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Maria do Rosário Rocha AUTO DA BARCA DO INFERNO DE GIL VICENTE TÍTULO: A obra intitula-se Auto da Barca do Inferno, porque a maioria das personagens embarca na barca do Diabo. CLASSIFICAÇÃO DA OBRA: A obra é um auto de moralidade, porque revela os vícios, os defeitos e os costumes da época de Quinhentos, criticando-os de modo a moralizar a sociedade. ASSUNTO: O auto apresenta a dualidade BEM / MAL, simbolizada pelas personagens alegóricas, ANJO e DIABO, as quais se encontram na respectiva BARCA, atracada no CAIS. Aqui surgem várias ALMAS que, através do diálogo com o Anjo e /ou o Diabo, expõem a sua vida, carregada de vícios, o que as leva à condenação. SIMBOLOGIA DO CENÁRIO: Cais - representa o tribunal no qual somos julgados segundo o nosso comportamento enquanto vivos. Barcas - simbolizam a partida para o outro mundo; Rio - simboliza a divisão e a transição entre este mundo e o outro. PERSONAGENS: Anjo / Diabo: Semelhanças Diferenças São personagens alegóricas; Nenhum deles tenta recuperar as personagens que entram em cena; Ambos avaliam o tipo de vida das personagens, realçando os aspectos negativos (na generalidade); Ambos têm uma única função: condenar (Diabo) ou salvar (Anjo). Diabo: espera um grande número de passageiros, por isso enfeita a barca _ “Põe bandeiras, que é festa”; Anjo: Confiante de que não terá muita gente _ “(…) veremos se vem alguém/ merecedor de tal bem (…); Diabo: linguagem sarcástica, irónica, zombeteira, crítica, agressiva e, por vezes, chocante; Anjo: sóbrio na linguagem e nos gestos; Diabo: Lembra às personagens que o destino já se encontra traçado, referindo os seus vícios; Anjo: o julgamento é definitivo. LÍNGUA PORTUGUESA _ 9º ANO FICHA DE SISTEMATIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS

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Page 1: Sist Auto Barca

Maria do Rosário Rocha

AUTO DA BARCA DO INFERNO DE GIL VICENTE TÍTULO: A obra intitula-se Auto da Barca do Inferno, porque a maioria das personagens embarca na barca do Diabo. CLASSIFICAÇÃO DA OBRA: A obra é um auto de moralidade, porque revela os vícios, os defeitos e os costumes da época de Quinhentos, criticando-os de modo a moralizar a sociedade. ASSUNTO: O auto apresenta a dualidade BEM / MAL, simbolizada pelas personagens alegóricas, ANJO e DIABO, as quais se encontram na respectiva BARCA, atracada no CAIS. Aqui surgem várias ALMAS que, através do diálogo com o Anjo e /ou o Diabo, expõem a sua vida, carregada de vícios, o que as leva à condenação. SIMBOLOGIA DO CENÁRIO:

• Cais - representa o tribunal no qual somos julgados segundo o nosso comportamento enquanto vivos.

• Barcas - simbolizam a partida para o outro mundo; • Rio - simboliza a divisão e a transição entre este mundo e o outro. PERSONAGENS: Anjo / Diabo:

Semelhanças Diferenças • São personagens alegóricas; • Nenhum deles tenta recuperar as personagens que entram em cena;

• Ambos avaliam o tipo de vida das personagens, realçando os aspectos negativos (na generalidade);

• Ambos têm uma única função: condenar (Diabo) ou salvar (Anjo).

• Diabo: espera um grande número de passageiros, por isso enfeita a barca _ “Põe bandeiras, que é festa”; Anjo: Confiante de que não terá muita gente _ “(…) veremos se vem alguém/ merecedor de tal bem (…);

• Diabo: linguagem sarcástica, irónica, zombeteira, crítica, agressiva e, por vezes, chocante;

Anjo: sóbrio na linguagem e nos gestos; • Diabo: Lembra às personagens que o destino já se encontra traçado, referindo os seus vícios;

Anjo: o julgamento é definitivo.

LÍNGUA PORTUGUESA _ 9º ANO

FICHA DE SISTEMATIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS

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Maria do Rosário Rocha

Personagens-tipo:

Semelhanças Diferenças • Grande apego aos bens materiais e

ao seu tipo de vida (excepções. Parvo, Cavaleiros);

• Não existe um arrependimento real, embora, por vezes, haja uma tomada de consciência do erro;

• Visão deturpada da religião;

• Fazem-se acompanhar de símbolos cénicos (excepção: Parvo).

• Percurso cénico;

• Representatividade dos símbolos.

Relações entre as personagens:

• Joane / Diabo: a ingenuidade do Parvo estanca a veia satírica e paralisa a agressividade do Diabo.

• Joane / Anjo: o Parvo tem uma atitude de humildade e simplicidade.

• Alcoviteira / Diabo: trata-o com rispidez e secura, pois acredita que não vai para o Inferno.

• Diabo / Alcoviteira: é irónico.

• Alcoviteira / Anjo: tenta seduzir o Anjo, utilizando uma linguagem bajuladora.

• Anjo / Alcoviteira: trata-a rudemente, menosprezando-a. Tem ainda uma atitude de indiferença.

• Alcoviteira / Corregedor: recebe-o mal, porque, em vida, a mandara açoitar.

• Cavaleiros / Diabo: o segundo fica surpreendido com a segurança dos cruzados. Por sua vez, estes reagem com arrogância à interpelação do Diabo, achando-a ousada.

TEMPO: Situando-se num plano extra terreno, a acção não apresenta uma evolução cronológica. CRÍTICA: Nesta peça, Gil Vicente denuncia os vícios da sociedade portuguesa quinhentista, segundo o lema latino ridendo castigat mores, isto é, a rir se corrigem os costumes. Assim, são criticados:

• A falsa prática religiosa;

• A corrupção da justiça;

• O judaísmo;

• A exploração;

• A tirania,

• A ganância;

• A vaidade;

• Desregramento sexual;

• A ostentação;

• Desprezo pelos humildes;

• A ignorância e a credulidade;

• A frivolidade.

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Maria do Rosário Rocha

INCONGRUÊNCIAS DA PEÇA:

• Florença não fala durante a cena, nem é julgada; contudo, entra na barca do inferno;

• O Parvo, apesar de ser inculto, fala latim macarrónico. ESTRUTURA EXTERNA: Os textos dramáticos organizam-se, habitualmente, em actos que contêm diversas cenas. Tal não acontece no Auto da Barca do Inferno, embora não seja difícil dividir em cenas esta peça de Gil Vicente. Assim, temos as seguintes cenas:

• Introdutória: diálogo entre o Diabo e o Companheiro (cena curta)

• Fidalgo (cena longa);

• Onzeneiro (cena curta);

• Parvo (cena curta);

• Sapateiro (cena curta);

• Frade (cena longa);

• Alcoviteira (cena curta);

• Judeu (cena curta);

• Corregedor e Procurador (cena longa);

• Enforcado (cena curta);

• Cavaleiros (cena curta).

A estrutura repetitiva da peça é quebrada por:

• Cenas longas intercaladas com cenas curtas;

• Introdução de irregularidades e assimetrias: cantos do Diabo e do Frade, o Frade a dançar, aparelhamento da barca do inferno, ordens dadas pelo diabo ao Companheiro.

A peça é constituída por oitavas, com versos em redondilha maior, seguindo o esquema rimático abbaacca. ESTRUTURA INTERNA: Cada cena, excepto a inicial, apresenta as três partes clássicas:

• Exposição: breve apresentação da personagem; • Conflito: interrogatório feito pelo Diabo e pelo Anjo; • Desenlace: atribuição da sentença.

O CÓMICO: Cómico de carácter:

• A loucura de Joane e a inconsciência dos seus actos e das suas palavras.

• Um frade dançarino e enamorado (desajuste entre o que a personagem deveria ser e a realidade)

Cómico de linguagem:

• Uso do calão

• Frases desconexas proferidas por Joane

• As respostas absurdas de Joane

• Ironia

• Latim macarrónico

• Falas de Brísida Vaz

Page 4: Sist Auto Barca

Maria do Rosário Rocha

Cómico de situação: • O Fidalgo que entra em cena presunçoso e seguro da sua salvação • Surpresa do Onzeneiro ao ver o Fidalgo na Barca do Inferno • Um frade que canta, dança e se faz acompanhar de uma moça • Lição de esgrima que o Frade dá ao Diabo • Encontro do Corregedor com Brísida Vaz na Barca do Inferno

LINGUAGEM: A linguagem apresenta-se como um meio caracterizador das personagens, dos estatutos, das profissões, dos vícios, dos destinos, etc. Assim, Joane utiliza uma linguagem indecorosa, injuriosa, rude e agressiva; a do Sapateiro é desbragada e rude, registando-se a presença de alguns tecnicismos (“badana”, “cordovão”, etc.); o interesse que o Frade demonstra pela esgrima está patente nos termos técnicos a que recorre com frequência; a Alcoviteira apresenta uma linguagem ambígua e deturpada, invertendo o sentido das palavras que se encontram nos textos religiosos; o Judeu recorre ao calão; o Corregedor usa o latim. A linguagem transmite ainda o tom irónico e zombeteiro do Diabo, contrapondo-o ao ar calmo e austero do Anjo. Como recursos estilísticos, há que realçar a ironia, o eufemismo e o recurso a trocadilhos. Aspectos medievais e renascentistas da obra: Aspectos Medievais Aspectos Renascentistas

• Inexistência de uma divisão externa (actos e cenas) da peça;

• Uso da redondilha maior;

• Concepção religiosa da vida humana (ideia do Juízo Final).

• Existência de uma exposição, de um conflito e de um desenlace;

• Dimensão crítica da peça.

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"AUTO DA BARCA DO INFERNO" QUADRO SÍNTESE

Personagens em

Julgamento

Símbolos cénicos

Classes Sociais

Acusações Defesa Caracterização Percurso cénico Outras personagens

Alegóricas Figurantes

Fidalgo Pajem, manto, cadeira

Nobreza

Vida imoral; vida de prazer; tirania; vaidade

Estatuto social; tem quem reze pela sua alma

Nobre, tirano, vaidoso, convencido

Cais> Barca do Inferno> Barca da Glória> entra na Barca do Inferno

Diabo Anjo

Companheiro do Diabo, Pajem

Onzeneiro Bolsão Povo

Só pensava no dinheiro; vida imoral; avarento; viveu do lucro desenfreado e do juro excessivo

Levava o saco vazio

Convencido, avarento

Cais> B.I.> B.G> entra na B.I.

Diabo Anjo

Parvo (Joane)

Joane não se faz acompanhar de símbolos cénicos, porque representa algo imaterial _ a ausência de malícia. Há ainda quem justifique este facto, afirmando apenas que o Parvo não representa um vício concreto.

Povo

O Anjo afirma que Joane não errou por malícia. Na realidade, ele é destituído de senso, por isso não se lhe pode imputar responsabilidade pelos seus actos.

Crítico, idiota, ingénuo, humilde, simples, cómico, irresponsável

Cais> B.I.> BG> cais (onde fica a aguardar alguém merecedor de entrar na BG)

Diabo Anjo

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Maria do Rosário Rocha

Personagens em

Julgamento

Símbolos cénicos

Classes Sociais

Acusações Defesa Caracterização Percurso cénico

Outras personagens

Alegóricas Figurantes

Sapateiro (Joanantão)

Avental, várias formas

Povo (artesãos)

Morreu excomungado; roubou o povo; praticou a falsa confissão; foi desonesto; nunca indemnizou os clientes

Morreu confessado e comungado; ouviu missas, ofereceu donativos à Igreja; assistiu à hora dos finados.

Viveu para as aparências, ladrão, mentiroso, desonesto

Cais> B.I.> B.G.> entra na B.I.

Diabo Anjo

Frade Broquel, espada, casco, capelo e hábito, moça

Clero

Corrupção moral; frade amancebado; mundano

Os outros também praticam a corrupção; confiante nas orações e no estatuto; enamorado; virtuoso

Leviano, ocioso, licencioso, brigão, enamorado, dançarino

Cais> BI.> B.G.> entra na B.I.

Diabo Anjo

Moça (Florença)

Page 7: Sist Auto Barca

Maria do Rosário Rocha

Personagens em

Julgamento

Símbolos cénicos

Classes Sociais

Acusações Defesa Caracterização Percurso cénico Outras personagens

Alegóricas Figurantes

Alcoviteira (Brísida* Vaz)

* ou Brízida

600 virgos postiços, 3 arcas de feitiços, 3 armários de mentir, 5 cofres de mexericos, furtos alheios, jóias de vestir, guarda-roupa, casa movediça, estrado de cortiça, 2 almofadas, moças

Povo

Levava uma vida imoral, dedicando-se à prostituição (desencaminhava jovens), à fraude / impostura, à feitiçaria e ao furto

Foi mártir; levou açoites; sofreu tormentos; dava moças a molhos; criava as meninas para os cónegos da sé; é apostolada; é semelhante a um anjo; converteu muitas cachopas; arranjou marido para todas as raparigas; dormia pouco

Falsa, meretriz, descarada, astuciosa, hipócrita, ladra, mentirosa

Cais> B.I.> B.G.> entra na B.I.

Diabo Anjo

Companheiro do Diabo; Moças

Judeu (Semifará ?)

Bode Judeu

Mijou na Igreja; comia carne no dia de N. Sr.; "ruim pessoa"; roubou o bode

Tem direito a passar pelo dinheiro que tem; tem o mesmo direito que a Alcoviteira

Avarento, julga que o dinheiro compra tudo

Cais> B.I (vai à toa)

Diabo

Page 8: Sist Auto Barca

Maria do Rosário Rocha

Personagens em

Julgamento

Símbolos cénicos

Classes Sociais

Acusações Defesa Caracterização Percurso cénico Outras personagens

Alegóricas Figurantes

Corregedor Carregado de processos, vara

Burguesia/Nobreza

(magistrado)

Deixou-se subornar; julgou com malícia; explorou os lavradores; não confessou tudo ao padre

Confiante no seu estatuto; trabalhou muito; julgou com justiça e imparcialidade; os subornos eram um pecado da sua mulher.

Corrupto, mentiroso, parcial

Cais> B.I.> B.G.> e entra na B.I.

Diabo Anjo

Procurador Carregado de livros

Povo/ pequena burguesia (magistrado)

Não se confessou; roubou coelhos e pernas de perdigotos

Confiava em Deus; não teve tempo para se confessar

Bacharel, crente em Deus, ladrão

Cais> B.I.> B.G.> entra na B.I.

Diabo Anjo

Enforcado Corda no pescoço

Povo

Bem-aventurado em morrer dependurado; fez bons feitos; o Senhor o escolheu para seu bem

Crédulo, ignorante, ingénuo

Cais> Entra na B.I.

Diabo

Page 9: Sist Auto Barca

Maria do Rosário Rocha

Personagens em

Julgamento

Símbolos cénicos

Classes Sociais

Acusações Defesa Caracterização Percurso cénico Outras personagens

Alegóricas Figurantes

4 Cavaleiros Cruz de Cristo, espadas, escudos

Nobreza (Cruzados)

Lutaram e morreram por Deus; morreram nas terras dos mouros; estão livres de todo mal

Cais> entram na B.G.

Diabo Anjo