sistema de reservação por bombeamento -...

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TRÊS LOCAIS PARA IMPLANTAÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA REVERSÍVEL AO SUL DOS APARADOS DA SERRA, NO LITORAL NORTE DO RS José DAgostini Neto, Lucas Montado Pasquali, Rogério Dornelles Maestri e Alexandre Beluco Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, RS, Brasil RESUMO. Os municípios do Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul são muito procurados nos meses de veraneio. Uma das conseqüências dessa sazonalidade populacional é uma grande diferença entre os consumos energéticos nos meses de verão e no resto do ano. Esses municípios encontram-se entre o litoral do Oceano Atlântico e a extremidade sul da Serra Geral, marcada por fortes desníveis topográficos e a existência de cânions (alguns deles protegidos no Parque Nacional dos Aparados da Serra), onde poderiam ser construídos reservató- rios para uma usina hidrelétrica reversível. Uma usina concebida desse modo e operando na região contribuiria para elevar o fator de capacidade das turbinas eólicas recentemente instaladas na região do município de Osório e para intensificar o uso de outros recursos energéticos renováveis. Este artigo pretende contribuir com a identi- ficação de três locais apropriados para a implantação de usina hidrelétrica reversível na extremidade sul da Serra Geral, como parte de processo para escolha de um local definitivo. É claro que o tema é polêmico, principalmen- te do ponto de vista ambiental, e que uma decisão final depende da avaliação de vários fatores. Palavras-chave: usinas hidrelétricas reversíveis, reservação hidráulica, energia eólica. TITLE. Three sites for implementation of reversible hydro plant in the south of the Aparados da Serra, on the north coast of the RS ABSTRACT. The cities of the north coast of Rio Grande do Sul are popular in summer months. One of the con- sequences of that populational seasonality is a great difference among the energy consumptions in the months of summer and in the rest of the year. Those cities are among the coast of Atlantic ocean and the south extremity of the Serra Geral, that is marked by strong topographical level differences and the existence of canyons (some of them protected in the Parque Nacional dos Aparados da Serra), where could be built reservoirs to a reversible power station. A reversible plant would contribute to improve the capacity factor of the wind turbines recently installed in the area and for the intensification of the use of other renewable energy resources. This article in- tends to contribute with the identification of three appropriate places for the implantation of reversible plant in the south extremity of the Serra Geral, as part of a process for choosing a final location. It is clear that the subject is controversial, mainly from an environmental standpoint, and that a final decision depends of the evaluation of several factors. Key words: reversible hydro plants, hydraulic storage, wind energy.

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TRÊS LOCAIS PARA IMPLANTAÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA REVERSÍVEL

AO SUL DOS APARADOS DA SERRA, NO LITORAL NORTE DO RS

José D’Agostini Neto, Lucas Montado Pasquali, Rogério Dornelles Maestri e Alexandre Beluco

Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO. Os municípios do Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul são muito procurados nos meses de

veraneio. Uma das conseqüências dessa sazonalidade populacional é uma grande diferença entre os consumos

energéticos nos meses de verão e no resto do ano. Esses municípios encontram-se entre o litoral do Oceano

Atlântico e a extremidade sul da Serra Geral, marcada por fortes desníveis topográficos e a existência de cânions

(alguns deles protegidos no Parque Nacional dos Aparados da Serra), onde poderiam ser construídos reservató-

rios para uma usina hidrelétrica reversível. Uma usina concebida desse modo e operando na região contribuiria

para elevar o fator de capacidade das turbinas eólicas recentemente instaladas na região do município de Osório

e para intensificar o uso de outros recursos energéticos renováveis. Este artigo pretende contribuir com a identi-

ficação de três locais apropriados para a implantação de usina hidrelétrica reversível na extremidade sul da Serra

Geral, como parte de processo para escolha de um local definitivo. É claro que o tema é polêmico, principalmen-

te do ponto de vista ambiental, e que uma decisão final depende da avaliação de vários fatores.

Palavras-chave: usinas hidrelétricas reversíveis, reservação hidráulica, energia eólica.

TITLE. Three sites for implementation of reversible hydro plant in the south of the Aparados da Serra,

on the north coast of the RS

ABSTRACT. The cities of the north coast of Rio Grande do Sul are popular in summer months. One of the con-

sequences of that populational seasonality is a great difference among the energy consumptions in the months of

summer and in the rest of the year. Those cities are among the coast of Atlantic ocean and the south extremity of

the Serra Geral, that is marked by strong topographical level differences and the existence of canyons (some of

them protected in the Parque Nacional dos Aparados da Serra), where could be built reservoirs to a reversible

power station. A reversible plant would contribute to improve the capacity factor of the wind turbines recently

installed in the area and for the intensification of the use of other renewable energy resources. This article in-

tends to contribute with the identification of three appropriate places for the implantation of reversible plant in

the south extremity of the Serra Geral, as part of a process for choosing a final location. It is clear that the subject

is controversial, mainly from an environmental standpoint, and that a final decision depends of the evaluation of

several factors.

Key words: reversible hydro plants, hydraulic storage, wind energy.

INTRODUÇÃO. As demandas energéticas dos municípios do Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul

apresentam uma forte sazonalidade, pelo aumento da população no período que vai de dezembro até março. Os

municípios que fazem parte do chamado “Litoral Norte”, que dista entre cem e duzentos quilômetros de Porto

Alegre, são Arroio do Sal, Capão da Canoa, Capivari do Sul, Caraá, Dom Pedro de Alcântara, Imbé, Mampituba,

Maquine, Morrinhos do Sul, Mostardas, Osório, Palmares do Sul, Pinhal, Riozinho, Rolante, Santo Antônio da

Patrulha, Tavares, Terra de Areia, Torres, Tramandaí, Três Cachoeiras, Três Forquilhas e Xangri-Lá. Esses mu-

nicípios totalizam pouco mais de trezentos e vinte mil moradores, segundo estimativas do IBGE para o ano de

2006 (IBGE, 2007), mas chegam a abrigar uma população mais de dez vezes maior nos meses de veraneio.

A região encontra-se entre o litoral do Oceano Atlântico, ao nível do mar portanto, e a Serra Geral, onde po-

dem ser encontrados fortes desníveis topográficos e altitudes compreendidas entre 350 e 900 metros. Essas con-

dições favorecem a instalação de pequenas centrais hidrelétricas a fio d’água ou mesmo de usinas hidrelétricas

reversíveis. O litoral do Rio Grande do Sul também apresenta potencial razoável para geração de energia a partir

de ondas, conforme discutido por Assis (2007).

Além disso, a região apresenta potencial eólico identificado no Átlas Eólico do Rio Grande do Sul (SEMC,

2002) e teve recentemente inauguradas três fazendas eólicas na região do município de Osório, totalizando

150MW de potência total instalada (Ventos do Sul, 2007), com 75 turbinas eólicas com 2MW cada e torres com

100m de altura.

O artigo de Beluco e Maestri (2002) sugere a implantação de usina hidrelétrica reversível no Litoral Norte do

Rio Grande do Sul, utilizando reservatórios na “base” e no “topo” da Serra Geral operando em conjunto com

turbinas eólicas distribuídas ao longo do litoral. Essas usinas reversíveis também podem operar em conjunto com

sistemas baseados em outros recursos energéticos renováveis.

As usinas hidrelétricas reversíveis consistem em usinas hidrelétricas equipadas com máquinas que podem

operar tanto para a geração de energia elétrica, turbinando a água contida em um reservatório superior, quanto

para a reservação de energia elétrica, bombeando novamente a água (turbinada) do reservatório inferior para o

superior, podendo também ser equipadas com bombas e com turbinas independentes.

Essas usinas mostram-se bastante adequadas para sistemas com tarifas diferenciadas em função do horário do

dia, bombeando durante a madrugada, quando a tarifa é mais barata, e turbinando nos horários de pico, aprovei-

tando melhores preços pela energia gerada. Operando em conjunto com sistemas baseados em energias alternati-

vas, as usinas reversíveis podem funcionar como bombas fora do veraneio, consumindo energia renovável dis-

ponível e não absorvida pelo sistema energético. Durante o veraneio podem funcionar como turbinas, consumin-

do a energia armazenada no reservatório superior, complementando a demanda exigida pelo sistema energético e

não atendida pelas turbinas eólicas.

As primeiras usinas reversíveis surgiram entre as guerras mundiais, na Itália, na Alemanha e na Suíça, e des-

de lá vêm sendo consideradas para reservação de energia sempre que existir diferenciação nas tarifas para os ho-

rários de pico. A literatura especializada descreve vários casos de utilização dessas usinas.

O trabalho de Spudulis e Vasilyev (1993), por exemplo, apresenta as principais características da usina rever-

sível de Kruonis, na Lituânia. A usina tem capacidade de 1.600MW, reservatório superior com volume de

40,9hm3, oito condutos de 7,5m de diâmetro e 845m de comprimento cada. O período de bombeamento variava

de seis a sete horas durante a madrugada, com carga máxima de 223MW por unidade e mais dois ciclos de três a

quatro horas durante manhã e tarde com capacidade variando entre 180MW e 200MW. Durante o restante do

tempo encontrava-se em stand by. Em 1993, a Lituânia possuía 2.500MW em usinas nucleares e 1.800MW em

usinas termelétricas, e a usina de Kruonis era fundamental para cobrir os horários de pico.

O trabalho de Cheng (1994) descreve cinco usinas reversíveis em operação na China. O autor relata que após

a reforma econômica de 1978, o crescimento no consumo doméstico de energia foi de 15% ao ano. Nos anos de

1986 a 1990, dobrou o consumo residencial e o aumento da iluminação pública ficou na faixa de 25%. Devido a

este grande crescimento em pouco tempo o fornecimento de energia em horários de pico ficou comprometido. A

solução adotada, devido a condicionantes locais, foi a construção de usinas reversíveis.

Uma usina reversível permite um melhor aproveitamento da disponibilidade de energia eólica e mesmo de

outros sistemas baseados em recursos energéticos renováveis. Usualmente, a energia média produzida por turbi-

nas eólicas conectadas a sistemas energéticos de médio e grande porte, segundo a Danish Wind Industry Associ-

ation (Danish Wind Industry Association, 2008), é equivalente usualmente a uma potência entre 25% e 30% da

potência instalada, podendo chegar a 70%. Essa proporção é o fator de capacidade. A empresa Ventos do Sul

opera as suas 75 turbinas eólicas no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, segundo Pedroso (2008), com um fator

de capacidade médio de 33%.

A operação de turbinas eólicas em conjunto com usinas reversíveis pode levar a um aproveitamento acima

desses valores, em função dos volumes de armazenamento. Nesse sentido, os trabalhos de Christinakis et alii

(2001) e de Theodoropoulos et alii (2001) avaliam o emprego de aproveitamentos híbridos eólicos hidrelétricos

nas ilhas gregas de Ikaria, Karpathos e Kithnos através de resultados obtidos em simulações computacionais. Os

autores simularam o funcionamento de sistemas híbridos, calculando o índice de falhas no atendimento a partir

de dados de disponibilidade energética, de dados de demanda e de uma estratégia de operação sugerida para o

sistema. A principal atividade econômica nessas ilhas é o turismo e o consumo energético nos meses de verão é

40% maior que no resto do ano. Os resultados indicaram um fator de capacidade para as turbinas eólicas consi-

derado bastante elevado, possível apenas devido às pequenas potências envolvidas.

O trabalho de Anagnostopoulos e Papantonis (2008) mostra a atualidade do assunto e indica que, para o caso

estudado, envolvendo uma fazenda eólica com potência instalada de 70MW em 2002 e previsão para 140MW

em 2011, seria possível aproveitar entre 40% e 60% da energia eólica disponível e não aproveitada, levando se-

guramente a um aumento do fator de capacidade. A usina reversível teria volume de reservação sugerido entre

50.000m3 e 70.000m

3.

A FIGURA 1 apresenta uma sugestão para utilização de usinas hidrelétricas reversíveis e reservatórios em

conjunto com turbinas eólicas (ou outros sistemas baseados em recursos energéticos renováveis) e com o sistema

energético interligado, conforme apresentado por Beluco e Maestri (2002).

Turbinas eólicas

Reservatórios

UHE(s)

Reversíveis

Sistema energético

FIGURA 1. Sugestão de esquema para utilização de usinas hidrelétricas reversíveis em conjunto com os reser-

vatórios para aumentar o fator de capacidade de turbinas eólicas. [Suggested scheme for the use of hydroelectric

power plants in conjunction with reversible reservoirs to increase the capacity factor of wind turbines.]

Nesse esquema, é necessário que os reservatórios sejam dimensionados para operação anual, considerando o

armazenamento de energia nos meses de baixo consumo e o turbinamento da água acumulada nos meses de ve-

raneio. Desse modo, o fator de capacidade das turbinas eólicas poderia ser razoavelmente elevado. Conforme a

operação da usina reversível e das turbinas eólicas e o consumo energético da região, esses elementos em con-

junto ainda podem eventualmente fornecer ou solicitar energia ao sistema energético.

Este artigo pretende contribuir com a identificação de três locais para o conjunto de reservatórios inferior e

superior para usina hidrelétrica reversível para a extremidade sul da Serra Geral, próximo aos municípios do Li-

toral Norte do Estado do Rio Grande do Sul. Também são apresentados dados de área alagada e de volume acu-

mulado em função da cota para os reservatórios dessas três alternativas.

A decisão por um desses sistemas ou por outros que sejam identificados em estudos futuros sobre o assunto

deve ser resultado de profundos estudos técnicos, econômicos e ambientais. Os locais identificados situam-se em

região de preservação ambiental, limitando bastante a viabilização do projeto. Por outro lado, um empreendi-

mento desse tipo contribuiria para a ampliação da geração de energia a partir de recursos renováveis. Evidente-

mente, esta nota técnica pretende lançar o tema para discussão.

OS TRÊS LOCAIS. O estudo de áreas para implantação dos reservatórios teve como ponto de partida uma bus-

ca em cartas do exército em escala 1:250.000. O passo seguinte foi a identificação mais detalhada das áreas já se-

lecionadas, agora em cartas do exército na escala 1:50.000, e a eliminação das alternativas consideradas menos

promissoras. Por fim, foi realizada uma visita a campo, permitindo conhecer os locais selecionados nas cartas.

Foram identificadas três áreas para implantação dos reservatórios, denominados daqui em diante respectiva-

mente como Sistema 1, Sistema 2 e Sistema 3. A FIGURA 2 apresenta as localizações dos reservatórios inferior

e superior desses três sistemas com três segmentos de reta vermelhos (os pontos nas extremidades superiores

dessas linhas localizam os reservatórios superiores). Essa figura foi elaborada com um excerto da carta “Grava-

taí”, em escala 1:250.000.

As figuras apresentadas nesta nota técnica, indicando a localização dos reservatórios, foram elaboradas a par-

tir da captura de imagens com scanner. A apresentação dessas figuras tem o objetivo de apenas localizar os sis-

temas propostos, sem a pretensão de garantir precisão cartográfica.

As próximas seções também fornecem, do QUADRO 1 ao QUADRO 3, as curvas de área alagada e de vo-

lume acumulado em função de cotas para os reservatórios desses três sistemas.

O SISTEMA 1. O Sistema 1 apresenta uma peculiaridade em relação aos outros dois conjuntos, já que a locali-

zação sugerida para o reservatório inferior permite na verdade a implementação de dois reservatórios indepen-

dentes.

O Sistema 1 é formado por um reservatório superior formado por uma barragem localizada em um dos con-

tribuintes do Arroio Chuvisqueiro e por dois reservatórios inferiores formados por barragens localizadas no Rio

Rolante e no Arroio Chuvisqueiro, conforme mostrado na FIGURA 3. Essas duas figuras foram elaboradas com

excertos da carta “Barra do Ouro”, em escala 1:50.000.

O QUADRO 1 apresenta valores de área alagada e de volume acumulado em função da cota para os reserva-

tórios superior e inferior deste sistema.

QUADRO 1. Área alagada e volume acumulado em função da cota para os reservatórios superior (à esquerda) e

inferior (à direita) do Sistema 1 ou Sistema Chuvisqueiro. [Flooded area and cumulative volume of quota accord-

ing to the upper reservoir (left) and bottom (right) System 1 or System Chuvisqueiro.]

Cota

[m]

Área

[103m

2]

Volume

[hm3]

480 2,7 0,00

500 42,4 0,45

520 71,0 1,59

540 126,9 3,56

560 228,6 7,12

580 325,5 12,66

600 483,1 20,75

620 623,5 31,81

640 853,9 46,59

660 1258,8 67,71

680 1646,6 96,77

700 1646,6 129,70

Cota

[m]

Área

[103m

2]

Volume

[hm3]

100 1040,8 0,00

120 1522,1 25,63

140 2396,4 64,81

150 3276,6 93,18

160 4766,7 133,40

180 5626,7 237,33

200 6827,5 361,87

FIGURA 2. Localização dos três conjuntos de reservatórios, identificados pelos três segmentos em vermelho.

Os pontos nas extremidades localizam os reservatórios. Os pontos superiores localizam os reservatórios superio-

res. As linhas amarelas identificam as linhas de transmissão. [Location of the three sets of reservoirs, identified

by three line segments in red. The points at the ends locate the reservoirs. The top points locate the superior res-

ervoirs. Yellow lines identify the transmission lines closer.]

Sistema 1

Sistema 2

Sistema 3

Na medida em que o reservatório superior e um dos reservatórios inferiores se localizam no Arroio Chuvis-

queiro, este sistema também pode ser denominado como Sistema “Chuvisqueiro”.

FIGURA 3. Reservatório superior (à esquerda) e reservatórios inferiores (à direita) do Sistema 1 ou Sistema

Chuvisqueiro. [Top (left) and lower reservoirs (right) System 1 or System Chuvisqueiro.]

Observa-se nas duas figuras que a localização dos reservatórios coincide com a localização de uma quantida-

de razoável de estradas e de residências, conforme locadas no mapa elaborado a partir de fotografias aéreas de

1975. Uma situação que não sofreu modificações consideráveis, conforme foi verificado em visita ao local.

Observa-se no QUADRO 1 que seria necessária uma barragem com altura considerável, da ordem de 60 me-

tros, para se alcançar um volume acumulado razoável. Observa-se também que pequenas alturas para a barragem

estão associadas a grandes volumes acumulados, mas também estão associados a grandes áreas alagadas e a bar-

ramentos de grandes dimensões. Evidentemente, maiores volumes de reservação e maiores áreas alagadas difi-

cultam a viabilização do projeto.

A FIGURA 4 mostra uma vista do local dos reservatórios inferiores do sistema e a área prevista para o bar-

ramento.

FIGURA 4. Registro feito no pé das barragens dos reservatórios inferiores do Sistema 1, à esquerda, onde é pos-

sível analisar as condições atuais do local. Vista da área da barragem do reservatório inferior do Sistema 1, onde

é possível registrar o terreno rochoso e acentuado. [Record made at the base of the dams of the reservoirs below

the System 1 (left). View from the dam area of the lower reservoir of System 1 (right).]

O desnível entre as cotas correspondentes a volume acumulado zero é de 380 metros. Considerando a locali-

zação da casa de máquinas próxima à base das barragens dos reservatórios inferiores, é possível avaliar em torno

de 10km o comprimento necessário para as tubulações.

O SISTEMA 2. O Sistema 2 é o que fica mais distante do sistema atual das linhas de transmissão, conforme vis-

to na FIGURA 2. Entretanto, este sistema permite a ligação dos dois reservatórios com o menor comprimento de

tubulação entre as três alternativas, apesar da necessidade de um trecho dessa ligação ser subterrânea, já que os

reservatórios inferior e superior pertencem a sub bacias hidrográficas distintas.

O Sistema 2 é constituído por um reservatório superior formado por uma barragem localizada no Arroio da

Forqueta e por um reservatório inferior formado por uma barragem localizada no Arroio Encantado. A FIGURA

5, elaborada com um excerto da carta “Maquiné”, em escala 1:50.000, apresenta a localização deste sistema.

Como o reservatório inferior fica localizado no Arroio Encantado e o superior no Arroio Forqueta, este sis-

tema também pode ser denominado como Sistema “Encantado-Forqueta”.

As duas barragens foram locadas em posições que representassem impactos menores em termos de infra es-

trutura, não englobando em suas áreas alagadas quaisquer obras de viação ou residências ou outras edificações,

conforme mostrado na carta do Exército utilizada, elaborada a partir de fotografias aéreas de 1975. Essa região

também não sofreu modificações consideráveis, conforme pôde ser observado em visita ao local.

FIGURA 5. Reservatórios do Sistema 2 ou Sistema Encantado-Forqueta. O reservatório inferior aparece mais

abaixo, à esquerda, enquanto o reservatório superior aparece mais acima. [Reservoir System 2 or System Encan-

tado-Forqueta. The lower reservoir appears below, left, while the upper reservoir appears above.]

O QUADRO 2 apresenta valores de área alagada e de volume acumulado em função da cota para os reserva-

tórios superior e inferior deste sistema.

O desnível entre as cotas correspondentes a volume acumulado zero é de 640 metros. Considerando a locali-

zação da casa de máquinas próxima à base das barragens dos reservatórios inferiores, como foi considerado na

seção anterior, é possível avaliar em torno de 4.200m o comprimento necessário para as tubulações.

O trabalho de D’Agostini Neto et alii (2005), que gerou a identificação dos três locais apresentados nesta no-

ta técnica, apresenta ainda algumas simulações de utilização deste Sistema 2, em conjunto com turbinas eólicas

com características e potência instalada semelhantes às das turbinas instaladas na região de Osório, e mostra que

um volume de acumulação em torno de 2,25hm3 seria suficiente para atendimento de uma demanda com as ca-

racterísticas da demanda dos municípios do Litoral Norte ao longo de um ano.

QUADRO 2. Área alagada e volume acumulado em função da cota para os reservatórios superior (à esquerda) e

inferior (à direita) do Sistema 2 ou Sistema Encantado-Forqueta. [Flooded area and cumulative volume of quota

according to the upper reservoir (left) and bottom (right) System 2 or System Encantado-Forqueta.]

Cota

[m]

Área

[103m

2]

Volume

[hm3]

840 36,5 0,00

850 121,4 0,79

860 228,8 2,54

880 356,4 8,39

900 634,5 18,30

Cota

[m]

Área

[103m

2]

Volume

[hm3]

200 66,8 0,00

220 161,4 2,28

240 284,2 6,74

250 475,7 10,54

260 610,7 15,97

263 638,0 17,84

280 792,7 30,00

A FIGURA 6 mostra a área prevista para implantação do barramento para o reservatório inferior deste siste-

ma.

FIGURA 6. À esquerda, vista do entorno do local sugerido para o barramento do reservatório inferior do Siste-

ma 2, mirando para montante. À direita, vista do entorno do local sugerido para o barramento do reservatório in-

ferior do Sistema 2, mirando para jusante. [Left, view of the surrounding of the suggested location for the lower

reservoir of System 2, looking upstream. On the right, view of the surrounding of the suggested location for the

lower reservoir of the System 2, looking downstream.]

O trabalho de D’Agostini Neto et alii (2005) levou em consideração os valores de tarifa cobrada nos horários

adequados para bombeamento de água, durante a madrugada, e de PAgamento pela energia fornecida nos horá-

rios de pico. Além disso, também considerou a disponibilidade de energia eólica na região e a sazonalidade no

consumo energético no Litoral Norte. O trabalho mostra também que o Sistema 2, operando interligado ao sis-

tema energético, complementaria o atendimento ao Litoral Norte e forneceria energia ao sistema.

Esse volume de acumulação, conforme os dados apresentados no QUADRO 2, poderia ser obtido com bar-

ramentos com 20m de altura. Conforme a FIGURA 5, esses barramentos exigiriam obras civis de pequenas di-

mensões.

Esta alternativa por um lado se apresenta como a mais viável das três, pelo menor comprimento de ligação

entre os reservatórios e os menores volumes de reservação. Por outro lado, se apresenta possivelmente como a

mais polêmica, por envolver a conexão de reservatórios situados em bacias hidrográficas vizinhas.

O SISTEMA 3. O Sistema 3 é constituído por um reservatório superior e um reservatório inferior formados por

barragens localizadas no Arroio Linha Sete. O reservatório inferior deste sistema possui um abastecimento natu-

ral que não deve ser desprezado. Esse abastecimento dos reservatórios pode representar uma quantidade adicio-

nal de água que pode ser turbinada nos horários de pico.

A FIGURA 7, elaborada com um excerto da carta “Maquiné”, em escala 1:50.000, mostra os reservatórios

desse conjunto. Como os dois reservatórios ficam localizados no Arroio Linha Sete, este sistema pode ser deno-

minado como “Linha Sete”.

FIGURA 7. Reservatórios do Sistema 3 ou Sistema Linha Sete. O reservatório inferior aparece mais abaixo, à

esquerda, enquanto o reservatório superior aparece mais acima, à direita. [Reservoir of the System 3 or System

Linha Sete. The lower reservoir appears below, left, while the upper reservoir appears above, right.]

Observa-se nessa figura que o reservatório superior não apresenta impactos sobre obras de infra estrutura,

enquanto o reservatório inferior apresenta um impacto razoável, cobrindo várias edificações, conforme mostrado

na carta elaborada a partir de fotografias aéreas de 1975. A ocupação desses locais não sofreu alterações signifi-

cativas, como pôde ser observado em visita à região.

O QUADRO 3 apresenta valores de área alagada e de volume acumulado em função da cota respectivamente

para o reservatório superior e para o reservatório inferior do Sistema 3.

QUADRO 3. Área alagada e volume acumulado em função da cota para os reservatórios superior (à esquerda) e

inferior (à direita) do Sistema 3 ou Sistema Linha Sete. [Flooded area and cumulative volume of quota according

to the upper reservoir (left) and bottom (right) System 3 or System Linha Sete.]

Cota

[m]

Área

[103m

2]

Volume

[hm3]

820 19,0 0,00

840 131,8 1,51

850 277,0 3,55

860 433,1 7,10

880 717,5 18,61

900 988,4 35,67

Cota

[m]

Área

[103m

2]

Volume

[hm3]

250 8,4 0,00

260 27,1 0,18

280 57,1 1,02

300 94,0 2,53

320 176,1 5,23

340 308,1 10,08

350 430,9 13,77

360 561,2 18,73

380 740,1 31,74

385 948,1 35,96

O desnível entre as cotas correspondentes a volume acumulado zero é de 570 metros. Considerando a locali-

zação da casa de máquinas próxima à base das barragens dos reservatórios inferiores, é possível avaliar em torno

de 4500m o comprimento necessário para as tubulações.

O volume apresentado pelo trabalho de D’Agostini Neto et alii (2005) para um dimensionamento dos reser-

vatórios visando operação anual, conforme comentado na seção anterior, seria alcançado no reservatório superior

com um barramento com cerca de 25m de altura, mas exigiria para o reservatório inferior um barramento com

50m de altura. A FIGURA 7, entretanto, mostra que essas obras não assumiriam dimensões econômica e/ou tec-

nicamente inviáveis. Evidentemente, exigem estudos de viabilidade.

A FIGURA 8 (a) mostra o local para o barramento do reservatório inferior. A FIGURA 8 (b) mostra uma vis-

ta do vale a jusante do local sugerido para o reservatório superior.

FIGURA 8. À esquerda, forte declive observado no local da barragem do reservatório inferior do Sistema 3. À

direita, vista do vale do Arroio Linha Sete a partir do local sugerido para o reservatório superior do Sistema 3.

[On the left, steep slopes observed in the location of the dam of the bottom reservoir of the System 3. On the

right, view of the valley of Linha Sete River, suggested location for the upper reservoir of the System 3.]

Este sistema permitiria facilmente a expansão da capacidade de armazenamento com a utilização de reserva-

tórios intermediários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS. Este artigo apresentou três locais apropriados para o conjunto de reservatórios

inferior e superior para usina hidrelétrica reversível para a extremidade sul da Serra Geral, ao sul do Parque dos

Aparados da Serra, próximo aos municípios do Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul. Também foram

apresentados dados de área alagada e de volume acumulado em função da cota para os reservatórios das três al-

ternativas.

A decisão pela construção de uma usina hidrelétrica reversível e a escolha definitiva de um local para im-

plantação dessa usina ainda depende obviamente de estudos mais aprofundados, envolvendo trabalho de campo e

de escritório, considerando questões desde a geologia dos locais apresentados neste trabalho até a inserção dessa

usina no sistema energético e sua operação em conjunto com sistemas baseados em recursos energéticos renová-

veis, passando pela avaliação criteriosa dos impactos ambientais.

É importante ressaltar que a avaliação das viabilidades técnica, econômica e ambiental de um empreendimen-

to desse tipo deve considerar obrigatoriamente também a sua contribuição como elemento compensador da sazo-

nalidade do consumo energético da região e a sua contribuição na viabilização de pequenos e médios (e mesmo

de grandes) aproveitamentos baseados em recursos energéticos renováveis.

Esta nota técnica pretende lançar o assunto para discussão, com a consciência de que o tema proposto é bas-

tante polêmico. Por um lado, a construção de uma usina reversível em área de preservação ambiental, possivel-

mente unindo reservatórios em duas bacias hidrográficas; pelo outro, um empreendimento que viabilizaria um

melhor aproveitamento dos recursos renováveis disponíveis na região.

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