilidade dos pais na determinação de horas a que

a criança está exposta à mídia, com todo seu vasto conteúdo, e também na escolha dos produtos que serão consumidos pelos pequenos, é importante frisar que a tutela da infância é encargo compartilhado por todos: pais, comunidade, sociedade e Estado, em uma verdadeira rede de proteção. Esse entendimento é endossado pelo Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança:

“O Comitê enfatiza que os Estados-partes da Convenção têm a obrigação legal de respeitar e garantir os direitos das crianças como estabelecidos na Convenção, o que inclui a obrigação de assegurar que provedores de

8 PIOVESAN, Flávia. Código de direito internacional dos direitos humanos anotado. Coordenação geral

Flávia Piovesan. São Paulo: DPJ Editora, 2008. Página 336.

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serviços não-estatais ajam em conformidade com seus dispositivos, portanto, criando indiretamente obrigações para estes atores.” 9 Ainda sobre o assunto, é importante lembrar que essa responsabilidade

direcionada à sociedade envolve obrigações positivas e negativas, vale dizer, envolve o dever da sociedade de agir efetivamente para evitar danos e prejuízos à infância e ao saudável desenvolvimento de pessoas com idade entre zero e 12 anos e também o dever de se abster de praticar atos que possam lesionar tão relevante bem jurídico que é a própria proteção integral.

Além disso, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança

é clara ao expor em seu artigo 3°:

“1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o maior interesse da criança. 2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. 3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.” (grifos inseridos) Nesse sentido, merece destaque o artigo 4º, do ECA, que em absoluta

consonância com o artigo 227 da Constituição Federal, e com a Convenção da ONU, determina que a proteção da infância é responsabilidade coletiva e compartilhada pela família, sociedade e Estado:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

9

PIOVESAN, Flávia. Código de direito internacional dos direitos humanos anotado. Coordenação geral Flávia Piovesan. São Paulo: DPJ Editora, 2008. Página 318.

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Repisando a ideia expressa no artigo 227 do texto constitucional este artigo 4º deixa claro que nenhum destes entes, nominalmente identificados e destinados como guardiões da infância, pode se escusar de atuar para a garantia da proteção integral a todas as crianças. De acordo com DALMO DE ABREU DALLARI:

“(...) são igualmente responsáveis pela criança a família, a sociedade e o Estado, não cabendo a qualquer dessas entidades assumir com exclusividade as tarefas, nem ficando alguma delas isenta de responsabilidade.”10 E no mesmo sentido continua o eminente jurista: “Essa exigência [de se oferecer cuidados especiais à infância e adolescência] também se aplica à família, à comunidade, e à sociedade. Cada uma dessas entidades, no âmbito de suas respectivas atribuições e no uso de seus recursos, está legalmente obrigada a colocar entre seus objetivos preferenciais o cuidado das crianças e dos adolescentes. A prioridade aí prevista tem um objetivo prático, que é a concretização de direitos enumerados no próprio art. 4º do Estatuto, e que são os seguintes: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”11 Com relação à necessidade de proteção integral e absoluta, assegurada

por todos, é importante pensar na atuação das empresas privadas, que têm o mesmo dever de promover a proteção da infância e de se absterem de realizar ações que venham ofender este princípio.

Proteção das crianças nas relações de consumo A regulamentação da publicidade no ordenamento jurídico brasileiro é

feita pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 (CDC) e pela Resolução nº 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, que incorporam a prioridade absoluta, a proteção especial e o melhor interessa da criança ao sistema protetivo dos direitos dos consumidores.

10

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Comentários jurídicos e sociais. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros: 2003. Página 37. 11

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Comentários jurídicos e sociais. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros: 2003. Página 41.

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Por serem presumidamente hipossuficientes no âmbito das relações de consumo, as crianças têm a seu favor a garantia de uma série de direitos e proteções, valendo ser observado, nesse exato sentido, que a exacerbada vulnerabilidade em função da idade é preocupação expressa do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, o CDC, no tocante ao público infantil, determina, no seu artigo 37,

§2º, que a publicidade não pode se aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da criança, sob pena de ser considerada abusiva e, portanto, ilegal.

“Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. (...) § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. (grifos inseridos) O artigo 39, inciso IV, do CDC, proíbe, como prática abusiva, ao

fornecedor valer-se da “fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços” (grifos inseridos).

Além disso, com o objetivo de reforçar o caráter de ilegalidade da

publicidade direcionada ao público infantil, a Resolução nº 163 do Conanda, aprovada na plenária de 13.3.2014, por unanimidade dos membros do Conselho, e tornada pública quando publicada no Diário Oficial da União em 4.4.2014, definiu critérios para identificação das estratégias de publicidade e comunicação mercadológica abusivas, diante de um caso concreto, a partir do princípio da proteção integral da criança e limites legais previstos no Código de Defesa do Consumidor, especialmente nos artigos 36 e 37, caput e §2º.

Segundo o disposto na resolução, é abusiva “a prática do direcionamento

de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço”, por meio de aspectos como linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; representação de criança; pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de animação; bonecos ou similares; promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.

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O documento normativo esclarece como 'comunicação mercadológica' toda e qualquer atividade de comunicação comercial, inclusive publicidade, para a divulgação de produtos, serviços, marcas e empresas. Abrange dentre outras ferramentas, anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e páginas na internet, embalagens, promoções, merchandising, ações por meio de shows e apresentações e disposição dos produtos nos pontos de vendas, realizadas, dentre outros meios e lugares, em eventos, espaços públicos, páginas de internet, canais televisivos, em qualquer horário, por meio de qualquer suporte ou mídia, no interior de creches e das instituições escolares da educação infantil e fundamental, inclusive em seus uniformes escolares ou materiais didáticos, seja de produtos ou serviços relacionados à infância ou relacionados ao público adolescente e adulto.

A Resolução nº 163 do Conanda dá ao aplicador da lei – no caso, o CDC,

elementos de interpretação da abusividade da publicidade dirigida à criança diante do caso concreto, como bem entende o Professor BRUNO MIRAGEM, em parecer que conclui pela constitucionalidade da norma12.

Por conta da especial fase de desenvolvimento bio-psicológico das

crianças, sua capacidade de posicionamento crítico frente ao mundo ainda não está plenamente desenvolvida, e, portanto, nas relações de consumo nas quais se envolvem serão sempre consideradas hipossuficientes.

Nesse sentido JOSÉ DE FARIAS TAVARES13, ao estabelecer quem são os

sujeitos infanto-juvenis de direito, observa que as crianças são “legalmente presumidos hipossuficientes, titulares da proteção integral e prioritária” (grifos inseridos).

Em semelhante sentido, ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E

BENJAMIN14 assevera: “A hipossuficiência pode ser físico-psíquica, econômica ou meramente circunstancial. O Código, no seu esforço enumerativo, mencionou expressamente a proteção especial que merece a criança contra os abusos publicitários. O Código menciona, expressamente, a questão da publicidade que envolva a criança como uma daquelas a merecer atenção especial. É em

12

Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Digital-ALANA-PAREC ER-A-Constitucionalidade-da-Resolu%C3%A7%C3%A3o-163-do-Conselho-Nacional-dos-Direitos-da-Cri an%C3%A7a-e-do-Adolescente.pdf. Acesso em: 17.12.2014. 13

TAVARES, Jose de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001. Página 32. 14

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. São Paulo: Editora Forense. Páginas 299-300.

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função do reconhecimento dessa vulnerabilidade exacerbada (hipossuficiência, então) que alguns parâmetros especiais devem ser traçados.” (grifos inseridos) Assim também entende o Conselho Federal de Psicologia, que,

representado pelo psicólogo RICARDO MORETZOHN, por ocasião da audiência pública realizada na Câmara dos Deputados Federais, ocorrida em 30.8.2007, manifestou-se da seguinte forma15:

“Autonomia intelectual e moral é construída paulatinamente. É preciso esperar, em média, a idade dos 12 anos para que o indivíduo possua um repertório cognitivo capaz de liberá-lo, do ponto de vista tanto cognitivo quanto moral, da forte referência a fontes exteriores de prestígio e autoridade. Como as propagandas para o público infantil costumam ser veiculadas pela mídia e a mídia costuma ser vista como instituição de prestígio, é certo que seu poder de influência pode ser grande sobre as crianças. Logo, existe a tendência de a criança julgar que aquilo que mostram é realmente como é e que aquilo que dizem ser sensacional, necessário, de valor realmente tem essas qualidades.” (grifos inseridos) Toda a publicidade abusiva é ilegal, nos termos do artigo 37, §2º do

Código de Defesa do Consumidor, lembrando que assim o será aquela que, nas palavras de PAULO JORGE SCARTEZZINI GUIMARÃES16, “ofende a ordem pública, ou não é ética ou é opressiva ou inescrupulosa”.

Por se aproveitar do desenvolvimento incompleto das crianças, da sua

natural credulidade e falta de posicionamento crítico para impor produtos, a publicidade dirigida a crianças restringe significativamente a possibilidade de escolha das crianças, substituindo seus desejos espontâneos por apelos de mercado. Assim entende o psiquiatra e estudioso do tema DAVID LÉO LEVISKY:

“Há um tipo de publicidade que tende a mecanizar o público, seduzindo, impondo, iludindo, persuadindo, condicionando, para influir no poder de compra do consumidor, fazendo com que ele perca a noção e a seletividade de seus próprios desejos. Essa espécie de indução inconsciente ao consumo, quando incessante e descontrolada, pode trazer graves conseqüências à formação da criança. Isso afeta sua capacidade de escolha; o espaço interno se torna controlado pelos

15

Audiência Pública n° 1388/07, em 30/08/2007, ‘Debate sobre publicidade infantil’. 16

GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, Biblioteca de Direito do Consumidor, volume 6. Página 136.

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estímulos externos e não pelas manifestações autênticas e espontâneas da pessoa.” 17 Com relação a essa abusividade, cumpre ressaltar que as mensagens

difundidas por meio da comunicação mercadológica dirigida a crianças não são éticas, e ofendem frontalmente a ordem pública. Por suas inerentes características, vale-se de subterfúgios e técnicas de convencimento perante um ser que é mais vulnerável — e mesmo presumidamente hipossuficiente — incapaz não só de compreender e se defender de tais artimanhas, mas mesmo de praticar – inclusive por força legal – os atos da vida civil, como, por exemplo, firmar contratos de compra e venda18.

O fato de as pessoas menores de 16 anos de idade não serem autorizadas

a praticar todos os atos da vida civil, como os contratos, reflete a situação da criança de impossibilidade de se auto-determinar perante terceiros. Isso, no entanto, não significa que esta pessoa tenha menos direitos, mas ao contrário, a Lei lhe garante mais proteções exatamente para preservar esta fragilidade temporária da criança. Segundo a já citada advogada e professora de Direito de Família e de Direito da Criança e do Adolescente da PUC/RJ e UERJ, TÂNIA DA SILVA PEREIRA:

“O Direito Civil Brasileiro refere-se ao instituto da ‘Personalidade Jurídica’ ou ‘Capacidade de Direito’ como ‘aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações’, distinguindo-a da ‘Capacidade de Fato’ ou ‘Capacidade de exercício’, como ‘aptidão para utilizá-los e exercê-los por si mesmo’. Considera o mesmo autor [Caio Mário da Silva Pereira] que ‘a capacidade de direito, de gozo ou de aquisição não pode ser recusada ao indivíduo sob pena de desprovê-lo da personalidade. Por isso dizemos que todo homem é dela dotado, em princípio’. (...) ‘Aos indivíduos, às vezes, faltam requisitos materiais para dirigirem-se com autonomia no mundo civil. Embora não lhes negue a ordem jurídica a capacidade de gozo ou de aquisição, recusa-lhes a autodeterminação, interdizendo-lhes o exercício dos direitos, pessoal e diretamente porém, condicionado sempre à intervenção de uma outra pessoa que o representa ou assiste’. (...) Segundo Caio Mário da Silva Pereira, ‘diante da inexperiência, do incompleto desenvolvimento das faculdades intelectuais, a facilidade de

17

LEVISKY, David Léo. “A mídia – interferências no aparelho psíquico” em Adolescência – pelos caminhos da violência: a psicanálise na prática social. São Paulo, SP: Ed. Casa do Psicólogo, 1998. Página 146. 18

Conforme o seguinte dispositivo do Código Civil: “Artigo. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; (...)”.

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se deixar influenciar por outrem, a falta de autodeterminação ou de auto-orientação impõem a completa abolição da capacidade de ação’.” 19

Assim, é preciso que a criança seja preservada da maciça influência

publicitária em sua infância, de maneira que possa desenvolver-se plenamente e alcançar a maturidade da idade adulta com capacidade de exercer plenamente seu direito de escolha.

Tendo-se em vista que a publicidade dirigida ao público infantil não é

ética, é ilegal e ofende a proteção integral, de que são titulares todas as crianças brasileiras, é inadmissível a conduta da empresa ora denunciada, que promove clara e intencionalmente publicidade abusiva dirigida às crianças.

19

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente – Uma proposta interdisciplinar. 2ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 2008. Páginas 127 e 128.