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Departamento de Assuntos Económicos e Sociais World Economic and Social Survey 2009 Promover o Desenvolvimento, Salvar o Planeta Síntese Versão portuguesa United Nations New York, 2009

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Page 1: Síntese - UNRIC Brussels · nacional sobre Alterações Climáticas: Riscos Globais, Desafios e Decisões, Copenhaga, 10 a 12 de Março de 2009. 3 Uma gigatonelada equivale a mil

Departamento de Assuntos Económicos e Sociais

World Economic and Social Survey 2009

Promover o Desenvolvimento, Salvar o Planeta

SínteseVersão portuguesa

United NationsNew York, 2009

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Síntese

Cabe a todos combater as alterações climáticas

A principal mensagem do estudo A Situação Económica e Social no Mundo 2009 é que o combate às alterações climáticas exige esforços muito mais vigorosos de redução das emissões, por parte dos países avançados. O facto de, quanto a este aspecto, se ter perdido mais de uma década, desde a adopção do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas1, apenas torna mais urgentes esses esforços. No entanto, mesmo que os países avançados comecem a transformar as palavras em actos, os seus esforços, só por si, não serão suficientes para combater as alterações climáticas. A participação activa dos países em desenvolvimento passou agora a ser necessária e essa par-ticipação só será possível se permitir um crescimento e um desenvolvimento económicos rápidos e sustentáveis.

O presente estudo sustenta que é não só necessário como viável fazer a transição para uma via caracterizada por baixos níveis de emissões e um crescimento rápido. É necessário porque não será possível combater o aque-cimento global sem reduções das emissões por parte dos países desenvolvidos. É viável porque existem efectivamente soluções tecnológicas susceptíveis de per-mitir a transição para esse tipo de via. Não se trata, porém, de uma transição inevitável nem insignificante, mas sim de algo que exigiria ajustamentos sem pre-cedentes e potencialmente muito dispendiosos nos países em desenvolvimento – além disso, ajustamentos que teriam de ser feitos num mundo em que abundam mais desigualdades do que em qualquer outro período da história humana. Para que a transição se concretize, será necessário um nível de apoio e solidariedade internacionais raramente conseguido sem ser em tempo de guerra.

Segundo o estudo, essa transformação depende de se estabelecer um New Deal mundial capaz de elevar os níveis de investimento e canalizar recursos para acções destinadas a reduzir o teor de carbono dos produtos da actividade económica e aumentar a resiliência em relação a alterações climáticas inevitáveis. A maioria dos países em desenvolvimento não possui actualmente os recursos financeiros, os conhecimentos tecnológicos nem a capacidade institucional ne-cessários para adoptar esse tipo de estratégias a um ritmo compatível com a urgên-cia das alterações climáticas. O facto de não se estarem a respeitar compromissos

1 United Nations, Treaty Series, vol. 2303, N.º 30822.

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de longa data em matéria de apoio internacional naquelas três áreas continua a ser o maior obstáculo à superação deste desafio. São necessárias acções mais arrojadas em todas as frentes.

O estudo sustenta que, dadas as responsabilidades comuns mas di-ferenciadas, a transição exigirá que a política climática seja abordada de formas diferentes nos países em desenvolvimento e nos países desenvolvidos. Exigirá, em particular, que se defina um novo conjunto de prioridades para as políticas públicas – um conjunto de prioridades que se concentre numa ampla combina-ção de medidas baseadas no mercado e não baseadas no mercado, dando simul-taneamente muito mais destaque do que tem acontecido nos últimos anos ao investimento público e a políticas industriais eficazes, a serem geridas por um Estado desenvolvimentista. Nos países desenvolvidos, essa combinação de medi-das implicará, provavelmente, atribuir um papel mais importante aos mercados do carbono e aos impostos e regulamentos relacionados com o carbono.

Por último, haverá que levar muito mais a sério as questões de con-fiança e de justiça, de modo a assegurar que sejam adoptadas soluções justas e inclusivas para superar os desafios do clima. O estudo argumenta que um factor determinante do êxito será a capacidade de os países desenvolvidos e em de-senvolvimento criarem um quadro mais integrado e programas conjuntos, com objectivos comuns, nomeadamente, nos domínios da adaptação aos efeitos do clima, silvicultura, energia (incluindo acesso à mesma) e erradicação da pobreza, em vez de optarem por uma parceria independente ou condicional.

Projecções e princípios

O desafio do clima para os países em desenvolvimento

Mesmo que o fluxo anual de emissões estabilizasse ao nível de hoje, a quantidade de emissões de gases com efeito de estufa presentes na atmosfera em 2050 seria o dobro do nível pré-industrial, o que significa que haveria uma grande probabi-lidade de se registarem aumentos perigosos da temperatura, com consequências económicas e políticas potencialmente desestabilizadoras. As conclusões mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) sugerem o seguinte:

No caso de muitos parâmetros, o clima já ultrapassou as tendências de variabilidade normal dentro das quais a nossa sociedade e a nossa economia se têm desenvolvido e prosperado. Entre esses parâmetros incluem-se a temperatura média da superfície terrestre, a subida dos níveis do mar, a dinâmica dos oceanos e das camadas de gelo,

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a acidificação dos oceanos e os eventos meteorológicos extremos. Há um risco considerável de muitas das tendências se acelerarem, conduzindo a um risco acrescido de transições climáticas abruptas ou irreversíveis.2

À luz destas informações, o estudo reconhece um aumento máximo da temperatura de 2 ºC acima dos níveis pré-industriais como meta para a esta-bilização das concentrações de carbono a um nível susceptível de impedir uma interferência antropogénica perigosa no sistema climático. Isto corresponde a uma meta de concentração de gases com efeito de estufa (em termos de equiva-lentes de dióxido de carbono (CO2 eq.) situada entre 350 e 450 partes por milhão (ppm) e a reduções mundiais das emissões da ordem dos 50% a 80% em relação aos níveis de 1990, até 2050. Em termos de emissões reais, isto equivaleria a reduzir os actuais volumes de aproximadamente 40 gigatoneladas de dióxido de carbono (Gt CO2) para volumes situados entre 8 a 20 Gt CO2 até 2050.3

Esta situação deve-se a mais de dois séculos de crescimento sem pre-cedentes e de subida dos níveis de vida impulsionados por uma quantidade cada vez maior de serviços energéticos de qualidade crescente. As fontes tradicionais de energia (biomassa) foram inicialmente substituídas pelo carvão e, a partir da década de 1900, pelo petróleo. Hoje em dia, as fontes de energia fóssil satisfazem cerca de 80% do total das necessidades de energia.

Contudo, as actividades que utilizam aqueles serviços encontram-se distribuídas muito irregularmente, dando origem a disparidades de rendimento acentuadas entre os países desenvolvidos e o mundo em desenvolvimento e a enormes disparidades económicas e sociais a nível mundial (Figura 1). Além disso, devido a estas desigualdades de desenvolvimento, desde 1950, os países avançados têm sido responsáveis por aproximadamente três quartos do aumento das emissões, apesar de representarem menos de 15% da população mundial.

Assim sendo, a luta contra as alterações climáticas nos países em desenvolvimento envolverá necessariamente desafios muito maiores do que aqueles com que se defrontam os países desenvolvidos e desenrolar-se-á num ambiente sujeito a muito mais condicionamentos. O principal desafio continua a ser o crescimento económico. Este é importante não só para se conseguir a erra-dicação da pobreza, mas também para reduzir gradualmente as enormes diferen-ças de rendimento entre os dois grupos de países. A ideia de manter inalterado

2 Mensagem fundamental n.º 1: (Tendências climáticas) do Congresso Científico Inter-nacional sobre Alterações Climáticas: Riscos Globais, Desafios e Decisões, Copenhaga, 10 a 12 de Março de 2009.

3 Uma gigatonelada equivale a mil milhões de toneladas métricas.

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o actual nível de desigualdade mundial durante um século ou mais, enquanto o mundo procura resolver o problema do clima, não só é eticamente inaceitável como seria um factor de desestabilização política.

Figura 1Disparidades de rendimento entre os países do G7 e de outras regiões, 1980-2007

África Subsariana - 13

América Latina - 5

Ásia, nível 1a

Ásia, nível 2b

China

Índia

10 000

5 000

0

-5 000

-10 000

-15 000

-20 000

-25 000

-30 000

-35 000

-40 000

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Rendimento dos países do G7

Diferença do rendimento médio per capita

Parid

ade

dos p

oder

es d

e co

mpr

a (p

pp),

dóla

res c

orre

ntes

dos

EU

A

Fonte: Cálculos DESA/DPAD/DSP, baseados na base de dados sobre Indicadores Mundiais do Desenvolvimento do Banco Mundial.a Hong-Kong, Região Administrativa Especial da China; República da Coreia; Singapura; Taiwan, Província da China.b Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailândia.

Sinergias entre os desafios do clima e do desenvolvimento

Será possível conjugar um elevado crescimento económico nos países em de-senvolvimento com uma alteração radical da trajectória das suas emissões? Na bibliografia sobre o clima e o desenvolvimento, encontramos duas abordagens diferentes desta questão. Os proponentes da “abordagem descendente” concen-tram-se no desafio mundial e em determinar o tipo de trajectórias de emis-sões dos países em desenvolvimento que permitiriam superar esse desafio. Esta abordagem também tem sido utilizada para calcular custos representativos de medidas de luta contra as alterações climáticas. Os proponentes da abordagem alternativa, a “abordagem ascendente”, concentram-se nas acções concretas que estão a ser empreendidas pelos países em desenvolvimento no contexto, por exemplo, das metas de eficiência energética, programas-piloto no domínio das energias renováveis, projectos de reflorestação e projectos relacionados com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Esta abordagem também tem

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sido utilizada para efectuar estimativas de custos de medidas de atenuação espe-cíficas. Existem, porém, muito poucos estudos que traduzam ambas estas abor-dagens no tipo de programas estratégicos susceptíveis de colocar a economia numa trajectória de desenvolvimento sustentável.

A conjugação destas duas abordagens conduz à conclusão de que se-ria efectivamente possível integrar as prioridades do clima e do desenvolvimento, embora isso exigisse que os países em desenvolvimento adoptassem uma posição em relação às políticas climáticas muito diferente da que os países desenvolvidos têm assumido. Embora houvesse forçosamente semelhanças entre os dois grupos de países no que respeita a um subconjunto de instrumentos de política nacio-nal (incentivos mais inteligentes, regulamentos mais rigorosos), os governos dos países em desenvolvimento teriam de canalizar os recursos mobilizados para investimentos em grande escala para novos sectores de produção e novas tecno-logias. Embora nos países desenvolvidos se dê mais destaque ao desenvolvimento do mercado do carbono, a opção preferível para os países em desenvolvimento consistiria em privilegiar políticas industriais activas. Esta combinação de in-vestimentos em grande escala e intervenções políticas activas exige um empe-nhamento político continuado por parte de um Estado desenvolvimentista. Um outro aspecto fundamental seria um apoio financeiro e tecnológico multilateral substancial e efectivo.

Sinergias entre a acção dos países desenvolvidos e em desenvolvimento

O desejo de estabelecer sinergias entre os países desenvolvidos e em desenvolvi-mento no que respeita às acções em matéria de alterações climáticas conduziu a três abordagens bastante diferentes. Na prática, a primeira abordagem implica que os países em desenvolvimento sigam o exemplo dos países desenvolvidos, seja voluntariamente seja sob uma forma qualquer de coerção, adoptando metas de redução das emissões. De acordo com a segunda abordagem, o estabelecimento de metas e a realização de acções depende da concessão de apoio financeiro ou tecnológico por parte dos países desenvolvidos. A terceira abordagem implica a adopção conjunta, pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento, de metas nos domínios do clima e do desenvolvimento.

A conclusão do estudo A Situação Económica e Social no Mundo 2009 é que a primeira abordagem está condenada ao fracasso. A segunda é necessária, mas corre o risco de produzir apenas uma acção progressiva, projecto a projecto. Compreensivelmente, esta abordagem concentra a atenção na questão das trans-ferências financeiras no âmbito da ajuda pública ao desenvolvimento (APD).

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Se as ambições no domínio das alterações climáticas fossem mais modestas, esta abordagem seria suficiente; considerando, porém, o consenso científico que existe sobre os perigos das alterações climáticas, trata-se muito provavelmente de uma abordagem que fica aquém das necessidades. É a terceira abordagem que é, efectivamente, mais adequada para reconfigurar a trajectória do desenvolvimento. Na verdade, a multiplicidade de crises – alimentar, energética e financeira – que se registaram recentemente talvez tenha criado precisamente um contexto propício às acções de cooperação. Embora as origens destas crises talvez sejam diferentes, tal como a crise do clima, representam uma ameaça comum às acções que ainda é necessário concluir para se alcançar o desenvolvimento económico e a erradicação da pobreza.

A fim de responder à crise económica e financeira mundial, foram tomadas medidas destinadas a promover a recuperação, impedir um regresso aos excessos financeiros do “capitalismo de casino” e, através da inclusão de investi-mentos verdes nos pacotes de medidas de estímulo, ir ao encontro das preocupa-ções ambientais, nomeadamente as que se relacionam com as alterações climáticas. Embora estas iniciativas ainda não correspondam a uma solução sustentável a longo prazo, apontam na direcção certa. Mesmo assim, há muito mais a fazer. Tem havido, em particular, uma certa relutância em reconhecer não só a escala dos ajustamentos que os países em desenvolvimento terão de fazer para conseguir que as suas economias saiam da recessão mundial e optem por vias com baixas emis-sões de carbono, mas também os custos económicos e políticos que daí decorrem. Se quisermos que os países em desenvolvimento efectuem esses ajustamentos, será necessário intensificar consideravelmente a cooperação internacional.

Partilha de encargos

A crise climática deve-se às grandes disparidades de desenvolvimento económico que surgiram nos últimos dois séculos e permitiram que os países ricos de hoje atingissem os seus actuais níveis de rendimento, em parte graças a não terem de prestar contas pelos danos ambientais que agora ameaçam a vida e os meios de vida de outras pessoas. Com efeito, calcula-se que por cada 1 ºC de aumento das temperaturas médias mundiais, o crescimento anual médio dos países pobres poderá diminuir 2 a 3 pontos percentuais, sem que isso afecte o crescimento dos países ricos. É possível até que, a médio prazo, os países avançados beneficiem efectivamente dos aumentos da temperatura graças, por exemplo, aos melhores rendimentos das culturas (devido à fertilização por CO2) e aos menores custos dos transportes (utilizando rotas de navegação através do Árctico, abertas pelo degelo).

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A integração destas considerações num quadro coerente em matéria de clima tem-se revelado uma tarefa difícil. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, que foi reconhecido o princípio de que os países têm “responsabilidades comuns mas diferenciadas” no que respeita à luta contra as alterações climáticas.4 (O princípio foi reafirmado na 13.ª sessão da Conferência das Partes na Con-venção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, realizada em Bali, na Indonésia, em Dezembro de 2007.) Todavia, tem sido difícil chegar a um consenso sobre aquilo que isto significa na prática, porque os países ricos não querem atribuir grande importância a acções do passado que fariam recair sobre si grande parte das responsabilidades, enquanto os países em desenvolvimento, pela mesma razão, receiam atribuir demasiada importância às emissões actuais e futuras.

Corrigir uma falha do mercado…

A publicação do Relatório Stern, em finais de 2006, pelo Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, representou, em certa medida, um avanço, ao identificar os gases com efeito de estufa como “a maior falha do mer-cado que o mundo jamais viu” e constituiu também a primeira tentativa séria de apresentar um modelo para comparar o custo da inércia com o custo da adopção de uma estratégia alternativa, susceptível de manter as emissões abaixo de um limiar aceitável. Sob esta perspectiva, as alterações climáticas passam a ter uma dimensão ética que se prende com a necessidade de realinhar os custos sociais e os custos privados, obrigando os poluidores a pagarem os danos com consequências para terceiros. O Relatório Stern concluiu que era possível assegurar uma situação melhor para as gerações futuras por um custo relativamente pequeno para a geração actual.

A análise do Relatório Stern desencadeou um debate acalorado entre os economistas sobre a melhor metodologia a adoptar para calcular os custos dos danos climáticos e os mecanismos mais eficientes para corrigir a falha do mercado subjacente. Esse debate tem levado os decisores políticos a reflectir de uma maneira mais clara sobre a gestão dos riscos climáticos em condições de in-formação incompleta e de incerteza e a terem em conta considerações históricas (até que ponto se deve recuar no tempo para aplicar o princípio do poluidor-

4 Nações Unidas, Treaty Series, vol. 1771, N.º 30822.

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-pagador) bem como geográficas (se o poluidor é quem produz ou quem consome os produtos que contribuem para a acumulação de gases com efeito de estufa).

As métricas “descendentes” que daqui resultam geraram tabelas com-plicadas por país para a redução das emissões de carbono para níveis sustentáveis. Contudo, até à data, esta abordagem não tem proporcionado grandes orientações quanto às políticas que os países poderão adoptar para gerir mudanças geradoras de transformação e o debate neste contexto tem-se limitado aos temas da distri-buição dos direitos de emissão e à determinação do preço justo do carbono.

A criação de mercados de carbono e o estabelecimento de um preço previsível para o carbono farão parte da combinação de políticas, mas são aspec-tos que não incluem a dimensão de desenvolvimento do problema. Por exemplo, o regime de comércio de direitos de emissão foi concebido de modo a ajustar-se à experiência política, capacidade institucional e condições económicas dos países ricos. Por defeito, isso proporciona-lhes vantagens consideráveis, já que o cenário de referência fundamental são as actuais emissões dos países com um nível de emissões elevado.

… ou promover os direitos em matéria de desenvolvimento

Outros argumentam que, ao concentrarem-se nas falhas do mercado, os econo-mistas se baseiam excessivamente em cálculos de custos e benefícios, subesti-mando, portanto, a ameaça de choques climáticos catastróficos e não atribuindo suficiente destaque à difícil situação das comunidades mais vulneráveis. Os po-bres das zonas rurais do mundo em desenvolvimento são provavelmente quem terá de enfrentar os maiores ajustamentos às alterações climáticas, e ajudá-los a superar o desafio da adaptação deveria ser um aspecto essencial de um quadro climático justo.

No entanto, as disparidades de crescimento e o aumento das desi-gualdades no mundo nos últimos 60 anos significam que o desafio da política de desenvolvimento é muito maior do que o da eliminação da pobreza extrema (Nações Unidas, 2006). Além disso, durante esse período, os países avançados, nos seus esforços para chegar ao cimo da escada do desenvolvimento, gastaram grande parte do espaço que poderia ser ocupado por gases com efeito de estufa na atmosfera. Dada a estreita ligação existente entre o consumo de energia e o crescimento económico, há uma preocupação real de que a escada do desenvol-vimento sustentável já tenha sido empurrada para o lado e, com ela, qualquer oportunidade real de conjugar os objectivos do clima e do desenvolvimento.

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Um eventual quadro baseado na ideia de “direitos de desenvolvi-mento no contexto das emissões de gases com efeito de estufa” permitiria con-jugar o grau de responsabilidade com a capacidade de pagar como possível base para a partilha dos encargos das alterações climáticas e seria compatível com a escala e a urgência do problema das alterações climáticas e com os objectivos do desenvolvimento. Para esse efeito, estabelecer-se-ia o direito de isenção de participar na partilha dos encargos de protecção do clima para um nível de ren-dimento médio mundial inferior a 9000 dólares (paridade dos poderes de com-pra). Este valor é superior à média mundial actualmente utilizada e representa um limiar compatível com a situação de economias mais diversificadas, para além do qual novos aumentos do rendimento pouco afectarão os indicadores do desenvolvimento humano. Contudo, os cidadãos cujo rendimento seja superior àquele limiar de um país com um rendimento médio inferior ao mesmo deverão participar no pagamento dos encargos em causa. Essencialmente, isto situaria a capacidade de pagar a um nível idêntico ao de um imposto sobre o rendimento individual que se aplicaria apenas a partir de 9000 dólares.

Embora este limiar seja aqui utilizado apenas para fins ilustrativos, pressupõe-se que qualquer cálculo realista implica que os países desenvolvidos assumam uma parcela muito mais significativa dos custos globais da protecção do clima, enquanto os países em desenvolvimento assumirão apenas responsa-bilidades consoante o seu nível de desenvolvimento. É possível que um regime deste tipo venha a surgir das conversações sobre responsabilidades comuns mas diferenciadas. Por outro lado, esta abordagem continua a não contemplar uma análise de aspectos específicos das políticas a adoptar para avançar em direcção a vias de desenvolvimento susceptíveis de promover um crescimento elevado com um baixo nível de emissões e dos tipos de mecanismos internacionais necessários para efectuar essa transição.

Recuperação ecologicamente viável do crescimento

As políticas destinadas a combater a ameaça das alterações climáticas perigosas estão muito atrasadas em relação às provas científicas que já existem. Além disso, os compromissos internacionais já assumidos são inferiores às promessas feitas e os progressos no sentido de novos compromissos têm sido lentos. Isto representa um impasse perigoso, numa altura em que os países em desenvolvimento estão a desenvolver esforços no sentido de acelerar o crescimento através do desen-volvimento industrial e de uma urbanização rápida. A única maneira de fazer

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progressos palpáveis consiste em abordar o desafio do clima como um desafio do desenvolvimento.

Uma abordagem impulsionada pelo investimento

Os casos de êxito no plano económico têm-se caracterizado todos por um surto sustentado de crescimento, da ordem dos 6% a 8% por ano, que permitiu aos países em causa aumentar os seus níveis de vida e reduzir as disparidades de rendimento em relação aos países desenvolvidos. Além disso, existe uma forte correlação entre o crescimento e uma série de indicadores sociais, entre os quais se incluem a redução da pobreza e que, em conjunto, definem uma via de desen-volvimento mais sustentável e inclusiva. Mesmo após um período de crescimen-to rápido, os países podem estagnar ou mesmo registar um recuo. Outros têm dificuldade até em arrancar.

Um ritmo rápido de acumulação de capital, acompanhado de uma mudança da estrutura da actividade económica a favor da indústria, é geralmente um factor crítico que contribui para a aceleração do crescimento. Nas suas fases iniciais, a análise das políticas de desenvolvimento incidiu na necessidade de elevar a proporção de investimento para um nível susceptível de desencadear um círculo virtuoso caracterizado por um aumento da produtividade e dos salários, pelo aperfeiçoamento tecnológico e pelo progresso social. As versões bem suce-didas deste “forte impulso” (big push) concentraram-se em sectores dominantes cujo desenvolvimento poderia atrair uma nova série de investimentos através da expansão de ligações sólidas a montante e a jusante. Tal como se disse, o desafio das políticas de desenvolvimento tinha menos que ver com um planeamento minucioso do que com o apoio estratégico e a coordenação, incluindo um papel importante do investimento público como meio de estimular o crescimento e conduzir o investimento privado para uma nova via de desenvolvimento.

Nas décadas de 1980 e 1990, os modelos de desenvolvimento im-pulsionado pelo investimento foram postos de parte, dando lugar a reformas económicas orientadas para o mercado. No entanto, para a maioria dos países em desenvolvimento, a liberalização dos mercados e a maior exposição à con-corrência mundial não produziram os resultados que esperavam os proponentes dessas reformas, sobretudo no que se refere ao desempenho do investimento.

O regresso a uma abordagem baseada no investimento nos países em desenvolvimento faz sentido, assim que o desafio do clima seja devidamen-te integrado no desafio do desenvolvimento. Já começou a concretizar-se uma abordagem deste tipo nos países mais ricos, com a inclusão do investimento verde em pacotes de medidas de estímulo destinadas a criar empregos numa situação

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de grave recessão económica. No caso dos países em desenvolvimento, em que a transição para novas fontes de energia tem de se dar no contexto da necessidade de urbanização, de reforço da produção alimentar e de diversificação da indústria, para a tornar mais competitiva, o desafio assume uma dimensão ainda maior.

O desafio da atenuação

A redução das emissões de gases com efeito de estufa exigirá investimentos vulto-sos e interligados em vários sectores, com o objectivo, nomeadamente, de travar a desflorestação e a degradação dos solos, reequipar os edifícios de modo a torná-los mais eficientes em termos energéticos e remodelar os sistemas de transportes. Mas aquilo que está no cerne de uma nova estratégia integrada, destinada a combater as alterações climáticas e a realizar os objectivos do desenvolvimento, é uma transição no domínio da energia. O consumo de energia é responsável por mais de três quartos do total das emissões de gases com efeito de estufa e quase todos os cenários de estabilização indicam que uma enorme proporção das reduções das emissões – talvez quase 80% – dependerá da remodelação dos sistemas energéticos. A Figura 2 ilustra a evolução histórica do sistema energé-tico e uma via possível de evolução futura em direcção à descarbonização, uma via que limitará o aumento das temperaturas médias mundiais a cerca de 2 ºC até ao final do século, e evidencia a transformação muito necessária do sistema energético mundial. O objectivo último da transição em causa tem de ser me-lhorar a eficiência energética e reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, especialmente o petróleo e o carvão, e aumentar a utilização de fontes de energia renováveis, especialmente a energia eólica e solar e os biocombustíveis avançados (não obtidos a partir de produtos alimentares).

Nos países desenvolvidos, com economias maduras, já existe uma oferta adequada (e mesmo excessiva) de serviços energéticos modernos. Esses países não necessitam de promover uma expansão em grande escala da sua infra- -estrutura energética. No entanto, continuarão a ser necessárias mudanças dos estilos de vida e investimentos consideráveis para libertar o sistema energético da sua actual dependência dos combustíveis fósseis, de modo a conseguir-se uma descarbonização total até ao final do século, ou mesmo antes. Os países em de-senvolvimento, por outro lado, estão numa situação de grande desvantagem em termos de infra-estruturas energéticas modernas e necessitarão de investimentos sistemáticos em grande escala no sector, para satisfazer a procura actual e pro-mover o desenvolvimento económico.

Consequentemente, as economias desenvolvidas poderão necessitar – e estarão em posição de suportar – um aumento substancial do preço da energia,

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especialmente da energia fóssil, a fim de enviar o sinal de mercado certo a consu-midores e investidores potenciais. Pelo contrário, os países em desenvolvimento encontram-se todos perante o desafio urgente de expandir a sua infra-estrutura energética e de tornar os serviços energéticos amplamente acessíveis a preços comportáveis. Calcula-se que o número de pessoas sem acesso a esses serviços varie entre 1,6 mil milhões e 2 mil milhões, sendo que vivem principalmente em zonas rurais. Pelo menos no futuro previsível, os países em desenvolvimento necessitarão de subsidiar a energia para os grupos de rendimento médio e baixo, a fim de tornar aqueles serviços financeiramente acessíveis.

A ligação destas pessoas à rede de serviços energéticos custará apro-ximadamente 25 mil milhões de dólares por ano, durante os próximos 20 anos. Trata-se de um montante considerável para os países em desenvolvimento mais pobres, que é também várias vezes superior ao montante da ajuda despendido em serviços energéticos.

Figura 2Evolução histórica e possível futuro do sistema energético mundial, no contextodas proporções relativas das fontes de energia mais importantes, 1850-2100

Fonte: Nakicenovic e Riahi (2007).

1850 1900 1950 2000 2050 2100

Perc

enta

gem

Biomassa (incluindo não comercial)

Carvão

Petróleo

Gás

Renováveis

Nuclear

100

80

60

40

20

0

A atenuação exigirá toda uma gama de opções tecnológicas, desde a difusão de tecnologias com um baixo nível de emissões já existentes a uma implementação alargada de novas tecnologias comerciais e ao desenvolvimento e difusão de tecnologias inovadoras. Algumas dessas opções gerarão economias de custos imediatas ou a curto prazo. No entanto, a produção de maiores quantidades de energias limpas, de modo a acompanhar o desenvolvimento industrial e urba-no, exigirá investimentos muito substanciais com um longo período de gestação.

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A fim de realizar economias de escala e colher os benefícios poten-ciais da aquisição de conhecimentos tecnológicos, serão necessários investimen-tos iniciais em tecnologias novas e avançadas com baixas emissões de carbono que, após uma ampla implementação e uma adopção progressiva, reduzirão os custos da atenuação e aumentarão as suas potencialidades. Serão igualmente necessários investimentos em investigação e desenvolvimento, bem como no de-senvolvimento das competências pertinentes, a fim de melhorar o desempenho das tecnologias de poupança de carbono e reduzir os seus custos.

A dimensão potencial do mercado energético nos países em desenvol-vimento e as possibilidades de aumentar a capacidade já instalada são indicadores da importância das oportunidades de investimento. No entanto, atendendo a que os custos iniciais e os riscos poderão desencorajar os investidores privados, o sector público terá um papel preponderante a desempenhar, pelo menos nas fases iniciais da expansão. Calcula-se que os actuais investimentos no sistema energético mundial sejam da ordem dos 500 mil milhões de dólares por ano. O cenário sustentável ilustrado na Figura 2 exigiria pelo menos a duplicação desse esforço durante as próximas décadas – aproximadamente um bilião de dólares por ano, ou 20 biliões de dólares até 2030.

Resiliência através da diversidade: o desafio da adaptação

Para muitos países em desenvolvimento, os condicionamentos e choques am-bientais já fazem parte de um ciclo vicioso do desenvolvimento que os obriga a permanecer a um baixo nível de rendimento, compromete a sua base de recursos e limita a sua capacidade de adquirir uma maior resiliência, a fim de fazer face a choques futuros. Mesmo que os decisores políticos consigam efectuar rapida-mente a transição para uma via de crescimento com um baixo nível de emissões, a subida inevitável das temperaturas mundiais acarretará choques e tensões am-bientais graves devido ao alastramento das condições de seca, subida dos níveis do mar, fusão das camadas de gelo e de neve e ocorrência de fenómenos me-teorológicos extremos. Nas próximas décadas, estes fenómenos irão ameaçar e destruir meios de subsistência no mundo inteiro, sobretudo, entre populações já de si vulneráveis, inclusivamente nos países em desenvolvimento.

Há já algum tempo que os grupos de acção humanitária têm vindo a manifestar a sua preocupação perante as ligações potenciais entre as taxas de crescimento baixas ou negativas, o aumento dos níveis de desemprego, a dete-rioração dos solos e o stress dos ecossistemas marinhos. Nestes contextos já de

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si frágeis, as alterações climáticas geram novos factores de stress, tais como a intensificação dos furacões nas Caraíbas, um aquecimento superior à média, com repercussões ao nível dos caudais fluviais alimentados pelos glaciares na Ásia Central, e escassez de água causada pela seca com repercussões para as eco-nomias frágeis do Norte de África.

A adaptação às alterações climáticas terá de ser uma componen-te fulcral de qualquer programa abrangente e inclusivo no domínio do clima. O mau estado de saúde das populações, a falta de infra-estruturas, a reduzida diversificação das economias, a ausência de instituições e as estruturas de go-vernação pouco exigentes expõem os países e as comunidades mais pobres não só a catástrofes em grande escala, potencialmente desastrosas, mas também a um estado permanente de stress económico, devido à subida das temperaturas médias, à diminuição dos recursos hídricos, à maior frequência desenvolvimento sustentável e à maior intensidade das tempestades de vento.

Estas ameaças são especialmente comuns nas comunidades rurais, onde mais de um terço dos agregados mundiais tem de enfrentar a precariedade dos seus meios de vida. Na África Subsariana, essa proporção é superior a 60% e pode atingir 50% em algumas zonas, onde o calor reduz o rendimento de culturas vitais. As estratégias destinadas a reduzir a perda de colheitas devem incluir a diversificação agrícola, que é potencialmente uma das estratégias mais importantes para garantir a segurança alimentar no contexto das alterações cli-máticas, bem como a utilização de novas variedades resistentes às condições meteorológicas e de rendimento mais elevado.

Em termos mais gerais, as políticas económicas que visam promover o desenvolvimento agrícola devem privilegiar o reforço dos serviços de apoio destinados, especialmente, aos pequenos agricultores e o melhoramento das in-fra-estruturas (tais como estradas e instalações de armazenamento, bem como redes de irrigação).

As florestas são uma fonte de meios de subsistência de aproximada-mente 25% da população mundial, grande parte da qual vive sob a ameaça das alterações climáticas. A protecção das florestas implica não só o melhoramento das previsões meteorológicas e dos sistemas de vigilância fitossanitária, mas tam-bém estratégias de prevenção e combate aos fogos florestais que tenham em conta a criação de barreiras corta-fogo, queimadas controladas e utilização de espécies de árvores resistentes à seca e ao fogo, como a teca, em plantações de florestas tropicais. Entre as medidas que se podem adoptar para ajudar as flores-tas a adaptarem-se às alterações climáticas incluem-se, por exemplo, o reforço da capacidade de adaptação das espécies arbóreas, principalmente através da maximização da variação genética das espécies florestais, bem como métodos de gestão como, por exemplo, o abate de árvores de impacto reduzido. Em termos

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mais gerais, uma estratégia mais integrada deverá incluir investimentos na di-versificação económica e na criação de empregos, bem como o melhoramento da gestão das terras, dos solos e dos recursos hídricos.

Os efeitos das alterações climáticas na saúde e no saneamento serão igualmente significativos. Enquanto o aquecimento global já está a causar mais 150 000 mortes por ano nos países de baixo rendimento, a subida das tempera-turas irá aumentar ainda mais as taxas de sobrevivência e de multiplicação das bactérias responsáveis pela contaminação de alimentos e fontes de água, exacer-bando o impacto na saúde. Além disso, o aumento da escassez de água agravará a situação, já de si insatisfatória, em matéria de saneamento e higiene, que está a provocar mais de um milhão de mortes todos os anos. Em muitos casos, a ges-tão dos recursos hídricos é dificultada pela variabilidade da quantidade de água disponível, uma situação que se deve ao crescimento da população e às alterações climáticas e que exige sistemas de gestão de recursos hídricos mais resilientes. Embora já estejam a ser desenvolvidos esforços no sentido de reforçar esses sistemas em vários países em desenvolvimento, serão necessários investimentos públicos significativos, para se obterem resultados duradouros.

Mais de metade da população mundial vive actualmente em zonas urbanas. Até 2050, prevê-se que as populações urbanas correspondam a três quartos da população mundial, um aumento que se deverá concentrar, em gran-de medida, no mundo em desenvolvimento. Os ambientes urbanos enfrentam problemas de adaptação próprios que estão associados, em particular, à quali-dade da infra-estrutura social e dos edifícios. Nas cidades costeiras em rápida expansão, por exemplo, uma das grandes prioridades é a protecção contra as subidas dos níveis do mar e a maior intensidade do vento. A conjugação da pobre-za, da densidade populacional e da má qualidade dos serviços sociais contribui para uma maior vulnerabilidade das comunidades, para as quais os choques climáticos súbitos podem ser devastadores. Na actual situação, grande parte do risco para as zonas urbanas prende-se com a incapacidade das administrações locais no que se refere a assegurar o desenvolvimento e a protecção das infra- -estruturas e adoptar medidas apropriadas de redução dos riscos de catástrofes e de preparação para catástrofes.

Alguns países e comunidades com economias avançadas que são vulneráveis à ameaça dos choques climáticos já estão a realizar investimentos em grande escala, conjugados com a gestão de informação e acções colectivas. Para muitos países em desenvolvimento, porém, a adaptação continua a estar funda-mentalmente ligada à necessidade de diversificação das suas economias, que de-pendem de um pequeno número de actividades, sobretudo do sector primário, que são sensíveis aos choques climáticos e às alterações climáticas. O governo de Moçambique, por exemplo, elaborou planos ambiciosos para o desenvolvimento

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sustentável da região costeira, que incluem a criação de infra-estruturas (trans-portes, drenagem e abastecimento de água), modificações da utilização dos solos e medidas e opções “suaves” para gerir a erosão das praias. Esses planos, que constituem uma oportunidade única de realizar uma grande quantidade de pro-jectos de desenvolvimento, devem abordar os riscos climáticos de uma maneira integrada e numa perspectiva sazonal, anual e de várias décadas. Para fazer face ao desafio da adaptação, será essencial que haja uma combinação de investimento público, crédito barato e acesso às tecnologias apropriadas.

Em direcção a um programa integradoEmbora os apelos à integração da política climática noutras políticas se estejam a intensificar, não basta acrescentar os objectivos da adaptação e da atenuação aos objectivos da política de desenvolvimento que estão actualmente a ser discutidos. Os dois grandes desafios do desenvolvimento e das alterações climáticas devem ser ligados entre si de uma maneira mais inclusiva e sustentável, através da gestão dos recursos económicos e naturais a longo prazo. Isto não deve ser visto como um expediente – e muito menos como um expediente pouco dispendioso –, mas sim como uma tarefa multidimensional envolvendo investimentos considerá-veis a longo prazo destinados a permitir que as economias, a todos os níveis de desenvolvimento, façam a transição para vias de crescimento elevado e baixos níveis de emissões. Os decisores políticos terão de fazer face aos legados históri-cos, ponderar estratégias económicas alternativas e adoptar um discurso político mais cooperativo. Além disso, terão de o fazer numa altura em que o mundo está a tentar recuperar do maior choque económico desde a Grande Depressão.

Os actuais choques e a crise a que deram origem proporcionaram uma oportunidade de repensar os objectivos das políticas públicas e contri- buíram para lembrar que os governos são os únicos agentes capazes de mobi-lizar os recursos financeiros e políticos muito substanciais que são necessários para fazer frente a grandes ameaças sistémicas. Será necessária sem dúvida uma mobilização de recursos a grande escala, tanto a nível nacional como mundial, para realizar simultaneamente os objectivos do desenvolvimento e do clima. Em termos políticos, o grande desafio consiste em assegurar que esses investimentos desencadeiem círculos virtuosos de crescimento, susceptíveis de estimular o inves-timento privado e promover mudanças tecnológicas cumulativas em sectores de crescimento dinâmicos, contribuindo desse modo para a diversificação económica e para a criação de emprego.

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Desafios das políticas públicas

São as políticas públicas que irão apoiar ou entravar o forte impulso em direcção a economias mais limpas, mais diversificadas e mais resilientes. Atendendo a que muitos dos investimentos necessários serão vultosos e complementares, é necessá-rio que os sinais emitidos pelos preços e as medidas regulamentares (incluindo as normas e regulamentos de construção, normas relativas à eficiência dos combus-tíveis e directivas em matéria de energias renováveis) sejam previsíveis. Dadas as desvantagens em termos de custos iniciais, a adopção de tecnologias novas, mais limpas, poderá ser facilitada graças a subsídios públicos, tarifas de micro-geração e outras medidas de apoio.

Alguns países em desenvolvimento já começaram a criar quadros políticos alternativos, por exemplo, através da adopção de planos nacionais de adaptação. Estes têm-se concentrado na necessidade de reduzir a vulnerabilidade de projectos de infra-estruturas – por exemplo, redes de transportes e sistemas de irrigação – aos efeitos do clima e em melhorar a monitorização e gestão de catástrofes e o ordenamento do território. No entanto, subsistem ainda dificul-dades no que se refere a aumentar a escala dos projectos, devido à falta de fundos e a deficiências institucionais, e ainda não foi adoptada uma abordagem mais orientada para o desenvolvimento. Para se alcançar um êxito mais duradouro, será necessário adoptar políticas de desenvolvimento mais inteligentes que arti-culem melhor a adaptação com acções em curso para eliminar vulnerabilidades e limitações existentes ao crescimento e ao desenvolvimento. Estas abordagens terão de se basear em projectos de adaptação em grande escala destinados a criar empregos, alcançar a diversificação económica e promover um crescimento mais rápido, tanto nas zonas rurais como urbanas.

Um elemento que falta no debate actual – um elemento fundamental para se conseguir uma abordagem mais integrada – é a política industrial, que tem estado fora de moda nos últimos anos, por se considerar que a política de “escolher vencedores” sempre esteve votada ao fracasso, sobretudo nos países em desenvolvimento. No entanto, numa altura em que estes países têm de se indus-trializar, para realizar os seus objectivos de desenvolvimento, ao mesmo tempo que procuram realizar os objectivos climáticos, é difícil imaginar uma aborda-gem integrada que não considere seriamente a política industrial. O reforço dos direitos de propriedade intelectual e os esforços para atrair o investimento directo estrangeiro (IDE) não são suficientes para substituir a aplicação de políticas in-dustriais sólidas nos países em desenvolvimento.

O desenvolvimento de novas tecnologias com baixos níveis de emis-sões responderá a factores como a estimulação da oferta (por exemplo, crédito barato para fins específicos) e o controlo da procura (por exemplo, preço do carbono

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determinado por uma política de preços). Quanto mais depressa se adoptarem medidas deste tipo, mais depressa as poupanças de custos se traduzirão em gastos na aquisição de conhecimentos e numa difusão mais ampla. Quanto mais tempo se esperar, mais elevados serão os níveis de redução das emissões necessários e mais lenta será a redução dos custos. Os “saltos tecnológicos” (leapfrogging) atra-vés da importação de tecnologias oferecem a possibilidade de realizar melhorias mais acentuadas ao nível do rendimento energético (desde a oferta ao consumo), de aumentar a proporção de energias renováveis (mais gás natural e menos carvão) e de iniciar rapidamente a captura e armazenamento de carbono.

Este tipo de transformações do sistema energético tem de se apoiar em investigação, desenvolvimento e implantação (ID&I), na eliminação de bar-reiras comerciais e no reforço eficaz de capacidades. Os centros de inovação no domínio das tecnologias com baixos níveis de emissões poderão ter um impor-tante papel a desempenhar. Pelo menos nas suas fases iniciais, estes centros se-rão, provavelmente, financiados pelo sector público, embora seja de prever que os pormenores concretos da proporção de financiamentos assegurados por doadores e pelos sectores público e privado possam variar de um país para outro ao longo do tempo. A combinação de elementos como investigação de base, ensaios no terreno, serviços de viveiros empresariais, financiamento de capital de risco, con-sultoria e apoio técnico, e análises de políticas e mercados também dependerá muito das condições e imperativos locais. Em alguns casos, os centros regionais poderão constituir a melhor maneira de beneficiar de economias de escala e de um maior raio de acção.

Um New Deal?

Os responsáveis pela definição de uma abordagem política mais integrada dos problemas do desenvolvimento e do clima poderão decerto inspirar-se na experiência dos Estados Unidos, ao introduzir as políticas do New Deal para responder à Depressão da década de 1930. Um aspecto importante foi a realização de investimentos interligados nos sectores da energia, transportes, agricultura e saúde, que lançaram as bases não só para um regresso ao pleno emprego mas também para um forte arranque da indústria, em algumas das zonas menos desenvolvidas dos Estados Unidos, estimulando a realização de investimentos privados consideráveis em novas fontes de criação de emprego.

Desde 1945, os países em desenvolvimento bem sucedidos também têm utilizado uma combinação de incentivos de mercado e intervenções vigorosas por parte do Estado para gerar um crescimento rápido e mudanças estruturais.

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Esta estratégia foi frequentemente norteada por uma visão abrangente do desen-volvimento que via as intervenções políticas em função do seu contributo para a diversificação da actividade económica, criação de emprego e redução da pobreza.

Pelo contrário, houve muitos países em desenvolvimento que so-freram com a redução do papel do Estado durante a década perdida de 1980. Em consequência disto, a capacidade do sector público no que se refere a as-segurar uma liderança eficaz e inovadora numa área tão complexa como a das alterações climáticas encontra-se muito enfraquecida. Estes países necessitarão de apoio para reconstruir a infra-estrutura do Estado, a fim de poderem fazer face às responsabilidades adicionais decorrentes da necessidade de realizar os objectivos relacionados com o clima. Esta ênfase no reforço do sector público contrasta nitidamente com a abordagem dos países desenvolvidos, onde os ob-jectivos relacionados com o clima têm incidido na expansão e reforço do mercado do carbono.

Investir em ajustamentos

Uma abordagem integrada implica não só que se procurem soluções para reme-diar falhas do mercado, mas também que se faça frente a ameaças sistémicas e se proceda a ajustamentos em grande escala na actividade económica. A única solução sensata consiste em combinar soluções baseadas no mercado com outros mecanismos, nomeadamente o investimento público.

É importante ver os investimentos em medidas de adaptação e de atenuação como elementos de uma transição mais geral para uma nova via de investimento que envolva um grande número de sectores e regiões e destinada a combater os efeitos negativos do clima no crescimento mundial. Se há en-sinamentos a extrair da história, um deles é que a produção e distribuição de energia mais limpa à escala industrial pode gerar economias de escala e fazer surgir uma série de oportunidades complementares de investimento em dife-rentes sectores da economia e em novas tecnologias. Na Figura 3 apresentam-se algumas das principais tecnologias em causa e indica-se quando poderão vir a estar disponíveis para implantação em grande escala. Em muitos países em desenvolvimento, serão necessários também investimentos para aumentar a pro-dutividade agrícola, melhorar a gestão das florestas e garantir, para além de um abastecimento mais fiável de água e de um sistema de transportes mais eficiente, uma criação progressiva de empregos ecologicamente viáveis.

A curto e médio prazo, porém, a atenuação e a adaptação às altera-ções climáticas acarretam um aumento dos custos do desenvolvimento. Serão necessários talvez 40 mil milhões de dólares para tornar os investimentos exis-

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tentes resistentes aos efeitos das alterações climáticas, e será necessário um mon-tante muito maior para garantir a resiliência no futuro. O Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) calcula que esse montante será da ordem dos 86 mil milhões de dólares por ano (em 2016) e que, se não forem adoptadas rapidamente medidas de atenuação, o montante necessário será ainda maior. Segundo estimativas da McKinsey & Company, uma empresa mundial de con-sultoria de gestão, em 2030, serão necessários investimentos adicionais até 800 mil milhões de dólares por ano para realizar as metas da estabilização. No en-tanto, segundo o estudo A Situação Económica e Social no Mundo 2009, muitos desses investimentos terão de ser antecipados.

Figura 3Desenvolvimento tecnológico e atenuação das emissões de CO

2 no sector

da geração de energia

Fonte: Agência Internacional de Energia (2008).Abreviaturas: CAC, captura e armazenamento do carbono; GIBCC, gaseificação integrada de biomassa em ciclo combinado; GICC, gaseificação integrada em ciclo combinado; EGS, enhanced geothermal systems (sistemas geotérmicos estimulados).

Capacidade CAC do carvão

GIBCC e co-combustão de biomassa

Carvão ultra-supercrítico e GICC

Capacidade CAC do gás

Nuclear IV Eólica terrestre

Fotovoltaico

Energia solar concentradaEólica marítima

Geotérmica EGS Geotérmica convencionalOceanos

Poder CAC da biomassa

Pilhas de combustível

Mudança de combustível para gás

Nuclear III

3

2

1

0

Ate

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e CO

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nela

das)

Ciências de base I&D aplicados Demonstração Implantação Comercialização

O financiamento destes investimentos será um dos maiores entraves à transição para economias com baixos níveis de emissões na maioria dos paí-ses em desenvolvimento, sobretudo naqueles em que o mercado das tecnologias de baixos níveis de emissões é pequeno. As políticas macroeconómicas terão de privilegiar sistematicamente o investimento e haverá que efectuar reformas institucionais destinadas, nomeadamente, a revitalizar, recapitalizar e reorientar os bancos de desenvolvimento. No entanto, estes condicionamentos servem para nos lembrar um aspecto importante – que, desta vez, qualquer New Deal verde terá de ter uma dimensão mundial.

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Rumo a um New Deal mundial sustentávelA procura de soluções sustentáveis susceptíveis de ajudar a combater uma evo-lução perigosa das alterações climáticas deve ter em conta, simultaneamente, as grandes disparidades em matéria de desenvolvimento económico e a insegurança crescente associada às crises conexas do fornecimento de alimentos, energia, água e fundos.

Um New Deal mundial sustentável deve procurar estabelecer novos objectivos em matéria de políticas públicas, a fim de colocar os países numa via de desenvolvimento diferente – uma via que proteja os recursos naturais de uma maneira equitativa, sem comprometer a criação de empregos nem a recuperação do crescimento em atraso. Será possível realizar este objectivo, se os países ricos e pobres se unirem em iniciativas de cooperação.

Estas iniciativas devem obedecer a alguns princípios básicos, de modo a maximizarem o seu contributo para os objectivos do desenvolvimento. Poderiam ser postas em prática, em parte, utilizando os recursos mobilizados pelos pacotes de medidas de estímulo dos países desenvolvidos, mas, a médio prazo, será necessária uma reforma dos sistemas financeiro e comercial multila-terais, a fim de apoiar uma economia mundial mais estável e promover o cres-cimento impulsionado pelo investimento numa economia com um baixo nível de emissões. A longo prazo, esse crescimento só será sustentável se os países em desenvolvimento conseguirem mobilizar recursos internos suficientes.

Gestão de um New Deal mundial sustentável

Para superar o duplo desafio do desenvolvimento e das alterações climáticas, é necessário, no mínimo, que se verifique uma transformação fundamental ao ní-vel do apoio financeiro e tecnológico aos países em desenvolvimento. Essa trans-formação exige que os países desenvolvidos vão além das promessas de apoio que fizeram há muito e adoptem uma verdadeira estratégia de apoio aos investi-mentos que os países em desenvolvimento terão de realizar, a fim de enveredar rapidamente por uma via de crescimento elevado e baixos níveis de emissões.

É também necessário modificar o processo intergovernamental em matéria de alterações climáticas, cuja evolução se tem regido em grande medida pelos princípios da protecção ambiental. Isto significa que a questão do desen-volvimento tem sido remetida para outros fóruns e instituições. Há que dar um novo destaque ao desenvolvimento e o regime e mecanismos de governação deverão estabelecer ligações e processos adequados a nível internacional em prol do desenvolvimento sustentável. Isto implica:

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Uma abordagem baseada no investimento. • As políticas macro-económicas prudentes e a rápida liberalização dos mercados não são o meio de criar uma trajectória de crescimento com baixos níveis de emissões. Para responder aos desafios da atenuação e adaptação, são necessários investimentos em grande escala (pelos sectores público e privado) em novas infra-estruturas, novas capa-cidades e novas instituições.

Um programa de cooperação.• Para resolver um problema mun-dial é essencial que haja uma confiança mútua profunda entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. O desempenho insatisfatório dos países do Hemisfério Norte com elevados níveis de emissões em matéria de atenuação, conjugado com um apoio operacional mínimo no domínio da tecnologia e dos financia-mentos, gerou um grande défice de confiança. Esta situação tem de mudar, já que deixou de ser possível resolver os problemas cli-máticos sem a participação do Hemisfério Sul. Esta colaboração exige que se dê uma atenção sistemática à criação de uma ordem mundial mais justa e de um sistema de governação mundial que seja aberto, transparente, participativo e responsável.

Um empenhamento na eliminação progressiva do crescimento •baseado num elevado nível de emissões. Calcula-se que, em 2005, as subvenções “sujas” tenham ascendido a 250 mil milhões de dólares (ou 0,5% do produto mundial bruto). A reafectação des-sas subvenções a fontes de energia limpas – mas não à custa do acesso dos países em desenvolvimento aos serviços energéticos – daria um impulso à transição para um crescimento elevado com baixos níveis de emissões. Além disso, os direitos dos países que dependem da extracção de combustíveis fósseis, reconhecidos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Cli-máticas, deveriam ser um factor importante ao escolherem-se as políticas a adoptar.

Novos mecanismos de financiamento

A dificuldade de acesso a níveis suficientes e previsíveis de financiamento a um custo aceitável tem sido sempre um obstáculo ao investimento e ao crescimento nos países pobres. Embora as estimativas dos fundos necessários para as medidas de atenuação e adaptação sejam muito diversas, os valores apontados anteriormente representarão um importante obstáculo à realização de progressos no domínio

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do clima em muitos países em desenvolvimento. Actualmente, o montante dos fundos provenientes de fontes bilaterais e multilaterais que estão disponíveis para responder aos imperativos do clima nos países em desenvolvimento é de aproximadamente 21 mil milhões de dólares. Este montante terá de aumentar dez vezes, nos próximos dez anos e talvez 50 vezes, até 2050. Trata-se de um desafio preocupante.

Para que o investimento privado desempenhe o papel que lhe com-pete, haverá que estabelecer sinais previsíveis a longo prazo com base no preço do carbono, utilizando uma combinação de medidas em matéria de tributa-ção, mecanismos de troca de direitos de emissão e disposições regulamentares. No entanto, a reduzida evolução dos mercados do carbono e a actual crise financeira irão desincentivar o investimento privado a curto e médio prazo, numa altura extremamente crítica, já que os novos projectos de infra-estruturas irão gerar emissões durante várias décadas. A mobilização de recursos públicos nacionais e internacionais para investimento deve prosseguir de uma forma muito mais vigorosa e a uma escala muito maior.

Não é provável que o financiamento dos investimentos públicos con-sideráveis que são necessários, especialmente para medidas de atenuação, que exigem uma mobilização imediata, seja assegurado pela ajuda pública ao desen-volvimento (APD), mesmo que os países doadores respeitem os compromissos que assumiram. Há que considerar a possibilidade de utilizar novas fontes de fi-nanciamento, tais como “obrigações do Tesouro verdes” e direitos de saque espe-ciais (DSE) do Fundo Monetário Internacional. A aplicação de taxas ou impostos mundiais sobre os combustíveis para transportes aéreos ou marítimos, as viagens áreas e as operações financeiras também terão um papel próprio a desempenhar. No entanto, haverá que superar obstáculos administrativos e as preocupações que os mesmos suscitam devido à sua natureza possivelmente regressiva.

De um modo geral, reconhece-se que é necessário criar um mecanismo financeiro eficaz para gerir a enorme quantidade de transferências necessárias para financiar as medidas de atenuação e adaptação nos países em desenvolvi-mento. Continua, porém, a haver divergências consideráveis quanto à questão de saber se serão necessárias novas disposições, incluindo fundos, ou se as disposições e fundos existentes, depois de submetidas a uma reforma adequada e intensi-ficadas, serão suficientes. Relativamente à administração de tal mecanismo, a questão fundamental que se põe é saber quem decidirá o quê sobre a gestão e afectação de recursos financeiros.

O financiamento dos custos incrementais da adaptação será, na maioria dos casos, ligado ao financiamento de actividades relacionadas com o desenvolvimento visando, por exemplo, o investimento em infra-estruturas e em actividades de diversificação nos países em desenvolvimento. Trata-se de uma

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ligação bastante estreita, o que poderá em parte explicar por que razão institui-ções como o Banco Mundial criaram fundos próprios para acções relacionadas com o clima. O montante destes fundos continua a ser lamentavelmente insufi-ciente e é urgente aumentá-lo.

A quantidade de fundos necessária para dar um forte impulso à transição para uma via de desenvolvimento com baixos níveis de emissões é várias vezes superior aos recursos disponíveis no âmbito das disposições de fi-nanciamento existentes. O financiamento da atenuação talvez justifique, portanto, modificações mais radicais à actual arquitectura internacional. Entre as medidas possíveis referem-se as seguintes:

Um fundo mundial para energias limpas.• Dada a urgência deste desafio, há que considerar a possibilidade de criar um novo fundo mundial para fazer face às necessidades de atenuação das altera-ções climáticas nos países em desenvolvimento, fundo esse que deverá ser estabelecido fora do quadro das instituições financeiras mundiais existentes e se dotado de uma estrutura de governação ser aceitável para todas as partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Posteriormente, os fundos criados para fins de atenuação poderiam ser integrados neste me-canismo mais alargado.

Um regime mundial de tarifas de micro-geração.• Um programa mundial de tarifas de micro-geração seria um meio de garantir os preços de compra aos produtores de energias renováveis nos países em desenvolvimento durante as duas próximas décadas. Um me-canismo deste tipo conduziria a uma diminuição automática das subvenções ao longo do tempo, à medida que a produção e os rendimentos fossem aumentando. Os mecanismos de distribuição teriam de ser cuidadosamente concebidos de modo a garantir con-dições equitativas para todas as tecnologias concorrentes e para os operadores ligados à rede e não ligados à rede, e beneficiar consumidores seleccionados de baixo rendimento. Paralelamente ao programa, deverá ser prestado apoio a indústrias locais de componentes renováveis, de modo a assegurar que as capacidades de produção nacionais sejam incentivadas e os países consigam satisfazer localmente uma parcela crescente da procura acrescida de energias renováveis, beneficiando desse modo da criação de novos empregos.

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Uma reforma do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). •O Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas calcula que, em 2020, a compensação de emissões poderá estar a gerar até 40,8 mil milhões de dólares por ano, embora isto represente apenas uma fracção dos custos in-crementais estimados dos países em desenvolvimento. As actuais deficiências do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no que se refere a facilitar transferências de recursos em grande escala são amplamente reconhecidas. Tem-se prestado muita atenção à ne-cessidade de reformar o MDL de modo a que este vise programas e/ou políticas em vez de projectos, na expectativa de se conseguir um impacto maior, ciclos de financiamento mais curtos e uma redução dos custos das operações financeiras.

Mecanismos de financiamento relacionados com as florestas.• A silvicultura é responsável por aproximadamente 17% das emis-sões mundiais de gases com efeito de estufa. Foram lançadas vá-rias iniciativas de financiamento novas para ajudar a reduzir as emissões geradas pela desflorestação e pela degradação das florestas, nomeadamente o Mecanismo da Parceria Florestal do Carbono do Banco Mundial e o Programa de Colaboração das Nações Unidas para a Redução das Emissões causadas pela Desflorestação e pela Degradação das Florestas no Países em Desenvolvimento (programa ONU-REDD). A gestão sustentável das florestas é o meio adequado de abordar a atenuação no sector florestal, bem como outros problemas deste sector; o financiamento não deve visar apenas a atenuação das alterações climáticas, mas também a adaptação.

Transferência de tecnologias

Nas economias avançadas já estão a ser utilizadas tecnologias baseadas em boas práticas tendo em vista uma economia com baixos níveis de emissões, e é provável que se venham a realizar novos progressos. A transferência de tecnologias é, portanto, uma questão de política pública internacional fundamental. Por outro lado, os países em desenvolvimento necessitarão de apoio para reforçar a sua própria capacidade tecnológica, de modo a garantir uma transição suave para uma economia com baixos níveis de emissões e a manter a sua competitividade numa economia mundial aberta. A arquitectura de base destinada a apoiar estas

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dimensões do desafio ainda é rudimentar e, para a desenvolver, há que dedicar urgentemente atenção ao seguinte:

Um programa de tecnologias do clima.• É necessário criar um programa operacional, apoiado por um secretariado e vários gru-pos de peritos, possivelmente sob os auspícios da Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Altera-ções Climáticas, para examinar as várias dimensões do desafio tecnológico nos países em desenvolvimento e, se for caso disso, prestar assistência técnica, nomeadamente, nas áreas da eficiência energética dos edifícios, ecologização das cadeias de abastecimento industriais, implantação e manutenção de infra-estruturas de energias renováveis, gestão integrada de resíduos, água e sanea-mento, e serviços de extensão destinados a promover a agricultura sustentável.

Um fundo mundial de investigação, desenvolvimento e implan-•tação. As tendências actuais não têm sido favoráveis ao desenvol-vimento e demonstração tecnológicos. As despesas públicas dos países membros da Organização de Cooperação e de Desenvol-vimento Económicos (OCDE) para fins de investigação, desen-volvimento e implantação no domínio da energia diminuíram de cerca de 12 mil milhões de dólares, há duas décadas, para cerca de 8 mil milhões, enquanto as despesas do sector privado baixaram para 4,5 mil milhões de dólares, em comparação com quase 8 mil milhões de dólares há uma década. Isto significa que actualmen-te, no mundo, estamos a investir apenas 2 dólares por pessoa por ano em actividades de investigação, desenvolvimento e implanta-ção no domínio da energia. É necessário duplicar ou triplicar este montante, a fim de permitir a transição para tecnologias de siste-mas energéticos novas e mais avançadas. Perante as ameaças das alterações climáticas e da escassez alimentar, que estão interligadas, haverá talvez que dedicar uma atenção especial aos problemas que a agricultura enfrenta no mundo em desenvolvimento, no contexto da revolução verde.

Um regime equilibrado de direitos de propriedade intelectual •para a transferência de tecnologias. As partes na Convenção- -Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas devem chegar a acordo sobre o papel da propriedade intelectual na trans-ferência de tecnologias. O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos

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de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio5 prevê vários mecanismos de flexibilidade, tais como licenças obrigató-rias, excepções aos direitos de patente, regulamentação de licenças voluntárias e aplicação rigorosa dos critérios de patenteabilidade. Estas medidas permitem em certa medida o acesso às tecnolo-gias, mas a sua utilização restringe-se a circunstâncias específicas e são geralmente mais difíceis de pôr em prática nos países em desenvolvimento. Alternativas como permitir que os países em desenvolvimento isentem sectores críticos da obrigação de registar patentes e a criação de uma reserva comum mundial de tecnolo-gias no domínio das alterações climáticas merecem ser seriamen-te consideradas, já que confeririam certeza e previsibilidade ao acesso às tecnologias e, além disso, facilitariam a realização de actividades muito necessárias de investigação e desenvolvimento tendo em vista a adaptação e a difusão locais, o que, por sua vez, contribuiria para a redução dos custos das tecnologias. Por outro lado, há que explorar modalidades de acesso a tecnologias finan-ciadas por fundos públicos por parte das empresas dos países em desenvolvimento.

Comércio

O impasse nas negociações do Ciclo de Doha tem impedido um debate sério sobre as ligações que existem entre o comércio e as alterações climáticas. Aten-dendo a que os governos começam a encarar seriamente as alterações climáticas, é necessário retomar o velho debate comercial e ambiental sobre a forma de dis-tinguir entre medidas legítimas de protecção do ambiente e da saúde, nos termos das normas da Organização Mundial do Comércio, e medidas dissimuladas de proteccionismo comercial.

O comércio é importante porque as tecnologias e os conhecimentos especializados em matéria de ambiente surgem fundamentalmente nos países desenvolvidos e são transferidos para os países em desenvolvimento, principal-mente através de tecnologias incorporadas em produtos e serviços, do IDE ou da concessão de licenças. Se os governos dos países do Anexo I optarem pela aplicação de medidas nas fronteiras (por exemplo, ajustamentos fiscais nas fronteiras) a fim

5 Veja-se Legal Instruments Embodying the Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade Negotiations, done at Marrakesh on 15 April 1994 (publicação do Secretariado do GATT, Código de Venda GATT/1994-7).

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de proteger as suas indústrias de grande intensidade energética, com base nas emissões de carbono directa e indirectamente geradas durante a produção de um produto, tornar-se-á necessário resolver a questão da forma como se devem tratar os processos e métodos de produção. Atendendo a que se continua, e continuará, a utilizar os subsídios para apoiar o desenvolvimento de energias alternativas, será igualmente necessário considerar a questão de determinar a forma como estes devem ser tratados e quais aqueles que não são passíveis de sanções nos termos das normas da Organização Mundial do Comércio.

Por último, mas não menos importante, será necessário resolver estas questões tomando em consideração o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas, consagrado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, e o seu equivalente no quadro da Organização Mundial do Comércio, nomeadamente no que se refere a um tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento. Se estas questões não forem satisfatoriamente resolvidas, poderão dar origem a diferendos comerciais prolongados.

Sha Zukang Secretário-Geral Adjunto

para os Assuntos Económicos e SociaisJunho de 2009