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VALTER T. MOTTA Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações Sistema Hepatobiliar Volume 14

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VALTER T. MOTTA Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

Sistema Hepatobiliar

Volume

14

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SISTEMA HEPATOBILIAR

f ígado humano é o órgão mais volumoso do organismo. Consiste de dois lobos principais

que juntos pesam entre 1.200 e 1.600 g no adulto normal. Está localizado logo abaixo do diafragma no quadrante direito superior do abdome. Apre-senta abundante supr imento sangüíneo proveni-ente de dois vasos: artéria hepática e veia portal . A artéria hepática, uma ramificação da aorta, fo r-nece o sangue oxigenado ao f ígado. A veia portal drena o sangue do s is tema diges tório (estômago, intest ino delgado e grosso, pâncreas e baço) dire-tamente ao fígado. A importância fisiológica do fluxo portal , é que todos os nutrientes provenie n-tes da digestão dos a l imentos no s is tema digestó-rio, com exceção das gorduras, passam inicial-mente pelo fígado antes de atingir a circulação geral. No tecido hepático, estes vasos subdividem-se em numerosas ramificações para formar uma grande rede vascular. O fígado possui uma estrutura anatômica única. As células hepát icas estão em contato com a circulação sangüínea de um lado e o canalículo biliar do outro. Desse modo, cada célula hepática (hepatócito) tem uma grande área em contato tanto com um sistema nutriente proveniente dos sin u-sóides (“capilares” da veia portal) e um sistema de escoamento, o canalículo bil iar que transporta as secreções e excreções dos hepatóci tos. A bi le é um l íquido viscoso produzido neste processo. Os canalículos biliares se reunem para formar os ductos que conduzem as secreções bi l iares ao intest ino delgado.

FISIOLOGIA HEPÁTICA

O fígado apresenta centenas de funções conheci-das, entre as quais ci tam-se: metabólicas, excreto-ras e secretoras, armazenamento, protetoras, cir-culatórias e coagulação sangüínea.

Atividade sintética. O fígado é o principal ó r-gão com respei to à s íntese de vários compostos biológicos entre os quais proteínas, carboidratos e l ipídios. A síntese e o metabolismo dos carboi-dratos estão centralizados no fígado. O glicogênio é s in tetizado a partir da glicose provenie n te dos carboidratos ingeridos e armazenados no fígado, com posterior reconversão à glicose, quando neces sária. Uma importante função também localizada no fígado, é a gliconeogênese a partir de aminoácidos e outros compostos. Além disso, outras hexoses s ão convertidas em glicose pelas células hepáticas . A maioria das proteínas plasmáticas são s intet izadas no fígado. Entre elas estão a albu-mina, fibrinogênio, α-1 antitripsina, haptoglo -bulina, transferrina, α-1 fetoprototeína, pro tro -mbina e complemento C3 . No fígado, ocorre também a desaminação do glutamato como a principal fonte de amônia, convertida poste-riormente em uréia. A s íntese das l ipoproteínas plasmáticas VLDL e HDL, também como a conversão da acetil-CoA em ácidos graxos, triglicerídios e coles terol são realizadas no fígado. A gordura é formada a partir de carboidratos no fígado a partir de fontes dietéticas. Este órgão é o principal sitio de remoção dos quilomícrons “remanescentes”, também como do metabolismo ulterior do colesterol a ácidos biliares. A formação de corpos cetônicos ocorre, quase exclusivamente, no fígado. Com o incremento da gliconeogênese ocorre a redução do oxaloacetato e do aceti l CoA que não podem ser convertidos o suficientemente rápido a citrato; deste modo, o aceti l CoA acumula e é transformado em corpos cetônicos.

O

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216 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

O local de armazenando das vitaminas lipos solúveis (A, D, E e K) e várias vitaminas hidro s solúveis como a B 12 é o fígado. Outra função relacionada com as vitaminas é a conversão do caroteno à vitamina A. O fígado é a fonte de somatomedina e angio tensina além da depuração metabólica de outros hormônios. Como fonte de transferrina, ceruloplasmina e metalotioneína, este órgão, exerce papel fundamental no transporte, arma -zenamento e metabolismo do ferro, cobre e outros metais. Muitas enzimas são sintet izadas pelas células hepáticas, mas nem todas são úteis no diagnóst ico de desordens hepatobi l iares . As enzimas empregadas com freqüência são as aminotransferases ( transaminases), fosfatase alcalina e γ-glutamil transferase.

Desintoxicação e metabolismo das drogas. O mecanismo mais importante na atividade desintoxicante é o sistema microssomial de meta-bolização das drogas. Este sistema é induzido por vários compostos e é responsável por mecanismos de desintoxicação (biotransformação) que incluem oxidação, redução, hidrólise, hidroxilação, carb o-xilação e demetilação, Estes mecanismos atuam na conversão de compostos nocivos ou pouco so lú -veis em substâncias menos tóxicas ou mais solú -veis em água e, portanto, excretável pelo rim. A conjugação com o ácido glicurônico, glicina, ácido sulfúrico, glutamina, acetato, c is te ína e glutat iona, converte substâncias inso-lúveis em formas solúveis passíveis de excreção renal. Este mecanismo será descrito adiante.

Função excretora. O fígado secreta a bile, que é composta de pigmentos bil iares (fundamental-mente, ésteres da bilirrubina), ácidos e sais bilia-res , colesterol e outras substâncias extraídas do sangue (alguns corantes , metais pesados, enzi-mas). Os ácidos biliares primários (ácido cólico e o ácido quenodesoxicólico) são formados no fí -gado a partir do colesterol. Os ácidos bil iares são conjugados com a taurina ou glicina, formando os sais bi l iares. Estes sais at ingem os intest inos quando a vesícula bi l iar contrai após cada refe i-ção. Aproximadamente 600 mL de bile é vertida

no duodeno cada dia, onde participa da digestão e absorção dos l ipídios. Quando os sais bi l iares entram em contato com as bactérias do íleo e c ó-lon, ocorre desidratação para produzir ácidos bili-are s secundários (desoxicólico e litocólico) poste-riormente absorvidos. Os ácidos biliares absorv i-dos atingem a circulação portal e retornam ao f ígado, onde são reconjugados e reexcretados (circulação entero -hepática).

TESTES DE FUNÇÃO HEPÁTICA

Diferentes testes são uti l izados para reconhecer a disfunção hepática. Várias são as utilidades destes t e s t e s :

§ Detectar anormalidades da função hepática.

§ Documentar anormalidades.

§ Determinar o tipo (ex.: colestase versus enfe r-midade hepatocelular) e o local (ex.: intrahe-pática versus extrahepática) da lesão.

§ Facilitar o prognóstico e o acompanhamento do paciente com enfermidade hepática.

Estão disponíveis muitas provas laboratoriais empregadas na aval iação das funções e doenças hepáticas dentre as quais ci tam-se :

Testes de bioquímicos de rotina Alanina aminotransferase (ALT/TGP) Albumina Aspartato aminotransferase (AST/TGO) Bilirrubina (conjugada e não-conjugada) Fosfatase alcalina γ-Glutamil transferase (γ-GT) Proteínas totais

Testes bioquímicos especiais α-Fetoproteína 5’-Nucleot idase Ácidos biliares séricos Amônia Ceruloplasmina Ferro e ferritina sérica Leucina aminopeptidase

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Sistema hepatobiliar 217

Testes urinários Bilirrubina urinária Urobilinogênio urinário

Marcadores imunológicos das hepatites por vírus

Hepat i te A Ant i-HAV (IgG) – Ant ígeno contra o v í rus da hepat i te A da subclasse IgG Ant i-HAV (IgM) – Anticorpos contra o v í -rus da hepat i te A da subclasse IgM

Hepati te B HBsAg – Antígeno de superfície do vírus B da hepati te HBeAg – Ant ígeno “e” do ví rus B da hepa-tite Ant i-HBe – Ant icorpos contra o ant ígeno “e” do vírus B da hepat i te Ant i-HBc (IgG) – Ant icorpos contra o ant í -geno core do vírus B da hepat i te , da sub-classe IgG Ant i-HBc (IgM) – Anticorpos contra o antí-geno core do vírus B da hepat i te , da sub-classe IgM Ant i-HBs – Anticorpos contra o antígeno de superfície do vírus B da hepati te

Hepatite C Ant i-HVC (IgG) – Anticorpos contra o v í -rus C da hepat i te , da subclasse IgG Anti HCV (IgM) – Anticorpos contra o v í -rus C da hepat i te , da subclasse IgM

Hepati te de l ta Ant i-HDV – Anticorpos contra o vírus D da hepati te HDVAg – Antígeno da hepat i te D

Hepati te E Ant i-HEV (IgG) – Anticorpos contra o vírus E da hepat i te , da subclasse IgG Ant i-HEV (IgM) – Anticorpos contra o v í -rus E da hepat i te , da subclasse IgM

Testes hematológicos Hemograma completo Contagem de reticulócitos Estudo de enzimas eritrocitárias Determinação de hemoglobinas anormais Tempo de protrombina Estudo dos fa tores de coagulação

Testes de biologia molecular Técnicas de hibridização Reação em cadeia da polimerase (PCR) Técnica de “Branched DNA”

DESORDENS METABÓLICAS Além dos dis túrbios diagnost icados pelos tes tes específ icos, os pacientes com doença hepát ica severa podem apresentar:

§ Redução dos teores de uréia plasmática. Pela deficiência na conversão hepática dos aminoá-cidos e NH3 em uréia. Estas alterações ocorrem nos es tados avançados .

§ Hipogl icemia. Promovida pela redução da gli-coneogênese, gl icogenólise, ou ambas.

§ Frações l ipídicas aumentadas. Todas as f ra-ções l ipídicas estão aumentadas. Uma lipopro-teína anormal que contém elevadas concentra-ções de fosfolipídios, a l ipoproteína X, es tá presente no plasma da maioria dos casos de colestase.

Bibliografia consultada

JOHNSON, J. P. Role of the stndard liver function tests in current practice. Ann. Clin. Biochem., 26:463-71, 1989.

SMITH, A. F., BECKETT, G. J., WALKER, S. W., ERA, P. W. H. Clinical biochemistry. 6 ed. London : Blackwell Science, 1998. p. 110-23.

THUNG, S. N. Liver d isorders . Igaku -Shoi , 1995. 180 p.

ZUCKERMAN, A. , THOMAS, H. C. Vira l hepati t is: Scient i f ic basis and cl inical management. New York : Church i l l L i v i ngs tone , 1994 . 5 9 0 p .

.

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218 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

BILIRRUBINA

pós 120 dias de vida média, os glóbulos ver-melhos “envelhecem” pelo esgotamento das

enzimas eritrocitárias. Sendo uma célula anucle -ada não renova o seu estoque de enzimas e , por-tanto, o metabolismo da glicose diminui com re-dução na formação de ATP. Há, em conseqüência, modificação da membrana e o glóbulo vermelho é retido pelo macrófago do sistema retículo endote-lial (baço, f ígado e medula óssea) onde é destru -ído. O ferro retorna ao plasma e se liga à tranfer-rina. A globina é degradada em seus aminoácidos com posterior reutilização. A protoporfirina IX é clivada para formar biliverdina que, por sua vez, é reduzid a à bilirrubina, um tetrapirrol insolúvel em água. Ao redor de 20% da bilirrubina é proveni-ente dos precursores dos eritrócitos destruídos na medula óssea (eri tropoiese não-efetiva), de outras proteínas heme como a mioglobina, os citocromos e a peroxidase. A bi l i rrubina não-conjugada ou bi l i rrubina indire ta produzida no SRE é apolar e insolúvel em água e é transportada para o f ígado via corrente circulatória ligada de maneira firme mas revers ível, à albumina.

A bilirrubina isolada da albumina entra na c é-lula hepática e, uma vez no citoplasma, se associa às proteínas Y e Z – sendo a primeira (Y) a prin -cipal transportadora do catíon da bilirrubina org â-nica. O complexo bilirrubina-proteína é então levando ao ret ículo endoplasmático, onde a en-zima uridina di fosfato gl icuronil transferase (UDPGT) catalisa a rápida conjugação da bilirru -bina com o ácido UDP-glicurônico para produzir o monoglicuronídio e o diglicuronídio da bilirrubina (bi l i rrubuna conjugada ou bi l irrubina dire ta ). O

p roces so de conjugação transforma a molécula não-polar da bilirrubina em uma mistura po-lar/não-polar que atravessa as membranas celula-res. Este derivado conjugado, solúvel em água, é excretado do hepatócito na forma de bile e cons -titui um dos pigmentos biliares. Devido a solubi-lidade em água, a bilirrubina conjugada é encon-trada, em pequenas quantidades tanto no plasma como na urina. A excreção da bilirrubina é a fase l imitante do processo.

Figura 14.1. Diagrama esquemático i lustrando a formação de heme, sua incorporação nas proteínas heme e o subsequente metabolismo à bil irrubina.

A bilirrubina conjugada é pouco absorvida pela

mucosa intestinal. No íleo terminal e intestino grosso, o diglicuronídio da bilirrubina é hidroli-zado para formar bilirrubina livre e ácido glicurô -n ico. No cólon, a bilirrubina livre é reduzida pela β-glicuronidase para formar urobilinogênios (v.

A

N

H

C

CH2

CH

O

CH3CH3CH2

CH2

COOH

N

HH

C

H

H

HH

N

COOH

CH2

CH2CH3H3C

O

CH

CH2

C

H

N

Proteínas Heme

ProtoporfirinaIX

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adiante). Estes compostos são oxidados com fo r-mação de urobilinas e estercobilinas.

Quase toda a bilirrubina formada diariamente no adulto normal (250 a 300 mg/d) é eliminada nas fezes enquanto uma pequena quant idade é excretada na urina

H IPERBILIRRUBINEMIA

A ic ter ícia é a pigmentação amarela de pele, es -clerótica e membranas mucosas, resultante da hiperbilirrubinemia. Torna-se evidente clinica-mente quando as concentrações plasmáticas da bilirrubina excedem 3,0 mg/dL, apesar de graus menores terem significância clínica. A icterícia é o sinal mais precoce de uma série de patologias hepát icas e biliares. A medida da bilirrubina plasmática fornece um índice quanti tat ivo da severidade da icter ícia . Quando acompanhada de outros testes , pode ser definida a causa da icterícia.

A concentração sérica da bilirrubina representa um equilíbrio entre sua produção e a sua excreção; os níveis podem estar e levados em conseqüência da maior produção de bilirrubina ou da deficiência na excreção hepática. A concentração é composta da fração conjugada (direta) e da não-conjugada (indireta). Vários estados patofisioló gicos afetam uma ou mais fases envolvidas na produção, captação, armazenamento, metabolismo e excreção da bilirrubina. Dependendo da desordem, a bi l irrubina conjugada e /ou a b i l i rubina não-conjugada , são responsáveis pela hiperbilirrubinemia.

Hiperbilirrubinemia predominantemente não-conjugada (indireta). A icterícia pré -he-pática resulta da presença excessiva de bilirrubina não-conjugada no sangue circulante, provocando maior oferta ao hepatócito que não consegue captá-la em velocidade compatível com sua pro -dução, ocasionando icterícia. A bilirrubina não-conjugada não é hidrossolúvel e está l igada à al-bumina não conseguindo ultrapassar a barreira renal e, portanto, não é excretada na urina. Entre-tanto, dissolve-se rapidamente em ambientes ricos

Figura 14.2. Tipos e causas da hiperbi l i rrubinemia.

em lipídios e atravessa a barreira hematoencefá -lica. Quando em níveis elevados tende a depositar no tecido nervoso levando ao r isco de lesão neu-rológica provocando a síndrome de kernic terus (do alemão: amare lo nuclear). A bilirrubina con-jugada não sendo lipossolúvel, não causa kernicte-rus .

§ Icterícia f is iológica do recém-nascido. Como existe pouca ou nenhuma atividade da UDPGT no fígado do feto, há uma habilidade muito l i-mitada para a conjugação da bilirrubina. Po -ris so, a bilirrubina isolada é transferida através da placenta à circulação materna, onde é pro -ces sada pelo fígado da mãe. Em crianças nas -cidas a termo as concentrações de bil irrubina

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no soro estão ao redor de 4 -6 mg/dL durante as prime iras 48 h de vida extra -uterina, voltando, es pontaneamente, ao normal em 7-10 dias. A incidência da hiperbilirrubinemia é muito maior entre prematuros e neonatos de baixo peso corporal. Crianças nascidas prematura -mente atingem uma concentração média de bi-lirrubina no soro entre 10-12 mg/dL, entre 5 e 6 dias de vida. As causas da hiperbil irrubine-mia neonatal são: (a) produção excessiva de bilirrubina, (b) transporte insuficiente de bilir-rubina, (c) formação deficiente de bilirrubina, (d) acoplamento inapropriado d e bilirrubina, (e) circ u lação êntero -hepática. (f) eritropoiese não-efetiva (ex.: anemia perniciosa). A hiper-bilirrubinemia é comumente encontrada em ne-onatos podendo ser considerada na maioria dos casos, fisiológica. Contudo, a bilirrubina pode ser tóxi ca ao sistema nervoso central , mere-cendo cuidados, pois existe possibil idade de sua origem ser patológica. Os critérios para a definição da icterícia patológica no recém-nas-cido são:

− Aumento nos níveis de bilirrubina sérica à taxas de >5 mg/dL por dia.

− Bilirrubina sérica excedendo 12,9 mg/dL em bebês nascidos a termo.

− Bilirrubina sérica excedendo 15 mg/dL em bebês nascidos prematuramente.

− Valores da bilirrubina direta excedendo 1,5 mg/dL a qualquer momento.

− Persistência da icterícia após o décimo dia de v ida em nascimentos a termo.

− Persistência da icterícia após duas semanas de vida em prematuros.

§ Icterícia hemolí t ica (destruição excessiva de hemácias circulantes). Pode ser devida à exp o-sição a produtos químicos, reações hemolíticas ant ígeno-anticorpo, enfermidades como o cân-cer e drogas. Em adultos o teor de bilirrubina não-conjugada dificilmente ultrapassa 5

mg/dL. Em neonatos, o excesso de hemólise é provocado principalmente por excesso de h e-mólise (como a doença hemolítica causada por sistema ABO ou Rh incompatível, esferocitose hereditária, deficiência de glicose 6 -fosfato d e-sidrogenase e outras enzimopatias eri trocitá-rias) e que podem atingir concentrações acima de 20 mg/dL de bilirrubina não-conjugada.

§ Síndrome de Crigler-Najjar, é uma desordem hereditária autossômica recessiva rara causada pela deficiência total (tipo I, muito raro) ou parcial (tipo II) da enzima UDP-glicuronil transferase. No t ipo I os pacientes geralmente morrem no primeiro ano de vida devido ao kernicterus que é o acúmulo de bilirrubina não-conjugada no cérebro e s is tema nervoso. Os poucos que sobrevivem a es ta fase desenvol-vem kernic terus fatal na puberdade.

§ Síndrome de Gilbert , é uma condição hereditá-ria relativamente comum (afeta até 7% da p o-pulação), caracterizada pela redução em 20-50% da atividade da UDP-glicuronil transfe -rase ou por defei tos do transporte de mem-brana. Ela se manifesta comumente durante a segunda ou terceira década de vida. Os indiví-duos a fetados apresentam sintomas e queixas vagas como fadiga, indispos ição ou dor abdo-minal. Apresentam bilirrubinemia não-conju -gada persistente de até 3 mg/dL.

Hiperbil irrubinemia predominantemente conjugada (direta). Indica um comprometi-mento na captação, no armazenamento ou na ex-creção da bilirrubina. Assim, tanto a bilirrubina conjugada como a não-conjugada são retidas, apa-recendo em variadas concentrações no soro.

§ Colestase intrahepát ica. Quando qualquer porção da árvore bil iar está bloqueada ou anormalmente permeável, à passagem da bilir-rubina e de todos os o utros componentes da bi le é reduzida; assim, estas substâncias são ret idas. Deste modo, as concentrações plasmá-ticas da bilirrubina conjugada, colesterol, γ-glutamil transferase (γ-GT), fosfatase alcalina (FA) e ácidos biliares estão aumentadas. Além

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d i sso, a obstrução da árvore biliar também promove um aumento na síntese das enzimas γ-GT e FA elevando seus teores no sangue. Colestase induzida por drogas e hormônios es-teróides e, ocasionalmente, a hepatite alcoólica e hepat i te viral aguda são causas de colestase intra -hepát ica. Nestes casos , os canal ículos bi l iares e ductos de pequeno calibre são afeta-dos, enquando os canais de maior diâmetro permanecem normais. Níveis persistentemente altos de bilirrubinemia indicam evolução des -favorável. A evidência d e lesão e disfunção hepatobiliar é geralmente proeminente e inclui elevação das transaminases, tempo de protro m-bina prolongado e hipoalbuminemia. As causas mais comuns são:

− Associada com lesão estrutural hepática: doença hepatocelular aguda (hepatite viral), cirrose biliar primária (principalmnete em mulheres com 40-60 anos e associada com esteatorréia, xantomatose e hipertensão portal) e colangite esclerosante (desordem rara caracterizada por inflamação do trato biliar que leva à fibrose).

− Não associada com lesão hepática: colestase p ó s -operatória, nutrição parenteral, gravi-dez, esteróides e infecções sistêmicas.

§ Obstrução bil iar extra -hepát ica ,completa ou parcial dos ductos bil iares, produz concentra-ções séricas aumentadas de bil irrubina conju-gada e s ão observadas no carcinoma da cabeça de pâncreas, tumores dos ductos bi l iares ou ampola de Vater; coledocolitíase; fibrose de cabeça de pâncreas, coágulos sangüíneos, ano-malias congênitas, pancreatites crônicas e pro-cessos inflamatórios na vizinhança, retenção de cálculos bil iares e estenose do ducto comum secundário à lesão ductal após cirurgia.

§ Colestase induzida por drogas, pode ser indu-zida pelos fenotiazínicos, anticoncepcionais orais e a metil testosterona. A eosinofil ia pode acompanhar este t ipo d e icterícia.

§ Sídrome de Dubin-Johnson e síndrome de R o-tor, são desordens hereditárias raras caracteri-zadas por hiperbilirrubinemia conjugada por deficiência na excreção pela célula hepática para os capilares biliares (bilirrubina total atinge 2-5 mg/dL).

§ Câncer hepát ico metastát ico. Figura 14.3. Formação e metabolismo da bil irrubina e sua excreção no intestino.

DETERMINAÇÃO DA BILIRRUBINA

Paciente. Permanecer em jejum por 8 h antes da prova.

Amostra. Soro obtido em jejum e isento de h e-mólise e lipemia. Até a realização do teste (no

Bile

IntestinoGrosso

Fígado

Plasma

Sistemaretículo

endotelial

Hemoglobina

H e m e

Bilirrubina

Bilirrubinanão-conjugada

Albumina

Bilirrubinanão-conjugada

Recaptação

Excreção

Urobilinogênio(veia porta)

IntestinoDelgado

Diglicuronídioda bilirrubina(conjugada)

Rim

Oxidação

Urobilina, estercobilinaExcreção fecal

UrobilinogênioUrinário

BilirrubinaConjugada

Ação Bacteriana

Urobilinogênio

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222 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

máximo 3 h após a colheita) o soro deve ser ma n-t ido no escuro. Conserva-se por uma semana no escuro e refrigerado.

Interferências. Resultados falsamente elevados: acetazolamida, ácido ascórbico, anticoncepcionais orais, antimaláricos, aspirina, bitartarato de adre-nalina, carmustina, clindamicina, cloridrato de cloroquina, cloridrato de clorpromazina, colinér-gicos, corantes radiográficos, dextrano, dicuma-rol, diuréticos tiazídicos, etanol, fenilbutazona, fenotiazinas, ferro, floxuridina, flurazepam, fo s -fato de cloroquina, fosfato de primaquina, imi-pramina, isoniazida, levodopa, metanol, metil-dopa, niacina, novobiocina sódica, penicilina, p ro tamina, rifampina, sulfato de estreptomicina, sulfato de morfina, sulfonamidas, quinidinas, t e-traciclinas, teofilina. Resultados falsamente redu-zidos: barbitúricos, cafeína, citrato, cloro, cort i-coesteróides, dicofano, etano, fenobarbital , peni-cilina, salicilatos, sulfonamidas, tioridazina, teta-ciclinas, vitamina A e uréia.

Métodos. A bilirrubina foi detectada pela pri-meira vez em 1883 por Erlich, em reação com o ácido sulfanílico diazotado, em amostras de urina. Van den Bergh e Snapper demonstraram a pre -sença de bi l i rrubina no soro sangüíneo pelo em-prego do diazo -reagente de Erlich e álcool como acelerador.

Os métodos existentes determinam a fração que produz cor com a reação de Van den Bergh em solução aquosa (bi l irrubina dire ta ) , enquanto a fração que desenvolve cor com o álcool é chamada bil irrubina indire ta . A reação direta ocorre com a bilirrubina conjugada (mono e diglicuronídio da bilirrubina) solúvel em água. Por outro lado, a reação indireta se processa com a bilirrubina não-conjugada, insolúvel em água, mas que se dissolve em álcool para acoplar o reagente diazo. A bilir-rubina total compreende a soma das frações con-jugada e não-conjugada.

Malloy e Evelyn. Propuseram o uso de metanol a 50% para evitar a precipitação das proteínas.

Jendrassik e Grof. Em 1938, desenvolveram um método com o uso de cafe ína-benzoato-acetato para acelerar a reação azo -acoplada. Na maioria

dos laboratórios cl ínicos são empregados alguma modificação de um destes dois métodos: Malloy-Evelyn ou Jendrassik-Grof. O método de Jendra s -sik e Grof é um pouco mais complexo mas apre-senta a lgumas vantagens sobre o de Malloy e Evelyn: (a) é sensível às variações de pH; (b) não é afetado pela modificação da concentração pro-téica da amostra; (c) apresenta uma sensibilidade óptica adequada mesmo em baixas concentrações de bilirrubina; (d) apresenta turvação mínima e um branco de soro relativamente constante e (e) não é afetado pela concentração da hemoglobina abaixo de 750 mg/dL.

Espectrofotometria direta. A análise da bilir-rubina sérica também é realizada por técnica es -pec t rofotométrica, pela diluição da amostra em uma solução tampão. Este método direto é satis -fatório na avaliação da icterícia do recém-nascido cujo soro não contém, ainda, lipocromos amarelos interferentes. Amostras de pacientes com idade superior a um mês devem ser submetidas às re a-ções convencionais colorimétricas. Outras fontes de erro neste método são: a hemólise e turvação, parcialmente corrigidas pela medida em um se-gundo comprimento de onda. Infelizmente, este método não apresenta uma padronização ade-quada.

Enzimático. Recentemente, foi introduzida a enzima bi l irrubina oxidase na medida da bilirru -bina. Esta enzima promove a oxidação da bilirru -bina à biliverdina (incolor). A reação é monito-rada pela redução da absorvância e apresenta como vantagem a elevada especificidade da en-zima pela bilirrubina.

Cromatografia l íquida de al ta performance (HPLC). Estes métodos podem quantificar as vá-rias frações da bilirrubina. Usado somente em laboratórios de pesquisa.

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Valores de referência para a bilirrubina (mg/dL) Idade Total Direta Adultos e crianças > 1 ano 0,2-1,0 0-0,2 Recém-nascidos (> 24 h) 2-6 - Recém-nascidos (> 48 h) 6-10 - Recém-nascidos (3-5 dias) 4-8 - Prematuros (acima de 24 h) 1-8 - Prematuros (acima de 48 h) 6-12 - Prematuros (3-5 dias) 10-14 -

UROBILINOGÊNIO NA URINA E FEZES

Após secreção no intestino delgado, os glicuroní-dios da bilirrubina (bilirrubina conjugada) são hidrolizados pela ação da β-glicuronidase hepá-t ica , das células epiteliais intestinais e das bacté-rias intestinais. A bilirrubina livre formada é en-tão reduzida pela flora microbiana intestinal anae-róbica para produzir um grupo de tetrapirróis in -colo res coletivamente chamados urobil inogênios que reunem o estercobi l inogênio , o mesobilinogê-n io e o urobi l inogênio . Mais de 20% dos urobili-nogênios são reabsorvidos diariamente do intes -tino e entram na circulação entero -hepát ica . A maior parte dos urobil inogênios reabsorvidos e captados pelo f ígado são reexcretados na bile; somente 2-5% atingem a circulação geral e apare -cem na urina (1 a 4 mg/24 h). No trato intestinal baixo, os três urobil inogênios espontaneamente oxidam e produzem os pigmentos biliares corres -pondentes , estercobi l ina, mesobil ina e urobilina que forn ecem aparência marron as fezes. Um indi-víduo normal excreta 50-250 mg/d nas fezes. Aproximadamente 50% da bilirrubina conjugada excretada na bile é metabolizada em outros pro -dutos diferentes dos urobilinogênios. A estrutura detalhada destes metabólit os ainda não foi eluci-dada.

Qualquer processo patológico que aumenta as concentrações do urobil inogênio no sis tema di-gestório resulta em alterações da quantidade deste composto excretado na urina:

§ Aumentos nas concentrações do urobilinogênio na urina e n as fezes são encontradas nas condi-ções onde ocorre elevada formação e excreção

da bilirrubina, por exemplo, icterícia hemolí -t ica.

§ Concentrações reduzidas são encontradas nas doenças hepáticas, obstruções intrahepáticas ou extrahepáticas. Como os valores de referência para o urobilinogênio urinário são de 0 -4 mg/d, é óbvio que teores diminuídos são impossíveis de serem detectados. O exame visual da amostra fecal com urobilinogênio reduzido r e-vela cor cinza ou argila.

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Page 11: sistema hepatobiliar

224 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

224

AMÔNIA

amônia (NH3 ) é produzida pela desaminação oxidativa dos aminoácidos provenientes do

catabolismo protéico. Entretanto, parte da amônia é absorvida do sistema digestório, onde é formada pela degradação bacteriana das proteínas da dieta e desdobramento da uréia presente nas secreções intestinais. Embora a amônia em baixas concen-trações seja um metabólito normal no sangue, em teores e levados torna-se neurotóxica. A maior parte da mesma é detoxificada pelas células do parênquima hepático numa substância não-tóxica, a uréia, e nesta forma, excretada na urina. Parte da amônia é incorporada, temporariamente, à gluta-mina. Os rins captam a glutamina do plasma e formam amônia pela ação glutaminase. A amônia assim produzida é excretada na urina. Nas enfermidades hepát icas severas , a amônia não é removida apropriadamente da circulação e seus níveis sangüíneos se elevam. Diferentemente de outras substâncias nitrogenadas não protéicas, os teores plasmáticos de amônia não dependem do funcionamento dos rins, mas da função hepática e, portanto, a determinação deste composto não tem util idade na avaliação de enfermidade renal. Esta prova avalia a capacidade do fígado excretar e detoxificar.

H IPERAMONEMIA

As mais freqüentes condições cl ínicas onde os teores de amônia sangüínea apresentam-se altera-dos são :

Enfermidade hepática severa:

§ Aguda : hepatite viral fulminante, hepatite tó-xica ou síndrome de Reye (enfermidade muitas vezes fatal observada em crianças entre 2 e 13 anos de idade. O f ígado apresenta infiltração gordurosa e ocorre o desenvolvimento de ence-falopatia em razão da ação tóxica do acúmulo de amônia. Esta desordem metabólica é prece-dida, em geral, por infecção virótica do trato respiratório).

§ Crônica: c irrose (estágios avançados) .

§ Encefalopatia hepática (ou portossis têmica), decorrente de doenças hepát icas agudas e crô-nicas. Pode ser precipitada por hemorragias gastrointestinais que aumentam a produção de amônia pela ação bacteriana sobre as proteínas sangüíneas no có lon que , subseqüentemente, aumentam os níveis de amônia arterial. Infeliz-mente, a correlação entre o grau de encefalo -patia e amônia sangüínea não é consistente; a l-guns pacientes com este dis túrbio apresentam teores normais de amonemia. Outras fatores desencadeantes incluem excesso de proteínas na dieta, constipação, drogas tranqüil izantes, opióides, medicação hipnossedativa, infecções, hipopotassemia, alcalose, disfunção hepatoce-lular progressiva, desidratação, diuréticos ou a insuficiência renal.

§ Shunts por tocavas, a amônia é removida do sistema venoso portal e transformada em uréia pelo f ígado. Nos “shunts” por tocavas ocorre insuficiência de detoxificação dos produtos n i-trogenados do sistema digestório; a amônia u l-trapassa o f ígado por vias colaterais portossis-têmicas. A desobstrução de um “shunt” port o-cava pode ser avaliado medindo-se a amônia antes e depois de uma dose de sais de amônio.

Defeitos congênitos de enzimas do ciclo da uréia. São as principais causas de hiperamo-nemia em crianças. Pacientes com estas desordens apresentam retardo mental e problemas de com-portamento.

Insuficiência cardíaca congestiva.

Infecções por microrganismos produtores de uréia.

A

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Sistema hepatobiliar 225

DETERMINAÇÃO DA AMÔNIA

Paciente. Permanecer em jejum e abster-se de fumar durante as 8-10 h que antecedem a coleta. Evitar estresse e exercício vigoroso durante vá-rias horas an tes do tes te .

Amostra. Plasma heparinizado (não usar amô-nio -heparina) isento de hemólise. Colher o sangue com o mínimo de estase. Após a coleta, os teores de amônia aumentam rapidamente por conta da desaminação dos aminoácidos. O sangue deve ser acondicionado em tubo vedado e colocado imedi-atamente em banho de gelo.

Interferências. Resultados falsamente elevados: Fumo tanto do paciente como do flebotomista. Dieta rica em proteínas.Terapia com valproato de sódio .

Métodos. No sangue, a amônia e o íon amônio estão presentes em equilíbrio dinâmico. Dentro dos extremos de pH fisiológico a quase totalidade deste conjunto está na forma de íon amônio. A determinação da amônia no sangue compreende a est imação das duas formas.

As principais dificuldades na avaliação da amônia no sangue é sua baixa concentração, a pouca estabil idade e a grande facil idade de con-taminação da amostra. Os métodos empregados nesta medida são classificados em quatro grupos: (a) difusão, (b) troca iônica, (c) enzimático e (d) eletrodo íon selet ivo.

Difusão. O método de difusão apresenta duas fases nas quais a amônia é, inicialmente, liberada estequiometricamente mediante a adição de álcali e, a seguir , capturado por uma solução ácida e quantificada pot t i tulação, por nesselerização ou pela reação de Berthelot. Estes métodos são demo-rados e apresentam pouca exatidão e precisão.

Troca iônica. Nos métodos de troca iônica, a amônia é isolada por adsorção em resina fort e-mente catiônica (Dowex 50) seguida por eluição pelo cloreto de sódio e medida pela reação de Berthelot. Este método fornece resultados leve-

mente aumentados apesar de apresentar boa preci-são e exatidão.

Enzimático. O método enzimático emprega a enzima glutamato desidrogenase na reação da amônia com o α-cetoglutarato em presença de NADPH que se transforma em NADP+. Sob condi-ções apropriadas, a redução da absorvância em 340 nm é proporcional à concentração da amônia. O NADPH é a coenzima de eleição, pois é especí -f ica para a glutamato desidrogenase, não sendo consumida em reações secundárias com substratos endógenos, tais como, o piruvato. O ADP é adic i-onado para estabilizar a enzima. Estes métodos são precisos e exatos, além d e empregarem peque-nos volumes de amostra.

Eletrodos íon selet ivos. Os eletrodos medem as alterações no pH após l iberação de amônia da amostra por alcalinização e difusão da mesma através de uma membrana semipermeável. Este método é específico e rápido, entretanto, a dura-bilidade e estabilidade deste eletrodo tem limitado o seu emprego.

Valores de referência para a amônia (µµ g/dL) Adul tos 14 a 49 (Método enzimático)

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226 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

226

DOENÇAS HEPÁTICAS

HEPATITES

O termo hepat i te refere -se genericamente ao pro-cesso inflamatório do fígado, com degeneração e necrose dos hepatócitos que resulta na redução da capacidade funcional do órgão. Estes processos são causados por agentes infeciosos ou tóxicos . Quando os agentes causadores es tão assoc iados aos vírus que acometem principalmente o fígado, emprega-se o termo hepat i te v iral . Foram identifi-cados vár ios agentes biológicos causadores de hepati tes virais , conhecidos como hepati te por vírus A (HAV), hepatite por vírus B (HBV), he-patite por vírus C (HCV), hepatite por vírus delta (HDV) e hepatite por vírus E (HEV). Recentemente foram descobertos três diferentes vírus potencialmente envolvidos com hepatites em humanos: vírus da hepatite G (GBV-C), vírus TT (TTV) e vírus SEN (SEN -V).

O tecido hepático é também afetado por outros vírus como o citomegalovírus (CMV), de Epstein -Barr (EBV), da rubéola, da febre amarela, Coxsackie , d o s arampo e da varicela, mas estes não acometem o fígado de forma primária. Em menos de 1% dos casos de hepati te viral aguda ocorre uma necrose hepática maciça, levando a uma condição dramática e, com freqüência, fatal, denominada insuf iciência hepát ica fulminante . A hepati te é dividida em tipos agudo e crônico, com base em critérios clínicos e patológic o s . A hepat i te aguda implica uma condição com menos de seis meses de duração, culminando numa resolução completa da lesão hepática com retorno da função e estrutura normais do hepató -cito ou numa evolução rápida da lesão aguda para necrose extensa e morte. A hepat i te crônica é definida como um pro ces so inflamatório persistente no fígado com duração superior a seis meses.

HEPATITE POR VÍRUS A (HAV)

A hepat i te por vírus A é causada por um vírus da familia picornavir idae (hepatovírus) de diâmetro pequeno e esférico contendo somente um fi la-mento de RNA. O vírus replica no hepatócito e é excretado através da bile para o sistema digestó -rio. Partículas de HAV são muitas vezes encontra-das nas fezes de pacientes com a doença aguda, sendo a rota de transmissão (via fecal-oral). A infecção pelo HAV está muitas vezes a s soc iada à falta de higiene pessoal, a água contaminada ou a deficiências no saneamento básico. Apesar do vírus ser também transmitido por via parenteral (raramente), considera -se o contato pessoal direto como o principal infectador e propagador da d oença. A hepatite A tem um período de incubação de 2 a 7 semanas após a infecção. A presença de ant i -HVA (IgM) (ant icorpos contra o vírus A da hepa ti te da subclasse IgM) é a primeira resposta à infecção e persiste por um período de 4 meses ou mais. O ant i -HAV (IgG) (ant icorpos contra o v í -rus A da hepati te da subclasse IgG) aparece logo após a de tecção do ant i-HAV (IgM). O anti-HAV (IgG) persiste em quantidades mensuráveis por toda a vida e confere imunidade contra a doença. O quadro clínico da HAV é moderado e não específico, muitas vezes semelhante ao estado gripal com pouca febre, náusea, vômito e dores musculares que podem ocorrer durante o seu perí-odo prodrômico. A ic terícia é encontrada com freqüência. Em geral, crianças apresentam sinto -mas mais brandos do que em adultos. A maioria das infecções são agudas com completa recupera-ção entre 3 a 4 meses. As complicações são raras e não há exemplos de hepati te crônica associada com infecções pelo HAV. Os resultados laborato -riais anormais são o aumento da bilirrubina total

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Sistema hepatobiliar 227

com elevações simultâneas da bilirrubina conju -gada e da não conjugada, além do aumento das aminotransferases ( t ransaminases) sér icas.

HEPATITE POR VÍRUS B (HBV)

A hepatite por vírus B (HBV) é uma enfermidade mais séria do que a hepati te A e pode estar associ-ada com complicações a longo prazo. O vírus B replica no hepatócito e é liberado do fígado para a circulação periférica. O HBV está presente no sangue de indivíduos infectados tanto na fase aguda da doença, como na recuperação e nas for-mas crônicas.

O DNA do vírus responsável pela hepatite B é constituído por DNA filamento duplo parcial e filamento duplo simples. A partícula HBV com-pleta (da família Hepadnavir idae) , chamada “par-tícula de Dane”, tem aproximadamente 42 nm de diâmetro circundada por uma camada envelopante e um denso núcleo interno. O material do enve-lope é composto de l ipídios e proteínas e pode ser encontrado na circulação, como cobertura na part ícula de Dane, como filamentos incompletos ou como esferas do material envelopante. O determinante ant igênico é o antígeno de superfície do vírus B da hepat i te (HBsAg) no soro em quase todos os casos de infecção por HBV aguda ou crônica. A substância nuclear é coberta com a material do envelope antes de ser excretada no sangue. O núcleo da partícula de “core” viral é composta de DNA, DNA polimerase e substâncias relacionadas e também pelo ant ígeno “core” do vírus B da hepat i te (HBcAg) e pelo antígeno “e” do v írus B da hepat i te (HBeAg) . Estes dois últ i-mos são detectados no soro, quando há reduplic a-ção virótica ativa. A transmissão do HBV é por transfusão s angüínea, punções com agulhas contaminadas, con tato dire to com o sangue, secreções orgânicas, via sexual ou de mãe infectada para o filho – trans missão vertical. Indivíduos com especial r isco de contaminação pelo HBV são os usuários de d rogas, funcionários de laboratório e bancos de s angue com contato freqüente com o sangue e seus derivados, pacientes submetidos a hemodiálise,

hemofílicos, homosexuais e pessoas com muitos parceiros sexuais. A média de incubação é 6 a 8 semanas a partir da exposição inicial ao HBV. Ainda no período de incubação, a presença de HBsAg é detectada no sangue. Torna-se não detectável sorologicamente nos pacientes com resolução da infecção antes ou logo no início das manifestações clínicas, razão pela qual não é útil como marcador da infecção aguda. O HBsAg desaparece do sangue em período inferior a 6 meses. Quando o HBsAg persiste após este período, geralmente a evolução se dá para a forma crônica. Juntamente com os sintomas clínicos aparece a icterícia, aumento das amin o transferases ( transaminases) seguido do aparecimento do ant i -HBc (anticorpos contra o ant ígeno “core” do vírus B) . A subclasse IgM do ant i-HBc é o primeiro anticorpo detectado no final do período de incubação e que pers is te posi t ivo durante a infecção aguda. É subst i tuído pela subclasse IgG do anti-HBc que é um marcador de infecção prévia ou permanente.

O aparecimento de ant i -HBs (ant icorpos contra o ant ígeno de superf íc ie do vírus B da hepat i te ) ocorre após o desaparecimento do HBsAg. O anti-HBs é o último marcador soroló -gico a aparecer e indica recuperação do e s tado de infecção e imunidade contra o HBV. É encontrado em 80-90% das pessoas infectadas. O HBeAg é detectado no sangue após o HBsAg e normalmente indica elevado grau de replicação viral. Nos casos de evolução normal, o HBeAg soroconverte em poucas semanas, aparecendo o ant i-HBe. Nas for-mas crônicas, com HBsAg persistente por mais de 6 meses, a presença também do HBeAg corres -ponde a um prognóstico de maior gravidade (alta replicação do vírus B com maior infectividade e, portanto, maior dano hepático) do que quando ele está ausente. Pacientes com HbsAg e HBeAg p o-sitivos têm, portanto, maior chance de transmitir o vírus. A persistência de HBeAg por mais de 10 semanas sugere evolução para a cronicidade. O ant i -HBe (ant icorpos contra o ant ígeno “e” do vírus B da hepat i te ) começa a aumentar durante a fase ictérica da doença e persiste em títulos relati-vamente baixos por vários anos após a infecção. É um anticorpo produzido em resposta ao HBeAg e é indicativo de evolução para a cura, significando

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228 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

parada da replicação viral em paciente com infe c-ção aguda por vírus B. Ao redor de 90% das infecções primárias por HBV são completamente resolvidas em 6 meses. Aproximadamente 10% dos indivíduos infectados com HBV permenecem com o HBsAg positivo por mais de 20 semanas. Em um grande número destes pacientes o antígeno desaparece até um ano d epois, mas muitos permanecem positivos indefin idamente e são designados por tadores crônicos de HBsAg. Estas pessoas mantém títulos muito elevados de an t i-HBc apesar do anti-HBs não ser detectado no soro. Geralmente o anti-HBc persiste por toda a vida, indicando um episódio de infe cção pelo HBV. Em menos de 1% de todos os indivíduos com infecção pelo HBV desenvolvem necrose massiva hepática fatal. Parece, também, existir relação casual entre infecções hepati te B e enfermidade hepática crônica e carcinoma hepato-celular. O curso clínico do HBV é variável mas un iformemente mais prolongado e mais severo do que o da hepat i te A. Os sintomas podem não ser evidentes em todos os indivíduos, mas os mais c o-muns são icterícia, fadiga, anorexia, perda de peso, indisposição, náusea, urina escura e fezes claras. Exantemas, dor muscular e nas juntas são encontrados em alguns indivíduos. Os resultados laboratoriais anormais refletem lesão necrótica do fígado e incluem vários graus de aumento da bilir-rubina conjugada e não-conjugada sérica, aumento da bilirrubina urinária, aumento das aminitransfe-rases ( transaminases) e da fosfatase alcalina. Os l ipídios séricos podem estar al terados mas não apresentam significação no diagnóstico nem no prognóstico desta doença. A redução da albumina sérica indica uma piora da doença. A vacina para hepatite B é recomendada para grupos de al to r isco, tais como profissionais de saúde com maior exposição a sangue, secreções e tecidos orgânicos; contactantes íntimos de port a-dores do vírus B; pacientes em hemodiálise; re-ceptores de produtos sangüíneos ; pessoas com atividade sexual promíscua e usuários de drogas endovenosas . A resposta imunológica deve ser avaliada um mês após a conclusão do esquema de vacinação, considerando como respondedor, o indivíduo com anti-HBs maior do que 10 mUI/mL.

HEPATITE POR VÍRUS DE LTA (HDV)

O vírus da hepatite delta (HDV) é constituido por uma molécula circular de RNA. É um vírus hepatotrópico incompleto que necessi ta como envol tór io do ant ígeno de superf íc ie do vírus da hepatite B (HBsAg) para a sua replicação; ou seja, só é patogênico em co-infecção com o HBV. Ca-racteriza -se por ter evolução part icularmente g rave, com grande potencial de desenvolvimento de hepatite fulminante, hepatopatia crônica e he-patocarcinoma. A infecção apenas com o HDV não provoca dano hepático nem manifestações clínicas .

O teste sorológico utilizado para indicar a presença d e HDV é o ant i -HDV (ant icorpos con-tra o v írus D da hepat i te subclasses IgM e IgG) . O diagnóstico de infecção pelo vírus D é realizado quando um paciente é HbsAg posi t ivo e ant i-HDV posit ivo. O anti-HDV pode ser negativo no ínício, obrigando a repetição do exame caso persistir a suspei ta diagnóst ica.

Estes testes devem ser realizados em indiv í -duos com infecção identificada pelo HBV e cujo transcurso da doença é mais prolongada e mais severa do que o esperado. O vírus D suprime a replicação do vírus B, sendo por i sso poss íve l o desaparecimento de marcadores do vírus B como o HbsAg, no curso da hepat i te D.

O vírus D é altamente patogênico e sua infe c-ção leva em parte dos casos a quadros cl ínicos severos, quer seja nas formas agudas, que podem evoluir para a insuficiência hepática fulminante, quer seja nas formas crônicas, com grande poten-cial de evolução para a cirrose.

HEPATITE POR VÍRUS C (HCV)

Até alguns anos atrás mais de 90% das hepat i tes por vírus C eram designadas como hepatites não A – não B (NANB) sendo diagnost icadas quando o paciente exibia todos os sinais clínicos e laborato-riais de hepatite, mas sem a presença de HAV e/ou HBV nos testes sorológicos.

O vírus C, em geral, é transmitido por via parenteral , incluindo receptores de sangue ou derivados, pacientes em hemodiálise, hemofí licos, usuár ios de drogas endovenosas , ta tuagens ,

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acupuntura, profissionais da área de saúde, entre outros. A via sexual, a transmissão materno-fetal e familiar existem, embora sejam consideradas infreqüentes. Salienta-se que, em cerca de 50% dos casos, não se sabe como o vírus da Hepati te C foi transmitido.

A infecção pelo vírus da hepatite C é uma d o-ença crônica e comumente assintomática, que pode evoluir para a cirrose e carcinoma hepato -celular. O período de incubação é de 6 a 8 sema-nas e na maioria dos casos a fase aguda é usual-mente subclínica ou moderada sendo que, os paci-entes afetados raramente apresentam icterícia, fadiga e sensibilidade hepática.

O monitorado do es tado da doença é realizado pela avaliação das enzimas alanina amino-transferase (ALT), a aspartato aminotransferase (AST) e pelo n ível das bilirrubinas .

Por outro lado, a intensidade da doença pode se r sugerida pelo tempo de protombina e pela concentração de albumina sérica. A biópsia hepát ica es tadia a fase em que se encontra a enfermidade.

A história natural desta infecção ainda não está completamente elucidada. Entretanto, sabe-se que cerca de 30% dos pacientes com hepati te crônica C evoluem para cirrose após 10 anos de infecção. Entre os cirrót icos, aproximadamente 20% irão evoluir ao carcinoma hepatocelular.

O marcador imunológico para o diagnóstico da HCV aguda ou crônica é o ant i -HCV (ant icorpos contra o vírus C da hepat i te subclasses IgM e IgG). A maior parte dos casos de in fecção aguda pelo vírus C é clinicamente inaparente ou oligos -sintomática.

HEPATITE POR VÍRUS E (HEV)

A hepatite por vírus E (HEV) apresenta caracte-r ís t icas semelhantes aos da hepat i te por vírus A com raras complicações exceto em mulheres grá-vidas nas quais existe elevado grau de mortalidade (ao redor de 20% dos casos), principalmente no terceiro trimestre da gravidez. O período de incu-bação da HEV é de 2 a 9 semanas sendo a trans -missão fecal-oral . Os sintomas são inespecíficos como febre, náusea e vômitos. Não evolui para a cronicidade. O vírus E da hepatite constitui um vírus RNA.

O diagnóstico laboratorial da HEV é realizado pela demonstração da presença de ant i -HEV (anticorpos contra o v írus E da hepat i te subclasses IgG e IgM).

HEPATITE TÓXICA OU INDUZIDA POR

DROGAS

Uma das principais funções do fígado é a desinto-xicação. Este processo necessita que toda a droga ou toxina seja t ransportada para o f ígado e depo-si tada no hepatóci to. Esta ação torna o f ígado extremamente susceptível a danos tóxicos. Várias substâncias tóxicas (ex.: envenenamento pelo tetracloreto de carbono, toxina de Amanita phal lo ides ) e drogas terapêuticas (ex.: excesso de paracetamol, isoniazida, clorpromazina, eritromi-cina, halotano) causam danos diretos ao f ígado e resultam em processos inflamatórios e necróticos similares ao da hepati te ou colestase. Drogas como a cloropromazina podem causar colestase com o aumento da ALT (TGO) e a γ-GT. A feni-toína, os barbitúricos e o etanol induzem a síntese de γ-GT sem, necessariamente, existir lesão hepá-tica. Pacientes com hepatite tóxica e induzida por drogas mostram sintomas semelhantes aqueles de outras hepati tes. O quadro clínico é variável e podem ser assintomáticos ou sintomáticos severos e com perigo de vida. A gravidade dos sintomas está relacionada com a exposição ao agente tó-xico. O diagnóstico é realizado pelo histórico da exposição, consistência clínica, achados laborato-riais, biópsia e melhora após a remoção da toxina. O abuso de álcool const i tui uma das causas mais comuns de doença hepát ica. As t rês principais lesões patológicas resultante do excesso alcoólico são: (a) esteatose hepática, (b) hepati te alcoólica e (c) cirrose. As duas primeiras são p o-tencialmente reversíveis, podendo em algum mo-mento ser clinicamente confundidas com hepatite viral.

HEPATITES CRÔNICAS

As hepatites crônicas são processos inflamatórios contínuos do fígado, que acarretam manifestações

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c l ínicas e histopatológicas de graus variáveis . Existem múltiplas etiologias: agentes infecciosos, sobretudo virais, drogas, tóxicas, enfermidades metabólicas (doença de Wilson), deficiência de α1 -anti tr ipsina, auto-imunes caracterizadas pela pres ença de auto-ant icorpos (ant icorpos ant i-nu-cleares, anticorpos anti-musculatura l isa e anti-corpos ant i-microssomos hepatorrenais) e hiper-gamaglobulinemia. Ocorre principalmente em mulheres.

Os casos mais freqüentes de hepati te crônica resultam de infecções por vírus B da hepat i te (HBV), vírus C da hepatite (HCV) e pela associa-ção dos vírus B e Delta (HDV). A hepatite não evolui para a cronicidade.

Alguns medicamentos também podem levar à hepatite crônica, como a metildopa, amiodarona e a isoniazida. Hepatite lupóide (idopática com caracter ís t icas auto-imunes proeminentes). Tam-bém a doença de Wilson e a deficiência de α1 -antitripsina levam à hepatite crônica. Do mesmo modo que na hepatite aguda, os sintomas da hepatite crônica variam com o tipo de infecção primária. As aminotransferases (transa-minases) apresentam desde elevações discretas até picos bastante e levados, nas diferentes fases da doença. Outras vezes são encontradas al terações nas bil irrubinas e da atividade das enzimas fosfa-tase alcalina e γ-glutamil transferase (γ-GT). Na hepatite C crônica, é característica a flutuação dos níveis de aminotransferases ( transaminases) ao longo dos meses e e levações da γ-GT sem parale-lismo com aumentos da fosfatase alcalina. A cir-rose é uma complicação comu m na hepatite crô -n ica. O diagnóstico da hepatite crônica é realizada por testes funcionais hepáticos anormais e através da determinação dos marcadores sorológicos dos vírus B, C e Delta, após um período superior a seis meses do diagnóst ico de hepat i te aguda. Os tes tes sorológicos empregados no diagnós tico das hepatites na fase aguda ou crônica são l istados na tabela 9.1.

Tabela 9.1. Marcadores imuno lóg i cos pa ra as hepa t i t es Hepati tes A g u d a s Crônicas

A A n t i-HAV (IgM) -

B AgHBs/ant i-HBc (IgM) AgHBs/ant i-HBc Total

AgHBe/ant i-Hbe

C A n t i-HCV A n t i-HCV

D A n t i-HDV (IgM) A n t i-HDV

E A n t i-HEV (IgM) -

Infecção crônica pelo vírus B. O diagnóstico se baseia na posit ividade para o HBsAg por perí -odo superior a seis meses. Além do HBsAg, há posit ividade para o anticorpo anti-HBc total e dos marcadores do sistema “e” (HBeAg/anti-HBe), conforme a fase evolutiva da doença crônica: o HBeAg estará positivo na fase replicativa da d o-ença. Na fase não replicativa, ocorre positividade para o ant i-HBe. Ao redor de 15-20% d os adul tos com infecção crônica pelo HBV progridem para a cirrose após 5 a 20 anos de evolução. Além disto, existe estreita associação entre infecção crônica pelo HBV e carcinoma hepatocelular.

Infecção crônica pelo vírus C. Após uma infecção aguda pelo HCV, que em geral é assin -tomática ou subclínica, cerca de 50 a 70% dos pacientes progridem para a forma crônica da d o-ença. Destes pacientes, 20 a 40% podem desenvol-ver cirrose hepática, eventualmente com risco associado de hepatocarcinoma, que ocorrem tardi-amente no curso da doença (após cerca de 20 a 30 anos). Os pacientes que progridem para a cronic i-dade apresentam posi t ividade do ant i-HCV, asso-ciada à presença do HCVRNA, detectável no soro por técnica de PCR. Em geral, observam-se al tera-ções pers i s tentes das aminotransferases, de caráter f lutuante . Nestes casos, deve-se realizar biópsia hepática que poderá revelar a presença de graus variáveis de lesão hepática. O aspecto histológico da hepatite C é muito amplo e compreende desde alterações mínimas até cirrose e carcinoma hepa-tocelular, incluindo todos os t ipos morfológicos de hepat i tes crônicas .

INFILTRAÇÕES HEPÁTICAS

O parênquima hepático pode ser progressivamente desorganizado e destruído em pacientes com car-cinoma primário ou secundário, amiloidose, reti-culoses, tuberculose, sarcoidose e abscessos. Estas doenças levam muitas vezes a obstrução biliar e

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estão associadas a várias mudanças bioquímicas. A α1 -fetoproteína está, freqüentemente, bastante aumentada no hepatoma.

CIRROSE HEPÁTICA

A cirrose é a conseqüência irreversível da cicatri-zação fibrosa e regeneração hepatocelular, que const i tuem as pr incipais respostas do f ígado a inúmeras agressões prolongadas de natureza in -flamatória, tóxica, metabólica e congestiva.

O abuso do álcool, virus da hepatite (B e C) e colestase prolongada são as mais freqüentes cau-sas de cirrose, apesar de muitas vezes, a causa não ser evidenciada. Menos comuns, são os casos onde a cirrose está associada a desord ens metabólicas tais como doença de Wilson, hemocromatose, fibrose cística, galactosemia ou deficiência de α1-antitripsina.

§ Cirrose moderada ou latente . Em casos mode-rados nenhuma anormalidade clínica está apa-rente, devido a reserva da capacidade funcional do fígado. A medida da γ-GT fornece um meio sensível de detectar a cirrose moderada, no entanto, muitos alcoolistas (muitos dos quais sem cirrose hepática) também apresentam ati-vidades elevadas desta enzima. Anormalidades marcantes nos tes tes de função hepática rara-mente estão presentes na cirrose moderada.

§ Cirrose severa. Vários sinais clínicos podem estar presentes, isolados ou associados: hema-temese, ascites e descompensação da hepática aguda – muitas vezes fatal . Pode desenvolver hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia e pro -longamento do tempo de protrombina. A dete-rioração clínica acompanhada por tempo de protrombina prolongado, amiacidúria, hipera-monemia, e uréia plasmática reduzida podem ser os precursores da insuficiência hepática aguda.

COBRE E DOENÇA HEPÁTICA

O fígado é o principal órgão envolvido no meta-bolismo do cobre. Em indivíduos normais, as quantidades de cobre são mantidas em teores está-veis pela excreção do cobre pela bile e pela incor-

poração na cerulo plasmina. O conteúdo de cobre hepát ico está aumentado na doença de Wilson, cirrose biliar primária, colestase extra -hepática primária e atresia dos ductos biliares intra -hepática em neonatais .

Doença de Wilson (degeneração hepatolen-ticular). É uma rara desordem hereditária reces -siva caracterizada por defeito no metabolismo e armazenamento do cobre e que ocorre com disfun-ção hepática progressiva que pode ser acomp a-nhada de distúrbios neuropsiquiátr icos. Afeta também a córnea, o rim e o cérebro. A prevalê ncia é de 3/100.000, atingindo homens e mulheres, igualmente. Quantidades normais de cobre são ingeridas mas o fígado é incapaz de excretar o mesmo pela bile com o conseqüente acúmulo no f ígado, no cérebro, nos olhos e nos r ins . Após vários anos de acúmulo de cobre, o tecido hepá-t ico funcional é destruído pelos efeitos tóxicos do metal resultando em quadro semelhante à hepatite viral crônica. Os sintomas são, principalmente, devidos a doença hepát ica e a l terações degenera-t ivas na ganglia basal . Os níveis de ceruloplas -mina plasmática estão quase sempre baixos, mas ainda não está claro como este fato se relaciona com a et iologia da doença de Wilson. O diagnóstico é realizado a partir da história familiar ou de achados clínicos, como enfermi dade hepática e m pacientes com menos de 20 anos de idade ou doença neurológica caracetr ís t ica. Anéis de Kayser-Fleischer devido a deposição de cobre na córnea é detectada em muitos pacientes. Os seguintes testes laboratoriais s ã o u s a d o s :

§ Ceruloplasmina plasmática. Em 95% dos casos os valores estão abaixo de 20 mg/dL (com ex-ceção na gravidez e na terapia por estrogê-n ios) .

§ Cobre plasmático. Menores que 70 µg/dL.

§ Cobre ur inário . Sempre maior que 6 µg /d .

Estes tes tes não são tota lmente específ icos para a doença de Wilson. Por exemplo, a cerulo -plasmina pode ocasionalmente estar reduzidona cirrose severa, enquanto a excreção do cobre uri-

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nário pode apresentar valores aumentados na cir-rose biliar.

Anormalidades em outros testes estão muitas vezes presentes na doença de Wilson. Também são encontradas lesões tubulares renais com aminoa-cidúrias, glicosúrias e fosfatúrias e, em casos avançados, acidose tubular renal .

HEMOCROMATOSE

É um distúrbio hereditário ou adquirido caracteri-zado pelo armazenamento excessivo de ferro cau-sando disfunção de múlt iplos órgãos. A hemocro-matose adquirida é encontrada em pacientes com talassemia, esferocitose hereditária, anemia sid e-roblástica, excessiva ingestão de ferro ou múlt i-plas t ransfusões sangüíneas . A hemocromatose hereditária é autossômica recessiva e resulta na elevação do ferro armazenado nas células do fí -gado, coração, pâncreas e outros órgãos. O defeito aparente é o aumento na absorção de ferro do trato disgestór io . Os s intomas cl ínicos usuais da hemocromatose incluem pigmentação da pele causada por depós itos de hemossiderina, hepatomegalia, hipogonadismo e intolerância aos carboidratos. A disfunção hepática é usualmente classificada como fibrose ou cirrose. A bilirrubina sérica e as aminotransferases ( t ransaminases) estão levemente aumentadas. O estado diabético, desenvolvido por muitos pacientes com hemocromatose, é causado pela destruição das células β das ilhotas do pâncreas e dos hepatócitos pela deposição de ferro. Este também pode ser o mecanismo do hipogonadismo. O diagnóstico laboratorial da hemocromatose inclui a avaliação dos teores de ferro sérico, da ferritina, da capacidade total de l igação do ferro e da percentagem de saturação da transferrina. O ferro sérico não é um indicador sensível e es pecí fico para os depósitos hepáticos do ferro, mas esta informação, quando acompanhada de outros tes tes , é de grande valor diagnóstico. A ferritina sérica mostra correlação com os estoques de ferro e pode ser um guia da extensão do dano hepático. O diagnóst ico de hemocromatose requer a biópsia h epática.

O tratamento consiste de flebotomia regular para remover o ferro do corpo. Isto força o org anismo a usar o ferro estocado para a s íntese de eritrócitos e, assim, reduzir as reservas de ferro.

DEFICIÊNCI A DE α1-ANTITRIPSINA (AAT)

A AAT é uma proteína formada no f ígado que inibe a ação da tr ipsina e outras proteases. A defi-ciência da síntese de AAT provoca enfisema e/ou manifestações hepáticas ou pancreáticas. Promove aumento das bilirrubinas e das AST (TGO) e ALP (TGP). (v. Proteínas plasmáticas específicas).

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