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Contribuições da Região Amazônica e do Oceano Atlântico nas chuvas intensas de Janeiro de 2004 sobre a Região Nordeste do Brasil Raimundo Jaildo dos Anjos Instituto Nacional de Meteorologia [email protected] Resumo As análises contidas neste trabalho visam diagnosticar as condições atmosféricas durante o mês de janeiro de 2004 na Região Nordeste do Brasil (extremamente chuvoso), e identificar características da atmosfera superior associadas com esse excesso de precipitação, responsáveis por uma série de transtornos na região, inclusive com perdas de vidas humanas e consideráveis prejuízos econômicos. Foram utilizadas reanálises do NCEP/NCAR e análises de precipitação do INMET. Identificamos padrões de movimento vertical ascendentes mais altos do que o normal em toda a coluna troposférica, contribuindo para o aumento da nebulosidade e atividade convectiva sobre a Região Nordeste. O transporte do fluxo de umidade do Oceano Atlântico e da Região Amazônica para a Região Nordeste contribuíram para o aumento da atividade convectiva e chuvas fortes sobre essa região. Abstract The objective of this study is to analyze the evolution of the ocean conditions - air during the month of January 2004 (extremely rainy), and identify some dynamic patterns, including the upper atmosphere on the Region of Northeast Brazil, prevalent in situations anômalas of rain. Analyses from global reanálises built files of the National Center for Environmental Prediction / National Center for Atmospheric Research (NCEP / NCAR) are used. These results evidenced the contributing to the transport de humidity from the Amazon Region into Region Northeast. Palavras chave: chuva intensa, situações anômalas de chuvas, convecção profunda e movimento vertical. 1. Introdução A utilização conjunta de investigações provenientes de várias fontes de pesquisas revelam que a qualidade da estação chuvosa na Região Nordeste do Brasil está diretamente associada a diferentes sistemas meteorológicos, tais como: sistemas frontais, vórtices ciclônicos, zona de convergência intertropical, perturbações ondulatórias de leste, complexos convectivos, brisas marítimas e terrestres. Entre estes, destacamos os trabalhos de Hastenrath e Heller (1977), Moura e Shukla (1981), Cavalcanti e Kousky (1982), Kousky e Cavalcanti (1984), Moura e Kayano (1986), Anjos (1995), Molion e Bernardo (2000), Anjos e Moreira (2000), Anjos e Kousky (2002). Apesar do muito que conhecemos sobre a atuação espaço temporal dos sistemas meteorológicos responsáveis pelas chuvas, existe uma carência de estudos que investiguem a dinâmica da atmosfera superior sobre a Região Nordeste do Brasil para casos extremos de precipitação. O foco principal desse estudo é analisar as condições atmosféricas durante o mês de janeiro de 2004 (extremamente chuvoso), e identificar características da atmosfera superior associadas a esse excesso de precipitação, responsáveis por uma série de transtornos na região, inclusive com perdas de vidas humanas e consideráveis prejuízos econômico.

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Contribuições da Região Amazônica e do Oceano Atlântico naschuvas intensas de Janeiro de 2004 sobre a Região Nordeste do

BrasilRaimundo Jaildo dos Anjos

Instituto Nacional de [email protected]

Resumo

As análises contidas neste trabalho visam diagnosticar as condições atmosféricas durante o mês dejaneiro de 2004 na Região Nordeste do Brasil (extremamente chuvoso), e identificar característicasda atmosfera superior associadas com esse excesso de precipitação, responsáveis por uma série detranstornos na região, inclusive com perdas de vidas humanas e consideráveis prejuízos econômicos.Foram utilizadas reanálises do NCEP/NCAR e análises de precipitação do INMET. Identificamospadrões de movimento vertical ascendentes mais altos do que o normal em toda a coluna troposférica,contribuindo para o aumento da nebulosidade e atividade convectiva sobre a Região Nordeste. Otransporte do fluxo de umidade do Oceano Atlântico e da Região Amazônica para a Região Nordestecontribuíram para o aumento da atividade convectiva e chuvas fortes sobre essa região.

Abstract

The objective of this study is to analyze the evolution of the ocean conditions - air during the monthof January 2004 (extremely rainy), and identify some dynamic patterns, including the upperatmosphere on the Region of Northeast Brazil, prevalent in situations anômalas of rain. Analysesfrom global reanálises built files of the National Center for Environmental Prediction / NationalCenter for Atmospheric Research (NCEP / NCAR) are used. These results evidenced the contributingto the transport de humidity from the Amazon Region into Region Northeast.

Palavras chave: chuva intensa, situações anômalas de chuvas, convecção profunda e movimentovertical.

1. Introdução

A utilização conjunta de investigações provenientes de várias fontes de pesquisas revelamque a qualidade da estação chuvosa na Região Nordeste do Brasil está diretamente associada adiferentes sistemas meteorológicos, tais como: sistemas frontais, vórtices ciclônicos, zona deconvergência intertropical, perturbações ondulatórias de leste, complexos convectivos, brisasmarítimas e terrestres. Entre estes, destacamos os trabalhos de Hastenrath e Heller (1977), Moura eShukla (1981), Cavalcanti e Kousky (1982), Kousky e Cavalcanti (1984), Moura e Kayano (1986),Anjos (1995), Molion e Bernardo (2000), Anjos e Moreira (2000), Anjos e Kousky (2002).

Apesar do muito que conhecemos sobre a atuação espaço temporal dos sistemasmeteorológicos responsáveis pelas chuvas, existe uma carência de estudos que investiguem adinâmica da atmosfera superior sobre a Região Nordeste do Brasil para casos extremos deprecipitação. O foco principal desse estudo é analisar as condições atmosféricas durante o mês dejaneiro de 2004 (extremamente chuvoso), e identificar características da atmosfera superiorassociadas a esse excesso de precipitação, responsáveis por uma série de transtornos na região,inclusive com perdas de vidas humanas e consideráveis prejuízos econômico.

2. Material e Métodos

Nesse estudo foi utilizada análise mensal de precipitação fornecidos pelo INMET e dadosmensais de reanálises construídas de arquivos globais do National Center for EnvironmentalPrediction/National Center for Atmospheric Research (NCEP/NCAR).

As variáveis consideradas para as análises foram: precipitação, radiação de onda longa,temperatura da superfície de mar, vetor vento, vento zonal, vento meridional, água precipitável,umidade relativa e movimento vertical. Também foram utilizadas reanálises do NCEP/NCAR paraanalisar a estrutura vertical da atmosfera sobre a Região Nordeste, para isso, foram construídas seçõestransversais (longitude – altitude) do movimento vertical e da umidade relativa. Tais análisesdiagnósticas são bastante utilizadas no entendimento da evolução de sistemas atmosféricos,permitindo-se compreender com maior facilidade as fases de crescimento e decaimento dos sistemas.

A área de interesse para se analisar o perfil vertical da atmosfera compreende a grade quevai de 45°W a 35°W e de –10°S a 0°N, coincidente com a área de máxima de precipitação sobre aRegião Nordeste.

3. Resultados

Janeiro de 2004 foi marcado pela ocorrência de chuvas intensas em praticamente toda aRegião Nordeste do Brasil (Fig. 1). Esse excesso de chuva foi causado pela atuação de Frentes Frias(FF), com reflexo de chuvas no Estado da Bahia, pelo deslocamento e posicionamento mais ao sul daZona de Convergência Intertropical (ZCIT) e pela presença de Vórtices Ciclônicos em Altos Níveis(VCAN). O campo de anomalias de Temperatura da Superfície de Mar (TSM) apresentou valoresacima dos padrões sobre o Atlântico Norte e toda faixa equatorial. Sobre o Oceano Atlântico Sulobservou-se também águas superficiais mais aquecidas na costa brasileira, desde o Amapá até oEspírito Santo. Este padrão de aquecimento superficial das águas no Oceano Atlântico (Fig. 2) e ofato dos campos médios da componente meridional do vento apresentar padrões negativos entre osdias 13 e 28/01/2004 (Fig. 3) contribuíram para o posicionamento mais ao sul da ZCIT e emconseqüência, para o aumento da nebulosidade e atividade convectiva no norte da Região Nordeste, oqual também esteve associado à atuação dos Vórtices Ciclônicos. Padrões de anomalias negativas deRadiação de Onda Longa (ROL) na faixa equatorial entre 45ºW e 30ºW entre 12 e 31/01/2004 (Fig.4) mostram boa concordância com a ocorrência dessas fortes chuvas sobre o Nordeste do Brasil.

Fig.1 – Anomalia de Precipitação em Janeirode 2004

Fig. 2 – Anomalia de SST em Janeiro de 2004

Fig.3 – Anomalia do Vento Meridionalentre 15/12/2003 e 15/02/2004

Fig. 4 – Anomalia de ROL em janeirode 2004

Através das análises das seções transversais (latitude – altitude) do movimento vertical(Fig. 5) nota-se predominância de movimento ascendente sobre a costa leste do Nordeste do Brasil,em toda coluna troposférica. Na faixa longitudinal que vai 60°W a 35°W (Fig. 6), as análises mostrampadrões similares nas latitudes de –10°S, -7.5°S, -5°S e –2.5°S, com anomalias do movimento verticalascendente desde a superfície até o nível de 250 hPa. Observação mais atenta mostra que os picosmáximos de movimento ascendente na grade que vai de – 7.5°S a –2.5°S, entre 40O°W e 35°W (Figs.6b, 6c, 6d), se estende da superfície até o nível de 200 hPa, atingindo o nível de 100 hPa em 40ºW(Fig. 6d). Esse movimento vertical ascendente foi responsável pelo transporte de umidade relativapara os níveis superiores, para padrões mais altos do que o normal até o nível de 400 hPa, comincremento de +20% de umidade na camada entre 600 hPa e 500 hPa (Fig.7a, 7b), consistentes comesse período de chuvas fortes na Região Nordeste do Brasil.

Fig.5a – Seção transversal (latitude – altitude)da anomalia do movimento vertical nalongitude 35°W, para a faixa de latitude de–15°S e 15°N em janeiro de 2004.

Fig. 5b – Seção transversal (latitude – altitude)da anomalia do movimento vertical nalongitude 40°W, para a faixa de latitude de–15°S e 15°N em janeiro de 2004.

Fig.6a – Seção transversal (longitude –altitude) da anomalia do movimento verticalna latitude –10°S em janeiro de 2004

Fig. 6b – Seção transversal (longitude –altitude) da anomalia do movimentovertical na latitude –7.5°S em janeiro de2004

Fig.6c – Seção transversal (longitude –altitude) da anomalia do movimento vertical nalatitude -5°S em janeiro de 2004.

Fig. 6d – Seção transversal (latitude – altitude)da anomalia do movimento vertical na latitude-2.5°S em janeiro de 2004.

A Figura 8 apresenta os campos médios do vetor vento nos níveis de 1000, 925 e 850 hPapara o mês de janeiro de 2004. Essas análises mostram a Alta Subtropical do Atlântico Sul centradaem torno de 35ºS e 10ºW, com ventos de leste ou nordeste predominando no norte da RegiãoNordeste, reforçando a convergência de umidade em baixos níveis vindos do Oceano AtlânticoEquatorial Sul, já que essas associações ocorreram com um padrão de aquecimento superficial daságuas no Oceano Atlântico (Fig. 2), contribuindo para o aumento da atividade convectiva e forteschuvas no setor norte da Região Nordeste. Ventos de norte e noroeste predominaram no oeste e sul doNordeste. A presença de ventos de noroeste favorece o transporte de umidade da Região Amazônicapara o setor oeste e sul da Região Nordeste, reforçando convergência de umidade em baixos níveisnessa região, contribuindo para o aumento da nebulosidade e atividade convectiva no setor sul doNordeste.

Através da análise da evolução temporal da água precipitável durante janeiro de 2004 (Fig.9a), observa-se na primeira quinzena valores acima de 60 Kg/m² na faixa longitudinal entre 70ºW e55ºW sobre a Região Amazônica, bem superiores a 30 Kg/m² sobre a Região Nordeste que enfrentavaum período com chuvas isoladas. Esse padrão de água precipitável sobre a Amazônia coincide com

Fig.8a – Campo médio dovetor vento no nível de1000 hPa, em janeiro de2004.

Fig.8b – Campo médio dovetor vento no nível de925 hPa, em janeiro de2004.

Fig.8c – Campo médio dovetor vento no nível de 850hPa, em janeiro de 2004.

Fig.7a – Seção transversal (longitude –altitude) da anomalia da umidade relativa(%) na latitude –7.5°S em janeiro de 2004.

Fig. 7b – Seção transversal (longitude –altitude da anomalia da umidade relativa (%)na latitude –5°S em janeiro de 2004.

atuação de uma componente negativa (leste para oeste) do vento zonal (Fig. 9b). Com a diminuiçãodos valores de água precipitável a partir do dia 15/01/2004 na Amazônia, a componente zonal dovento muda para positiva (oeste para leste), favorecendo o transporte do fluxo de umidade da RegiãoAmazônica para a Região Nordeste e o aumento da atividade convectiva e chuvas no interiornordestino na segunda quinzena de janeiro/2004 (Fig. 10).

Apesar do Oceano Atlântico Equatorial, com seus padrões de aquecimento superficial daságuas (Fig. 2) e do transporte do fluxo zonal de umidade ter contribuído para o aumento danebulosidade e atividade convectiva na Região Nordeste, foi a convergência de umidade nos baixosníveis (850 hPa), com anomalia de ventos de oeste (Fig. 11) na grade (-5ºS a -15ºS) e (70ºW a 50ºW),que responderam melhor na precipitação em janeiro de 2004 na Região Nordeste do Brasil.

Fig.9a. Evolução temporal da águaprecipitável em janeiro de 2004

Fig. 9b. Evolução temporal da componentezonal do vento em janeiro de 2004

Fig. 10 – Precipitação em (mm) de: (a) 01 a 10/01/2004, (b) 11 a 20/01/2004 e (c) 21 a 31/ 01/2004

Fig. 11 – Anomalia do vento (m/s) em 850 hPa: (a) de 11 a 30/01/2004, (b) de 21 a 31/01/2004

4. Conclusões

Janeiro de 2004 caracterizou-se com grande variabilidade de precipitação na RegiãoNordeste do Brasil.

As análises das seções transversais do movimento vertical, mostraram que padrõesnegativos do movimento vertical nas latitudes de –10°S, -7.5°S, -5°S e –2.5°S estão bem relacionadosà atividade convectiva sobre a Região Nordeste, com movimento ascendente atuando desde asuperfície até o nível de 250 hPa. Os picos máximos de movimento ascendente na grade que vai de –7.5°S a –2.5°S entre 40O°W e 35°W se estende da superfície até o nível de 200 hPa, atingindo o nívelde 100 hPa na latitude de –2.5ºS em 40ºW. Esse padrão mostra boa concordância com o fato da maiorvariabilidade da precipitação ter ocorrido no norte da Região Nordeste.

Padrões anômalos de +25% no campo da umidade relativa na camada atmosférica entre600 hPa e 500 hPa nessa mesma grade mostraram também excelente concordância com o máximo deprecipitação observada sobre o setor norte da Região Nordeste.

Apesar dos padrões de aquecimento superficial das águas e do transporte do fluxo zonal deumidade do Oceano Atlântico Equatorial ter contribuído para o aumento da nebulosidade e atividadeconvectiva no interior do Nordeste, foi a convergência de umidade nos baixos níveis, com anomaliade ventos de oeste vindos da Região Amazônica que favoreceram a convergência de umidade,contribuindo para o aumento da atividade convectiva e chuvas fortes na Região Nordeste do Brasil.

5. Referências Bibliográficas

Anjos, B. L: Conexões entre a Circulação do Hemisfério Norte e os Vórtices Ciclônicos da AltaTroposfera na Região Nordeste do Brasil. Dissertação de Mestrado em Meteorologia. CampinaGrande: Universidade Federal da Paraíba. 119 pp. 1995.

Anjos, R. J., Moreira, A. A: Eventos do Fenômeno El Niño em casos de atuação do Dipolo Negativoe Positivo no Oceano Atlântico Tropical e a precipitação no litoral oriental da Região Nordeste doBrasil. XI Congresso Brasileiro de Meteorologia. Rio de Janeiro, 2000.

Anjos, R. J., Kousky, V. E: Características dinâmicas do Oceano Atlântico Tropical relacionadas aoexcesso de chuvas entre junho e setembro de 2000 na Região Nordeste do Brasil. XI CongressoBrasileiro de Meteorologia. Salvador, 2002.

Kousky, V. E., Cavalcanti, I. F: El Niño – Southern Oscillation Events: Characteristics, Evolutionand Precipitation Anomalies. Ciência e Cultura, 36, 1888-1899, 1984.

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