so a busca e definitiva

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VALTER DA ROSA BORGES SÓ A BUSCA É DEFINITIVA FASA - Recife - 1983

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  • VALTER DA ROSA BORGES

    S A BUSCA DEFINITIVA

    FASA - Recife - 1983

  • No garanto a certeza, mas apenas a sinceridade do que afirmo.Creio no que digo agora, mas no comprometo o amanh com a

    minha mais firme convico de hoje.

    A melhor filosofia aquela que responde, de maneira satisfatria, ao maior nmero possvel das questes fundamentais da existncia humana.

    O conhecimento diz como voc pode cuidar do mundo e utilizar as coisas materiais.

    A sabedoria diz como voc pode cuidar de si mesmo e ajudar os outros a cuidarem de si mesmos.

    Temos o dever de respeitar tudo o que no como ns.E temos o direito de preferir tudo o que como ns.

    Cada ser procura o que necessita.

    Cada ser o seu prprio caminho, por mais que vivamos em paralelo.

    Riqueza e pobreza so circunstncias.Felicidade e infelicidade so atitudes.A riqueza no causa a felicidade, nem a pobreza a infelicidade.Tudo depende da atitude que tomamos perante essas

    circunstncias.

    A pobreza do homem no est no pouco que possui, mas na quantidade de coisas de que necessita.

    Pobre aquele que de muito necessita.

    No existe o fato puro. Todo fato est carregado de significado.Um fato s existe para o universo hominal quando se reveste de

    significado.

    Existe a Unidade sem partes, sendo as partes mera aparncia?

  • Existe a Unidade, porm constituda de partes?Existem mltiplas Unidades que o so eternamente, embora

    possam estabelecer ligaes entre si, criando unidades maiores, mas provisrias?

    Existem mltiplas Unidades que no o so eternamente e que entre si estabeleam ligaes, criando unidades maiores, porm transitrias?

    O espao um modo da Substncia, que a matriz de tudo o que existe.

    E no h um s espao, mas um nmero ilimitado de espaos.O tempo, por sua vez, a mudana das coisas num determinado

    espao. E, como h inmeros espaos, h tambm tempos diferentes para cada espao e em cada coisa.

    O corpo uma individualizao do espao. uma densificao ou contrao do espao, destacando-se aparentemente deste e criando seu prprio espao interior. Assim, o que chamamos de campo a relao mais sutil entre um determinado corpo e o espao. Substancialmente, no h real separao entre eles e, por isso, o que chamamos de vazio aparncia.

    No conhecemos o no-ser, mas o ser.Eu no posso afirmar que existe o que no existe.Nada existe se confunde com existe o nada e ambas so

    expresses contraditrias.Nada se sabe do nada, porque s se conhece o que existe. Se o

    nada existisse no seria o nada e, como no existe, no pode ser conhecido, pois impossvel conhecer o que no existe.

    Para que algo seja negado necessrio que seja criado, ao menos idealmente.

    Quem humilde no busca, voluntariamente, a humilhao, mas se sujeita humilhao que lhe imposta.

    H, no entanto, os que se humilham para satisfazer vaidade de parecerem humildes.

    A utopia no s a negao de um sistema vigente: pode ser tambm uma antecipao do futuro.

    A utopia fora o futuro, ampliando as opes existenciais.Muitos fatos concretos so filhos de uma me abstrata - a

    imaginao.A f a me do fato.

  • Os fatos do universo humano - aqueles que pareciam impossveis - so filhos da f dos homens geniais.

    H pessoas que necessitam de muito espao psquico e apenas de modesto espao fsico.

    E h pessoas que necessitam de muito espao fsico por causa da pequenez de seu espao mental.

    A matria o instante perceptual do movimento: a sua revelao.

    Ns no conhecemos essncias, mas estados, situaes.O que chamamos de essncia um estado que se prolonga

    indefinidamente: a continuidade de uma situao.

    Uma coisa quantitativamente a soma de suas partes e qualitativamente algo diverso de cada uma delas.

    O nosso demnio o coletivo.A nossa tentao o impulso que nos leva integrao no

    coletivo, desintegrando-nos a individualidade.A salvao a sada do coletivo.S capaz de se individualizar quem pode superar a prpria

    individualidade e perd-la.

    Justia realizao daquilo que deve ser feito.O que deve ser feito o que convm a determinado povo numa

    determinada poca.O que convm a um povo aquilo que satisfaz as necessidades

    bsicas do maior nmero possvel dos seus indivduos.

    H doentes que fazem de sua enfermidade uma forma eficaz de domnio sobre as pessoas, aprisionando-as nas cadeias da comiserao.

    Ningum se sacrifica por fazer o que gosta.Sofrer fazer o que no se quer.Para quem faz o que no quer, at uma flor pesada.

  • Acreditamos em muitas coisas: a) por preguia de raciocinar; b) porque elas nos agradam; c) porque nos do uma sensao de segurana. Assim, mais cmodo acreditar do que criticar.

    A erudio, muitas vezes, um bazar de coisas excntricas e quinquilharias, misturadas com mercadorias de alto valor, mas a que seu dono no sabe atribuir o justo preo.

    A erudio a obesidade do esprito.

    Casamento: duas pessoas que vivem juntas na iluso de que ainda so as mesmas.

    A vaidade um prazer psicolgico, provocado pela carcia do elogio.

    Vaidade erotismo intelectual, sensualidade do esprito, escravizao do homem s sedues do aplauso.

    O vaidoso submisso ao bajulador, porque este o leva excitao narcisstica e ao orgasmo intelectual.

    O vaidoso tambm diz: no importa o que sou por fora, mas o que sou por dentro. Ele quer mostrar o seu valor, mesmo que este seja invisvel.

    Quando somos um, tudo silncio.Falamos quando estamos separados.

    Por que algum nos deve fazer felizes?Se no nos fizermos felizes, ningum mais no mundo poder faz-

    lo.

    Sade, prazer, honestidade, felicidade - tudo se resume na observncia de uma nica frmula : ser o que se .

    H pessoas que fazem de sua virtude uma arma para agredir os semelhantes.

    Um homem assim, na verdade, tem virtude, mas no virtuoso.

  • sempre necessrio o sacrifcio do aprendizado para se alcanar a satisfao da competncia.

    Poucos resistem ao fascnio de obter sucesso e ao fascnio do sucesso, quando obtido.

    O problema no para onde vamos e, sim, como vamos.Nem sempre escolhemos o caminho, mas quase sempre o modo

    de caminhar.

    Eu no procuro o meu lugar no mundo: o meu lugar sou eu.

    Quem procura um lugar ao sol, assume o risco de projetar uma sombra ao seu redor.

    O homem no sabe, potencialmente, tudo, mas, sim, tudo o que lhe necessrio em cada situao concreta do seu existir,

    A intuio a revelao do seu saber inato no atendimento de necessidades especficas.

    Termos inimigos inevitvel.Porm de ns depende no ser inimigos de ningum.

    Quem cresce interiormente no tem amigos nem inimigos. Ocupa, cada vez mais, o seu prprio espao e no invade o espao de ningum.

    A Economia do ser singular: podemos dar tudo o que somos sem nada perder do que somos.

    Extraordinrio o homem que conseguiu ser natural.

    No h um caminho para voc: voc o caminho.E s voc acontece no caminho.Cada transeunte voc mesmo. voc na iluso de ser muitos.

  • No ocupe ningum: ocupe-se.Nada l fora nos preenche, mas aumenta o nosso vazio interior.Ns precisamos dos outros, mas no de ningum em especial.Ningum nos pode dar tudo e nem podemos dar tudo a ningum.Somos circunstancias e no metas.

    Solitrio aquele que pensa s em si.A sua dor maior, porque dele s.A sua alegria menor, porque no acrescida pela alegria dos

    outros.

    A mquina - principalmente o computador - o bezerro de ouro do mundo moderno.

    Apesar dos sculos transcorridos, ns no perdemos a nossa vocao para a idolatria.

    leviano afirmar que o homem capaz de saber tudo ou que incapaz de saber, com certeza, alguma coisa.

    Nem sempre fcil saber se transmitimos os nossos conhecimentos pelo prazer de ensinar aos outros ou pela vaidade de exibir a nossa erudio ou, finalmente, pelas duas coisas.

    Amamos o saber ou, na verdade, amamos o poder que o saber nos d?

    O valor de tudo dado pela ocasio.

    Algo s igual a si mesmo no aqui e no agora.Nada igual a outra coisa e nem a mesma coisa igual a si mesma

    duas vezes.A repetio aparncia.

    Faa tudo o que quer fazer hoje. O que garante que voc viver amanh?

  • Fazemos coisas pequenas, porque temos medo de tentar fazer as coisas grandes. E, muitas vezes, elas no so grandes para ns. Ns que, deliberadamente, diminumos para elas.

    Todos sentem necessidade de expanso.O que, muitas vezes, se chama de fuga essa necessidade que

    temos de rasgar novos espaos e de superar os limites da rotina e do habitual.

    Muitos procuram essa expanso para fora, viajando, incorporando novas paisagens, conquistando novas experincias.

    Poucos preferem crescer para dentro, alargando, cada vez mais, o conhecimento do seu espao interior.

    E h os que fazem as duas coisas.

    O que fazer Histria seno cultuar os mortos?A Histria uma forma erudita de necromancia. Evocamos os

    mortos - pessoas e fatos - e com eles convivemos, presentificando-os com a forma ectoplsmica de nossas emoes.

    Os vivos, por si ss, no nos bastam. Vivemos, tambm, para os mortos e os consideramos, quase sempre, os nossos melhores amigos. At mesmo os nossos guias. Porque h mortos que esto mais vivos do que aqueles que ainda no morreram.

    A Histria ensina que, raramente, os homens lutam por verdadeiras causas, mas, sim, por simulados pretextos, rotulados de causas.

    O egosmo no se destri - o instinto de conservao do ser.O altrusmo no a negao do egosmo, mas a sua expanso.

    Prorrogamos o nosso instinto de conservao para os seres que amamos e at mesmo para a prpria humanidade.

    O egosmo o viver mnimo para si.O altrusmo o viver mximo com os outros.

    Chamamos de matria a tudo o que, direta ou indiretamente, afeta os nossos sentidos.

    Chamamos de realidade o nosso modo particular de relao com o universo.

    S existe a desordem porque temas uma noo prpria da ordem. Esta que nos d a idia daquela.

  • Se no tivssemos a idia prvia da ordem, para ns no haveria desordem.

    Ordem e desordem so irms gmeas e filhas da mente humana.

    A evoluo no tem limite.O que achamos de perfeio o limite de um ciclo, a plena

    realizao de um aprendizado.Mas, o irresistvel impulso de crescer, que existe no homem, o

    impele a renunciar quela perfeio atingida e a atirar-se aventura de um ciclo mais elevado, de um aprendizado maior.

    A monotonia no o mesmo caminho: a atitude de caminhar.

    Nada existe especialmente para voc.Apenas aconteceu, quando voc passava.

    Valorizamos mais a ausncia porque nela modelamos os nossos ausentes segundo os caprichos da nossa imaginao e das nossas necessidades mais profundas.

    S pensamos em algum quando ele se encontra ausente. Em sua presena, no pensamos mais nele.

    A ausncia refora o que a presena enfraquece.

    Quando penso muito em mim, fico menor. E todas as coisas tambm parecem menores.

    O eu um redutor da realidade.Quem no tem eu, infinito.

    A essncia do ser cada instante pontuado do seu existir - o ncleo dinmico do agora.

    O eu no apenas circunstncia, mas relao. O fenmeno humano no se esgota na existncia, mas se prolonga na interexistncia. Ou seja: no apenas existimos, mas principalmente interexistimos. Na verdade, cada outro uma prorrogao do nosso eu.

    O eu instante e ponto de um processo. a iluso da imobilidade na perpetuidade da mudana.

  • Tudo fluxo.O eu a perturbao do fluxo.

    Eu sou o vazio onde as coisas acontecem.Eu sou o que acontece.

    Conhecer-se a si mesmo encontrar algo esttico em si mesmo, algo definitivo e permanente a que se possa dizer: isto sou eu.

    Conhecer-se a si mesmo ser plenamente o que se agora. Estar todo no seu agir.

    O ser a sua ao. Se eu no estou todo no meu agir, estou me negando, estou me ocultando e, sem me revelar a mim mesmo, no posso me conhecer.

    Pensar sobre si pensar naquilo que j no se . Se ajo espontaneamente, a minha ao me revela: conheo-me no meu agir. Mas, se ajo seguindo um determinado modelo, esse agir condicionado oculta e violenta o meu ser.

    Ao visibilizao total do ser. At o repouso ao, quando se quer repousar.

    S somos contraditrios quando agimos agora de maneira diversa do que pensamos ou sentimos.

    Nunca somos contraditrios quando agimos agora de maneira diversa do que agimos ontem.

    A incoerncia no a diversidade entre o ontem e o hoje, mas o divrcio entre o ser e o agir em cada situao concreta.

    Eu no posso querer ser o que no sou, porque, quando quero mudar o que sou, j no sou o que quero mudar.

    Nem sempre possvel libertarmo-nos dos fatos, mas, sim, das idias que temas sobre eles.

    Os fatos no existem por si, mas pelo que significam para ns. Eles confirmam nossos significados, os quais, no entanto, existem mesmo na ausncia dos fatos.

    Os fatos s nos afetam por fora se, antes, j nos afetaram por dentro. Eles, portanto, s existem para ns quando solidificados de significaes.

  • A nossa realidade, assim, um condomnio de significados.

    O mundo no s como o percebo, mas como penso.Na verdade, no vejo o mundo, mas vejo-me no mundo.O meu interior tambm est l fora.

    No momento em que queremos tornar a nossa vida importante, renunciamos Vida, tornando-nos escravos do que julgamos importante.

    A Vida importante por si mesma.Toda outra importncia que lhe atribumos constitui uma forma

    grosseira ou sutil de escravido.

    A nossa experincia externa nos enriquece por dentro.Ns nos alimentamos do mundo.Os nossos deslocamentos espaciais so oportunidades de

    semeadura ntima.O exterior enriquece o interior e este se projeta sobre aquele,

    revestido e revestindo-o de novas significados.O mundo externo o mundo dos fatos, e o mundo interno, o dos

    significados. S os fatos traduzidos ou interpretados se tornam realidades para o homem.

    A Vida se v a si mesma nas suas infinitas individualidades, que so as infinitas perspectivas de si mesma.

    Conhecimento imobilizao da realidade.Conhece-se o que j foi, no o que .Onde h mobilidade, no h conhecimento.No momento em que sei, apenas retenho o fantasma, a imagem

    do que foi.O que no se diz.

    Queremos conhecer cada coisa por analogia.A realidade, porm, tautolgica.Tudo o que existe se explica por si mesmo. Se que existe

    explicao.

    O real sempre novo.O passado que envelhece o nosso olhar.

  • O real sempre hoje: ns que somos ontem.

    Cada coisa vista diferentemente por pessoas diferentes num mesmo momento.

    Cada coisa sempre diferente, a cada momento, para cada observador.

    Por outro lado, a coisa observada sempre diferente, em relao a si mesma, a cada momento.

    Qual a sua face real?

    A realidade sempre nova. A repetio aparncia: decorre das nossas limitaes perceptuais e dos nossos hbitos.

    H coisas que no podem ser explicadas, mas vividas sem explicao.

    A explicao apenas nos d a iluso de desfazer o mistrio e nos priva do encanto de saborear o mistrio.

    Se no podemos ter certeza do que verdadeiro, como poderemos saber, com certeza, o que falso?

    Uma coisa inexplicvel se torna cada vez mais confusa quanto mais tentamos explic-la.

    Aceitar que uma coisa inexplicvel ver claramente a sua inexplicabilidade.

    S o momento real.Tudo o mais so lembranas, projetos, probabilidades.

    Realidade tudo o que .Verdade harmonia entre aquilo que se diz e aquilo do que se diz.

    Ningum abrigado a ser livre. mister que o homem seja livre at para no aceitar certas

    formas de liberdade.

  • H quem se sinta na obrigao de ser sbio, de reformar o mundo, de conduzir pessoas.

    Quem assim se sente obrigado escravo de sua vaidade e de sua ambio.

    Quem se sente obrigado a ser sbio transforma a sua sabedoria em escravido.

    Quem se sente obrigado a liderar os outros, escravo de sua liderana.

    Afinal, quem livre dos outros?

    A vida no posse, mas uso.Tudo o que se guarda, gera o apego. E o apego gera o sofrimento,

    que a vingana da Vida contra quem interrompeu o seu fluir.

    Se em nada nos seguramos, nada nos segura.Todo o visgo est em ns.A liberdade real o desapego segurana.

    A mo que segura deixou de ser livre.

    No se obrigar a se obrigar.No se obrigar a no se obrigar.

    Quem quer dominar, fica dependente das pessoas que pretende dominar.

    Quem quer ser mestre, vive cata de discpulos e destes se torna dependente para continuar como mestre.

    Livre aquele que aprende dos outros o que no sabe e ensina aos outros o que sabe, sem qualquer sentimento de dependncia.

    H duas formas de escravido: a escravido s coisas e a escravido s idias.

    Livre pensador aquele que est livre at de suas prprias idias.

    O apego a maior escravido.Aquele que se apega, renunciou ao direito de liberdade.

  • Liberdade no fazer tudo o que se quer, mas tudo o que se pode e o que se deve.

    A liberdade no est na vontade em si, mas no exerccio da vontade segundo as convenincias e as circunstncias.

    Pregamos o desapego aos bens materiais, mas permanecemos apegados aos livros e s idias.

    Apenas trocamos um apego pelo outro.Ou melhor: trocamos um apego que classificamos de inferior por

    outro que chamamos de superior, porque essa forma de apego gratifica a nossa vaidade.

    Renunciar no privar-se das coisas, mas desapegar-se delas.

    A questo no como Deus organizou o mundo, mas como ns o organizamos.

    O mundo do homem no dos fatos, mas dos significados.Os fatos, como tais, nada so para os homens.Os fatos so ocasies para os significados.Podemos viver sem fatos. No podemos viver sem significados.Os mitos substituem os fatos de que necessitamos.

    O que chamamos de mundo objetivo nada mais do que um acordo de subjetividades.

    Acalentamos a presuno de que todos vemos as coisas da mesma maneira.

    Existe, entre ns, um acordo tcito, mediante o qual nos comprometemos a concordar em que temos a mesma percepo dos acontecimentos.

    Procuramos compatibilizar as nossas experincias firmando um acordo sobre aquilo que vemos. E a realidade, para ns, o cumprimento desse acordo.

    Falamos de real.

  • Mas o que o real, seno o ideal que obteve o consenso dos homens?

    A nossa realidade um acordo onrico.

    Todo relacionamento social perifrico. Cada um dialoga superfcie de si mesmo.

    Medimos distncias e posies e toda nossa relao se transforma em rida geometria.

    Qual a distncia ideal entre ns?Ver bem as pessoas uma questo de perspectiva, segundo a

    ptica peculiar de cada observador.

    H pessoas que tratam os amigos como se fossem seus piores inimigos, tomando-lhes o tempo, o dinheiro, as alegrias e fazendo-os depositrios de seus problemas, amarguras, frustraes e ressentimentos.

    F certeza subjetiva. confiana na existncia daquilo que no se v.

    F a confiana que dispensa provas.

    Ter f apostar no impossvel.A f a certeza sem prova e at mesmo contra todas as provas.A f provada se transmuda em fato.O fato a anttese da f. Mas pode ser sua metamorfose.

    A f a maior aventura existencial.Para os fracos, ela constitui abrigo, segurana.Para os fortes, a f uma aposta, uma aventura arrojada, um

    mergulho no Desconhecido.A f do fraco acomodao s circunstncias, sujeio ao que se

    julga imutvel.A f do forte a certeza da superao de todas as circunstncias,

    de algo maior do que as limitaes do presente, a antecipao de um futuro aparentemente improvvel.

    Tem razo Kierkegaard: Sem risco no h f e quanto maior o risco tanto maior a f.

    A f no a afirmao do absurdo, mas a conscientizao de que o absurdo no ter f.

  • Crer a necessidade que o homem tem de conhecer mais do que concretamente conhece.

    Crer apostar no futuro. uma tentativa de controlar o futuro.

    A vida tem de ser vivida com imaginao. O corpo simplesmente nosso estar. E tambm nosso endereo nesse mundo.

    O mito o filho predileto do esprito humano.A f, de certo modo, um mito da mais alta eficcia existencial.A sociedade uma iluso coletiva, mas necessria, porque logrou

    o consenso da maioria.

    A lgica tautolgica, pois procura provar o que, implicitamente, j provou.

    A lgica o metro do prprio homem.Por isso, no pode medir o que ultrapassa a condio humana.

    A lgica pode representar um instrumento de controle da realidade, satisfazendo, ao mesmo tempo, a nossa necessidade intelectual de segurana.

    Por isso, o indito nos perturba: abala a nossa confiana na onipotncia da lgica e no domnio que pretendemos impor prpria vida.

    A cincia um tipo especial de f.Ns acreditamos na cincia, apesar de todos os seus erros e

    mudanas.Saber um faz de conta, um como se. um jogo que,

    inadvertidamente, levamos a serio.Inventamos o jogo do saber, criamos suas regras e queremos que

    a vida se sujeite ao nosso jogo.

    A cincia tambm pode ser um pio, quando acreditamos que ela possa solucionar, mais cedo ou mais tarde, todos os problemas da humanidade.

    A cincia parte da dvida, se constri na dvida e duvidosamente permanece nas suas conquistas mais slidas.

    A essncia da cincia a dvida permanente do conhecimento e a certeza provisria dos seus postulados.

    A cincia inconclusa.

  • A religio parte da certeza. E permanece na certeza no meio de todas as incertezas.

    A f afirma no meio de todas as negaes. No vive da comprovao de fatos, mas do exerccio de valores. Jamais duvida. Age sempre.

    A cincia dogmatiza pela dvida, porque acredita na instabilidade dos fatos.

    A religio dogmatiza pela f, porque acredita na perpetuidade dos valores.

    Quem ama no perdoa, porque jamais se sente ofendido por aquele a quem ama.

    Alis, o perdo pode ser uma forma sofisticada de vingana: o que perdoa quer mostrar a sua superioridade a quem perdoou. A ostentao da bondade, sob a forma do perdo, uma das mais insidiosas maneiras de se esmagar uma pessoa, sem lhe permitir a menor defesa.

    O amor uma iluso a dois.O homem gosta de fascinar e de viver fascinado. O sentido da vida

    essa fascinao.O sentido da vida no est nas coisas, mas no modo como as

    vemos.O real no apenas o conjunto das coisas, mas as infinitas

    relaes que mantemos com elas.

    O amor como a religio: precisa de rituais e de mistrios.

    Amemos o que temos, enquanto o temos.Aprendamos a esquecer o que perdemos, pois quem se apega ao

    que perdeu, ama, na verdade, o irreal.

    Amamos nos outros mais aquilo que pensamos que eles so do que aquilo que realmente eles so.

    Memria tempo aprisionado.E o tempo s existe se a carne o marcou.

    A memria nos impede a pura apreenso do presente, porque no sabemos quanto do passado interfere em nossa percepo dos fatos.

  • a nossa memria que nos d a impresso de continuidade.Se no tivssemos memria, tudo, para ns, seria sempre novo,

    sempre indito.

    O tempo vale pelo que se faz nele.A vida vale pelo que se faz no tempo.

    Nem sempre o que pensaremos amanh necessariamente melhor do que o que pensamos hoje.

    Quem tem medo do futuro, teme o que no existe.

    O tempo nada transforma: o tempo transformao.O tempo nada muda: o tempo a prpria mudana.S sentimos o tempo quando relacionamos nossas mudanas com

    as mudanas de outros seres e de outras coisas. Assim, o tempo comum o resultado da relao entre unidades de mudana - seres e coisas.

    Devagar e depressa s existem na comparao entre dois sistemas e suas mudanas, dado um referencial de mudana.

    No importa quanto tempo j vivemos, mas, sim, se vivemos.Viver no acumular tempo, pois quando estamos vivendo,

    tempo no h.No agora no h ningum.

    S h certeza no presente.O passado foi possivelmente como o recordamos.O futuro ser possivelmente como o conjeturamos.

    S h tempo quando temos o que fazer. o ter que fazer que faz o tempo. a ao comprometida que nos

    prende ao tempo.O fazer desobrigado o seu prprio tempo.O fazer por compulso no faz o tempo, mas se faz no tempo. O

    tempo , ento, maior que o fazer.O nosso fazer se distribu no tempo, parte-se em tempo,

    separando-se por vazios, distraes e tdios.

  • Mas o fazer que faz seu tempo um todo compacto. Comea e termina integralmente. E, depois, vem aquele estado sem tempo, que no interstcio de um fazer pulverizado. Aquele estado sem tempo um fazer em si e no um ser sem fazer. Mas um fazer em si no gera tempo. O tempo sem fazer no , assim, um fazer sem tempo.

    S gastamos o tempo quando o tempo nos imposto. Gastamos o tempo que no nosso. Queremos encher o tempo que maior do que ns e do que nosso fazer.

    O tempo que nosso do tamanho do que fazemos. Por isso, ns no o gastamos: gastamos aquilo que somos - o nosso tempo real.

    No nos consumimos no tempo, mas consumimo-nos como tempo.

    Quem vive o presente no tem esperana. Esperana a espera de um lugar para quem perdeu o seu lugar no presente. a substantivao do verbo esperar: a expectativa de uma ao.

    Quem feliz no tem esperana. Quem feliz ocupou o presente. O presente o reino dos cus: no tem tempo, nem espao. O reino dos cus nunca vir, nem veio - ele .

    A felicidade a conquista do presente. O presente plenamente ocupado a felicidade: no h esperana, no h medo, no h expectativa, no h sofrimento, porque no h tempo. O reino dos cus a negao do tempo.

    Quem perdeu a esperana se desespera, porque perdeu o que julgava, um dia, factizar-se.

    Quem no tem esperana jamais se desespera, porque no pode perder o que nunca teve.

    Cada idade tem a sua sabedoria.Sabedoria compatibilizar o viver com as necessidades reais do

    organismo.No h uma idade mais sbia do que a outra.A velhice no d sabedoria, nem a idade da sabedoria. Se assim

    o fosse, o ideal da humanidade seria a senectude.

    Se eu no sou obrigado a defender-me, como posso ser obrigado a defender meu pas?

    Que autoridade tem a ptria de mandar que seus cidados se tornem assassinos?

    A ptria de todas as pessoas a humanidade.

    A paz no o sossego, a imobilidade.A paz a compreenso da luta.

  • A luta a refrega dos opostos, a dialtica dos dinamismos. Por isto, a luta eterna. Ela apenas muda de nvel. E o mais forte sempre vencer.

    O nacionalismo uma parania coletiva com as suas alucinaes de perseguio e grandeza.

    Defende a paz pela ameaa constante da guerra.Defende a vida pela capacidade blica cada vez maior de destru-

    la.Anttese do ideal universalista cristo, o nacionalismo pode ser

    identificado como a prpria Besta do Apocalipse.

    A paz a conscincia de que, essencialmente, s somos necessrios a ns mesmos.

    Se fssemos realmente cristos, no haveria ptria, nem guerra.O cristianismo a anttese de nacionalismo.O verdadeiro cristo no tem ptria: um cosmopolita.Porque no somos cristos, vivemos no separativismo e na

    guerra.Ainda no ser neste sculo que haver um s rebanho e um s

    Pastor

    H uma paz que envilece: a paz imposta pela tirania. A paz da conformao,

    Crer em Deus afirmar, definitivamente, a nossa fundamental incapacidade de compreend-Lo.

    Creio que h infinitos caminhos para Deus.Creio que cada ser o seu prprio caminho, porque Deus est em

    cada criatura.Creio que a religio a conscincia que cada um tem de estar em

    Deus.

    Se eu no acreditar que Deus existe, passarei a viver angustiado toda minha vida. E viverei angustiadamente em vo, se Ele existir.

    Se eu acreditar que Deus existe, viverei feliz toda minha vida, ainda que Ele no exista.

  • Tudo espera de Deus.Muito esperes de ti.Pouco esperes dos outros.

    Tenho mais f em Deus quanto menos O entendo.Porque creio em Deus, sou forado a admitir que tudo est bem,

    embora o mundo me parea confuso e eu mesmo esteja confuso.Um Deus capaz de errar no digno de f.

    Eu creio num Deus que jamais conhecerei.A minha f consiste em jamais cometer a heresia de querer

    compreend-Lo.Tudo o que posso fazer cada vez mais presentific-Lo em mim.Nada sei do que Ele , mas, a cada dia, sei mais que Ele . o paradoxo da teologia: a f no se prova a no ser por ela

    mesma. No creio porque absurdo, mas porque absurdo provar o que

    est infinitamente acima da minha compreenso.

    A razo impotente para provar a existncia ou a no existncia de Deus.

    Aquele a quem couber, numa aposta, fazer essa prova, perdeu a aposta.

    No posso negar uma coisa s porque no a compreendo.Nem tampouco posso negar uma Ordem no universo s porque

    nem tudo acontece segundo o que eu acho que deve acontecer.

    Eu no posso conhecer Deus. Deus que se faz conhecido a mim, na proporo de minhas necessidades.

    Aposto que Deus existe.Aposto na sobrevivncia do homem.Aposto que tudo evolui para melhor, embora no parea.Aposto que tudo est bem, apesar de tudo me parecer confuso,

    malvolo, contraditrio.Assim, procuro viver feliz na aposta que a minha f.

    Outros podero apostar em contrrio, nomeando sua crena de cepticismo, realismo, racionalismo, positivismo, materialismo, etc.

  • Qual de ns, sem sombra de dvida, estar vivendo na iluso? S o futuro, talvez, dir.

    No entanto, se eu perder a aposta, ao menos vivi toda a minha vida numa iluso feliz.

    E, se ganhar, j fui feliz antecipadamente e continuarei sendo por toda a eternidade.

    Se os meus opositores perderem a aposta, tero sofrido inutilmente por uma iluso infeliz.

    E, se ganharem, tero perdido para sempre a nica oportunidade de viver com felicidade numa realidade infeliz.

    Sofrer o mal como se fosse efmero.Gozar o bem como se fosse eterno.

    Se eu acreditar no mal, viverei mal e no gozarei plenamente as boas coisas da vida julgando que elas so falsas.

    Se eu acreditar no bem, viverei bem, pois apesar das coisas ms da vida, eu as suportarei como se fossem falsas.

    O mal tambm o bem que se tornou rotina.

    Nunca viver alm da conta.Morrer na medida exata.

    Enquanto a vida de um homem necessria, ele tem o dever de evitar, por todos os meios, a sua morte.

    Quando, porm, a morte se faz necessria, ele nada deve fazer para lutar pela vida.

    O que chamamos de ato de coragem pode ser, algumas vezes, uma disfarada tentativa de suicdio. O suicida, assim, procura valer pela morte aparentemente herica o que nunca conseguiu valer durante a vida.

    A morte nada significa: ela a extino de todos os significados.

    Qual a prova irrefutvel da sobrevivncia?Toda prova admite contraprova.Nenhuma descoberta cientfica est isenta de crtica,

  • Nenhuma hiptese, tese ou teoria est acima de refutao.Como, pois, fazer a prova absoluta da sobrevivncia, se o prprio

    conhecimento cientfico no absolutamente seguro, mas apenas altamente provvel?

    Se nada sabemos com absoluta segurana, nada podemos negar com absoluta segurana.

    Eu sobrevivo na transformao e no na continuao do que sou.

    No h busca para algo definitivo.S a busca definitiva.