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Sistemas Convectivos no dia 07 de setembro de 2009: Evento Extremo em Itaara RS. Elisa Glitzenhirn¹, Vagner Anabor², Everson Dal Piva², Ernani L. Nascimento². ¹² Departamento de Física. Universidade Federal de Santa Maria - UFSM Av. Roraima nº. 1000. Cidade Universitária Santa Maria Rio Grande do Sul, Brasil. ¹[email protected] ²{[email protected]; [email protected]; [email protected]. } RESUMO. Durante as estações quentes do ano é comum a ocorrência de Sistemas Convectivos de Mesoescala (SCMs) no sul do Brasil. Esse estudo refere-se ao evento de 07/09/2009, o qual produziu uma grande tempestade de granizo sobre a cidade de Itaara, região central do estado do Rio Grande do Sul. Esta tempestade resultou em grandes danos para a economia e a sociedade, mostrando um alto potencial para destruição. Dados observacionais, imagens de satélite e radar são usadas para investigar as características físicas associadas a esta tempestade severa. ABSTRACT. During the warm seasons of the year is common occurrence of Mesoscale Convective Systems (MCS) in the south of Brazil. This study is refers to 07/09/2009 event which produced a large hail storm over Itaara city, central region of Rio Grande do Sul state. This storm resulted in a large damages to the economy and society, showing a high potential for destruction. Observational data, satellite and radar images are used to verify physical characteristics associated with this severe storm. Palavras Chaves: Sistema Convectivo de Mesoescala, PECS, Rio Grande do Sul. 1. INTRODUÇÃO A América do Sul, especificamente a região entre as latitudes médias e subtropicais a leste dos Andes, apresenta condições potencialmente favoráveis à ocorrência de tempestades severas (Nascimento, 2005). Segundo Abdoulaev et. al., (1998), tempestades severas resultam em ventos fortes, descargas elétricas, granizo, além de intensas quantidades de precipitação, principalmente nos períodos quentes do ano (primavera e verão). Velasco e Fritsch (1987) apontaram que é essa a principal época para a ocorrência de Sistemas Convectivos de Mesoescala (SCMs). Eventos esses que abrangem uma escala horizontal relativamente grande, apresentando em particular, uma convecção organizada e Tempo de vida superior a 12 horas (Velasco e Fritsch, 1987; Maddox, 1980). Anderson e Arritt (1998) identificaram aglomerados de tempestades com formato não circulares, que apresentavam um Tempo de vida maior que 12 horas e uma escala horizontal variando de 200 até 2000 km, esses sistemas foram então denominados de Sistemas Convectivos Persistentes e Alongados (PECS). Anabor et. al (2008) mostra que cerca de 70% dos SCMs na região Sul da América do Sul são do tipo PECS.

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Sistemas Convectivos no dia 07 de setembro de 2009:Evento Extremo em Itaara – RS.

Elisa Glitzenhirn¹, Vagner Anabor², Everson Dal Piva², Ernani L. Nascimento².

¹² Departamento de Física. Universidade Federal de Santa Maria - UFSMAv. Roraima nº. 1000. Cidade Universitária – Santa Maria – Rio Grande do Sul, Brasil.

¹[email protected]²{[email protected]; [email protected]; [email protected].}

RESUMO.

Durante as estações quentes do ano é comum a ocorrência de Sistemas Convectivosde Mesoescala (SCMs) no sul do Brasil. Esse estudo refere-se ao evento de 07/09/2009, oqual produziu uma grande tempestade de granizo sobre a cidade de Itaara, região central doestado do Rio Grande do Sul. Esta tempestade resultou em grandes danos para a economia e asociedade, mostrando um alto potencial para destruição. Dados observacionais, imagens desatélite e radar são usadas para investigar as características físicas associadas a estatempestade severa.

ABSTRACT.

During the warm seasons of the year is common occurrence of MesoscaleConvective Systems (MCS) in the south of Brazil. This study is refers to 07/09/2009 eventwhich produced a large hail storm over Itaara city, central region of Rio Grande do Sul state.This storm resulted in a large damages to the economy and society, showing a high potentialfor destruction. Observational data, satellite and radar images are used to verify physicalcharacteristics associated with this severe storm.

Palavras Chaves: Sistema Convectivo de Mesoescala, PECS, Rio Grande do Sul.

1. INTRODUÇÃOA América do Sul, especificamente a região entre as latitudes médias e subtropicais a

leste dos Andes, apresenta condições potencialmente favoráveis à ocorrência de tempestadesseveras (Nascimento, 2005).

Segundo Abdoulaev et. al., (1998), tempestades severas resultam em ventos fortes,descargas elétricas, granizo, além de intensas quantidades de precipitação, principalmente nosperíodos quentes do ano (primavera e verão). Velasco e Fritsch (1987) apontaram que é essa aprincipal época para a ocorrência de Sistemas Convectivos de Mesoescala (SCMs). Eventosesses que abrangem uma escala horizontal relativamente grande, apresentando em particular,uma convecção organizada e Tempo de vida superior a 12 horas (Velasco e Fritsch, 1987;Maddox, 1980).

Anderson e Arritt (1998) identificaram aglomerados de tempestades com formatonão circulares, que apresentavam um Tempo de vida maior que 12 horas e uma escalahorizontal variando de 200 até 2000 km, esses sistemas foram então denominados de SistemasConvectivos Persistentes e Alongados (PECS). Anabor et. al (2008) mostra que cerca de 70%dos SCMs na região Sul da América do Sul são do tipo PECS.

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Neste trabalho foi feita uma análise do evento extremo ocorrido na cidade de Itaara –Rio Grande do Sul, no dia 07 de setembro de 2009. Localizada a uma latitude 29º36'35" sul, auma longitude 53º45'53" oeste,e a uma altitude de 425 metros.

Figura 1 – Localização de Itaara- RS, cidade em estudo.

2. DADOS E METODOLOGIAO SCM foi identificado utilizando-se imagens realçadas do satélite GOES-10 no

período entre as 12h30min, do dia 07 de setembro de 2009 e 02h30min (-3 GMT), do dia 08de setembro de 2009, disponíveis no site (http://www.cptec.inpe.br/) do Centro de Previsão deTempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE). Imagens do radar meteorológico de Santiagoforam utilizadas para identificar o desenvolvimento das células e linhas convectivas nointerior do SCM, são encontradas no site (http://www.redemet.aer.mil.br/) da Rede deMeteorologia do Comando da Aeronáutica (REDEMET). Os dados de temperatura, pressãoatmosférica, direção e magnitude do vento, usados para analisar a atmosfera em superfície naregião de estudo foram obtidas pelo site (http://www.inmet.gov.br/) do Instituto Nacional deMeteorologia (INMET). Os dados de radiosondagem foram fornecidos pelo site(http://www.master.iag.usp.br/) do laboratório MASTER.

A caracterização de danos foi feita a partir de dados coletados pelos autoresjuntamente com a Cruz Vermelha Brasileira (Santa Maria – RS), Defesa Civil do Rio Grandedo Sul e com os pesquisadores do Núcleo de Pesquisa e Aplicação de Geotecnologias emDesastres Naturais (GEODESASTRES-SUL), no dia posterior ao evento, de onde foramobtidas as informações sobre os locais afetados e o número de pessoas atingidas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕESA Figura 2 mostra o evento em uma sequência de imagens infravermelho (realçadas).

O sistema atingiu a maioria dos estados da região Sul. Durante a tempestade, os sistemasconvectivos sobre a região em estudo, apresentaram temperaturas de brilho inferiores a -70oCe -80ºC (Figura 2-E), isto é indicativo de que o SCM teve grande desenvolvimento vertical. Osistema teve uma extensão horizontal de aproximadamente 1000 km, e durouaproximadamente 13 horas. Enquadrando-se nas características descritas por Anderson eArritt (1998) em seu estudo sobre Sistemas Convectivos Persistentes e Alongados (PECS).Uma propagação contra o escoamento em baixos níveis foi observada, sendo similar àestudada por Anabor et. al (2008).

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Figura 2 - Imagem do Satélite GOES-10, T_REALCE para os dias 07 de setembro de 2009 eo início do dia 08, em vários horários (-3 GMT) ilustrando a evolução do fenômenoestudado. Fonte: CPTEC/INPE.

Imagens do radar meteorológico (Figura 3) mostram células convectivas comrefletividade de forte para muito forte (>55dBz) em diversos lugares no estado, indicandogrande conteúdo de gelo e água líquida na célula de tempestade. Na cidade de Itaara atempestade teve início aproximadamente às 20h30min (-3 GMT) coincidindo com os menoresvalores de temperatura de brilho (-80ºC. Figura 2-E, seta em preto), e com a alta refletividade(55dBz. Figura 3-E, seta em vermelho) sobre a região.

Figura 3 - Imagens do radar meteorológico de Santiago MAXCAPPI 400 km. Fornecendoprojeções cartesianas nas direções do sistema e valores máximos de refletividade,observados em uma resolução de temporal de 2 horas (-3GMT) para os dias 07 de setembrode 2009 e o início do dia 08. Fonte: REDEMET.

A Figura 4A, apresenta a distribuição da temperatura e da pressão atmosféricadurante o dia do evento. Observa-se uma queda na pressão de 2mb entre as 15 e 17 UTC, logoapós as 18 horas a temperatura cai rapidamente, tendo uma diminuição de 6ºC em duas horasmarcando o período da passagem da tempestade. Já na Figura 4B há registros de rajadas devento com mais de 70 km.h-1, e a direção dos ventos indica que próximo ao horário do evento,o vento era de noroeste. Os dados são da estação automática do INMET, na cidade de SantaMaria – RS, situada a 15 km de Itaara.

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Figura 4 - (A) Variação na temperatura do ar pressão atmosférica e (B) magnitude e direçãodo vento no dia do evento.

A análise da sondagem do dia 07, às 12Z (Figura 6), da cidade de Santa Maria,mostra uma pequena inversão logo abaixo de 900mb, as curvas da temperatura (T) e datemperatura do ponto de orvalho (Td) mostram uma camada úmida em baixos níveis. No nívelde 800mb nota-se a presença de uma inversão e um rápido afastamento da curva de Td, emrelação à curva de T, mostrando que havia uma camada relativamente mais seca sobre acamada úmida em baixos níveis. Quanto aos índices de instabilidade observa-se que o valordo CAPE de 2455J.kg-1, mostrava possibilidade de convecção moderada (valores entre 1000-2500J.kg-1). O índice Showalter de -3,5 indicava instabilidade potencial para gerar Tempo severo.Já o índice K foi o único que não apresentou condições favoráveis (<15). Entretanto ao recalcularo índice K no horário da próxima sondagem obteve- se entre 60 a 80% de chance para a formaçãode tempestades.

Figura 6 - Diagrama termodinâmico da cidade de Santa Maria-RS do dia 07/09/09 às 12Z.

O evento peculiar ocorrido na cidade de Itaara (Figura 1). Provocou diversos danos àpopulação. A precipitação de granizo foi intensa com “pedras” de até 400 g e medir em tornode 8 cm de diâmetro. Dados da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, estimam que 2800pessoas foram desabrigas, e mais de 1000 casas foram danificadas pelo granizo (Figura 7).

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Figura 7 – Imagens representando a tempestade e seus danos.

4. CONCLUSÃOEm geral, verificou-se que as áreas de instabilidades formadas no dia 07/09/09, que

atingiram o município de Itaara – RS ocorreram em uma área onde as temperaturas de brilho,nas imagens de satélite estavam entre-70oC e -80ºC. As características geométricas do SCMdurante seu ciclo de vida foram similares aos PECS descritos por Anderson e Arritt (1998).Sua propagação ocorreu na direção noroeste contra o escoamento em baixos níveis,enquadrando-se nos eventos estudados por Anabor et. al (2008). Os índices de instabilidadede moderados a favoráveis, horas antes da tempestade mostravam um ambientetermodinamicamente instável. O evento ocorrido apresentou características de Tempo Severo.Os danos causados pelo granizo de até 8cm de diâmetro trouxe sérios impactossocioeconômicos à população. Além de inúmeras edificações, carros e plantações danificadashá registros de pessoas feridas. Estimasse que mais de 60% da cidade foi afetada.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASABDOULAEV, S., STAROSTIN, A., LENSKAIA, O., GOMES, R. G. Sistemas demesoescala de precipitações no Rio Grande do Sul. Parte I: Classificação dos sistemas demesoescala de precipitações. Revista Brasileira de Meteorologia, v.13, n.2, pp. 57-74, 1998.

ANABOR, V., STENSRUD, D.J., MORAES, O.L.L.: Serial upstream-propagating mesoscaleconvective system events over south-eastern South America. Monthly Weather Review, v.136,pp 3087–3105, 2008.

ANDERSON, C. J., ARRITT, R. W. Mesoscale convective complexes and persistentelongated convective systems over the United States during 1992 and 1993. Monthly WeatherReview, v.126, pp 578–599, 1988.

COTTON, W. R., ANTHES, R. A. Storm and Cloud Dynamics. California, Academic Press.880p, 1989.

HOUZE, R. A. Cloud Dynamics. California: Academic Press. 570p, 1993.

MADDOX, R.A. Mesoscale convective complexes. Bulletin of the American MeteorologicalSociety, 61, pp. 1374-138, 1980.

NASCIMENTO, E. L. Previsão de tempestades severas utilizando-se parâmetros convectivose modelos de mesoescala: uma estratégia operacional adotável no Brasil? Revista Brasileirade Meteorologia, v.20, n.1, 121-140, 2005.

VELASCO, I., FRITSCH, J. M. Mesoscale convective in the Americas. Journal ofGeophysical, 92, pp. 9591-9613, 1987.