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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

Scott, Michael, 1981-

S439dDos democratas aos reis [recurso eletrônico] : o brutal alvorecer de um mundo, da queda de

Atenas à ascensão de Alexandre, o Grande / Michael Scott ; tradução de Clóvis Marques ; revisãotécnica de Paloma Roriz Espínola. - Rio de Janeiro : Record, 2012.

recurso digital

Tradução de: From democrats to kings

Formato: ePub

Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions

Modo de acesso: World Wide Web

Inclui bibliografia e índice

ISBN 978-85-01-09982-2 (recurso eletrônico)

1. Grécia - História - Expansão da Macedônia, 359-323 A.C. 2. Esparta (Cidade extinta) -

História. 3. Tebas (Egito : Cidade extinta) - História. 4. Livros eletrônicos. I. Título.

12-2440

CDD: 938CDU: 94(38)

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Título original em inglês:FROM DEMOCRATS TO KINGS

Copyright © 2009 Michael Scott

Editoração eletrônica da versão impressa: Abreu's System

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livroatravés de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.Proibida a venda desta edição em Portugal e resto da Europa.

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pelaEDITORA RECORD LTDA.

Rua Argentina 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: 2585-2000

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que se reserva a propriedade literária desta tradução.

Produzido no Brasil

ISBN978-85-01-09982-2

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Atendimento e venda direta ao leitor:

[email protected] ou (21) 2585-2002.

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Sumário

AgradecimentosLista de ilustraçõesMapas

Introdução: O sonho de um homem

1 Flautistas e picaretas2 A cidade dos (grosseiros) guerreiros de cabelos longos3 Dançando com o rei da Pérsia4 “Coisas sérias para o amanhã”5 O filósofo vegetariano e o filantropo fisiculturista6 O peixe escorregadio7 O confronto entre o filósofo e o tirano8 A implosão da Grécia9 A bexiga da vaca, a maldição de amor e a caricatura10 Dez anos que mudaram o mundo antigo: 362-352 a.C.11 Estratégias de sobrevivência12 Salvador ou tirano?13 O confronto final14 De pai para filho15 Governando o mundo antigo16 As coisas nunca andaram tão bem17 Um novo mundo

Epílogo: Dos democratas aos reis

BibliografiaCronologiaÍndice remissivo

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Para Peter Wicker,que me ensinou as primeiras letras

do alfabeto da antiga Grécia

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Agradecimentos

A gênese deste livro encontra-se numa série de conferências para turmas degraduação na Universidade de Cambridge. Meus agradecimentos aos alunosque assistiram a elas com bom humor e boa vontade, dando-me aoportunidade de testar minhas ideias e fornecendo um retorno de grandeajuda. Aos muitos amigos e colegas com os quais desfrutei de incontáveisdebates sobre o tema deste livro e o mundo antigo em geral, minha sinceragratidão. Gostaria de agradecer especialmente ao Prof. Robin Osborne, aoProf. Paul Cartledge, ao Prof. Pat Easterling, ao Dr. Alastair Blanshard, aJames Watson, Ben Keim, Peter Agocs, Clare Killikelly e Kelly Agathos porsuas ideias, percepção e orientação. À pequena equipe de “veteranos daestrada” que de boa vontade me acompanhou na exploração da “pista dedança de Ares”, seus mistérios e delícias (entre as quais avulta a subestimadacidade moderna de Tebas), digo “Suga!” A Davina Barron, que foi de grandeajuda na atenta leitura dos primeiros esboços, meus sinceros agradecimentos.Ao Darwin College, Cambridge, e à British School de Atenas, duas admiráveisinstituições de pesquisa, que me zeram sentir-me em casa em Cambridge eAtenas não só durante a pesquisa e redação do livro, mas ao longo dos últimosanos, deixo aqui minha sentida gratidão e meu louvor. Às pessoas que fazemdessas duas instituições aquilo que são, e que representam por si mesmastantas coisas mais, ofereço meu afeto e admiração. A Moses e Mary Finley,gigantes dos estudos sobre o mundo antigo, cujo legado nancia minha atualposição como Pesquisador Finley na Universidade de Cambridge, apresentoaqui minha constante admiração e gratidão. Pelos excelentes conselhos sobreos primeiros passos em se tratando de escrever sobre o mundo antigo, meumais profundo reconhecimento a minhas agentes Diane Banks e Sue Rider,meu editor na Icon, Simon Flynn, a Duncan Heath e a toda a equipe da Icon,assim como, em Cambridge, à Prof. Mary Beard, ao Prof. Simon Goldhill e aoDr. Chris Kelly. Finalmente, a minha família, que há muitos anos estimuloumeu desejo de levar adiante essa loucura envolvendo os clássicos: obrigado.Foi um prazer e uma honra escrever este livro e contribuir para trazer o

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mundo antigo mais uma vez à vida.

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Lista de ilustrações

Mapas

Mapa 1: Atenas e o PireuMapa 2: A Grécia, o Egeu e o litoral da Ásia MenorMapa 3: Megale HellasMapa 4: O império de Alexandre, o Grande

Fotos e gravuras

1. Busto antigo de Alexandre, o Grande. 2. A colina de Pnix no centro de Atenas (com a Acrópole e o Partenon ao

fundo). 3. O cemitério público de Atenas, o Cerâmico. 4. Paisagem da antiga cidade de Esparta. 5. Reconstituição do antigo santuário de Delfos. 6. Reconstituição do antigo santuário de Olímpia. 7. Monumento tebano da vitória em Leuctra. 8. Ruínas da muralha construída pelos atenienses para proteger Ática. 9. Cópia romana da estátua de Irene e Pluto, século IV a.C.10. Cópia romana da Afrodite de Cnido.11. Reconstituição do Mausoléu de Mausolo.12. A lei de proteção da democracia de Atenas, 338 a.C.13. O leão postado pelo rei Filipe da Macedônia no campo de batalha de

Queroneia.14. Templo e oráculo do deus Amon em Siwa.15. Ruínas da grande capital persa, Persépolis.16. Grupo esculpido dos Tiranicidas.

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Mapa 1

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Mapa 2

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Mapa 3

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Mapa 4

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Quando empreender a jornada para Ítaca,reze para que o caminho seja longo,

cheio de aventuras, cheio de conhecimento.

C. P. Cavafy (1863-1933),“Ítaca” (trad. E. Sachperoglou)

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N

INTRODUÇÃO

O sonho de um homem

o ano de 339 a.C., um velho obrigou-se a deixar o leito de mortepara cumprir uma última missão. Lutando contra a doença que oa igia há três anos, estimulado pelos amigos e colegas perfeitamente

conscientes da importância do que ele estava para fazer, esse homem, aos 97anos, meticulosamente deu os toques nais na obra que vinha escrevendo nosanos anteriores à manifestação da doença. Era ele Isócrates, da cidade deAtenas, na Grécia antiga, e o objetivo de seu texto era salvar a cidade de simesma.

Isócrates era um idealista. Em sua vida extraordinariamente longa, lutaraincansavelmente para conduzir Atenas e o mundo grego antigo por um melhorcaminho, advertindo seus eleitores para os perigos que enfrentavam eexortando aqueles que detinham as necessárias habilitações a tirar a Grécia dacrise. Agora, quando sua vida chegava ao m, obrigando-se, apesar da doença,a concluir suas derradeiras palavras de orientação, ele sabia que a Gréciaestava numa crucial bifurcação do caminho. Re etindo sobre a gravidade dacrise, ele seria talvez o único homem na Grécia que vivera o su ciente paraver com os próprios olhos como se havia chegado àquele momento.

Isócrates era um idealista. Em sua vida extraordinariamente longa, lutaraincansavelmente para conduzir Atenas e o mundo grego antigo por um melhorcaminho, advertindo seus eleitores para os perigos que enfrentavam eexortando aqueles que detinham as necessárias habilitações a tirar a Grécia dacrise. Agora, quando sua vida chegava ao m, obrigando-se, apesar da doença,a concluir suas derradeiras palavras de orientação, ele sabia que a Gréciaestava numa crucial bifurcação do caminho. Re etindo sobre a gravidade dacrise, ele seria talvez o único homem na Grécia que vivera o su ciente para

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ver com os próprios olhos como se havia chegado àquele momento.Nascido no século anterior, em 436 a.C., quando Atenas estava no auge

do seu poderio, Isócrates tivera quatro irmãos. Seus pais eram ricos, graças aonegócio de fabricação de autas montado pelo pai, o que signi ca que nainfância ele recebera uma excelente educação. Mas a atmosfera idílica de suainfância fora brutalmente interrompida pelas guerras selvagens quedilaceraram o mundo grego nos 30 últimos anos do século, ocasionando aperda de status de Atenas. Seu pai perdeu sua propriedade e sua riqueza eIsócrates, apesar da educação recebida, podia contemplar apenas, comomuitos outros na época, a possibilidade de levar uma vida simples. Sua únicaesperança era ganhar a vida transmitindo seus conhecimentos. Abrindo umaescola na cidade de Atenas, Isócrates começou a ensinar. Segundo todos osrelatos, era ele um professor exigente mas querido, que ao longo da vidaganhou uma fortuna e moldou a mente de muitos daqueles quedesempenhariam papel-chave no futuro de Atenas e da Grécia. Ele ensinava ovalor do autocontrole, a importância fundamental da liberdade e daautonomia, o caráter sedutor do poder e a natureza destrutiva daagressividade cega.

Mas educar futuros líderes não era o su ciente para Isócrates. Emboranunca buscasse exercer a função pública, ele de fato queria contribuir paramoldar o mundo político ao seu redor, à medida que se ia transformandodramaticamente ao longo de sua vida. Sua resposta foi escrever. Isócratestornou-se um dos primeiros numa longa série de comentadores e observadorespolíticos, proporcionando seus conselhos às cidades e aos indivíduos domundo grego antigo sob a forma de pan etos políticos. Embora nunca tivesseocupado nenhuma posição o cial, nem provavelmente chegado sequer apronunciar publicamente um discurso político em toda a vida, suasponderadas exortações procuravam in uenciar as cidades e os indivíduos quetentavam dominar a Grécia. Tendo começado a publicar apenas depois doscinquenta anos, Isócrates trataria praticamente de todos os momentosturbulentos da história de Atenas e da Grécia na segunda metade da vida. Aolongo desses escritos, dois temas revelam-se sempre dominantes. O primeiro éo amor por sua cidade de origem, Atenas. O segundo, seu profundo desejo dever a Hélade, a confusa comunidade de cidades disparatadas e não raro emcon ito que formava a Grécia antiga, uni cada e dominando todo o mundo

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antigo.Ao longo da vida, Isócrates contemplou com perene entusiasmo um futuro

especí co para a Grécia. No dizer de um estudioso, se a poderosa Hélade erauma religião, Atenas seria seu altar central e Isócrates, seu mais articuladoprofeta. Todos os primeiros textos de Isócrates dirigem-se a Atenas,encorajando sua amada cidade a se superar na luta por manter o seu lugar nasareias movediças da política internacional, a enxergar além de suas habituaislutas políticas intestinas e lançar-se na liderança da Grécia. Com o passar dotempo, contudo, Isócrates sentia-se cada vez mais desiludido com aincapacidade de Atenas de se mostrar à altura dessa realidade. Mais e mais elese voltava na direção de outros indivíduos poderosos, e não de cidades, poiseles poderiam mostrar-se mais dispostos e capazes de transformar emrealidade seu sonho de uma Hélade dominante.

Só no último ano de vida ele desistiu de Atenas. Levantando-se do leito demorte, ele se obrigou a concluir suas palavras de despedida à amada cidade,estimulando-a uma última vez a se mostrar uma vez mais à altura da própriaglória. Mas já eram palavras sem esperança. No ano seguinte, 338 a.C., mesesantes de morrer, Isócrates deixou de lado Atenas e encontrou um novosantuário para sua religião de uma grande Grécia. Escrevendo uma derradeiracarta aberta ao novo rei da Macedônia, no norte da Grécia, cujos exércitosestavam a ponto de assumir o controle de boa parte do país e acabavam dederrotar os de Atenas e seus aliados no campo de batalha, Isócrates agradeciaao rei por ter permitido que se realizassem “algumas das coisas com quesonhei na juventude”. E concluía, com simplicidade: “Espero que o restovenha em seguida.”

Isócrates morreu pouco depois. Foi enterrado ao lado dos pais, às margensdo rio Ilissos, em Atenas. Não cou sabendo o que veio depois. Não chegou asaber que a Grécia estava a ponto de ser governada por sua mais poderosa ebem-sucedida dupla de pai e lho: Filipe da Macedônia e Alexandre, oGrande, que criaria o maior império jamais visto no mundo antigo. MasIsócrates efetivamente sabia, ao morrer, que Atenas e a Grécia tinhamchegado a uma crucial bifurcação em seu destino. Conhecia melhor queninguém as turbulentas ondas de acontecimentos, personalidades, debates edecisões que haviam levado Atenas e a Grécia àquele momento. No últimoano de vida, seus dois derradeiros pan etos simbolizavam a mudança que

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sobrevinha na Grécia: uma mudança no equilíbrio de poder, de cidades comoa democrática Atenas para o rei da Macedônia. Isócrates testemunhara edesempenhara seu papel no brutal alvorecer de um novo mundo — dosdemocratas aos reis.

É bem provável que você tenha ouvido falar de Alexandre, o Grande (nomínimo por causa do filme de Hollywood, com Colin Farrell e Angelina Jolie).É bem provável que tenha ouvido falar da democracia ateniense (no mínimoporque recentemente os Estados Unidos comemoraram as origens de suaprópria democracia na democracia ateniense, 2.500 anos antes). Mas tambémé bem provável que nunca tenha ouvido falar de Isócrates nem se dado contade que esses dois extremos do espectro político, a democracia e a monarquiaabsoluta, assim como as sociedades e os mundos diametralmente opostos poreles de nidos, estivessem separados no mundo antigo pela duração apenas deuma vida: a vida de Isócrates. Embora não faltem hoje em dia bons livros dehistória para descrever e explicar o “acidente” da democracia ateniense e aheroica história do supremo conquistador, Alexandre, o Grande, são poucosos que se concentram na geração que transcorreu entre os dois. Este livro tratadesse período e do alvorecer de uma nova ordem mundial nele contido.Maspor que haveríamos de nos preocupar com esses acontecimentos na vida deIsócrates, que se deram há tantas centenas, e mesmo milhares de anos atrás?

Em primeiro lugar, porque se trata de um período ainda malcompreendido, mesmo pelos especialistas. Os estudiosos do mundo antigo setêm apressado a focalizar sua atenção na democracia ateniense, saltando emseguida para Alexandre, o Grande, sem compreender de que maneira umacoisa abriu caminho para a outra. Ainda que tenham estudado o período entreos dois, muitas vezes descartam-no como uma história de declínio edecadência após a época gloriosa que a antecedeu (o glorioso 5º século a.C.,durante o qual foi construído o Partenon e a Atenas democrática teve o seupróprio império). Mas todas as indicações apontam no sentido da insuficiênciadessa perspectiva do declínio e da decadência. Na verdade, torna-se cada vezmais claro que o entendimento desse período de dramática transição pode sercrucial para melhor compreender o mundo antigo como um todo. Este livrosustenta a tese da importância do período “dos democratas aos reis” paratodo aquele que se interesse pela história antiga. Mas não conta essa história

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de tumultuadas mudanças como uma sucessão de acontecimentos inevitáveis,como uma cronologia de manual de história, e sim da perspectiva das pessoasque efetivamente estavam envolvidas no processo, tomando decisões sobre amelhor maneira de reagir às mudanças que ocorriam no mundo ao seu redor,com limitada disponibilidade de tempo, informações e margem de manobra.Acompanha as decisões, os debates e as personalidades que viraram o mundogrego de ponta-cabeça.

Mas essa história não é importante apenas para um melhor entendimentoda história antiga. Considero que o momento atual é mais apropriado quequalquer outro para que esse período de turbulenta transição seja trazido àatenção do mundo moderno. Este livro é uma história de mudança mundial,de tumulto político e econômico (até os bancos da Grécia antiga pararam deemprestar em dado momento), de esmagamento e reconstrução dedemocracias, de democracias antigas e novas vacilando sobre os abismos dasambições imperialistas, de impérios hesitantes e Estados até então atrasadosganhando proeminência, para se transformarem de um momento para outronas forças motoras do mundo antigo. Ele fala de uma busca desesperada ea nal ilusória para preservar o status quo e do triunfo de um novopensamento estratégico sobre a paralisia tática. Investiga o desenvolvimentoda identidade e de uma noção de self, em nível individual, cívico, nacional emesmo internacional, perante a integração de mundos, culturas, políticas ereligiões muito diferentes. Acompanha os movimentos populacionais e opotencial, assim como os traumas, da imigração. Projeta o foco numafrouxamento do sistema de classes e no surgimento de nova riqueza e dacelebridade. Mostra de que maneira as sociedades buscavam novas formas dese conceitualizar, regulamentar e policiar e como os indivíduos clamavam porrazão, equilíbrio e uma vida perfeita. Traz à luz os acordos feitos a portasfechadas e os grandes debates envolvendo milhares de pessoas. É a história deuma luta por recursos naturais e da persistente busca de autossu ciência, datraiçoeira evolução de um mundo de contato interpessoal para uma sociedadeglobalizada, na qual os indivíduos, assim como os governos, podiam ter umgrande impacto. É uma celebração do rompimento das barreiras do possível,protagonizado por homens que investigavam a incerteza e descobriam ascomplexidades do mundo ao seu redor. Poucos serão aqueles que nãoencontrarão nessa lista algo que fale a si mesmo e ao mundo em que todos

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vivemos atualmente. Se a história pode de maneira geral fornecer um mapados lugares por onde temos andado, um espelho daquele em que nosencontramos neste exato momento e talvez até funcionar como guia para oque devemos fazer a seguir, a história da mudança dos democratas para os reisé adequada exatamente para isto em nossa época. Trata-se de um período dahistória sobre o qual deveríamos nos deter um pouco mais no presentemomento.

Mas é possível que o motivo mais importante pelo qual devemos nosimportar com esse momento da história da Grécia antiga seja o seguinte:gostemos ou não, boa parte do mundo de hoje está estreitamente vinculada àshistórias, aos valores e paradigmas da Grécia antiga (sendo o cultuado vínculodos Estados Unidos com a antiga democracia ateniense apenas um exemplo).Por uma in nidade de razões, a moral, as práticas, a cultura, a filosofia, alinguagem, a política e a identidade dos gregos antigos estão entranhadas emnós, e não é raro que sejam invocados exemplos da Grécia antiga comojusti cação de atos modernos. As consequências disso são ao mesmo tempopositivas e negativas. A tragédia grega antiga inspirou gerações de criadoresliterários. Mas Hitler até certo ponto justi cava seu programa de eugenia combase na mentalidade heroica dos antigos guerreiros espartanos (aqueles do

lme 300). Em consequência, muita coisa em nosso mundo depende damaneira como entendemos a história da Grécia antiga e permitimos queoutros a usem.

Para mim, a única solução para esse dilema está em melhorar nossacompreensão do que aconteceu no mundo antigo, para que todos estejam maiscapacitados a avaliar a adequação de seu exemplo e in uência ao mundo dehoje. Não podemos fechar os olhos ao fato de que o mundo antigo era narealidade inimaginavelmente diferente do nosso. Mas ao mesmo tempo nãopodemos ignorar que muito pouca coisa mudou, que os antigos enfrentavamos mesmos desa os e lutas que nós e que ainda podemos aprender muito comeles. Para que o mundo moderno evolua e se sinta mais à vontade em suarelação com a Grécia antiga, e para que a história antiga, em vez de ser malinterpretada, seja verdadeiramente útil para nosso presente e nosso futuro,precisamos entender melhor os equilíbrios de proximidade e distância que nosseparam deles. Devemos todos nos envolver no debate sobre a relação entre osmundos antigo e moderno.

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Em nosso mundo cada vez mais atarefado, dispomos de pouco tempo parafazer um balanço do ponto em que nos encontramos em nossa vida, quantomais para saber onde estamos como famílias, comunidades, cidades, nações ecomo humanidade, em comparação com nosso passado. A história contada emDos democratas aos reis pode ajudar nesse sentido por ser uma históriaverdadeira de mudança, fracasso, triunfo, di culdades e esperança no mundoantigo, mas sobretudo por ser, em última análise, uma história sobre o que éser humano.

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N

CAPÍTULO 1

Flautistas e picaretas

o ano de 404 a.C., quando Isócrates tinha 32 anos, a cidadedemocrática de Atenas e seu grande império viviam os espasmosnais de uma lenta e dolorosa morte. Atenas estivera em guerra

praticamente durante toda a vida de Isócrates. A razão dessa luta épica era dasmais simples. Desde a resistência oferecida pelas cidades da Grécia à invasãopersa (e os combates tão gloriosos dos 300 — na realidade 301 — espartanosnas Termópilas) no início do século, a cidade de Atenas gradualmente viera adominar boa parte da Grécia antiga. Na década de 440 a.C., cerca de 30 anosdepois dos feitos heróicos dos 301, no momento em que tinha início aconstrução do grande templo do Partenon em Atenas e quase uma décadaantes do nascimento de Isócrates, o império ateniense passara a abarcar boaparte do mundo grego. Sua invencível armada patrulhava o mar Egeu e o marNegro e não raro impunha violenta vingança a cidades que não aceitavam sualiderança, seus impostos e seus postos militares avançados. Com o passar dotempo, a tensão tornara-se insuportável e a única cidade com poderio para seopor ao sufocante domínio ateniense sobre a Grécia, Esparta, com seusfamosos cidadãos guerreiros, declarara guerra, para devolver aos gregos aquiloque chamava liberdade. Atenas, a festejada democracia, foi denunciada comoo tirano da Grécia por Esparta — ironicamente, uma cidade por sua vezgovernada por dois reis. Arregimentando aliados em sua campanha, Espartaenfrentou Atenas numa guerra, que acabou envolvendo boa parte da Gréciacontinental, as ilhas do Egeu e o litoral da moderna Turquia. Essa guerra,conhecida como guerra do Peloponeso, estendeu-se por toda a Grécia porquase 30 anos. Consumiu os primeiros anos de vida de Isócrates e acabou coma fortuna de sua família, para não falar de milhares de vidas.

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Nesses longos trinta anos, nenhum dos dois lados foi capaz de desferir ogolpe mortal. Mas o fato é que em 404 a.C. Atenas estava de joelhos. Por quê?Em certa medida, a coisa tinha a ver com fatores fora do controle de Atenas.No empenho de proteger seus cidadãos, ela estimulara muitos dos que viviamna situação vulnerável do campo a se transferir para a cidade, onde poderiamser protegidos pelas pesadas muralhas da cidade. Mas a consequência de umaquantidade tão grande de pessoas amontoadas na cidade, que já não eraconhecida por um bom padrão de higiene pública, foi a peste. A cidade foi trêsvezes atingida por graves surtos de peste, matando talvez um terço de suapopulação. A peste sangrou o moral da cidade, provocando o colapso daordem social e religiosa e a morte de seu mais ilustre general, um homemchamado Péricles, espécie de versão ateniense de Winston Churchill. Sem umlíder claramente no comando, cercada de piras fúnebres cujas cinzasespalhadas pareciam simbolizar o desmoronamento do Estado atenienseoutrora tão orgulhoso, Atenas não estava preparada para dar prosseguimentoàquele debilitante conflito.

Mas a perda de poder de Atenas também se devia a seus próprios erros.Muitas vezes a sobre-excitada assembleia democrática votava às pressasdeterminada missão que, alheia ao planejamento, tendia a ser atribuída àresponsabilidade de outros. O caso mais grave foi o de uma batalha naval emArginusas em 406 a.C., dois anos apenas antes da derrota nal de Atenas.Após a batalha, da qual saíram vitoriosos, os almirantes atenienses nãotinham sido capazes de resgatar os mortos do mar, por medo de umatempestade que podia ceifar a vida de mais atenienses em busca dos mortos.Eles voltaram para casa sem os corpos dos compatriotas, o que representavaum grave desrespeito às normas atenienses e às obrigações religiosas, apesarde parecer compreensível nas circunstâncias. A assembleia ateniense reunidaem sessão na sala de audiências, denominada Pnix, no centro da cidade (verMapa 1), não encarou as coisas desse modo e votou pelo julgamento eeventual execução dos almirantes que haviam incorrido em erro. Em plenaguerra, Atenas matava seus próprios e bem-sucedidos comandantes militares.Atenas cou assim sem um comando, e com as ordens sendo aparentementedadas pela multidão vingativa, não surpreende que tivesse di culdade paraencontrar homens talentosos e dispostos a assumir o lugar dos almirantesmortos.

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Mas é provável que o golpe de misericórdia para a Atenas nessa últimagrande guerra fosse a disposição dos espartanos (talvez surpreendente) deimaginar o inimaginável. Durante boa parte do século, as cidades da Gréciatinham estado em guerra com o grande império do outro lado do mar Egeu, aPérsia. A Pérsia era a antítese de tudo que podia ser considerado grego, e orepúdio da tentativa persa de assumir o controle das cidades da antiga Gréciaem 490 e 480-479 a.C. constituiu a base não só do prestígio lendário dosguerreiros espartanos no mundo antigo como também da liberdade da Gréciae da crescente glória da cidade de Atenas. Um espartano não podia sequerimaginar a hipótese de uma aliança com a Pérsia. Mas os longos anos daguerra do Peloponeso e o fato de ser já agora a cidade grega de Atenas, e nãomais a Pérsia, a ameaçar a liberdade da Grécia pareciam dispor os espartanosa fazer um acordo com os persas. Em troca de ajuda militar e nanceira, osespartanos prometeram aos persas o controle das cidades gregas espalhadaspelo litoral do território que seria o da Turquia moderna (as fronteiras entreos mundos persa e grego), o que até então constituíra uma pedra no sapato dorei persa. Os espartanos, descendentes dos 300 que haviam resistido até amorte à tomada do estreito de Termópilas pelas forças do exército persainvasor, estavam agora frente a frente com o antigo inimigo. Perante as forçassomadas do exército de Esparta e do poderio nanceiro e naval da Pérsia, osatenienses não tinham a menor chance.

Em 404 a.C., após um assédio de Atenas e o bloqueio de seu porto, oPireu (Mapa 1), que tinha proporcionado a circulação arterial vital dos grãoscomestíveis para a cidade, Atenas aceitou a própria derrota. O impérioateniense estava morto. O general espartano responsável pelo comando dessahumilhação nal, Lisandro, recebeu o emissário de paz de Atenas com grandegenerosidade, mas também o fez esperar torturantes três meses para a nalconcordar com os termos do acordo. Três meses durante os quais os exaustosatenienses esperaram o que estaria reservado a sua cidade tão castigada, comouma vítima da guilhotina esperando interminavelmente para ouvir o som dalâmina caindo em direção ao seu pescoço. As condições a nal impostas erammassacrantes. Atenas teria de entregar as joias de sua coroa — sua esquadra—, com a exceção de doze embarcações de três remos de menor importância(a versão antiga do cruzador de batalha). Teria de autorizar o retorno à cidade

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dos adeptos da oligarquia — domínio de uns poucos, a antítese dademocracia. Teria de tornar-se amiga e aliada de Esparta, e segui-la aondequer que fosse. E como se isto tudo não bastasse, Atenas teria de derrubar asmuralhas da cidade, cando desnuda para o mundo ao seu redor. Como umprisioneiro de guerra despido diante dos captores, era a humilhação nal paraa cidade que fora a glória da Grécia.

Sob certos aspectos, contudo, o acordo de paz poderia ter sido muito pior.Não se exigia, por exemplo, que Atenas se livrasse de seus sistemas dedemocracia. Na verdade, foi o que Atenas fez por si mesma. Na assembleiaque se reuniu no Pnix para tomar conhecimento dos termos do acordo de paz,certos atenienses tomaram da palavra para dizer que a democracia já cumpriraseu papel e o que se precisava então era um governo forte e estável nas mãosde um número menor de homens experientes. Não era uma ideia nova, poisAtenas já tentara por um breve momento um sistema algo semelhante degoverno sete anos antes, embora tratasse de descartá-lo com a mesma rapidezque o havia adotado. Dessa vez, contudo, o movimento era mais sério. Oindivíduo enviado por Atenas para negociar os termos do acordo de paz (eque, segundo se dizia, apreciou muito mais a generosidade de Esparta duranteaqueles longos três meses de espera) pronunciou-se em favor da designação deuma comissão de 30 membros para liberar Atenas em seu momento dedi culdade. O próprio general espartano vitorioso, Lisandro, subiu ao pódiodiante da assembleia ateniense e sugeriu que, pelo bem de Atenas, a propostafosse aceita. Os adversários da proposta, os democratas mais radicais,retiraram-se da assembleia indignados com algo que consideravam umasubversão dos procedimentos democráticos normais (o que pareciacompreensível, pois a presença de Lisandro, assim como a do seu exército, nãomuito distante, não eram particularmente propícias ao debate democrático).Em sua ausência, contudo, os defensores da proposta deram prosseguimentoao debate e acabaram levando a melhor. No mesmo dia em que, 76 anosantes, a Atenas democrática e seus aliados tinham obtido sua famosa vitóriacontra os persas na batalha naval de Salamina, a Atenas democrática votoudemocraticamente (em certa medida) para deixar de existir.

Nas noites que se seguiram à adoção das exigências de Esparta, seustermos foram brutalmente aplicados. O mais doloroso foi a destruição daspoderosas muralhas da cidade, que haviam de nido e protegido Atenas. Cada

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espartano, cada um daqueles que detestavam Atenas, foi convocado a derrubaras muralhas com qualquer ferramenta que tivesse à mão. Em contraste com aderrubada do Muro de Berlim em 1989, anunciando a criação da unidadenuma cidade dividida, essa derrubada signi cava a destruição de uma cidade.De dia, debaixo de um sol causticante, e à noite, à luz tremeluzente dastochas, a batida rítmica dos metais contra a pedra podia ser ouvida ecoandopor toda a cidade. Os espartanos, marchando ao som da auta, chegaram aposicionar autistas por toda a cidade para coordenar o trabalho. A tristemelodia ritmada da auta e a batida de acompanhamento das picaretasanunciavam a humilhação nal de uma cidade outrora orgulhosa e,supostamente, a libertação da Grécia de seu tirano.

O domínio dos Trinta (que mais tarde se intitulariam os “ TrintaTiranos”) revelou-se de início razoavelmente brando e moderado. Mas uma desuas mais controvertidas medidas foi a reconstrução da assembleia ateniensena Pnix. Desde sua criação, essa assembleia ao ar livre, no alto de uma dascolinas centrais de Atenas, se estruturara de maneira a permitir que seusmembros estivessem voltados para o porto ateniense do Pireu e para o mar.Os Trinta Tiranos inverteram a situação, para que os membros da assembleiacassem voltados para o território. Por quê? Dizem que os Trinta

consideravam que o Pireu e o mar lembravam aos atenienses os tempos dademocracia e do império (pois remar a bordo das frotas de trirremes deAtenas representara uma das principais formas de apoio ao pensamentodemocrático na cidade: quem quer que fosse capaz de defender a cidadeoperando seus navios de guerra devia ser levado em conta na maneira deadministrá-la). Voltar os integrantes da assembleia para o território, segundoesse raciocínio, permitia lembrar-lhes dos proprietários fundiários, daaristocracia e da ordem “tradicional” de coisas, em que só a elite podiapronunciar-se. Fazendo-os voltar as costas para o mar, os Trinta Tiranosesperavam que os atenienses esquecessem seu caso de amor com a democracia.Ainda hoje, podemos encontrar na Pnix, em Atenas, a mesma disposiçãoestabelecida pelos Trinta Tiranos em 403 a.C. (ver Figura 2).

O reinado dos Trinta foi bastante breve, não só por suas tentativassuper ciais de erradicar boa parte da preocupação ateniense com ademocracia. No inverno desse mesmo ano em que eles chegaram ao poder, acompetição entre os trinta homens escolhidos para liderar Atenas conduzira a

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um enrijecimento de suas posições. Teramenes, o homem que zera a paz comEsparta, apoiando o domínio dos Trinta na assembleia, passava agora aquestionar suas motivações e iniciativas; ele foi mandado para o exílio, sendoestabelecida uma lista das 3.000 pessoas que podiam ser consideradasintegrantes do clube da cidadania ateniense. Embora sempre fosse restritiva naatribuição da cidadania, a Atenas democrática se havia transformado, emapenas um par de meses, num clube extremamente exclusivo. Os adeptos dademocracia e os que não faziam parte dessa lista exclusiva fugiram da cidadepara tramar a vingança em cidades gregas vizinhas como Tebas, Argos eMégara. No m do ano, um grupo de 70 revolucionários — reunindo exiladosatenienses e não atenienses — era formado em Tebas sob a liderança de umhomem chamado Trasíbulo. Eles trataram de ocupar a cidade de Philé, nafronteira entre os territórios de Atenas e Tebas. Dali, avançaram para tomar oporto de Atenas, o Pireu. Esse viveiro do apoio democrático tinha perdidoforça desde a derrubada da democracia, apesar do fato de a assembleialiteralmente dar-lhe as costas, e veio a ser novamente in amada pela chegadad e Trasíbulos e seu bando heroico. Na colina de Muníquia, no Pireu,Trasíbulos e seus combatentes da resistência, já agora em númeroconsideravelmente maior, defrontaram-se com o avanço dos defensores (aindanumerosos) dos Trinta e a “lista dos 3.000” em batalha declarada pelo futurode Atenas.

O confronto não teve um resultado claro, mas a insurreição conseguiu aeliminação física de Crítias, o mais radical dos Trinta Tiranos , forçando umamudança constitucional. Os 3.000 da lista exclusiva livraram-se dos TrintaTiranos e, numa iniciativa improvisada para aplacar os democratas,nomearam dez pessoas para governar a cidade de Atenas e em seguida paragovernar o Pireu. Tais iniciativas serviram apenas para irritar ainda mais oslíderes da rebelião, que ameaçaram com novas ações militares. Os dez e os3.000 zeram um apelo desesperado e até certo ponto em pânico para queEsparta proporcionasse mais ajuda militar. Mas que poderia fazer Esparta?

Hoje temos mais consciência que nunca dos riscos e di culdades dequalquer interferência nas questões políticas internas de outra cidade ou país.Também Esparta, não obstante sua posição concreta no controle da Grécia,estava dividida sobre a maneira de reagir. Os dois lados do debate eram

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resumidos por duas das mais destacadas personalidades da cidade. Por umlado, Lisandro, o arquiteto da vitória sobre Atenas, queria seguir em frente,para esmagar de uma vez por todas a rebelião democrática. Mas um dos reisde Esparta (Esparta sempre teve dois soberanos) defendia a moderação. O reiimpôs sua autoridade sobre o general Lisandro. Em mais uma ironia sobre ahistória de Atenas, sua democracia, eliminada por voto de sua própriaassembleia democrática, era restabelecida num acordo negociado pelo rei dacidade que um ano antes deixara Atenas de joelhos.

Atenas passara por períodos turbulentos. Em um só ano, perdera oimpério, o orgulho, suas muralhas, sua democracia, sendo reorganizada numEstado oligárquico, sofrendo uma guerra civil interna e assistindo àrestauração de sua democracia. No verão de 403 a.C., tinha nas mãos agigantesca tarefa de se reconstruir e curar as próprias feridas — sicamente,politicamente e moralmente. Mas havia um problema: como poderia Atenasrestabelecer a democracia e punir aqueles que a ela se opunham sem deixarclara a original debilidade constituinte da democracia? Como poderia a cidadecomemorar sua vitória sem lembrar que havia chegado tão perto da derrota?Tal como a Alemanha depois da queda do nazismo, Atenas precisava descobrirde que maneira deixar para trás um período tão negro de sua história semesquecer as lições que deviam ser aprendidas com ele.

A solução encontrada pela cidade associava de maneira brilhante umaevocação seletiva dos momentos heroicos e um esquecimento não menosimportante em sua seletividade dos episódios embaraçosos. Atenas concedeuanistia a todos, exceto os Trinta Tiranos , que foram perseguidos e punidos.Estimulada por Esparta, a cidade ofereceu condições muito atraentes para quetodos aqueles que não quisessem participar de uma Atenas democrática fossemembora para viver em Elêusis, importantíssimo local de culto religioso a cercade um dia de caminhada da cidade (Mapa 1). Mas, sobretudo, decidiu-se queninguém caria se lembrando dos erros do passado: não seria apenas umaanistia que livrasse de processos, mas uma deliberada limpeza da lousa damemória coletiva. O passado não aconteceu. O ano anterior não passara deum soluço na graciosa dança da democracia em andamento.

Antes de cobrir os acontecimentos com esse manto do esquecimento,contudo, era necessário homenagear os heróis da democracia. Com uma noçãotática dos graus de heroísmo, Atenas reservou as honrarias máximas para

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aqueles poucos destemidos que se haviam disposto a enfrentar os Trinta bemno início — os 70 homens que tinham partido de Tebas sob o comando deTrasíbulo e ocuparam Philé —, com honrarias de menor importância para amaior quantidade de soldados que atenderam ao chamamento de Trasíbulosao chegar ao Pireu e homenagens ainda menos importantes para as hordas quehaviam acorrido ao Pireu quando já parecia que a vitória estava garantida. Asrecompensas para cada um deles eram inscritas numa pedra montada nacolina sagrada que, no centro da antiga Atenas, dominava a cidade, tal comohoje: a Acrópole. Posicionada perto do templo mundialmente famoso doPartenon, no topo dessa rocha imponente, a pedra com a inscrição dos nomesdos salvadores de Atenas, tal como o próprio Partenon, ainda hoje pode serlida por nós.

Os estrangeiros que integravam o grupo original dos heróis, os “homensde Philé”, como ficaram conhecidos, receberam o prêmio máximo: a cidadaniade Atenas, para eles e os descendentes. Em contraste, os não atenienses quetinham ajudado Atenas apenas no Pireu ficaram isentos dos impostos cobradospela cidade aos estrangeiros — algo que podia ser considerado uma grandehonra, mas não comparável à cidadania propriamente dita. Os nomes de cadaum dos integrantes dos grupos foram gravados, com sua posição, para quetodos pudessem ver. Parecia um inspirador relato de uma autêntica revoluçãodemocrática de baixo para cima promovida pelo homem comum. “Leptines, ocozinheiro” e “Hegesias, o jardineiro”, entre outros, lutaram nesse dia porseus direitos democráticos. Com seus nomes imortalizados na pedra, esseshumildes cozinheiros e jardineiros transformaram-se nos heróis de Atenas.Mas a inscrição também revela que, antes da inclusão de qualquer nome nalista, fosse de Philé ou do Pireu, todos eles tinham inicialmente de apresentartestemunhas para comprovar que efetivamente tinham estado onde alegavamter estado. Muito acertadamente, a democracia ateniense queria comprovaçãosobre quem eram de fato os seus heróis.

Depois de homenagear os heróis, fosse na inscrição da Acrópole ou nostúmulos do cemitério público de Atenas, o Cerâmico (situado num local deexcelente visibilidade perto da entrada principal da cidade, de tal maneira queera preciso atravessar o cemitério para chegar a Atenas), a tarefa crucial domomento era ocultar as defasagens na sociedade ateniense dilacerada pelaguerra e reconstruir a democracia em condições mais fortes que antes. Aos

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homens de Philé e do Pireu foi autorizado um desfile da vitória até a Acrópole,para que em seguida tomassem seus lugares anonimamente na assembleia,como todo mundo, dando início ao lento processo de reconstrução dasinstituições da democracia. Esse processo envolvia uma crucial revisão das leisda cidade, muitas delas descartadas pelos Trinta Tiranos. Logo, Atenas estariasentindo os efeitos desse novo alicerçamento do império da lei. Os cidadãostinham a possibilidade de ler eles próprios as leis, inscritas na pedra no espaçopúblico do mercado político da cidade, a Ágora, e de aplicar as leis nos novostribunais também construídos na mesma área. Depois de 403 a.C., Atenasapressou-se a fortalecer a democracia e a torná-la mais visível que emqualquer período anterior. A principal prova disto estava no juramento quetodos os atenienses foram convocados a prestar nas semanas posteriores aoacordo. De pé na Ágora, eles juravam, numa só voz: “Matarei pela palavra,pelos atos, pelo voto e com minhas próprias mãos, se puder, qualquer um quederrube a democracia em Atenas.”

Todo cidadão ateniense democrático já não apoiava a democracia apenascom a voz e o voto. Todos eles estavam agora obrigados por um juramentodiante dos deuses, que os comprometia a chegar a matar todo aquele quetentasse derrubá-la. O compromisso de um ateniense já não era em últimaanálise com os amigos ou a família, mas com a cidade. Depois das sublevaçõese da revolução de 404-403 a.C., a Atenas democrática passava a se constituirnuma força militante de potenciais matadores.

Fica tudo parecendo um pouco perfeito demais: a democracia vacilou, foirestabelecida pelos cozinheiros e jardineiros de Atenas e retornou mais forteque nunca, esquecidos os erros do passado, e todo mundo viveu feliz parasempre. Na realidade, é claro, não funcionou assim. Qualquer que fosse aposição o cial, as pessoas não podiam esquecer tão facilmente quem haviaapoiado a democracia e quem não a havia apoiado. Em certa medida, era de seesperar. O acordo havia estabelecido as bases da sociedade ateniense pós-revolucionária, mas cabia aos próprios atenienses acrescentar os nervos,ligamentos e músculos desse esqueleto. Sob esse aspecto, os textos jurídicostornaram-se fundamentais. Eles funcionaram como pontos de debate ediscussão a respeito do que seria e não seria permitido lembrar e perseguir.Gradualmente, a sociedade ateniense foi abrindo caminho para um acordo

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político viável. Mas foram registradas baixas no caminho. Até mesmoTrasíbulo, o grande herói que havia liderado a revolução de Tebas,conduzindo os homens de Philé e do Pireu, não cou acima das intrigasjurídico-políticas nesses difíceis dias posteriores a 403 a.C. Ele foi acusado desolicitar ilegalmente honras excessivas para os heróis revolucionários(especialmente os estrangeiros). “Basta”, veio o velado apelo da velha guarda,mesmo se tratando desse herói da democracia.

Mas a pior injustiça desses anos turbulentos estava reservada ao homemque continuou provocando a história, o pensamento e os debates desde então.Os cidadãos atenienses não podiam acusar diretamente outros cidadãos deapoiar os Trinta Tiranos nos recém-construídos tribunais de justiça (a grandepreocupação, como você deve lembrar-se, era esquecer e perdoar tudo), maspodiam encontrar alguma denúncia fabricada para lançar contra eles e emseguida rechear seus discursos de acusação com mal disfarçadas referências asuas passadas infrações de menor monta. A tinta ainda não havia secado nasparedes do tribunal, e Atenas em 399 a.C. já testemunhava um verdadeirofestival de acusações dúbias e comentários vingativos de duplo sentido contraum homem: Sócrates.

Você provavelmente já sabe como era o aspecto físico de Sócrates, de talmaneira a imagem do lósofo se transformou num ícone: baixo, atarracado,entradas pronunciadas na cabeleira, um rosto desagradável, parecendo umbode, os olhos saltados e o dedo em riste. Há muitos anos ele andava porAtenas exortando políticos e cidadãos ambiciosos de todas as pro ssões adiscutir o que achavam que estavam fazendo. Entre os companheiros maispróximos de Sócrates estava nosso futuro comentarista político Isócrates, que,estando quase para completar quarenta anos, ganhava a vida como professor.Sócrates havia inclusive profetizado o glorioso futuro de Isócrates. Mas oproblema com Sócrates era que inevitavelmente seus debates losó cosacabavam demonstrando com toda clareza que os “especialistas” por eleinterrogados não eram na realidade especialistas coisa nenhuma. Ele era o tipodo sujeito que ninguém convidava para uma festa: aquele sujeito que nãodeixa nenhuma a rmação sem contestação, que espicaça os egos em público equestiona o que exatamente você quis dizer com sua irreverente dissertaçãosobre a “liberdade”. Em suma, um homem que frustrava, irritava eembaraçava grande parte das pessoas com as quais se relacionava.

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Mas era também um homem cujos argumentos, ensinamentos e busca dareal verdade, do conhecimento, da justiça e da boa vida vieram a questionar orumo de nosso pensamento ao longo das eras. Ainda hoje lutamos com acomplexidade dos argumentos de Sócrates, e o nosso mundo, assim como omundo de Atenas, só tem a lucrar com isto. Mas na Grécia de 399 a.C. muitagente não aguentava mais. Em seu assédio aos indivíduos poderosos, Sócratesestabelecera contato com membros do grupo dos Trinta Tiranos . Ele os haviaapoiado e zera parte do círculo fechado dos 3.000. Isto e o seucomportamento difícil bastavam para que seus inimigos farejassem problemasno ar. Oficialmente, as acusações contra o grande pensador eram de introduzirnovos deuses, deixando de honrar os deuses reconhecidos pela cidade, e decorromper os jovens (o que quer que isto signi casse). Na realidade, contudo,essas acusações eram uma fachada para uma oportunidade de vingança contraos Trinta e contra Sócrates, na qualidade de um de seus seguidores. O discursode defesa pronunciado por Sócrates perante o júri incumbido de avaliar asacusações chegou até nós, graças aos escritos de outro de seus discípuloslosó cos (que por sua vez seria mais tarde um grande lósofo), Platão. Na

presença do júri, Sócrates defendeu sua vida em Atenas e seu estilo de vida,explicando uma ideia que se transformou em verdadeira palavra de ordempara os pensadores ao longo dos tempos: “Uma vida que não seja examinadanão vale a pena ser vivida para um ser humano.” Mas o júri, cego à verdadeou antes enceguecido pelo desejo de vingança, votou pela condenação.

Nos tribunais atenienses, o procedimento nesse tipo de crime era que ojúri também atuasse como corpo de juízes, baixando a sentença. Mas eles nãotinham total liberdade. Depois de ouvir o veredicto de culpa, a promotoria e adefesa podiam cada uma sugerir uma forma de punição. O júri escolheria umadelas: não havia uma terceira alternativa. A promotoria, naturalmente, exigiaa pena máxima: execução com ingestão de veneno. Levantando-se, Sócratesa rmou que, em vez de puni-lo, a cidade devia encarregar-se de pagar suascontas, tão útil era ele para Atenas. Mais tarde, ele mudou sua atitude,oferecendo-se para pagar uma multa. O júri, devendo escolher entre mandarmatá-lo e libertá-lo mediante pagamento de uma multa, preferiu sua morte.

Um júri ateniense democrático condenou Sócrates à morte em 399 a.C.Seus últimos momentos na prisão, inclusive o momento em que bebeu oveneno (a terrível cicuta, que paralisava aquele que a ingeria dos pés para

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cima, de tal maneira que a pessoa tinha consciência da morte se aproximando,até o momento em que o veneno imobilizava os músculos dos pulmões,levando-a a sufocar), foram registrados, mais uma vez, por seu discípuloPlatão. Para mim, a parte mais surpreendente desse registro das últimas horasé o fato de Sócrates ter tido várias oportunidades de escapar, mas preferir nãofazê-lo, de tal ordem era o seu respeito pelas leis de Atenas — por maiserradas que fossem elas. Sócrates, o feio guerreiro da verdade, foi morto peloalter ego sedento de sangue da nova democracia linha-dura de Atenas, em suabusca cega de uma reconciliação política. Foi um dia inglório na história dogoverno democrático.

Quase 2.500 quilômetros a leste de Atenas, tinha lugar um outroacontecimento que mudaria a face do mundo antigo no limiar de um novoséculo. No mesmo ano em que Atenas vivia o transe de perder e reconquistarsua democracia, o rei da Pérsia, Dario II, senhor de um imenso império que seestendia do atual território da Turquia até o Afeganistão, morreu em suacapital, Susa (Mapa 4). Sua morte foi imediatamente seguida pela subida aotrono de seu lho, Artaxerxes. Mas um outro lho, Ciro, acompanhando osacontecimentos em Susa e mais adiante de volta à sua base no litoral da ÁsiaMenor (o nome antigo da metade ocidental do atual território da Turquia),tinha outros planos.

Em épocas anteriores, essas manipulações de política interna para assumiro trono talvez não interessassem tanto assim as cidades da Grécia. Um persaera um persa — fosse qual fosse o seu nome e não importando o rei ao qualservisse. Mas agora Esparta recebera dinheiro dos persas (na verdade, dinheirode Ciro) para tentar vencer sua guerra contra Atenas, tendo prometido àPérsia, em troca, as cidades gregas do litoral da Ásia Menor. Esparta, e comela a Grécia, tinha interesses em jogo nas questões persas, especialmenteconsiderando-se que o pretendente ao trono, Ciro, estava estabelecidoexatamente nesse litoral. O que estava em jogo era o seguinte: se Espartaajudasse Ciro em sua conspiração para se apoderar do trono da Pérsia e eletivesse êxito, o novo rei persa caria eternamente grato a Esparta . Entretanto,se Ciro fracassasse, Esparta e a Grécia teriam de lidar com um rei persa que

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haviam tentado assassinar. A tentação de exercer poder e in uência sobre omaior império do mundo antigo era grande demais. Esparta enviou um de seusgenerais para ajudar Ciro, e os dois lançaram um apelo aos guerreiros gregosdispostos a combater como mercenários.

Mas lutar por quê? Eles não poderiam anunciar sua intenção de investircontra o recém-coroado rei da Pérsia, dando-lhe assim tempo su ciente paramobilizar um exército e esmagar a insurreição antes mesmo que começasse.Em vez disso, Ciro e seu ajudante de campo espartano convocaram osmercenários gregos a lutar numa guerra local contra uma tribo rebelde.Alegava-se que Ciro estava fazendo um favor ao irmão, o rei, ao enfrentaruma insurreição local. Enquanto Ciro reunia uma força de nativos no litorald a Ásia Menor, gregos de muitas cidades atendiam à convocação demercenários: eram guerreiros escolados de uma guerra de 30 anos e,sobretudo, precisavam do soldo alto que Ciro pagaria por seus serviços nocampo de batalha.

Um dos que não precisavam do dinheiro, mas precisava de um motivopara deixar Atenas, era Xenofonte, um jovem e rico ateniense não muitosatisfeito com a reviravolta democrática da situação em 403 a.C. Eleconsultou o sábio Sócrates (que logo viria a encontrar seu terrível destino)sobre a conveniência de atender à convocação para servir sob Ciro. Sócratesaconselhou-o a consultar o grande oráculo no santuário de Delfos, escondidono alto das montanhas do Parnaso, no centro da Grécia. Jovem ambicioso,Xenofonte não perguntou inicialmente ao oráculo se deveria ir, mas, tendoido, a que deuses deveria oferecer sacrifício para se sair bem em sua aventura.Com a decisão tomada, foi então ao encontro de Ciro na malfadada expediçãoàs entranhas do império persa.

Só depois de terem adentrado tanto no território que cava difícil atélembrar como eram as coisas em seu próprio país que Ciro anunciou às tropassua verdadeira intenção: combater as forças do irmão pelo trono da Pérsia.Que fariam os mercenários gregos? Dar meia-volta e tentar retornar sozinhospara casa, atravessando um país estrangeiro e inimigo? Ciro sabia que os tinhaem suas mãos: eles teriam de permanecer e combater a seu lado pelo trono daPérsia. Em Cunaxa, perto de Babilônia, no território modernamente ocupadopela parte meridional do Iraque, uma nuvem de poeira apareceu no horizontenaquele ano de 401 a.C. (Mapa 4), logo revelando as cintilações dos metais

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das armas que anunciavam a chegada do verdadeiro rei da Pérsia com suastropas. Logo teria início a batalha pelo futuro da Pérsia..

Mas ela seria breve. Ansioso por um confronto frente a frente com oirmão, Ciro meteu-se no meio das tropas persas e foi morto. Os mercenáriosgregos não lutavam por uma causa, mas por dinheiro, e aquele que lhespagaria estava morto. Eles não tinham interesse em dar prosseguimento aoscombates. Mas havia um probleminha. Como voltar para casa? De fato,cercados como estavam pela extensão territorial da Ásia e fora do alcance domar, qual seria o caminho de volta? De repente, esses mercenários gregos,aproximadamente 10.000, devem ter-se sentido muito sós. Eram forasteirosintrusos num país estrangeiro, enfrentando o mais poderoso governante domundo antigo, o qual acabavam de tentar matar.

Com impressionante franqueza, eles explicaram sua situação ao já agoraincontestado rei da Pérsia (com alguma argumentação do tipo “negócios sãonegócios, nada de ressentimentos”) e zeram um acordo com seu escudeiro,um homem chamado Tissafernes, para voltar para casa. Inicialmente, a apostaparecia ter dado certo. O acordo foi fechado, providenciaram-se provisões e os10.000 tomaram seu caminho, observados a cada passo pelos olhos de falcãod e Tissafernes. À medida que avançavam, contudo, foi cando patente aintenção de Tissafernes de persegui-los e acuá-los. E por que deixaria de fazê-lo? Dez mil mercenários altamente treinados tinham vindo à Pérsia: por quenão haveriam de voltar se lhes oferecessem uma soma atraente? Era melhoreliminá-los logo a permitir que voltassem para novos combates. Numaaudaciosa e cruel subversão dos costumes de guerra, Tissafernes matou osgenerais gregos que o haviam procurado durante uma trégua para negociar acontinuação da marcha. Já agora sem comando, o exército de mercenáriosgregos, ainda muito entrado em território inimigo, era um alvo fácil.

Foi nesse momento de crise que Xenofonte, o jovem, rico e ambiciosoateniense que atendera à convocação de Ciro — e que viria a car conhecidocomo o primeiro “amigo dos cavalos”, por sua perícia com os animais —entrou em cena. Numa marcha que mais tarde viria a relatar em seus escritos(que, segundo dizem, estão para ser lmados em Hollywood) , Xenofonteconduziu aqueles bravos 10.000 guerreiros pelo território inimigo,atravessando as montanhas bárbaras do império persa até chegar ao marNegro (Mapa 4). Segundo seu relato, ao verem o mar pela primeira vez depois

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de meses e meses de in ndáveis terras áridas, os gregos, povo nascido comágua do mar correndo nas veias, gritaram como um só homem, comcomovente simplicidade: “Thalatta! Thalatta!” (“O mar! O mar!”) A grandejornada chegara ao m. Xenofonte retornou a Atenas enquanto os outrosgregos voltavam a suas cidades de origem. Mas a sorte tinha sido lançada. Ascidades da Grécia, depois de uma precária trégua com os persas durante aguerra do Peloponeso, tinham sido apanhadas em agrante delito ao apostarcontra o novo rei da Pérsia. Além disso, Esparta já não parecia tão interessadaem conceder à Pérsia as cidades gregas que lhe prometera na Ásia Menor. E doponto de vista dos gregos, os persas mais uma vez se tinham revelado indignosde con ança: Ciro os havia enganado e Tissafernes tinha desrespeitado todasas regras de comportamento temente aos deuses. Depois de uma breve entente,o novo século começava multiplicando por dez a descon ança e a antipatiamútuas entre as duas maiores potências do mundo antigo, o que viria arepercutir pelas décadas seguintes.

Enquanto Atenas vivia os espasmos de uma revolução e a Pérsia estavamergulhada numa crise sucessória, grave agitação também se apoderava deoutra região do mundo antigo. A ilha da Sicília abrigava colônias gregas há300 anos (Mapa 3). Era uma região difícil e traiçoeira. As cidades gregas nelaimplantadas, com suas populações ecléticas, formadas com a instalação ali deimportantes empórios do comércio internacional, conviviam na ilha com umagrande variedade de tribos nativas, além dos cartagineses, líderes de umpoderoso império naval centrado na cidade norte-africana de Cartago. Talcomo hoje, a Sicília era um cadinho de etnias, identidades e tendênciaspolíticas. Em 406 a.C., dois anos apenas antes de Atenas perder a guerra doPoloponeso, Cartago tinha-se empenhado em capitalizar essa dinâmica dainstabilidade. Seu alvo era a rica cidade grega de Acragas, na Sicília. A quedad e Acragas em mãos dos cartagineses desencadeou uma onda de pânico emoutra importante cidade grega do litoral siciliano, Siracusa. Na assembleia dacidade, ninguém sabia o que fazer. Em meio à confusão, um homem destacou-se: Dionísio. Ele tinha apenas 35 anos e sabia manipular a multidão. Começoupor atacar os políticos e generais da cidade por conduzirem tão mal a crise até

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ali. Todo mundo gosta de saber de quem é a culpa. E a população localadorou. Ele provocou a cidade a eleger novos generais. Começar do zero:quem não gosta? Dionísio a rmava precisar do poder absoluto para enfrentara ameaça, dizendo que só ele poderia garantir segurança a Siracusa e à Sicílianaquela hora difícil. Todo mundo gosta de um herói. Manipulando amultidão, com seu talento teatral (ele armou um falso atentado contra simesmo para levar a população a lhe dar ainda maior apoio), Dionísio foi feitogeneral único — strategos autokrator — de Siracusa. Nascia Dionísio I.

Seu primeiro ano foi tumultuado. Ele convocou ao combate todos oshomens da cidade com menos de 40 anos. Liderou esse exército contra oscartagineses, mas foi rechaçado. Com característica volubilidade, a multidãovoltou-se contra ele, permitindo que a cavalaria da cidade destruísse sua casa eforçasse sua mulher a se suicidar. Mas Dionísio conseguiu manter o controle(de si mesmo e da cidade). Os cartagineses foram rechaçados e a ilha da Sicíliaveio a ser dividida: metade para Siracusa e metade para Cartago. Massemelhante acerto não poderia durar. Reunindo forças e descartando ideias desuicídio, desesperado por se mostrar digno do título de strategos autokrator ermar-se no poder, Dionísio empreendeu a retomada da Sicília. Em 401 a.C.,

no momento em que Ciro era morto em Cunaxa, na Pérsia, Dionísio, já agoraagindo de maneira não muito diferente de um monarca persa, tinha sob seucomando pessoal todas as cidades gregas da Sicília, exceto uma. Ao longo dospróximos 30 anos, daria incansável prosseguimento à luta pela ampliação deseus domínios pessoais, quase perdendo tudo mais de uma vez, mas no mlevando os combates ao mesmo tempo a Cartago, no norte da África, e àscidades do calcanhar do território italiano. Não foi à toa que Dionísio I deSiracusa ficou conhecido como o “senhor da guerra” da Sicília.

Como era este homem? Os estudiosos modernos, como as fontes antigas,polarizam-se entre os traços do homem forte que fez o necessário nascircunstâncias e os do ditador brutal que trucidou uma nação. Ele certamentebuscou um domínio real sobre Siracusa, para si mesmo e seus descendentes (echegaria a mencioná-lo, décadas depois, num tratado com Atenas). Mostrou-se intransigente na arquitetura de alianças políticas vantajosas para oscasamentos dos lhos; obrigou a população de Siracusa a trabalharexclusivamente em projetos militares e cobrou-lhe impostos pesados parananciar sua máquina de guerra. Sob seu governo, Siracusa tornou-se o

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primeiro exemplo de complexo industrial-militar — uma cidade cujo podereconômico dependia em larga medida das armas. Ele obrigou habitantes decidades vizinhas a se mudarem para Siracusa, para aumentar o número detrabalhadores e combatentes. Nos Jogos Olímpicos de 388 a.C., foiabertamente criticado pelo orador ateniense Lísias por se parecer demais como rei da Pérsia. E no entanto escrevia poemas na mesa de trabalho do grandedramaturgo trágico Ésquilo e usava a pena de Eurípides para se inspirar.Atenas ergueria uma estátua em sua homenagem na Ágora, em retribuição porseus feitos na defesa das cidades gregas perante o invasor cartaginês. Sob seucontrole, Siracusa entrou num período de inédita segurança e prosperidade.Até Isócrates, nosso atento observador político, que pelo m do reinado deDionísio I começara a redigir seus pan etos estimulando Atenas a ousar mais,sentiu-se tentado pelo que esse homem tinha a oferecer. Embora ensinasse seusdiscípulos a detestar a busca do poder e a agressão, Isócrates admirava acapacidade de Dionísio de se valer do poder para unir e liderar. Em 368 a.C.,chegando Dionísio ao m da vida, Isócrates escreveu-lhe uma carta aberta,implorando que salvasse o resto da Grécia com suas táticas de braço forte.Dionísio I: herói ou vilão? Na época, como hoje em dia, cada um tinha dedecidir por si mesmo.

No alvorecer do século IV, um mundo antigo muito diferente tinhasurgido daquele outro já conhecido e entendido por todos uma década antesapenas, nos últimos anos do século anterior. Cruciais teatros de operaçõessofriam radicais mudanças. Derrotada, Atenas estava mergulhada emrevolução, contrarrevolução e auto agelação. Esparta agora é que dava ascartas na Grécia continental. O império persa vivia uma crise sucessória. ASicília se dilacerava. Das profundezas desses con itos, novas políticassurgiam. Em Atenas nasceu uma democracia mais linha-dura e intransigenteque nunca. Na Pérsia surgiu um rei cada vez mais descon ado da Grécia euma Grécia ainda mais descon ada do rei. Na Sicília, um indivíduo depoderes reais que, para alguns, representava a única esperança de salvação,não só para a Sicília, como para parte da Grécia.

O que tornava esse mundo ainda mais assustador era a di culdade dedistinguir entre amigos e inimigos. Um exército persa podia ter um generalespartano ou um almirante ateniense no seu comando, além de soldadosmercenários gregos em sua leiras, e ainda assim ser inimigo da Grécia.

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Dionísio I podia atacar e capturar colônias gregas, mas o fazia commercenários gregos e exatamente por isto era honrado em Atenas e cortejadopor Esparta. As regras do jogo tinham mudado, mas ninguém sabia ao certoquais eram as novas regras. Quem era amigo? Quem era inimigo? Nomomento em que os povos do mundo antigo enfrentavam o novo século,ninguém sabia ao certo com quem podia contar ou o que aconteceria emseguida.

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Q

CAPÍTULO 2

A cidade dos (grosseiros) guerreiros de cabeloslongos

uem eram essas pessoas que conseguiram botar Atenas de joelhos, irpara a cama com a Pérsia e apoiar o pretendente Ciro em suasambições pelo trono persa? Quem eram esses espartanos, esses

guerreiros lendários e de fama hollywoodiana? Conhecidos por usarem ocabelo longo e pelo cuidado de penteá-lo antes das batalhas, por desprezaremos bens materiais, por prepararem os lhos para serem guerreirossubmetendo-os a constante treinamento militar e fazendo-os roubar e matar,os espartanos eram um povo tão fascinante e insondável para os outros gregosquanto para nós hoje em dia. Sua intransigente masculinidade e obsessivabusca do perfeito estilo de vida do guerreiro, que os levou a estimular trocasde esposas e o abandono de crianças doentias, tem sido fonte ao mesmo tempode inspiração e horror ao longo dos tempos. Os espartanos inspiram desejo,repulsa e uma relutante admiração, misturados a desprezo, mas em casoalgum um desinteresse passivo.

Eles tampouco eram as pessoas mais diplomáticas do mundo. Podemosdeixar de lado sua fama (hollywoodiana), em épocas mais recuadas, de atirarmensageiros em poços profundos, sua inclinação por um estilo de vida austerode guerreiros ou mesmo sua mentalidade do tipo “hoje vamos acabar noinferno”. Há quem diga que se conhece realmente um homem pela maneiracomo encara o sucesso. E os espartanos, no alvorecer do novo século, não sesaíram assim tão bem.

Esparta era então a indisputada potência do território continental daGrécia. Mergulhada Atenas numa revolução, todos voltavam seus olharesagora para a máquina militar espartana. O que era uma situação inusitada

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para Esparta. Ela sempre fora conhecida por suas proezas militares. Mas suapolitica externa quase sempre fora a de um avestruz com a cabeça en ada naareia. Não por acaso era Esparta a única cidade grega que ainda consideravacomo estrangeiro todo aquele que procedesse de fora de suas muralhas(independentemente do fato de vir da cidade mais próxima ou da Pérsia).Esparta era extremamente isolacionista, e só em raras ocasiões do séculoanterior se vira na contingência de deixar seu confortável refúgio no sul doPeloponeso: para defender toda a Grécia perante os persas e para tomarAtenas quando esta ameaçou a liberdade e o estilo de vida espartanos. Emsuma, Esparta simplesmente não estava habituada à posição em que Atenas sedeleitara: a de principal potência da Grécia e, em consequência, sua forçapolicial.

Os primeiros sinais do desconforto sentido por Esparta na posição deliderança manifestaram-se pouco depois da derrota nal de Atenas. A vitórianuma batalha pedia comemoração com um monumento. O habitual no casode uma vitória tão importante seria erguer um monumento não só no campode batalha e na cidade de origem, mas também nos santuários religiososinternacionais de Delfos ou Olímpia (Figs. 5 e 6) — lugares onde o mundogrego se reunia periodicamente para os Jogos Olímpicos ou para consultar ooráculo de Delfos —, nos quais um novo monumento celebrando a vitóriapoderia ser visto por muitas pessoas em toda a sua glória. Com o tempo, essesdois santuários cariam cobertos de milhares de oferendas caras que, juntas,representavam uma verdadeira documentação material da história da Grécia.Em Delfos, os escarpados penhascos das montanhas do Parnaso, formando opano de fundo do santuário encarapitado em suas faldas íngremes, abrigavamem suas depressões verdadeiros tesouros reluzentes de ouro, prata e bronze.Esparta sempre torcera o nariz, no passado, para esse tipo de ostentação (aopasso que Atenas não perdia uma oportunidade nessa direção). Os espartanoseram homens que bebiam caldo de sangue no desjejum, no almoço e no jantar,sendo proibidos de ter objetos de valor ou usar dinheiro. Sua própria cidade,espraiada aos pés da impressionante cordilheira de Taigeto , com o toposempre coberto de nuvens, no extremo sul do Peloponeso (Fig. 4), eraconhecida no mundo antigo pelo aspecto singularmente sem graça nemadornos. Com uma lança e um escudo nas mãos, que interesse poderiam ter osespartanos por peças extravagantes de mármore e ouro esculpidas por algum

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artista famoso, em casa ou no exterior? A própria Esparta era um lugar“espartano”, e a cidade jamais erguera um monumento cívico o cial emDelfos ou Olímpia em toda a sua história.

Mas agora os espartanos eram os senhores do território continental daGrécia — herdeiros da coroa ateniense e dos remanescentes do impérioateniense —, e tinham de se comportar como tal. Podemos imaginar osembaixadores espartanos enviados a Delfos por Lisandro, o vitorioso generalespartano, para proceder às negociações para a construção de um monumentoda vitória, coçando a cabeça ao serem defrontados com toda umadesconcertante variedade de alternativas. Em Delfos encontravam-se milharesde estátuas, tesouros e oferendas, numa in nidade de formas, materiais etamanhos, tudo oscilando em torno do templo central de Apolo e seu oráculo,famoso em todo o mundo grego e mesmo no mundo conhecido em geral. Qualdeveria ser a escolha deles?

No m das contas, a resposta dos espartanos foi arrasadoramente simplese destituída de sutileza: vamos car com tudo. Nós vencemos os atenienses equeremos algo parecido com o que eles têm, porém maior. Eles ergueram aestátua de um grupo? Pois faremos o mesmo, só que três vezes maior. Onde?Simples: vamos colocá-la exatamente ao lado do grupo dos atenienses. Osatenienses construíram um pórtico de mármore com colunatas? Nós tambémteremos um. E ele cará bem ao lado da nossa estátua de grupo. Os ateniensestinham uma tesouraria? Muito bem, vamos rebatizar uma das atuaistesourarias para homenagear alguns de nossos heroicos guerreiros. Ah, sim, evamos erguer também algumas estátuas de nossos heróis, como Lisandro,espalhadas pelo santuário. Pronto. Passe a sopa de sangue, por favor...

Numa visita a Delfos hoje em dia, com suas impressionantes ruínasacomodadas nas montanhas cobertas de neve, o contraste entre a delicadaornamentação dos monumentos atenienses e a ostentosa força bruta das peçasespartanas ainda é palpável. Mas Esparta tinha outros problemas além dasdecisões artísticas a serem tomadas. O poder em Esparta estava dividido entreos dois reis, os generais, os principais conselheiros e um conselho de idosos. Jávimos que esses diferentes ramos do governo podiam discordar, por exemplo,quando o general Lisandro queria esmagar a revolução democrática ateniensee o rei Pausânias preferia chegar a um acordo. O impasse tinhaprosseguimento agora em torno da questão de saber o que Esparta deveria

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fazer em seguida. Deveria ter a grandeza de se retirar de volta a sua políticado avestruz, depois de acabar com a ameaça ateniense, ou deveria dar umpasso à frente, para liderar um novo império? Esparta entrara em guerracontra Atenas para libertar os gregos do império e da tirania atenienses, eagora lá estavam os espartanos debatendo se deveriam por sua vez setransformar em criadores de impérios.

Lisandro era favorável ao império. Um famoso biógrafo do mundo antigo,Plutarco, escreveria mais tarde uma biogra a de Lisandro. A imagem quepintou não era nada lisonjeira (e sempre que possível Plutarco gostava depintar imagens lisonjeiras, pois suas biogra as deviam ser lições de moralpara ensinar às futuras gerações como levar uma boa vida). Lisandro,comentava Plutarco, não tivera origem na linhagem real de Esparta, o que omarcou por toda a vida. Sua principal característica era a ambição, e ele nãose detinha diante de nada quando se tratava de vencer. Ainda menino, elecostumava trapacear nos jogos com os companheiros. Já adulto, não achavanada demais renegar juramentos feitos. Um dos piores insultos na Gréciaantiga era chamar alguém de cretense — era o mesmo que chamar dementiroso e trapaceiro —, e Lisandro, segundo Plutarco, era o maior doscretenses. Também se revelou, com seu crescente sucesso, um homem cada vezmais vaidoso. Ele foi o primeiro homem a ser cultuado em altares e sacrifíciosainda em vida, como se fosse um deus, e o primeiro a merecer canções detriunfo a seu respeito.

Não surpreende que, com a queda do império ateniense, Lisandro visseuma oportunidade de aumentar seu contingente de admiradores e seu poderpessoal. Após a vitória sobre Atenas, ele continuou navegando pelo mar Egeu,e onde quer que os atenienses tivessem governado ele tratava de impor seudomínio (supostamente em nome de Esparta). Derrubando o governo no poderem toda cidade à qual chegava, ele o substituía invariavelmente por umpequeno grupo de dez amigos. Como diria Plutarco, Lisandro tornou-se maispoderoso que qualquer outro grego até então. Seu caráter foi tomado degrande arrogância e cruel severidade, e ele não hesitava em outorgar poderesabsolutos sobre as cidades a seus amigos e mandar matar cada um de seusinimigos. Esparta cou tão embaraçada com essa tentativa de Lisandro deconstruir um império pessoal que logo depois tratou de chamá-lo de volta.

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A fama de Lisandro em nada ajudou Esparta em sua busca de um papeladequado para si mesma na condição de nova potência da Grécia continental.Lisandro chegara inclusive a posicionar amigos à frente de cidades do litoralda Ásia Menor — aquelas mesmas cidades que Esparta jurara entregar à Pérsiaem troca da ajuda dos persas na guerra do Peloponeso. Mas não foi culpaapenas de Lisandro. Nos primeiros anos do novo século, Esparta conseguiualienar não só a Pérsia como seus muitos aliados na própria Grécia. A cidadede Tebas, por exemplo, que lutara contra Atenas ao lado de Esparta em 404a.C., de bom grado acolheu e estimulou os revolucionários democráticosatenienses mais tarde nesse mesmo ano, tão indignada havia cado com ainjusta distribuição das riquezas obtidas na guerra feita por Esparta. Espartatampouco se saiu melhor nas relações diplomáticas com a pequena cidade deÉlis, que administrava o santuário internacional de Olímpia. Envolvidadurante muitos anos numa disputa com Élis, Esparta prevalecia-se agora desua posição como maior potência da Grécia para simplesmente forçar aadmissão no santuário, contra o desejo dos cidadãos de Élis. Um ato dessanatureza contra um santuário tão importante não foi muito apreciado pelosgregos. No ano seguinte, Esparta foi chamada a solucionar um con ito civilem uma pequena colônia no centro da Grécia, e resolveu a questãosimplesmente executando os responsáveis pela agitação de ambos os lados.Não muito tempo depois, o general espartano que servira com Ciro, opretendente ao trono persa, sem saber o que fazer desde a morte de Ciro,decidiu competir com Lisandro pela glória e ocupar a rica cidade comercial deBizâncio (a moderna Istambul). Esparta cou tão embaraçada com semelhantedescontrole que teve de enviar uma força militar para retirar seu própriogeneral da cidade.

Mas o mais surpreendente terá sido talvez a atitude de Esparta em relaçãoà Pérsia. Apesar de toda a bazó a sobre seu poderio militar, e por mais queseu ego se tivesse in ado com a derrota de Atenas e a tomada do impérioateniense, Esparta era uma cidade pequena, com uma quantidade limitada deguerreiros. A Pérsia, por outro lado, era um poderoso império, comcontingentes humanos praticamente ilimitados. Impunha-se cautela. MasEsparta não só renegou sua promessa de entregar as cidades gregas à Pérsia,não só foi apanhada fazendo a aposta errada na disputa do trono persa, comodecidiu que era o bom momento para mandar uma força invasora proteger e

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ampliar a in uência grega no litoral da Ásia Menor. Uma pequena forçaexploratória enviada em 400 a.C. seria substituída em 396 por uma forçamuito maior. Podemos estar praticamente certos de que uma das principaisforças propulsoras por trás desse desastre de política externa foi Lisandro, quevinha sendo mantido em banho-maria em Esparta. Mas ele jamais teria sidocapaz de convencer os diferentes ramos do governo espartano, eparticularmente de vencer a resistência do rei Pausânias, sem algumainteligente manipulação política. Lisandro jamais seria um rei, mas fazia reisnos bastidores. Alguns anos antes, a morte do rei que fazia dupla comPausânias gerara a necessidade da sucessão. O lho do falecido seria umaescolha natural para o trono, mas começaram a circular boatos de que esselho talvez não fosse espartano e sim — verdadeiro choque — lho ilegítimo

da rainha espartana com um ateniense. Isto o desquali cava. A única outraalternativa era o meio-irmão do falecido rei, um homem chamado Agesilau,que por acaso vinha a ser grande amigo (e muito provavelmente amante acerta altura) de Lisandro. Aos 40 anos, sem nunca ter imaginado tornar-se rei,Agesilau foi levado ao trono, tendo Lisandro ao lado. Lisandro conseguira umrei fantoche para apoiar seus planos de conquista.

Não foi necessário muito esforço para convencer Agesilau. Ele eraplenamente favorável à apropriação do poderio do império persa. Em 396a.C., embarcou com Lisandro num veleiro para a Pérsia, para acertar ascontas com o mesmo escudeiro persa que pusera em risco a sobrevivência dos10.000 mercenários gregos que haviam escapado da Pérsia um par de anosantes: Tissafernes. Agesilau entrou em tal delírio que tentou dar início àviagem proclamando-se o novo rei Agamêmnon, empenhado em tomar“Troia” numa nova “guerra de Troia”. Marchou em direção a Áulis, o pontode partida da expedição troiana, e se preparou para o sacrifício, como zeraAgamêmnon. Mas os tebanos, que já não eram admiradores de Esparta econtrolavam a região ao redor de Áulis, recusaram-lhe o direito de sacrifício eo puseram para correr. Apesar desse início algo vexaminoso, Agesilau eLisandro chegaram ao litoral da Ásia Menor para dar início às operaçõescontra Tissafernes. Defrontaram-se não só com um exército persa de razoávelpoderio mas também com uma marinha persa de poderio ainda maior. Piorainda, era uma marinha persa comandada por um importante almirante

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ateniense, e os atenienses conheciam melhor que ninguém a guerra no mar.Não demorou, e Lisandro e Agesilau, amigos do peito a vida inteira, estavamàs turras. Lisandro foi rebaixado da posição de general à de “açougueiro” deAgesilau, sendo posteriormente mandado de volta para casa em desgraça.

Esparta não se saíra bem em seu primeiro ano como senhora absoluta daGrécia. Todos as principais cidades do território continental da Grécia, quemenos de dez anos antes tinham combatido contra Atenas na guerra doPeloponeso, estavam agora aliadas a Atenas contra Esparta. Plutarcocomentaria mais tarde a posição de Esparta adaptando a história de um poetacômico que dizia que Esparta era como uma prostituta de taberna. Elacertamente tinha dado à Grécia um gostinho do inebriante vinho da liberdade,dizia Plutarco, mas depois o havia misturado com tanto vinagre que eramelhor nunca tê-lo bebido.

Caberia imaginar que, tão pouco tempo depois dos 30 anos da guerra doPeloponeso, nenhuma cidade grega estaria ansiosa por entrar novamente emcon ito. Mas era de tal ordem a brutalidade da liderança espartana quemuitas cidades gregas, por sua vez muito zelosas da própria “liberdade” esensíveis a qualquer coisa que pudesse ameaçá-la, voltaram mais uma vez aocampo de batalha. Era uma guerra que Esparta jamais poderia vencer, nomínimo por ser travada simultaneamente em duas frentes: o litoral da ÁsiaMenor e o interior da Grécia central. As únicas maneiras de se deslocar de umponto a outro eram em embarcações a vela, remando ou caminhando — e opercurso era bastante longo: aproximadamente 500 quilômetros, na verdade (eisto em linha reta). Esparta, uma cidade de recursos limitados, isolada naextremidade sul da Grécia (Mapa 2), ia agora absurdamente além de suaspossibilidades com esse envolvimento numa guerra em duas frentes.

No litoral da Ásia Menor, os espartanos continuavam enfrentando asforças reunidas do persa Tissafernes, apoiadas quando necessário pelas tropasdo próprio rei persa. No centro da Grécia, Esparta enfrentava as forçasaliadas de beócios, tebanos, coríntios, atenienses e argivos, nanciados,segundo se dizia, pelo ouro persa. É possível até que a Pérsia tivessesubornado as cidades gregas para dar início à guerra, com isto defrontandoEsparta, já mobilizada na Ásia Menor, com a di culdade de um con ito emduas frentes. Mais uma vez, o ouro persa, que uía na direção dos espartanosdurante a guerra do Peloponeso, inundou a Grécia, desta vez caindo nas mãos

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dos inimigos de Esparta. O tiro saíra pela culatra para Esparta. Ela passara demandachuva a combatente superado pelos acontecimentos praticamente numpiscar de olhos. Fiéis, no entanto, ao seu estilo, o único digno daqueleshomens que cegamente haviam mantido o controle do des ladeiro dasTermópilas perante os invasores persas 85 anos antes, os espartanos não sederam por achados. Liderados por seu novo rei, Agesilau, sedento por umaguerra e uma oportunidade de mostrar seu valor, eles entraram na guerra, nodizer de um estudioso, com “a visão das toupeiras”. Não tinham umaestratégia para a vitória nem, certamente, um plano de retirada. Mas sabiam oque os espartanos faziam melhor que tudo: lutaram — até a morte.

Os espartanos já estavam em sérias di culdades antes mesmo de começarrealmente a guerra. Seu general Lisandro, o herói da guerra do Peloponesotransformado em governante do Egeu, fazedor de reis e puxador das cordinhasde marionete do novo rei espartano, Agesilau, fora mandado de volta paracasa, em desgraça, pelo velho amigo, quando se desentenderam durante acampanha na Ásia Menor. Lisandro nunca mais voltaria a ver seu protegido.Sem ter o que fazer em casa, circulavam boatos de que ele estava insatisfeitocom a sede de conquistas de Agesilau, infeliz com seu destino e inconformadocom o que acontecia ao seu redor (quando se é homenageado como umverdadeiro deus vivo, ca difícil aceitar menos que isto). Segundo Plutarco,seus pensamentos voltaram-se para a revolução. Os detalhes da trama sãoconfusos — muitos só viriam à tona após sua morte. Pois o fato é que, numadas primeiras batalhas contra os tebanos, em 395 a.C., Lisandro foi morto. Asconsequências da morte desse herói espartano transformado em motivo deembaraço para depois voltar novamente a ser um herói foram de duas ordens.Em termos imediatos, o segundo rei espartano, Pausânias, cansado de guerrase amante da paz, e que havia recomendado iniciativas diplomáticas em direçãoa Atenas e à Pérsia, foi acusado de não se ter empenhado su cientemente noscombates para resgatar o corpo do herói Lisandro do campo de batalha. Porum comportamento tão vergonhoso, Pausânias foi julgado em Esparta econdenado à morte. Escapando de seus captores, foi obrigado a fugir para acidade próxima de Tegeia e terminar seus dias como refugiado pedindo abrigono templo da deusa Atená. Foi um triste m para uma voz da sanidade emmeio a um bando de ensandecidos.

O segundo resultado da morte de Lisandro foi o rejuvenescimento de sua

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reputação. Em vez de ser um desprezível ricaço, como suspeitavam muitosespartanos (que assim o detestavam), revelou-se que ele era incrivelmentepobre. Os espartanos o amaram por este motivo — menos o noivo de sualha, que rompeu o noivado ao tomar conhecimento de que não haveria dote.

Ao mesmo tempo, contudo, vieram à luz documentos que revelavam o papelde Lisandro na conspiração de uma revolução em Esparta. A questão era o quefazer com eles. Envolvida Esparta numa guerra em duas frentes, precisandodesesperadamente de heróis para mobilizar as tropas, decidiu-se literalmenteenterrar as provas junto com seu corpo, para poder proclamá-lo heróiimpoluto de Esparta. No cruel destino da guerra, o homem que promovia apaz morreu em desgraça, no exílio, e o revolucionário egoísta transformou-seem lenda do civismo.

Esparta tinha, portanto, o seu herói, mas também perdera duas das maisfortes vozes do comando espartano, e, sobretudo, não dispunha mais docontraponto à retórica guerreira de Agesilau. No ano seguinte, cariadolorosamente patente a realidade de sua posição, no combate desse con itoem duas frentes. Inicialmente, ao largo do litoral da Ásia Menor, a recém-chegada esquadra espartana enfrentou a esquadra persa naquela que cariaconhecida como a batalha de Cnido. Os espartanos eram acima de tudosoldados da terra, e não marinheiros (sua cidade de origem não tinha acessoao mar). A esquadra persa, por outro lado, era uma das maiores jamais vistasno mundo antigo, conhecia as águas litorâneas como a palma da mão de seusremadores e, como vimos, era comandada por um almirante ateniense,escolado nos longos anos da supremacia de Atenas no mar. O resultado detudo isso era previsível. Cônon, o almirante ateniense que comandava a frotapersa, derrotou a marinha espartana em toda a linha. Os atenienses,aclamando um dos seus a distância, apesar de estar agora trabalhando para ospersas, ergueram em sua homenagem uma estátua no coração político de suacidade — a Ágora. Ficaram tão comovidos igualmente com o empenho do reide Chipre em combater Esparta que aproveitaram para levantar também umaestátua em sua homenagem. No coração da recém-reformada Atenasdemocrática, viam-se agora, ao lado das estátuas de seus antigos heróispolíticos, as de heróis de um mundo muito diferente: o ateniense trabalhandopara os persas e um rei estrangeiro.

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A perda do controle no mar efetivamente impossibilitou a guerra na ÁsiaMenor para Esparta — suas tropas em terra estavam por demais expostastanto às tropas persas terrestres quanto a investidas persas vindas do mar. Orei Agesilau, em situação humilhante, já se retirava desse teatro de guerra:Esparta haveria agora de se concentrar em vencer a guerra em casa. Apesar detodas as suas de ciências, Agesilau não carecia de habilidade militar.Conseguiu levar a efeito a marcha de volta da Ásia Menor para o territóriocontinental da Grécia em 30 dias (o que signi ca aproximadamente 52quilômetros por dia — mais que uma distância de maratona com seu exércitodiariamente). Seu retorno à Grécia mais tarde nesse mesmo ano, na malfadadabatalha de Cnido, em 394 a.C., provocou um sério confronto com os inimigosde Esparta. Foi quase como se todos estivessem marcando passo à espera dachegada de Agesilau.

A guerra no antigo mundo grego era algo muito estranho, diferente dequalquer coisa que conheçamos hoje. No mundo antigo, não havia algo muitoparecido com um exército pro ssional — na maioria das cidades, aqueles quevotavam pela guerra lançavam mão de suas lanças e partiam para o combate.Os soldados mercenários eram uma novidade, surgida em consequência dalonga guerra civil na qual a Grécia se vira recentemente envolvida. Na maioriadas guerras, havia um período de campanha abreviado pela chegada doinverno, por um lado, impossibilitando os deslocamentos, e por outro pelocalendário agrícola, que determinava em que momentos os soldados —lavradores de armadura — precisavam estar nos campos cuidando dascolheitas que representavam sua principal fonte de renda e subsistência. Ascampanhas eram breves incursões, cuidadosamente sincronizadas, emterritório inimigo. As batalhas eram confrontos evocando uma espécie de balé,nos quais cada lado se punha em formação para em seguida marchar emdireção um ao outro. A matança era selvagem e muito concreta. Havia,entretanto, regras estritas sobre o direito de cada lado de resgatar seus mortose sepultá-los decentemente. Ao contrário do que acontece em nosso mundoatual de choque e horror, com suas operações secretas, atividades terroristas ecombates sem interrupção 24 horas por dia, sete dias por semana, a cargo demilitares pro ssionais, a guerra do mundo antigo era ao mesmo tempo maisreal para os cidadãos comuns, pois eram eles que combatiam, e mais distante,considerando-se as regras e períodos estritos de combate.

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Os espartanos seguiam sempre a mesma rotina antes da batalha — ela setornara parte da lenda de Esparta e era tão importante para intimidar oinimigo quanto seus feitos no campo de batalha. No momento em que os doislados começaram a se per lar no dia 14 de agosto de 394 a.C., no centro doterritório continental da Grécia, os espartanos deram início a seus habituaispreparativos. Os flautistas começaram a tocar e todos os guerreiros espartanospuseram uma coroa de ores na cabeça. Cada guerreiro tranquilamentecontemplava, sentado, o entrevero subsequente, penteando os longos cabelos enão se esquecendo de sorrir e parecer absolutamente à vontade com asituação. Dizia-se que penteavam os cabelos para se certi car da boaaparência durante a batalha. Mas não precisavam se preocupar com isto.Enquanto vestiam seus trajes de combate — a famosa capa vermelha e oescudo folheado a bronze, que as mães recomendavam trouxessem de voltanas próprias mãos (quando vivos) ou a sustentá-los (quando mortos) — eempunhavam suas lanças, seus longos cabelos esvoaçariam ao vento comonum moderno anúncio de xampu. Xenofonte, o jovem e rico ateniense quecombatera ao lado de Ciro na Pérsia, posteriormente conduzindo os 10.000gregos na retirada da Ásia, dizia que eles se vestiam dessa maneira e deixavamo cabelo crescer porque assim cavam “parecendo mais altos, mais majestosose assustadores”. Não resta dúvida de que, apesar de há muito conhecerem oshábitos dos espartanos e de sua longa história de guerras com eles, as outrascidades gregas deviam sentir um frio na espinha quando a música dosautistas lhes chegava pela brisa nesse dia, informando que os espartanos se

preparavam para o que melhor sabiam fazer.O próprio Xenofonte participou da batalha. Ele descreve a maneira como

os espartanos se per laram em formação de combate perante as forçascombinadas de atenienses, tebanos e argivos. Relata que os dois exércitosmarcharam em direção um ao outro em total silêncio, ouvindo-se apenas opesado tinir das armaduras e o roçar das sandálias na grama seca. Quandoestavam a distância de apenas 200 metros, os tebanos foram os primeiros alançar o grito de guerra — um ondulante urro gutural —, começando a correrprecipitadamente em direção aos espartanos. Os espartanos caram rmes.O s tebanos colidiram com os guerreiros espartanos em combate corpo acorpo. Já os atenienses e os argivos, assustados com a máquina militar

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espartana, voltaram-se para fugir. Os espartanos saíram em sua perseguição,infligindo-lhes pesadas baixas. Mas os tebanos tinham conseguido passar pelasleiras dos espartanos e chegar ao seu trem de bagagens e suprimentos, mal

defendidos, e que haviam sido destruídos. Ao assentar a poeira, cava difícilsaber quem havia vencido. Xenofonte examinaria posteriormente o local doscombates, descrevendo “a terra manchada de sangue, amigos e inimigosjazendo mortos lado a lado, escudos despedaçados, lanças partidas em duas,adagas fora da bainha — algumas caídas no chão, outras en adas nos corpos,outras ainda agarradas por mãos sem vida”. O próprio Agesilau, queprotagonizara uma heroica investida em direção ao centro das forças inimigas,estava “ferido em todas as partes do seu corpo com todo tipo de armas”. Abatalha de Coroneia, como cou conhecida, não foi uma vitória para nenhumdos lados.

O rei Agesilau de Esparta é uma gura de per l difícil de traçar, nomínimo por termos ao nosso dispor diferentes fontes antigas que nos forneceminterpretações diferentes dos mesmos acontecimentos. É mais ou menos comoler sobre determinada ocorrência nos jornais de hoje, cada um delesenxergando de sua própria perspectiva os mesmos fatos, transformando heróisem vilões e vice-versa. Para Plutarco ele era um homenzinho manco depresença insigni cante que desrespeitava as regras em benefício dos amigos,ainda que para isto fosse necessário sacri car as melhores chances de suacidade na guerra. Xenofonte, em contraste, sustenta que, emboraretrospectivamente as decisões por ele tomadas nem sempre fossem talvez asmelhores, seus motivos não poderiam ser postos em dúvida. Xenofontedescreve as qualidades heroicas de Agesilau (sua atitude religiosa, o usosensato do dinheiro, sua coragem, sabedoria, patriotismo, cortesia, e assimpor diante...) e ainda por cima reitera todas elas, “para que seu enaltecimentoseja mais facilmente lembrado”.

Ele também tinha uma irmã famosa e corajosa — Cinisca — a primeiramulher a esquivar-se à regra segundo a qual só homens podiam competir nosJogos Olímpicos, que venceu duas vezes a corrida de carroça puxada porquatro cavalos, em 396 e 392 a.C. Frequentemente ouvimos muito poucosobre mulheres nas histórias de guerra e política do mundo antigo, no mínimoporque não podiam participar dos combates nem tinham acesso ao direito devoto na maioria das cidades — nem mesmo a democrática Atenas permitia o

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voto feminino. Mas as mulheres de fato desempenhavam papéis extremamenteimportantes em casa, em festivais religiosos e nas histórias da mitologia grega,que, em conjunto, governavam e estruturavam a sociedade grega. Essasposições re etiam o importante papel das deusas no mundo grego antigo. Ooráculo do grande santuário de Delfos, por exemplo, era sempre uma mulher,e um dos cargos religiosos mais importantes na Acrópole, em Atenas, era o desacerdotisa do templo de Atená. As mulheres muitas vezes estavam também nocerne das tragédias montadas nos teatros de Atenas e posteriormente por todaa Grécia. Escolha ao acaso qualquer tragédia grega que tenha chegado a nós equase certamente ela terá uma protagonista feminina (ainda que representeuma virgem ou uma vilã, embora as mulheres tivessem papéis muito maisvariados nas comédias atenienses). A ironia é que sequer temos certeza de queas mulheres eram autorizadas a entrar nos teatros de Atenas e outras partes daGrécia para ver essas peças. No norte da Grécia, assim como no litoral daÁsia Menor, contudo, as coisas podiam ser diferentes. Como veremos emcapítulos posteriores, nesses lugares as mulheres podiam desempenhar papéispolíticos e militares decisivos na vida real, fosse exercendo o poder por trás dotrono ou mesmo ocupando o próprio trono. À medida que avançava o séculoIV a.C., as mulheres também começariam a conquistar um lugar em outrasfrentes da sociedade, mesmo no centro da Grécia: o lósofo Epicuro, nascidoem 340 a.C., por exemplo, seria o primeiro a convidar mulheres a frequentarsua escola de filosofia em Atenas. Mas no início do século, entre as mulheresdo território continental da Grécia, as de Esparta já eram um caso especial.Embora tivessem pouca in uência na política e na guerra, eram treinadas emginásios próprios para se tornar mães fortes, saudáveis e sicamente aptas defuturos combatentes espartanos. Não surpreende, assim, que a primeiramulher a quebrar o tabu olímpico fosse uma espartana.

Entretanto, consideremos ou não que os atos de bravura da irmã redimamAgesilau, ou ainda que aprovemos os atos e intenções de Agesilau, o fato é quevoltaremos a ouvir falar dele. Ele se recuperou dos ferimentos contraídos nabatalha daquele dia e ainda reinou em Esparta por muitos anos. Seus atos emotivações ainda precisarão ser focalizados muitas vezes.

A batalha de Coroneia no território grego e a batalha de Cnido ao largodo litoral da Ásia Menor em 394 a.C. tiveram como consequência que as lutasdeixaram de ser um con ito real para se transformar numa guerra de

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mentirinha. Na Ásia Menor, as forças espartanas foram retiradas e se rmouuma paz apressada (e oca) com a Pérsia. No território grego, nenhum doslados podia dar-se ao luxo de mais uma grande batalha — as perdas tinhamsido grandes demais. Os dois lados estavam reduzidos a táticas deescaramuças e investidas rápidas, cada qual mordiscando o outro comopombos ciscando migalhas numa mesa de piquenique. Apesar dos ferimentos,Agesilau teve que marchar com seus homens de volta a Esparta, passando pelorecém-construído túmulo de herói de seu antigo amante Lisandro, que oapoiara em sua pretensão real, o traíra e voltara a ser sagrado uma lenda deEsparta. Deve ter sido terrível para um dos mais orgulhosos dentre osespartanos.

Mas a aliança adversária das cidades gregas de Corinto, Argos, Tebas eAtenas não estava se saindo melhor. Só os tebanos se haviam destacado nabatalha de Coroneia; todos os demais tinham deixado bem claro em públicoque não tinham muito estômago para combates. De uma forma bemcaracteristicamente grega, essa tênue aliança de cidades, sustida apenas pelocomum medo de Esparta, começava agora a car comprometida. Emparticular, Corinto cou sem gana para a luta, e com isto Argos forçou umgolpe pelo qual Corinto perdeu o direito de decidir o que quer que fosse,transformando-se em satélite da cidade de Argos. Em vez de livrar-se daguerra, Corinto conseguiu apenas, com sua tentativa de retirada, transformar-se no epicentro dos combates. Esparta continuou abocanhando terras e defesasd e Corinto como um cão com seu osso, já agora contando com a ajuda dealguns coríntios, contrários à posição de domínio assumida por Argos, emesmo de alguns tebanos irritados com a nova ascendência de Argos. A guerraadquiriu elementos de comédia de humor negro, desintegrando-se os doislados em múltiplas facções disputando vitórias simbólicas. Em junho de 390a.C., Agesilau cometeu a temeridade de assumir a direção dos jogos atléticosque transcorriam no festival Ístmico de Corinto, ao qual todos os gregos eramconvidados, e criar prêmios para os vencedores. À sua partida, Argos tomoude volta o santuário, realizou novamente os jogos e estabeleceu uma nova listade vencedores, como se Agesilau nunca tivesse passado por ali.

Em toda essa confusão seria injetado ainda mais capital persa.Considerando que as cidades do território grego não estavam perseguindo

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su cientemente Esparta, os persas enviaram à Grécia o almirante atenienseCônon, com sua esquadra persa. O herói conquistador apareceu com umagigantesca frota numa das mãos e uma oferta de mais ouro na outra. A aliançacontra Esparta cava entalada entre o diabo e o profundo mar azul. Eles selembravam perfeitamente da letal combinação de forças espartanas e persas naguerra do Peloponeso. Mas não lhes parecia palatável a ideia de aceitardinheiro da Pérsia para dar prosseguimento à luta contra Esparta. Optaram,naturalmente, pelo menor dos males, o dinheiro persa. Do ponto de vista dospersas, o objetivo era aquietar Esparta, sem, com isto, permitir que algumaoutra cidade grega se tornasse tão forte que por sua vez pudesse contemplar apossibilidade de levar a luta até a Pérsia. Em consequência, a guerra trocou ohumor negro pela farsa de alcova. Emissários persas percorriam a Gréciafazendo audaciosas promessas e deixando uma cidade por um portão no exatomomento em que embaixadores espartanos entravam por outro com propostasnão menos ousadas. Quem acabaria na cama com quem?

Foi Atenas que mais se bene ciou dessa brincadeira de troca-troca. Elaconseguiu restabelecer importantes contatos e alianças no litoral da ÁsiaMenor e extrair da Pérsia su ciente dinheiro e ajuda para começar areconstruir as muralhas de sua cidade, derrubadas de forma humilhante nosdifíceis dias de 404 a.C., de tal maneira que era possível agora, mais uma vez,cercar com segurança a cidade e seu porto. Mas em 391 a.C., em meio a essaguerra de mentirinha transformada em farsa de alcova, sobreveio umaautêntica oportunidade para a paz. Esparta, Tebas e a Pérsia estavamenvolvidas. Argos e Corinto posicionavam-se contra. Atenas cava em posiçãode decidir. A cidade estava dividida quanto ao que fazer. Conseguiria obtermelhores condições se continuasse envolvida no perigoso jogo de cortejar aPérsia e combater Esparta? Os debates na assembleia em Atenas prolongaram-se por horas. No m, Atenas votou não só por rejeitar o tratado mas tambémpor processar toda a equipe de negociação envolvida na ideia e desa ar avontade tanto de Esparta quanto da Pérsia. Ao que parece, Atenas voltavamais uma vez a ficar muito cheia de si.

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D

CAPÍTULO 3

Dançando com o rei da Pérsia

epois de uma batalha, cada cidade pranteava seus mortos. Para osatenienses, uma das partes mais importantes desse processo era oelogio fúnebre feito na volta à cidade. Não era simplesmente um

discurso feito no funeral de cada guerreiro por um parente próximo ou umamigo, mas uma alocução pronunciada em nome de todos os caídos emdeterminada batalha ou campanha por um homem escolhido para representara cidade. Aglomerados no cemitério público de Atenas, situado junto àsmuralhas da cidade, com passagem por um de seus mais importantes portõeso ciais de entrada (Mapa 1; Fig. 3), os atenienses ouviam o discurso. Ele erapronunciado por um homem considerado à altura da ocasião, alguém quetivesse desempenhado papel relevante nas questões da cidade e imbuído daautoridade para uma alocução tão importante. Grandes homens haviam sidodesignados para pronunciar esse discurso. Péricles — o heroico líder de Atenasno auge do império, que acabara sucumbindo à peste durante a guerra doPeloponeso — valera-se desse discurso não só para homenagear os ateniensesmortos mas para descrever a própria natureza da democracia pela qual eleshaviam combatido. Trechos do discurso que ele fez nesse dia foram a xadosnas laterais dos ônibus londrinos às vésperas da Primeira Guerra Mundialpara inspirar a nação, e ainda hoje suas palavras representam um dos textosbásicos para todo aquele que deseje entender o que signi ca a democracia ecomo pode ser alcançada. O elogio fúnebre era, portanto, uma oportunidadede reiterar o que era Atenas, o que queria ser e, apesar das di culdades eperdas, o progresso que vinha alcançando. Esse elogio não era apenas umare exão sobre o passado, mas um mandato para o futuro. Tratava-se de umareferência vital para mostrar o que significava Atenas.

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Foco de tanta atenção, esse discurso compreensivelmente representavauma faca de dois gumes para quem tivesse a honra de proferi-lo. Era umindivíduo tentando resumir, capturar e inspirar o estado de espírito de todauma cidade, diante de uma multidão furiosa e cheia de expectativas cercadapelos mortos ancestrais de Atenas. Durante a malfadada e farsesca guerra comEsparta no início do século IV, um homem chamado Lísias foi designado parafazer o elogio fúnebre. Não era uma missão invejável. Atenas era uma novademocracia militante com as feridas da oligarquia e da revolução ainda porcicatrizar, envolvida numa guerra exaustiva e sem sentido com seu velhoadversário e apanhada agora num novo tipo de guerra intercontinental na qualo s atenienses lutavam por seus antigos arqui-inimigos, os persas, recebendodinheiro deles. Lísias, sobrevivente dessas revoluções em Atenas e a essa alturaorador praticante nos tribunais, tinha de alguma forma de conferir sentido atudo isso, conferir sentido à perda dos orgulhosos lhos de Atenas, confortarsuas enlutadas viúvas e famílias e ao mesmo tempo inspirar e garantir queAtenas estava na direção certa, lutando com bravura e energia por seu lugarnesse novo mundo.

Gostassem ou não, o mundo de Atenas estava por se tornar muito maisestranho. A belicosa rejeição das negociações de paz em 391 a.C. deixara umressaibo amargo na boca do rei da Pérsia. Por maior que fosse seu poderio, elenão queria que esse con ito com Esparta se prolongasse muito. Tinha coisasmais importantes com que se preocupar. O território muito maior e maislucrativo do Egito causava problemas e o rei persa queria voltar nessa direçãotoda a sua atenção — e as suas forças militares. Além disso, podia valer-se dealguns mercenários gregos calejados em combates para reforçar suas tropas.A nal, ele estivera em posição privilegiada para ver não só sua e cácia,quando marcharam sobre a Ásia sob o comando de seu irmão Ciro, tentandomatá-lo e tomar o seu trono, como também sua tenacidade ao se mostraremcapazes de deixar a Ásia novamente, não obstante os melhores esforços por eleempreendidos. Mas não havia disponibilidade de mercenários gregos, poismuitos estavam envolvidos nessa persistente e debilitante guerra na Grécia.Uma solução do problema grego permitiria ao rei da Pérsia recrutá-los parasua campanha contra o Egito.

Isto, associado à arrogante rejeição da paz de 391 a.C. por parte dosatenienses, estimulou o rei persa a dar mais atenção aos embaixadores

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espartanos. A corte persa funcionava de maneira muito diferente daassembleia ateniense. Em Atenas, tudo era abertamente debatido, todospodiam tomar da palavra, todos votavam nas medidas a serem tomadas etodos tinham conhecimento das decisões dos outros. Na corte persa, todavia,tudo era feito a portas fechadas. As decisões eram tomadas com um gesto decabeça do rei, um sussurro no ouvido, um discreto entrar e sair de cortesãos eembaixadores de um salão a outro. No caso persa, a intriga, o clientelismo e alisonja eram as armas favoritas na batalha decisória. E nesse caso, para variar,os espartanos contavam com um representante à altura dos acontecimentos.Seu nome era Antálcidas. Com cuidado e habilidade, ele derramou veneno nosouvidos do rei a respeito das iniciativas dos atenienses. Sem perda de tempo,derramou igual quantidade de mel nas feridas causadas pelas açõesimprudentes dos próprios espartanos contra o rei persa. Não demorou, e oalmirante ateniense que com tanto sucesso comandara a esquadra persa navitória contra os espartanos estava na prisão. Mais um pouco, e o rei da Pérsiae seus escudeiros dançavam à música de Antálcidas.

Havia apenas um problema: um indivíduo, Farnabazo, um persa que aindaresistia às palavras mágicas de Antálcidas e sustentava que a Pérsia não deviacon ar nos espartanos. Sua opinião não podia ser simplesmente ignorada: eleparticipara dos mais bem-sucedidos empreendimentos navais e militares daPérsia nos últimos anos. E tampouco poderia ser simplesmente eliminado, semque algum crime lhe fosse atribuído. Para que o plano de Antálcidasfuncionasse, contudo, esse homem precisava ser neutralizado. A solução partiudo rei da Pérsia. Convocando esse homem obstinado da linha de frente doscombates, de volta à corte real, o monarca persa propôs homenageá-lo pelosserviços prestados, oferecendo-lhe em casamento a mão de sua própria lha.Se ele recusasse, seria um insulto que não poderia car impune. Se aceitasse, ocasamento e a residência permanente em algum con m do império persahaveriam de impedi-lo de afetar signi cativamente a política na linha defrente com a Grécia. De qualquer maneira, ele seria afastado da equação.

Agora que a Pérsia estava na cama com Esparta, a posição de Atenasparecia muito diferente. Todo o equilíbrio mundial de poder ao redor dessaspotências se alterara novamente em questão de meses, depois de pouco maisque uma série de conversas sussurradas a portas fechadas. Mas Antálcidas

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sabia que isto não bastaria para levar os atenienses à mesa de negociação. Eleestimulou as marinhas persa e espartana a fustigar vitais interessesestratégicos de Atenas no mar Egeu. Seu plano era quase genial. Com umtoque de desinformação e uma pitada de trapaça, Antálcidas encurralou afrota ateniense numa armadilha. E ela se rendeu sem lutar. Sem perder uma sóembarcação, valendo-se apenas de algumas palavras ao pé de uns poucosouvidos escolhidos, Antálcidas pusera fim à guerra.

Viria agora a maior surpresa de todas. Em qualquer con ito grego, osbeligerantes costumavam reunir-se para estabelecer as condições da paz (emgeral, um retorno ao status quo). Mas não se tratava de um con ito normal, eo acerto nal tampouco o seria. O rei da Pérsia queria que as coisas cassemclaras, e assim, a portas fechadas, os termos da paz não foram decididos naGrécia, mas na capital persa. Em 386 a.C., um dos escudeiros do rei singrouem direção à Grécia e chegou à cidade de Esparta, não para negociar ostermos, mas para anunciá-los: o rei da Pérsia ditando os termos de uma pazgrega. Na lembrança daqueles poucos sobreviventes que tinham combatido ainvasão persa da Grécia no século anterior, era o m do mundo: onde é que seperdera a liberdade da Grécia? A Grécia inteira agora dançava conforme amúsica do rei da Pérsia.

À reunião para exposição dos termos do acordo de paz compareceramembaixadores de todas as cidades da Grécia envolvidas na guerra.Surpreendentemente, talvez, Antálcidas, o homem que tão brilhantementehavia manipulado os persas, pondo m à guerra, e que participara danegociação dos termos do acordo com o rei da Pérsia, não exerceupublicamente nenhum papel em seu anúncio. Ele preferiu manter-se à sombra,consciente da indignação que causaria e não querendo se envolver nisso. Quemtomou a frente em seu lugar para orquestrar essa farsa foi ninguém menos queo rei de Esparta, Agesilau — o homenzinho manco e insigni cante que levaraos combates à Pérsia e fora convocado de volta à Grécia para enfrentar ostebanos, para em seguida claudicar de volta para casa gravemente ferido edeparar-se com a lenda cada vez mais impressionante de seu antigo amante emelhor amigo Lisandro. Já agora plenamente restabelecido e ainda sedento deguerra, esse indivíduo nada diplomático tomou a si a missão de presidir umadas reuniões diplomaticamente mais importantes já sediadas em Esparta.

O texto do ultimato do rei da Pérsia pela paz foi lido e Xenofonte, o

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jovem e rico general ateniense que em 401 a.C. conduzira os 10.000 de voltada Ásia, e que acompanhava atentamente a política espartana, recordaria maistarde seus termos em sua história do mundo grego. O tom do decreto eraimpressionante. Ele não começava com “O rei da Pérsia gostaria de exortar osgregos a concordar...”, mas simplesmente assim: “O rei da Pérsia acha que...”As cidades gregas do litoral da Ásia Menor, que a ele eram prometidas pelosespartanos nos últimos 30 anos, seriam efetivamente suas. E o mesmo comrelação a Chipre. Os atenienses poderiam car com três pequenas ilhas nomar Egeu. Todas as demais cidades do mundo grego seriam autônomas. Todosdeporiam armas e quem quer que rompesse os termos do acordo de paz teriade se haver com toda a fúria e a força militar do próprio rei da Pérsia.

O ponto crucial desse diktat de imposição da paz não era, como poderiaparecer à primeira vista, o tom adotado pelo rei da Pérsia, nem sequer o fatode se apoderar das cidades gregas da Ásia Menor. A condição que provocouondas de choque em toda a Grécia, mudando a política grega pelo resto doséculo, foi a cláusula de que todas as cidades gregas fossem autônomas. Àprimeira vista, não parece grave. Pois não vinham as cidades gregas, ao longodos últimos 50 a 60 anos, lutando umas contra as outras em nome de sualiberdade? O problema, como sempre nos tratados internacionais, era o que sequeria dizer com a expressão “autônomas”. O conceito de império certamenteestava descartado: nunca mais seria possível concretizar algo parecido com oimpério ateniense do século anterior. Mas e uma aliança? Ou uma federação?Qual o grau de legalidade de qualquer tipo de organização política envolvendomais de uma cidade, se cada cidade tivesse a possibilidade de se manter“autônoma”? O que agravava ainda mais a ambiguidade do tratado era o fatode Esparta, na qualidade de melhor amiga da Pérsia, ter sido designada naprática agente scalizador de seus termos, podendo recorrer à Pérsia se ascoisas saíssem muito dos trilhos. Os termos mais ambíguos — que iam diretoà essência da política e da identidade da Grécia, assim como das relações entresuas cidades — estavam nas mãos da mais inequivocamente antidiplomáticadas cidades, e mais especi camente nas mãos do menos sutil e mais injustodos homens: Agesilau.

Seu reinado como scal da paz real da Pérsia não começou bem. Tebasimediatamente levantou objeções. Ela estava no centro de uma aliançainformal de cidades chamada Confederação Beócia, algo semelhante à união

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federal dos Estados Unidos hoje em dia. Esparta, e mais especi camenteAgesilau, exigiu que Tebas des zesse a Confederação, pois ela ia de encontroaos termos do tratado de paz. Os protestos de Tebas foram calados ao tomarAgesilau imediatamente a providência de enviar seus exércitos em sua direção.A cidade de Argos também protestou, a rmando que os termos do tratadoimplicavam o m de sua in uência sobre Corinto. O exército espartanotambém foi enviado a Argos para calar o protesto. Mas teriam os espartanosaberto mão do seu próprio controle sobre cidades e povos próximos deEsparta, nos quais vinham há gerações recrutando à força comunidadesinteiras para serem escravizadas? Não, não o zeram. Os scais do acordo depaz real da Pérsia também eram os mais flagrantes violadores de seus termos.

Mais que isso, eram patentes manipuladores da paz para seus própriosns no cenário nacional. Não satisfeito com a duplicidade de uma regra para

eles próprios e outra para os demais, Agesilau usou sua nova função de “ scalda paz” para acobertar uma guerra nem tão secreta assim de agressão edomínio sobre o resto da Grécia. Cidades próximas foram obrigadas aderrubar suas muralhas, desmantelar sua infraestrutura urbana e submeter-seà vontade de Esparta. Cidades da outra extremidade da Grécia foram atacadascom as desculpas mais esfarrapadas. Mais grave que tudo, no entanto, foi ofato de Agesilau valer-se da paz decretada pelo rei para acertar contas com oinimigo que tão terrivelmente havia prejudicado sua reputação e deixado seucorpo — e, pior ainda, seu orgulho — esburacado: Tebas. Saindo de Espartaem marcha rumo ao norte a pretexto de atacar uma cidade do norte da Gréciaque havia desrespeitado os termos do acordo de paz, o exército espartanomuito por acaso tomou uma estrada que passava por Tebas. De passagem,muito por acaso alguns proeminentes cidadãos tebanos (leia-se: informantespró-Esparta) informaram-lhes que Tebas estava pensando (só pensando...) eminfringir os termos do acordo. O exército espartano não precisava de maisnada. Os tebanos, em plenas comemorações de um importante festivalreligioso, interromperam seus sacrifícios ao dar com o exército espartanoinvadindo e ocupando sua cidade em nome da paz real, que insistia no direitode toda cidade grega ser autônoma. Em nome da liberdade, Esparta montouuma guarnição de soldados no centro de Tebas, impondo à cidade um governofantoche pró-espartano.

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As táticas de intimidação adotadas por Esparta não a tornavampropriamente benquista do resto da Grécia. Em certa medida, essas táticaseram resultado direto da preferência dos cidadãos espartanos por dirigentestruculentos. Eles tinham ouvido o beligerante Lisandro, em vez do muito maissensível e conciliador rei Pausânias, que acabaram tentando executar. Poisagora davam ouvidos a um Agesilau ainda mais marcial, com seu egomachucado, em vez de prestar atenção àqueles que, no sistema espartano,queriam que a aplicação em Esparta do acordo de paz real se desse em termosmais brandos e diplomáticos. Antálcidas, o diplomático dançarino que tãobrilhantemente conseguira a adesão do rei da Pérsia, orquestrando o acordo depaz, era agora posto de lado, juntamente com seus apelos por moderação ecuidado. O fato de seguir homens como Lisandro e Agesilau permitira aEsparta sair do isolamento e ganhar controle sobre a Grécia; mas agora suaposição também se via ameaçada, pois aumentava em toda a Grécia aoposição a suas táticas. Até Xenofonte, o general ateniense que liderara os10.000 no retorno da Ásia, que amava Esparta e o estilo espartano mais que asua própria cidade de Atenas, que nesse exato momento estava se mudandopara Esparta e matriculando os lhos no sistema educacional espartano,comentaria mais tarde que, embora nos velhos tempos as cidades da Gréciaconvocassem Esparta a liderá-las no combate ao mal, agora essas mesmascidades mobilizavam-se umas às outras para se livrar do mal representado porEsparta.

Mas não se pode culpar apenas os líderes pelos atos de Esparta. A nal, osistema de governo espartano era complicado, e nele um indivíduo não podiafazer muito se não contasse com a concordância dos diferentes ramos dogoverno. Homens como Agesilau só tinham sucesso porque conseguiamconvencer os espartanos de que suas propostas eram acertadas para Esparta.Mas o que os espartanos não perceberam nesses anos posteriores ao acordo depaz real foi que estavam lentamente cavando o próprio túmulo. Um estadoquase constante de guerra contra Atenas, seguido de uma guerra em doiscontinentes, enveredando agora por um prolongado período de atuação comopolicial da Grécia: tudo isso exercia uma incrível pressão sobre uma pequenasociedade que geralmente se recusava a se envolver fora das própriasfronteiras.

O primeiro indício desse estado de tensão foram as estatísticas espartanas.

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Esparta era uma sociedade guerreira de elite na qual só podiam sobreviver osmeninos e meninas mais saudáveis, destinados a se transformar nos melhorescombatentes e mães de combatentes. Ela resistia a quase todas as tentativas deimigração de outras cidades gregas e considerava todos os demais povos comoestrangeiros. Não surpreende, assim, que, com o crescente número deespartanos morrendo em batalhas, casse cada vez mais difícil para Espartarepor seus contingentes de combate. Formar um guerreiro espartano era algodemorado, e mesmo estando mobilizado cada homem e cada mulher dessasociedade, diminuía constantemente o número de soldados de elite que Espartapodia utilizar em combate, ao mesmo tempo em que a necessidade demobilização dos espartanos aumentava, virtude do papel (autoimposto) depolicial da Grécia (ou, na visão da maioria das outras cidades, de agente deintimidação). Uma população minguante era espraiada de maneira cada vezmais rala num mundo crescentemente hostil.

Mas a máquina espartana dava sinais talvez ainda mais graves deproblemas potencialmente fatais. Esparta era uma sociedade baseada noprincípio da igualdade. Se você conseguisse tornar-se um espartano, estava empé de igualdade com os outros espartanos (com exceção dos reis,naturalmente). Essa noção da igualdade era inculcada no cérebro dosespartanos de todas as maneiras possíveis. Não será talvez por acaso que,considerando-se a aversão de Esparta ao individualismo, não nos tenhachegado do mundo antigo nenhum retrato de Lisandro ou Agesilau, apesar deseus êxitos. Essa ênfase na igualdade coletiva re etia-se também no fato de osespartanos não amealharem riqueza pessoal. Todo espartano do sexomasculino pertencia a algum clube social, cujos membros, independentementedo papel que exercessem no governo, invariavelmente faziam juntos asmesmas refeições. Teoricamente, essa igualdade demonstrava de que maneiraEsparta se mantinha unida e coesa perante o resto do mundo. Mas nosprimeiros anos do século IV a.C., essa igualdade passou a sofrer forte pressão.À medida que Esparta assumia o controle do que restava do império ateniensee continuava a desempenhar um papel central nas questões gregas, para nãofalar de sua aliança com a Pérsia, começou a entrar dinheiro na cidade. Eraimpossível impedir que os espartanos o acumulassem. As regras da sociedadeespartana, estabelecidas cerca de 300 anos antes, começaram a vergar sob essa

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pressão, e os espartanos puderam começar a guardar dinheiro — pelo menospara “uso público”, o que quer que isso signi casse. Seguiram-se grandesescândalos envolvendo indivíduos que acumulavam enormes fortunas.Comentava-se até que certos espartanos se jactavam de suas posses materiais— um verdadeiro insulto à visão de mundo e ao código moral espartanos. E omaior problema gerado por esse in uxo de riqueza era sua destinação: ela nãoia parar nas mãos de cada cidadão espartano, acumulando-se, como costumaacontecer com o dinheiro, nos bolsos de uma minoria da elite. A sociedadeespartana, que pregava a igualdade, era solapada pelo incontrolável in uxo dedinheiro, acumulando-se em torno de pequenas desigualdades do sistema eacabando por criar uma elite de ricos. O tecido da sociedade espartana seesgarçava em consequência dos próprios êxitos de Esparta no cenáriointernacional.

Essa crescente desigualdade criada pelo in uxo de riqueza vinha associadaao impacto das desigualdades integradas ao sistema espartano. Em Esparta, aocontrário do que acontecia na maioria das cidades da Grécia antiga, as terraspodiam ser herdadas tanto por homens quanto por mulheres. Mais importanteainda era o fato de, ao contrário de muitas outras cidades, as terras terem deser igualmente repartidas entre todos os lhos. Era um componente do códigode igualdade pelo qual se pautava o ideal espartano. Com o passar do tempo,contudo, uma grande quantidade das terras de Esparta veio a ser depropriedade de mulheres (aproximadamente 40 por cento no século IV) e osterrenos, fossem de homens ou mulheres, tornavam-se cada vez menores, poisiam sendo repartidos ao longo das gerações. Isto gerou um problema concretopara o homem espartano. Todo espartano do sexo masculino devia produzircerta quantidade de alimentos em suas próprias terras para abastecer asrefeições do seu clube social frequentado exclusivamente por homens. Semisto, não podia associar-se. E aquele que não fosse membro de um clube socialnão podia ser considerado um cidadão espartano. O tamanho e adisponibilidade cada vez menores dos terrenos de propriedade dos homenscriavam enorme di culdade para que muitos espartanos cumprissem asobrigações da cidadania. Os homens de Esparta cada vez mais eram expelidosdo círculo privilegiado da cidadania. Os pobres cavam mais pobres, assimcomo os ricos cavam mais ricos, graças ao in uxo de riqueza estrangeirapara Esparta. A defasagem entre ricos e pobres tornava-se maior e mais

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evidente, causando ainda maior tensão na aparente “igualdade” da sociedadeespartana. Isto também contribuía para reduzir as estatísticas militares deEsparta. Os espartanos que não cumpriam suas obrigações com os clubessociais não eram mais considerados cidadãos espartanos, e portanto nãopodiam combater como guerreiros espartanos. Esparta estava acabando comseu próprio poderio militar em virtude da legislação de sucessão adotada.

Desse modo, Esparta, apesar de seu aparente poderio na Grécia da décadade 380 a.C., apesar da ostentação de força e das táticas de intimidação, ialentamente morrendo, à medida que sua sociedade se via dilacerada em seupróprio cerne. Os espartanos não estavam totalmente alheios a essa crescentevulnerabilidade. Para aumentar seus efetivos, aceitaram em 387 a.C. ajuda dosenhor da guerra da Sicília, Dionísio I, que se mostrara tão e caz no crescentecontrole de muitas das cidades dessa perigosa região. Mas a maior causa dedor de cabeça de Esparta não eram as outras cidades do território continentalda Grécia: estava muito mais perto. Há gerações, Esparta obrigava povosvivendo nas suas imediações a trabalhar para ela como escravos. Isto atornava muito diferente da maioria das demais cidades gregas, cujaspopulações de escravos não eram constituídas de gregos, tendo sidoescravizadas depois de guerras de conquista fora da Grécia. Os escravosespartanos, ou hilotas, como eram conhecidos, procedentes da região próximade Esparta chamada Messênia (Mapa 2), eram gregos de mesma origemétnica. Era um mesmo povo, uma mesma comunidade, com uma identidadecomum. Essa unidade e esse senso de identidade tornavam muito difícilmanter sob controle os hilotas. Justi cadamente, Esparta se sentia cercada porum exército escravizado de gregos que a qualquer momento tentaria rebelar-se. Para fazer frente a esse permanente temor de rebelião, Esparta tentavaconstantemente inculcar nos hilotas a mensagem da supremacia espartana.Todos os homens espartanos, ao atingir a maioridade, deviam matar umhilota como prova de masculinidade. Eventualmente eram eliminados gruposde hilotas mais destemidos. Mas Esparta não conseguia aplacar seus própriostemores nem o desejo de revolta dos hilotas. No século anterior, eles sehaviam revoltado várias vezes, atacando sempre quando Esparta estava emposição mais fraca. Esparta tentara defender-se incluindo em qualquer tratadode paz que assinasse com outras cidades gregas uma cláusula obrigando-as avir em sua ajuda se os hilotas se rebelassem. Mas agora estava mais assustada

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que nunca. Os soldados espartanos mantinham-se longe por períodos cada vezmaiores, em sua função de policiais/intimidadores da Grécia, deixando semdefesa a porta dos fundos de sua própria cidade. Esparta enfrentava umaaguda escassez de homens e uma crescente onda de desigualdade social.Dependia cada vez mais dos ilotas nas batalhas (logo seriam sete hilotas paracada espartano nas linhas de frente). E contava com amigos cada vez menosnumerosos aos quais recorrer se os hilotas de fato se insurgissem. Apesar detoda a bravata, Esparta tornava-se mais fraca a cada ano que passava,temendo que os hilotas se aproveitassem da situação.

Esparta não era a única cidade grega a se ressentir da tensão causada pelasguerras que devastaram a Grécia nas primeiras décadas do século IV a.C.Também Atenas, é claro, passara pela experiência da revolução e enfrentava asdi culdades decorrentes de um panorama de crescente desigualdade social.Certos indivíduos cavam mais ricos e ostentavam sua riqueza cada vez mais,por exemplo mandando erguer grandes lápides para si mesmos no mesmocemitério público no qual Lísias zera seu elogio fúnebre cívico pelosatenienses mortos na guerra (Fig. 3). Esse tipo de dispêndio no tratamento damorte de um indivíduo ia de encontro à ideologia democrática de Atenas,segundo a qual todos os cidadãos tinham voz igual e peso igual, e serviaapenas para tornar evidente a crescente defasagem entre ricos e pobres. Muitasoutras cidades gregas também vivenciaram essa instabilidade social, tornando-se passíveis do que os gregos chamavam de stasis — agitação civil interna.

Foi nesse clima de turbulência que nosso futuro comentarista político,Isócrates, fundou sua escola em 390 a.C. e que Platão, que, como ele, foradiscípulo do malfadado Sócrates, abriu sua própria escola de filosofia, aAcademia, na Atenas de 387 a.C. (Mapa 1). Foi nessa época atormentada queo lósofo Aristóteles, que haveria de desa ar a visão de mundo dos gregos,para não falar da nossa própria, nasceu em 384 a.C. no norte da Grécia. E nomesmo ano, só que na outra extremidade da Grécia, nascia o orador atenienseDemóstenes, que haveria de se revelar tão crucial na determinação da atitudeda Grécia em relação às críticas mudanças no equilíbrio de poder do mundoantigo. A formação desses dois grandes pensadores e atores políticos,crescendo em polos diferentes do país, deu-se no difícil e perigoso mundo daGrécia sob os auspícios da paz real, imposta de maneira brutal e injusta por

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uma cidade que caminhava de olhos abertos para a própria destruição.No meio dessa confusão, duas vozes evocavam claramente o difícil mundo

em que os gregos se encontravam. Ambas buscavam uma plataforma da qualpudessem falar a toda a Grécia, alçando-se acima da stasis e das disputas entrecidades, para identi car o que as unia. Elas chegaram ao santuário de Olímpiaem plenos Jogos Olímpicos (Fig. 6). As Olimpíadas eram um momentoespecial na Grécia antiga. Todas as guerras cessavam. Todos tinham o direitode viajar sem restrições. Habitantes de todas as cidades gregas, quaisquer quefossem suas divergências, iam ao santuário religioso de Olímpia, no sul daGrécia, colocar-se lado a lado, competindo e assistindo aos triunfos atléticos.Era uma oportunidade única de falar ao mundo grego à margem das habituaislimitações políticas. Nas escadarias do templo de Zeus, no coração dosantuário, dois homens se posicionaram no lugar onde o pai da história,Heródoto, supostamente lera 40 anos antes sua história do mundo grego,defendendo, entre outras coisas, os valores que os gregos tinham em comum.O primeiro deles era ninguém menos que o ateniense Lísias, que havia sidoconvocado a pronunciar o elogio fúnebre dos atenienses mortos no recente edebilitante con ito com Esparta. Não satisfeito em falar aos atenienses, eleprocurava levar sua mensagem ao mundo grego em geral. Em suas palavrashavia uma advertência: cuidado com o poder do senhor da guerra Dionísio In a Sicília e do rei da Pérsia. Para Lísias, o caminho da Grécia para adestruição estava nas ambições megalomaníacas desses indivíduos poderosos,nas quais a Grécia se enredava cada vez mais.

Oito anos mais tarde, nosso comentarista político e supervisor da época,Isócrates, também se pronunciou durante os Jogos Olímpicos. Em 380 a.C.,no auge da confusão e da instabilidade social que varriam a Grécia, chegandoao máximo o ressentimento contra Esparta e começando a população aacreditar que os tradicionais modelos da política grega estavam morrendo,Isócrates deu a público sua tese de que estava na hora de mudar de rumo. Foitalvez o melhor momento de sua vida. Atenas e Esparta tinham de pôr m asuas guerras suicidas e reconhecer as glórias potenciais e passadas uma daoutra. A Grécia precisava unir-se numa guerra contra a Pérsia. A mensagemera clara: a única guerra mais importante que a paz era uma guerra contra ovelho inimigo, a Pérsia.

O dilema da Grécia estava resumido nesses dois discursos. Deveria ela

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aferrar-se à política tradicional da época, na qual as cidades competiam pelasupremacia na Grécia, ou unir-se mais uma vez, rejeitando a crescentein uência da Pérsia e se mobilizando numa guerra para acabar com todas asguerras? Não sabemos quem estava na plateia naquele dia em Olímpia. Nãosabemos qual terá sido a reação a qualquer desses discursos. Mas efetivamentesabemos hoje, embora os gregos que naquele quente verão de 380 a.C. ouviamIsócrates não pudessem saber, que o equilíbrio de poder na Grécia estava parasofrer novo abalo sísmico, com a aproximação da rebelião contra asupremacia espartana.

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CAPÍTULO 4

“Coisas sérias para o amanhã”

artindo de Atenas em direção norte, camos hoje impressionados com arapidez com que vai mudando a paisagem da Grécia. Ficam para trás ascolinas áridas e poeirentas ao redor de Atenas, dando lugar a extensões

de opulência verdejante que facilmente poderiam ser confundidas, aqui e ali,com paisagens do interior da Inglaterra. Essa região da Grécia, a Beócia, éuma terra de imensos e férteis vales verdejantes pontuados por montanhasaltas, capazes de arejar mente e pulmões depois das agressões físicas e mentaisda agitação frenética da moderna Atenas. A principal cidade da Beócia, naépoca como hoje, é Tebas. Hoje em dia os visitantes da Grécia não prestammuita atenção a Tebas. Nos manuais de turismo, a cidade é apresentada comodestino apenas para o “viajante experimentado”. Sem acesso ao mar, Tebasnão tem praias e oferece poucos sítios arqueológicos em comparação comtesouros como os de Delfos, Olímpia e Atenas. Para quem vem apressado pelarodovia em direção norte, passa facilmente despercebida e é facilmenteesquecida.

Há 2.400 anos aproximadamente, contudo, Tebas transformava-serapidamente numa das cidades mais poderosas de uma das regiõesestrategicamente mais importantes da Grécia antiga. Com suas vastasplanícies cercadas de vales, seus lagos naturais e o solo fértil, essa região daGrécia tinha potencial para fomentar uma prosperidade autossu cientedi cilmente alcançável em outras partes. Era um troféu pelo qual valia a penalutar. Mais importante ainda, a Beócia cava a meio caminho entre o sul daGrécia, região de cidades como Atenas e Esparta, e o norte, onde cavamcomunidades poderosas como a dos tessálios e as dos macedônios e ilírios,mais ambíguos e exóticos mas com o mesmo potencial. Em consequência de

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sua posição no centro da Grécia, a Beócia muitas vezes servira de campo debatalha nas guerras entre o norte e o sul, entre Atenas, Esparta e seusrespectivos aliados na guerra do Peloponeso, mas também nas campanhas daGrécia contra o invasor persa no século anterior. Na Beócia encontram-se oslocais de batalhas famosas que mudaram o curso da história grega: Plateia,Tanagra, Leuctra e Queroneia, entre outras. Caminhar pelos férteis campos evales da Beócia é seguir os passos e passar por cima dos ossos esquecidos demilhares de soldados que ali morreram para preservar a liberdade de suascidades e da própria Grécia. Ali postar-se de pé é estar no local onde o destinoda Grécia foi decidido reiteradas vezes. No mundo antigo, a região eraconhecida simplesmente como a pista de dança de Ares, o deus da guerra(Mapa 2).

A própria Tebas tinha uma estranha fama na Grécia antiga. Em qualquertragédia grega que se respeite (e a maioria delas foi escrita para serrepresentada em Atenas), Tebas é sempre uma origem de problemas. Se háirmãos matando irmãos, pais levando os lhos ao suicídio ou, pior que tudo,lhos matando os pais para dormir com as mães, podemos estar certos de que

a ação se passa em Tebas. Mas nas primeiras décadas do século IV a.C., Tebasrapidamente ganhara reputação de maior dureza militar. A cidade combateraAtenas ao lado de Esparta na guerra do Peloponeso, desenvolveu rapidamenteuma aversão ao comportamento imperial dos espartanos, largou o antigoaliado e deu abrigo aos revolucionários atenienses que lançaram em Tebasuma campanha para restabelecer a democracia ateniense. Na recente guerracom Esparta, os guerreiros tebanos haviam sido os únicos a se destacar emcombate, investindo contra as leiras espartanas enquanto outros botavam orabo entre as pernas e fugiam. Tebas fora responsável pela morte do heróiespartano Lisandro e in igira graves ferimentos no rei espartano Agesilau. Acidade tentara posteriormente resistir à imposição da paz real por parte deAgesilau e a sua tentativa de forçá-la a desfazer a confederação de cidades daBeócia, presidida por Tebas. Em resposta, Esparta, invocando pretexto fútil,mandara um exército para ocupar Tebas, condenando à morte os habitantesda cidade que ousassem insurgir-se.

No verão de 380 a.C., tudo indicava, não obstante as manifestações defraqueza de Esparta e os esforços de Tebas, que não haveria como deterEsparta. Seu controle sobre o sul e o centro da Grécia parecia a quase todos

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rme e irreversível. Mas não era o que pensava um pequeno grupo de rebeldestebanos. Um punhado de conspiradores antiespartanos conseguira fugir deTebas, encontrando refúgio simplesmente na cidade de Atenas, cujosrevolucionários tinham sido recebidos de braços abertos em Tebas 24 anosantes. Esses tebanos cuidaram em Atenas de tramar sua vingança contraEsparta. Era um momento perigoso para qualquer um ser antiespartano —mesmo em Atenas. O governo fantoche instalado por Esparta em Tebas tinhaperfeita consciência de que esses homens se escondiam em Atenas e enviouespiões para vigiá-los. Decidindo que representavam uma ameaça grave, ogoverno pró-espartano enviou secretamente a Atenas assassinos incumbidos deeliminar os conspiradores. Entretanto, fosse por mera sorte ou hábil evasão,os assassinos conseguiram eliminar apenas um deles.

No início do ano seguinte, 379 a.C., debaixo de constante ameaça deassassinato, esse pequeno bando, escondido em Atenas, continuou traçandoplanos para a revolução em Tebas. No inverno de 379 a.C., estavam emcondições de entrar em ação. Certo dia de dezembro, o pequeno grupo decandidatos a heróis esgueirou-se de madrugada da cidade de Atenas. Temendoestar sendo vigiados a cada passo, tentaram disfarçar seu real objetivoenvergando capas longas e levando cães de caça e redes, para dar a impressãode que deixavam a cidade para caçar. Não passavam de doze homens — dozehomens caminhando em direção a Tebas para derrubar um governo fantoche erebelar-se contra o ditador militar da Grécia.

Naturalmente, não estavam completamente sozinhos. Tinham conseguidomanter secreta comunicação com simpatizantes que continuavam na cidade deTebas. Esses simpatizantes haviam prometido lealdade se eles conseguissemvoltar à cidade, especialmente se viessem com promessas de apoio ateniense àrebelião. Era de fato o que trazia esse grupo de tebanos, caminhandolentamente em direção a sua cidade natal. Atenas prometera, em caso de êxitoda rebelião, apoiá-la com tropas atenienses no terreno, para proteger Tebas derepresálias dos espartanos. A rebelião já não se destinava apenas a libertarTebas; era o início de algo de muito maior alcance — uma rebeliãogeneralizada das cidades da Grécia contra a já agora odiada supremaciaespartana. Esses homens eram a chama que acenderia o fogo da revoluçãogrega. Enquanto caminhavam em direção a Tebas, tratando nervosamente deesquivar-se a quem quer que encontrassem no caminho, por medo de não

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ocultarem devidamente suas intenções por baixo do disfarce, os doze devemter-se dado conta de que portavam as esperanças não só de sua cidade, mas demuitos outros. Nos ombros desses doze homens repousava o sonho delibertação da tirania espartana e de um novo começo para a Grécia.

Eles jamais cariam sabendo como haviam chegado perto de seremdetidos nessa intenção antes mesmo de começarem. Na véspera da datamarcada para deixarem Atenas, um dos simpatizantes em Tebas entrara empânico, ordenando que fosse enviada a Atenas uma mensagem dizendo quenão viessem. O mensageiro foi a sua casa apanhar a montaria para se dirigir omais rápido possível a Atenas. Mas não encontrava as rédeas. Procurando portoda a casa, ele acabou por perguntar à mulher se as havia visto. Elarespondeu que sim, que a mulher do vizinho perguntara se poderia emprestá-las e que, como não imaginasse que o marido fosse precisar delas, haviaconsentido. O mensageiro cou perplexo. Sem as rédeas, não poderia montar;e sem montar, não teria como entregar a mensagem a tempo. Considerando-seo caráter secreto da mensagem, ele tampouco poderia simplesmente sair porTebas pedindo rédeas emprestadas, pois tinha uma mensagem urgente aentregar em Atenas. Insultando a mulher por ter feito algo sem suaautorização, e provavelmente ouvindo brados não menos indignados que elanão era nenhuma adivinha e aquelas rédeas não tinham a menor importância,o marido acabou com ela numa altercação em público da qual tratou de seesquivar, concluindo que a única solução era não entregar a mensagem. Ela defato não foi entregue, de modo que os conspiradores deixaram Atenas no diamarcado e as rodas da revolução foram postas em movimento, graças a umamulher desconhecida que decidira fazer um favor ao vizinho na véspera.

Os conspiradores nalmente chegaram a Tebas no m do dia, sendorecebidos por um vento frio que castigava as muralhas da cidade. Para nãoserem percebidos, separaram-se e, trocando os trajes de caça por roupas decamponeses, entraram na cidade, cada um por um portão diferente. O ventofrio contribuiu para o segredo de seus movimentos, dando a cada um deles umbom motivo para cobrir o rosto com a capa, ao mesmo tempo se protegendodo vento e ocultando sua identidade. Abrindo caminho pelas ruelas de Tebas,eles chegaram à casa de um homem chamado Cáron. Este ofereceracorajosamente sua casa como local de encontro e esconderijo para os

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conspiradores, que dali poderiam lançar seu ataque contra os quatro líderes dogoverno fantoche pró-espartano. Se conseguissem matar os quatro e assumir ocontrole, imaginavam, o resto de Tebas haveria de segui-los. Com os cidadãostebanos a seu lado e as tropas de Atenas se aproximando, eles se consideravamem condições de tomar a guarnição militar espartana instalada na cidade.

Os quatro alvos naquela noite cavam em duas localizações diferentes.Mas os conspiradores tinham um trunfo na manga: um agente duplotrabalhando para os líderes pró-espartanos, alguém em quem os pró-espartanos implicitamente con avam. Esse homem tinha providenciado umafesta com bebidas para dois dos pró-espartanos naquela mesma noite, etrataria de se assegurar de que estivessem bêbados no momento em que osconspiradores chegassem, transformando-os em presa fácil. Mas já não seriatão fácil capturar os dois outros líderes, especialmente porque um deles era omais inteligente de todos os pró-espartanos. Descon ado de todo mundo erecusando-se a ingerir álcool, para manter-se sempre alerta, ele cava bemprotegido em sua própria casa, tal como seu colega, numa residência próxima.Os conspiradores teriam de invadir as duas casas, dominar os guardas ecriados e chegar aos líderes antes que conseguissem fugir.

Quarenta e oito homens reuniram-se na casa de Cáron naquela noite paraparticipar do golpe. Enquanto distribuíam armas e armaduras, bateram àporta. Todos caram paralisados, em silêncio, enquanto Cáron ia abri-la. Láfora encontrava-se um mensageiro dos dois líderes pró-espartanos que estavamna festa. Eles convocavam Cáron para que comparecesse imediatamente, disseo mensageiro. Cáron não tinha escolha, senão ir. Tentando organizar as ideiasantes de partir, ele expressou aos 48 homens escondidos em sua casa seu piortemor: que se tivesse espalhado a notícia da conspiração. Os homens caramolhando para ele, sabendo que não havia volta possível. Sua única esperançaestava na possibilidade de Cáron convencer os governantes de que asacusações eram falsas. Cáron não era nenhum covarde, mas até mesmo eletemia agora o que tinha pela frente. Mas seu compromisso com os amigos e acausa revolucionária era tão sério que ele deixou aos seus cuidados seu belolho de quinze anos, com ordem para que fosse morto se o pai viesse a trair

seus amigos naquela noite.Apresentando-se aos líderes pró-espartanos em pleno banquete, Cáron

respondeu a suas perguntas sobre os boatos de que tinham tomado

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conhecimento a respeito do retorno a Tebas dos exilados antiespartanos. Eletudo negou categoricamente, zombando das alegações e da estupidez dequalquer um que ousasse ameaçar os espartanos. O agente duplo, quesupervisionava a festa, interveio nesse ponto para reforçar a ridicularizaçãodos boatos sobre o retorno dos exilados e estimular os convivas a continuarbebendo. Eles concordaram em esquecer o assunto e dispensaram Cáron.

Os conspiradores, sem saber se a próxima batida à porta seria de Cáronretornando ou da guarnição espartana chegando para matá-los, rejubilaram-secom as notícias trazidas por Cáron e imediatamente começaram a pôr emprática o plano, antes que pudessem chegar novamente aos líderes informaçõessobre sua presença em Tebas. Saindo para enfrentar o duro vento, já agoramisturado com neve e garoa, eles se dividiram em dois grupos, um paracapturar os dois convivas embriagados e o outro para tomar as casas ondeviviam os dois últimos líderes. Caminhando rapidamente pelas ruas, eles nãosabiam que seu plano mais uma vez estava por um o. Um mensageirochegara inesperadamente de Atenas e conseguira passar despercebido peloagente duplo que scalizava o banquete, entregando uma carta diretamente aum dos líderes pró-espartanos. Essa carta continha os detalhes de toda a tramae até o nome do agente duplo. Ao que parece, alguém em Atenas, com todaevidência ligado aos conspiradores, decidira traí-los. Entregando a carta nasmãos de um dos líderes, o mensageiro disse-lhe que seu teor era grave edeveria ser imediatamente examinado. O agente duplo, incapaz de fazer o quequer que fosse sem levantar suspeitas, apenas observava, esperando para ver oque faria o líder. Sua vida, assim como a dos outros conspiradores, estava nasmãos do pró-espartano meio bêbado. O tempo deve ter congelado enquanto olíder examinava a carta em suas mãos. Numa gargalhada de embriagado, elerespondeu ao mensageiro, com um sorriso, “Coisa muito grave para amanhã”,en ou a carta por baixo da almofada e voltou a beber. O poder do álcooltinha salvado os revolucionários tebanos e sua rebelião. No mundo antigo, afrase “Coisa muito grave para amanhã” haveria de se transformar numprovérbio: nunca deixar para amanhã o que pode ser feito hoje.

Os conspiradores reuniram-se em frente ao salão onde transcorria obanquete. Vestindo roupas de mulher por cima das armaduras e botando nacabeça espessas guirlandas de pinho e abeto, para car com a aparência decabeleiras femininas e ocultar suas feições brutas, eles entraram no salão. Os

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convivas, embriagados, saudaram sua chegada com vivas, pensando que eramas dançarinas e cortesãs que tão ansiosamente esperavam. Mas suas risadaslogo se transformaram em gritos de horror, no momento em que, atirando aochão as perucas e desembainhando as espadas de baixo das saias, esses heróistravestidos da rebelião começaram a trucidá-los um a um.

Do outro lado da cidade, exatamente no mesmo momento, desenrolava-seuma cena muito semelhante de homicídio. Os conspiradores se haviamdisfarçado, alguns de mulher, outros de bêbados, para não serem identi cadosnas ruas, sem portar ostensivamente nenhuma arma, mas apenas uma facaescondida cada um. O plano de ataque era simples: bater à porta da frente dascasas dos dois líderes e forçar a entrada quando o escravo viesse abrir.Dominando os guardas, os conspiradores conseguiram forçar a entrada nasduas casas e começaram a buscar suas presas. Na primeira casa, um dos pró-espartanos, aquele que nunca bebia vinho, lançou mão de uma arma para sedefender. Ele levava a vantagem do conhecimento da topogra a da casa, mas,em vez de apagar as luzes, para que os atacantes se confundissem naescuridão, atacou com toda a iluminação e investiu contra os conspiradores,lutando pela própria vida. Em combate corpo a corpo na estreita escada desua casa, o pró-espartano nalmente tombou, batendo o seu corpo sobre o deum conspirador que ele conseguira atingir segundos antes, e cuja última visãoneste mundo foi a do corpo do odiado inimigo atravessado sobre o seu. Naoutra casa, o último líder vivo, em vez de oferecer resistência, tentara fugir,escondendo-se na casa do vizinho, mas acabou sendo encontrado, arrastadopara fora e assassinado.

Ao alvorecer, os conspiradores sobreviventes reuniram-se nas ruas. Suamissão fora concluída apenas pela metade. Os líderes pró-espartanos haviamsido mortos. Mas ainda havia uma guarnição militar espartana no centro dacidade, e Esparta certamente enviaria mais tropas assim que recebesse asnotícias. Mensageiros foram apressadamente enviados às leiras de outrosexilados tebanos congregados fora de Tebas, para que retornassem o maisrápido possível, e também a Atenas, para que mandasse as prometidas tropas.A cadeia foi invadida e todos os presos antiespartanos foram libertados. Anotícia dos assassinatos começou a se espalhar pela cidade e as pessoasacorreram às ruas, ansiosas por saber o que ainda estaria por vir. Percebendo

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os riscos que enfrentavam, invadiram os arsenais da cidade, distribuindoarmas a todos cidadãos sicamente aptos e chegando até a saquear as o cinasde ferreiros em busca de qualquer objeto que pudesse ser usado em combate.Armados do melhor jeito possível, os cidadãos de Tebas acorreram àassembleia da cidade à espera do que o alvorecer lhes reservava. Deviam terperfeita consciência, naquela fria manhã de dezembro, que a rebelião, sualiberdade e, com ela, o destino da Grécia estavam na balança.

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N

CAPÍTULO 5

O filósofo vegetariano e o filantropofisiculturista

a multidão de tebanos armados naquela fria manhã de dezembro de379 a.C. podiam ser vistos dois homens que até então tinhamdesempenhado papel central na rebelião. O primeiro chamava-se

Pelópidas. Fora ele um dos antiespartanos expulsos de Tebas que se haviamrefugiado em Atenas, escapando a reiteradas tentativas de assassinato, e que,com seu bando de doze heroicos irmãos, deixara Atenas para se in ltrar emTebas e dar início à rebelião. Estivera na casa de Cáron naquela noite eliderara o segundo grupo de atacantes na tentativa de assassinato muito maisdifícil envolvendo os dois líderes que se encontravam em casa. Na verdade,Pelópidas estivera entre os que haviam enfrentado o líder pró-espartanoabstêmio em combate corpo a corpo, e sobretudo fora aquele que conseguiradesferir o golpe fatal. Pelópidas era um herói da rebelião.

O segundo homem digno de nota naquela gélida manhã era Epaminondas.Ao contrário de Pelópidas, Epaminondas pudera permanecer em Tebas e assimse integrara à resistência clandestina na cidade. Epaminondas e seuscompanheiros de resistência tinham-se comunicado com Pelópidas e seusirmãos exilados, coordenando a organização do esconderijo, dos homens e dasarmas para o ataque na noite anterior. Ele era o rosto conhecido da populaçãode Tebas, e na manhã seguinte, ao apresentar Pelópidas à assembleia armada,foi sua calma presença, acompanhado por alguns sacerdotes, que encorajou apopulação de Tebas a aceitar as ações dos rebeldes e fortaleceu seus nervospara o esperado confronto com a guarnição espartana ainda instalada nacidade.

Esses dois homens, heróis da rebelião, eram grandes amigos. Haveriam de

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se tornar os dois indivíduos mais poderosos de Tebas por mais de uma década.Constituíam também uma dupla estranha e quase implausível. Pelópidas eraum aristocrata rico que gostava de distribuir sua riqueza como lantropo,para assim se sentir, como dizia, senhor da própria riqueza, e não seu escravo.Casou-se e teve muitos filhos. Fisicamente muito forte e capaz, ele não gostavade ler nem de qualquer esforço intelectual. Seu lugar favorito não era abiblioteca, mas a academia de ginástica, onde se destacava como ávidosiculturista. Ele era vida e alma do grupo, e, em consequência, alvo muito

visado dos pró-espartanos quando tomaram a cidade em 380 a.C.Epaminondas, por outro lado, era o único que jamais aceitaria um dracma

sequer da riqueza de Pelópidas. Originário de uma família aristocrática queempobrecera, ele se vestia modestamente e se alimentava de uma dieta parca.Convidado a um banquete e vendo à sua frente tão suntuosa refeição, ele seretirou, dizendo que acreditava que seria uma refeição, e não uma ostentaçãode arrogância. Nunca se casou nem teve lhos. Tornou-se devoto de um novotipo de denominação religiosa chamada pitagorismo, que entre outras coisasinsistia em que se evitassem sacrifícios de sangue e o consumo de carne. Eraum valente combatente, mas em vez de dedicar seu tempo à ginástica, preferialer e veio a se interessar profundamente pela filosofia. Foi autorizado pelogoverno pró-espartano a permanecer em Tebas porque, como comentariaPlutarco, “sua filosofia fazia com que fosse considerado desdenhosamentecomo um recluso, e sua pobreza, como um impotente”.

Mas o fato é que esses dois homens, o lósofo vegetariano e o lantroposiculturista, estavam ligados por uma amizade forjada uma década antes no

calor das batalhas. Pelópidas fora ferido sete vezes na linha de frente econsiderado morto em meio a um monte de cadáveres. Mas Epaminondas nãoabandonou seu corpo e continuou lutando sozinho contra o inimigo queavançava, até ser igualmente ferido no peito por uma lança e no braço poruma espada. Decidido a morrer sem abandonar o corpo de Pelópidas aoinimigo, ele se recusou a bater em retirada. Os dois não teriam sobrevividonesse dia se o rei de Esparta, a cujo lado combatiam na época, não tivesseenviado uma força de resgate para salvá-los. Pelópidas e Epaminondas jamaisesqueceriam esse dia. Mas co me perguntando se os reis de Esparta, aotomarem conhecimento da rebelião dos tebanos e dos nomes de seus líderes, evindo ao longo das duas décadas seguintes a enfrentá-los reiteradamente em

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combate, não se terão dado conta, lamentando-o, que seus própriosantecessores reais espartanos tivessem salvado a vida dos dois tebanos. Pois ofato é que naquela crucial decisão, no calor da batalha, Esparta criara para simesma um vespeiro de problemas.

Pois o outro fator que unia Pelópidas e Epaminondas era um comumpropósito: o desejo de ver sua cidade tornar-se mais poderosa e gloriosa quenunca ainda em suas vidas. Participando da assembleia tebana naquela friamanhã de dezembro, eles devem ter-se dado conta de que seu “projeto tebano”tinha agora sua maior chance de sucesso. Era o momento de Tebas, e nãopoderia haver um segundo sequer de hesitação. A guarnição militar espartana,no interior da cidade, não retaliara contra o golpe durante a noite.Estimulados por esse erro tático, Pelópidas e Epaminondas, já agora à frentede cidadãos armados e semiorganizados, tiraram proveito de sua vantagem eforçaram a guarnição — constituída por soldados espartanos, nem mais nemmenos! — a se render e deixar a cidade.

Foi realmente o momento preciso. Não mais que um par de dias depois, aguarnição espartana, marchando de volta para casa derrotada e humilhada,encontrou reforços que apressadamente tinham sido mandados por Esparta emdireção norte, para ajudar a sufocar a rebelião. Não deve ter sido um encontroagradável para aqueles orgulhosos espartanos, muito mais acostumados aderrotar o inimigo que a ser derrotados. Dando meia-volta, esse contingentereforçado empreenderia agora um ataque em regra contra Tebas. A rebelião deTebas e a vida de seus cidadãos, para não falar do projeto tebano de Pelópidase Epaminondas, estavam por um o. Não havia a menor possibilidade deTebas resistir à investida maciça de Esparta. Tudo dependia do cumprimentoda promessa dos atenienses de enviar tropas para apoiar Tebas. Haveriam elesde cumprir a palavra?

O exército de Atenas hesitava na fronteira entre Ática, o território deAtenas e a Beócia como um pedregulho equilibrado num cume montanhoso.Seguiu-se um tenso momento de impasse e, num lance que só pode serconsiderado uma tática surpreendentemente arguta de Esparta, foram osespartanos que cederam primeiro. Dando-se conta de que o inverno estavachegando e uma prolongada campanha de assédio longe de casa não seriaviável, relutando em enfrentar uma guerra total com Tebas e Atenas,especialmente com uma força de resgate arregimentada às pressas e uma

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guarnição de comprovados incompetentes, Esparta decidiu bater em retirada.Deixando uma guarnição permanente de soldados numa cidade não distantede Tebas, Esparta promoveu o retorno para casa do resto de seus homens eesperou que o inverno passasse. Tebas deve ter dado um suspiro de alívio. MasPelópidas e Epaminondas também deviam saber que a batalha não estavaconcluída. A chegada da primavera e do verão seria acompanhada de umataque em grande escala, mobilizando o melhor das forças de Esparta.

Esparta não passou o inverno inteiro lambendo as próprias feridas epreparando seu exército. Num ousado lance diplomático, enviou emissários aAtenas. A mensagem era simples. Vocês, atenienses, realmente querem correro risco de uma guerra total com Esparta (e talvez também com a Pérsia) porcausa de Tebas? O que é que devem a Tebas, para que valha a pena arriscar avida? A assembleia ateniense, reunida em meio a grande nervosismo na colinade Pnix, hesitou (Mapa 1; Fig. 2). Sentindo ainda o efeito psicológico daguerra do Peloponeso, da revolução e do recente mau desempenho dosatenienses no campo de batalha contra Esparta, a assembleia decidiu retirar oapoio a Tebas. Seus integrantes votaram inclusive uma condenação dosgenerais que tinham liderado o contingente de apoio à cidade. Atenas derauma total reviravolta em sua política. Cumprida sua missão, os embaixadoresespartanos voltaram para casa, muito mais con antes no que lhes poderiareservar o ano seguinte. Tebas agora estava sozinha. Ao ter início a temporadadas campanhas, nada impediria Esparta de garrotear a cidade. Tivera início acontagem regressiva para a aniquilação de Tebas.

Na passagem da primavera para o verão do ano seguinte, 378 a.C.,contudo, algo estranho aconteceu. A guarnição espartana, mobilizada perto deTebas ao longo do inverno, serviu de lembrete do poder de Esparta tanto paraTebas quanto para Atenas. Essa guarnição era comandada por um homemchamado Esfódrias, que, podemos presumir, tinha ordens de resistir no fortedurante o inverno e esperar a chegada do exército espartano. Entretanto, certanoite de abril ou maio de 378, Esfódrias aparentemente decidiu adotar umplano alternativo. Deixando o território tebano, ele investiu de maneirafulminante para Atenas com suas tropas. O objetivo era capturar o portoateniense do Pireu pela manhã, o que interromperia o abastecimento alimentarateniense e deixaria a cidade impotente para resistir às exigências de Esparta.

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Parece tudo muito bom teoricamente. Mas na prática era coisa de maluco.Esfódrias estava tentando percorrer mais de 70 quilômetros a pé numa únicanoite, atravessando território inimigo em terreno nem de longe plano (Mapa2). Em hipótese alguma ele conseguiria chegar ao alvorecer — o que seria suaúnica chance de sucesso, considerando-se que, uma vez sendo avistadas suasforças, os atenienses entrariam em ação para proteger o porto. O ataque nãoera uma aposta audaciosa: era uma missão suicida.

Por que terá então Esfódrias arriscado uma jogada tão ridícula nessanoite? E ainda por cima contra Atenas, que já tinha concordado em retirarsuas tropas e não representava mais uma ameaça para Esparta. Que vantagempoderia ser extraída dessa missão? Estaria Esfódrias simplesmente entediadocom o fato de montar guarda na guarnição ao longo do inverno, com suapequena parte na glória do projeto global? É o que pensava Plutarco,de nindo Esfódrias como um indivíduo falho em sua capacidade dejulgamento, cheio de expectativas vãs e ambições desmedidas. Mas o fato éque um ato de tão agrante desrespeito às ordens ia de encontro a tudo que seaprendia no treinamento militar espartano. Por outro lado, e se Esfódriastivesse sido estimulado a fazê-lo? Rumores encontrados nas fontes antigasapontam na direção de algumas cidades. Será que no próprio campo espartanohaveria quem secretamente buscasse um bom pretexto para entrar em guerranão só contra Tebas mas também contra Atenas? Invadindo territórioateniense, eles sabiam ser provável que Atenas entrasse novamente emanimosidade contra Esparta. Segundo essas fontes antigas, contudo, eraigualmente provável que alguém no campo ateniense é que quisesse a guerracontra Esparta, discordando da decisão de Atenas de abandonar os aliadostebanos. Ao encorajar Esfódrias, talvez com informações sobre a precáriadefesa do Pireu, os atenienses favoráveis à guerra poderiam pretender forçar amão de Atenas. O mais provável, todavia, é que a ideia tivesse partido de umdos líderes tebanos, talvez o próprio Pelópidas ou Epaminondas. Tebas estavasozinha. Não tinha chance de vencer Esparta. Sua única esperança eraconseguir mobilizar novamente Atenas antes da chegada do exército espartanono verão, e a melhor maneira de fazê-lo era provocar um incidentediplomático entre Atenas e Esparta, subornando ou iludindo Esfódrias paraque abraçasse essa absurda empreitada. Pode ter sido esta a grande aposta deTebas — e o resultado não poderia ter sido melhor.

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Mero peão num tabuleiro de xadrez muito mais amplo, Esfódrias foimandado a julgamento em Esparta, e foi lá, em Esparta, que os reis espartanoscometeram seu mais grave erro tático. Atenas ainda poderia ter sidoconvencida se Esfódrias tivesse sido devidamente punido e Esparta tivessedeixado bem claro que nada tinha a ver com sua iniciativa. Mas o rei Agesilaunão pensava assim. Este homem, que percorrera a Grécia com ações deintimidação e levara os combates a Tebas por simples necessidade pessoal devingança, ainda dava as cartas em Esparta. Na verdade, parece ter sido eleuma tal força bruta da natureza que, apesar dos muitos ferimentos sofridos, jásobrevivera a dois outros reis e passava agora ao terceiro. O credo de Agesilauera prejudicar os inimigos e fazer bem aos amigos — maneira perfeitamentetradicional de pensar dos gregos, mas perigosa quando o bem e o mal eramfeitos independentemente das consequências para a cidade como um todo.Esfódrias era um espartano e Agesilau não tinha a menor intenção de punirum espartano para aplacar os atenienses. Esfódrias saiu-se com pouco maisque um tapa de advertência na mão. Atenas cou ultrajada e insultada. Antesque o exército espartano tivesse tempo de se mobilizar para a temporada decampanhas de 378 a.C., Atenas dera outra meia-volta em sua política externae estava novamente apoiando Tebas. Passados apenas oito anos da assinaturada paz real da Pérsia, que deveria ter dado início a uma nova era de concórdiae ordem, estava preparado o terreno para mais uma guerra entre as cidades daGrécia. Ares entrara novamente em sua pista de dança.

Atenas e Tebas entraram num jogo bastante arguto. Esparta dispunha deforças vastamente superiores — cerca de 30.000 homens — invadindo aBeócia naquele verão. Atenas e Tebas não podiam correr o risco de umabatalha tradicional, mas contavam com a vantagem de conhecer o território.Mantendo-se nas colinas e montanhas da Beócia, eles negaram a Esparta agrande vitória que poderia esperar nas planícies abertas, neutralizaram avantagem de sua superioridade numérica e fustigaram a coluna espartana empequenas investidas guerrilheiras durante três anos. A cada temporada decampanhas, Esparta tinha de atravessar todo o Peloponeso até a Beócia eabastecer suas tropas a longa distância, sem ter em momento algum o inimigoplenamente à vista — problema bem conhecido dos comandantes no Iraque eno Afeganistão em anos recentes. Atenas e Tebas limitavam-se a esse jogo degato e rato, que lhe custava pouco em baixas e rendia tremendos dividendos

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em matéria de desmoralização dos espartanos e comprometimento de suareputação de supremacia militar. O astuto diplomata espartano Antálcidas —que tão brilhantemente negociara o m da última guerra, garantindo a pazreal e advertindo contra as táticas de intimidação de Esparta — provocavaagora Agesilau, dizendo-lhe que com essa nova guerra estava apenas dandolições gratuitas de combate aos tebanos.

Em 375 a.C., contudo, aconteceu algo que mudou a atitude de Tebas.Num lugar chamado Tegira, no centro da Beócia, bem no meio da pista dedança de Ares, um pequeno contingente de tropas tebanas retornava a Tebas(Mapa 2). Esses homens não tiveram a perspicácia de suspeitar que uma forçaespartana poderia estar por perto. Mas de repente foi exatamente o que viram.Ao que parece, ambos os lados caram surpresos com o encontro. Nenhumdeles tinha muitas alternativas senão lutar. As tropas tebanas, contando 300homens, investiram contra os espartanos. Estes, con ando em sua vastasuperioridade numérica e em seu poder de fogo perante esses 300 tebanos,mantiveram-se rmes. E então aconteceu a coisa mais surpreendente. Ostebanos não só conseguiram romper as leiras dos espartanos como, em vezde prosseguir em rota de fuga, voltaram-se corajosamente para acabar comeles. Em Tegira, no ano de 375 a.C., um pequeno contingente de 300 tebanosdizimou uma força espartana muito maior. Como comentaria mais tardePlutarco, em todas as guerras, fosse contra gregos ou contra bárbaros, nuncaantes os espartanos, com sua superioridade numérica, tinham sido derrotadospor uma força tão inferior. A força de um pequeno contingente decombatentes de elite, conceito há tanto tempo fundamental na lendáriahistória de bravura da própria Esparta nas Termópilas, voltara-se contra ela,deixando irreversivelmente abalada a imagem de poderio cuidadosamentecultivada pelos espartanos.

O homem que conduzia os tebanos nesse dia era ninguém menos quePelópidas, o lantropo siculturista e herói da rebelião. Os 300 tebanostampouco poderiam ser considerados soldados rasos comuns. Eramconhecidos como o Bando Sagrado. Os integrantes desse grupo, apresentadosem diferentes fontes como 150 casais homossexuais que combatiam de formamais coesa que ninguém por causa dos fortes laços entre eles, transformaram-se em heróis da cidade e na força de elite de Tebas. Esse bando de parceiros, o

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único regimento militar permanente de Tebas, não seria derrotado emcombate ao longo dos próximos 37 anos. Sua vitória em Tegira não sóconsolidou o poder de Pelópidas em Tebas como deu origem à seguinte fase doprojeto tebano. Quem sabe, começaram a imaginar os tebanos, pudessem nãosó rechaçar os espartanos como derrotá-los e assumir seu lugar como supremapotência da Grécia. Em questão de poucos anos, a contagem regressiva para aaniquilação de Tebas se havia transformado em contagem regressiva para oinício da era de supremacia tebana.

Ao mesmo tempo que os combatentes tebanos brincavam de gato e ratocom os espartanos, os líderes da cidade se empenhavam na reconstrução daConfederação Beócia. Essa federação de cidades no centro da Grécia existiadesde o século anterior, mas, como vimos, fora desfeita à força por insistênciade Esparta, pois não cumpria os termos da paz real, que exigia a autonomia detodas as cidades gregas. Isto representara um revés sobretudo para Tebas, queliderava a Confederação. Não surpreende, assim, que Tebas, em seu projeto derejeitar o domínio espartano da Grécia, se empenhasse em reformar aconfederação o mais breve possível após a rebelião. Podendo contar apenascom Atenas — que na melhor das hipóteses podia ser considerada um aliadopouco digno de con ança —, Tebas precisava reforçar seus contingentes, oque signi cava apresentar uma frente beócia unida aos espartanos o maisbreve possível.

Essa nova confederação, lançada logo depois da rebelião de 378 a.C., eraconsideravelmente diferente da antecessora. No passado, o poder seconcentrava todo nas mãos dos aristocratas ricos das diferentes cidades, quetambém haviam contribuído com o essencial da cavalaria de combate. Dessavez, contudo, a ênfase era muito diferente. Todo cidadão membro daconfederação tinha igual direito de voto (independentemente da riqueza) etodos podiam servir no exército. Isto não só transformava a confederação namaior experiência de federalismo democrático do mundo antigo (o impérioateniense nunca chegara sequer perto em matéria de democracia) comoproporcionava à confederação uma maciça força de combate à qual recorrer.Todos os cidadãos votavam na assembleia confederativa, que tinha a palavranal, e todo cidadão deveria considerar-se primeiro que tudo beócio, e só

depois cidadão de sua cidade. Sob muitos aspectos, tratava-se, nem mais nemmenos, dos Estados Unidos da antiga Beócia.

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Mas essa ousada experiência democrática tinha seus inconvenientes. Aassembleia dos cidadãos era realizada em Tebas, e isto signi cava que, para semanifestar nela, era necessário viajar até a cidade — o que nem sempre erapossível, dadas a distância e os imperativos da economia agrícola (a nal, osbeócios eram em sua maioria agricultores e precisavam lavrar a terra). Sempreseria mais fácil para os tebanos do que para os cidadãos de qualquer outracidade fazer valer sua opinião, de modo que Tebas tendia a determinar apolítica da confederação. Além disso, todo ano sete homens eram designadosbeotarcas — líderes da assembleia e generais do exército. Eles eram investidosde amplos poderes para decidir a política confederativa quando nocumprimento do dever militar, sem recorrer à assembleia. Isso lhes conferiagrande e cácia em campo — podiam reagir imediatamente aosacontecimentos —, mas também deixava o sistema exposto a abusos.

Apesar dos defeitos e considerando-se as circunstâncias em que se forjou— a rebelião tebana, a constante guerra de guerrilha contra Esparta, à sombrade uma possível intervenção do rei da Pérsia —, a Confederação Beóciapromoveu a convergência de cidades que muitas vezes se tinham engal nhadonuma união funcional e extraordinariamente democrática. Depois darevolução democrática em Atenas, foi o segundo triunfo da democracia noséculo. Mas quem poderia saber, enquanto prosseguia a brincadeira de gato erato, como haveria de reagir ao grave teste de uma guerra total?

Ninguém em Tebas estava realmente preparado para descobri-lo — nemmesmo depois do sucesso em Tegira com os 300 homens do Bando Sagrado.Em 375 a.C., quando já parecia inevitável um con ito aberto, o rei da Pérsiade fato interferiu mais uma vez para rea rmar os termos de sua paz. Emboranão se acusasse a confederação de ir de encontro às regras, o rei da Pérsiaefetivamente insistiu na cessação de toda ação militar (a nal, ele aindaprecisava dos mercenários gregos para suas campanhas). Uma precária tréguafoi declarada, enquanto Esparta, Atenas e Tebas voltavam para casa paralamber as feridas.

Mas o projeto tebano continuava perfeitamente vivo. Em menos de doisanos, Tebas procurava ativamente ampliar sua confederação, se necessáriopela força. As pequenas cidades da fronteira entre a Beócia e o territórioateniense de Ática, que haviam vacilado em sua lealdade aos dois lados,depararam-se com um exército tebano em seus portões. Uma delas, Plateia

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(Mapa 2), com uma longa história de importância fundamental para asquestões gregas (nela é que os gregos haviam coletivamente rechaçado ainvasão persa, pouco mais de um século antes, e mais recentemente a cidadedesempenhara um papel central na guerra do Peloponeso entre Atenas eEsparta), foi apanhada de surpresa. Receosos das intenções de Tebas, oscidadãos se protegiam no interior das muralhas da cidade sempre que cavamsabendo que os tebanos estavam a caminho. Mas quando os tebanosparticipavam de suas assembleias, famosas na Grécia pela prolixidade, osmoradores de Plateia julgavam-se em segurança, cuidando de suas plantações ese aventurando fora das muralhas da cidade. Dando-se conta da própriareputação, os tebanos jogaram com ela em benefício próprio. Compareceram àassembleia armados até os dentes e delas partiram diretamente para atacarPlateia. Os cidadãos não tiveram tempo de reagir e a cidade foi dizimada,acabando por capitular e aceitar a integração à confederação. A mesmahistória se repetia em todas as fronteiras da Beócia. As cidades que vacilavamem seu apoio ou mostravam muito clara adesão ao inimigo eram tomadas àforça. A Confederação Beócia se espraiava como um vírus, chegando cada vezmais perto das fronteiras do território ateniense, até que Atenas e Tebas —supostamente aliadas — entrassem em con ito pelo direito de controlardiferentes cidades na própria fronteira.

Essa agressiva campanha de expansão da confederação gerou animosidade,especialmente em Atenas. Animosidade em Atenas geralmente signi cava umasó coisa: mudança de política por parte da nervosa e impulsiva assembleiademocrática ateniense. No início de 371 a.C., Atenas, temerosa das intençõesexpansionistas de Tebas, novamente deu início a negociações diplomáticascom sua velha inimiga, Esparta, o que gerou uma complexa trama políticainternacional. Atenas e Tebas se aliaram contra Esparta. Atenas também vinhaformando sua própria aliança de cidades no mundo grego, sobre a qualfalaremos no próximo capítulo, tendo Tebas como um de seus membros. Masapesar disso Atenas também estava aliada, agora, a Esparta, inimiga de Tebas.Atenas tentava se garantir por todos os lados, num ambiente cada vez maisdividido. A necessidade de rea rmação da paz real foi proclamada em 371a.C., e todos os lados enviaram emissários a Esparta.

Essa rodada de negociações de paz haveria de se revelar crucial na história

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grega, de tal maneira que Xenofonte, o ateniense que aderira a Esparta e heróida marcha dos 10.000 em retirada da Ásia, que escreveria na velhice umahistória desse período, reproduziria palavra por palavra os discursos feitos porcada um dos embaixadores atenienses nas negociações — e note-se queXenofonte não gostava de reproduzir discursos, a menos que realmente fosseimportante. Os grandes personagens desse dia eram o nosso velho conhecidoAgesilau pelos espartanos, uma série de oradores, entre eles o capciosopolítico Calístrato, pelos atenienses, e Epaminondas, o lósofo vegetariano eherói da rebelião tebana, pelos tebanos: três homens poderosos, três poderosascidades e três gigantescos egos, apanhados em negociações “de paz” em nomede toda a Grécia.

Inicialmente, apesar da possibilidade de confronto de egos, todospareciam ansiosos por alcançar a paz, e, mais especi camente, pelo m datradicional cláusula dos tratados de aliança que a rmava que se uma cidadeestivesse em guerra, a cidade aliada teria de acorrer em sua ajuda. Essedispositivo, num contexto em que toda cidade estava aliada a alguém mais (nocaso de Atenas, em alianças duplas e triplas), signi cava que um con ito comdeterminada cidade quase automaticamente se transformava num con itogrego globalizado. Em vez de funcionar como elemento dissuasório dasiniciativas militares, gerando blocos opostos de “superpotências”, a cláusulana verdade tornava as ações militares mais prováveis e muito mais danosas.As três cidades e seus três principais embaixadores tentavam recuar de umaguerra grega total que lhes parecia iminente. Em consequência, foi redigidoum novo acordo de paz que, apesar de fazer eco aos termos originais da pazreal, deixava claro que cabia a cada cidade decidir entrar em ação ou não paraapoiar outra perante um ataque. Em essência, os embaixadores tentavamfragmentar a responsabilidade internacional, para com isto impedir umaguerra mundial de efeito dominó no mundo antigo.

Tudo isto parece muito sensato e também atendia aos interesses dos trêsprincipais envolvidos. Tebas ainda não estava segura de seu poderio paraentrar num grande con ito, particularmente levando-se em conta que Atenasagora se alinhava com Esparta. Esparta tentava virar a maré, para impedir oadvento de uma supremacia tebana e deter seu próprio declínio. Atenas queriaum equilíbrio de poder em que nenhuma cidade ou aliança casse no controlede toda a Grécia (pelo menos não até que ela própria se sentisse

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su cientemente poderosa para assumir essa posição). Todas as partesassinaram o novo tratado de paz. Aparentemente, a Grécia fora salva dadestruição. Xenofonte registra estas palavras de Calístrato em nome dosatenienses: “Todos sabemos que a todo momento irrompem guerras, mas queno m das contas todos desejamos a paz. Por que então nos deveríamos deixarexaurir pelos riscos da guerra, em vez de fazer a paz antes que seja tardedemais?”

Nessa mesma noite, contudo, Epaminondas deu-se conta de que o tratadodeixava Tebas em péssima situação. Segundo seus termos, se Espartaefetivamente atacasse Tebas (o que era provável, tendo-se em vista acapacidade dos espartanos de encontrar qualquer desculpa para fazê-lo),Atenas estaria desobrigada de vir em socorro de Tebas. Ninguém estariaobrigado a isto. Era Tebas que mais tinha a perder com o novo tratado.Epaminondas fora enganado.

Na manhã seguinte, segundo relato de Xenofonte e outro historiadorantigo, Diodoro, Epaminondas exigiu nova reunião. Anunciou então queTebas assinara o tratado na véspera apenas em nome de si mesma. Mas agoraqueria assiná-lo em nome da Confederação Beócia. A tática destinava-sedeliberadamente a provocar a ira do rei de Esparta. Agesilau cou furioso.Como podiam eles recuar e voltar a assinar um tratado com o qual haviamconcordado e que se tinham comprometido a respeitar, com juramentossolenes aos deuses? Não era possível voltar atrás. Mas Epaminondas contra-argumentou que, se Esparta tinha assinado em nome dos territóriosescravizados dos hilotas, por que não poderia Tebas assinar em nome daBeócia? Agesilau não respondeu verbalmente, mas apagando o nome dostebanos do tratado. Numa manhã, a paz que poderia ter evitado que a Gréciamergulhasse em (mais) uma guerra total era lançada por terra. Epaminondasdeliberadamente sabotara a paz, como única maneira de forçar um con itode nitivo que resolvesse a disputa de poder na Grécia. Estivesse Tebaspreparada ou não, Epaminondas sabia que era a única chance da cidade; e or e i Agesilau também sabia que Tebas impusera a Esparta uma derradeirachance de rea rmar sua glória. A paz, assinada por volta do dia 27 de junhode 371 a.C., com a exclusão de Tebas no dia seguinte, estaria completamenteesquecida em menos de um mês. Os embaixadores se apressaram de volta asuas respectivas cidades. Aguardando sua chegada e acreditando que trariam

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um acordo de paz, os cidadãos de Atenas, Esparta e Tebas viram-se, em vezdisso, diante de uma mensagem muito diferente: estava chegando mais umaguerra, diferente de qualquer outra vista no século.

Pelópidas e Epaminondas concordaram num ponto: já não era hora detáticas do tipo gato e rato, mas de uma colisão frontal entre os exércitostebano e espartano. Eles não teriam de esperar muito. O exército espartano jáse movimentava em direção norte, embora não estivesse sob o comando deAgesilau, que tinha uma certa tendência a falar muito mas deixava os outroscombater, particularmente por ter contraído gota na perna. O exército eracomandado por outro rei, um homem chamado Cleômbrotos. Os doisexércitos se encontraram na planície de Leuctra, na pista de dança de Ares(Mapa 2). Eram forças desequilibradas. Esparta reunira um contingenterespeitável: 11.000 homens e 1.000 cavaleiros alinhados contra 7.000soldados tebanos e apenas 700 cavaleiros. Finalmente, os espartanos devem terpensado, chegara sua chance em campo de batalha.

Na planície de Leuctra, onde os dois exércitos se per laram, havia otúmulo de duas donzelas estupradas no ano anterior por um grupo deespartanos. Elas se tinham suicidado, para não conviver com a vergonha e otormento de terem sido violadas. Nas noites que antecederam a batalha,Pelópidas teria sonhado com as duas raparigas, que o instruíram a sacri caruma virgem em sua homenagem, para que elas e a própria planície de Leuctracassem do lado de Tebas na batalha. O sonho de Pelópidas causou grande

dissensão nas leiras tebanas. Deveriam de fato sacri car uma virgem? Oscasos anteriores na história e na mitologia gregas haviam gerado problemas.Agamêmnon tinha sacri cado a lha para conseguir ventos necessários paranavegar até Troia, e viria a ser morto pela própria mulher. Agesilau, por suavez, havia tentado repetir esse sacrifício, sendo impedido pelos tebanos ao sairem campanha para levar os combates aos persas mais de vinte anos antes, esua campanha tinha sido um completo fracasso. Haveria alguma ligação entreo fracasso de sua campanha e o fato de não ter sido feito o grande sacrifíciohumano? Divididos entre o assassinato de uma inocente e a perda do apoiodos deuses, os tebanos felizmente puderam contar com uma resposta que seapresentou espontaneamente, na forma de uma jovem égua que se teriadesvencilhado das amarras e galopado na direção de Pelópidas, como que

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ansiosa por oferecer seus serviços. Eles sacri caram a égua virgem no túmuloe oraram para que as donzelas afrontadas e Leuctra ficassem do seu lado.

Pelópidas tinha consciência do papel que a propaganda desempenharianessa batalha. Os tebanos não podiam dar-se ao luxo de car por demaisimpressionados com o poderio espartano, especialmente considerando-se queestavam em inferioridade numérica. Histórias como a do sacrifício no túmulodas donzelas serviam apenas para jogar grão no moinho do ego tebano dePelópidas. Constatando o nervosismo que se espalhava pelas leiras,especialmente entre os poucos soldados aliados que haviam aderido a Tebasnesse dia, Pelópidas fez questão de liberar ostensivamente todo aquele que nãoquisesse participar da batalha. Proclamou apaixonada e furiosamente que sóos homens que realmente quisessem lutar eram dignos de se integrar às leirastebanas, e só eles seriam dignos da glória que seria alcançada nesse dia.

Mas Pelópidas não foi capaz de convencer sequer sua mulher, que, comorelataria Plutarco, implorou que ele casse em casa, abstendo-se de combater.Ignorando-a, ele tomou seu lugar à frente da tropa de elite do Bando Sagrado.Ao se aproximar o meio-dia, naquele fatídico dia do verão de 371 a.C., o arcou pesado com a expectativa de uma feroz batalha e do derramamento de

sangue.Só então Esparta deu-se conta da ousadia de Pelópidas e Epaminondas. Os

exércitos gregos tradicionalmente alinhavam suas tropas em determinadaformação. Os melhores contingentes iam no anco direito, pois o esquerdoera considerado de mau agouro. Numa batalha entre duas linhas emconfronto, signi cava isto que as melhores tropas de ambos os lados nunca seenfrentavam. Em consequência, as batalhas costumavam seguir uma lógicacerta: uma carga de cavalaria, um avanço inicial, uma derrota da parte maisfraca do lado oposto, seguida de uma reorganização em nova direção, paraque as forças remanescentes, as melhores, tentassem retomar posição para seenfrentar. Mas Pelópidas e Epaminondas não queriam saber disso. Seu planode batalha era puro choque: não havia tempo para superstições. Elesposicionaram seus melhores contingentes diretamente em frente aosespartanos, no anco esquerdo dos tebanos. Ao se alinharem para a batalha,os espartanos não caram de frente para as tropas aliadas mais fracas, maspara os melhores homens de s.

Ao meio-dia, não tendo a carga inicial de cavalaria de ambos os lados

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surtido efeito, em vez de marchar na direção do inimigo em ritmo razoável,como os espartanos começavam a fazer, ao som de uma auta, os tebanoscomeçaram a gritar e correram para eles a toda velocidade. A linha tebana eraencabeçada pelo temível Bando Sagrado. Chocando-se contra as leirasespartanas, esse contingente de casais masculinos, com 300 homens, rompeu alinha de frente e provocou desordem na formação espartana. Pelópidas e seuBando Sagrado eram apoiados pela infantaria tebana, com 50 homenscomandados por Epaminondas. Eles investiram contra o rei de Esparta,matando-o. A batalha chegou ao m em menos de uma hora, antes que osaliados de qualquer dos lados tivessem qualquer chance de se mobilizar.

Leuctra — a batalha que anunciou o m da supremacia espartana e opleno desabrochar do poderio tebano — representou uma virada na história daGrécia, sendo vencida em grande medida graças à perspicácia e coragem dePelópidas e Epaminondas. Cícero haveria de se referir a Epaminondas como oprimeiro homem de Tebas, e um homem como Sir Walter Raleigh oconsiderava o maior dos gregos antigos. Existe atualmente uma estátua deEpaminondas na rua principal de Tebas. A reputação desses dois homensestava no auge depois de Leuctra, embora vários colegas que os haviamacompanhado na primeira noite da rebelião tebana de 379 a.C., tendo estadopresentes também na batalha de Leuctra, se queixassem amargamente do fatode lhes ser atribuído o essencial dessa glória. Esses homens chegaram inclusivea erguer seu troféu de vitoriosos em Leuctra com a seguinte inscrição:“Epaminondas não é melhor que nós.” É possível que os dois heróis cassemum pouco convencidos demais com seu sucesso. Apesar de toda a sua filosofia,dizia-se que Epaminondas era incrivelmente orgulhoso, orgulhando-se mais desua vitória em Leuctra do que Agamêmnon de sua vitória em Troia. No diaseguinte à batalha, Epaminondas vestiu-se com roupas desarrumadas e saiucom o cabelo desgrenhado, dizendo a todos que sentira na véspera um orgulhodigno dos deuses, e portanto tratava de compensar, naquele dia, obrigando-sea voltar a um nível mais humano.

Se Epaminondas sentia um orgulho sobre-humano, os espartanos sofreramuma humilhação sobre-humana. Pedindo permissão para resgatar os corpos deseus mortos, eles foram obrigados pelos tebanos a esperar até que todos osaliados de Esparta o zessem antes. A ideia era permitir que os aliadosrecolhessem suas poucas baixas, o que por sua vez deixaria ainda mais claro o

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grande número de espartanos mortos no campo de batalha. Nos campos deLeuctra, a fama de invencibilidade militar dos espartanos nalmente chegouao m. Esparta nunca mais recuperaria o enorme poderio de que haviadesfrutado nas primeiras décadas do novo século.

Tudo que resta hoje no local da batalha de uma hora em Leuctra é omonumento erguido pelos tebanos pouco depois de sua vitória, uma torre depedra encimada por escudos “espartanos” capturados na batalha (Fig. 7). Ainscrição frisava que uma vitória havia sido obtida pelos tebanos com a lança.Hoje, é possível ver os resquícios restaurados desse monumento, em meio apapoulas e ores de camomila e cercado por campos de cevada num tranquiloe verdejante vale da Beócia. Facilmente passam despercebidos de quemtransita pela estrada, da pequena aldeia moderna de Leuctra para o litoralocidental da Grécia. Postar-se junto a esse monumento, contudo, é estar noexato local onde o rei de Esparta foi morto e onde o equilíbrio de poder daGrécia antiga mudou definitivamente.

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A

CAPÍTULO 6

O peixe escorregadio

tenas não participou da batalha de Leuctra. Depois de tentar negociarum novo acordo de paz que pusesse m à ameaçadora possibilidade deuma guerra global no mundo antigo, a cidade deve ter cado arrasada,

vinte dias depois, ao ver Esparta e Tebas em um novo confronto declarado. Astentativas de Atenas de alcançar a “paz no nosso tempo”, como Chamberlaintantos séculos depois, redundaram em pouco mais que um pedaço de papel (oumais provavelmente, no caso, tabuletas de cera). Mas Atenas, prevalecendo-sedos termos da nova paz, ainda que na realidade já estivesse morta, optou pornão participar da batalha. Apenas tinha plena con ança de que Espartaesmagaria Tebas. Assim, quando Tebas enviou emissários às pressas a Atenasdepois de esmagar Esparta em Leuctra, esperando que Atenas, sua velhaaliada, casse feliz com a notícia e aproveitasse a oportunidade para enviartropas para capitalizar a situação, Atenas cou sem saber o que fazer. No mdas contas, optou por tratar com indiferença o mensageiro da vitória. Nada deboas-vindas, nem mensagem de congratulações, nenhuma promessa de apoio,nada. A “velha aliada” de Tebas mais uma vez deixava de se mostrar à altura.

Talvez os tebanos não devessem ter esperado muito mais. A nal, Atenasjá zera várias piruetas diplomáticas em sua relação com Tebas naqueladécada. Depois de oferecer apoio à rebelião tebana em 379, Atenas passara aapoiar Esparta naquele mesmo inverno e desautorizara os generais que haviaenviado para ajudar Tebas, para em seguida darmeia-volta e apoiar Tebas,depois de Esfódrias fazer sua tentativa suicida de atacar Atenas numa únicanoite. O apoio de Atenas a Tebas mais uma vez vacilara quando ela viu aConfederação Beócia expandir-se muito rapidamente, e Atenas se esquivara asuas obrigações militares com Tebas no tratado de paz de 371, alinhando-se

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com Esparta. E agora, tendo deixado de apoiar Tebas no campo de batalha,Atenas sequer enviava uma mensagem de congratulações. Ao que parece,Atenas era o peixe escorregadio das relações internacionais na Grécia antiga.

As evasivas atitudes de Atenas não diziam respeito apenas a Tebas. Naverdade, as relações internas e internacionais da história de Atenas nasprimeiras décadas do século IV a.C. con rmam essa tendência escorregadia.Ela tratara de escapulir a suas obrigações com Esparta no m da guerra doPeloponeso, primeiro enviando secretamente apoio à Pérsia (que viriaposteriormente a denunciar publicamente) e depois aderindo à aliança decidades indignadas com o brutal controle espartano do mundo grego. Atenasaceitara dinheiro da Pérsia e comemorava o fato de um almirante atenienseestar no comando da marinha persa. Mas logo Atenas também estariamandando ajuda à ilha de Chipre, que estava em con ito com o rei da Pérsia,e também começando a reconstruir sua in uência sobre as cidades gregas daregião norte do mar Egeu e do litoral da Ásia Menor. Foi essa deslealdade como rei da Pérsia que permitiu a Esparta convencê-lo a perder a paciência comAtenas e impor a paz real, tendo Esparta como seu fiscal.

As primeiras manobras diplomáticas de Atenas no novo século têm sidoconsideradas uma tentativa de dar início ao processo de reconstrução de seutão caro império, conquistado e perdido no século anterior. Fossem ou nãoessas iniciativas parte de um esforço coordenado para reconstruir o império, ofato é que a diplomacia cheia de reviravoltas de Atenas nesses primeiros anosera perfeitamente compreensível. Todas as cidades tentavam encontrar seucaminho num mundo que se encaminhava para uma organizaçãocompletamente diferente. Atenas precisava se esforçar mais que a maioria parase recuperar de uma esmagadora derrota e de uma revolução. Não surpreende,assim, que procurasse levar vantagem em todo confronto político e militar,exatamente como as demais cidades. Não era tanto que Atenas estivesseoperando constantes reviravoltas: estava na realidade sendo oportunista. Ooportunismo tomara o lugar da ideologia como palavra-chave da políticainternacional no século IV. A delidade cega simplesmente não fazia maissentido num mundo que mudava tão rapidamente e num momento em quetanta coisa estava em jogo.

A imposição da paz real pôs m a qualquer pretensão que Atenas acasotivesse de formar um novo império. Atenas pôde assumir o controle de três

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pequenas ilhas do mar Egeu, entre elas Ciros (Mapa 2), que fica em sua artériamais crucial — a rota do comércio de cereais para o mar Negro —, mas todasas demais cidades e ilhas da Grécia tiveram de se manter autônomas. Oimpério estava morto. Mas o que poderia ocupar o seu lugar? Os tebanostinham dado a resposta, restabelecendo sua Confederação Beócia. Apesar deconstantemente desa ada pelos espartanos, a Confederação não foradestruída. Tudo indicava que uma aliança de Estados livres pudesse seraceitável para o rei da Pérsia.

Mas Atenas tinha preocupações mais urgentes. Em 378 a.C., depois dedeixar Tebas na mão após a rebelião tebana, para em seguida voltar a se ligara Tebas depois do humilhante incidente com Esfódrias, Atenas se viraenvolvida na guerra no centro da Grécia, que acabaria com a vitória de Tebasem Leuctra. Embora esse con ito se transformasse na maior parte da décadade 370 numa guerra de guerrilha, Atenas deu-se conta de que estava empéssimas condições para se defender. Precisaria reconstruir as muralhas aoredor da cidade (praticamente), mas não tinha muitos meios de defender oscampos ao redor, tão vitais para a subsistência de seus cidadãos. O territóriode Atenas, conhecido como Ática, corria o risco de uma incursão militarespartana, como tão claramente demonstrara a malfadada marcha noturna deEsfódrias. A ameaça ao território nativo dos atenienses exigia atençãoimediata. A segurança interna era já agora a maior prioridade de Atenas.

Viajando na direção dos limites ocidentais da Ática, chega-se à escarpadacordilheira de Aegaleo. Ela constitui uma defesa natural contra exércitos quese aproximem por oeste (particularmente vindos de Esparta). Mas existe umabrecha nessa muralha-fortaleza natural. Era uma brecha conhecida dosatenienses e por eles temida, ao estabelecerem em 378 a.C. seus planos paraproteger a Ática. Viajando hoje em dia nessa região, ainda podemos verresquícios físicos de sua reação: uma muralha forti cada construída parafechar a brecha na cordilheira (Fig. 8). Essa muralha é um mistério paramuitos estudiosos, pois não é mencionada em um único texto antigo. A únicaprova de sua existência é sua própria presença, 2.400 anos depois, nesseremoto distrito da Ática. Mas foi possível com um cuidadoso empenhoarqueológico descobrir um pouco de sua história. Em primeiro lugar, não erasimplesmente uma muralha. Tratava-se de uma fortificação de pedra reforçadapor torres de observação e barreiras a espaços regulares, com fortes de

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guarnição destinados a abrigar, presume-se, a infantaria e a cavalaria que opatrulhavam e guardavam. Suas dimensões imponentes são atestadas pelo fatode ela ter sobrevivido a 2.400 anos de desgaste do tempo, saques e guerras.

Mas é muito provável que essa muralha tenha sido erguida às pressas.Entre o reatamento com Tebas e o começo da temporada de campanhas,Atenas dispunha de pouco tempo para fortalecer suas fronteiras perante oesperado ataque espartano. Precisava da muralha com rapidez, tanto que éperfeitamente possível que toda a mão de obra que acabara de reconstruir asmuralhas da cidade, além dos cidadãos sicamente capazes de Atenas, tenhasido mobilizada para construir essa muralha de defesa a toda velocidade,possivelmente mesmo no espaço de uma só semana. O único homem capaz deorganizar semelhante projeto era um ateniense chamado Chabrias. Eleprestara serviço como mercenário no Egito (combatendo contra a Pérsia...outro peixe escorregadio de Atenas), onde adquirira muita experiência naconstrução de fortalezas, técnica que não havia sido muito utilizada na Grécia,pois a guerra dos gregos, até então, consistia normalmente em batalhasorganizadas, e não de cercos prolongados. Chabrias retornou à Grécia em 379a.C. e foi eleito general em Atenas na primavera de 378 a.C., no exatomomento em que começava a temporada de campanhas. É bem possível quesua primeira ordem fosse construir a muralha-fortaleza e que a existênciadessa muralha tenha sido o fator determinante para forçar Agesilau e seuexército espartano a entrar em território tebano e não ateniense quando suastropas chegaram, algumas semanas depois. A muralha defensiva da Áticaprovou sua utilidade. Atenas nunca mais esqueceria a importância de garantira segurança de seu território. Instituiu um novo sistema de serviço militar,pelo qual todos os homens de dezoito e dezenove anos eram mobilizados emexcursão de treinamento, não a terras estrangeiras, mas para guardar asfronteiras da Ática; e certi cou-se de que, na eleição anual de seus generais,um deles fosse incumbido especi camente da responsabilidade de defender ointerior. Ergueu-se uma estátua a Chabrias na Ágora ateniense, e ele, uma vezcumprida sua missão de proteger o território, partiu para a guerra contraEsparta na pista de dança de Ares.

Ao mesmo tempo que cuidava de proteger seu território, Atenas voltavaseus pensamentos para o cenário internacional. Com sua dança oportunista

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das últimas décadas, a cidade se mantivera viva, mas não segura. Suasprototentativas de construir um segundo império haviam sido lançadas porterra pela paz real. Mas o exemplo tebano da Confederação Beóciademonstrara que era possível estabelecer alianças. Em 378 a.C., o mesmo anoem que se construía a muralha defensiva na fronteira da Ática, o mesmo emque voltava a eclodir uma guerra no centro da Grécia, e exatamente 100 anosdesde a fecundação do feto do anterior império ateniense, os ateniensesfizeram uma aliança que ficou conhecida como Segunda Liga Ateniense.

A carta de fundação dessa liga chegou até nós. Estabelecido no coraçãopulsante de Atenas, a Ágora, esse documento proclamava em pedra o mandatoda Liga, os juramentos prestados por seus constituintes e os nomes de seusmembros. A preocupação de Atenas no sentido de cumprir os termos da pazreal, que exigia que todas as cidades fossem livres e autônomas, é palpável nalinguagem dessa carta:

Para que os espartanos permitam que os gregos sejam livres e autônomos(...) e para que a paz e a amizade juradas pelos gregos e o rei da Pérsia, talcomo descritas na paz real, possam ser respeitadas e aplicadas (...) sequalquer cidade grega que não esteja sob controle do rei da Pérsia desejarser aliada dos atenienses e seus aliados, que assim seja, e, como todos sãolivres e autônomos, que essa cidade escolha a forma de governo que quisere não seja forçada a aceitar uma guarnição militar, ou um governador, oua pagar o imposto do império. Além disso, os atenienses nunca poderãoser donos de terras ou propriedades nessas cidades (...)

A carta reitera firmemente o compromisso com a liberdade e a autonomia.Mais importante ainda, tenta também aplacar os temores, entre as cidadesgregas, de que pudesse tratar-se de mais um dos velhos truques de Atenas. Ascláusulas a respeito das formas de governo, das guarnições militares, dosgovernadores e da impossibilidade de os atenienses serem donos de terras oupropriedades falam diretamente daqueles que eram considerados os pioresexcessos do tirânico império ateniense. Nesse documento, Atenas diz quenunca mais voltaria a ser um senhor tão tirânico. Na verdade, dessa vez,sequer era um senhor. A nal, todos na liga eram livres e autônomos, comoinsistia em frisar Atenas.

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Em que medida podia ser considerada real essa alegação de que Atenasaprendera as lições do império e agora estaria interessada apenas numaaliança livre e autônoma entre cidades livres e autônomas de mesmosobjetivos? A linguagem certamente era encorajadora. Para trás cara aexpressão “Atenas e as cidades que domina”, agora substituída por “Atenas eos aliados de Atenas”. A linguagem era corroborada pela estrutura. Amáquina decisória da nova liga era composta de duas assembleias: aassembleia democrática ateniense e uma assembleia de representantes de todasas cidades-membro. Nenhuma decisão poderia ser tomada sem a concordânciade ambas as casas. Todos os membros da liga tinham voto (desde quepudessem chegar a Atenas para expressá-lo). Atenas cumpriu a palavra de nãocobrar o pesado imposto imperial tão odiado no século anterior, o temidophoros. Mas foi introduzido um tributo (conhecido em grego antigo comosyntaxis, com uma agradável conotação comunitária) para cobrir parcialmenteos custos de funcionamento da liga.

A linguagem e a estrutura dessa nova liga também foram escoradas nosprimeiros anos pelos atos. Ilhas do mar Egeu e cidades livres do litoral da ÁsiaMenor, como Bizâncio (a moderna Istambul), entraram para a liga (Mapa 2).Mais perto de casa, Tebas também aderiu. Em 375 a.C., três anos apenasdepois de sua criação, ela contava 75 membros. Boa parte dessa ânsia deintegração provinha do fato de o foco central da liga estar voltado contraEsparta (tal como cou imortalizado na primeira linha da carta, citadaacima). A Segunda Liga Ateniense era um pacto defensivo contra o policialintimidador da Grécia. Até mesmo a apressada reativação da paz real em 375a.C. tacitamente reconhecia e aceitava sua existência e seus objetivos.

Mas as tensões entre Tebas e Atenas prenunciavam problemas para a liga.Tebas estava integrada à liga como cidade individual, mas também era a seded a Confederação Beócia. Essa dualidade não importava, na medida em quetanto a liga quanto a confederação eram antiespartanas. Mas à medida que opoder de Esparta começou a fenecer, enquanto o poderio tebano começava acrescer, o objetivo da liga e o fato de Tebas estar integrada a ela tornavam-secada vez mais fonte de tensão. Em 371 a.C., Atenas na melhor das hipótesesera neutra, se é que não apoiava tacitamente Esparta contra a crescentesupremacia de Tebas. Embora fossem supostamente aliadas, Atenas nãomandou reforços a Tebas durante a batalha de Leuctra e esnobou seus

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mensageiros que traziam a notícia da vitória. Ao mesmo tempo que crescia atensão entre membros da liga, uma questão mais importante se manifestava.Se Esparta já não era uma potência mundial, qual o sentido da liga, cujoobjetivo fora botar Esparta na linha? A liga estava num momento crucial. Noséculo anterior, uma aliança que havia começado como movimento contra ospersas não se des zera, depois de uma paz o cial com a Pérsia, sendotransformada no império ateniense. Apesar de seus protestos e de sualinguagem conciliatória, Atenas deparava-se agora com uma oportunidadesemelhante. Que uso haveria de fazer disso este que era o mais escorregadiodos peixes diplomáticos?

Para entender as decisões de Atenas depois da batalha de Leuctra em 371a.C., precisamos divisar um panorama muito mais amplo do mundo antigo,aquilo a que o geógrafo da antiguidade Estrabão chamaria mais tarde deMegale Hellas — a grande Grécia (Mapa 3). Enquanto a Grécia central seenvolvia numa batalha pela supremacia militar na pista de dança de Ares,muitas outras coisas aconteciam no resto do mundo — lugares, povos eacontecimentos nos quais as cidades da Grécia central tinham interesses cadavez maiores e de importância crucial, que contribuiriam para determinar suaspolíticas interna e externa.

De longe o mais importante desses interesses era a busca de recursosnaturais, especialmente alimentos. Os cereais eram fundamentais naalimentação dos gregos, e a Grécia, apesar de ser sob muitos aspectos um paísde abundância, não era capaz de atender às necessidades das grandes cidadesgregas nesse terreno. Constituía isto um problema particularmente paraAtenas, por ser uma das maiores cidades localizadas numa das regiões maissecas da Grécia, com a expectativa de só muito raramente, ou mesmo nunca,alcançar a autossu ciência. Em consequência, a busca de boas áreas de cultivode cereais e o empenho de manter controle delas eram vetores fundamentaisda política externa ateniense. A paz real, assinada pela primeira vez em 386a.C., permitira a Atenas manter o controle de três pequenas ilhas do norte domar Egeu, como vimos. Essas ilhas não tinham grande valor estratégico, àparte o fato de se encontrarem na rota comercial para a principal fonte dealimentos de Atenas: o rico e fértil solo ao redor do mar Negro. Colonizadopelos gregos bem mais de um século antes, o mar Negro lentamente se havia

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transformado num celeiro da Grécia e particularmente de Atenas. No m doséculo anterior, tornara-se ainda por cima uma artéria vital para a cidade deAtenas, e qualquer suspensão do uxo nele causava grande perturbação nacidade. Mediante o bloqueio das importações de cereais é que Esparta puseraAtenas de joelhos no m da guerra do Peloponeso, e foi com ameaças aoponto mais estreito dessa artéria — a área abarcando o estreito deDardanelos, o mar de Mármara e o Bósforo, os estreitos canais e o pequenomar que conduzem do Egeu, passando por Istambul, até o próprio mar Negro(Mapa 3) — que o rei da Pérsia forçara Atenas a assinar a paz real em 386a.C. Essa rota e sua proteção eram vitais para a sobrevivência de Atenas. Nãosurpreende que Atenas se empenhasse pela integração de Bizâncio (Istambul),a cidade que controlava a entrada do mar Negro por esse estreito corredor,nos primeiros momentos da Segunda Liga Ateniense.

Mas o mar Negro era uma região muito diferente da Grécia continental.Nele, as colônias gregas conviviam ombro a ombro com todo um exóticoleque de outras culturas e mundos. Era a região fronteiriça do antigo mundogrego. Ao redor das colônias gregas encontravam-se, a sul e a leste, aextremidade norte do império persa, a oeste, os trácios odrísios, e a norte oscitas reais (Mapa 3). Era um mundo de normas culturais constantemente emuxo, sistemas de governo muito variados, in ndável troca de mercadorias de

valor elevado (talvez como taxa de proteção), fronteiras territoriais empermanente disputa e identidades étnicas e cívicas confundidas numa grandecadinho. Era com este mundo difícil e instável que Atenas tinha de se manterna linha para preservar seu vital abastecimento alimentar. Signi cava isto terde lidar com quem quer que pudesse garantir aquilo de que Atenas precisava— ainda que se tratasse de personagens nada palatáveis. Mais uma vez, apalavra de ordem era oportunismo.

Uma dessas colônias era Panticapéion, no litoral norte do mar Negro(Mapa 3). Era governada por um homem chamado Lêucon, que invadira nonorte terras pertencentes a uma série de tribos locais, para expandir oterritório de Panticapéion. Para os gregos, ele se intitulava archon (principalmagistrado) do Bósforo e da Teodósia. Mas para os nativos era o todo-poderoso rei dos sindos, tóretas, dândaros e psésios. Para Atenas, como já setornava uma norma nesse século, não era um problema lidar com reis — comoquer que se apresentassem. Lêucon mantinha um excelente relacionamento

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com Atenas; a cidade tinha inclusive o privilégio de ser sempre a primeira ater seus navios carregados de cereais, isentos dos impostos sobre cereaiscobrados na cidade. No meado do século IV a.C., Lêucon garantia mais demetade das importações anuais de cereais de Atenas. Um acerto semelhante foifeito com outra colônia na região sul do mar Negro, Heracleia Pôntica.Também esta cidade tornara-se presa do poder de um único indivíduo, umhomem chamado Clearco. Convidado a deixar o exílio para assumir ocontrole por período limitado e reerguer a colônia, ele havia instalado a simesmo e a sua família como monarcas perpétuos. Mais uma vez, Atenas nãoteve muita di culdade de negociar com esse homem forte — e na verdade nãotinha muita escolha.

Mas os interesses de Atenas não se limitavam aos cereais. O outro recursonatural em que os atenienses e os gregos em geral tinham xação eram osmetais preciosos. No século anterior, Atenas descobrira minas de prata em seupróprio quintal, na Ática, e no século IV as estaria explorando em regime maisintenso que nunca. Mas precisava mais, e o litoral norte do mar Egeu era ricoem depósitos não só de prata, mas de toda uma série de metais preciosos.Dispondo de prata e ouro, Atenas podia pagar pelos cereais e tudo mais deque precisasse. Mas havia um problema. O litoral norte era controlado pelosdiferentes reinos da Trácia (Mapa 3). Especialmente nesse período, Atenas nãodispunha de muitas entradas — se é que dispunha de alguma — para esseterritório lucrativo entre todos. Em consequência, passaria boa parte do séculotentando ganhar in uência na região. Ao contrário do acontecido em relação amuitas outras regiões do mundo grego nas quais os interesses atenienseshaveriam de mudar ao sabor dos ventos do oportunismo, o desespero deAtenas por um naco da torta do norte do Egeu nunca haveria de ceder. Essaregião da Grécia seria o Vietnã de Atenas. A crença na necessidade de lutar naregião e a persistente determinação de fazê-lo haveriam no futuro de levarAtenas a um con ito com o mais poderoso Estado do norte da Grécia, aMacedônia, desempenhando papel crucial nos dissabores de Atenas.

A busca de cereais e outros recursos naturais também levou Atenas aoextremo oposto do Egeu, o litoral da África. O Egito estava descartado, poisse encontrava sob crescente domínio do rei da Pérsia. Já a região da modernaLíbia abrigava outra das mais poderosas cidades da Megale Hellas do séculoIV: Cirene (Mapa 3). Cirene passara por uma trajetória política oposta à das

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colônias ao redor do mar Negro. Monarquia no século anterior, transformara-se numa democracia, com uma assembleia de 10.000 membros. Ao longo doséculo IV, a cidade enriqueceria cada vez mais graças ao comércio.Desenvolveu-se nela uma arquitetura extremamente complexa e ornamentada,fazendo-a destacar-se, apesar da localização às margens do mundo grego,como verdadeira protagonista da economia antiga. A cidade faria ricasoferendas no distante santuário internacional de Delfos e orgulhosamenteexibiria, lavrada em pedra, a lista das grandes cidades gregas às quais haviafornecido consideráveis quantidades de cereais durante as difíceis colheitasagrícolas da década de 320 a.C. Cirene era uma cidade cosmopolita de grandesucesso comercial internacional, e seus cidadãos viajavam por todo o mundoantigo. Mas seu futuro era incerto, isolada como estava no litoral norte daÁfrica, entre o Egito e um império cartaginês ainda poderoso. Sua riqueza eseu sucesso faziam dela uma alvo ainda mais visado, e no m do século acidade estaria nas mãos do Egito, no momento em que o mundo gregocomeçou a se fragmentar.

Enquanto os atenienses tentavam descobrir como reagir à vitória tebanan a batalha de Leuctra em 371 a.C., e especi camente o que fazer com aSegunda Liga Ateniense que vinha zelosamente construindo há sete anos, ocenário global devia estar no centro de suas preocupações. Os interesses e asobrevivência de Atenas no novo século estavam mais vinculados que nunca alugares, povos e acontecimentos nas extremidades do mundo grego. Do marNegro dependia a possibilidade de Atenas se alimentar. O litoral do norte doEgeu era uma fonte de riquezas ainda por explorar. O litoral do norte daÁfrica era um centro comercial e de cereais cada vez mais importante. Nesseséculo, os acontecimentos no império persa, e particularmente no litoral daÁsia Menor, já se haviam reiteradamente evidenciado cruciais aos interesses eao desenvolvimento de Atenas. A Sicília e o mundo grego ocidental,especialmente entrepostos comerciais importantes como Massalia, a modernaMarselha na França, e a população etrusca do centro da Itália integravam-secada vez mais a uma economia global na qual era vital que Atenasdesempenhasse um papel. Para preservar seus interesses, suas linhas deabastecimento e seu status, Atenas não tinha escolha senão buscar consolidar eaumentar, da maneira que pudesse, seu poder nessas regiões distantes do

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mundo grego, continuando a lutar por sua capacidade de transitar comsegurança por eles.

Essa necessidade de manter e aumentar a presença no cenáriointernacional também foi ressaltada pelo crescimento de novas potências nocentro da Grécia, por sua vez também buscando uma parte do território e dariqueza do mundo grego como um todo. A primeira delas, naturalmente, eraTebas, já agora a mais poderosa cidade do território continental da Grécia,buscando libertar-se da Segunda Liga Ateniense e criar sua própria esfera dein uência (Tebas logo começaria a se dotar de uma marinha própria,rivalizando com a de Atenas). Mas a segunda dessas novas potências talvezfosse ainda mais imediatamente ameaçadora para Atenas. Ao norte da Beóciaencontrava-se o território da Tessália (Mapa 2). Era uma vasta extensão deterras, tradicionalmente dividida entre cidades e grupos étnicos rivais. Asestéreis disputas entre essas cidades haviam deixado a Tessália impotente nocenário internacional por longos períodos. Mas em 375 a.C. um indivíduo,Jasão, da cidade de Feres, não só conseguira rechaçar os espartanos quetentavam uma invasão, posando de policiais da paz real, como, maisimpressionante ainda, fora capaz de obrigar a maioria das cidades da Tessáliaa aceitar sua liderança. Ele se tornou tagos da Tessália, expressão designandoo líder máximo. Em 375, era algo favorável a Atenas, pois as duas cidadesestavam em bons termos, unidas pela oposição a Esparta. O exército detessálios e mercenários formado por Jasão, com mais de 20.000 homens, erauma força respeitável impedindo que as ambições espartanas se espraiassempara norte. Mas o bom relacionamento com Jasão também facultava a Atenasboas relações com a terceira potência do norte da Grécia, a Macedônia — e,através dela, acesso às ricas e férteis terras do norte do litoral do Egeu.

Em 371, contudo, Atenas, juntamente com muitas cidades da Gréciacontinental, começou a suspeitar de que as ambições de Jasão não selimitavam a conter Esparta. Como Tebas, também ele buscava a supremaciana Grécia. Quando Atenas se recusou a reconhecer o mensageiro da vitóriatebana ou mandar tropas para apoiar o sucesso de Tebas em Leuctra, foi Jasãode Feres que atendeu ao chamado, enviando tropas para a pista de dança deAres. Essa arregimentação de tropas impediu a continuação do con ito.Atenas tentou capitalizar a situação convocando em caráter de emergênciauma nova conferência de paz (a segunda no mesmo ano). Esparta teria de

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comparecer, mas Tebas não aceitou um acordo.Olhando ao redor, os atenienses deviam estar muito preocupados com o

rumo dos acontecimentos imediatamente depois da batalha de Leuctra em371 . Tebas estava agora em posição dominante, nesse exato momentorecusando a paz e montando uma campanha militar no Peloponeso para atacara própria Esparta. As cidades do Peloponeso, há tanto tempo sob o tacão deEsparta, aproveitavam a oportunidade proporcionada pela vitória tebana parase revoltar. Algumas dessas cidades começavam até a formar suas própriasconfederações, baseadas no modelo tebano. No centro da Grécia, as cidadesde Sicione e Argos estavam engolfadas em guerras civis. Jasão de Feres, líderde toda a Tessália, estava em plena pista de dança de Ares cercado por umenorme exército, a essa altura em bons termos com Tebas. Jasão pareciafadado a expandir sua base de poder, e nem Tebas nem a Tessália estavamagora muito preocupadas com Atenas. Os interesses de Atenas no mundogrego como um todo, seu acesso ao mar Negro, ao litoral norte do mar Egeu,ao norte da África, tudo isso estava ameaçado. A Segunda Liga Ateniensecomeçava a vacilar, e qualquer iniciativa diplomática de Atenas precisava,pelo menos oficialmente, obedecer aos termos da paz real.

Não houve adesão de novos membros à Segunda Liga Ateniense depois de371 a.C. O “clima de chá das cinco na creche” que nela prevalecia, naformulação de um estudioso, tornara-se supér uo no ambiente de rápidasmudanças e duras disputas políticas e militares do mundo grego. Aescorregadia diplomacia ateniense, que mantivera a cidade em posiçãofavorável na maioria das questões, permitindo-lhe conquistar in uência nocontexto de relações internacionais liderado pelo rei da Pérsia, deixava-aagora morrer na praia, sozinha, isolada e vulnerável. Atenas precisava de umanova estratégia, e depressa.

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A

CAPÍTULO 7

O confronto entre o filósofo e o tirano

o mesmo tempo que buscava desesperadamente uma respostaadequada à rapidez das mudanças nas relações internacionais nos anosposteriores a 371 a.C., Atenas também tomava conhecimento de

acontecimentos que se veri cavam na Sicília com igual rapidez. Dionísio I,strategos autokrator (comandante supremo) de Siracusa e de uma considerávelextensão da Sicília há trinta anos ou mais, nalmente se aproximava do mda vida. Quatro anos apenas após a batalha de Leuctra, quando estava elepróprio no meio de um complexo sapateado diplomático, sendo cortejado aomesmo tempo por Atenas e Esparta, Dionísio morreu. O homem forte daSicília se fora. Quem tomaria o seu lugar?

Não obstante as tentativas atenienses de atrair Dionísio (chegou-se até aoferecer-lhe a cidadania ateniense, para dourar a pílula), cabia também aAtenas, ou antes a pessoas e instituições especí cas de Atenas, aresponsabilidade pela fama que ele adquiriu de tirano selvagem. Muitos anosantes, em 388 a.C., o mesmo ano em que Dionísio fora atacado nos JogosOlímpicos, pelo orador ateniense Lísias, como tirano e opressor da liberdadedos gregos, tendo sua tenda atacada por uma multidão enfurecida, um outroateniense, o lósofo Platão, tomara uma embarcação para ir ao encontro deDionísio na Sicília com mente muito mais aberta. Discípulo de Sócrates (ogrande pensador que fora julgado, condenado e executado pela democraciaateniense nos primeiros anos após sua restauração), Platão interessava-se emsaber se os dirigentes políticos e militares podiam ser in uenciados paramelhor por um debate losó co. Dionísio parecia ideal para testá-lo. Aodesembarcar no porto de Siracusa, Platão pretendia, por meio de um debateintenso e difícil, transformar aquele homem forte num líder melhor e mais

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justo, para servir de exemplo a toda a Grécia.Dionísio fora encorajado a aceitar o encontro por um de seus assessores,

um homem chamado Díon, fervoroso admirador de Platão. Díon certi cou-sede que Platão estivesse presente num momento de lazer do grande governante,e a conversa logo se encaminhou para os temas da virtude humana e damasculinidade — duas das qualidades que Dionísio julgava ter em abundância.Mas Dionísio se equivocara a respeito de Platão. Acostumado a estar cercadode assessores bajuladores e homens sobre os quais tinha poder de vida emorte, Dionísio não estava preparado para alguém como Platão, que viera àSicília acreditando poder dizer o que pensava. Não demorou, e aquelemomento de lazer transformou-se num momento de agressiva discussão e logodeclarada altercação, mostrando-se o grande governante cada vez maisenfurecido com o lósofo. Platão teve a temeridade de questionar se osgovernantes absolutos seriam sempre justos. Irritando-se com a supostaofensa, Dionísio perguntou-lhe por que se dera ao trabalho de ir à Sicília.Platão respondeu que fora em busca de um homem virtuoso, mas se eximiu deacrescentar que o encontrara em Dionísio. O strategos autokrator explodiu,dando ordens para que Platão fosse mandado de volta para casa. O encontroentre o grande lósofo e o poderoso tirano, para tentar concretizar a ideia deum governo justo nas mãos de um só homem no mundo grego, chegava ao mantes mesmo de ser iniciado. O encontro se transformara num confronto decrenças, personalidades e egos — tomando decididamente o rumo desejadopor Dionísio.

Dionísio cou tão indignado com as respostas audaciosas de Platão quenão só o mandou embora, como providenciou para que viajasse num navioespartano. Embarcou o ateniense Platão numa nave comandada e tripuladapor homens de uma cidade com a qual Atenas estava em guerra. Na verdade,o navio espartano no qual Platão foi embarcado chegara a Siracusaespeci camente para pedir ajuda na guerra contra Atenas. Mas este insultonão bastou. Dionísio também subornou o capitão espartano para matar Platãoa caminho de casa ou no mínimo escravizá-lo. Ao que parece, o grande tiranopretendia acabar com a raça do lósofo metido. Platão foi vendido comoescravo na ilha de Egina, ao largo do litoral do território ateniense da Ática(Mapa 2). Egina era um antro de adversários de Atenas, e não faltava quemcasse muito satisfeito de ver famosos letrados reduzidos à escravidão pelo

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poderio do tirano siciliano.Agindo tão brutalmente com Platão, Dionísio cometera um crucial erro de

avaliação. Pois Platão não era um solitário lósofo barbudo percorrendo oglobo: era um homem respeitado em Atenas, com amigos poderosos eseguidores devotados. Platão escapou da escravidão em Egina e retornou aAtenas, com o orgulho seriamente abalado. No ano seguinte, fundou umaescola de filosofia em Atenas, sua Academia, para servir de centro de seusensinamentos, na busca dos valores que tanto admirava. Não era nenhumacomunidade hippie. A Academia de Platão transformou-se numa decisivaarena no campo de batalha político de Atenas, integrada por homensin uentes e bem-relacionados não só de Atenas como de toda a Grécia.Dionísio tentara escravizar um homem que não muitos anos depois ocupariauma das posições de maior poder em Atenas. Começara de novo o confrontoentre o filósofo e o tirano.

Os lósofos não lutam com espadas, mas com palavras. A Academia, comsua plêiade de seguidores ardorosamente democratas e antiautoritários emAtenas, parece ter sido a principal responsável pela campanha de difamaçãoque até hoje arruinou a reputação de Dionísio I. Em questão de poucos anos,Dionísio estava empenhado numa batalha sem esperança para proteger aprópria reputação de governante forte, viril e virtuoso. A Academia espalhouque sua aparência de homem forte era motivada na verdade por um desejoincontrolável de poder, verdadeiro arquétipo, na visão dos acadêmicos, dafraqueza moral do tirano. Essa ambição de poder tinha seu lado sombrio:medo constante e descon ança de todo mundo. Mais tarde nesse mesmoséculo, a comédia ateniense brincaria com esse aspecto do caráter de Dionísio,particularmente seu constante medo de ser assassinado. Entre a sala de debateslosó cos e o palco da comédia, a reputação de Dionísio sofreu um golpe

mortal. Sua mulher, segundo se dizia, tinha de estar nua toda noite, quandoele ia deitar-se, pois Dionísio temia que até mesmo ela pudesse trazer ocultoum facão sob a camisola. Sua cama, a rmava-se, era cercada por um canal,com uma única ponte de acesso, que era erguida, para que ninguém pudesseaproximar-se dele sem fazer barulho enquanto dormia. Todo aquele comquem se encontrava, contava-se ainda, tinha de se submeter ao vexame de serrevistado e despido, por causa de sua paranoia. Pior que tudo, rematava-se, eletinha cabelos ruivos e sardas.

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Contrariando toda probabilidade, foi a este homem que Atenas, depois dacatástrofe diplomática da vitória tebana na batalha de Leuctra, em 371 a.C.,tentara recorrer para salvar sua posição no cenário internacional. As facçõesinternas da democracia ateniense, desejosas de trabalhar com esse homemforte, zeram com que lhe fosse oferecida cidadania e se assinasse um tratadoassegurando seu apoio a Atenas. O trato foi mais facilmente aceito porqueDionísio milagrosamente venceu um dos concursos dramáticos de Atenas comuma criação literária própria nesse mesmo ano. Considerando-se o orgulho deDionísio por seus talentos dramáticos e poéticos (a nal, ele era proprietárioda escrivaninha do grande autor trágico Ésquilo e se considerava uma ccionado da mitologia grega su cientemente preparado para interferir naescolha das esculturas dos deuses no recém-reformado santuário do deus damedicina, Asclépio, em Epidauro), tratava-se de um importante pontopositivo, do ponto de vista diplomático, a favor de Atenas. Mas a Academiazera direitinho o seu trabalho. Dionísio nunca seria plenamente aceito no

seio da política ateniense, em consequência da fama de mau-caráter espalhadapela Academia, e o erte da cidade com ele, inclusive por ter ele morrido naprimavera de 367 a.C., foi breve. O segundo round do confronto entre ofilósofo e o tirano terminara com uma fragorosa vitória da filosofia.

Dionísio I foi sucedido pelo lho, Dionísio II, um homem muito diferentedo pai. Acomodado na opulência de sua criação, debilitado por uma carreiraque até então nada exigira que fosse digno de nota, ele se encaixou semproblemas na sombra tirânica do pai, que, em contraste, fora forjada no calorda batalha, durante a crise bélica do Peloponeso em que a Grécia haviamergulhado no m do século anterior. Segundo o biógrafo Plutarco, a únicaproeza pela qual Dionísio II cara famoso fora a participação numacompetição de bebida durante 90 dias consecutivos.

A culpa não era toda do lho. O pai, a nal, como a Academia de Platãonão se cansava de frisar, mostrava-se tão paranoico com a própria segurançaque sequer con ava na esposa. Por que então haveria de con ar no lho? Paratorná-lo impotente, o pai supostamente lhe negara acesso à educação e aotreinamento que o teriam preparado para liderar. Segundo Plutarco, em suaascensão à posição de strategos autokrator e tirano de Siracusa, ele foi“atrofiado e deformado em seu caráter pela falta de educação”.

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A força intelectual por trás desse títere claudicante era Díon, o homemque havia servido a Dionísio, o pai, durante boa parte de seu governo e seenvolvera no convite para que Platão fosse a Siracusa cerca de vinte anosantes. Díon dera um jeito de sobreviver à nódoa do envolvimento com Platãoe continuar a servir ao seu senhor (talvez isto tivesse algo a ver com o fato deser irmão de uma das mulheres de Dionísio). Com a mudança no poder,todavia, surgira uma nova oportunidade de deixar a marca losó ca nosgovernantes de Siracusa — e não poderia haver melhor começo que umhomem carente da educação de que precisava para este exato papel.

Díon não era homem de se meter em bebedeiras de 90 dias. Era, a nal,um seguidor de Platão, um homem imbuído da importância das reaçõescomedidas, da justiça, da sabedoria e do bom-senso. Díon sempre exigia maisdos outros, mantinha-se distante do comum dos mortais, nunca estavasatisfeito com os esforços de ninguém e, como Platão e Sócrates, fazia questãode assinalar aos outros suas respectivas falhas de caráter. Deve ter sido umsujeito brilhante, mas constantemente atormentado por padrões intelectuaismuito altos — inspirador para quem trabalhasse com ele, mas também umdesmancha-prazeres. Era o que pensava Plutarco, que o considerava “umcolega desagradável e maçante”. Em suma, era o tipo do sujeito fácil de seindispor com o novo governante de Siracusa.

Os outros conselheiros do novo tirano tampouco gostavam de Díon, logotratando de encher os ouvidos do governante contra ele. Apesar de suas falhasde caráter, contudo, Díon era um trunfo importante no campo de Siracusa. Sóele fora capaz de manter um diálogo positivo com a Academia de Platão e comAtenas, e só ele poderia contribuir para reabilitar a reputação dos dirigentessiracusanos e fazer algo para aplacar a constante difamação proveniente deAtenas. Díon e Platão eram praticamente correspondentes, e não surpreendeque em 366 a.C., quando Platão estava com mais de sessenta anos, fosseaceito o convite de Díon para que retornasse a Siracusa. Surgia no horizonte apossibilidade de um entendimento entre o lósofo e o tirano, um novoalvorecer para as relações entre Atenas e Siracusa, e, sobretudo, apossibilidade de forjar um dirigente preparado e pautado pelos mais altospadrões losó cos. Platão tinha a oportunidade de reconquistar para Atenasum aliado forte que havia perdido com a morte de Dionísio o pai, no anoanterior. No mundo oportunista, vertiginoso, complexo e em rápida mutação

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da Grécia nessa época, era uma possibilidade muito bem-vinda.Platão talvez não tenha sido convencido a ir sobretudo por querer formar

o novo governante ou ajudar Atenas em seu pesadelo de política externa, masporque, segundo Plutarco, ainda estava secretamente envergonhado por nãoter tido qualquer in uência sobre o pai vinte anos antes. Sentia-se, assim, naobrigação de tentar de novo com o lho, no mínimo para salvar a própriareputação. Dionísio, o lho, também foi convencido a aceitar o encontromuito provavelmente porque, embora os ensinamentos de Platão nãoparecessem ter nada a ver com bebedeiras de 90 dias, sua visita efetivamentelhe dava a oportunidade de realizar algo em que o pai havia fracassado. Foiprovavelmente em virtude dessa necessidade de superar o pai que Dionísioproporcionou a Platão uma acolhida real. Depois de ser expulso da ilha 22anos antes e atirado numa embarcação inimiga incumbida de conduzi-lo àmorte ou à escravidão, Platão era agora acolhido em solo siracuseano, aoretornar, por nada menos que uma carruagem real.

Para começo de conversa, o encontro desses dois temperamentos tãoopostos, mediado pelo maçante e difícil (apesar de brilhante) Díon, foi umgrande sucesso. Dionísio, o lho, estava ansioso por reti car sua fama deestupidez, transformando Siracusa numa nova capital intelectual do mundogrego. A filosofia estava na onda, e os simpósios losó cos tomavam o lugardas orgias regadas a vinho, até então mais características do universo grego.Segundo Plutarco, dizia-se que o palácio estava mergulhado na busca doconhecimento e por toda parte havia no ar uma leve poeira arenosa, geradapela multidão de matemáticos e lósofos que usavam a areia para expor suasideias no piso do palácio.

Essa imagem utópica não podia durar muito. Os conselheiros do novogovernante, que há muito se opunham a Díon e sua filosofia, detestavam essanova tendência do regime e invejavam a in uência dele. Para que umgovernante poderoso haveria de precisar de filosofia, sussurravam no seuouvido? As pessoas começavam a comentar a in uência de Platão,prosseguiam, e, por meio dele, a in uência de Atenas em Siracusa. Acima detudo, pressionavam, essa brandura toda o fazia car parecendo muito fracoem comparação com o punho de ferro de seu pai.

Tão preocupado em superar o pai, Dionísio, o lho, não podia deixar de

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ser in uenciado por essa argumentação. Díon foi exilado. Platão foiencarcerado. A entente entre o lósofo e o tirano mais uma vez desandara.Como um amante enlouquecido pelo ciúme, Dionísio disse a Platão que só olibertaria se ele declarasse que não mais respeitava Díon e só nutria o maisprofundo respeito e admiração por ele, Dionísio. Mas antes que Platão tivessetempo de decidir quem era seu melhor amigo, uma guerra novamente seaproximava e Dionísio foi obrigado a deixar que ele se fosse. À sua partida,Dionísio implorou-lhe que não o difamasse, como zera com seu pai, nemdissesse aos gregos coisas negativas a seu respeito, nem desse início a umarevolução contra ele em Siracusa. Ao singrar de volta a Atenas, dessa vez emsua própria embarcação, Platão tinha plena con ança de que o terceiroconfronto entre o lósofo e o tirano o havia favorecido. Chegando a Atenas,onde sua Academia dera as boas-vindas ao exilado Díon, Platão, não obstantea idade avançada, tinha uma nova meta: transformar o maçante Díon no tipode líder com que sonhara a vida toda. O tirano Dionísio II ainda ouviria falardo filósofo Platão.

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E

CAPÍTULO 8

A implosão da Grécia

mbora nossa atenção estivesse voltada para o caráter globalizado einter-relacionado do mundo grego como um todo, e particularmentepara o destino dos lósofos na Sicília, os acontecimentos no centro do

território continental da Grécia estão novamente a exigir consideração. A erada supremacia tebana tivera início depois da batalha de Leuctra em 371 a.C.,anunciada entre outras coisas por seu monumento de vitória no campo debatalha e pela construção de uma gigantesca tesouraria no santuáriointernacional de Delfos, para celebrar o sucesso tebano (Figs. 6 e 7). Espartaestava na defensiva e a política externa de Atenas não proporcionava acobertura ou a segurança de que a cidade precisava. Jasão, da cidade de Feres,já agora líder supremo da Tessália, percorria o centro da Grécia com umgrande exército. A guerra civil irrompera em várias cidades do territóriocontinental grego, em meio à disputa do controle político por parte de facçõesfavoráveis ou contrárias a Tebas, e o grande império persa do outro lado domar Egeu como sempre acompanhava os acontecimentos com interessepredatório.

Em 370 a.C., no momento em que Jasão, o líder da Tessália, pareciaapertar o cerco sobre a Grécia central, depois de presidir os importantes jogosatléticos realizados em Delfos, não longe da pista de dança de Ares, ele foiassassinado. Assassinado pelo próprio primo, que assumiu seu lugar:Alexandre, o novo líder supremo da Tessália.

Ao mesmo tempo que sangue era derramado entre os tessálios, os tebanostiravam vantagem de sua nova posição de domínio na Grécia para expandir ocírculo de suas in uências. Os dois heróis de Tebas — Pelópidas, o lantroposiculturista e líder da força de elite do Bando Sagrado, e Epaminondas, o

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lósofo vegetariano e cérebro da batalha de Leuctra — estavam na trilha dabatalha. Mas nenhum dos dois sabia então que Leuctra seria a última grandebatalha convencional na qual lutariam lado a lado.

Enquanto Jasão de Feres era assassinado no norte, Epaminondas ePelópidas decidiram aproveitar sua vantagem levando os combates em direçãosul, até os portões da própria Esparta. Toda a parte meridional da Grécia, oPeloponeso, até então sob estrito controle de Esparta, começava a essa altura adar sinais de colapso. As cidades, sentindo no ar o cheiro do sangue espartano,aproveitavam para se rebelar, proclamando sua liberdade e formando suaspróprias alianças. Inspirada no exemplo dos tebanos e de sua ConfederaçãoBeócia, uma nova confederação arcádia surgiu no centro do Peloponeso, nãomuito depois da batalha de Leuctra. À medida que a fórmula política dofederalismo se espraiava com os ventos meridionais, o mapa do poder políticoda Grécia era redesenhado.

Essas cidades e confederações dotadas de novos poderes foramencorajadas e apoiadas pela presença formidável de Pelópidas, Epaminondas esuas tropas no próprio Peloponeso. A cidade de Mantineia, arrasada porEsparta anos antes e reduzida a uma série de choupanas precárias(ironicamente, com ajuda de Tebas), agora tratava de se reconstruir com apoiotebano (Mapa 2). A Mantineia que voltou a surgir, como borboleta saindo docasulo, mostrava-se maior e mais forte que nunca. Foi um dos grandestriunfos arquitetônicos do século. Uma nova cidade forti cada no Peloponeso,flagrante testamento à queda de Esparta, erguia-se imponente na paisagem.

Além de criar, contudo, Pelópidas e Epaminondas também destruíam. Àmedida que se aprofundavam cada vez mais no ventre do Peloponeso noinverno de 370 a.C., iam devastando as terras. Raramente, ou mesmo nunca,uma tão grande máquina militar se havia mobilizado nos duros meses deinverno. À medida que os últimos meses de 370 davam lugar ao frio começode 369 a.C., o exército tebano, aparentemente impossível de conter, deuprosseguimento a sua marcha em direção sul, até chegar aos portões daprópria Esparta. No momento em que o exército tebano se per lava diantedas barreiras de Esparta, ninguém chorava mais a sorte que o rei espartano,Agesilau. Era ele o homem que tinha sido catapultado à condição de rei,levado Esparta a uma guerra na Ásia Menor e no centro da Grécia,sequestrado a paz real, intimidado a Grécia central, imposto um governo

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fantoche em Tebas, fracassado na contenção da revolta tebana, perdido apaciência nas negociações de paz de 371 a.C., eliminado Tebas do tratado depaz e com isso precipitado o grande confronto entre Tebas e Esparta emLeuctra. Enquanto as forças tebanas se mobilizavam nos portões de Esparta,Agesilau sabia ter sido em grande medida responsável por esse momento.Plutarco escreveria que Agesilau sentia-se “torturado pela ideia de suareputação na história, pois fora aquele que tinha assumido o controle dacidade quando estava no auge e agora a conduzia ao pior. Ele se sentiaresponsável pela derrocada do orgulho da cidade, que tantas vezes manifestaraele próprio: que uma mulher espartana jamais veria a fumaça do fogoinimigo”.

Pela primeira vez na história de Esparta, suas mulheres viam agora afumaça do fogo inimigo a bem curta distância. Defrontavam-se com aangustiante constatação de que a guerra não mais seria conduzida a umasegura distância, mas que a violência podia já agora abater-se sobre o própriocerne das comunidades mais protegidas. E no entanto, apesar do poderio deTebas, a cidade de Esparta não caiu naquele inverno. Esparta defendeu suasmuralhas e foi poupada da humilhação nal, ainda que talvez merecida. MasPelópidas e Epaminondas ainda podiam in igir muito mais danos. Comovimos, Esparta há muito dependia da população grega que circundava acidade, que havia escravizado séculos antes. Esses escravos, os hilotas, daregião de Messênia, estavam ansiosos por uma oportunidade de se rebelarcontra seus senhores, e o exército tebano representava precisamente umacobertura nesse sentido. Pelópidas e Epaminondas, embora não tomassem acidade de Esparta naquele inverno, mudaram irrevogavelmente seu estilo devida. Messênia foi libertada – Esparta perdeu seus escravos hilotas – e numperíodo incrivelmente abreviado uma nova cidade emurada de Messena foierguida para rivalizar com a recém-construída fortaleza de Mantineia. Aindahoje podemos visitar a cidade de Messena e nos maravilhar com o tamanho desuas muralhas forti cadas. Elas se erguem imponentes acima de nós, nãopodendo ser consideradas obras dos homens, mas de heróis e deuses.

Em toda a sua história, Esparta nunca teve um inverno mais desastrosoque o de 370-369 a.C. No m, perdera o orgulho, os escravos — e quasetambém a própria cidade. Em poucos anos, estaria cercada por várias cidades-fortaleza, criando uma sólida cadeia ao redor de Esparta e impedindo-a de

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voltar a marchar em direção do centro da Grécia ao norte. Esparta estavacon nada e isolada na extremidade sul da Grécia. Seu acesso à pista de dançad e Ares foi vedado. Pela primeira vez ela estava isolada e sozinha sem quefosse por escolha própria.

A campanha daquele inverno, em compensação, fora a mais bem-sucedidajá empreendida por Tebas. O que faz parecer ainda mais extraordinário quePelópidas e Epaminondas, retornando a Tebas, fossem imediatamente levadosa julgamento por seu sucesso. Eram acusados por uma questão meramentetécnica. Em sua campanha ao longo do inverno de 370-369 a.C., eles nãotinham retornado a Tebas no m de 370 para serem reeleitos generais para oano seguinte. Em pleno êxito no sul do Peloponeso, eles deveriam, segundo oautor da denúncia, ter interrompido a campanha, voltado para casa para sero cialmente reeleitos e em seguida retornar aos campos de batalha. Seuacusador era ninguém menos que um de seus companheiros de liderança narebelião tebana de 379 a.C., a essa altura irritado com a monopolização dasatenções por Pelópidas e Epaminondas. Apesar da rula técnica, o caso foiconsiderado su cientemente grave para ser levado ao tribunal em Tebas.Apesar da compleição de siculturista, a rma-se que Pelópidas irrompeu emprantos como um bebê e apontou para Epaminondas, dizendo que ele oimpedira de voltar para casa. Segundo Plutarco, Epaminondas, o lósofovegetariano com fama de arrogante, contrastava com ele, olhando os juradosbem nos olhos. Reconheceu ter rompido as regras, pedindo a pena máxima, amorte, e uma lápide contendo a lista de suas realizações em nome de Tebas:devastação de Esparta e do Peloponeso, libertação dos hilotas, construção deMessena, reconstrução de Mantineia e participação na organização daConfederação Arcádica, para não falar da devolução da liberdade aos gregos.Os juízes começaram a rir da estupidez daquele processo e deixaram o salãosem sequer se dar ao trabalho de votar pela absolvição. Epaminondas, ao queparecia, era capaz de tudo.

O que Epaminondas queria era combater — mas não mais tendo Pelópidasa seu lado. Fosse ou não como resultado da traição a Epaminondas notribunal, o fato é que Pelópidas e Epaminondas nunca mais fariam umacampanha militar juntos depois do inverno de 370-369 a.C. Cada um delescriaria sua própria esfera de in uência, Pelópidas no norte e Epaminondas no

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sul. Absolvido na primavera de 369 a.C., Epaminondas invadiu o sulnovamente no verão desse ano. Mas o equilíbrio de poder na Grécia, no breveperíodo entre a bem-sucedida campanha de inverno, o processo e sua volta aosul, mudara novamente. Assustada com a demonstração de poderio militar deTebas no inverno anterior, Atenas, lutando por encontrar uma nova políticaexterna, caíra nos braços da única cidade que atendia aos seus reclamos: suavelha arqui-inimiga, a não menos acuada e isolada Esparta. Ao retornar noverão de 369 a.C., Epaminondas deu com um exército de forças atenienses eespartanas combinadas, pronto para rechaçá-lo. Nesse ano, ele não avançoutanto em direção sul, e seus acampamentos não estavam a distância su cientepara toldar com sua fumaça a visão das mulheres espartanas, bem protegidasno interior das muralhas da cidade.

No norte, Pelópidas tinha uma missão muito mais difícil. Jasão, o anteriorlíder da Tessália, com quem Tebas estava em bons termos, fora assassinado esucedido por seu primo Alexandre em 370 a.C. Mas certas cidades da Tessáliatinham aproveitado a oportunidade oferecida pela crise sucessória para serevoltar contra essa nova tendência a submeter toda a Tessália a um únicolíder. A Tessália dividiu-se em dois campos, um che ado pela cidade de Feres(de onde se originavam Jasão e Alexandre) e outra liderada pela cidade deLarissa mais ao norte, perto da fronteira com a Macedônia. Larissa não tinhamuitas alternativas, e assim voltou-se para a Macedônia em busca de ajudacontra o poderio militar de Feres. O rei da Macedônia, que também subira aotrono em 370 a.C., de bom grado atendeu, enviando tropas para protegê-la. Aquestão enfrentada por Pelópidas ao marchar em direção norte mais tarde,naquele ano de 369 a.C., era saber a que lado se alinhar: ao sucessorensanguentado de Jasão, Alexandre, ou à cidade rebelada de Larissa, com seualiado macedônio. A resposta, pelo menos por enquanto, era Alexandre.Marchando em direção norte, ele forçou o recém-coroado rei da Macedônia adeixar a Tessália, conseguindo até aceitar um tratado que o cialmentetransformava a Macedônia em aliada de Tebas . Como garantia de paz,Pelópidas exigiu reféns ao rei macedônio. Assim foi que, no m de 369 a.C.,um certo jovem nobre macedônio chamado Filipe foi conduzido a Tebas comum grupo de outros preciosos reféns. Lá, Filipe foi hospedado na casa de umdos promissores generais tebanos, um homem chamado Pamenes, por sua vezmuito amigo de ninguém menos que o grande Epaminondas. Nos três anos

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subsequentes, este jovem viveu com o general tebano e pôde estudar e adorarEpaminondas em sua intimidade. Ninguém poderia imaginar que, no coraçãod e Tebas, acompanhando seus debates políticos, militares e religiosos,abeberando-se nesse contato com os costumes e valores da Grécia central eestabelecendo relações com pessoas importantes, havia um jovem que dentrode 30 anos governaria todos eles; o rei Filipe da Macedônia, pai de Alexandre,o Grande.

O irônico da situação estava em que, enquanto Tebas mantinha Filipe asalvo como refém na Grécia central, a Macedônia, como a Tessália, estavaengolfada numa terrível disputa de poder que bem poderia ter levado àeliminação de Filipe. No início do ano seguinte, o rei macedônio que tinhaaceitado o tratado com os tebanos, tornando-se seu aliado, seria assassinadopara outro homem que viria a ser coroado rei. Esse assassinato, segundo sesussurrava na Grécia central, fora ainda mais pér do que o que pusera m àvida de Jasão. O novo pretendente ao trono da Macedônia, um homemchamado Ptolomeu, lograra o homicídio graças à ajuda da mãe do anteriorrei, que era sua amante. Como numa cena de tragédia grega, na qual asrelações de família saíram grosseiramente da linha, podemos imaginar o povod e Tebas ou Atenas sacudindo a cabeça: aqueles bárbaros do norte... quenotícias medonhas ainda mandariam em seguida?

Tebas precisava tomar uma decisão — ou por outra, Pelópidas precisavafazê-lo. Deveria ou não continuar apoiando Alexandre de Feres, o tessaliano,para vingar o falecido rei macedônio, com o qual assinara um tratado?Voltando a rumar para o norte no início de 368 a.C., Pelópidas decidiuenfrentar o poderio da Macedônia e seu novo governante. Dispunha dehomens, escolados no combate, e muitos mercenários. Mas o novo rei daMacedônia, Ptolomeu, graças às terras abundantemente férteis e ricas de seureino, dispunha de dinheiro — e os mercenários estão sempre atrás dedinheiro, e não de causas a defender. Ptolomeu subornou generosamente oshomens de Pelópidas que vinham em sua direção, de tal maneira que, nomomento do confronto entre os dois exércitos, Pelópidas estavaembaraçosamente carente de tropas e exposto ao ataque inimigo. Não tinhamuita escolha senão negociar uma trégua e voltar para Tebas. A coroa desseherói tebano estava perdendo sua magia.

Pelópidas não se limitou a voltar para casa. Efetivamente concordou em

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mudar de lado. No inverno do mesmo ano, 368 a.C., Pelópidas e o poderosoexército tebano estavam de novo a caminho do norte, desta vez para investircontra seu velho aliado Alexandre de Feres, em vez de atacar a Macedônia.Mais uma vez o equilíbrio de poder subitamente se alterara. Alexandre era umhomem brutal e cruel – nem mesmo Platão tentou mudá-lo. Era o tipo desujeito que enterrava pessoas vivas, que vestia os inimigos de pele de urso epunha seus cães de caça a persegui-los, para arrancar membro por membro.Havia até transformado em objeto de culto religioso a espada com que mataraseu tio, Jasão. Um homem que, outrora aliado de Tebas, apresentava-se agoracomo inimigo de Pelópidas. Pelópidas, embaraçado por ter de atacarAlexandre depois do fracasso perante o novo rei macedônio naquele mesmoano, não estava preparado para aventurar-se contra um indivíduo assim. Nãodemorou, e Pelópidas era capturado por esse governante sádico. Encarceradoem Feres, Pelópidas enfrentava não só a perspectiva de uma morte violenta ecruel, mas a morte de sua reputação de general tebano heróico e bem-sucedido. Até então herói da rebelião tebana e do campo de batalha deLeuctra, ele se tornava um homem solitário numa cela de prisão, aguardandoa execução. Plutarco contaria mais tarde que ele aceitou esse destino comdesconcertante calma. Enviando uma mensagem a Alexandre, Pelópidas pediaa o tessálio que se apressasse e começasse a torturá-lo. Alexandre, perplexocom alguém que se mostrasse ansioso por enfrentar semelhante sofrimento,perguntou por que tanta pressa de morrer. “Porque minha morte apressará asua”, teria respondido Pelópidas, “pois fará com que seja ainda mais odiadopelos deuses que agora.”

Enquanto esperava pela concretização de seu destino, Pelópidas não sepreocupou em ajudar os deuses a garantir sua futura vingança contraAlexandre. Aproveitou a oportunidade para “fazer amizade” com a mulher deAlexandre (embora que difícil entender por que teria sido autorizado aencontrá-la) e “incutiu nela a coragem” (Plutarco lança um véu sobre amaneira como o conseguiu) de posteriormente matar o próprio marido sádico.Alguns anos depois, a mulher de Alexandre teria ao lado o corpo do marido,depois de organizar a conspiração para matá-lo, trespassado pela espada porum de seus próprios irmãos. Enquanto esperava a própria morte, Pelópidasconseguira assinar, da maneira mais inusitada, a sentença de morte de seu

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carrasco.Embora a velocidade dos acontecimentos na Grécia se tivesse na verdade

intensificado nos primeiros anos da década de 360 a.C., não estava claro o quehavia sido alcançado. Cercada de cidades-fortaleza recém-construídas, Espartaestava agora em aliança com Atenas, o que impedia Tebas de continuarcausando danos no Peloponeso. A Tessália, outrora aliada de Tebas, passara aser sua inimiga, tendo capturado um dos mais ilustres heróis tebanos. AMacedônia, com sua terrível história sucessória, não era um aliado digno decon ança. Em Tebas, os inimigos de Pelópidas e Epaminondas, quecontinuavam achando que eles levavam crédito demais pelos acontecimentos,mais uma vez haviam tentado criar obstáculos para os heróis em sua busca dasupremacia tebana. Epaminondas fora obrigado a se submeter a julgamentomais uma vez, pela rula técnica de ter permitido que um contingente deEsparta passasse sem ser dizimado, pois, segundo se alegava, era amigo docomandante espartano. Dessa vez, a acusação parecia ter algum fundamento, eEpaminondas, o grande herói, foi rebaixado de general beócio a soldado raso.Epaminondas, o arquiteto do poder na Grécia continental na década anterior,era forçado a retornar às leiras. Ao chegar ao m o ano de 368 a.C., Tebasestava privada de seus dois generais mais talentosos, e sem eles seu futuroparecia um pouco mais incerto.

Essa incerteza, essa sensação de que todas as cidades da Grécia eramapanhadas num tufão diplomático e militar no qual nenhuma delas dispunhade saída de emergência ou sequer de um conjunto de nido de metas, à parteevitar o próprio aniquilamento, levou muitas delas a buscar uma maneira dedeter esse processo. Em 368 a.C., uma conferência de paz foi convocada parao santuário internacional de Delfos por ninguém menos que o próprio rei daPérsia. A escolha do lugar já em si representava uma clara declaração dasintenções da conferência. Anteriores conferências de paz se haviam realizadona cidade que na época fosse a mais poderosa da Grécia (como as que serealizaram em Esparta em 386 e 371 a.C.). Esta conferência não pertencia acidade alguma, sendo realizada em território neutro — o santuário de Delfos,morada dos deuses —, numa versão antiga da atual Suíça. O santuário não sóera território neutro como tinha uma presença religiosa extremamente forte eimponente em cidades e estados de toda a Grécia e mesmo de todo o mundoconhecido. Uma convocação a uma conferência de paz em Delfos não podia

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ser ignorada. Geogra camente, Delfos cava perto da pista de dança de Ares,no ventre do território continental da Grécia. Em termos mitológicos, Delfosera conhecido como o omphalos — o umbigo — de todo o mundo antigo. Em368 a.C., o rei da Pérsia convocava as cidades e estados gregos a retornar aocentro neutro, poderoso, físico e mitológico do mundo grego. O trunfo forasacado para impedir que a Grécia se precipitasse ainda mais rapidamente numinevitável confronto de armas retorcidas, corpos e sonhos. Se não desse certo,nada mais daria.

Apesar dos melhores esforços de Delfos, de seu governo e do rei da Pérsia,ansioso por alcançar a paz na região (ainda que para seu próprio proveito), aconferência de paz foi um fracasso. Como sempre contundente em sua açãodiplomática, Esparta exigiu o retorno de seus escravos hilotas. Exigiu tambémque Tebas fosse obrigada a abrir mão da Confederação Beócia. As exigênciaseram inaceitáveis, considerando-se a posição de fraqueza então ocupada porEsparta. Tebas simplesmente retirou-se. As cidades da Grécia, segundo pareciacada vez mais claro, não estavam em condições de resolver suas disputas.Num mundo cujo código de honra comprometia todo homem e toda cidade ase empenhar pelo bem dos amigos e a perdição dos inimigos, nenhuma delastinha poder su ciente para impor sua vontade irreversivelmente sobre asdemais, e nenhuma aceitava a repartição de esferas de in uência bemdelimitadas, mantendo-se no interior de suas fronteiras. As cidades da Gréciapareciam presas num modelo de política e relações internacionais queinevitavelmente acabaria numa revoltante implosão. Eliminada a possibilidadede uma paz negociada, restava apenas uma saída. Como já acontecera tantasvezes nesse século, voltaram-se todas para o rei da Pérsia. Aquela queobtivesse seu apoio teria autoridade e força para fazer valer sua vontade naGrécia. A retirada temperamental de Tebas tinha deixado o rei da Pérsia tãoembaraçado que ele se dispôs a apoiar novamente Esparta. Mas em vez demobilizar uma força su ciente para desferir um golpe mortal, o rei da Pérsialimitou-se a enviar um ralo contingente de 2.000 mercenários. O que não erasu ciente para uma vitória decisiva — na verdade, o bastante apenas paragarantir a continuação de uma luta cada vez mais encarniçada.

Em consequência, Tebas passou dessa conferência de paz a uma rodadaainda mais frenética de ações militares e diplomáticas, numa tentativadesesperada de preservar sua ameaçada supremacia. A Tessália, tendo

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encarcerado o líder tebano, estava agora aliada a Atenas e indiretamente aEsparta. Toda a Grécia estava mais uma vez aliada contra Tebas, cuja reaçãoinicial foi tentar libertar seu querido general aprisionado na Tessália. Mas oprimeiro contingente que mandou para o norte para investir contra Alexandreda Tessália não conseguiu libertar Pelópidas. Nas leiras dos soldados rasosencontrava-se o rebaixado Epaminondas, que via a campanha sendo posta aperder pelos generais aos quais tinha agora de obedecer. Em questão de meses,Tebas viu-se forçada, para salvar a face perante a Tessália, a en ar a viola nosaco com suas críticas e readmitir Epaminondas como general, para comandaruma nova campanha destinada a libertar seu velho companheiro.

Epaminondas podia ser um general de ação fulminante, como haviamdemonstrado suas marchas em velocidade e as campanhas de construção decidades no Peloponeso, em 369 a.C. Dessa vez, no entanto, ele também serevelou um mestre da estratégia, capaz de se mover com mais vagar e cautela.Sabendo que sua força não tinha como enfrentar a máquina pesada deAlexandre da Tessália em campo aberto, ele se aproximou lentamente,deixando que o medo de sua reputação semeasse o pânico nas linhas tessálias.Nem mesmo Alexandre cou imune a essa guerra de desgaste psicológicocuidadosamente orquestrada. Plutarco escreveria mais tarde que, ao saber queEpaminondas se aproximava como um leão espreitando a presa, Alexandre,“apesar de também ser uma ave de rapina, agora se aconchegava encolhidocomo um escravo, as asas recolhidas”. Alexandre propôs a paz e o retorno dePelópidas. Epaminondas tinha arquitetado a própria vitória.

Libertado, Pelópidas voltou para Tebas e quase imediatamente foi enviadoem missão diplomática à Pérsia. Todo mundo mandava embaixadores peloEgeu para conquistar a adesão do rei da Pérsia. Pelópidas, não propriamenteconhecido por sua filosofia ou sua conversa intelectualizada, era de qualquermaneira habilidoso quando se tratava de deixar os outros à vontade. Comextrema habilidade, ele anunciou os embaixadores das outras cidades gregas econvenceu o rei a proceder a mais uma reviravolta em sua política. Agora aPérsia apoiava Tebas, que tentaria levar a paz à Grécia. Esparta nãorecuperaria os hilotas e Atenas seria obrigada a manter sua esquadra cada vezmaior fora dos mares. Uma vez mais, contudo, essa chamada “paz dePelópidas” estava fadada ao fracasso. Seus termos eram extremamente

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desvantajosos para Esparta e Atenas, que só haveriam de aceitá-los à força —e a única coisa que poderia forçá-las nesse sentido seria uma maciça forçainvasora persa, que o rei da Pérsia se recusava a enviar. Na verdade, ele nãoenviou qualquer reforço militar imediato em apoio aos termos do tratado depaz. Pelópidas pôde apenas retornar à Grécia, anunciar os termos e dizer atodos que concordassem. Não surpreende que Atenas e Esparta os tenhamrejeitado. A implosão da Grécia ainda estava em andamento.

A rejeição da paz de Pelópidas, inaceitável nem passível de aplicaçãoefetiva, desencadeou uma série de acontecimentos militares ainda mais rápidosna Grécia. Epaminondas imediatamente lançou uma nova campanha contra oPeloponeso. Ele obrigou importantes cidades à entrada do Peloponeso, apassagem mais estreita da Grécia, conhecida como Istmo (a região ao redor docanal de Corinto, pela qual ainda se pode navegar hoje em dia (Mapa 2)), a sesubmeter ao domínio tebano. Descendo mais em direção ao sul, prometeuapoio à inexperiente Confederação Arcádica formada em 369 a.C. e ajudou naconstrução de uma nova cidade emurada para funcionar como capital. Estacidade chamava-se simplesmente Megalópolis — a “grande cidade”. Espartaestava agora con nada numa forte cadeia de recém-construídas cidades devigilância, pesadamente forti cadas. Em questão de um ano, Epaminondasforçara Esparta a aceitar de uma vez por todas a independência de Messena, aregião onde durante séculos Esparta cultivara sua população de escravoshilotas. A supremacia de Tebas parecia mais uma vez assegurada.

Mas a satisfação de Tebas não duraria. Os acontecimentos se aceleravamem muitas regiões da Grécia para que seu controle do poder fosse permanente.Ao mesmo tempo que Epaminondas alcançava sucesso no Peloponeso, no sul,Atenas se enfrentava com a Macedônia e a Tessália pelos direitos sobrecidades no norte do litoral do Egeu, território de cuja riqueza e fertilidadeAtenas sempre quisera, beligerante e teimosamente, dispor em parte.Expedições navais e militares atenienses eram constantemente enviadas emdireção norte, enquanto a Macedônia, a Tessália, Atenas, a Trácia e até aPérsia atavam e desatavam alianças entre elas e com as três cidades disputadas— Olinto e Anfípolis a oeste e a península de Quersoneso (a modernaGalípoli) a leste (Mapas 2 e 3). Simultaneamente, o trono macedônio entravanovamente em crise com outro assassinato, na disputa pelo poder. E aindasimultaneamente a posição do rei da Pérsia era instabilizada com o início de

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uma revolta contra ele. A revolta centrava-se nas cidades do litoral da ÁsiaMenor, e assim, como acontecera com a revolta liderada por Ciro no início doséculo, soldados gregos foram convocados a lutar como mercenários, sendo ascidades gregas igualmente obrigadas a se posicionar e apoiar ou não a rebeliãode alguma forma. No meado da década de 360 a.C., devia parecer que todo omundo antigo pegava fogo, lutando muitas cidades em frentes cada vez maisnumerosas, tentando enfrentar e tomar decisões a respeito de acontecimentosde grande mobilidade, num mundo em que, apesar de as batalhas poderem servencidas em uma hora e as alianças mudarem em tempo ainda mais breve, asnotícias e ordens chegavam ao destino apenas com a velocidade do galope deum cavalo e da navegação de um veleiro. O mundo grego estava fugindo aocontrole.

Em 364 a.C., Tebas estava mais ativa e frenética que nunca. Pelópidas, devolta de sua missão na Pérsia, liderava agora uma nova invasão no norte,contra seu velho adversário e antigo captor, Alexandre da Tessália . Suamissão, supostamente ajudar certas cidades da Tessália perante a força datirania tessaliana, era na verdade um empreendimento de vingança pessoal. Aocontrário de Epaminondas, que se esquivara ao contato direto com Alexandre,permitindo que a guerra psicológica surtisse efeito, Pelópidas enfrentouAlexandre em batalha aberta na planície próxima de sua cidade de origem,Feres. Pelópidas cou com poucos homens, pois a batalha fora antecedida demaus augúrios, desencorajando o grosso dos contingentes do exército tebano.Restaram-lhe apenas os corajosos e temerários. Sua estratégia adequou-se aoestado de espírito desses homens. A batalha foi das mais furiosas, e Pelópidastinha apenas um objetivo: o próprio Alexandre. Entrando em campo paraganhar ou perder tudo, ele investiu furiosamente, sendo golpeado pelosguarda-costas de Alexandre. Apesar de os tebanos acabarem vencendo abatalha, Pelópidas, o herói da rebelião tebana e um dos arquitetos da grandezade Tebas, estava morto.

Plutarco relata a reação de seus homens. “Dizem que os guerreiros, aotomarem conhecimento da morte de Pelópidas, nem se preocuparam em tirar aarmadura, desarrear os cavalos ou sequer tratar das feridas, acorrendoimediatamente, com o suor da batalha ainda pingando, para ver o corpo.Agindo como se o cadáver ainda fosse capaz de sentir o mundo ao redor, elesamontoaram os despojos da vitória em frente a Pelópidas. Tosaram a crina

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dos cavalos, cortaram seus cabelos e, dirigindo-se às tendas, recusaram-se aacender o fogo ou a cozinhar, como se tivessem sido completamentederrotados naquele dia, em vez de terem saído vitoriosos sobre o inimigo. Dacidade de Tebas logo chegariam os magistrados e sacerdotes com suasoferendas. Recolhendo o corpo para levá-lo de volta, ouviram súplicas dosmais respeitados tessálios para que concedessem à Tessália a honra de enterraraquele herói.”

Deve ter havido funerais maiores e mais solenes para déspotas emonarcas, prosseguia Plutarco. Mas nunca houve um enterro em que tantaspessoas, de tão diferentes cidades, procurassem tão espontânea evoluntariamente honrar assim um homem. Na morte, ao que parece, Pelópidasconseguira o que jamais fora capaz de fazer em vida: levara as cidades daGrécia a concordar.

Mas a concordância não duraria muito. No mesmo ano em que Pelópidasera morto combatendo na Tessália, Epaminondas, recém-retornado de suamais recente investida no Peloponeso, embarcava num navio da nova esquadratebana (construída com dinheiro persa), prevalecendo-se da posição cada vezmais precária de Atenas no norte do litoral do Egeu, ao redor do mar Negro ena costa da Ásia Menor, para cuidar dos interesses atenienses na região. Eletinha como alvo as cidades, que tecnicamente ainda eram aliadas de Atenas,no contexto da Segunda Liga Ateniense. A esquadra foi bem recebida emcidades como Bizâncio (a moderna Istambul) , Quios e Rodes (Mapa 2). Masninguém se dispunha a um confronto aberto com Atenas. Os ventos damudança sopravam ao redor do Egeu com excessiva rapidez para que essascidades apostassem sua sorte aberta e completamente em apenas uma daspotências buscando a supremacia.

Ao mesmo tempo que Epaminondas singrava o mar Egeu, a atenção deTebas voltava a ser focalizada em áreas mais próximas. A cidade beócia deOrcômeno, tradicionalmente uma arqui-inimiga de Tebas, mais uma veznutria ressentimentos contra a cidade. Os tebanos, com os nervos à or dapele diante de tantas questões envolvidas no jogo de poder no mundo grego,trataram de reagir. Atacaram Orcômeno, mataram seus soldados, eliminaramtodos os homens e venderam as mulheres e crianças como escravos. A cidadefoi completamente arrasada. Tebas tornava-se desesperada e violenta em sua

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tentativa de se aferrar às precárias rédeas do poder. Mas seus atos serviamapenas para engrossar as leiras dos que desejavam sua queda. Começavammais uma vez se juntar as nuvens de uma decisiva batalha pela liderança daGrécia. Menos de dez anos depois da batalha de Leuctra, que deveria terresolvido de uma vez por todas a questão da supremacia na Grécia, as cidadesda Grécia mais uma vez se preparavam para o confronto.

Em 363 a.C., estava claro onde ocorreria o confronto. A ConfederaçãoArcádica do Peloponeso, recém-criada e apoiada em seus primeiros passospelos tebanos, enfrentava problemas. Querendo abarcar o mundo com aspernas, a Confederação entrara em con ito com a cidade de Élis, que geria osantuário internacional de Olímpia e os prestigiados Jogos Olímpicos. Osarcádios tinham ido ao campo de batalha pela propriedade do santuário, e abatalha transcorreu no próprio recinto sagrado. De tal maneira afetou osantuário que, séculos depois, seria encontrado o esqueleto de um arqueiro nacalha de um dos templos de Olímpia, onde caíra morto. Mas o problema nãoestava tanto na batalha pelo santuário, mas nos recursos com os quais osarcádios a nanciaram. Eles se valeram das preciosas oferendas metálicas, demármore, ouro e prata deixadas no recinto sagrado para os deuses, nosséculos anteriores, para pagar aos soldados mercenários. Era de fato um abusosacrílego — algo como vender os objetos do Vaticano para nanciar suaocupação militar. A cidade de Mantineia, uma das recém-criadas cidades-fortaleza que Tebas ajudara a reconstruir mais cedo nessa mesma década,interpelou Arcádia por esse abuso do santuário e seu conteúdo. O con itolocal logo haveria de se transformar numa crise nacional. Tebas apoiariaArcádia e a confederação. Esparta e Atenas apoiaram Mantineia. A novabatalha pela liderança da Grécia não teria lugar na pista de dança de Ares,mas naquela mesma região que Tebas tentara fortalecer ao longo da últimadécada para conter as ambições de Esparta e assim garantir a paz.

Em julho de 362 a.C., Epaminondas mobilizou suas tropas em Mantineia(Mapa 2). Levou consigo os aliados com que ainda contava no centro daGrécia (entre eles o recém-submetido Alexandre da Tessália ). Enfrentavam-noas cidades de Mantinea, Esparta (ainda governada pelo já idoso Agesilau) eAtenas. Epaminondas tinha sob seu comando aproximadamente 30.000homens, e seus inimigos, 22.000. Eram dos maiores efetivos reunidos nomundo antigo. Epaminondas, o herói tebano, posicionou-se à frente de suas

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tropas. Instruiu a cavalaria a levantar uma nuvem de poeira, para que oinimigo não pudesse detectar as táticas e posições de suas tropas. Entretanto,con ando na estratégia que lhe dera a vitória em Leuctra nove anos antes,estacionou seus tebanos e a si mesmo na malfadada ala esquerda. Enfrentandoseus velhos inimigos, os espartanos, ele conduziu suas tropas à batalha, paradecidir o destino da Grécia.

Xenofonte, o rico ateniense que se aventurara ainda jovem na luta ao ladodo persa Ciro e posteriormente conduzira os 10.000 gregos que saíam da Ásia,o homem que se transferira para Esparta, matriculando os lhos no sistemaeducacional espartano, aquele mesmo cuja casa cava a não mais que 60quilômetros do campo de batalha em Mantineia, concluiu a história da Gréciaque escreveu na velhice com o relato dessa batalha. Mas não porque a batalhativesse cumprido a expectativa de constituir a decisão nal quanto às relaçõesde poder na Grécia — na verdade, foi bem o contrário que se deu. Xenofonteconclui sua narrativa em tom desesperado: “Havia mais confusão e desordemna Grécia depois da batalha que antes. Eis o momento em que deixo de ladominha pena. Talvez alguém mais se disponha a escrever sobre o que aconteceudepois.”

Epaminondas estava morto, tendo tombado em combate, quem sabe atéabatido pelo próprio lho de Xenofonte. Ambos os lados tinham conseguidomanter (diferentes partes de) suas formações de combate. Ninguém sabia aocerto quem vencera a batalha. Na confusão, os dois lados erguerammonumentos, na tentativa de se apropriar da vitória. Ambos voltaram paracasa com pouca coisa resolvida. Vidas humanas se haviam perdido em massapara que a Grécia perdesse o controle de si mesma e implodisse numconfronto sem sentido em Mantineia. Em sua lápide fúnebre, Epaminondasera homenageado por ter ajudado a Grécia a conquistar a liberdade e aindependência. Em 362 a.C., no momento em que os gregos, confusos eesgotados pelos combates, voltavam para casa, a liberdade e a independênciapareciam troféus amargos que, em vez de proporcionar a paz, haviamsuscitado uma deprimente sucessão de infindáveis atos de guerra. Xenofonte, aesta altura um velho amargurado, deixara a pena de lado revoltado com o quea Grécia fizera a si mesma.

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Q

CAPÍTULO 9

A bexiga da vaca, a maldição de amor e acaricatura

ual a repercussão desses acontecimentos políticos e militares napaisagem, na sociedade, nas cidades e na vida dos gregos antigos?Considerando-se que a Grécia parecia viver num perpétuo estado de

guerra nos primeiros 40 anos do século IV a.C., não surpreende que, dentre aspeças literárias desse período que chegaram até nós, uma das mais notáveistrate precisamente desse tema. É um texto franco e direto sobre cada aspectodos preparativos e da condução da arte da guerra — e, mais especi camente,da guerra de assédio —, escrito por um homem chamado Eneias no meado doséculo IV. Com este manual, qualquer um podia tornar-se um comandantemilitar tático, aprender a efetuar cercos e solapar as condições psicológicas doinimigo. Qualquer cidadão das cidades gregas dispunha agora de anotaçõessobre a sobrevivência durante um cerco, com direito a informações cruciaiscomo a melhor maneira de impedir a sabotagem de arcos e echas oucontrabandear armas para a cidade. Minha favorita, contudo, é de longe adica para enviar mensagens secretas. O sujeito podia escolher entre costurar amensagem na sola do sapato, escondê-la num curativo ou, melhor ainda,escrevê-la numa bexiga de vaca inchada, pois ao desinchar ela poderia serintroduzida e escondida num frasco de óleo.

Eneias, o Tático , como cou conhecido o autor, abre nossos olhos paraum mundo no qual a arte da guerra se desenvolvia em ritmo tumultuado. Astradicionais temporadas de campanhas já não eram respeitadas, asescaramuças guerrilheiras estavam tão disseminadas quanto as batalhas emformação organizada, os soldados mercenários eram tão importantes quantoas tropas de cidadãos, senão mais, inimigos tradicionais podiam ver-se

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lutando do mesmo lado, as cidades mantinham exércitos permanentes, em vezde formá-los só quando houvesse necessidade, o cerco de cidades se haviatornado lugar-comum e o desenvolvimento da tecnologia militar deslanchara.Os combates tinham-se afastado das distantes planícies e passavam a ameaçaraté as cidades mais inexpugnáveis, como Esparta. Estavam presentes na psiquede todos. Eneias nos abre as portas para a cruel inventividade da mentehumana no momento em que as diferentes cidades da Grécia tentavam reagiràs mudanças no mundo ao seu redor e lutavam pela própria sobrevivência esupremacia. O manual tem um autor, mas também é produto, essencialmente,de um novo e desalentador modo de vida.

Mas seria um equívoco imaginar que o único produto desse climaconvulsionado de animosidade fosse um manual sobre a melhor maneira dedizimar pessoas. O fascinante é que, se lançarmos o olhar um pouco além doparapeito da guerra, o século IV a.C. a gura-se um verdadeiro tesouro decriatividade, diversidade, construção e descoberta, no qual indivíduos ecidades reagem às realidades do mundo ao seu redor, tentando enfrentá-las ouescapar delas. Defrontando-se com um ambiente de constantes combates, quejá agora representavam uma ameaça permanente em seus próprios portões, ascidades erguiam grandes muralhas, exempli cadas na reconstrução dasmuralhas de Atenas; surgiram novas cidades forti cadas no Peloponeso noperíodo da supremacia tebana (Mantineia, Megalópolis, Messena) e,anteriormente, em Siracusa, na Sicília, no contexto do complexo industrial-militar do senhor da guerra Dionísio I. Nas primeiras décadas do séculosurgiu toda uma variedade de impressionantes paisagens urbanas quetransformavam o ambiente ao redor. Essas novas cidades, especialmente noPeloponeso, contribuíram para redesenhar o mapa político da Grécia,transformando novas alianças políticas, confederações e Estadosindependentes numa realidade física, palpável, concreta, com istotransformando a percepção das diferentes identidades cívicas e étnicas nessemundo (Mapa 2).

O clima de tensas e rápidas mudanças do século IV não gerou apenasmuralhas ao redor das cidades. Cada vez mais eram convocados escultorespara tornar visíveis os sonhos de indivíduos poderosos, traduzindo a euforiapelos êxitos militares ou a conquista da paz em obras de arte de mármore ebronze, alargando as fronteiras das possibilidades artísticas e físicas, na

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rivalidade entre as diferentes cidades. O resultado disso foi um século deextraordinária criatividade artística: os custosos monumentos rivais às vitóriasatléticas e militares, defrontando-se nos santuários internacionais de Delfos eOlímpia (Figs. 5 e 6); a comovente estátua de uma representação feminina dapaz, Irene, trazendo nos braços o deus-criança da riqueza, Pluto, erguida emAtenas para assinalar a frágil esperança de paz divisada no meado da décadade 370 (Fig. 9); os monumentos fúnebres de altiva so sticação de muitosindivíduos em cidades de toda a Megale Hellas, exempli cados na criaçãogreco-persa do Mausoleu (Fig. 11); a quebra de um tabu com a exibição daprimeira estátua de nu feminino, representando a deusa do amor e do sexo,Afrodite, em Cnido, no litoral da Ásia Menor (Fig. 10). No século IV, acriação artística reagia às realidades do mundo em que se manifestava,personificando-as, articulando-as e pairando sobre elas.

O século IV a.C. também foi marcado pela criatividade do teatro grego. AGrécia, ou na verdade Atenas, é considerada o berço da tragédia como formaartística no século V, gerando dramaturgos cujos nomes ecoam através daseras; Ésquilo, Sófocles e Eurípides. No século IV, todavia, o palco cênicoparece à primeira vista ter cado apagado. Quem seria capaz de citar umgrande trágico dessa época? Mas o fato é que essa impressão inicialmentedesfavorável oculta uma realidade muito diferente. No século IV, as cidadesgregas não mediam esforços na construção de teatros. Do teatro de Dionísioao pé da Acrópole, em Atenas, nalmente construído em pedra no século IV, enão em madeira (Mapa 1), ao espetacular teatro de pedra de Epidauro, aindahoje em funcionamento, passando por um teatro para 20.000 espectadores nanova capital da confederação arcádica, Megalópolis, e a cidade siciliana deSegesta, praticamente toda grande cidade e todo grande santuário da Grécia edo mundo grego em geral dispunham de um teatro no fim do século IV.

Que se levava à cena neles? Muito pouca coisa sobreviveu, mas temosacesso ao su ciente para deduzir que o século IV foi incrivelmente produtivo.Era evidente o interesse por remontagens das grandes tragédias do século V.Mas também se criou enorme quantidade de peças novas. Um dosdramaturgos do século IV, Astidamia, o moço, que parece ter sido parente dogrande trágico Ésquilo, pode ter escrito algo em torno de 240 peças. Festivaiscívicos de celebração da tragédia e da comédia não só surgiam em Atenascomo eram pela primeira vez exportados para toda a Grécia e mesmo para o

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sul da Itália e a Sicília. Atores e dramaturgos eram verdadeiras estrelas.Constituíam sindicatos e tinham fãs-clubes. Hoje em dia, atores famososcostumam atuar como embaixadores de boa vontade da ONU, mas no séculoIV a.C. os atores eram su cientemente respeitados para serem usados atécomo emissários diplomáticos representando determinada cidade emnegociações internacionais. Em 348 a.C., Atenas enviou uma delegação parabarganhar com o poderoso rei Filipe da Macedônia da qual fazia parte seuator mais famoso, um homem que preferia ser conhecido por seu nomeartístico: Neoptólemo (filho de Aquiles, o semideus).

Esse acentuado aumento do interesse e do investimento no teatro em todoo mundo grego ressalta a popularidade do drama na sociedade antiga. Maisque isto, contudo, serve para enfatizar a importância daquilo que o dramaoferecia: a criação de um espaço em que questões políticas, sociais, culturais ereligiosas do momento podiam ser debatidas e ponderadas a distância segura.O palco era tão importante quanto a assembleia política no sentido de ajudaras pessoas a re etir sobre um mundo em mutação. Aristófanes, o autor depeças cômicas cuja carreira se estendeu do século V ao IV a.C., demonstravaum talento especial para reagir às preocupações populares. Em 395 a.C., nummomento em que Atenas, assediada, era arrastada a um novo con ito comEsparta, sua peça Ecclesiazusae (Mulheres na Assembleia) foi escrita emontada em Atenas. Os homens estão transformando numa bagunça a gestãodas questões municipais. As mulheres de Atenas conspiram para assumir opoder, pois se saem muito melhor na administração. Depois de tomar o poder,elas estabelecem um plano de um Estado protocomunista. Todos serão iguais eterão igual acesso a tudo — inclusive parceiros sexuais. Desse modo,prossegue a peça, se você é homem e quiser levar para a cama uma belagarota, terá primeiro de agradar a uma feia (o mesmo se aplicando àsmulheres com os homens belos e feios), para que todos tenham direito a umpedaço do bolo, por assim dizer. Naturalmente, o plano fracassaredondamente, mas a peça re ete de maneira inspirada a pura e simplesfrustração com toda a agitação política que sacudia a Grécia no início doséculo. Em 388 a.C., oito anos apenas após Mulheres na Assembleia,Aristófanes adaptou e levou novamente ao palco uma de suas peças antigas,Riqueza. A essa altura, Atenas voltava a sentir o aperto econômico e estava a

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ponto de ser forçada a aceitar os termos da paz real da Pérsia. A peça re eteesse clima, criando um mundo idílico em que a riqueza é compartilhada porigual e todo mundo tem tudo de que precisa.

Mas a construção de novas cidades e muralhas, a modelagem de esculturasde uma variedade e so sticação sem precedente e a criação de grandes teatrose comédias sardônicas nem de longe poderiam ser consideradas as realizaçõesculturais mais impressionantes ou talvez mais importantes do mundo grego noséculo IV. Numa visita à Grécia hoje, o que impressiona e chama a atençãonão são sobretudo as muralhas e forti cações, os teatros suntuosos ou sequeras esculturas magní cas abrigadas nos muitos museus da Grécia, mas ossantuários e templos religiosos que dominam a paisagem. Dos mais famosos,como o Partenon em Atenas, aos menos conhecidos, como o santuáriooracular de Dodona no noroeste da Grécia, esses santuários religiosos e seustemplos representam o melhor testamento do aspecto mais crucial da vida naGrécia antiga: o poder dos deuses.

Os muitos deuses do mundo grego estavam presentes em toda parte e emtodas as coisas (até a ida ao teatro fazia parte de um festival religioso). Osdeuses eram todo-poderosos, e portanto era fundamental que os simplesmortais tudo zessem a seu alcance para mantê-los a seu lado. Um doselementos desse esforço para estar nas graças dos deuses era a construção dealtares e templos para cultuar, honrar e comprar seus favores com sacrifícios(dizia-se que os deuses gregos apreciavam mais que qualquer coisa aperfumada fumaça dos ossos em chamas envoltos em gordura animal queeram colocados no altar, e que subia pelo monte Olimpo). A religião greganão tinha um livro básico de regras e contos morais — nenhum equivalente daBíblia ou do Corão — nem crenças ou credos de nidos, como tantas religiões.Era composta de uma série de ações e rituais que, em seu conjunto, conferiamritmo e sentido às duras realidades da vida. A religião nutria e tornava coesostodos os aspectos da vida social, cultural, política e militar, e ao mesmotempo era um sistema extremamente flexível capaz de incorporar novos deusese lugares de culto. Mais importante que tudo, todavia, era sua onipresença. Osgregos teriam di culdade de entender uma pergunta assim: “Você tem fé?”Para eles, não havia alternativa. Os deuses existiam e governavam o mundo.Simplesmente era assim.

No século IV a.C., o mundo grego antigo assistiu a uma febre de

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construção de templos em homenagem aos deuses, rivalizando com qualquercoisa vista em séculos anteriores. Não foi uma febre centrada em determinadacidade, como acontecera com a febre de construções em Atenas no séculoanterior. Dessa vez, uma grande proporção de todo o mundo grego seempenhava na construção de templos. Isto pode a princípio parecersurpreendente, considerando-se a turbulência então prevalecente e os riscos edi culdades, especialmente econômicas, num empreendimento custoso e degrandes proporções como a construção de um templo (que era o tipo deprojeto mais oneroso do mundo antigo). No centro da Grécia, por exemplo,os cidadãos de Plateia só consideravam seguro deixar a cidade para lavrar ocampo quando os tebanos estavam ocupados com suas longas assembleias.Quando haveriam de encontrar tempo para construir um templo emsegurança? Mas a febre de construção de templos nesse período também podeser encarada como uma dramática reação a essa mesma incerteza eturbulência. Em épocas de crise, os gregos voltavam-se para seus deuses embusca de ajuda, na tentativa de entender por que esses deuses tinhampermitido que tais coisas acontecessem. Num mundo que implodia, talvez aúnica resposta fosse redobrar esforços na direção dos deuses, para garantir umfuturo mais pacífico.

Um dos aspectos mais interessantes desse frenesi de construção de templosé o fato de ao mesmo tempo re etir e transcender o teor militarista da época.Na virada do século, no momento em que Esparta se aventurava no litoral daÁsia Menor e no centro da Grécia na tentativa de assumir o controle do querestava do império ateniense e rmar-se como novo poder supremo da Grécia,um templo estava em fase de conclusão nas planícies do Peloponeso central.Para visitá-lo hoje, é necessário fazer uma longa viagem por estradascastigadas pelo vento, passando por precipícios, até sentir a sensação de estarchegando às nuvens. O ar lá no alto é frio e seco. As cabras, únicos habitantesdo local, com facilidade escalam as rochas e atravessam o caminho. Numlugar chamado Bassai, no alto de uma rocha, um templo com colunatas seergue em direção ao céu. É uma visão extraordinária: uma complexa criaçãohumana num mundo dominado pela força bruta da natureza. Hoje, ainda depé ali, depois de castigado pelos ventos por mais de 2.000 anos, o templo éprotegido por uma cúpula branca. Como se uma espaçonave tivesseaterrissado bem no meio do sonolento Peloponeso.

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O templo de Apolo em Bassai apresenta uma inovadora e lúdica misturade estilos arquitetônicos, tendo sido concebido talvez pelo mesmo arquitetoque traçou o Partenon em Atenas. Sua escultura arquitetônica, um contínuorelato de combates delicadamente esculpido ao redor das paredes do santuáriointerno, impressiona pela força de sua energia e a complexidade dos detalhes(ele pode ser visto atualmente no Museu Britânico, em Londres). A questãoentão é a seguinte: que faz um templo como este num lugar assim? Umamaravilha do gênio e da habilidade humanos perdida no meio do nada. Aresposta encontra-se no epíteto descritivo atribuído ao deus ao qual o templo édedicado: Apolo Epikourios — Apolo, “o mercenário”. Muito tempo atrás,essa estrada pela região montanhosa da Arcádia ressoava ao fragor das botasdos soldados que iam e vinham de Esparta. Ao longo do século IV, comovimos, esses soldados continuariam percorrendo esse caminho nas duasdireções com frequência cada vez maior, com as guerras se espraiando comofogo selvagem pelo Peloponeso. O templo de Apolo, o mercenário, parece tersido erguido em reconhecimento às necessidades dos homens que passavampor ali, como um lugar para o qual podiam voltar-se em busca de orientação eoração para retornarem a salvo. Erguendo-se solitário, hoje, no topo damontanha, o templo de Bassai é uma recordação dos muitos que nãoretornariam.

O templo de Bassai re ete o clima militarista do m do século V e dasprimeiras décadas do século IV a.C., assim como as preocupações dos muitoshomens que passaram boa parte dessa época em guerra. No centro da Grécia,encontramos outro templo que, apesar de situar-se aparentemente acima doshorrores da guerra, também desempenhou um papel nesse jogo de podermilitar. Na disputada fronteira entre os territórios de Tebas e Atenas,encontra-se o povoado de Oropus. Não muito longe do povoado há um valearborizado cortado por um regato. É um lugar ao mesmo tempo de profundosilêncio e ruídos distantes, pois as águas do regato percorrem o solo com seusom amortecido pela densa oresta ao redor. Prevalece um clima deexpectativa algo fantasmagórica. No meado do século IV, quando as tensõespersistiam entre as grandes cidades da Grécia e o poderio da Macedôniacomeçou a ser sentido em todo o país, um templo foi construído nesse lugarsagrado, para honrar o misterioso oráculo Anfiarau e seu culto da saúde. A

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calma e a tranquilidade do local hoje em dia não parecem condizentes com suaimportância política e militar. Construindo um santuário, a cidade arrogava-se o direito de propriedade do território circundante. Esse santuário encontra-se num lugar que poderia ser considerado o equivalente antigo da Caxemira —uma região de terra cuja propriedade era ferrenhamente disputada por Atenase Esparta. Como a cidade de Oropus nas imediações, o santuário tornou-seuma simples peça no jogo de controle entre essas duas cidades, mudandovárias vezes de mãos nos primeiros 60 anos do século IV.

Mas também é muito importante ter em mente que nem todos os templosconstruídos no século IV faziam parte dessa campanha de agressão militar.Uma das consequências do perene estado de guerra no mundo grego fora oaumento da popularidade de um deus relativamente novo: Asclépio, o deus dacura. Seu auge deu-se no século IV, quando um enorme santuário foi erguidonum lugar chamado Epidauro, para cultuar e comungar com o deus (dosantuário fazia parte o grande teatro em que ainda hoje são encenadas peças).Epidauro não cava longe do Istmo, o estreito ponto central de travessia queligava o Peloponeso ao resto do território continental grego (Mapa 2). Nessalocalização central, foi construído um santuário que não caria sob o controlede uma única cidade, estando aberto a quem quisesse chegar.

Chegaram até nós as inscrições em pedra detalhando as fases do projetode construção. Emissários eram enviados por toda a Grécia para promover oculto e coletar fundos para a obra. Contratos com empreiteiros eram fechados,autorizações, assinadas, listas de problemas, checadas, garantias nanceiras,fornecidas — esses documentos representam uma preciosa possibilidade deobservar de que maneira os gregos levavam a efeito esses grandes projetoscomunitários. E se destaca, incontornável, a impressão de que as autoridadesd e Epidauro eram exigentes, detalhistas, eximindo-se de delegar asubordinados. Elas supervisionavam o processo de construção em todas assuas minúcias, interessando-se até pelo custo de conserto de tipos especí cosde cordas usados para permitir que uma carroça suportasse uma carga pesadade pedras.

Mas o que realmente fascina não é tanto o custo do projeto mas aprocedência dos operários. Nem toda cidade tinha seu próprio contingente detrabalhadores e artesãos. Quando uma delas queria construir algo, convocavaartesãos de todo o mundo grego, que se reuniam na cidade enquanto houvesse

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trabalho. Como uma nuvem de pássaros migrando pelo Mediterrâneo, essesartesãos — construtores, pedreiros, especialistas em mármores e metais,escultores, arquitetos — formavam um contingente incrivelmenteinternacionalizado. Durante mais de quatro anos, cerca de 200 especialistas detoda a Grécia antiga encontraram trabalho em Epidauro. Enquanto as cidadesdo mundo grego continuavam se guerreando, o irônico resultado da crescentenecessidade de santuários de cura foi que o próprio santuário de Epidaurotransformou-se num produto de alta visibilidade não dos combates militares,mas da colaboração arquitetônica e artística internacional. Nem se tratava deuma simples comprovação da colaboração entre artistas e arquitetos. Atégovernantes de lugares tão distantes quanto a Sicília se envolveram. Dionísio Ide Siracusa, por exemplo, comunicava-se com os escultores de Epidauro sobrea conveniência ou não de representar o deus Asclépio de barba.

Outro exemplo de colaboração internacional de alta visibilidade, numaépoca de guerras internacionais, deu-se no grande santuário oracular deDelfos. Situado igualmente no território central da Grécia continental, essesantuário era o centro mítico do mundo antigo. Havia desempenhado seupapel muitas vezes na política e nas guerras da Grécia (Fig. 5), tendo sediadorecentemente a fracassada conferência de paz de 368 a.C. Seu temploprincipal, dedicado a Apolo, fora reconstruído várias vezes nos séculosanteriores. Mas no m da década de 370 Delfos foi novamente atingida porum forte terremoto que destruiu o templo. O santuário era por demaisimportante para car em ruínas. Mas Delfos era um santuário internacionalneutro. De quem seria, assim, a responsabilidade de nanciar a reconstruçãodo templo? Como acontece com tantas negociações dessa natureza emmodernos organismos internacionais como a ONU e a União Europeia, aosquais Delfos costuma ser comparado, decidiu-se que os encargos deviam serpartilhados. Toda cidade que entrou com dinheiro para contribuir para areconstrução do templo de Delfos seria relacionada numa série de placascomemorativas a xadas no interior do santuário, para que todos pudessemver. Em Delfos, o visitante não se deparava com uma imagem de cidadesgregas se engal nhando, mas posicionadas lado a lado num esforçocomunitário de reconstrução de um templo num lugar que há centenas de anosfuncionava como ponto de encontro central do mundo grego.

A contemplação de um templo proporciona uma fantástica percepção dos

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valores, aspirações e motivações religiosos e políticos de cidades, santuários egrupos de pessoas. Mas também podemos buscar sinais de práticas religiosasespecí cas ao redor desses templos, para entender de que maneira osindivíduos agiam e reagiam em sua vida quotidiana ao clima turbulento que oscercava. No século IV a.C., em local remoto do noroeste da Grécia, umoráculo do pai dos deuses, o próprio Zeus, conquistava popularidade numlugar chamado Dodona (Mapa 2). Há muito o santuário era um lugar simplesem torno de uma árvore sagrada. Mas no século IV a procura desse oráculo,assim como o investimento no santuário, parecem ter escalado. Do ponto devista da erudição moderna, a melhor coisa a respeito desse santuário é amaneira como as perguntas feitas ao oráculo eram registradas. Em muitossantuários oraculares, as perguntas eram ditas em voz alta ou escritas empapiro — métodos de transmissão que deixam poucas pegadas ao longo demilhares de anos. Mas em Dodona as perguntas eram enunciadas em pequenospedaços de metal, dobrados e enterrados no local. Em consequência, mais de2.000 anos depois, temos uma visão direta das preocupações e inquietaçõesdos homens e mulheres comuns da Grécia antiga. Um deles pergunta se deviaviver com sua meia-irmã; outro, se deveria casar-se com outra mulher; umatormentado dono de casa queria saber se Thorpion realmente roubou a prata;um pai preocupado pergunta de que maneira a lha pode preservar avirgindade. Apesar dos constantes combates e da montanha-russa das questõesinternacionais ao seu redor, é um raro privilégio para nós testemunhar deperto as tentativas dessas pessoas de entender e enfrentar os problemas da vidaquotidiana, uma vida que sob muitos aspectos fazia eco às preocupações comque nos defrontamos hoje.

O século IV também nos oferece muitas indicações do aumento dapopularidade de uma forma diferente de interação religiosa entre os indivíduose o divino: a maldição. Invocando o poder dos deuses da terra e do submundo,além dos espíritos dos mortos, os indivíduos podiam tentar controlar o mundoao seu redor “prendendo” alguém a determinada exigência ou, pior, a algumdestino horrível através dessas imprecações. Essas maldições chegaram até nósporque, como as perguntas oraculares de Dodona, foram escritas em pequenaspeças dobradas de metal e enterradas em túmulos ou santuários do submundo,para se imbuir do poder divino e com isto atingir a pretendida vítima.

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Abrangem toda uma série de questões encontradas no transcurso da vidaquotidiana, entre elas o sucesso e o fracasso nos tribunais, o teatro e ocomércio. No território de Atenas, uma pessoa invectivava o sucesso deoutros, amaldiçoando-os assim: “Todos esses homens eu prendo aodesemprego, à obscuridade, à má saúde, ao fracasso e à morte — e não sópara eles, mas para suas mulheres e seus lhos também.” Mas o terreno demaior crescimento das maldições não eram os negócios nem a guerra, mas aespinhosa questão do amor. São muitos os exemplos dos que, apaixonados elogo rejeitados no amor, voltam-se para os deuses para se vingar. “Eu prendo[amaldiçoo] Aristokydes e qualquer mulher que se dispa para ele. Não permitasequer que ele se case com alguém mais”, amaldiçoa uma apaixonadarejeitada. Um outro (desta vez um homem) mostra-se ainda mais duro: “Euato suas mãos, sua mente, seu espírito, sua cabeça, seu coração e sua língua.”Outra mulher, aparentemente enganada por um novo amante, é ainda maiscruel: “Eu afasto Euboula de Eneias, de seu rosto, seus olhos, sua boca, seupeito, seu espírito [podendo aqui referir-se também ao pênis — a palavragrega tem vários signi cados], seu estômago (...), sua bunda e seu corpotodo.”

Mas essas maldições não representam apenas uma problematização dequestões do mundo antigo ao estilo de revistas ilustradas, para olharescuriosos do século XXI. Associadas aos indícios encontrados em Dodona docrescente recurso aos oráculos por parte de indivíduos desesperados pordescobrir o melhor caminho a seguir no futuro (poderíamos também assinalara maior utilização nesse período de procedimentos mais perigosos deadivinhação do futuro, como as tentativas de consultar espíritos e corpos dosmortos), elas apontam para uma crescente sensação de incerteza a respeito davida entre os indivíduos, e uma série cada vez mais agressiva de tentativas derecobrar algum controle sobre ela. No m do século, vendedores de feitiços emaldições podiam ganhar confortavelmente a vida percorrendo as ruas daGrécia com oferta de serviços. Mas essa sensação de incerteza não eramotivada simplesmente pelas guerras constantes e as mudanças políticas eeconômicas em que se viam engolfados os habitantes das diferentes cidades daGrécia antiga. Era causada também pela evolução do mais fundamentalprincípio desse mundo: a crença nos próprios deuses.

Assinalei anteriormente que os gregos não seriam capazes de entender a

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pergunta “Você tem fé?” por não haver muitas alternativas: o mundo eracomo era. Mas esse monopólio viu-se ameaçado no século IV a.C. Essaameaça não partia, como se poderia esperar, e como tantas vezes tememoshoje em dia, da globalização do mundo antigo e da resultante mistura deculturas, costumes e sistemas de crença. A nal de contas, os deuses gregoseram in nitamente exíveis, como demonstrara a introdução do deus da curaAsclépio na linhagem divina. No m do século, por outro lado, Atenasalegremente abriria espaço na cidade para o culto de deuses estrangeiros comoÍsis e Bêndis, por parte de comerciantes e imigrantes do Egito e outrasparagens mais distantes. O problema tampouco estava na crescente utilizaçãode práticas religiosas proibidas e “tenebrosas” como as maldições, não rarodesignadas equivocadamente como “magia” grega. O problema não eram asfronteiras exíveis daquilo ou daqueles que eram cultuados. Ele estava numarejeição mais essencial do poder dos deuses e no questionamento da maneiracomo deveriam ser cultuados, se é que deveriam.

As origens desses movimentos são de difícil localização, mas certamenteestavam associadas ao crescimento da filosofia e particularmente do ceticismointelectual, que levou alguns a pôr em dúvida até mesmo a existência de umpoder divino. Novas formas e práticas de culto ganharam força no século IV.Um grupo conhecido como o dos pitagóricos — do qual provavelmente faziaparte Epaminondas, o grande general tebano — acreditava na transmutaçãodas almas entre as formas animal e humana. Em consequência, seus adeptosnão aprovavam o sacrifício de animais e eram vegetarianos. A questão aquinão estava no culto de deuses diferentes, mas na divergência quanto à maneirade cultuá-los. Recusando-se a participar do sacrifício de animais, ospitagóricos tampouco participavam dos grandes rituais cívicos nos quais osacrifício tinha tanta importância. Em virtude de suas convicções, essaspessoas se destacavam do tecido social da sociedade civil, reforçando essaopção com frequente retirada para uma vida em comunidades à parte. Outradessas facções dissidentes eram os órficos, que, como os pitagóricos, tambémeram vegetarianos. Mas sob certos aspectos eles iam mais longe. Concebiamas relações dos deuses e seus respectivos papéis no mundo de formaconsideravelmente diferente da norma, praticavam rituais de sepultamentodiferentes e parecem inclusive ter criado uma fé centralizada e uma coleção detextos religiosos comparável à Bíblia. No m do século IV a.C., o mundo

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grego estava cheio não só de diferentes deuses, mas de campos cada vez maisdistintos de crenças religiosas, o que teve profundas e desagregadorasconsequências sociais e políticas para sua identidade e seu senso de comunhãocívica. A religião sempre fora o elemento uni cador dos gregos. Pois agoraisto já não era tão certo.

Os problemas causados por essa diversidade de crenças religiosas foramexacerbados pelo aumento do ceticismo e da investigação cientí ca no séculoIV — com mais evidente destaque no terreno da medicina. Um autor de textosde medicina contestava a identi cação de determinada doença como “doençasagrada” (a moderna epilepsia), argumentando que a doença nada tinha a vercom a vontade dos deuses: tinha uma causa humana. Essa rejeição do papeldos deuses — e, por extensão, de seu papel na cura — era sentida até no novoe popular santuário de cura de Epidauro. No m do século, o santuário levavatão a sério a concorrência que mandou inscrever o relato de seus êxitos emplacas públicas de pedra, para propagandear que o sistema divino de saúdefuncionava muito bem. Segundo as placas, uma mulher que engravidaramisteriosamente por nada menos que cinco anos pôde milagrosamente dar àluz graças ao deus. Um homem com a mão paralisada recuperou plenamente ouso dos dedos. Os cegos recuperavam a visão, os mudos, a voz, os carecas, ocabelo — e o santuário chegava a anunciar que uma xícara, quebrada empedaços, foi milagrosamente consertada pelo deus.

Uma investigação das práticas religiosas dos gregos no século IV chamaatenção, assim, para certas tensões observadas no mundo grego como um todonessa época. As novas tendências veri cadas nas crenças e práticas religiosasabalaram os alicerces das comunidades cívicas e dos indivíduos, mas tambémproporcionaram a esses indivíduos novas maneiras de se sentirem com maiorcontrole sobre suas vidas e o mundo ao redor. As novas edi cações religiosasao mesmo tempo re etiam o ethos cada vez mais militarizado do mundoantigo e proclamavam que a construção de templos ainda podia desempenharum papel uni cador entre os gregos. Da mesma forma, a disseminação doteatro e do drama, e especialmente da comédia, ao mesmo tempo frisava aexistência de um vínculo entre as cidades espalhadas pelo mundo grego e lhesconferia um espaço de re exão sobre as difíceis condições que enfrentavam eas arraigadas diferenças entre elas. A escultura e a arquitetura imortalizavam

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o intenso con ito em que a Grécia mergulhara, mas também inspiravam essemundo, alargando de maneira criativa as fronteiras do possível.

Num mundo assim incerto, não surpreende que a busca de algo quepudesse ser considerado certo se tornasse uma obsessão. O século IV a.C. foi oséculo das investigações sérias, em toda uma série de campos como a filosofia,o drama, a ciência e a arte, e a respeito dos sistemas e criaturas do mundonatural e também da natureza do conhecimento humano, da interação, doamor, da sabedoria, do direito, da pureza, da ação política e da alma.Filósofos como Platão, Aristóteles e Epicuro, protomédicos como Empédoclese Praxágoras, comediógrafos como Aristófanes e Menandro, escultores comoLísipo e Praxíteles levavam homens e mulheres de todas as partes do mundoantigo a uma absorvente jornada ao cerne do que efetivamente representavama humanidade, a sociedade e a natureza. Inevitavelmente, essa jornada às vezesentrava em con ito com formas de pensar mais tradicionais, como na questãoda cura por meios divinos ou humanos. O século IV foi uma época de brutalagitação militar e geopolítica, mas também, em certa medida em consequênciadisso, um período de intensa autorre exão e descobertas progressistas (aindaque às vezes geradoras de confrontos). Não terá sido por acidente que omesmo século que gerou Eneias e seu manual de guerras de assédio tambémproduziu, entre muitos outros grandes pensadores, um homem chamadoTeôfrasto, que escreveu uma investigação sobre a natureza das plantas mastambém uma caricatura namente perceptiva de diferentes falhas dapersonalidade humana e as maneiras de identi cá-las. O mundo grego estavaengolfado em tumultuadas mudanças, e nessa nova era de re exão einvestigação ninguém podia eximir-se de se tornar mais consciente de simesmo e do mundo em que vivia.

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U

CAPÍTULO 10

Dez anos que mudaram o mundo antigo: 362-352 a.C.

m impasse desmoralizante se instalara no território continental daGrécia logo depois da batalha de Mantineia, em 362 a.C. Era difícilpara qualquer um imaginar o que viria em seguida. Estavam mortos

em sua maioria os homens que tinham tido a experiência do último grandecon ito opondo cidades gregas: a guerra do Peloponeso, no m do séculoanterior. Também já se haviam ido em sua maioria os grandes líderesrevolucionários do início do século IV a.C., homens como Pelópidas eEpaminondas de Tebas. Tebas , que tanto contara com o gênio dessesindivíduos em sua busca da supremacia, estava agora perdida. Esparta estavaviva, mas exaurida e desmoralizada. Atenas mostrava-se incapaz de sustentarsequer uma aparência de supremacia no mundo grego como um todo,continuando envolvida num con ito para preservar suas artérias vitais deabastecimento em alimentos e recursos naturais através do mar Egeu. Era umaGrécia exausta que se arrastava em direção à mesa de negociações de paz logodepois de Mantineia. O resultado disso foi uma paz comum — em gregoantigo, uma koine eirene. O emprego de palavras tão carregadas de esperançaresumia na verdade a ansiosa necessidade do que prometiam. Mas as cidadesda Grécia já haviam passado muitas vezes por isso para realmente acreditarplenamente em seus termos. Quantos acordos de paz não haviam sidoassinados e rasgados ou ignorados imediatamente depois, nos últimos 40anos? Este agora não parecia mais promissor: simplesmente uma maneira dedar a cada cidade algum tempo para respirar, antes de se lançar em mais umarodada de atritos e confrontos. Esparta sequer se deu ao trabalho de assinar.No momento em que a Grécia se aproximava do m de mais uma década de

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con ito quase constante, o mesmo padrão parecia repetir-se mais uma vez.Esparta estava isolada. Tebas tentou em vão congregar aliados contra Esparta.Atenas tergiversava. Do rei da Pérsia nem se tinha notícia.

Mas alguma coisa de fato estava acontecendo. Fora das cidades doterritório continental da Grécia, no mundo grego como um todo, uma série decircunstâncias se alinhavam, como o Sol, a Lua e a Terra num eclipse. Contraesse pano de fundo algo extraordinário haveria de acontecer, e dentro de umadécada o mundo antigo estaria mudado para sempre. Só que naquele momentoninguém tinha como saber como essa mudança seria dramática, ou sequer queela já se perfilava no horizonte.

A força propulsora por trás dessas circunstâncias celestiais era ainstabilidade, um tipo de instabilidade que se abatera sobre o mundo gregocomo um todo, exatamente como na Grécia central, na maior parte da décadaem curso. Na Sicília, o confronto entre o lósofo e o tirano persistia. DionísioII, o estúpido e bêbado sucessor do senhor da guerra Dionísio I, seu pai, aindaestava no trono. A essa altura, tinha exilado seu conselheiro Díon, losó co ebrilhante mas incomodamente crítico, e enviado Platão de volta para Atenas,implorando-lhe que não espalhasse as piores referências a seu respeito, comoPlatão havia feito em relação a seu pai. Mas Platão, de volta a sua Academiaem Atenas, já agora frequentada também por Díon, tinha outros planos. Díonhaveria de tornar-se seu protegido. Díon seria o primeiro autêntico lósofo-governante.

A parte mais difícil do treinamento, apercebeu-se Platão, consistiria emcorrigir os defeitos de Díon. Decididamente, ele era demasiado irritante,crítico e intelectualmente altivo para que alguém se dispusesse a votar nele,quanto mais apoiá-lo como líder. Precisava ser humanizado. Carecia de umanova imagem. Platão levou-o a conviver com integrantes seletos da Academia,de Atenas e das diferentes cidades do centro da Grécia que pudessem conferir-lhe algo da magia necessária: gente de temperamento brando que relativizassesua pomposa indiferença, dando-lhe um “toque de simplicidade”. Platãoestava gerando uma autêntica sensação popular.

Dionísio II não teve essa sorte. Havia exilado Díon, enganando apopulação de Siracusa com a alegação de que um dia ele seria chamado devolta. A mística do herói banido é um poderoso afrodisíaco para os que seencontram debaixo do tacão de um tirano. A cotação de Díon começou a subir

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e m Siracusa sem que ele próprio nem Platão precisassem mover um dedo.Díon — o intelectual distante sem muito talento para cortejar as pessoas —transformava-se, diante dos olhos de Dionísio, num herói de capa e espadaque trazia mesmerizadas em particular as mulheres de Siracusa. Plutarco, ofuturo biógrafo, conta que elas andavam pela cidade trajando luto por suaausência e lhe mandavam pacotes de ajuda para apoiá-lo no exílio. Cartas deamor e miosótis eram enviados a Atenas e à Academia, destinados a esseinesperado ídolo. Praticamente de uma hora para outra, Díon se tinhatransformado de zero em herói.

Naturalmente, não demorou muito para que Dionísio perdesse apaciência. A farsa de que Díon fora exilado apenas temporariamentecomeçava a fazer água. Suas propriedades em Siracusa foram atacadas econ scadas. O ânimo de Dionísio não melhorava propriamente com asinformações que chegavam da Grécia central dando conta da excelente reaçãode Díon à mudança de imagem promovida por Platão. Ele era recebido emtoda a Grécia como convidado de honra. Até Esparta gostava tanto dele quepretendia fazê-lo cidadão espartano honorário. Dionísio reagiu comvergonhosa incompetência. Tentou fundar uma nova Academia no coração deSiracusa para superar o mais esperto de todos: o próprio lósofo Platão.Dionísio percorria Siracusa tentando recitar trechos de textos losó cos quehavia decorado, para car parecendo inteligente — e quase sempre osreproduzia eivados de erros. As risadas cada vez mais ruidosas suscitadas poresse carniceiro fantasiado de lósofo acabaram se revelando demais para ele.Dionísio convocou Platão novamente a Siracusa para um derradeiro encontro.Disse que Díon só seria readmitido em Siracusa se Platão fosse visitá-lo. Jáagora muito idoso, Platão, o eterno otimista, voltou a Siracusa. Era areaproximação da filosofia com a tirania.

Dionísio ofereceu a Platão o mais impressionante dos presentes: o direitode se apresentar diante do tirano sem ser revistado. Sortudo Platão. Mas olobo tirânico ainda não era nenhum cordeiro losó co, e o encontro naverdade não passava de uma emboscada. Platão teve sua vida ameaçada, efelizmente a cidade próxima de Tarento, no litoral da Itália, atendeu aopedido urgente de enviar um navio no qual Platão fosse retirado dali emsegurança. Segundo Plutarco, as palavras de despedida entre Platão e Dionísioresumiam bem o confronto. “Suponho que vai contar a todos a meu respeito”,

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teria resmungado Dionísio. “Espero sinceramente que eu e a Academiatenhamos coisas melhores a comentar que o senhor”, respondeu Platão,sarcástico, antes de embarcar no navio.

Platão lavou as mãos em relação aos tiranos de Siracusa. Mas haviaforjado alguém que não se dispunha a fazê-lo também. Díon, já agora com otemperamento amaciado e cheio de admiradores à sua espera, tramou a quedade Dionísio. A gota d’água foi o fato de Dionísio ter forçado a mulher deDíon, que por todo esse tempo cara retida em Siracusa (e que deve ter cadomais que intrigada com o novo prestígio do marido), a se casar de novo. Ainvasão de Siracusa foi iniciada com a arregimentação de tropas à medida queDíon avançava. Dizia-se que um indivíduo leal a Dionísio tentou adverti-lo daiminente chegada de Díon, mas que suas cartas foram tiradas por um lobo dosaco do mensageiro enquanto ele dormia. De tais caprichos da sorte dependiao destino de Siracusa.

Por pura sorte — e graças à fome do lobo — Díon encontrou Siracusapraticamente indefesa, em decorrência de encontrar-se Dionísio em campanhafora da cidade. Avançando sem di culdade até o centro da cidade ecertamente tendo de se esquivar a bandos de mulheres histéricas à suapassagem, Díon declarou Siracusa liberta do tirano. Foi, por isto, adorado.Mas nenhum homem é capaz de sustentar o peso esmagador da expectativagerada por uma reputação criada a distância. Díon logo haveria de se vernovamente atacado não só por Dionísio, que ao retornar deu com sua cidadeocupada e posteriormente fez reiteradas tentativas de reconquistá-la, comotambém por aquela mesma população que o recebera de braços abertos.Ferido em batalha, Díon começou a deixar cair sua nova máscara de homemcordial e acessível, abrindo lugar novamente para o antigo tom crítico e odistante rigor intelectual. Seus adversários na cidade protestavam que haviamsubstituído um bêbado estúpido por um senhor atento e sóbrio, e não tinhamcerteza de qual preferiam. Dionísio, perdendo toda esperança, navegou emdireção ao pôr do sol para levar uma vida de conforto no exílio, mas aindaassim o povo de Siracusa não aceitou seu novo líder. Tal como aconteceriacom Winston Churchill ao ser rejeitado na eleição britânica que se seguiuimediatamente à vitória na Segunda Guerra Mundial, os cidadãos de Siracusaempenhavam-se agora em expulsar Díon e seus mercenários. Plutarco

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comentaria mais tarde que “o povo, tentando rmar-se nos próprios pésdepois de tanto tempo doente, infectado pela tirania, exagerou em suademonstração de independência e cometeu um grave erro”.

Díon foi expulso da cidade que o recebera de braços abertos em adoração.Mas o povo de Siracusa logo haveria de enfrentar novos problemas comDionísio, que se sentiu estimulado pela rejeição de Díon a uma nova tentativade reconquistar o poder. Díon, dando seu magistral suspiro losó co, comtoda a distância intelectual que tanto devia irritar o povo de Siracusa, teriadeclarado a suas tropas: “Estúpidos siracusanos, o mais tolo e malfadado dospovos... Eles não merecem a ajuda de vocês, mas se realmente quiserem lutarpor eles, vamos então fazê-lo de novo.”

O confronto em plenas ruas de Siracusa entre as forças de Díon e Dionísiofoi um combate sangrento e mortal. Dionísio deixou-se devorar pela paixão detransformar a cidade num túmulo. Díon e seus homens foram obrigados acombater de rua a rua em meio a uma espessa fumaça, enquanto a cidadeardia ao seu redor. Sua árdua vitória e o exílio nal do tirano Dionísio foramcomemorados sobretudo pelas mulheres de Siracusa, que mais uma vez setinham apaixonado por seu herói. Mas Díon, lósofo que era, poucaimportância dava a mulheres se atirando aos seus pés. Seus olhos estavamrmemente focalizados no julgamento da Academia de Atenas e de seus pareslósofos. Deve ter sido com grande surpresa e tristeza, assim, que Díon

descobriu que um de seus velhos amigos da Academia agia agora para solaparsua posição. Esse homem, um certo Calipo, fora um companheiro muitopróximo na época de Díon na Academia, mas agora tentava voltar os outroscontra ele. As mulheres de Siracusa, percebendo que seu herói corria perigo,uniram-se para forçar Calipo a jurar que não prejudicaria Díon. Calipo,lósofo mas com toda evidência descrente de juramentos, esperou até o exato

dia que era sacrossanto para o deus ao qual jurara matar Díon. Este homem,este lósofo-governante, este salvador de Siracusa, foi morto por assassinos dealuguel implorando pela própria vida, trancado e encurralado em sua sala dejantar. Era o triste m de um homem que, aparentemente, pouco desejaraalém de ser o tipo de líder com que o mundo grego só podia sonhar.

Do outro lado do mar Egeu, no litoral da Ásia Menor, uma disputasemelhante pelo poder vinha se intensi cando. A partir de meados da décadade 360 a.C., ocorrera uma série de rebeliões promovidas por poderosos

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governantes locais contra o poderio do próprio rei da Pérsia. A mais recentedelas, em 362 a.C., o ano da batalha de Mantineia na Grécia central, foipromovida por um homem chamado Mausolo. Ele governava uma área dolitoral sul chamada Cária, ao redor de uma capital que estava para serconcluída, Halicarnasso (atual Bodrum, na Turquia (Mapa 2)). Mausolo eraum homem de gostos caros, com tendência para o grandioso. Não demorou, eHalicarnasso era dotada não só de um palácio a ser ocupado por ele, mas deum monumento fúnebre prontinho para quando ele morresse, e que se tornouuma das sete maravilhas do mundo antigo — um monumento cujo estilo aindahoje leva seu nome: o Mausoléu (Fig. 11). Mas ao contrário dos mausoléus dehoje, não raro de tamanho acanhado, esse Mausoléu tinha proporções quaseinimagináveis. Concluído pela mulher de Mausolo, Artemísia, que governouHalicarnasso após sua morte (quanta diferença em relação ao limitado poderpolítico das mulheres na Grécia continental nessa época), o Mausoléudominava a comunidade, atraindo a atenção de todos para um únicoindivíduo. Mesmo depois da morte, Mausolo podia estar certo de que nãoseria esquecido.

As tentativas de Mausolo de aderir à rebelião contra o rei da Pérsia logoderam com os burros n’água, pois um aliado crucial virara casaca, fugindo aoencontro do rei. Mas a região continuou essencialmente instável, inclusiveporque o rei da Pérsia morreu em 359. Seu sucessor, inexperiente, subiu aotrono em meio a uma crise de poder e num momento em que a Pérsia aindaestava em guerra contra o Egito. O novo rei lentamente foi impondo suaautoridade, mas enquanto isso a região litorânea da Ásia Menor estavaentregue a poderosos indivíduos que tratavam de estabelecer minirreinos edinastias independentes. No início da década de 350 a.C., esse trecho dolitoral do mar Egeu, abrigando uma poderosa mistura de cidades gregas,súditos e governadores persas, cidades independentes e minidinastias, era umautêntico barril de pólvora pronto para explodir. E não foi preciso esperarmuito. Esse litoral há muito era de interesse para Atenas, que na década de370 se havia empenhado em recrutar ilhas ao largo e cidades à beira-mar parasua liga. Na década de 360, essas ilhas e cidades tinham sido assediadas poremissários tanto de Tebas quanto de Atenas, cada uma delas tentandoconvencê-las a se desvincular da liga ou permanecer nela, enquanto a ligaoscilava entre a aliança antiespartana e o protoimpério ateniense. Ao se

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aproximar a batalha de Mantineia, Atenas preocupou-se em proteger suasposses, particularmente dos persas, que na época eram rmementepró-tebanos, e dos trácios, cada vez mais provocadores. Para levar os persas eos trácios a pensarem duas vezes, Atenas estacionou sua esquadra ao largo dolitoral da Ásia Menor. No m da década de 360, Atenas combatia essas duaspotências pelo controle de cidades da península de Quersoneso, à entrada domar Negro (Mapa 2). O almirante no comando era um homem chamadoTimóteo, pupilo da escola de nosso comentarista político Isócrates e lho dofamoso almirante ateniense Cônon, que comandara a marinha persa contraEsparta no início do século. O lho voltava para combater o inimigo ao qualseu pai havia servido.

Em 358 a.C., Mausolo, tendo-se esquivado à rebelião contra o rei daPérsia, posava de pretenso protetor do litoral da Ásia Menor, unindo muitascidades numa aliança contra Atenas. Apenas quatro anos depois da debilitantebatalha de Mantineia, Atenas entrava em guerra do outro lado do mar Egeucom seu carismático dinasta. Retomando seus velhos truques imperiais, Atenaslogo estaria atacando ilhas e cidades do litoral e instalando guarnições ondepudesse. Mas Mausolo era um adversário poderoso e valoroso. Conseguiurechaçar a marinha ateniense e forçar Atenas a entrar em acordo em 355.Apesar de dar garantias de que aceitava a paz, Atenas não queria saber disso, etratou de revidar mais brutalmente que nunca. Atenas mais uma vez atacou acidade de Sestos, na península de Quersoneso, tratando em 353 de repovoá-lacom os seus. Quando Mausolo nalmente morreu no mesmo ano, sendolevado a repouso em seu magní co Mausoléu, Atenas também deu início damesma maneira ao processo de reivindicação da ilha de Samos. Muitas dasilhas e cidades do litoral começaram a buscar alguém que pudesse ajudá-las.Mas para quem poderiam voltar-se?

Ao mesmo tempo que se mobilizava no litoral da Ásia Menor, Atenasainda estava empenhada numa feroz batalha contra macedônios e trácios porsua preciosa cabeça de ponte no litoral norte do Egeu, onde também esperavacompartilhar um abundante depósito de recursos naturais. Na década de 360,essa guerra se tinha centrado no controle da cidade de Anfípolis, a oeste, etambém, como vimos, da península de Quersoneso, a leste (Mapa 2).Timóteo, lho do almirante Cônon e pupilo de Isócrates, enviado para

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combater Mausolo na Ásia Menor, para lá se dirigira diretamente doscombates em Anfípolis (lutando, a caminho, na península de Quersoneso) e,depois de investir contra Mausolo, seria forçado a navegar para baixo e paracima no litoral, indo e vindo da península de Quersoneso, sufocandominirrebeliões à medida que iam pipocando. No início da década de 350,Atenas estava em situação muito difícil. Sua luta pelo domínio de Anfípolis eda península de Quersoneso longe estava ainda de poder ser considerada umretumbante sucesso. Suas tentativas de preservar a liga e sua cabeça de pontena Ásia Menor tinham sido frustradas por Mausolo, que provocara a rebeliãocontra Atenas. Os principais aliados de Atenas na liga — inclusive a preciosaBizâncio (Istambul), que montava guarda à entrada da rota dos cereais no marNegro — rebelaram-se. Atenas fora forçada a retomar a antiga tática de fazeralianças (independentemente da liga) e impor aos aliados seus termos, aovelho estilo imperial. Estava liquidada a era de autonomia e liberdadeassegurada pelo antigo rei persa. O mundo grego se esfacelara eaparentemente não havia regras para o novo jogo. Era cada cidade por simesma.

No meado da década de 350 a.C., a Grécia central se encontrava numaparalisante encruzilhada, o litoral da Ásia Menor pegava fogo, o litoral nortedo Egeu se alvoroçava e a Sicília estava mergulhada numa crise de poder. Aocontrário do que acontecera com a série de potências que sucessivamentetinham tentado impor sua supremacia sobre a Grécia e o mundo grego naprimeira metade do século IV, com a mediação da ameaçadora presença do reida Pérsia, agora tudo se revelava simultaneamente fora do controle, eninguém, aparentemente, dispunha de uma base de poder su cientementesegura nem de forças poderosas o bastante para se aproveitar dela. Isócrates,nosso pan etário, que se tornara cada vez mais conhecido por seuscomentários sobre a situação da Grécia na primeira metade do século, resumiaagora o transe vivido por Atenas em dois penetrantes pan etos políticos. Oprimeiro, publicado em 357 a.C., sustentava que os atenienses não deviamagir como indivíduos egoístas, mas unir-se pela segurança da cidade. Osegundo, publicado em 355, intitulava-se simplesmente Sobre a paz, obra dedesencanto e desalento pelo estado do mundo e a decadência de Atenas. Trata-se de uma janela para o buraco negro em que o mundo grego se encontrava ede um chamamento pela radical reformulação que se fazia necessária para sair

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dessa situação. “Façam a paz com toda a humanidade”, rogava Isócrates aosatenienses.

Foi contra esse pano de fundo, quando o mundo grego se encontrava emseu ponto mais baixo, quando a Grécia central, a Sicília, o norte do Egeu e olitoral da Ásia Menor se convulsionavam na guerra, quando nem uma únicacidade grega nem qualquer dinasta da Ásia Menor tinha poder ou in uênciapara exercer a liderança ou ganhar supremacia, quando Isócrates exortava auma abordagem completamente nova dos problemas e começava a escreverfuriosamente a indivíduos poderosos de todo o mundo antigo que pudessemtomar alguma iniciativa para unir a Grécia, que entrou em cena, destemido,um novo protagonista. Era ele a Macedônia, liderada pelo rei Filipe II, pai deAlexandre, o Grande.

Como se dá que nesse momento a Macedônia se tenha transformado numapotência de tanto peso? A Macedônia, região que ca acima da Tessália, nafronteira norte da Grécia, era rica em recursos naturais e terras férteis,mostrando-se ansiosa por desempenhar um papel mais importante na políticado centro da Grécia, mas comprometida, tal como a Tessália, por umainstável sucessão de reis com tendência a se matarem uns aos outros (nadécada de 390, ela contara cinco reis em seis anos). Tebas, marchando emdireção norte na década de 360, entrara em contato com os reis daMacedônia, lutando tanto ao seu lado quanto contra eles. Tebas é que haviasido responsável pela tomada de reféns ao rei macedônio em 369, e Tebastambém é que levara um desses reféns, o jovem Filipe, a entrar em contatocom a política, as guerras e a diplomacia do território central da Grécia.Tebas é que provavelmente tinha salvado a vida de Filipe — mantendo-o àparte da violenta luta sucessória na Macedônia —, e quando ele nalmente foilibertado e pôde voltar para casa, provavelmente tinha mais experiência,conhecimento e amizades em toda Grécia central que qualquer outromacedônio.

Ao retornar à Macedônia, Filipe encontrou sua pátria mais uma vezengolfada na instabilidade. Outro rei macedônio (que havia assassinado seuantecessor) seria por sua vez assassinado em 365 pelo homem que veio atomar seu lugar. Esse novo rei enfrentou um osso duro de roer. A Macedôniaera rica em recursos mas internamente dividida, consumida por turbulênciasdinásticas e sem um exército adequado. Era um alvo fácil de mirar. Ao norte e

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a oeste estava cercada de cruéis vizinhos tribais que traziam a guerra nosangue e se dispunham a lançar mão de tudo que pudessem na Macedônia. Aosul encontrava-se a Tessália, igualmente mergulhada em disputas dinásticas,mas com um olhar não menos cobiçoso voltado para as riquezas macedônias.A leste havia as cidades do norte do litoral egeu, em torno das quais aMacedônia vivia em constante con ito com Atenas e com o poderoso rei daTrácia.

Quando esse novo rei da Macedônia morreu em combate contra as tribosinvasoras do oeste, cinco anos apenas depois de ter subido ao trono, o poderfoi transferido a Filipe. Em 360 a.C., num momento em que a Grécia centralmergulhava ainda mais em con itos absurdos e a turbulência tomava conta detodas as arenas do mundo grego, Filipe imprimiu um rumo muito diferente auma Macedônia igualmente debilitada, desorientada e relegada. Suasprimeiras iniciativas foram de fulminante rapidez e feroz brutalidade. Ele erao primeiro rei a não chegar ao trono através de um assassinato em pelo menosdez anos. Mas embora os anteriores soberanos tivessem tido a coragem deen ar a faca nos antecessores, aparentemente não se dispunham a podar aconcorrência, que, desse modo, muitas vezes viria posteriormente a executá-l os . Filipe não queria correr esse risco. Subindo ao trono por sucessãolegítima, ele tratou de eliminar todo aquele que fosse ou pudesse vir arepresentar uma ameaça. Não demorou, e havia na Macedônia apenas umhomem suficientemente poderoso para liderá-la.

Tendo resolvido a questão da sucessão interna na Macedônia, Filipevoltou-se para o outro problema mais urgente que enfrentava, as ameaçasexternas e em particular a tribo invasora que vinha do ocidente, a dos ilírios,responsáveis pelo assassinato de seu antecessor (Mapa 2). Eles ainda estavamem pleno processo da invasão. Foi então que Filipe demonstrou sua magistralhabilidade como general, derrotando os ilírios e obrigando-os a retornar aointerior de suas próprias fronteiras. Entretanto, em vez de simplesmente darcontinuidade à guerra, sabendo que não dispunha de força militar para fazê-lo, Filipe recorreu a uma operação de charme. Forçando-os a retornar a suasfronteiras, ele tratou, após a ofensiva militar, de distribuir suntuosos presentespara dissuadir os ilírios de voltar a invadir. Para eles, o objetivo da invasãoera morder um naco da opulenta torta macedônia. Mas se Filipe se dispunha a

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entregar-lhes uma bela fatia sem qualquer custo, para que invadir? A hábilmistura de força e diplomacia demonstrada por Filipe neutralizou a ameaçamais imediata à Macedônia e deu-lhe tempo de voltar sua atenção em outrasdireções.

Essa política de abrir espaço para que a Macedônia retomasse fôlego seriareproduzida na fronteira oriental. A Macedônia chegou a um acordo de pazcom Atenas na disputa pela cidade de Anfípolis, no litoral norte do mar Egeu,de lá retirando sua guarnição militar. Tudo isto poderia car parecendo umapolítica de retirada e isolacionismo. Mas na verdade representava umacobertura vital para o próximo passo a ser dado por Filipe: o estabelecimentode um relacionamento forte com o resto do mundo grego e uma completareestruturação da própria Macedônia.

Até onde se podia lembrar, a Macedônia estivera dividida em doisminirreinos. Pela primeira vez, Filipe os transformava numa entidade só. Essaunião foi até certo ponto estabelecida por matrimônio. Filipe tinha seisesposas. Mas ao contrário de outro rei famoso que também teve seis mulheres— Henrique VIII, que só arranjava outra noiva depois de se ter divorciado oucortado a cabeça da anterior —, Filipe as ia colecionando, tal como o rei daPérsia, do outro lado do Egeu. Cada casamento era uma união diplomática degrande importância, não apenas entre as entidades políticas divididas daMacedônia, mas também com as tribos belicosas que a cercavam, a oeste e aosul. Logo Filipe estaria ligado por casamento à Ilíria, a Epiro e à Tessália.Através dos laços do casamento (reforçados pela ameaça da espada), Filipeuni cou a Macedônia e neutralizou em caráter permanente boa parte daameaça a suas fronteiras.

Mas o casamento não era o único tipo de relacionamento por elecultivado. Ele fora refém em Tebas durante vários anos, e nessa época zeraamizade com muitos tebanos, atenienses e gregos importantes de outrascidades. Eram relações que cultivava sem esmorecimento. A amizade era algomuito importante na Grécia antiga. Os amigos não gostavam simplesmente dacompanhia uns dos outros. Tinham o hábito de fazer coisas uns pelos outros.Cultivavam obrigações recíprocas, estabeleciam autênticos vínculos. Filipe,tendo feito amizade com jovens em ascensão no início da década de 360,quando se encontrava em Tebas, agora, no início dos anos 350, tinha comoamigos alguns dos adultos mais poderosos da Grécia. Em muitas cidades ele

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tinha um representante, um amigo que se sentia obrigado a ajudar seu amigo,o rei da Macedônia. Num mundo preso aos caprichos da diplomaciaescorregadia das assembleias democráticas, das alianças vacilantes e dasdelidades oportunistas, Filipe tinha ligações sólidas e con áveis com

indivíduos importantes que in uenciavam a política em cidades de toda aGrécia. Às vezes, é claro, essas amizades precisavam de algum convencimento,e Filipe era um especialista nesse tipo de coisa. Muitas vezes a amizade eraexpressada, ou antes, garantida, com um presente dispendioso. Mas em outrasocasiões podia ser necessário algo um pouco diferente. Um fragmento quequase chegou a ser perdido de um historiador antigo chegou até nós atravésdos milênios, relatando de que maneira Filipe conquistou os favores dosvizinhos tessálios. “Sabendo que os tessálios levavam uma vida delicenciosidade e devassidão, Filipe promovia festas para eles e tentava diverti-los de todas as maneiras possíveis, dançando, promovendo badernas e todotipo de licenciosidade (...) e assim conquistou a maioria dos tessálios comfestas, em vez de presentes.”

Mas a atenção de Filipe estava apenas parcialmente voltada para assegurarseu próprio relacionamento — e, por extensão, da Macedônia — com o restodo mundo antigo. Ele também se preocupava decididamente com a reformainterna da própria Macedônia. Essa reforma dividia-se em duas áreasprincipais. A primeira tinha o objetivo de criar um sistema estável e funcionalde governo centrado no rei. Nesse sentido, o melhor modelo do mundo antigoera o maior de todos os reis, o rei da Pérsia, cujo império a Macedônia viria aconquistar nos trinta anos subsequentes. O rei da Pérsia sempre se preocupavaem se assegurar de que os nobres pudessem atender aos próprios interessesprecisamente atendendo aos interesses do rei. A corte persa escorava-se numsistema de clientelismo descendente começando pelo rei; o resultado disso eraque, de modo geral, todos tinham mais a ganhar continuando nesse sistema efazendo a vontade do rei do que tentando matá-lo para assumir o comando.Esse sistema não só fortalecia o poder da monarquia como criava uma formade governo em que o monarca podia administrar seu reino de maneira rápida ee ciente. A Macedônia fora dotada de um sistema assim por Filipe,instituindo títulos o ciais (assim como pesadas remunerações) para aquelesque serviam ao rei: seu guarda-costas, seus pajens, seu secretário, o arquivista,e assim por diante. Esses títulos e funções eram acompanhados de promessas

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de que, por sua lealdade, os nobres macedônios seriam ricamenterecompensados com extensões de terras capturadas em futuras campanhas.Logo Filipe estaria à frente de um sistema de governo altamente organizado,fazendo com que, pela primeira vez na Macedônia, todos atirassem na mesmadireção.

Mas ainda eram necessárias balas para serem atiradas. A Macedônia aindaprecisava de um exército su cientemente forte para capturar as terras a seremconcedidas aos nobres e dar apoio, quando necessário, à diplomacia de vinhos,mulheres, canções e presentes luxuosos cultivada por Filipe. Era o segundovetor do programa de reformas internas do soberano. Normalmente, osexércitos dependiam dos aristocratas, que podiam criar cavalos e se equipar dearmaduras pesadas. Cada vez mais, contudo, como Filipe pudera constatarpessoalmente em Tebas, grupos altamente treinados de soldados de infantaria,como os do famigerado Bando Sagrado tebano, mostravam-se capazes deefetuar ataques fulminantes no coração de um exército inimigo com sucessoequivalente, senão superior, ao de uma carga de cavalaria. Foi com esse tipode ataque fulminante em mente que Filipe reformou a falange macedônia:soldados de infantaria, com armaduras mais leves, para maior mobilidade.Para compensar a maior vulnerabilidade na proteção das armaduras, ele osdotou de um tipo de arma completamente novo: a lança, conhecida comosarissa, com comprimento de cerca de 5,5 metros. Se você algum dia já seenvolveu com a estranha atividade de arremessar lanças, imagine-se investindocontra um inimigo com uma lança excepcionalmente longa, sustentando-a naaltura do cotovelo. Era uma arma de difícil manuseio, mas, com a prática, dedevastadores efeitos mortais. Uma falange compacta de homens, cada umdeles munido de uma arma afiada de 5,5 metros de comprimento, era capaz deentrar em confronto com o inimigo antes mesmo que ele pudesse fazer algumacoisa para reagir. Era como um ouriço de espinhos incrivelmente longosrolando encosta abaixo para entrar em combate: uma eriçada e pontiagudamáquina mortal. Filipe assegurou-se de que seus homens fossemvigorosamente treinados em todos os terrenos, em quaisquer condiçõesclimáticas — ideia praticamente desconhecida num mundo em que ascampanhas militares eram empreendidas na primavera e no verão e a maioriados soldados tinha outros empregos. A Macedônia estava criando uma tropa

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permanente e altamente treinada em escala nunca antes imaginada noterritório continental da Grécia. O Bando Sagrado de Tebas, única forçapermanente então existente, contava 300 homens. Em 358 a.C., apenas doisanos depois de assumir o controle na Macedônia, Filipe podia mobilizar10.000 guerreiros.

Filipe certi cou-se também de que esses homens fossem promovidos nainfantaria de acordo com a capacidade, e não simplesmente pelo berço — oque pode parecer óbvio, mas era ainda raríssimo num mundo decididamenteorganizado por classes. Ao mesmo tempo que proporcionava aos soldadosmais pobres da Macedônia a possibilidade da mobilidade por mérito, elereorganizou sua cavalaria aristocrática, criando um corpo de guarda-costas deelite para si mesmo e um esquadrão de cavalaria maior e com armas maisleves para dar apoio aos avanços rápidos da infantaria. Pela primeira vez, acavalaria e a infantaria eram treinadas não só para agir em ondas sucessivas,mas para trabalhar juntas. E no caso daqueles que tivessem capacidade pessoalpara fazer parte da cavalaria mas não pudessem pagar por isto, Filipeprovidenciou as terras necessárias para que o zessem. Sua visão não se detevenas vantagens da meritocracia, estendendo-se também aos méritos datecnologia. Ele foi um dos primeiros a constituir um corpo de engenheiros,com a única missão de dar apoio ao avanço do exército e criar novas armas dedestruição em massa para seu uso. Esse corpo é que viria a aperfeiçoar amáquina de assédio e a catapulta de torção que o lho de Filipe, Alexandre,utilizaria com efeitos tão devastadores nos anos seguintes.

Seria difícil superestimar a importância das mudanças instituídas nosprimeiros anos de Filipe no poder e até que ponto mudaram o futuro daGrécia. Num mundo em que as cidades da Grécia viviam em impasse e omundo grego em geral mostrava-se ameaçadoramente instável, em que velhosimpérios ruíam e até o poder do rei da Pérsia parecia vacilar, a Macedôniaditou as regras. A nova Macedônia criada por Filipe não se parecia com nadaque os gregos tivessem visto até então. A Macedônia era incrivelmente rica emrecursos naturais e humanos. Ocupava uma posição geográ ca cada vez maisimportante na região ocidental do mar Egeu, na convergência entre oterritório central da Grécia e o litoral norte do Egeu (Mapa 2). Não era umasimples cidade-Estado, mas uma vasta região povoada por comunidadeetnicamente homogênea. Era uma comunidade unida não só pela ideologia

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política, mas pelo sangue. Uma comunidade unida pelo sangue sob a liderançade um homem que se havia revelado o mais astuto dos atores políticos,diplomáticos e militares. Três anos depois da chegada de Filipe ao poder, aMacedônia se libertara das algemas que há tanto a impediam de concretizarseu potencial. Com um novo exército altamente treinado e terrivelmentee caz, acesso fácil ao mar Egeu, uma única cadeia de comando e uma relaçãosegura com cada um dos vizinhos de fronteira, a Macedônia tornara-se, quaseda noite para o dia, a nova potência do Egeu. Na verdade, num mundo tãocheio de impasses e divisões, facções e instabilidade, era ela a única potênciado mar Egeu com potencial para fazer algo a respeito. A fera fora despertada eagora chegara o momento perfeito para exercitar seus músculos.

Em 357 a.C., a fera macedônia deu seu primeiro passo, retomandoAnfípolis no litoral norte do mar Egeu (não sem antes retirar sua guarniçãopara aplacar Atenas, enquanto Filipe estava ocupado com as reformasinternas). Prosseguindo ao longo do litoral norte do Egeu, Filipe ia seapoderando das minas de ouro e prata em seu caminho. A disputa entreAtenas, a Macedônia e a Trácia pelo controle absoluto do litoral norte doEgeu prosseguiria por mais nove anos, resultando na total dizimação decidades e na escravização de populações inteiras e custando a Filipe um deseus olhos, para sempre vazado no calor da batalha.

Mas enquanto prosseguia essa disputa, Filipe também estava ocupado emoutras frentes. A rma-se que num único dia do verão de 356, ao mesmotempo que alcançava uma vitória contra a cidade de Potideia no norte daGrécia, ele recebeu três notícias importantes. Primeiro, que seus generaistinham conquistado decisiva vitória contra os ilírios (mais uma vezbeligerantes) a oeste. Segundo, que sua mulher, Olímpia, dera à luz um lhosaudável — o menino que viria a se tornar Alexandre, o Grande —, o quesigni cava que Filipe tinha agora um herdeiro legítimo. E terceiro, que seuscavalos tinham saído vitoriosos nos Jogos Olímpicos. Terá sido talvez essaterceira vitória que mais deixou impressionado o resto da Grécia. Aquele rei,aquele governante conquistava agora uma vitória na mais importantecompetição atlética do mundo antigo. Surgia o culto dos governantes comoheróis.

A nem todos agradou vê-lo vencer. Na verdade, pairava uma séria dúvidasobre a simples legitimidade de estar ele competindo. A única regra nas

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Olimpíadas antigas era que os competidores fossem gregos. Em épocaspassadas, isto não apresentava qualquer problema. Embora até então nãohouvesse existido no mundo antigo o conceito de uma Grécia como naçãoúnica, a maioria das cidades sabia quem podia ou não ser considerado“grego”. Mas a Macedônia sempre fora um caso complicado. No séculoanterior, um rei macedônio enfrentara rejeição inicial a sua participação nosjogos, com base na alegação de não ser grego. No novo século, com seu climamais globalizado, no qual os gregos interagiam com um número cada vezmaior de reinos, tribos e raças nas fronteiras do mundo conhecido, e à medidaque as identidades individuais e comunitárias se tornavam mais diversi cadase internacionais, graças ao comércio constante e aos movimentospopulacionais, tornara-se ainda mais difícil estabelecer a linha de demarcaçãodo que seria ou não “grego”. Em certa medida pelo desesperado desejo deimpedir que Filipe se tornasse ainda mais célebre, mas também porquerealmente não se sabia ao certo se esse território da Macedônia, tão diferentedas cidades-Estado do centro da Grécia, era realmente “grego”, o fato é quepreocupou a perspectiva de Filipe participar das Olimpíadas. Mas esse debate,assim como seu subsequente sucesso nos Jogos Olímpicos, serviu apenas paraaumentar ainda mais seu estrelato. Atenas não podia sentir-se mais infeliz. Aomesmo tempo que Isócrates exortava uma Atenas assediada a se recompor, afazer a paz para não enfrentar a destruição, Filipe conquistava prêmios, tinhalhos e ampliava exponencialmente o seu poder. A sensação devia ser de que o

mundo grego estava numa gangorra que acabava de se elevar abruptamente naoutra direção.

Mas no ano de 356 a.C. também ocorreu um confronto muito mais graveem torno de outro dos prestigiados santuários internacionais, Delfos.Enquanto os olhos do mundo grego estavam voltados para a espantosa vitóriade Filipe nos Jogos Olímpicos do Peloponeso, no centro da Grécia as tensõesaumentavam em torno de uma disputa entre comunidades locais a propósitodo santuário de Delfos. Depois de um conflito causado pelo uso de terrassagradas para os deuses, a pequena cidade de Fócis se mobilizara para ocuparo grande santuário. Assim como os arcadianos tinham disputado Olímpia nadécada de 360, ocupando-a e fazendo uso de suas maravilhosas riquezas, e poristo sendo advertidos, esta ocupação de um santuário internacional neutro

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(assim como o saque de suas riquezas para nanciar as tropas mercenárias)gerou uma condenação do organismo diretor de Delfos. Mais grave ainda,assim como a ocupação arcadiana de Olímpia desencadeara uma série deacontecimentos que levaram à implosão da Grécia na batalha de Mantineiaem 362, assim também a ocupação de Delfos pelas tropas de Fócis conduziriainexoravelmente a um outro grande confronto.

O problema, mais uma vez, era o caráter complexo e intrincado dasalianças internacionais e entre as cidades. A cidade de Fócis ocupara Delfos,tacitamente apoiada por Atenas e Esparta. Tebas se opunha a elas (como ascoisas haviam mudado pouco em relação a décadas anteriores desse século!).Mas Atenas, Esparta, Fócis e Tebas também se aliavam a diferentes facções nointerior da Tessália (mais uma vez, como haviam mudado pouco as coisas!).Dessa vez, contudo, a diferença era que certas facções na Tessália estavamligadas a Filipe da Macedônia e seu Estado recém-galvanizado. Em questão detrês anos, esse con ito local explodiu numa guerra santa envolvendo todo opaís. Filipe não se eximiu de apoiar seus amigos da Tessália. Atenas, jáindisposta com a Macedônia por causa de seus constantes con itos no nortedo Egeu, reagiu com novas alianças com quaisquer reis e tribos que, ao redorda Macedônia, atendessem ao seu chamado. Após uma surpreendente derrotainicial, Filipe mobilizou plenamente toda a força de combate macedônia. Ainfantaria, com suas sarissas de 5,5 metros de comprimento, foi mobilizada nadireção sul. Em 352 a.C., agindo como o braço vingador do deus ofendido,Apolo, cujo santuário em Delfos ele alegava pretender liberar, Filipe aniquiloua força de Fócis, cruci cou seus generais e obrigou 3.000 de seus soldadosmercenários a se suicidar, saltando do alto de um penhasco para se chocarcontra as rochas no mar bravio. Assumindo o controle da Tessália, Filipeliderava agora aqueles que podiam ser considerados de longe os maiores emais poderosos Estados gregos em todo o mundo antigo. Ocupando a regiãonoroeste do mar Egeu, sua in uência estendia-se agora, como os braços de umpolvo, para sul e leste, abarcando o próprio Egeu. Empenhando-se naliberação de Delfos, a Macedônia envolvia-se agora numa guerra santa que apunha em direto con ito com as cidades do centro da Grécia. Nos dez anostranscorridos desde a batalha de Mantineia, o equilíbrio de poder no mundogrego mudara completamente.

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1. Busto de Alexandre, o Grande.

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2. A colina de Pnix no centro de Atenas (com a Acrópole e o Partenon ao fundo), onde se reunia aassembleia democrática ateniense, tal como se apresenta hoje.

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3. O cemitério público de Atenas, o Cerâmico, em seu aspecto atual, com as lajes tumulares antigashomenageando os heróis da cidade.

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4. Paisagem da antiga cidade de Esparta, cercada pelas montanhas Taigeto.

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5. Reconstituição do antigo santuário internacional de Delfos, na montanha do Parnaso.

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6. Reconstituição do antigo santuário internacional de Olímpia, na planície do Peloponeso.

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7. Monumento tebano da vitória, no campo de batalha de Leuctra.

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8. Vista atual das ruínas da muralha construída pelos atenienses para proteger Ática da invasão espartana.

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9. Cópia romana da estátua de Irene e Pluto esculpida em Atenas no século IV a.C.

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10. Cópia romana da Afrodite de Cnido, primeira estátua de nu feminino da arte grega.

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11. Reconstituição do Mausoléu de Mausolo, uma das sete maravilhas do mundo antigo.

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12. Aspecto atual da lei de proteção da democracia promulgada em Atenas em 338 a.C., com apersonificação de uma jovem democracia coroando o velho do povo.

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13. O leão postado pelo rei Filipe da Macedônia sobre os corpos do Bando Sagrado de Tebas, no campo debatalha de Queroneia.

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14. Templo e oráculo do deus Amon no oásis de Siwa, no deserto egípcio.

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15. Ruínas da grande capital persa, Persépolis.

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16. Esculturas dos Tiranicidas, devolvidas a Atenas por Alexandre, o Grande.

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É

CAPÍTULO 11

Estratégias de sobrevivência

em Atenas que podemos ver com mais clareza toda a enorme variedadede estratégias de sobrevivência adotadas para atravessar as ondasconstantemente imprevisíveis de turbulências diplomáticas, militares,

sociais e econômicas do século IV a.C. A nal de contas, Atenas estava nocentro de boa parte dessas turbulências na primeira metade do século, e tudoparecia indicar que não enfrentaria menos problemas na segunda metade. Acidade percorrera todo um ciclo de sofrimento, recuperação, expectativa,sucessos e novamente fracasso e sofrimento. Começara o século perdendo seuimpério e sua democracia. Sobrevivendo à revolução e a uma radicalreafirmação da democracia, Atenas tentara negociar seus rumos, com pegajosooportunismo, pelo campo minado da política nesse novo mundo. Com o olhorme em suas rotas de cereais no mar Negro e no norte da África, procurara

evoluir no contexto da nova ordem mundial e de alguma forma constituir umnovo império. Mas os acontecimentos haviam progredido depressa demais, e abusca obstinada de um naco do fértil litoral norte do mar Egeu, associada aoconstante imiscuir-se na Ásia Menor, a levara a colidir de frente com a Pérsiae a Macedônia. Como seria viver em Atenas nessa época? Como terão reagidoa sociedade, a economia e a democracia atenienses aos acontecimentos ao seuredor?

Se conversássemos com um empresário ateniense em 350 a.C., nomomento em que a fera macedônia avançava na direção de Delfos, ao sul, suaresposta seria que a economia ateniense enfrentava sérios problemas. Osatenienses dependiam de diferentes fontes de renda. A primeira, naturalmente,vinha do cultivo das terras de sua propriedade no território da Ática quecercava Atenas. A segunda, cada vez mais importante, era a manufatura.

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Atenas abrigava uma in nidade de produtores, variando dos artesãos demúltiplas capacitações a formas primitivas de fabricação ao sabor dasnecessidades do mercado. No pulsante coração religioso, econômico e políticoda cidade, a Ágora, que ainda hoje pode ser visitado em Atenas, mais de 170tipos de bens e serviços podiam ser adquiridos, variando do re nadoartesanato de metal aos legumes mais baratos. Os negócios não eramavaliados apenas em termos dos bens produzidos, mas também pelo númerode escravos utilizados. Demóstenes, o orador político cujo nome, reputação eopiniões haveriam de dominar a história de Atenas pelos próximos 40 anos,devia boa parte da riqueza de sua família às fábricas do pai. Este, como opróprio Demóstenes recordaria orgulhoso em um de seus discursos notribunal, tinha uma fábrica de móveis que empregava vinte escravos e umaoutra, de facas, na qual eles eram 33. A transparente admissão da propriedadede escravos e a facilidade com que podia ser calculado seu valor econômicorevelam um fato essencial mas nada palatável a respeito de Atenas. Essasociedade brilhante e tantas vezes exaltada que originou a democraciabaseava-se irrevogavelmente na labuta e no suor de uma enorme populaçãoescravizada.

Mas a mais importante e talvez mais problemática fonte de renda dosatenienses era o comércio. É possível que metade da população de Atenasestivesse envolvida no comércio de alguma maneira. Essa dependência docomércio se tinha originado na necessidade de complementar os recursosnaturais e alimentícios, para garantir que Atenas se tornasse autossu ciente.Pela altura do meado do século IV, desenvolvera-se já um mercado de trocascomerciais complexas e internacionais que abarcava todo o mundo antigo.Atenas sempre fora conhecida por sua mobilidade nos mares, e seuscomerciantes eram talvez mais ativos que quaisquer outros. O porto do Pireu,ligado à cidade de Atenas e protegido por muralhas forti cadas, era o coraçãoe o sistema sanguíneo da economia de Atenas (Mapa 1). Era por esse portoque homens, dinheiro e bens entravam na cidade. Mas Atenas não se limitavaa importar artigos essenciais. Era também uma grande exportadora deprodutos so sticados em grande demanda em todo o mundo antigo. A maiorparte dos utensílios de mesa e bebida namente pintados que hoje em dia sãoencontrados enterrados em túmulos no centro da Itália era produzida emAtenas. Há indicações inclusive de que Atenas produzia bens especi camente

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para exportação, criando estilos e modelos especialmente adequados àspreferências estrangeiras. No século IV, Atenas exportava produtos fabricadosespeci camente para serem vendidos na ilha de Tasos, no norte do Egeu, emcolônias do sul da Itália e até num território tão distante quanto Cartago, nolitoral norte da África (Mapas 2 e 3). Em troca, recebia bens especí cos dessascidades: Tasos, por exemplo, era conhecida por seu vinho e exportava esseproduto de luxo para o deleite dos atenienses ricos.

Naturalmente, Atenas não era a única cidade grega fortemente envolvidano comércio. No século IV veri cara-se uma enorme expansão e globalizaçãoda rede de comércio. Nas remotas colinas e montanhas do Peloponeso central,os comerciantes haviam acompanhado as idas e vindas dos exércitos. Aospoucos se havia estabelecido uma rede de estradas que permitia maiorliberdade de movimentos às carroças e ao comércio. Para a ligação da Gréciacentral aos limites do mundo conhecido, em lugares como o mar Negro, foranecessário desenvolver rotas regulares de importação e exportação por viamarítima, com a utilização de frotas inteiras atravessando águas do mar Egeue além dele. Os exércitos que marchavam em direção a novos rumos no litoralnorte do Egeu e na Ásia Menor haviam estabelecido novos mercados cativospara a venda de bens e serviços, e quem quisesse ganhar um dinheiro rápidoseguia os exércitos aonde quer que fossem. As cidades dos con ns do mundogrego se haviam apressado a assumir o papel de comunidades de trânsito paraas populações bárbaras que cavam além. A colônia de Massalia, a modernaMarselha na França (Mapa 3), enriquecera como intermediária na importaçãode vinhos, que vendia para gauleses e celtas no interior da França. Já então, osfranceses eram grandes apreciadores de vinho. Massalia fez fortuna graças àimportação de vinhos, e logo passaria a produzir seu próprio vinho, vendidoem ânforas de formato especial que sinalizavam a especial qualidade doproduto da Massalia (já então a marca na garrafa era importante). Mas talveza circulação de tanto vinho pela cidade tornasse necessária uma constituiçãopolítica bem estranha e diferente. Tecnicamente comparável a umademocracia, Massalia era governada na realidade por um pequeno grupo decomerciantes novos-ricos, que impunham regras estritas de manutenção daordem. As mulheres não podiam beber vinho. A pornogra a era proibida. Osestrangeiros tinham de entregar suas armas à polícia ao entrar na cidade, e apena de morte devia ser efetuada com uma espada deliberadamente mantida

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enferrujada para essa finalidade.Essa era de constante comércio pelas águas do Mediterrâneo gerou ao

mesmo tempo oportunidades e problemas. Um dos piores problemas eram ospiratas. A pirataria era um problema endêmico no Mediterrâneo, poisqualquer um, se tivesse a capacidade, tinha também o direito de se apoderardos navios — sabia-se que até embaixadores atenienses em missões o ciais deEstado faziam um desvio se localizassem uma carga valiosa no caminho. Ailha de Melos funcionava como porto seguro para a descarga e venda deprodutos contrabandeados por piratas (Mapa 2). A cidade de Zancle, naSicília, cou famosa por abrigar os mais ferozes piratas, e a ilha de Egina, aolargo de Atenas, era o mercado negro de venda de produtos roubados (nessailha é que Platão fora vendido como escravo ao ser expulso da Sicília porDionísio I). Poucos eram os que se davam ao trabalho de fazer algo paraconter esta ameaça. Na verdade, almirantes de diferentes esquadras bem quegostavam de ter os piratas por perto. O medo dos piratas era um elemento útilde barganha para obrigar as pequenas cidades e ilhas a aceitarem alianças comas cidades maiores (cujas esquadras podiam oferecer proteção contra seuspiores excessos). Da mesma forma, os almirantes muitas vezes conseguiamalgum dinheiro por fora oferecendo suas redes de proteção particular, e emcertos casos chegavam a empregar piratas para ameaçar determinada cidadeou ilha, o que lhes permitia aparecer em seguida com a esquadra para protegê-la.

Se a pirataria era uma das desvantagens numa era de comérciointernacional, uma das vantagens era a criação dos bancos comerciais. Noséculo IV a.C., a cunhagem de moedas já era plenamente utilizada em todo omundo grego. Na verdade, disseminara-se de tal maneira que eram recusadasas tentativas de escambo com populações locais feitas por comandantesatenienses perdidos com seus exércitos no meio do nada e precisando desuprimentos; essas populações exigiam a cunhagem como única formaaceitável de pagamento. Precisando de troco, o general era obrigado a cunharsuas próprias moedas no local para alimentar a tropa. Tal como aconteciacom os países da Europa até a introdução da moeda única, contudo, todacidade grega cunhava sua própria moeda, que na maioria dos casos tinha valorapenas dentro das fronteiras municipais. Signi cava isto que, ao chegar a uma

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cidade, o comerciante tinha de encontrar maneiras de trocar o dinheiro trazidodo porto anterior para a cunhagem da nova moeda. O espírito de iniciativafaria com que essa necessidade logo fosse atendida. Cambistas trataram deestabelecer suas bancas nas cidades portuárias ao redor do Egeu, permitindoque os comerciantes zessem a troca de cunhagem, e também passaram a agircomo depositários do dinheiro excedente dos comerciantes enquantoestivessem na cidade. Não demorou, e esses cambistas começaram a oferecercréditos de seguro contra a perda de cargas em casos de naufrágio oupirataria; mais um pouco, e também seria possível obter esses créditos paracomprar terras ou negócios e nanciar o comércio internacional ou mesmoexpedições militares. Nascera na Grécia o ancestral do banco moderno. Apalavra grega antiga para designar mesa é trapeza, não sendo coincidência quea palavra do grego moderno que designa banco seja exatamente a mesma. Asbancas de câmbio da Grécia antiga são os antepassados de sua atual redebancária.

Não surpreenderá, assim, que muitos desses cambistas fossem estrangeiroscom residência estabelecida nas diferentes cidades, homens capazes deentender as necessidades de comerciantes estrangeiros por trabalharem elespróprios no negócio. A Atenas do século IV tinha uma enorme população deimigrantes, chegando talvez a 10.000 pessoas, que passaram a constituir umaclasse própria: os metecos. Sem direito a voto, eles constituíam entretantouma engrenagem extremamente importante da economia ateniense, tornando-se com o tempo extraordinariamente ricos. Uma das primeiras grandesdinastias bancárias, a família Pasion, cujas sórdidas disputas internashaveriam de alimentar nos vinte anos subsequentes os comentários de todos osatenienses, eram metecos novos-ricos.

Se era assim que os indivíduos e negócios faziam dinheiro, comoprocediam as cidades? Até certo ponto, elas ganhavam dinheiro comexpedições militares e os posteriores saques. Mas aos poucos passaram acontar cada vez mais, como acontece hoje em dia com os governos, com umaparte dos lucros de indivíduos e negócios, na forma de impostos. Na décadade 380, Atenas encomendara um censo das propriedades fundiárias em seusterritórios, servindo-se dele para cobrar impostos. Havia um imposto sobrevendas no mercado, outros para a circulação de mercadorias nos portos, osempreendimentos e formas especí cas de emprego, como a prostituição

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(embora a prostituição fosse ilegal, prevalecia uma complexa série de acordosestabelecendo os direitos e responsabilidades das prostitutas: as “prestadorasde serviços” podiam queixar-se à mais alta autoridade em Atenas quando sesentissem prejudicadas ou se surgisse qualquer outra necessidade). Umimposto especial também era cobrado dos metecos estrangeiros que viviam etrabalhavam em Atenas. Por outro lado, os cidadãos ricos de Atenas eramobrigados a prestar serviços públicos à cidade, como o pagamento do custo deuma produção teatral ou o equipamento de um navio de guerra do tipotrirreme. A própria coleta de impostos era um negócio: a cidade de Atenasabria licitação para contratos de coleta de impostos, estabelecendo valoresmínimos; os excedentes coletados pelos titulares dos contratos eramembolsados como lucro.

Na década de 350 a.C., a economia ateniense estava inextricavelmenteligada a uma economia globalizada baseada no comércio e dependente dela.Isto não só servia de subsistência aos indivíduos e estimulava quantidadescada vez maiores de cidadãos e estrangeiros a se transferir dos camposagrícolas para bem-sucedidos centros de negócios como Atenas, mas tambémcarregava boa parte dos rendimentos scais auferidos por diferentes cidadesgregas — grande parte dos quais, como vimos em anterior capítulo, eradestinada a obras públicas: teatros, santuários e muralhas forti cadas. Osistema funcionava a contento — até entrar em colapso.

Embora colapsos já se tivessem veri cado nessa economia global emdesenvolvimento — associados em particular às recorrentes ondas bélicas daGrécia antiga, tal como aconteceu depois da batalha de Leuctra em 371, etambém à ocorrência de colheitas ruins e a subsequente escassez de cereais em386 e 362 a.C. —, o colapso econômico da década de 350, especialmente paraAtenas, ganhou escala inédita. O fator catalisador do declínio, naturalmente,foi a guerra. Atenas cara exaurida pelos constantes confrontos que levaram,na Grécia central, à batalha de Mantineia. Seu debilitante envolvimento nolitoral norte do mar Egeu e na Ásia Menor, nos primeiros anos da década de350, continuou exercendo pressão sobre seus recursos à medida que elatentava sustentar uma guerra de duas frentes em diferentes lados do Egeu. Suanova liga, que vinha contribuindo com alguma receita, estava agora emrebelião aberta. A Macedônia e a Trácia solapavam seu poderio no norte, eMausolo, na Ásia Menor. Novos períodos de escassez de cereais ocorreram em

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357 e 355 a.C. Isócrates implorava a Atenas que zesse a paz para evitar adestruição. As rotas atenienses de comércio no Egeu, suas vitais artérias para oabastecimento ilimitado de recursos naturais do mar Negro e do norte daÁfrica, viam-se cada vez mais ameaçadas. O resultado disso foi uma crise decrédito do tipo que bem conhecemos hoje em dia. De uma hora para outra, aposição de Atenas na rede internacional de comércio parecia abalada. Dava-seuma crise de con ança. Até então verdadeira torrente, o comércio que entravae saía de Atenas reduziu-se a um pinga-pinga. Mais crítico ainda era o fato dea produção de prata estar em seu nível historicamente mais baixo. Em 355a.C., no momento em que Filipe da Macedônia devastava o centro da Grécia,o Estado ateniense estava à beira da ruína.

Não se tratava, como constantemente nos lembram os governos hoje emdia, de uma crise de crédito restrita a uma única cidade, mas de um problemaglobal. Mas Atenas, em virtude de sua excessiva exposição ao mundo emgeral, sentia muito fortemente os efeitos. A reação a isso pode ser constatadatanto nos sombrios prognósticos encontrados em Sobre a paz, de Isócrates,como vimos no último capítulo, como numa série de escritos econômicosefetuados na primeira metade do século IV, e que agora voltavam a ser objetode atenção, num momento em que os atenienses tentavam encontrar umamaneira de enfrentar a crise. Nosso velho amigo Xenofonte, herói da marchados 10.000 em retirada da Ásia, ateniense transformado em espartano,narrador da implosão da Grécia até a batalha de Mantineia, também redigiraum pan eto com recomendações econômicas para Atenas, o Oikonomikos. Apalavra tem origem na designação de casa em grego antigo, oikos.Oikonomikos pode ser traduzido literalmente como “questões da casa”, mastambém é onde vamos encontrar nossa palavra “economia”: a primeirametade do século IV assistia ao nascimento dos conceitos de economia e teoriaeconômica, que seriam retomados pelo lósofo Aristóteles no m do século.As recomendações de política econômica de Xenofonte eram claras já naprópria etimologia do título: esqueçam o cenário internacional e o comércioglobal, o caminho a seguir é a volta aos conceitos básicos. Todos deveriamcuidar da própria casa e tornar-se individualmente autossu cientes. Ao queparece, o conceito de “economia” surgiu de um ardoroso apelo pela volta àesfera doméstica e aos bons velhos tempos da autossuficiência agrícola.

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Em plena crise da década de 350, todavia, o próprio Xenofonte parece terescrito um outro texto com recomendações muito contraditórias em relaçãoao anterior. Esse novo trabalho, o Poroi, consistia numa complexa análise darelação entre prosperidade, emprego, consumo e gastos, preconizando umamaneira bastante moderna de livrar Atenas de sua crise nanceira: gastar.Mas o dinheiro não devia ser gasto com o cidadão comum, e sim com aquelaspessoas que era fundamental atrair para Atenas para que sua economiavoltasse a uir: os estrangeiros ricos. Como vimos, Atenas já era um viveirode imigrantes e residentes estrangeiros, que constituíam um grande percentualda população bancária, entre muitos outros ramos do comércio. Parasobreviver, contudo, segundo argumentava agora Xenofonte, Atenas teria deatrair ainda mais. Sem dinheiro como se encontrava, que poderia oferecer? Aresposta estava em sua reputação. Mais que qualquer outra cidade grega,Atenas estivera no século anterior bem no centro de uma era de ouro. Essareputação a envolvia como uma espécie de halo. Só Atenas tivera um grandeimpério, só Atenas tinha construções da beleza do Partenon, só Atenas podiagabar-se de ter sido e continuar sendo um grande centro cultural, com afilosofia e o teatro por exemplo. Ser cidadão de Atenas era trazer no peito umdistintivo de honra que mesmo os mais relutantes tinham de reconhecer. Suareputação tinha valor econômico tangível, concreto. Atenas podia trocar suareputação por dinheiro, com isto se salvando.

A recomendação de Xenofonte, que nos vinte anos subsequentes seriaconstantemente reiterada pelo orador Demóstenes, era brutalmente clara eprática. Deem aos estrangeiros ricos os melhores assentos no teatro,concedam-lhes isenção de impostos adicionais e facilitem seu acesso àcidadania ateniense. Recompensem os bons serviços a Atenas com a honramáxima da cidadania, e com isto Atenas poderia livrar-se de seus problemas.Atenas seguiu o conselho ao pé da letra. Na década seguinte, por exemplo,concedeu asilo e cidadania a um certo rei do noroeste da Grécia, o ricoArybbas, chegando a convidá-lo para um jantar o cial à custa do Estado. Nãofoi por acaso que o pinga-pinga de homenagens públicas a indivíduos,desconhecido no século anterior e que apenas havia começado no alvorecer doque transcorria, chegou a uma verdadeira torrente nas décadas de 350 e 340a.C. Atenas proclamava por todo o mundo antigo: “Dê-nos suas riquezas enós faremos o seu nome imortal como cidadão da maior cidade do mundo.”

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Mas a economia não era o único problema interno a ser enfrentado porAtenas no século IV. Nosso último contato com a constituição democráticaateniense foi imediatamente depois do restabelecimento da democracia,quando o organismo democrático da cidadania prestava o juramento deperseguir e eliminar quem quer que tentasse derrubar o sistema. No início doséculo também se assistiu a uma revisão e reedição das leis da cidade e a umanova era de imposição da ordem pública, com a complementação de reluzentestribunais recém-construídos no ambiente comercial e político do coração daÁgora. Nos 40 anos que restavam até o início da década de 350, veri cou-sena verdade um aumento da importância da lei e da necessidade de manter sobcontrole uma população urbana em constante expansão e cada vez maisinternacionalizada. A maior prioridade era manter em funcionamento amáquina da democracia. Na assembleia, cérebro da democracia, onde deviamser tomadas as decisões da cidade, era necessário um comparecimento mínimopara que as decisões tivessem valor legal. Com a instabilidade quecaracterizava o século, era às vezes difícil con gurar essa maioria. Desde om do século anterior, os indivíduos eram remunerados em dinheiro para

compensar o tempo despendido na assembleia democrática; no m do séculoIV, os valores seriam dramaticamente elevados, para assegurar os níveis decomparecimento.

Não era apenas no momento da assembleia que Atenas fazia questão degarantir que a população cumprisse seu dever. Com sua população e suaeconomia crescentemente internacionalizadas, Atenas também gerava umanova onda burocrática, tendo à frente funcionários incumbidos desupervisionar o coração e os pulmões da cidade, e, o que talvez fosse aindamais importante, assegurar que o estômago estivesse alimentado. Osfuncionários eram designados para garantir a manutenção dos padrões nacidade, assegurar a qualidade dos produtos à venda no mercado, preservarpadrões de honestidade nos negócios, controlar o preço dos cereais esupervisionar seu abastecimento. Entretanto, ao mesmo tempo que aumentavaa burocracia o cial, Atenas parece ter enfrentado o problema do policiamentode forma muito diferente. No século anterior, o policiamento de Atenasestivera a cargo de um bando de soldados estrangeiros, os citas. Esses homens,com seu inconfundível arco e echa, os trajes estrangeiros e os chapéus

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pontudos, eram o que de mais parecido com uma força policial permanenteAtenas tivera até então. Mas no século IV o custo de uma força su ciente paramanter sob controle a população em expansão parece ter sido muito alto. Oscitas desapareceram, sendo substituídos por um sistema bipartido de aplicaçãoda lei. Por um lado, escravos públicos eram empregados em posiçõescomparáveis aos modernos chefes de polícia, para tomar a frente deinvestigações importantes e atuar como contato em questões de segurança dointeresse da cidadania. Mas ao que parece o grosso do policiamento no dia adia era con ado aos próprios cidadãos, que tratavam coletivamente de manteruns aos outros sob vigilância. Esse sistema só funcionava em virtude de umpoderoso código tradicional a respeito do que podia ou não ser consideradocomportamento aceitável, com a complementação eventual de uma espécie dejustiça da cidadania. Ao que parece, a antiga Atenas era policiada por umsistema de autorregulamentação, ao qual também se recorre cada vez maishoje em dia no Reino Unido, pelo menos em delitos menores, em virtude doesgarçamento cada vez maior dos recursos policiais.

Mas ao mesmo tempo que fazia questão de exigir que todo cidadãocumprisse seu dever, a cidade também se empenhava em que nenhum eleitopara cargo público pudesse enganá-la. Nas décadas de guerras e instabilidadeem que estivera engolfada, Atenas dera na verdade saltos gigantescos nadireção de um sistema pro ssional de controle e equilíbrio dos poderespúblicos, para impedir aquilo que mais temia: a derrubada de sua amadademocracia. Ao chegar ao m de seu mandato, todo funcionário tinha de sesubmeter a inspeção o cial de seu trabalho e de suas nanças (os funcionáriospúblicos não tinham a menor chance de efetuar despesas fraudulentas naAtenas antiga). Multas severas foram instituídas para todo aquele que fosseapanhado em falta. Criou-se também, pela primeira vez, um arquivo o cial noqual qualquer um podia conferir leis, documentos de políticas públicas econtas públicas. E qualquer cidadão podia formalizar queixa contra qualqueroutro se considerasse ilegais seus atos na assembleia democrática. Estamosacostumados hoje em dia a um sistema democrático no qual elegemosrepresentantes, esperando que sejam vigiados e controlados por outros, e nãonos surpreendemos quando eles são apanhados em falta — como não secansam de nos lembrar os jornais, existe uma crise de con ança na política.Mas na Atenas antiga todo cidadão era convocado a se constituir em membro

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ativo da democracia; quase todo cidadão exercia pelo menos uma funçãoo cial ao longo da vida; e as pessoas mostravam-se furiosamente ativas nocontrole dos companheiros de democracia. Um certo indivíduo foi absolvidonada menos que 75 vezes de acusações de agir ilegalmente na assembleiademocrática. Até mesmo os mais astutos e empedernidos políticos modernosteriam dificuldade de escapar a esse tipo de julgamento na Atenas antiga.

É curioso que os admiradores da democracia ateniense quase sempreconsiderem que seu apogeu deu-se no “glorioso” século V a.C. Em certamedida, seus sucessos (e na verdade seu “nascimento”) no século V sãoinegáveis: Atenas veio a controlar um gigantesco império e construiumaravilhas do mundo antigo como o Partenon. Mas isto não é tudo. Não sónos chega de meados do século IV uma boa parte das manifestações concretasdo funcionamento interno da democracia (que não raro utilizamosconvenientemente, mas sem critério, para falar da natureza da democracia 100anos antes, no “glorioso” século V), como foi também nesse período querealmente teve início um ativo debate losó co sobre a natureza dademocracia. Embora se costume referir o século V como a “época de ouro”,foi na verdade em plena instabilidade econômica, militar e diplomática domeado do século IV que a democracia como sistema teve seu grande momentode introspecção, aquele também que para alguns poderia ser considerado omelhor.

Onde isto ca mais claro é nos tribunais de Atenas. O advento do Estadode direito foi a verdadeira casa de máquinas do sucesso da democracia nesseperíodo: dez tribunais trabalhando a todo vapor até 225 dias por ano nomeado do século IV. Era, no entanto, um universo muito diferente do sistemajurídico de hoje. Não havia uma promotoria pública que movesse açõesabarcando toda a cidade. Como no caso do policiamento, a iniciativa cabiaaos interessados. Um crime só seria julgado se algum cidadão mobilizasse umtribunal. Não havia advogados. Aquele que movesse a ação tinha de sepronunciar por si mesmo. A lei escrita era menos que meio caminho andado: oelemento fundamental era convencer o júri. Aqueles que moviam as açõestinham de se pronunciar perante júris gigantescos — envolvendo às vezes 500pessoas — formados por outros cidadãos, remunerados pelo serviço, comoaqueles que compareciam à assembleia, e escolhidos por um dispositivo desorteios semelhantes aos usados nas modernas loterias, de tal maneira que era

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impossível prever se um jurado cuidaria de determinado caso para tentarsuborná-lo. Era enorme a variedade dos tipos de ações que podiam sermovidas: ações, contra-ações, ações diversivas, ações subsequentes, açõespúblicas e privadas. Atenas fervilhava de processos jurídicos no século IV, efoi através desse processo de antagonismo — não inteiramente justo, ecertamente amadorístico — que conseguiu manter um curso de estabilidadesocial interna num mundo incerto.

Mas nos tribunais de justiça também cava evidente, talvez com maisclareza que em qualquer outro contexto, o ponto fraco do sistema ateniense.Não lhe terá escapado que Atenas, até esse momento da história, carecia comtoda evidência de indivíduos interessantes que pudessem ser consideradosresponsáveis por tomar a frente dos empreendimentos políticos e militaresatenienses: nenhum Agesilau de Esparta, nenhum Pelópidas ou Epaminondasde Tebas, nenhum Dionísio I ou II de Siracusa, nenhum Filipe da Macedônia.Na verdade, havia em Atenas homens que se relacionavam com essesindivíduos ou comentavam sua ação: Platão, Isócrates, Lísias. Na verdade,lósofos e comentaristas políticos como Platão e Isócrates haviam exortado

Atenas a encontrar seus próprios líderes. Na verdade, havia indivíduosdesempenhando papéis importantes em nome de Atenas — seus heróisrevolucionários, como Trasíbulo, seus generais, como Timóteo e Cônon, seuslósofos, seus atores —, mas todos o faziam em nome da cidade e sua

assembleia, às quais deviam prestar contas. Nenhum ateniense jamaisconseguiu livrar-se de um julgamento por descumprimento do dever público,com o Epaminondas em Tebas, por exemplo (até o herói Trasíbulo foicensurado pela cidade de Atenas). Quase sempre, na verdade, os indivíduostinham o tapete puxado sob seus pés pela assembleia democrática, quando elamudava de opinião e os deixava defender os próprios interesses (basta lembrarcomo Atenas mudou de ideia sobre o apoio à rebelião tebana e puniu osgenerais que ela própria havia enviado para apoiar Tebas).

A ideologia democrática de Atenas não deixava muito espaço para que osindivíduos a rmassem seu poder, especialmente depois do vigorosorestabelecimento da democracia no início do século, pelo qual todo cidadãocava comprometido a matar quem quer que parecesse estar empenhado em

tomar o poder. E no entanto ela não podia deixar de contar com os indivíduos

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para a execução de tarefas especí cas em nome da cidade; e, especialmentenuma época em que a guerra era uma característica permanente da vida dacidade e indivíduos dotados de muito poder chegavam a posições de comandoem todo o mundo grego, tampouco podia deixar de negociar e de fazernegócios regularmente com esses indivíduos. O ponto fraco de Atenas era essaconstante tensão entre o individual e o coletivo e o equilíbrio de poder entreeles.

Os tribunais de justiça tornavam essa tensão visível porque, embora nãohouvesse advogados, um cidadão podia solicitar a um pro ssional queescrevesse seu discurso, embora tivesse de comparecer pessoalmente parapronunciá-lo. Surgiu assim toda uma série de importantes retóricos que, porsua habilidade, tornavam-se objeto de cobiça tanto para réus quanto parapromotores, num sistema que dependia tanto do convencimento de um júri, enão da palavra escrita da lei. E daí, poderia você perguntar? De qualquermaneira, um indivíduo — não importando quem escrevesse o discurso —estava sendo julgado pela coletividade. O problema, ou antes o motivo depreocupação, era que um redator pro ssional viesse a con gurar tãohabilmente um discurso que pudesse convencer os jurados, ainda que averdade apontasse em outra direção. Um indivíduo habilidoso podia enganar acoletividade. O resultado era uma permanente tensão nos tribunais entre anecessidade de se defender da melhor maneira possível e a de não parecerdemasiado esperto nesse sentido. Quase todos os arrazoados desses tribunaisque chegaram até nós começam com alguma versão dessa declaração imortal:“Não tendo o costume de falar em público...”

Esses redatores pro ssionais não se limitavam a escrever discursos paraoutros. Muitas vezes estavam presentes nos tribunais defendendo ou acusandoem seu próprio nome. Por sua notoriedade na esfera pública, o respeito dopúblico por sua habilidade e sabedoria — ainda que sob certa suspeita — e suapura e simples capacidade de convencer os outros cidadãos, eles se tornarampessoas extremamente in uentes em todos os setores da democracia. Lísias, oorador que sobrevivera ao advento da tirania e ao restabelecimento dademocracia no início do século, não só levou aos tribunais alguns dos tiranoscomo foi escolhido, como vimos em capítulo anterior, a pronunciar a oraçãofúnebre em nome da cidade em uma das primeiras guerras do novo século. Nomeado do século IV, essa plêiade de impressionantes oradores, posicionados

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no ponto de tensão do sistema ateniense, aumentara enormemente, detendoconsiderável poder político. Esses indivíduos chegariam mais perto queninguém em Atenas de reproduzir o poder e a autoridade das estrelas quevimos em ação em outras cidades e Estados da Grécia.

Esse poder vinha acompanhado de uma mudança nem tão sutil nopensamento político, econômico e losó co. Desde o início do século, Atenasfora forçada a interagir com poderosos indivíduos em cidades e Estados detodo o mundo antigo, e estivera no centro do debate sobre a conveniência ounão de existirem líderes individuais tão poderosos (basta lembrar que Platãohavia criticado e coberto de lama Dionísio I de Siracusa). Na década de 350,contudo, esse debate sobre os indivíduos fora de Atenas voltara-se para apromessa do poder individual em Atenas. Vimos anteriormente, nestecapítulo, de que maneira as reações ao mau momento econômico se haviamcentrado no retorno à economia individual isolacionista ou na atração deestrangeiros ricos para a cidade. Os oradores dos tribunais de justiça estavamagora no auge de sua in uência. E até os lósofos promoviam uma mensagemmais individualista. Em uma de suas últimas obras, intitulada O estadista,Platão ridicularizava a democracia, dando um cheque em branco a um homemde extraordinária sabedoria, um governante utópico que fosse capaz degovernar de acordo com o Estado de direito. Assim foi que, ao chegar ao m adécada de 350, até Atenas — que até então, ao contrário de muitas outrascidades e Estados da Grécia, mantinha o poder individual sob controle emsuas fronteiras, muito embora fosse obrigada a lidar com muitos dessesindivíduos no mundo grego como um todo — começou a vacilar. Nos trintaanos subsequentes, a política ateniense em relação aos governantes poderososdo mundo antigo seria moldada e dominada por um punhado de seuscidadãos, que haveriam de decidir o futuro e, em última instância, a própriasobrevivência de Atenas.

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N

CAPÍTULO 12

Salvador ou tirano?

enhum indivíduo contribuiu mais para moldar o futuro de Atenas nasdécadas posteriores que Demóstenes. Nascido em 384 a.C., logodepois da paz real, que havia redesenhado o mapa das relações

internacionais no mundo antigo, Demóstenes crescera em condições difíceis.Típico menino rico de Atenas, ele nascera numa família extremamenteabastada (seu pai, como vimos no capítulo anterior, tinha duas fábricas ondeo s escravos produziam produtos diferentes). Já aos cinco anos de idadeDemóstenes pagava pela montagem de peças teatrais em Atenas. Mas atragédia haveria de se abater sobre ele dois anos depois, quando seus paismorreram, deixando-o órfão. Sua vida tornou-se ainda mais difícil quando ostutores designados pelo pai para protegê-lo na verdade dilapidaram quase todaa sua herança. Demóstenes cresceu sabendo que, se não a recuperasse, teria deenfrentar uma vida de pobreza. Mas ele não era nenhum fortudo capaz de seimpor aos adversários. Na verdade, era uma criança frágil e de aparênciadoentia que pouco praticava esportes — certamente muito distante da imagemdo gostozão das meninas atenienses. Seu apelido na escola resumia bem o queos colegas achavam dele: batalos, que poderia ser traduzido como “ autistaafeminado”, ou, de maneira mais insultuosa, “maricas”.

Mas essa criança sem grandes atrativos adorava acompanhar as atividadesdos tribunais de justiça e da assembleia em Atenas. Dizia-se que ele tinhadecidido tornar-se um orador ao ouvir na assembleia os apaixonados debatessobre a política externa ateniense no m da década de 360. Mas pelo menosinicialmente seu plano de se tornar um orador não tinha como objetivoparticipar da política ateniense. Seu objetivo na verdade era uma vingançapessoal. Ele obteve essa vingança da única maneira ao alcance, na época, de

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um indivíduo fraco e pobre: nos tribunais. A explosão do Estado de direito edo poder dos tribunais na Atenas do século IV infundiu em Demóstenes aforça de que precisava, desde que fosse capaz de falar bem para convencer ojúri. Foi o que ele fez, e no momento em que o menino doentio se tornava umhomem obteve a primeira vitória contra seus antigos tutores, recuperando oque restava da herança roubada.

Demóstenes tem uma impressionante reputação de orador e estadista nomundo moderno. Poucos são os oradores e políticos da história moderna quenão zeram referência a ele como inspiração em suas vidas. E no entanto,como sempre acontece, existe uma história mais complicada envolvendo ohomem por trás do mito. Sua habilidade oratória não era um talento natural,resultando na verdade de constante esforço e prática. Em seus primeirostempos como redator de discursos judiciários e orador, Demóstenes muitasvezes era sobrepujado, por ser prolixo e porque sua voz, como seu corpo, erafraca e incerta. Para complicar ainda mais, poucos atenienses realmente seidenti cavam com ele. Ele era um “bebedor de água” — abstêmio —, o quenão caía bem numa sociedade centrada na jarra de vinho.

Para enfrentar tais problemas, Demóstenes fez tudo que estava ao seualcance, especialmente melhorar a qualidade da própria voz. Ele tinha umescritório subterrâneo onde praticava diariamente para dar mais ressonância àvoz. Tentava fazer-se compreender com a boca cheia de seixos, para melhorara dicção. Ele recitava seus discursos subindo e descendo lances de escada àscarreiras e falava diante de um espelho por horas a o, para ver e ajustar asexpressões faciais. Como seus amigos do teatro, com quem se aconselhavamuito, ele se preocupava menos com o que dizia do que com a importância deacertar no tom e no aspecto do discurso como um todo. Parece ter entendido aimportância fundamental da maneira de dizer as coisas, e não tanto do que sediz. Mas essa convicção o posicionava bem no ponto fraco da sociedadeateniense. Num mundo em que os redatores de discursos pro ssionais nãoeram apreciados, por terem o poder retórico de fazer com que o argumentomais fraco parecesse mais forte, representava ele precisamente aquele que davatudo para justificar esse temor.

Demóstenes sempre foi homem de trabalhar com a nco. Cercado emAtenas de oradores capazes de, sem mais aquela, lançar-se em torneios deimpressionante eloquência, ele precisava de sua parte preparar-se sempre.

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Raramente falava no calor do momento, mas só quando tinha a possibilidadede pensar no caso e se preparar, de tal maneira que seus adversários sempre oprovocavam dizendo que suas respostas sobre qualquer questão tinham ocheiro do querosene da lamparina que usara na noite da véspera para escrevê-las. Ele não era um sujeito capaz de tomar uma decisão numa emergência oureagir com eloquência em negociações durante viagens ao exterior. Maseventualmente, só eventualmente, falava espontaneamente, e quando o faziaera sempre a respeito de algum tema sobre o qual soubesse muito e que lheinspirasse ardente paixão.

Um homem como Demóstenes era difícil de situar na Atenas da década de350. Estava no seu elemento nos tribunais de justiça, onde podia preparar seusdiscursos e convencer o júri. Foi neles que, depois de recuperar uma parte desua herança, ele começou a fazer nome. Mas de que utilidade poderia ser umhomem como Demóstenes, que não gostava de se pronunciar no calor domomento, num lugar como a assembleia política? De que utilidade poderia sernum panorama internacional em que a situação econômica, política e militarestava em constante mudança, as questões em jogo permanentemente sealterando e a política externa ateniense oscilando o tempo todo em função doque ocorria no resto do mundo? O que convinha a Demóstenes era umaquestão única, uma questão na qual pudesse mostrar-se hábil e a respeito daqual pudesse preparar suas observações ou deter um conhecimento su cientepara, se necessário, falar de improviso. Precisava poder voltar-seconcentradamente contra uma determinada política, um alvo, uma gura, uminimigo, um homem. O mundo grego dera um jeito de apresentar exatamenteum homem assim no preciso momento em que Demóstenes começava suacarreira pública: o rei Filipe da Macedônia.

Demóstenes encontrou sua causa pouco depois da irreversível mudança noequilíbrio de poder do mundo grego nos dez anos entre a batalha de Mantineiaem 362 e a bem-sucedida incursão de Filipe em guerra santa no centro daGrécia em 352 a.C. Terá sido talvez o primeiro a entender a ameaçarepresentada por Filipe para Atenas, e certamente foi o primeiro a sepronunciar publicamente a respeito. Em 351, ele acusou Atenas de agir comoum esgrimista mal-educado que, em vez de se defender, deixa a guarda aberta,convidando o adversário a atacar. Dois anos depois, como Filipe continuasse aameaçar os interesses atenienses no norte do mar Egeu, Demóstenes acusou os

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atenienses de se comportarem como jovens insolentes que tomam dinheiroemprestado a juros absurdamente altos, para em seguida se dar conta de quetêm nas mãos uma dívida que não podem pagar e de que estão apenasmarcando passo até a chegada do o cial de justiça. Demóstenes tinha umamensagem única, uma tônica, à qual se aferraria ao longo da carreira: Filipe éo inimigo e Atenas deve fazer tudo que estiver ao seu alcance para detê-lo.

Demóstenes não era a única voz a se levantar em Atenas nessa época. Acidade estava cheia de indivíduos talentosos e participantes que, com acrescente importância adquirida pelos tribunais de justiça, dispunham de umpalco para expor suas ideias e, não menos importante, enfrentar colegas eadversários a respeito das políticas a serem adotadas. Muitos deles eramalunos dos grandes lósofos e comentaristas políticos do século, como Platãoe Isócrates. Essa plêiade de oradores nos oferece uma imagem complexa dosdilemas e decisões com que Atenas e o mundo grego como um todo sedefrontavam, assim como do ambiente de intrigas que cercava cada passo dapolítica ateniense.

Não terá havido em Atenas, nos vinte anos subsequentes, um confrontomais importante que aquele que opôs Demóstenes a outro orador ateniense,chamado Ésquino. Como Demóstenes, Ésquino nascera no início do novoséculo. Ao contrário dele, no entanto, nascera pobre, lho de um professor.Sua formação, ao que parece, não se dera nos tribunais de justiça, mas nopalco, como ator. Ao contrário também de Demóstenes, contudo, eleevidenciava aptidão para as atividades físicas e de fato combatera na grandeimplosão da Grécia central, na batalha de Mantineia, em 362 a.C. Passandode ator transformado em soldado a orador e embaixador, Ésquino estiverafrente a frente com Filipe numa primeira missão junto ao novo soberanomacedônio. Foi provavelmente nessa época que se tornou el amigo de Filipe— um daqueles amigos que o monarca cultivava com tanto desvelo em cidadesde toda a Grécia, homens obrigados a apoiar e prestar favores uns aos outros.Ésquino era o homem de Filipe em Atenas. E Demóstenes o odiava por isto.

O antagonismo entre os dois em Atenas revelou-se simplesmentedegradante ao longo de suas vidas. Demóstenes acusava Ésquino de ser lhode uma prostituta (na ausência de um corpo sólido de provas nos tribunaisatenienses, a reputação e a ascendência eram tudo), e Ésquino acusava

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Demóstenes de ser lho de uma cita bárbara do remoto mar Negro.Demóstenes acusava Ésquino de receber dinheiro de Filipe para defendê-lo.Ésquino acusava Demóstenes de receber ouro dos persas para estar ao seulado. Demóstenes perseguia os amigos e colegas de Ésquino com processos portraição e qualquer outro pretexto. Ésquino retaliava com contra-ações porimpureza religiosa, abuso sexual e tirania política.

Essas calúnias eram mais que uma simples tentativa de macular a honrapessoal. Ataques dessa natureza contra a reputação do adversário nostribunais eram garantia de desmoralizar sua opinião na assembleia política.Serviam também para lançar suspeita sobre a lealdade de um indivíduo àcidade. Em última análise, homens como Demóstenes estavam perguntando aÉsquino: Com quem você se alinha, com seu amigo Filipe ou com sua cidade?A quem presta lealdade? Num contexto em que os atenienses juravam matarquem quer que agisse contra sua democracia, a resposta de Ésquino tinhasérias consequências para sua expectativa de vida. A batalha entre Demóstenese Ésquino não era um mero e abusivo oreio retórico, era muito real e mesmomortal. Polarizava a opinião pública e o debate em Atenas. Dividia a cidadeem dois campos distintos: Demóstenes e Ésquino, ou pró e anti-Filipe. Cadacidadão tinha de estar em um dos dois. O resto era uma terra de ninguém.

No campo de Demóstenes encontrava-se um orador chamado Hipereides,outro aluno de Isócrates, nosso comentarista político por excelência desseperíodo. Excelente servidor público, apesar de sabidamente licencioso na vidaprivada, ele era membro ativo do partido anti-Filipe em Atenas, embora viesseposteriormente a se afastar de Demóstenes, numa disputa que só seriaresolvida pouco antes de chegarem ambos ao m da vida. Do lado de Ésquinoestava um homem chamado Dinarco, considerado pelos estudiosos uma versão“aguada” de Demóstenes, e outro chamado Dêmades. Este era de cepa muitodiferente de Demóstenes. Tratava-se de um diletante rico naturalmente dotadopara a oratória. Enquanto Demóstenes labutava até tarde da noite paraaperfeiçoar cada frase de seu discurso, Dêmades aparecia na assembleia(certamente de ressaca), ouvia as laboriosas palavras de Demóstenes e selevantava para alguma observação de improviso que deixava a plateia a seuspés. O comentarista social e lósofo Teôfrasto, que pelo m do séculoescreveria uma coleção de caricaturas namente observadas (os Caracteres),comentaria mais tarde que Demóstenes era digno da cidade, mas Dêmades,

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bom demais para ela. Não sabemos muito bem de que maneira Dêmadesganhou essa reputação. Ele não se prendia a um comportamento único. Aocontrário de Demóstenes, mudava de opinião ao sabor dos ventos. Posicionou-se por boa parte dos vinte anos subsequentes no campo pró-Filipe de Ésquino.Era também um descarado. Referindo-se ao caso impressionante do poeta querecebia grandes somas para recitar versos, ele teria dito: “Se achamimpressionante que esse homem receba um talento para recitar, quemsabendo que recebo dez vezes mais do rei da Macedônia só para ficar calado.”

Esses homens é que imprimiam os rumos do debate e das políticaspúblicas em Atenas, em parte tentando convencer a assembleia ateniense deseus pontos de vista, mas também, em grande medida, destruindo a reputaçãodo outro campo. Estavam em jogo nada menos que as políticas públicas deAtenas, o futuro de Atenas, o futuro da Grécia e suas próprias vidas. Em suamaioria, esses homens, desempenhando seu papel no brutal alvorecer de umanova ordem internacional, não sobreviveriam até o fim do século. Hipereides eDêmades seriam executados. Ésquino e Demóstenes seriam exilados, vindoeste último a se suicidar. Poucos conseguiam sobreviver por muito tempo nalinha de frente da política ateniense. Apesar de sua glória e de todo o reluzentemármore branco, Atenas podia ser um lugar muito desagradável onde viver.

Um dos que sobreviveram por mais tempo que a maioria foi o generalateniense Fócion. Filho de um fabricante de pilões, ele foi outro aluno do

lósofo Platão. Era um militar de estrita disciplina: supostamente se recusavadurante as campanhas a usar sapatos ou se aquecer com um manto. Percorriaas ruas de Atenas taciturno e mal-humorado, sem jamais sorrir oucumprimentar alguém, um pouco como Díon de Siracusa. A “cara amarrada”de Fócion era famosa em toda Atenas. Consumado estrategista militar, ele foieleito general nada menos que 45 vezes ao longo da vida, tendo-se envolvidoem quase todas as campanhas militares a partir da década de 370. Plutarcorelataria mais tarde como ele era diferente da maioria dos oradores na Atenasde sua época. Enquanto os outros tentavam conquistar a boa vontade daspessoas e se deixavam ir ao sabor do vento, ou então se aferravamdecididamente a determinado rumo, Fócion avaliava cada situação por seuspróprios méritos, sem hesitar em se posicionar e enfrentar as pessoas quandoas considerava equivocadas, e nunca fazia nada para cortejar seus favores. Eledizia o que pensava, tendo no coração o interesse de Atenas, mesmo quando a

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assembleia zombava dele com acusações de covardia por não querer ir para aguerra. Essa rmeza e a impecável atitude de serviço à sua cidade granjearam-lhe o respeito da assembleia. Em épocas de crise, a assembleia ateniensesempre recorria a suas recomendações, considerando-o seu assessor maissensível e sensato. Encontrando-se já no coração da política ateniense há trintaanos, Fócion continuaria em seu centro por mais quarenta. Mas agora, natentativa de encontrar um caminho intermediário em águas turbulentas, atéFócion começava a vacilar um pouco, não só em virtude dos tumultuadosacontecimentos do mundo grego como um todo mas também por causa doazedo clima de animosidade mortal na própria Atenas. Até Fócion, o maissensível e capaz dos homens, não haveria de morrer de morte natural.

Enquanto Atenas se dividia em facções pró e anti-Filipe, osacontecimentos seguiam seu rumo no mundo grego, conferindo mais peso einteresse à ideia de um só e poderoso líder. Na Sicília, que por boa parte doséculo parece ter funcionado como uma espécie de tubo de ensaio paraexperiências de governo a serem adotadas no território da Grécia, transcorriaa mais recente etapa de uma experiência de administração centralizada. Platãotentara reformar Dionísio I e fracassara. Fora novamente convidado areformar Dionísio II, fracassando igualmente. Formara um novo líder

losó co, Díon, aparando suas arestas e mandando-o de volta para tomar opoder em Siracusa. Díon tratara de fazê-lo, com a ajuda de um poderoso fã-clube feminino, dando adeus a Dionísio II. Mas a população se havia voltadocontra Díon várias vezes, e ele acabaria assassinado por outro integrante daseleta Academia de Platão.

Esse novo líder, Calipo, não era páreo para Díon, Siracusa ou a Sicília.Dentro de um ano também estava morto, e Siracusa havia mergulhado nomesmo tipo de fragmentação interna e fratricida em que a Macedônia se viraengolfada por boa parte da primeira metade do século. No momento em queFilipe se apoderava da Grécia central, a Sicília era um pandemôniodespovoado, exaurido pela guerra civil. Toda referência de ordem e sensocomunitário se havia perdido, enquanto os chefes tribais rivais se enfrentavampelo frágil controle de nacos pateticamente reduzidos de poder. Siracusa,transformada por uma série de poderosos líderes numa das mais prestigiosascidades da Grécia, perdera essa liderança e agora mergulhava em completa

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destruição. Cartago, o velho inimigo do litoral norte da África, sentiu aoportunidade de invadir e fazer recuarem as fronteiras da Grécia. Emdesespero de causa, Siracusa mandou uma mensagem pedindo ajuda a suaancestral cidade-mãe no território continental. Corinto, já su cientementeenvolvida em suas próprias batalhas, reagiu com uma força patética: setenavios, 700 homens e um general idoso, um homem que não tinha qualquerconhecimento da história ou das questões políticas da Sicília. Para osdesesperados siracusanos, deve ter parecido uma piada cruel. Mas comopoderiam saber que seu salvador acabara de chegar às praias da Sicília?

Plutarco, que mais tarde escreveria uma biogra a desse velho general,registra a maneira como ele foi lembrado em seu funeral pelos o ciais deSiracusa: “Ele derrotou os tiranos, subjugou os bárbaros, deu nova vida à maisimportante das cidades destruídas e devolveu ao povo da Sicília suas leis.” Emapenas oito anos, esse homem de idade livrou a ilha dos minitiranos,nalmente exilou Dionísio II em Corinto, onde ele passaria a constituir uma

atração turística, obteve decisiva vitória sobre os cartagineses e deu início aum maciço programa de recuperação e ampliação, ao mesmo temporeconstruindo comunidades e destruindo os símbolos mais importantes dastiranias anteriores. A destruição do reduto do tirano em Siracusa foi umespecial sucesso de propaganda. Com todo o simbolismo e a importância deque haveria de se investir séculos mais tarde a derrubada do Muro de Berlim,o velho general convidava agora todo cidadão de Siracusa, num só dia, a seapresentar com seus pés de cabra e ajudar a pôr abaixo, peça por peça, aquelamonstruosidade histórica já agora irrelevante.

Esse general não assumiu o lugar do tirano. Promulgou uma constituição,associando liberdade e autonomia a controle e regulamentação. Em sua Sicília,não havia lugar para tiranos ou mercenários, uma cidade não podia dominaroutra e o mais importante eram o crescimento populacional, a expansãoeconômica, a reconstrução, a independência e a paz. Sua Sicília era uma Mecapara os que estavam cansados de um mundo cruel e violento. Ao longo dosdez anos seguintes, enquanto Filipe continuava a rmar seu domínio sobre aGrécia, esse homem construiu sua comunidade na Sicília. Contrariando ocurso normal dos acontecimentos, ele não foi assassinado nem morreu emcombate. Concluído seu trabalho, ele se retirou, para viver os últimos anos emtranquila contemplação. Plutarco, naquela que será talvez uma das mais

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comoventes biografias antigas que chegaram até nós, relata:

Tendo desempenhado, por consenso geral, os melhores e mais heroicosfeitos dentre os gregos de sua época, e tendo sido a única pessoa aefetivamente alcançar todas aquelas coisas que os oradores, em seusdiscursos nas assembleias municipais, estão constantemente estimulandoos gregos a ser e fazer (...) tendo evidenciado grande habilidade e coragemem seus confrontos com bárbaros e tiranos, além de justiça e temperançaem seu trato com gregos e amigos, tendo acumulado troféus de vitóriasem causar dor a seus concidadãos e tendo entregado à população, emmenos de oito anos, uma Sicília livre de suas misérias e doençascancerosas, nalmente, fragilizado com a idade, ele começou a perder avisão (...) ficando completamente cego.

Ele foi enterrado no coração de Siracusa, o seu equivalente do mercado daÁgora. Se você visitar a moderna cidade de Siracusa, com seu trânsito intensoe seus vendedores de sorvete, reserve um momento para se perguntar se, emalgum momento do dia, não terá passado pelo lugar onde repousa um dosmais respeitáveis líderes da Sicília e talvez da Grécia. Seu nome era Timolêon,que em grego signi ca “honrado pelo povo”, lho de Timodemo, “honradopela cidadania”, ambos honrados pelo povo da antiga Sicília.

A Grécia, segundo deve ter parecido no início da década de 340 a.C., nãoestava cercada pela instabilidade e a fragmentação que a haviam atormentadoe ao mundo grego na década de 350, mas por exemplos, às vezes os maisencorajadores, de poderosos líderes capazes de resolver os problemasaparentemente endêmicos nos confrontos entre cidades. Era também o tempoem que os menos bem-sucedidos dentre esses líderes se transformaram numaverdadeira lição pública para todos. Ao ser nalmente exilado em Corintopelo grande Timolêon, Dionísio II foi apresentado como um exemplo do tipode dirigente que a Grécia não queria. Como essas decadentes celebridadesmodernas que têm cada um de seus passos nos desvarios da autodestruição eda má reputação fotografados e vilipendiados nos tabloides, Dionísio IItornou-se uma aberração que podia ser visitada pelas pessoas, paracontemplarem sua ruína. Plutarco conta mais adiante que todos queriam veresse homem “perdendo tempo com pescadores ou sentado à toa numa loja de

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perfumes”. Todos queriam vê-lo despido da própria dignidade ao “bebervinho aguado em tabernas de esquina ou brigar em público com prostitutasordinárias, ou ainda tentar ensinar às meninas como cantar, discutindo muitoseriamente com elas sobre a escolha e a melodia de suas canções”.

Mas às vezes não era apenas o povo que se interessava pelo exemplodeixado por essas celebridades fracassadas, mas também outros líderes. O reiFilipe da Macedônia se interessava intensamente pelas lições a seremaprendidas com as experiências políticas da Sicília. Ele próprio visitouDionísio II em Corinto para conversar com ele sobre suas experiências eparticularmente as de seu pai, o grande senhor da guerra Dionísio I. Jantandocom a estrela caída, Filipe teria perguntado a ele quando é que seu pai, cujosdias eram ocupados com a gestão de Siracusa e os combates por toda a Sicília,encontrava tempo para escrever tragédias. O lho, que jamais fora capaz deigualar o sucesso do pai, tinha agora, chafurdado no próprio fracasso, desofrer a humilhação nal de lhe perguntarem não sobre sua própria vida, massobre a do pai, há muito morto. Ele teria respondido simplesmente, comdesalento: “Quando comia.”

Enquanto Filipe conversava com o célebre líder siracusano em desgraça,novas negociações transcorriam em Atenas entre as facções pró e anti-Filipe.Enquanto se acumulavam em todo o mundo grego os exemplos de líderespoderosos e bem-sucedidos, num momento em que se tornava cada vez maisvisível o amargo custo da agitação e da instabilidade permanentes, em que seevidenciava mais claramente a incapacidade do modelo tradicional dasdisputas de poder entre as cidades para alcançar a paz, em que Filipedevastava a Grécia central para resolver a questão da guerra santa em tornod e Delfos, não podia haver discussão política mais importante em Atenas.Chegara a hora de Atenas decidir de uma vez por todas o que queria. Fim àdiplomacia escorregadia, m ao oportunismo vira-casaca. Era um momentode decisão.

Nesse clima é que Atenas precisava decidir se Filipe era um salvador ouum tirano, inimigo ou amigo. Foi nesse momento que Demóstenes, não maisse limitando a simplesmente advertir para os riscos da inércia de Atenasperante Filipe, resolveu difamá-lo. Demóstenes proclamava aos atenienses queFilipe não passava de um charlatão, um homem que tinha ludibriado todos

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aqueles com os quais havia tratado e manipulado a loucura de cada um,explorando sua ignorância. Era ele, insistia Demóstenes, o tipo de homem queaçambarcava para si mesmo tudo que tivesse valor: o pior tipo de homem, umtirano.

Foi igualmente nesse clima que Isócrates, o comentarista político, a voz daconsciência da Grécia nos últimos 50 anos, já por sua vez chegando aos 90(um feito incrível numa época em que a expectativa de vida era muito maisbaixa), entrou em cena mais uma vez. Enfeitiçado a vida toda por Atenas,Isócrates começava agora a entoar uma música muito diferente paraDemóstenes. Tendo assistido às reviravoltas da história grega ao longo dadura guerra civil, no m do século anterior, dos con itos internos que sehaviam abatido sobre a Grécia central na primeira metade de século em curso,das amplas mudanças culturais, geográ cas e econômicas ocorridas no mundogrego como um todo, da brutal alteração veri cada no equilíbrio de poder nosdez anos anteriores, Isócrates começava a acreditar que Atenas já não fossecapaz de proporcionar aquilo de que a Grécia tanto precisava. Em busca dodirigente justo e forte de seus sonhos, capaz de unir a Grécia e restituir-lhe agrandeza, Isócrates escreveu uma carta aberta intitulada simplesmente AFilipe. Sua recomendação era simples: “É dever de um homem de boasintenções, que ame a Grécia e seja dotado de uma visão mais ampla que oresto do mundo, valer-se de seus talentos para guerrear os bárbaros (...) paralivrá-los do mal, organizá-los em cidades e xar as fronteiras do mundogrego.” Aos olhos desfalecentes de Isócrates, Filipe era o salvador. Mas emquem Atenas haveria de acreditar? Quem haveria ela de seguir?

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E

CAPÍTULO 13

O confronto final

m 352 a.C., Filipe já havia cruci cado os generais transgressores quetinham cometido a temeridade de tomar o santuário internacional deDelfos e dilapidar seus tesouros divinos. Era agora o líder dos

poderosos Estados da Macedônia e da Tessália. Suas tentativas iniciais dedescer mais em direção à Grécia central, contudo, foram bloqueadas pelasforças unidas de Atenas e Esparta, que o detiveram no estreito que há séculosconstituía o crucial gargalo para os que pretendessem invadir a Grécia:Termópilas. Essa estreita passagem, que os famigerados 300 (ou antes 301)espartanos tinham defendido até a morte perante os persas mais de um séculoantes, transformava-se agora no estreito que permitiria rechaçar, não uminvasor estrangeiro, mas um pretendente grego ao domínio da Grécia.

Agindo com a habitual sagacidade e habilidade militar, Filipe, em vez deforçar a passagem pelo gargalo, buscou maneiras de contorná-lo. Continuou asangrar Atenas, combatendo no litoral norte do Egeu até drenarsu cientemente os interesses e as reservas militares atenienses. Voltando suaatenção para o sul, tentou encontrar um caminho que contornasse a passagembloqueada das Termópilas. A resposta estava na longa ilha em forma decavalo-marinho que se estende paralelamente ao litoral leste da Gréciacontinental: a ilha de Eubeia, há muito território ateniense (Mapa 2). Foientão que Atenas tomou conhecimento das revoltas que ocorriam em Eubeia.Comentava-se que Filipe poderia estar por trás da rebelião. Atenas couaterrorizada. Se perdesse Eubeia, Filipe poderia simplesmente transportar suastropas para a ilha (em seu ponto mais estreito, o canal entre a ilha e ocontinente tem apenas 40 metros), marchar através dela e retornar aocontinente, assim contornando a estreita passagem das Termópilas, para em

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seguida avançar em direção à Grécia central. Como água escorrendo pelasbordas de um dique, a torrente das tropas em marcha de Filipe chegaria,irreversível, ao centro da Grécia. Se Eubeia caísse, a Grécia cairia junto.

A atitude beligerante de Atenas parecia de repente deixá-la em posiçãoextremamente fraca. Filipe começou simultaneamente a pôr em risco sua rotade cereais para o mar Negro, ameaçando cortar o abastecimento alimentar.Simultaneamente, contudo, começou a propor um tratado de paz e umaaliança. Foi uma brilhante tática de dividir para conquistar. Propondo a paz,em vez de simplesmente se apresentar como arauto da destruição, ele acabavacom qualquer chance de que Demóstenes viesse a unir Atenas e a Gréciacontra ele. Ele quer a paz, argumentavam as pessoas com Demóstenes, quepreconizava a guerra. Pois aceitemos a paz com ele. A nal, a paz era o que aGrécia vinha buscando há décadas. As tentativas de Demóstenes de unir toda aGrécia numa aliança contra Filipe depararam-se, assim, com uma reaçãomorna. Em 346 a.C., Demóstenes teve de enfrentar a humilhação de sermobilizado por Atenas, ao lado de seu arquirrival Ésquino, numa missão parafazer o acordo de paz com Filipe. Essa negociação de paz seria posteriormentelançada por terra nos tribunais de Atenas pelos próprios Demóstenes eÉsquino, cada um deles acusando o outro de trair Atenas. Por enquanto,todavia, era Filipe que estava no comando. Atrasando as negociações, ele sevaleu de sua nova reputação de “paci cador” para afastar os restantes aliadosde Atenas e, subornando os mercenários inimigos sobreviventes, assegurou apassagem de suas tropas pelas Termópilas e sua chegada ao centro da Grécia.Enquanto Atenas tinha as mãos atadas nas negociações de paz, enquantoDemóstenes era obrigado a engolir a pílula de uma aliança com Filipe, estefazia o que Atenas jurara jamais permiti-lo fazer no campo de batalha: tomara Grécia central. Antes mesmo que Atenas entendesse bem o que estavaacontecendo, Filipe estava às portas do santuário de Delfos e celebrava sualibertação, promovendo os jogos sagrados. Em questão de poucos meses, elehavia punido os que tinham abusado do santuário, recebido as boas-vindas dofamoso oráculo do deus Apolo e ocupado uma posição permanente noconselho governamental de Delfos. Filipe chegara para car, e agora Atenasmuito pouco podia fazer a respeito. A cidade foi obrigada a assinar umtratado de paz com Filipe, abrir mão de suas pretensões sobre os vastosrecursos do litoral norte do Egeu e voltar para casa humilhada. Demóstenes

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cou arrasado. Ésquino foi um convidado de honra no banquete dado porFilipe para comemorar sua vitória. Filipe 1; Demóstenes 0.

Mas Demóstenes não era homem de se deixar derrotar. Embora a paz comFilipe fosse a única alternativa de Atenas em 346, Demóstenes não cessaria deargumentar que Filipe era um inimigo de Atenas. Valeu-se de todas asoportunidades ao seu alcance para solapar a paz e azedar as relações entreFilipe e Atenas. Era, para ele, uma obsessão, pois considerava que o mundo sópodia estar nas mãos de Filipe ou de Atenas. Ele acreditava que da liberdade eda independência de Atenas dependia a liberdade de toda a Grécia. O que erabom para Atenas era bom para a Grécia. Num mundo cada vez maisglobalizado e em constante evolução, Demóstenes sustentava um ponto devista velho, tacanho, autocentrado e imperialista: o que é bom para o “centrodo mundo” (Atenas) é bom para o mundo em geral. Mas não se teria ele dadoconta de que uma visão tão rígida do mundo, desenvolvida em sua mentegraças ao passado imperialista de Atenas, deixaria a cidade isolada dasrealidades do mundo ao seu redor, fazendo em última análise com queperdesse a liberdade e a independência que tanto buscava?

Fosse ou não capaz de percebê-lo, o fato é que logo Demóstenes haveriade se deparar com provas bastante visíveis de que o resto do mundo grego nãoabraçava a mentalidade “o que é bom para Atenas é bom para vocês”.Enquanto Filipe dava prosseguimento a sua ofensiva diplomática em plenoPeloponeso, no sul da Grécia, Demóstenes empreendeu sua contraofensiva.Para impedir que as cidades menores do Peloponeso se aliassem com Filipe,Demóstenes exortou-as, “em nome da liberdade e da independência daGrécia”, a não assinar um tratado com o rei macedônio. Mas as cidadesresponderam que, tal como viam as coisas, era Filipe que lhes asseguravaliberdade e independência em relação a Atenas e Esparta. Demóstenessimplesmente estava fora de sintonia com a dança que a Grécia dançava aosom da música tocada por Filipe. Filipe 2; Demóstenes 0.

Mas Demóstenes ainda não se dava por vencido. Embora não conseguisseconvencer o resto da Grécia a segui-lo, ainda podia convencer Atenas e aassembleia ateniense a resistir ao macedônio. Retornando a Atenas, ele acusouFilipe de conspirar contra toda a Grécia e conseguiu convencer os cidadãos deAtenas a enviar emissários a Filipe para exigir (como se estivessem em posiçãode exigir alguma coisa) uma renegociação do tratado de paz. Filipe, dando

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continuidade a sua ofensiva diplomática no centro e no sul da Grécia, voltaraagora sua atenção militar para o norte. Valera-se do tratado de paz comAtenas para explorar sua vantagem no litoral norte do Egeu e levar oscombates à outra potência da região: a Trácia. Espraiando-se em direção leste,os tentáculos do polvo macedônio avançavam cada vez mais rumo aos limitesdo mundo grego, chegando a abarcar todo o alto do Egeu e descendo pela ÁsiaMenor e o império persa. Mas enquanto os atenienses aguardavam umaresposta o cial a seu pedido de renegociação do tratado de paz, Demóstenesconseguiu convencê-los a continuar fustigando os calcanhares de Filipe compequenas incursões no norte do Egeu e apoio aos poucos e valorososcombatentes que lhe ofereciam resistência. Filipe 2; Demóstenes 1. Cada vezmais exasperado com Atenas (e com Demóstenes) , Filipe mandou uma duraadvertência aos atenienses: recuem ou enfrentem as consequências. Com suairada retórica, Demóstenes forçava Atenas na direção de um confronto diretocom o rei da Macedônia. Mas será que alguém acreditava que Atenas fossecapaz de vencer?

Desde o acordo de paz entre Atenas e Filipe em 346 a.C., Atenasaparentemente estivera mergulhada em agitação civil. O escudeiro deDemóstenes, o orador Hipereides, tentou processar o responsável pela paz de346. Seu objetivo, desonrando o homem, era desonrar também a paz eapressar seu m. Mas se tratava na verdade de um lance paralelo ao confrontoentre os principais rivais, Demóstenes e Ésquino. Nos três anos transcorridosdesde o acordo de paz, a rivalidade entre os dois degenerara em ódio mortal.A briga girava em torno de saber, simplesmente, quem havia deixado decumprir seu dever com Atenas nas “negociações de paz” de que tantoDemóstenes quanto Ésquino haviam participado, e que haviam sido usadasp o r Filipe como tática dilatória para forçar Atenas a uma posição maisvulnerável. Percebendo que o povo ateniense suspeitava da amizade pessoal deÉsquino com Filipe, Demóstenes foi direto ao ponto, acusando-o de traiçãonos tribunais. Ésquino respondeu com uma contra-ação visando o copromotordo processo de Demóstenes. Essa contra-ação teve precedência na agenda dotribunal, permitindo a Ésquino ganhar algum tempo. Revelou-se que omomento lhe era favorável. Ésquino venceu o processo contra o copromotorde Demóstenes, e quando a ação movida por este nalmente foi a julgamento

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em 343, Ésquino foi absolvido de todas as acusações. O homem de Filipe emAtenas ainda estava em segurança, embora algo enodoado por suspeitas. Filipe3; Demóstenes 1.

Mas não era apenas a agitação causada pela tensão entre os campos pró eanti-Filipe que tomava conta das ruas de Atenas nesses anos; havia tambémum mal-estar mais profundo em torno da segurança daquilo que era mais caroà cidade: sua democracia. Em 346, o ano da paz com Filipe, Atenasempreendeu uma revisão em regra das listas de cidadãos — como se fosse umcenso moderno — para descobrir quem exatamente tinha direito à cidadaniaateniense. Todo aquele que não apresentasse as necessárias condições seriaeliminado. Atenas tratava de vedar suas janelas, enveredando por umamentalidade de cidade sitiada. À medida que aumentava nos seis anosseguintes a ameaça representada por Filipe, a cidade tomou providências parase certi car das boas condições de seus fundos de defesa, desviando lucros detodas as demais atividades, inclusive os que se destinavam à montagem deproduções teatrais e festivais. Dois anos depois apenas, às vésperas doconfronto que muitos temiam e alguns esperavam pudesse decidir o destino deAtenas e da Grécia, a cidade, reagindo como gata em telhado de zinco quentea cada boato de agitação civil, baixou uma lei reiterando as punições em queincorreria quem quer que tentasse subverter a democracia. Os legisladoresa xaram cópias da nova lei em diferentes pontos da cidade, para que ninguémdeixasse de tomar conhecimento. Uma das pedras em que a lei foi inscritachegou até nós. Acima do texto vê-se uma imagem, servindo de lembrete aospassantes sobre o teor da lei (Fig. 12). Um velho sentado, representando opovo de Atenas, tem a seu lado, de pé, a gura de uma bela jovem,representando a democracia, que deposita uma coroa em sua cabeça. Apesarda poesia e da força da imagem, contudo, vemos tristeza nos olhos dademocracia e uma certa fragilidade na imagem do velho representante dopovo, servindo de pista para o verdadeiro estado de espírito que prevalecia emAtenas. Apesar da constante doutrinação de Demóstenes de que o destino dopovo ateniense era enfrentar o rei macedônio, e mesmo, em boa parte, porcausa dessa insistência, havia em Atenas um autêntico temor do que estavapor vir.

O que veio foi uma intrincada trama de acontecimentos internacionais quelevaram a uma frontal colisão entre Filipe e Atenas. Apesar da perda do

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prestígio ao ser derrotado em suas ações judiciais contra Ésquino, Demóstenesestava empenhado no exterior em missões como embaixador de Atenas. Elefora enviado a distantes rincões do Egeu, na entrada do mar Negro, para selarnova aliança entre Atenas e a cidade de Bizâncio. Bizâncio pertencerainicialmente à liga ateniense, mas se rebelou e a abandonou na década de 350.Desde então, vinha sendo cortejada por todos os protagonistas, em virtude desua estratégica importância à entrada do mar Negro, fonte principal doabastecimento de cereais no mundo antigo. Atenas, agora que Filipe ameaçavaseu abastecimento de cereais, precisava certi car-se de que Bizâncio estivessede novo ao seu lado. Bem-sucedido em sua missão, Demóstenes retornou aAtenas e passou a se envolver na repressão das revoltas locais na ilha deEubeia, considerada por Atenas essencial, do ponto de vista estratégico, para asegurança de suas fronteiras territoriais. No ano seguinte, 340 a.C.,Demóstenes foi homenageado pelos serviços prestados a Atenas. Apesar de terfracassado na tentativa de derrotar o campo pró-Filipe, ele era agora oincontestável mandachuva na cidade. Filipe 3; Demóstenes 2.

Quase imediatamente, todavia, Filipe tratou de investir contra a segurançade Atenas. Lançou um cerco exatamente contra a cidade com a qualDemóstenes acabava de concluir uma aliança: Bizâncio. Atenas e Filipe agoraestavam o cialmente em guerra. Nesse ponto, contudo, talvez para surpresade muitos, Filipe não tomou a cidade, como aconteceria em séculos futuroscom muitos outros comandantes. A presença da esquadra ateniense, associadaao poderio das defesas de Bizâncio (para não mencionar o fato de que asmuito louvadas catapultas de Filipe não funcionaram direito), representoupara ele um revés inesperado e dos mais embaraçosos. Isócrates, nossocomentarista político, que se mostrara encantado com Filipe e seu potencial deliderança da Grécia, escreveu-lhe para censurá-lo por pôr em risco assim aprópria vida. Seria possível então, apenas possível, que Filipe viesse a sercontido? Filipe 3; Demóstenes 3. A disputa pela Grécia estava empatada.

Mas no ano seguinte, 339 a.C., uma outra sucessão de acontecimentosalteraria de uma vez por todas o placar. Delfos, o santuário internacional porcuja “libertação” Filipe invadira a Grécia central na década anterior, voltavaàs manchetes. Seu templo fora destruído por um terremoto em 373 a.C. Areconstrução fora nanciada por doações mandadas de toda a Grécia. Masfora interrompida pela ocupação do santuário e a subsequente guerra para

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libertá-lo. A conclusão do templo fora fomentada por uma maciça injeção dedinheiro gerada como parte da punição imposta à cidade que injustamentehavia ocupado o santuário. Já agora concluído, o novo templo era a maisbrilhante joia da coroa de Delfos, reluzindo em contraste com a pedra brutadas escarpadas montanhas do Parnaso por trás dele (Fig. 5). Atenas tratou deproteger novamente o templo com escudos, os mesmos que há mais de 100anos pendurara no templo anterior, em homenagem ao deus Apolo. A pequenacidade de Anfissa, ali perto, opôs-se à “ocupação” do templo por Atenas elevou a questão à assembleia das cidades e Estados que governavam Delfos.Atenas teve de escolher quem seria seu emissário. Normalmente, os ateniensesnão se preocupavam em mandar alguém importante. O conselho de governoera uma assembleia de debates, e não um organismo político realmente depeso. Agora, no entanto, com o destino da Grécia na balança, e estando Filipeno conselho, era crucial que Atenas tivesse um bom representante. Decidiu-seenviar Ésquino, o homem de Filipe em Atenas, recém-absolvido e aindaarquirrival de Demóstenes.

O discurso de Ésquino, segundo alegaria ele próprio em posteriorjulgamento, foi notável. Em um único pronunciamento, ele conseguiu não sórechaçar a acusação de Anfissa como virar a mesa sobre a pobre e indefesacidade, alegando que cometera um sacrilégio muito mais grave, cultivandoterras sagradas. Era o mesmo motivo invocado para declarar a última guerrasanta, que levara Filipe a marchar com suas tropas em direção ao centro daGrécia. Antes que a pobre cidade de Anfissa casse sabendo o que estavaacontecendo, o conselho geral de Delfos lhe havia declarado guerra,convidando Filipe a ser seu general. De uma hora para outra, Filipe marchavamais uma vez em direção ao sul, para participar de outra guerra santa.

Dessa vez, contudo, cou claro que Filipe não toleraria o atrevimento deAtenas, ou antes, de Demóstenes. Exasperado com aquele mosquitoconstantemente mordendo sua perna e sugando seu sangue, com a reiteradarejeição de suas tentativas de chegar a algum acordo de paz com Atenas, etalvez assustado com as possíveis consequências da impossibilidade de tomarBizâncio, para que Atenas não pudesse usá-la para insu ar novamente ocentro da Grécia contra ele, Filipe avançou em direção ao sul, decidido aresolver o problema de Atenas de alguma maneira. Marchando sobre a

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indefesa Anfissa, Filipe tomou a cidade de Elateia. Ela se encontrava a apenasdois dias de caminhada de território ateniense. Simultaneamente, Filipe enviouum ultimato a Tebas e ao território circundante da Beócia. “Podem juntar-se amim e compartilhar os despojos de guerra ou então sofrer a devastação daguerra.” Era uma decisão difícil, comparável à con guração do cenáriointernacional enunciada depois do 11 de setembro por George W. Bush ,invocando o eixo do mal: “Quem não for nosso amigo é nosso inimigo.”

Foi então, com a cidade em perigo, no momento em que as únicas pessoasposicionadas entre Filipe e Atenas tinham de decidir entre lutar e tombar, queDemóstenes teve seu melhor momento. Normalmente incapaz de se lançar emdiscursos de improviso, ele rompeu sua própria regra. A assembleia ateniense,ao tomar conhecimento de que Filipe estava a apenas dois dias de marcha dedistância, guardou silêncio. Ninguém sabia o que dizer. Estavam todosperplexos ante o fato de que sua beligerante provocação à fera macedônia, queparecia ocorrer muito longe, no mar Negro, resultara em que a fera seencontrava agora a apenas dois dias de distância de suas casas e famílias.Desde a invasão persa da Grécia cerca de 142 anos antes, a cidade de Atenasnão se vira ameaçada por uma força invasora tão maciça. Naquela época, asforças de Atenas se haviam levantado para derrotar o invasor bárbaro. Agora,no entanto, ninguém parecia ter a energia necessária para lutar. A assembleiaestava muda.

Relataria Plutarco posteriormente: “Foi então que Demóstenes, e só ele,pronunciou-se para aconselhar a população a car com Tebas.” No momentode mais densas trevas em Atenas, aquele que em grande medida fora oarquiteto dessa situação vinha agora recomendar delidade a Tebas econfronto com Filipe. Demóstenes, o “príncipe das trevas” de Atenas,finalmente obtivera o que queria: uma luta sem trégua com Filipe.

Demóstenes foi imediatamente enviado a Tebas para convencer os tebanosa fortalecer sua determinação e combater Filipe ao lado de Atenas. Era umatarefa gargantuesca. Atenas abandonara Tebas quando mais precisava, em 379e 371 a.C. Que vantagem poderiam extrair os tebanos de uma luta contraFilipe nesse momento? Que vínculos poderia haver com Atenas, contra a qualtinham estado em guerra a maior parte do século, tão fortes que lhespermitissem enfrentar a furiosa investida da Macedônia? Demóstenes chegou aTebas simultaneamente aos embaixadores da Macedônia que vinham ouvir a

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resposta dos tebanos ao seu ultimato. As duas embaixadas cortejavam ostebanos. O silêncio da assembleia ateniense estendeu-se sobre toda a Grécia nomomento em que cada cidade apurava os ouvidos para ouvir o que Tebasdecidiria. Desse dia, dessa assembleia, das palavras pronunciadas por aqueleshomens dependia inteiramente a futura direção de Atenas.

Não sabemos ao certo o que Demóstenes disse aos tebanos. Ele falou,como rememoraria mais tarde nos tribunais de justiça de Atenas, “dasliberdades dos gregos”, mas ele próprio também exclamaria mais tarde: “Eudaria a vida para reformular o discurso que z naquele dia!” Quaisquer quetenham sido suas palavras, todavia, duvido que tenha havido muitos discursostão fortes e convincentes na história da humanidade. Contra todaprobabilidade, indo de encontro ao mais elementar bom-senso e sentimento deautopreservação, Demóstenes convenceu Tebas nesse dia a se alinhar comAtenas. Comentaria Plutarco mais tarde: “Demóstenes insu ou as chamas dacoragem tebana e in amou sua saudável ambição, deixando de lado quaisqueroutras considerações, de tal maneira que, atirando ao vento seu medo e oracionalismo (...), eles se deixaram arrebatar por suas palavras no rumo doque era mais honrado.”

Demóstenes retornou a Atenas como um escolar eufórico. Foi, segundoPlutarco, “elevado a um estado de radiosa empolgação pelo anseio de tantoshomens de entrar em combate”. Ignorando toda objeção, descartando todatentativa de salvar a situação com a oferta de novos termos de paz a Filipe,denunciando como traidor de Atenas todo aquele que questionasse anecessidade da guerra, Demóstenes valia-se agora de sua recém-conquistadaautoridade na assembleia ateniense para manter o rolo compressor rmementedirecionado para uma batalha sem trégua com Filipe. Fócion, o velho e sábiogeneral ateniense que impedira Filipe de tomar Bizâncio, empenhava-se agorao melhor que podia para deter Demóstenes, opondo-se a cada iniciativa suacom argumentos em favor da paz com Filipe. Tornou-se tão impopular entreos atenienses, já agora sedentos como vampiros do sangue da guerra, que atéDemóstenes lhe teria advertido: “Os atenienses o matarão, Fócion, se caremainda mais indignados.” “Sim”, teria respondido Fócion, “mas haverão dematá-lo se caírem em si.” Posto de lado pela histeria da opinião pública,Fócion podia apenas observar enquanto as nuvens da tempestade seformavam. Os seguidores de Demóstenes propuseram que a cidadania

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ateniense fosse concedida a todos os estrangeiros da cidade e que os escravosfossem libertados e armados, para que os atenienses pudessem levar ao campode batalha o maior número possível de soldados. O príncipe das trevasconseguira sua batalha contra o eterno inimigo. Mas qual seria o custo?

As tropas de Filipe se per laram contra as de Atenas e Tebas num lugarchamado Queroneia a 2 de agosto de 338 a.C., muito apropriadamente bemno meio da pista de dança de Ares, no centro da Grécia (Mapa 2). Hoje, aplanície de Queroneia é uma fértil colcha de retalhos de campos de cultivoacomodados entre as imponentes montanhas da Beócia. O vale exala umaatmosfera de con ante calma, de tal maneira que ca difícil imaginá-lo comocenário de uma batalha. Mas sabemos muito bem que houve ali uma batalha.Filipe assumiu o controle de sua infantaria e seu lho, Alexandre, então comdezoito anos, tomou a frente da cavalaria. Perante o monarca macedôniodispunham-se as tropas de elite de Tebas, os 300 amantes masculinos doBando Sagrado, jamais derrotados numa batalha, o resto do exército tebano eas tropas atenienses, em meio às quais se encontrava Demóstenes, que haviaconduzido àquele momento com suas imprecações retóricas contra Filipe nosúltimos quinze anos. Em compensação, não sabemos ao certo onde estavaÉsquino. À fria luz dos combates, teria sua lealdade ao amigo Filipesobrepujado a lealdade à sua cidade, como previra Demóstenes queaconteceria? Ou teria ele tomado armas relutantemente contra o amigo,pondo os interesses de sua cidade acima dos seus próprios? Jamais saberemos.

Os vestígios arqueológicos da batalha de Queroneia nos dão uma ideiabastante chocante dos horrores do con ito. Ainda hoje são visíveis no vale deQueroneia dois monumentos ao massacre, um dos quais pertenceria aostebanos e outro, aos macedônios. O local de sepultamento dos tebanossupostamente assinalaria o lugar onde praticamente todos os membros doBando Sagrado foram dizimados. Os arqueólogos que escavaram o sítioencontraram 254 esqueletos humanos, com as ossadas ostentando ferimentosainda visíveis mais de 2.000 anos depois: fêmures cortados por espadas equebrados pelas pontas a adas das sarrisas macedônias, crânios fraturadospor múltiplos golpes de espada, um crânio com a face completamentearrancada. Os corpos desses homens abatidos foram enterrados numa fossacomum de sete leiras, com os crânios e ossos misturados aos restos de

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sapatos e armas. Essa cova coletiva dá testemunho da fúria e ferocidade comque os macedônios eliminaram o inimigo.

Dez mil atenienses também teriam morrido nesse dia, sendo capturadosmais 2.000. O campo de batalha foi cenário de um massacre tão horrendo quea massa de corpos em decomposição e as nuvens de moscas, no calor abafadodo mês de agosto, bem podem ter dado origem à peste que varreu a Grécia noinverno seguinte. Do outro lado do vale, junto à ferrovia Atenas- Tessalônicaque hoje em dia o divide em dois, o aterro sepulcral macedônio revela maiorcuidado com as vítimas tombadas. Aqui, os corpos não foram atirados à terrade maneira ignominiosa, sendo cremados numa pira fúnebre da vitória,enquanto os ossos restantes devorados pelo fogo, eram empilhadoscuidadosamente e cobertos por um monte de sete metros de altura e 70 delargura.

Sobre os corpos dos guerreiros tebanos tombados ergue-se o leão deQueroneia (Fig. 13). Ainda hoje visível da velha rodovia nacional queserpenteia pelo norte da Grécia, esse gigantesco leão, feito da pedraqueronense local, parece alerta e orgulhoso, mirando na direção do montefúnebre macedônio por cima do campo de batalha. É o cartão de visita deFilipe, semelhante a outro leão por ele instalado após vitória igualmentemonumental no norte da Grécia. Filipe, o leão da Grécia, posiciona-setriunfante até hoje, montando guarda no local de sua vitória. Os mesmosciprestes que costumam delimitar os cemitérios na Grécia moderna foramplantados em leira por trás do leão, montando um panorama bemapropriado de morte e maus presságios. Duvido que alguém que visiteQueroneia hoje possa car indiferente à impressionante majestade do vigorosoleão de Filipe, com seu olhar profundo e penetrante e seus dentes expostos,sentado com o traseiro rme nos restos estraçalhados do Bando Sagradotebano.

E Demóstenes? O homem que mais zera que qualquer outro paraprovocar esse con ito fugiu do campo de batalha como um covarde. RelatariaPlutarco, que por sua vez viveria em Queroneia cerca de 400 anos depois:“Demóstenes comportou-se sem coragem nem honra e em agrantedesrespeito de suas própria exortações, abandonando seu posto, largando asarmas e fugindo de maneira ignominiosa.” O “herói” de Atenas, o campeãoda “liberdade” de Atenas e da Grécia, o príncipe das trevas ateniense fugia da

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batalha que decidiu o destino da Grécia.Após a batalha, os atenienses sobreviventes, entre eles o talentoso orador

Dêmades, voltaram a sua cidade. Ésquino, o representante de Filipe emAtenas, Dêmades e o velho, sábio e mal-humorado general Fócion serviamagora de emissários para implorar pela paz junto ao senhor incontrastável daGrécia. Filipe só podia achar graça da brava determinação de Atenas de forçara barra além das próprias forças. Após a batalha, os atenienses derrotados quehaviam sido feito prisioneiros foram magnanimamente libertados por Filipe,sem pagamento de resgate. Apesar de terem tido poupadas suas vidas,dirigiram-se a Filipe para pedir também a devolução de seus trajes e roupas decama. Filipe teria achado graça, voltando-se para seus funcionários e dizendo:“Não lhes parece que os atenienses acham que foram apenas derrotados numjogo de tabuleiro?” Os atenienses foram mandados de volta sem suas roupasde cama e Ésquino, Dêmades e Fócion tiveram de tentar minimizar o prejuízo.

Mas Filipe, que, segundo se diz, teria cado embriagado de felicidade comsua vitória em Queroneia, também cou profundamente abalado. Embora abatalha o favorecesse, era muito alto o que estava em jogo. Se tivesse sidoderrotado, sua reputação e sua capacidade de controlar a Grécia teriam roladopor terra. Depois de anos de planejamento, reformas, cautelosa diplomacia eintervenções militares, ele se vira forçado a apostar tudo numa única batalha.O homem que o obrigara nesse sentido fora Demóstenes. O homem que fugirade Filipe na batalha era aquele mesmo que mais perto chegara de derrubá-lo.

Não surpreende, assim, que Filipe quisesse agora a cabeça de Demóstenesnuma bandeja. E não teria causado surpresa se a população de Atenas, levadaa essa catástrofe por sua oratória e por ele abandonada em batalha, quisesseagora exatamente a mesma coisa. O que torna ainda mais surpreendente queAtenas não só tenha protegido Demóstenes da fúria de Filipe como lhe tenhaconferido a honra, logo depois da batalha, de convidá-lo a pronunciar o elogiofúnebre dos atenienses mortos. O príncipe das trevas, o desertor, o covarde, ohomem responsável pela morte dos concidadãos atenienses e pelo transe entãovivido por Atenas merecia agora a honra de falar em nome da cidade em umde seus mais importantes momentos de introspecção. No cemitério de Atenas,à entrada da cidade, Demóstenes encarou seus concidadãos para fazer aoração fúnebre dos mortos entre os quais deveria estar. Como terá conseguidomanter a cabeça erguida nesse dia? Seu discurso, que chegou até nós, é uma

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azeda mistura de “Eu bem que avisei” com desesperados prognósticos do mdo mundo: “Havia insensatez e também negligência entre os gregos, que nãoentenderam os riscos nem zeram algo a respeito num momento em que aindaera possível ter evitado o desastre (...) mas agora, como no momento em que aluz do dia é retirada deste mundo e tudo se torna árduo e difícil, agora,portanto, mortos esses bravos homens, toda a beleza e o esplendor da Gréciaestão mergulhados em trevas e na mais profunda escuridão.”

Para Demóstenes, deve ter parecido o m de tudo. O magní co templo demármore do Partenon, projetado contra o céu de Atenas na Acrópole edominando a velha cidade lá embaixo, construído com dinheiro extraído doimpério ateniense em seus dias de glória no século anterior, contemplavaagora com compaixão Demóstenes e aquilo em que Atenas se transformara.Para nosso comentarista político Isócrates, contudo, era o início de tudoaquilo por que esperara. Ele tivera uma vida longa. Implorara repetidas vezesa Atenas que tomasse a frente para liderar a Grécia. Pois agora constatava quea Grécia estava diante de uma encruzilhada. Ao se aproximar a batalha deQueroneia, Isócrates nalmente perdera a esperança de que a cidade viesse ase mostrar à altura de seu potencial. No último ano de sua vidaextraordinariamente longa, ele se passara rmemente para o lado de Filipe.Para ele, Filipe representava a melhor chance de que a Grécia alcançasseunidade e glória em sua luta contra a Pérsia. Aos 98 anos de idade, Isócratesaparentemente não aguentava mais Atenas e as reviravoltas de suademocracia. Escreveu a Filipe para agradecer por lhe ter mostrado, em seusúltimos momentos, que alguns de seus sonhos podiam ser concretizados,esperando que o monarca acabasse por tornar realidade também os restantes.Olhando ao seu redor em Atenas, constatava enojado que muito poucoscompartilhavam seu sentimento. Esta reação é que pode ter levado Isócrates aseu derradeiro pronunciamento sobre o estado da Grécia, não na forma demais um pan eto político, mas através da própria morte. Recusando qualqueralimento durante quatro dias, Isócrates nalmente tombou morto. Em 338a.C., logo depois da vitória de Filipe em Queroneia, o velho, debilitado eexausto corpo do mais antigo comentarista político de Atenas foi enterradojunto aos da mãe e do pai, perto do rio Ilissos em Atenas (Mapa 1). Ele nãocaria sabendo que cada um de seus sonhos de fato estava por se tornar

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realidade.

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D

CAPÍTULO 14

De pai para filho

epois da vitória em Queroneia, o rei Filipe da Macedônia logo tratoude estabelecer seu domínio em toda a Grécia. Ele puniu a cidade deTebas, que naquele fatídico dia de agosto optara por se alinhar com

Atenas contra ele. Voltou-se então para a própria Atenas. Todos esperavampelo que certamente viria em seguida: a punição da cidade que representaraum espinho no sapato de Filipe, levando-o a ponto de ter de arriscar tudonuma única batalha. Certamente chegara o momento da destruição de Atenas.Fócion, o general no qual a cidade depositara sua con ança a maior parte doséculo, dirigiu-lhe a palavra no silêncio deixado por Demóstenes, que derepente se calara na assembleia. Fócion lamentou que os atenienses não lhetivessem dado ouvido quando lhes disse que não seguissem Demóstenes. Poisagora teriam de enfrentar as consequências.

Na Atenas do m de 338 a.C., sucedendo o outono ao verão e seprenunciando um inverno difícil, com pestes e escassez de cereais, osatenienses devem ter cado surpresos e aliviados ao ver que não seaproximavam as muitas falanges da infantaria macedônia, mas dois homensacompanhados de um guarda-costas. Esses dois macedônios por sua vezacompanhavam um contingente muito maior de prisioneiros atenienses recém-libertados e as cinzas de seus concidadãos mortos. No momento em que osdois macedônios entraram na cidade, os atenienses terão visto com seuspróprios olhos que eram dois dos mais poderosos indivíduos da cortemacedônia: Alexandre, o lho de Filipe, e o general em que este maisconfiava, um homem chamado Antípatro.

O velho e sábio estadista e o general Antípatro acompanhavam Alexandre,o jovem e másculo lho do rei. Juntos, eles representavam o poderio e o

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futuro da hegemonia macedônia. Era um sinal para Atenas, não de um mpróximo, mas da posição de honra conferida por Filipe aos atenienses, pelofato de ter enviado seus representantes mais valiosos para acompanhar osmortos atenienses de volta para casa. Tudo que ele queria em troca era a paz.Os atenienses, exultantes por terem escapado à forca, não só lhe deram a pazcomo imediatamente mandaram erguer uma estátua de Filipe na Ágora, nocoração da cidade.

Semelhante magnanimidade da parte de Filipe parece inicialmente difícilde entender. Plutarco, talvez numa tentativa de explicá-lo, haveria de retratá-lo como um homem de autêntico altruísmo. Quando lhe perguntaram, depoisde Queroneia, por que não havia espalhado guarnições por toda a Grécia,Filipe teria respondido que preferia ser lembrado como um homem bomdurante muito tempo do que como um dominador por breve período. Mas averdade talvez não seja tão poética. Filipe tinha planos, e para levá-los a caboera necessário que Atenas, e particularmente sua esquadra, estivessem em boascondições e em boas relações com ele. O que quer que Atenas lhe tivesse feitono passado, ele não estava agora em condições de destruir a cidade.

O plano de Filipe tinha duas etapas. A primeira consistia em curar asferidas da guerra interna que assolara a Grécia a maior parte do século. Eleuniu as cidades da Grécia e forjou entre elas uma nova aliança, que cariaconhecida como a Liga de Corinto. Imediatamente depois de Queroneia, napassagem de 338 para 337 a.C., praticamente todas as cidades importantes daGrécia integravam uma única aliança, tendo Filipe como líder e general. Filipeconseguira o que nenhuma cidade grega havia conseguido nesse século. Otexto constituinte da liga chegou até nós lavrado em pedra. Todos os membrosprestavam o seguinte juramento:

Eu juro respeitar a paz, e não romperei o acordo com Filipe nem tomareiarmas contra qualquer daqueles que cumprem este juramento (...) nemderrubarei o reino de Filipe ou de seus descendentes.

Em apenas um ano, Filipe dera aos gregos a paz, um líder (que de rei sónão tinha o nome) e a unidade. E agora, na segunda etapa de seu plano, dava-lhes um objetivo. A Liga de Corinto tinha uma única meta: levar os combatesao velho inimigo da Grécia, a Pérsia. Aquilo com que havia sonhado nosso

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velho pan etário, Isócrates, a essa altura repousando em seu túmulo, tornava-se realidade: um líder poderoso unindo a Grécia numa guerra contra a Pérsia.De uma só tacada, Filipe fazia voltar atrás o relógio da história grega.Ficavam para trás os con itos internos dos 90 anos anteriores, desde o inícioda guerra do Peloponeso. Para trás cavam a ameaça e as interferências do reida Pérsia e do dinheiro persa nas questões gregas. E a capacidade do rei daPérsia de estabelecer os termos da paz na Grécia também era coisa dopassado. E estava de volta a única coisa que no passado sempre conseguiraunir as cidades em guerra da Grécia: uma campanha conjunta contra o velhoinimigo do outro lado do mar Egeu. Não há nada como uma guerra para uniros povos. Filipe estava preparado para dar início a um novo capítulo nahistória da Grécia (ou antes para desempoeirar um velho capítulo).

Parecia mesmo o momento certo para investir contra a Pérsia, mergulhadaem sua própria crise de liderança. No mês da batalha de Queroneia, mais umrei persa havia sido assassinado, sendo sucedido no trono por um novomonarca. Todas as principais cidades gregas se uniram na expedição contraele, exceto uma: Esparta. Esparta recusou-se a aderir à liga e mais uma vez,como nos velhos tempos, en ou a cabeça na areia. Não queria saber da liga,nem de Filipe nem da campanha contra a Pérsia. Talvez Filipe devesse ter-sedado conta então de que a missão seria mais difícil do que imaginara.

Na primavera de 336 a.C., menos de dois anos depois de Queroneia,Filipe mobilizou forças atacantes em torno do norte do Egeu para preparar ainvasão da Pérsia. Tudo indicava que a derrubada da Pérsia seria ainda maisfácil: o novo rei persa, no poder há menos de dois anos, fora por sua vezassassinado, sendo substituído por outro monarca, Dario III. No outono de336, Filipe retornou à Macedônia para o casamento da filha. Inebriado com ospróprios feitos e a enormidade da missão que tinha pela frente, ele comunicouque sua própria estátua seria carregada junto com as estátuas dos deuses naprocissão das comemorações do casamento. O próprio Filipe tambémacompanharia, trajado como as guras dos deuses, sem sua armadura.Caminharia sozinho, como um homem que já não precisasse de qualquerproteção terrena, um deus vivo entre os homens. Caminhando assim semproteção e desarmado atrás da procissão dos deuses, ele viria a sermortalmente apunhalado por um de seus próprios guarda-costas. O rei Filipeda Macedônia, líder e general da Grécia, foi morto por um dos seus, no

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momento em que empreendia sua maior aventura.O assassino, um macedônio chamado Pausânias, teria cometido o

assassinato, segundo comentários posteriores, por um desentendimentoparticular entre ele, Filipe e outro comandante militar. Mas não temos comosaber se o assassino se dava conta da gravidade do que havia cometido. Emquestão de semanas, a notícia da morte de Filipe chegara a toda a Grécia,provocando uma hemorragia de sangue vital em sua paz, sua unidade, sua ligae sua visão do futuro da Grécia.

Não surpreende que a hemorragia tenha sido mais grave em Atenas.Demóstenes, mais bem relacionado que ninguém, tomou conhecimento damorte de Filipe antes que ela fosse anunciada na assembleia ateniense.Percebendo ali uma oportunidade de novamente conquistar os favores dapopulação, ele rapidamente se dirigiu à assembleia e, tomando a palavra,declarou que tivera um sonho com bons presságios para Atenas. Não muitotempo depois, chegaram os mensageiros o ciais para anunciar a morte deFilipe. Ficou parecendo que Demóstenes fora inspirado pelos deuses com umsonho sobre o futuro. Mais uma vez, ele tomava a frente da condução dapolítica ateniense.

Em consequência, não só Atenas se calou sobre o assassinato de Filipe,como, em vez de condenar o assassino, prestou-lhe homenagens públicas. Nãodemoraria, e o exemplo de Atenas iria fraturar a liga de uma vez por todas. Acidade de Tebas, ainda se recuperando do duro tratamento recebido de Filipedepois de Queroneia, começou a se rebelar. Logo, regiões inteiras da Grécia —a Ambrácia, a Tessália, a Arcádia e a Etólia — tomavam o mesmo rumo. Em335, um ano apenas depois da morte de Filipe, Tebas rebelou-se abertamentecontra a Macedônia. Exortando o rei da Pérsia a interferir novamente nasquestões gregas para ajudá-los, os tebanos lutavam pela liberdade dos gregos:“Todo aquele que desejar juntar-se ao rei da Pérsia e à cidade de Tebas paralibertar os gregos e destruir o tirano da Grécia deve aproximar-se.” Toda umanova página da história da Grécia foi arrancada antes mesmo de ser escrita aprimeira frase. Demóstenes, naturalmente, era o grande protagonista por trásde tudo isso. Embora sua lha tivesse morrido apenas seis dias antes, eledeixou para trás sua dor, a mulher, sua casa e a família para assumir seu lugarna cena pública e liderar a rebelião contra a Macedônia. Demóstenes estava de

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volta ao seu elemento, apregoando sua velha ladainha: a Macedônia e seu reieram o inimigo de Atenas e da Grécia. Fócion, o velho e sábio generalateniense, era uma das únicas personalidades a se opor a ele na assembleia.“Seu imbecil imprudente”, teria gritado, “por que tenta provocar um homemtão selvagem? Será que quer realmente, com uma fogueira tão grande ardendotão perto, projetar essas chamas sobre nossa cidade?”

Quem seria esse selvagem para o qual Fócion advertia? Ninguém menosque o lho de Filipe, Alexandre, com apenas vinte anos e catapultado àcondição de rei da Macedônia com a morte prematura do pai (Fig. 1). Feitorei, ele se deparou com a imediata e total desintegração de tudo que o pailutara por realizar. A reputação de Alexandre e sua própria vida dependiam doque ele fosse capaz de realizar nos 100 primeiros dias no trono. Ele tinha deimprimir sua autoridade na Grécia ou car impotente e muito provavelmentemorrer. Cercado de ameaçadores rivais ambicionando o trono, de antigosaliados agora se rebelando abertamente, Alexandre tinha de mostrar que tipode homem era realmente.

A caracterização de Alexandre como um selvagem, por parte de Fócion,revela de que maneira ele enfrentou o desa o. Matando rivais à esquerda, àdireita e no centro na Macedônia, ele imediatamente tratou de deixar seureino em segurança. Voltando sua atenção para a Tessália, Alexandre deixoupasmo o mundo antigo ao capturar as forças retiradas no alto do monte Ossa,com quase 2.000 metros de altura, escavando uma escada na rocha para quesuas tropas pudessem escalar e empreender o ataque. Invocando para si otítulo de tagos (líder supremo) da Tessália, ele rumou para o norte, paraesmagar os inquietos vizinhos. Foi então, encontrando-se afastado, à beira dorio Danúbio, que ele recebeu a notícia da rebelião de Tebas. Em menos deduas semanas, já se encontrava com seu exército às portas de Tebas (Mapa 4).Ninguém acreditava que fosse realmente ele: ele percorrera uma enormedistância, mais de 700 quilômetros, a pé e a cavalo, num tempoabsolutamente inverossímil. Cabe aqui invocar o comentário de FranklinRoosevelt depois do bombardeio de Pearl Harbor, séculos depois: “Nãopodemos mais avaliar nossa segurança em termos de quilômetros num mapa.”Lugar algum estava a salvo das garras de Alexandre. Com a selvageria e aforça do leão de pedra que assinalava o lugar da grande vitória de seu pai emQueroneia, a apenas vinte quilômetros dali, Alexandre arrasou Tebas. Ele não

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se limitou a tomar a cidade, reduziu-a a cinzas, apagando-a do mapa,esmagando-a sob seus pés, matando seus cidadãos — os lhos da geração deheróis como Pelópidas e Epaminondas, que haviam ajudado Tebas a se tornarsuprema na Grécia — e vendendo os demais como escravos, até que nadarestasse da outrora orgulhosa cidade, senão cinzas ardentes. Alexandredeclarou que a cidade fora destruída como castigo por “um século e meio deconfronto com os persas”. A parte mais triste dessa história foi o fato derepresentantes de várias outras cidades gregas, satisfeitos também por poderpisotear Tebas, ajudarem Alexandre nesse aniquilamento. Não haviasolidariedade entre as cidades da Grécia, nem mesmo ante a ameaça de umahegemonia macedônia. O sonho de uma Grécia unida cultivado por Isócratesestava mais distante que nunca. E agora Alexandre voltava-se para Atenas.

No m de 335 a.C., pouco mais de um ano depois da morte do pai, o reiAlexandre III da Macedônia estava novamente no controle da Grécia. Em seus100 primeiros dias, ele sufocara a rebelião interna. Em seu primeiro ano,subjugara um país inteiro. Tal como o pai, todavia, Alexandre não impôs aAtenas a mesma penalidade que a Tebas. Fiel a seu estilo escorregadio, Atenas,apesar de ter homenageado o assassino de Filipe e seguido Demóstenes noestímulo à rebelião, havia mobilizado homens para ajudar Alexandre adestruir Tebas, a cidade que optara por se alinhar com Atenas contra Filipeem Queroneia, e agora rapidamente tratava de se distanciar de qualquer ideiade revolução. Embora não o merecesse, inclusive por sua atitude covarde deduas caras e o fato de ter abandonado o antigo aliado, Atenas seria poupada,principalmente porque Alexandre ainda precisava de sua esquadra, se quisesseseguir os passos do pai.

Mas e o próprio Demóstenes? Ele fora enviado como emissário em buscada paz para Atenas com Alexandre, mas recuara, sem se encontrar com o rei,por temer pela própria vida. Em segurança ao retornar Atenas, ele parece terreadquirido sua beligerância. Alexandre exigia de a Atenas apenas dezprisioneiros, destacando-se entre eles Demóstenes. Diante da assembleia,Demóstenes declarou, com incrível arrogância, que Atenas não podia serobrigada a abrir mão de sua maior esperança de salvação. Cheia de indecisão,Atenas recorreu àquele com quem sempre contava em épocas de grandea ição: o velho e sábio general Fócion. Ele recomendou que se buscasse a pazcom Alexandre e se enviasse alguém para negociar os termos. Atenas enviou o

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orador Dêmades, amigo incerto da Macedônia, com sua fala mansa e seugosto pelo vinho, para expor seu caso ao rei macedônio. Dêmades conseguiu,embora não tenhamos ideia de como o fez, convencer Alexandre a permitirque Demóstenes fosse poupado e permanecesse em Atenas. Incrivelmente,aquele que era a causa de tantos problemas mais uma vez conseguiu se safar.

No m de 335 a.C., Alexandre já se mostrara à altura do pai. A Gréciaestava rmemente sob seu controle de novo. Sua reputação de gênio militardotado de capacidade surpreendente, quase sobre-humana, aumentavaconsideravelmente. Muitos estudiosos têm procurado comparar o pai ao lho,re etir sobre a relação entre os dois e fazer uma avaliação sobre qual seria omais extraordinário. Como eram realmente esses dois reis e como se davameles?

Filipe costuma sofrer na comparação com o lho: basta dar uma olhadaem qualquer livraria e nos livros sobre o mundo antigo, e as prateleirasdedicadas a Alexandre sempre sobrepujam as do pai. Hollywood fez um lmesobre Alexandre, mas não sobre o pai. Isto se deve em parte ao fato de asrealizações de Alexandre terem sido muito mais dramáticas e amplas que asdo pai — Alexandre conquistaria boa parte do império persa, exatamente oque o pai tentara fazer antes de ser abatido no casamento da lha. MasAlexandre jamais teria sido capaz disso se não fosse pelas reformas culturais,políticas e especialmente militares promovidas pelo pai, que zeram com quea Macedônia deixasse de ser uma região bárbara e atrasada para setransformar na casa de força da Grécia. Filipe em grande medida abriucaminho para o sucesso do filho.

A reputação de Filipe entre os historiadores do mundo antigo erapossivelmente muito maior que hoje. O historiador antigo Políbiosconsiderava que nunca havia surgido na Europa um homem como Filipe. Ohistoriador Diodoro identi cou nele o primeiro indivíduo a verdadeiramentemarcar a história, um homem que combinava poder militar e agilidadediplomática, além de um profundo conhecimento das fraquezas humanas.Como Plutarco também assinalaria mais tarde, Filipe sabia que um burrocarregado de ouro era capaz de tomar qualquer cidade inexpugnável para opoderio militar. Também se dizia que certa vez afastara um homem do seuserviço por tingir o cabelo, a rmando que um indivíduo que tentasse disfarçar

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a verdadeira cor dos cabelos não era digno de se dedicar às questões deEstado. Vários historiadores antigos escreveram tratados inteiros sobre a vidae o caráter de Filipe; entretanto, como sua reputação se apagou ao longo dosséculos em comparação com a do lho, esses textos simplesmente se perderamno éter através das gerações de estudiosos que se sucederam até agora. Entreas principais fontes sobre Filipe que chegaram até nós estão os discursos deseu arqui-inimigo Demóstenes, sempre empenhado em nos mostrar o ladonegativo de Filipe. Mas até Demóstenes, o mais feroz adversário de Filipe,cava impressionado com sua incansável atividade, sua ambição insaciável e

sua capacidade de extrair o máximo das oportunidades que se apresentavam.Em contraste, a respeito de Alexandre, cuja reputação vem apenas

crescendo desde a Antiguidade, dispomos de toda uma variedade de fontes dediferentes épocas, o que contribui para criar uma espécie de aura mito-mágicaem torno de sua vida e seu caráter. Mas essas fontes também revelam algo dorelacionamento entre ele e o pai. Ao contrário de Dionísio I de Siracusa, tãopreocupado com a própria vida que não permitiu que o lho fossedevidamente educado, para não vir a representar uma ameaça para ele, Filipecerti cou-se de que Alexandre recebesse a melhor formação possível. Seu tutorfoi ninguém menos que o célebre lósofo Aristóteles, sendo Alexandretreinado em todas as possíveis capacitações. Isócrates, o comentarista políticosobre esse período, chegou inclusive a escrever publicamente ao jovemAlexandre, apresentando uma lista de dicas sobre como ser um bom líder.Filipe fez com que ele desde cedo tivesse experiências em matéria de gestão doreino, tornando-o regente da Macedônia aos dezesseis anos de idade elevando-o a lutar a seu lado em Queroneia aos dezoito. Plutarco conta queFilipe fazia recomendações de sabedoria ao lho a respeito da arte degovernar, dizendo a Alexandre que zesse tantos amigos quanto possível antesde chegar a uma posição de poder, pois uma vez lá faria muitos inimigos.

Mas Alexandre, talvez por causa de sua formação e do pai famoso, eratambém um homem empenhado em provar o próprio valor. Desde o início,segundo Plutarco, ele se empenhou em deixar sua marca na história,eximindo-se dos prazeres e fraquezas da carne (não acredite em Plutarco porum minuto sequer). Respondendo, por exemplo, à crítica de que Alexandre,como o pai, bebia muito, Plutarco a rmou que na verdade ele apenas faziacom que uma taça de vinho durasse muito tempo, para car parecendo que

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estava bebendo muito. Mas a história da juventude de Alexandre tambémrevela uma real tensão entre pai e lho. Como Filipe não conseguisse domarum cavalo selvagem, Alexandre pediu-lhe que o permitisse tentar. O cavalo,que haveria de se tornar um constante companheiro de Alexandre, e emhomenagem ao qual ele viria a fundar uma cidade na Ásia, reagiu bem ao seutoque. Filipe reagiu com uma mistura de orgulho e inveja: “Meu filho, procureum reino à sua altura. Não há lugar para nós dois na Macedônia.”

A tensão entre pai e lho chegou ao auge nos anos que antecederamimediatamente a morte de Filipe. Ele tinha muitas mulheres, mas Alexandreera lho da primeira, a inteligente, corajosa e perversa Olímpia (interpretadano lme recente por Angelina Jolie). Em tal condição, Alexandre podialegitimamente pretender ao trono. Em seus últimos anos, contudo, Filipe, quesempre se casara por razões estratégicas, ter-se-ia apaixonado. O fato de ele seter casado tardiamente por amor, com uma mulher de sangue macedônio, enão uma estrangeira (Olímpia era de Epiro), representava uma real ameaçapara Olímpia e Alexandre: qualquer rebento desse novo “amor macedônio”podia arvorar-se primazia sobre Alexandre na sucessão ao trono. Alexandresempre discutira com o pai sobre o fato de ter constantemente lhos comdiferentes mulheres, o que signi cava competição com ele pelo trono.Acredita-se que Filipe o fazia deliberadamente, para que Alexandre, casochegasse ao trono, o conseguisse por mérito próprio, e não por ser a únicaopção. Mas agora, no último ano de vida do pai, insu ado pela mãe,enfurecida com a mais recente conquista amorosa de Filipe, e tambémsentindo-se insultado com a a rmação de que não seria o legítimo herdeiro,Alexandre interpelou Filipe certa noite no jantar por se ter casado de novoapesar de “simplesmente já ter passado da idade”. Filipe reagiu desa ando olho para uma luta corporal, e ao se adiantar caiu, bêbado, no sofá.

Alexandre limitou-se a rir da gura esparramada do famoso pai: “Vejam só,eis aqui um homem que se prepara para atravessar a Europa e invadir a Ásia,e não consegue sequer chegar ao sofá.”

A incapacidade de Filipe de pôr a própria casa em ordem, apesar decontrolar a Grécia, era seu ponto fraco, objeto de piadas em toda a Grécia.Ele tentou conter Alexandre exilando seus amigos mais próximos, mas asrelações com ele e sua mãe tornavam-se cada vez mais tensas. Filipe chegouinclusive a exilar a ambos por algum tempo. É possível que Olímpia, de quem

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o lho sofreria profunda in uência por toda a vida, tenha a essa alturacompelido os dois a resolverem a questão com as próprias mãos. As fontesmostram-se hesitantes e incertas, mas há fortes indicações de que a mãe deAlexandre, Olímpia, assassinou o novo amor de Filipe e o bebê de ambos paraproteger o direito de seu próprio lho, Alexandre, ao trono. Mais espantosaainda é a possibilidade de que o guarda-costas que matou Filipe em 336 a.C.tenha sido subornado por ninguém menos que Alexandre e sua mãe. Filipe,que conquistou a Grécia e quase chegou a conquistar a Ásia, pode ter sidoassassinado por ordem da própria mulher e do lho. A nal, era o estilomacedônio.

Tenha ou não Alexandre iniciado seu reinado mandando matar o pai, ofato é que tratou de abafar os boatos sobre a di culdade de relacionamentoentre os dois, prodigalizando-se em homenagens a ele após sua morte. Nogrande santuário de Olímpia, onde Filipe conquistara fama em 356 comovencedor da corrida de cavalos, Alexandre determinou a conclusão de umnovo prédio, ainda hoje de pé, abrigando estátuas de Filipe, dele próprio, desua mãe e dos pais de Filipe: a nova “primeira família” da Grécia. Osantuário de Olímpia tinha muitas estátuas, mas estas cavam separadas doresto do comum dos mortais, abrigadas numa estrutura circular de mármoreque enfatizava a mística daqueles indivíduos excepcionais que agoragovernavam a Grécia (Fig. 6). Embora Filipe fosse homenageado no santuáriode Olímpia, Alexandre deu um jeito para que também fosse lembrado maisperto de casa. Num lugar chamado Vergina, na Macedônia, os arqueólogosdescobriram um monte mortuário extraordinariamente suntuoso, tão grandeque parece uma colina natural na paisagem. Em seu interior há uma série decâmaras mortuárias, todas construídas e decoradas com esmero. Nelas foiencontrada uma impressionante quantidade de armaduras, joias, ouro eobjetos preciosos. Acredita-se que o complexo fúnebre destinava-se aos reis daMacedônia, entre eles Filipe II. Ao deixar a luz natural para enveredar pelosombrio silêncio do complexo, podemos postar-nos diante da entrada daquelaque seria a tumba do próprio Filipe. O silêncio e a escuridão nos envolvem emadmiração nessa entrada vivamente colorida daquele que pode ser o local derepouso de uma das maiores guras da história. Era uma homenagemmerecida a um grande pai, por parte de um lho que talvez tivesse uma certa

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culpa na consciência.Alexandre sempre sonhara enfrentar o poderio do império persa, sonho já

agora encorajado por generais atenienses como Focíon, por quem ele seencantara (Fócion era o único ateniense a receber de Alexandre cartas quecomeçavam com “saudações”, em vez de apenas ordens). Ainda menino,conversando com embaixadores da corte persa, Alexandre os interrogavasobre o sistema rodoviário e sobre como era o rei. Aterrorizava-o aperspectiva de que, indo Filipe à Ásia para derrotar o rei da Pérsia, não lherestasse nada espetacular a realizar. Mas agora, afastado o pai e estando aGrécia mais uma vez sob o seu tacão, Alexandre tinha a oportunidade desuperar Filipe, e não haveria de perdê-la.

Alexandre tinha tanto talento teatral quanto para a estratégia militar:aprendera em sua educação o valor de sinais, insinuações e aparências quandose tratasse de conquistar tanto inimigos quanto amigos. Sua carreira, tal comonos foi relatada com admiração por toda uma série de fontes mais tardias,elevaria esses “momentos signi cativos” a um novo nível. Ele começou por sedirigir ao grande oráculo de Delfos, para questionar a sacerdotisa oracular quetransmitia o conhecimento do futuro proveniente do deus Apolo, lho deZeus, a respeito de sua missão contra a Pérsia. Chegou a Delfos num dia emque a sacerdotisa não estava em atividade (ela só fazia profecias um ou doisdias por mês — algo equivalente no mundo grego à nossa semana de 35horas). Há séculos os gregos respeitavam essa tradição — pois era a vontadedos deuses — e esperavam pacientemente no santuário que chegassem os diasapropriados, para então formarem longas las que ziguezagueavam pelosantuário. Mas não Alexandre, o novo líder da Grécia. Tomando a sacerdotisapelo braço com rudeza, ele começou a arrastá-la pelo templo para obrigá-la aresponder a sua pergunta. Enquanto era arrastada, ela gritou: “És invencível,meu lho!” O que bastou para Alexandre. Ele tomou a resposta como palavrados deuses e partiu para a Ásia.

Por toda a vida, Alexandre ou bem inspirava admiração por sua forçabruta, sua audácia militar, seu perigoso orgulho e sua suprema arrogância oususcitava críticas por sua falta de respeito, particularmente em relação aosdeuses. Vivia numa zona de penumbra entre o mundo humano e o divino(acreditava-se até que o mar teria recuado à sua aproximação, ao contrário doque aconteceu com o pobre rei Canuto, que tentou o mesmo truque séculos

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depois). Ele se colocava acima dos mortais comuns, quase emparelhado comos deuses, mas, em consequência, aproximou-se perigosamente do risco de serqueimado por ambos. Seu caráter e seus atos eram sempre excessivos:entusiástico demais, ousado demais, bêbado demais, arrogante demais,brilhante demais. Os historiadores tentariam mais tarde resumir o que tornavaeste homem tão diferente de qualquer outro surgido no mundo grego. Haviaos que tudo atribuíam ao seu pothos, seu incontido desejo, sua profundanecessidade, seu avassalador vício do sucesso. Como qualquer conquistador dequalquer época, nacionalidade ou século, psicologicamente falando, Alexandreprecisava mostrar seu valor.

Alexandre atravessou o Helesponto, o estreito canal entre a Europa e aÁsia conhecido hoje como Dardanelos, na primavera de 334 a.C. (Mapa 4).Era acompanhado por aproximadamente 32.000 homens, para invadir umimpério que se estendia até os limites do mundo conhecido. Seus primeirosmovimentos re etiam a complexa e altamente bem-sucedida mistura deintimidação militar, habilidade teatral e senso de propaganda da suaestratégia. Ele tratou de fortalecer suas relações (ao mesmo temporea rmando seu poderio militar) com as cidades gregas do litoral da ÁsiaMenor que vinham oscilando na lealdade entre a Grécia e a Pérsia, à medidaque aumentava a probabilidade de uma nova guerra entre esses dois grandesadversários. Para aumentar ainda mais seu impacto militar, iniciou a invasãoda Ásia com uma mensagem simbólica: foi o primeiro a pôr os pés no solopersa e plantou uma lança bem fundo nas areias da praia, como seproclamasse que aquele território já lhe pertencia. O conquistador haviachegado.

No mundo antigo, era possível passar uma mensagem por meios militarese diplomáticos e até por uma operação de relações públicas envolvendo umalança ncada na areia, mas nada funcionava tão bem quanto fazer do presenteum eco do passado. Para os gregos, o passado era o tempo de mitos e lendas,de homens maiores que os da época atual, uma autêntica era de ouro na qualos gregos faziam coisas extraordinárias. Essas lendas, esses mitos eram ashistórias de fundo moral e os provérbios do mundo grego. Con guravam umcódigo pelo qual se regulava e julgava o comportamento do mundo presente.Alexandre, ocupando aquela zona nebulosa entre o humano e o mais quehumano, estava decidido não só a ecoar o passado, mas a trazê-lo à vida

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novamente. Sua primeira parada na Ásia foi nada menos que a grande cidadelade Troia, tomada pelos heróis gregos de tempos idos. Entre eles, o maior detodos era Aquiles, lho de um deus e guerreiro lendário (e Brad Pitt no lme).Alexandre não podia deixar de re etir sua própria imagem num homemassim. Untou de óleo a lápide de Aquiles, correu ao seu redor completamentenu, cobriu-a de guirlandas e trocou sua armadura por outra que lá seencontrava depositada, em esplêndida reverência, desde a época da guerra deTroia. Nascia o novo Aquiles, o novo super-homem.

Alexandre viria posteriormente a justi car sua invasão em carta ao rei daPérsia: “Vossos ancestrais invadiram a Macedônia e a Grécia e nos zerammuito mal. Eu invadi a Ásia para me vingar da Pérsia, mas vós é que destesinício a esse combate: matastes meu pai, insu astes a rebelião entre os gregos,injusta e ilegalmente usurpastes o trono da Pérsia.” Pode-se perceber atentativa cheia de culpa de atribuir o assassinato do pai ao monarca persa,mas cabe notar também a tentativa de transformar ele próprio, Alexandre,naquele que lutava pela liberdade da Pérsia contra seu próprio rei. Alexandre,o invasor tentando conquistar a Pérsia, se apresenta como aquele que liberta aPérsia de um usurpador injusto. Mais uma vez, Alexandre se revelava ummestre da estratégia, fazendo com que o rei da Pérsia, que na verdade chegaraao trono apenas dois anos antes, casse parecendo um tirano estrangeiro emsua própria terra.

Mas levaria algum tempo para que Alexandre tivesse a chance de carfrente a frente com o rei da Pérsia. O novo monarca, Dario III, não searriscaria a envolver a pessoa real numa batalha se não fosse absolutamentenecessário, nem desejava que casse parecendo que reconhecia a necessidadede enfrentar pessoalmente o adversário. Por enquanto, Alexandre, nãoobstante as manobras astutas e a esperteza militar, pouco mais representava,na avaliação do rei da Pérsia, que um desagradável carrapato agarrado à pelede seu império, mais um dentre tantos gregos a desembarcar no litoral da ÁsiaMenor. Todo aquele que até então havia invadido esse litoral tinha sidoderrotado pelos governantes locais ou subornado. A uma distância de mais de2.600 quilômetros em sua capital, Persépolis (Mapa 4), o rei da Pérsiacompreensivelmente achava que não havia necessidade por enquanto de tomaras onerosas e demoradas providências de mobilização do seu império para

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esmagar mais um ambicioso grego.Subestimar Alexandre terá sido provavelmente o erro fatal do rei da

Pérsia. Enfrentando os governadores locais da Pérsia em batalha aberta numlugar chamado Granico, não distante da antiga cidade de Troia, na primaverade 334 a.C., Alexandre mergulhou de corpo e alma na refrega. Seutemperamento tempestuoso surpreendeu até seus próprios generais mais velhose experientes. Vendo o inimigo do outro lado de um rio turbulento, em vez deesperar a chegada a um ponto mais apropriado para a travessia, Alexandreinvestiu com sua amada montaria sobre as águas conturbadas até chegar aooutro lado. Facilmente reconhecido pela vistosa pluma branca de seu capacete,ele era repetidas vezes atacado. Um guerreiro persa conseguiu até golpear comum machado sua cabeça, rachando o metal do capacete e chegando a cortarseus cabelos encaracolados. Mas Alexandre sobreviveu, e mais que isso:dizimou as forças inimigas. Segundo Plutarco, morreram 22.500 persas eapenas 34 gregos. Sempre ciente da importância de fazer com que todostomassem conhecimento de seus êxitos, Alexandre mandou de volta a Atenasos escudos capturados, com a inscrição: “De Alexandre, lho de Filipe, e detodos os gregos, exceto os espartanos.” Os espartanos jamais poderiamesquecer que se haviam recusado a aderir à aliança de seu pai.

E Alexandre tampouco se esqueceu de algo para sua querida mãe. Enviou-lhe os recipientes de bebida e as túnicas púrpura dos inimigos. Na verdade, aolongo de toda a campanha, Alexandre manteve-se em constante contato com amãe, contando-lhe o que estava fazendo e recebendo conselhos dela, emborasó de raro em raro (supostamente) os levasse em consideração. Ela foiprovavelmente o relacionamento mais importante em sua vida. Mais tarde,quando seus generais se queixaram da in uência da mãe sobre ele, Alexandreteria respondido simplesmente: “Uma lágrima de mamãe vale mais que dezmil de suas queixas.”

Mas apesar de ser uma espécie de lhinho da mamãe, Alexandre tambémsabia preparar o necessário coquetel de força militar, agilidade diplomática ebrutal vingança. Os gregos capturados como mercenários combatendo do ladopersa não mereciam contemplação, sendo mandados de volta para a Grécia,destituídos de seus direitos e internados em campos de trabalhos forçados.Certas cidades persas, aterrorizadas com sua aproximação, rapidamente serendiam. Outras mostravam-se mais astutas. Desejoso de se livrar

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rapidamente das complexas tramas políticas das diferentes minidinastias dolitoral da Ásia Menor, Alexandre muitas vezes entrava em acordo paraconceder o controle de determinada cidade aos governantes locais, em troca deabsoluta lealdade a ele. Onde quer que fosse, ele fazia o necessário pararoubar a lealdade das populações ao rei da Pérsia. Se elas queriam democracia,democracia ele lhes dava. Se queriam um governante, obtinham umgovernante. Ele só queria, em troca, uma lealdade inabalável. Escreveria umhistoriador moderno: “Todas as cidades eram livres, desde que obedecessem.”

Na primavera de 333 a.C., um ano depois de entrar na Ásia, Alexandremais uma vez tomou providências para reforçar sua imagem mítica. Atraídopela promessa de se desempenhar de uma missão jamais levada a cabo por umser humano, ele chegou à pequena cidade de Górdio, cerca de 70 quilômetrosa sudoeste da moderna Ancara, na Turquia. Nesta cidade havia um velhocarro de bois preso a uma corda com um nó inextricável. Havia uma profeciasegundo a qual aquele que o conseguisse soltar haveria de se tornar senhor detoda a Ásia. O nó, segundo se dizia, era insondável até mesmo para a mentemais ágil. Alexandre desembainhou a espada e simplesmente o cortou aomeio. Uma maneira de pensar rebelde e nada ortodoxa havia desfeito o nógórdio, transformando Alexandre no profetizado senhor da Ásia.

No dia 1º de novembro de 333, Alexandre nalmente conseguiu o quequeria: uma batalha contra o próprio rei da Pérsia. Dando-se conta de queAlexandre não era um mero carrapato em sua pele, o rei havia mobilizado umsigni cativo percentual de suas tropas espalhadas pelo império para enfrentá-lo num lugar chamado Issus, um rio estratégico passando perto da modernacidade turca de Iskenderun (Mapa 4). Mais uma vez, todas as chancespareciam se alinhar do lado persa: uma enorme quantidade de tropas persasacrescidas de grande número de mercenários gregos que preferiam lutar contraAlexandre. Alexandre adoecera pouco antes da batalha. Uma vez mais,contudo, o rei da Pérsia o subestimou, assim como a inerente fraqueza de seupróprio exército. Alexandre, como ainda hoje podemos ver no famosomosaico retratando a batalha numa vila romana construída mais tarde, coufrente a frente com o rei, chegando talvez a receber dele um ferimento deespada na coxa. No mosaico, ressalta a selvagem sede de combate nos olhosde Alexandre, em seu rosto e na expressão corporal, assim como aperplexidade de Dario ante o poderio do adversário. Também se percebe no

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rosto de Dario algo do pânico que logo haveria de se seguir. O rei foiobrigado a dar meia-volta e fugir, deixando para trás suas tropas, suabagagem, sua tenda real e até a mulher e os filhos.

Ainda coberto da poeira e da imundície da batalha, Alexandre entrou natenda do rei da Pérsia. Era o espaço de privacidade do rei durante acampanha, o símbolo máximo de seu poder, um palácio móvelextraordinariamente ornamentado. Alexandre o percorreu, deleitando-se comos tesouros e o poder que agora eram seus. Banhou-se na banheira do rei.“Isto é que é ser um rei”, teria murmurado para si mesmo.

A vitória em Issus acabou com o mito do poderio do império persa. Ascidades abriam suas portas para homenageá-lo e render-se a ele. A captura detantas riquezas e opulência deu a suas tropas coragem e sede de mais. Comolobos, com as narinas impregnadas do cheiro da presa, seus homens ladravampor mais conquistas. Humilhado, o rei da Pérsia, recuando cada vez mais parao interior de seu império, continuou cometendo seu maior erro: subestimar oinimigo. Propôs uma partilha do império persa com Alexandre. MasAlexandre, que nada tinha de moderado, quem sabe imaginando que o cansaçoe até o prazer eram fraquezas humanas, queria tudo. Ao atacar um impérioonde o poder estava concentrado nas mãos de um só governante, o queimportava era a captura ou a morte do próprio rei. Alexandre não aceitariamenos que isto.

Mas ele enfrentava um problema. Estava enveredando cada vez mais pelointerior da Ásia. Suas linhas de abastecimento se estendiam por milhares dequilômetros, e nem sempre ele podia estar certo de que os povos que haviaconquistado e submetido não haveriam de se rebelar e apunhalá-lo pelascostas. A esquadra persa também continuava singrando os mares, aportandoaqui e ali para atacar seu flanco. Ele precisava manter sob controle o territóriojá conquistado, especialmente no litoral, e se certi car de sua base de poder.Mais uma vez, valeu-se, para isto, de uma impressionante mistura de poderiomilitar, habilidade sobre-humana, perversa vingança e uma extraordináriacapacidade de construir o próprio mito. O assédio da cidade de Tiro, nolitoral do moderno Líbano, por volta de janeiro de 332 a.C., rapidamenteentraria para a lenda. Situada nessa época numa ilha a cerca de 800quilômetros do litoral, a cidadela forti cada de Tiro considerava-se

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inexpugnável, mesmo se tratando de Alexandre. Mas Alexandre, depois de setemeses de incansável cerco, com a ajuda da astúcia, da engenhosidade e de umaincansável determinação, tomou a cidade intocável. Assediando não muitodepois a antiga cidade de Gaza, ele a tomou em apenas dois meses e impôs umcorretivo exemplar ao seu líder, arrastando-o ao redor das muralhas amarradoao traseiro de sua carruagem, exatamente como o mítico herói Aquiles zeracom seu inimigo Heitor ao redor das muralhas de Troia.

O Egito, em contraste, recebeu Alexandre de braços abertos. Nunca tendosido admiradores do rei da Pérsia, os egípcios deram as boas-vindas a seu“libertador” e o coroaram faraó. Foi então que Alexandre tomou uminesperado desvio de cerca de 500 quilômetros pelo deserto para visitar ooráculo sagrado do deus egípcio Amon em Siwa (Fig. 14). Lá, teria sidoinformado de que os assassinos de seu pai tinham sido devidamente punidos(não teria sido então o próprio Alexandre) e de que, de qualquer maneira, seupai não era Filipe, mas o próprio deus Amon (a mãe de Alexandre realmenteera uma mulher de sorte: teria feito sexo com o deus quando ele assumiu aforma de uma cobra). Ao retornar do deserto, Alexandre não era mais apenasum homem que agia como um super-homen, mas meio-homem, meio-deus,com provas genealógicas.

Ele era também um homem misericordioso. Aparentemente não encostouum dedo na mulher e nos lhos do rei da Pérsia, embora, como tivessem sidocapturados numa guerra, ele tivesse o direito de fazer com eles o que bementendesse. Ao morrer a viúva, Alexandre fez com que fosse sepultada comgrande pompa e circunstância. Um espião que conseguiu fugir e ir ao encontrodo rei da Pérsia informou que “Alexandre mostrou-se tão nobre na vitóriaquanto fora terrível em combate”. Sofrendo terrivelmente e cada vez maisisolado e impotente, o rei Dario orava para ter forças para derrotar umhomem como aquele, mas, se não conseguisse, que ninguém menos valorosoque Alexandre tomasse o seu trono. Tentando suborná-lo mais uma vez comriquezas ilimitadas, o rei da Pérsia recebeu o ultimato de Alexandre: “Renda-se a mim, e será tratado com toda cortesia. Caso contrário, investireiimediatamente contra você.”

Alexandre logo estaria novamente em campo, dessa vez enfrentando o rei,que tinha mobilizado novo exército, num lugar chamado Gaugamela, a lestede Mossul, no moderno Iraque (Mapa 4). O rei jogou contra Alexandre tudo

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que tinha: cada combatente das mais estranhas terras bárbaras, carros decombate citas (carros com lâminas rotatórias presas às rodas) e até elefantes.Nos dias que antecederam a batalha, Alexandre cercou-se de adivinhos, delescobrando uma interpretação desse sinal sobrenatural. Com seu adivinhopessoal, cumpriu ritos e sacrifícios ao deus do medo. Dormindo como umbebê, teve de ser despertado por seus generais para a batalha a 1º de outubrode 331 a.C. Saindo do repouso, Alexandre, lho de um deus, foi ao encontrodo adversário.

Mais uma vez, Alexandre investiu direto contra as linhas inimigas, embusca da presa. Mais uma vez, viu-se frente a frente com o rei da Pérsia, tãoperto que olhava em seus olhos, admirando seu porte elegante e altaneiro, masnão o su ciente para desferir o golpe mortal. O rei da Pérsia mais uma vezdeu meia volta, dilacerando os corpos dos guarda-costas tombados com aslâminas do seu carro, na pressa de escapar à morte certa. Abandonando ocarro, com as rodas presas às carnes dilaceradas, o rei saltou num cavalosolitário e se foi a galope. O rei Dario III, o homem que comandara o maiorimpério jamais visto, estava reduzido a cavalgar sozinho ao fugir para bemlonge.

As grandes cidades da Pérsia caíam nas mãos de Alexandre. Babilônia, noterritório hoje ocupado pelo Iraque, recebeu-o como “rei do universo”. Susa, acapital nanceira e administrativa, foi tomada. Finalmente, em maio de 330a.C., a grande capital simbólica da Pérsia, a cidade de Persépolis, no territórioatual do Irã, a mais de 2.600 quilômetros do ponto onde Alexandre haviaentrado na Ásia, entregava-se indefesa (Mapa 4). Alexandre assumiu ocontrole da cidade central do império persa. Seu empenho de corrigir os malesin igidos pela Pérsia à Grécia estava consumado. Enviando de volta à Gréciaos bens culturais roubados pelos persas e escondidos em Persépolis ao longodos anos, Alexandre proclamou que a Grécia era agora a suprema potência domundo antigo. Nesse noite, num banquete oferecido em Persépolis paracomemorar a vitória, Alexandre foi seduzido por uma ateniense, amante deum de seus generais, com a ideia de que seria uma deliciosa ironia se ela, umacortesã, uma das guras menos importantes da sociedade grega, ateasse fogo àpoderosa cidade do outrora poderoso rei da Pérsia, o indivíduo mais poderosodo império persa. Impressionado com a audácia da proposta, Alexandre deusua permissão para que a grande cidade fosse incendiada (Fig. 15).

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Contemplando as chamas que lambiam a esplêndida arquitetura domagní co palácio, destruindo sua rica história, até Alexandre, o invicto etalvez invencível, deve no entanto ter-se dado conta de que chegara a umaencruzilhada. A invasão da Pérsia, conclamação inicial da Liga de Corintofundada por seu pai e da campanha por ele próprio empreendida, estava agorapraticamente concluída. Con gurando-se a missão original até o momentocomo um retumbante sucesso, deveria ele deter seu avanço, desfazer a liga,reconduzir seu exército de volta para casa e permitir que cada um seguisse oseu caminho? Seria ele o líder escolhido pelos gregos para conduzi-los em suacampanha de correção de passados erros, devendo agora, com o devercumprido, dar-lhes ouvidos se quisessem voltar para casa? Ou seria o lídercapaz de fazer o que bem quisesse, devendo os gregos segui-lo servilmente?Alexandre encontrava-se na con uência de vários mundos — era o líder dascidades da antiga Grécia, o rei da Macedônia, devendo em breve tornar-se omonarca absoluto do império persa —, e agora tinha de decidir o que fazercom todo esse poder. Que tipo de rei era ele? Que tipo de rei desejava ser?Que tipo de rei permitiriam o povo e as cidades da Grécia que ele fosse?

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E

CAPÍTULO 15

Governando o mundo antigo

m 330 a.C., um ano apenas depois de sua vitória esmagadora emGaugamela, tornara-se ainda mais agrante a defasagem entreAlexandre como líder grego e Alexandre como rei da Pérsia. O rei

Dario, fugindo a cavalo da batalha de Gaugamela para salvar a vida,ironicamente contando ainda com a lealdade apenas de seus mercenáriosgregos, nalmente fora assassinado pelos próprios súditos em julho de 330. Ogrande rei fora detido e preso a correntes de ouro, para ser então brutalmentemorto com uma lança e deixado à beira de uma longa estrada que cortavacomo uma espinha todo o império persa e mais além. Alexandre, obrigandoseus homens a darem perseguição a Dario no calor escorchante do verão,encontrou seu corpo cravado de dardos. Dario ainda respirava. Vendo aquelegrego que conseguira derrubar seu império mundial, que havia respeitado suamulher e seus lhos até a morte, ele pediu a Alexandre um pouco de água e oabençoou como seu sucessor. A passagem de poder entre os dois homens maispoderosos do mundo antigo ocorreu sobre o empoeirado dorso da espinhacomercial da Pérsia. Alexandre cobriu Dario com sua capa e a estendeu até seurosto quando o grande rei nalmente deixou este mundo. Declarou-se entãolegítimo sucessor de Dario e governante do império persa.

O corpo foi sepultado num majestoso funeral. Durante o ano que seseguiu, Alexandre perseguiria o assassino do rei, um persa chamado Bessus,que também tentara declarar-se rei do que restava do império persa.Finalmente alcançado no território do moderno Afeganistão na primavera de329 a.C., Bessus foi condenado à morte pelo assassinato do rei Dario, sendoexecutado de acordo com o costume persa: seu corpo foi amarrado a duasárvores forçadas em direção uma à outra, sendo lentamente esquartejado à

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medida que a força da natureza as ia reerguendo. Era uma mortehorrivelmente torturante que vinha devagar, à medida que pele, músculos,tendões, ligamentos, artérias e órgãos aos poucos se dilaceravam.

À medida que se transformava no incontestado rei da Pérsia, além de líderda Grécia e rei da Macedônia, Alexandre tornava-se o homem maisimportante do maior império jamais conhecido pelo mundo antigo. Quando aúltima grande cidade do império persa, Ecbátana, a moderna cidade iranianade Hamadã, caiu em suas mãos no verão de 330 a.C., sua missão de se vingarda Pérsia em nome da Grécia estava incontestavelmente consumada (Mapa 4).Agora ele estava no controle. Mas assim como se rmava seu domínio sobre aPérsia, seu controle da Grécia aparentemente cedia. Em 331, o ano de seugrande triunfo em Gaugamela, Esparta, a única cidade da Grécia que não seintegrara à liga de seu pai e que fora constantemente desprezada porAlexandre, tentou rebelar-se contra o controle da Macedônia. A revolta erananciada com dinheiro persa — o último lance de dados do rei persa para

tentar comprometer a campanha de Alexandre. Foi brutalmente esmagadapelo lugar-tenente de Alexandre, Antípatro, que havia servido lealmente ao seupai e a cujo lado ele próprio combatera em Queroneia em 338 a.C., e que foradeixado por Alexandre no controle da Grécia. Antípatro estava cuidando deuma revolta semelhante na Trácia, no norte da Grécia, quando se viu forçadoa rumar para o sul para enfrentar a ameaça espartana. Os dois exércitosnalmente se enfrentaram na recém-construída cidade de Megalópolis, no

Peloponeso, numa batalha que — embora tenha sido vencida por Antípatro,que matou o rei de Esparta — causou a morte de 3.500 macedônios.

Apesar de ter causado grandes perdas entre os macedônios, a rebeliãotalvez estivesse desde o início fadada ao fracasso. Nem mesmo Demóstenes,ainda retido em Atenas e destilando um ódio mudo contra Alexandre, sepronunciou na assembleia pela adesão dos atenienses à rebelião. Mas emborafosse o sinal mais evidente de insatisfação na Grécia de Alexandre, Espartanão era o único. A própria Atenas vinha há anos conduzindo uma sutil políticaexterna contra Alexandre, e ele nunca depositara total con ança nas tropas eembarcações fornecidas pelas cidades gregas. A marinha ateniense, porexemplo, motivo pelo qual tanto Filipe quanto Alexandre haviam poupadoAtenas duas vezes, nunca seria realmente usada em batalhas por Alexandre,por medo de que o traísse. Ao se tornar o governante incontestado da Pérsia,

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Alexandre teve de enfrentar o fato cada vez mais evidente de que havia naGrécia muita gente insatisfeita com seu domínio.

Ao avançar o ano de 330 a.C., também cava claro que, muito mais pertode Alexandre, não faltavam vozes igualmente avessas. Sua vitória emGaugamela e o m da busca de uma vingança para os gregos haviam suscitadoapelos de suas tropas gregas, calejadas e exaustas, que queriam voltar paracasa. Elas estavam há três anos em constante campanha, distantes dasfamílias, de suas cidades e de seus campos de cultivo. Chegando a Ecbátana,último reduto inimigo, a 2.400 quilômetros do litoral grego, no verão de 330,Alexandre tomou a decisão de dispersar as tropas e a esquadra aliadas. Nãomais con ando no resto da Grécia, ele tinha ao seu redor, no coração da Ásia,apenas seus guerreiros macedônios e mercenários. Mas eles tambémcomeçavam a cochichar contra ele. No outono de 330, um de seus o ciaismais graduados, um homem chamado Filotas, foi acusado de tramar oassassinato do rei Alexandre, o Grande. Seu prontuário já cara sujo poucoantes quando ele estupidamente disse a sua amante que Alexandre só tiveraêxito por contar com um general brilhante (o pai dele próprio, Filotas).Furioso com o insulto a sua capacidade e reputação, Alexandre, emborangisse mandar investigar a acusação, na realidade mobilizou imediatamente

um assassino para acabar com Filotas. Não demorou, e o pai de Filotas, o lealgeneral de Alexandre, também seria morto. Alexandre não aceitava qualquerato de insubordinação. Ao chegar ao m o ano de 330 a.C., cava cada vezmais claro o tipo de rei que Alexandre pretendia ser.

A questão de saber em quem Alexandre podia con ar em suas própriasleiras não era nova. Não haviam tantos reis macedônios sido mortos por

membros da própria família? E não era possível que o próprio Alexandretivesse assassinado seu pai? Desde o início de sua campanha, Alexandre tiverade decidir em quem confiar. Quando ele adoeceu antes da batalha de Issus, umde seus homens preparou um remédio especial para ajudá-lo a se recuperar,enquanto outro de seus subordinados lhe escrevia uma carta dizendo que nãocon asse naquele que havia preparado o medicamento. Alexandre ingeriu oremédio no mesmo momento em que obrigava o homem a ler a carta em queera acusado de traição. No mundo antigo, tomar uma decisão sobre aquelesque mereciam confiança muitas vezes já era uma questão de vida ou morte.

Mas agora já não era simplesmente uma questão de saber em quem

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con ar, mas de saber como governar. Alexandre enfrentava um dilema. Paragovernar um território tão vasto quanto o império persa, com milhares dequilômetros de extensão, ele não podia contar apenas com seu pequenocontingente de tropas macedônias. Apesar de suas capacidades sobre-humanas,Alexandre não podia estar ao mesmo tempo em toda parte. Precisava valer-seda vasta burocracia criada pelos reis persas cujos passos seguia. Emconsequência, era perfeitamente natural que mantivesse em funcionamento ossistemas de governo provinciais, empregando em sua corte persas experientes edignos de con ança. E também fazia sentido que começasse a recrutar etreinar unidades militares locais para reforçar seus contingentes. ComoAlexandre pudera comprovar nos campos de batalha, os combatentes persasnão eram onipotentes. Ele conhecia melhor que ninguém suas fraquezas e seuspontos fortes. Em vista disso, começou a treinar combatentes persas nastáticas militares e nos armamentos macedônios. Simultaneamente, tal comozera seu pai na Macedônia, para garantir as relações com as tribos vizinhas,

tratou de rmar alianças com tribos locais, através dos laços de casamento.Em 329, 328 e 327 a.C., Alexandre teve de enfrentar uma guerra de guerrilhaparticularmente violenta e difícil, primeiro contra o assassino de Dario, opretenso candidato a rei da Pérsia Bessus, na Bactriana, e depois contra tribosda vizinha e rochosa Sogdiana (ambas no território do atual Afeganistão;Mapa 4). Tal como em episódios históricos mais recentes, o numerosoexército de Alexandria cou retido na rochosa paisagem de montanha, com osredutos do inimigo encarapitados no alto dos montes e os guerrilheirosescondidos em cavernas e vales profundos. No m de 328 ou no início de 327a.C., para contribuir para a conquista militar até certo ponto bem-sucedida deSogdiana e comemorar a recente capitulação do último governante local, eleconcordou em se casar com Roxana, a filha desse governante.

Boa parte disto era motivo de irritação para suas tropas e seus o ciaismacedônios. Aquele homem era um conquistador dos persas ou de apenas umdeles? Alexandre substituíra Filotas e seu pai por novos generais, um dos quaisconcordava com sua política de integração, ao passo que outro posicionava-seclaramente do lado macedônio. Juntos, esses dois homens, embora discutissemacerbamente quanto às decisões de Alexandre, representavam as diferentesfaces de Alexandre para seus conterrâneos gregos e os nativos persas. Mas

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havia duas questões que não podiam ser resolvidas com essa política de dividirpara reinar.

A primeira dizia respeito aos trajes de Alexandre. Sempre era possívelconhecer um grego por suas roupas. Tal como hoje, elas constituíam um clarodiferencial de cultura e origem. Alexandre sempre fora um machão grego, comroupas condizentes. Agora, no entanto, ao assumir o papel de rei da Pérsia,penetrando sempre mais em território asiático e se embebendo da burocraciapersa, sua indumentária tornava-se cada vez mais persa. Inicialmente, comorelataria Plutarco, ele combinava as duas modas, usando trajes locais sóquando se encontrava com persas, e não com gregos. Mas essa constantemudança de indumentária logo evoluiria para um novo guarda-roupa xo.Alexandre, rei da Macedônia, líder dos gregos, conquistador da Pérsia, vestia-se agora como o inimigo.

Ao que parece, os combatentes gregos até que se dispunham a aceitar ostravestimentos do rei. Mas não toleravam um outro costume persa por eleadotado. Os persas deviam prostrar-se sempre que se apresentassem diante dorei. Deixar de fazê-lo signi cava o mais grave insulto ao governante, algo quesolapava pela base a autoridade do reinado persa. Para se tornar efetivamenterei da Pérsia, Alexandre tinha de aceitar esse tratamento, conhecido comoproskynesis. Mas nenhum grego, fosse rei ou não, havia jamais sidohomenageado dessa maneira: para os gregos, semelhante honra era reservadaapenas aos deuses. Um ou dois líderes gregos haviam sido cultuados comodeuses ainda em vida, sendo o caso mais recente o do pai de Alexandre, Filipe,que no entanto havia sido morto no dia em que decidira integrar-se àprocissão dos deuses. Comportar-se ou ser tratado como um deus vivo era omesmo que convidar a vingança divina sobre todos os demais. Nenhum gregose prosternava diante de outro grego, nem tampouco um macedônio que otivesse como rei. Fazê-lo seria uma traição da própria essência da religião, dacultura e da sociedade gregas. Seria o cúmulo da deslealdade.

Os gregos não só se recusavam a se prostrar diante de Alexandre como oreprovavam seriamente por aceitar esse tipo de homenagem dos cortesãospersas, considerando que tais atos representavam uma desonra para os deuses.Alexandre fora apanhado numa terra de ninguém entre duas culturas muitodiferentes. Para governar uma delas, tinha de se comportar de uma forma queo tornava inaceitável para a outra. Sua reação, conforme relataria Plutarco,

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consistiria em tentar “misturar as vidas e os costumes dos homens numa taçada amizade”, na esperança de que a mistura de “raças e culturas contribuíssemuito para abrandar o coração dos homens”. Eram um objetivo e um planode ação dos mais respeitáveis, algo que ainda hoje, em nosso mundoglobalizado, tentamos tornar realidade.

No verão de 328 a.C., a tensão no campo de Alexandre chegou mais umavez a um ponto insuportável. Um de seus recém-eleitos generais, que lhe haviasalvado a vida na primeira batalha pelo controle da Ásia, em Granico, seisanos antes, voltava-se agora contra seu comandante. Certa noite, com a vozcarregada pelo álcool ingerido num banquete, esse homem, apelidado deCleitos, “o Negro”, gritou para Alexandre: “Foi pelo sangue dos macedônios epor esses ferimentos no meu corpo que te tornaste tão grande que renegas oteu pai e te fazes passar por lho de um deus!” Apesar das exortações a que secalasse, Cleitos não se deteve. Proclamou que era uma desgraça que osmacedônios tivessem de pedir autorização aos persas para ver um rei grego.Era melhor morrer a ser desonrado dessa maneira. Alexandre saltou do sofáonde bebia para calar seu atrevido subordinado. Semelhante reação, de abafara livre expressão, era exatamente o que se esperava de um bárbaro persa,retrucou Cleitos. E acrescentou: “Se não queres fazer as coisas da maneiragrega, trata de te cercar de puxa-sacos bárbaros.” Furioso, Alexandre atirouuma maçã na cabeça de Cleitos. Enquanto Alexandre convocava seu guarda-costas, seus seguidores tentavam acalmá-lo e impedir que o trombeteiro soasseo alarme. Alexandre esmurrou o trombeteiro por desobedecer a suas ordens.Cleitos foi conduzido à força para fora do salão, mas deu um jeito deretornar, gritando: “Este governo é uma desgraça para a Grécia!” Alexandrelançou mão da lança de um dos guardas e com ela perfurou Cleitos.

Alexandre, dado a acessos de paixão e raiva, imediatamente se arrependeude seu ato e pode até ter tentado matar-se (seus homens tiveram de encontrarum lósofo para aplacar sua culpa, explicando que, sendo um homem tãopoderoso, ele tinha o direito de fazer coisas assim). Ele passou a noitechorando amargamente a perda do amigo que lhe salvara a vida. Mas a perdanão pôs m a sua tendência a matar os que dele discordassem. Um outrosubordinado, Calistenes, que se opunha à tradição persa de prosternaçãodiante do rei e pode ter-se envolvido em outra trama para matar Alexandre,pagou com a própria vida por isto no ano seguinte.

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É por volta dessa época, na passagem de 327 para 326 a.C., que parece tercomeçado uma nova fase das aventuras de Alexandre. Em vez de voltar nadireção da Macedônia, ele se encaminhou ainda mais para leste. Deixandopara trás muitos de seus soldados em guarnições permanentes incumbidas demanter o controle da agitada região tribal de Sogdiana, que só parcialmenteele havia aplacado com seu casamento com a princesa local Roxana,Alexandre tratou em 327, com o cerne da sua infantaria macedônia, além deum numeroso exército recém-constituído na região, de chegar à antiga Índia edar prosseguimento a sua campanha de conquista até os limites da terra. Tudoindica que Alexandre, não obstante a crescente oposição, tomarade nitivamente a decisão sobre que tipo de rei queria ser: um reiconquistador, um rei do universo, um “rei dos reis”, como viria a carconhecido.

A marcha sobre a Índia foi difícil e exaustiva. Alexandre enfrentou opoderoso rei Porus, que circulava montado num elefante, como um gregocircularia num cavalo, comandando exércitos ainda mais numerosos que os deAlexandre. Mas Alexandre mais uma vez demonstrou sua invencibilidade embatalha, nalmente obrigando o grande Porus a se sentar na mesa denegociações. Novamente Alexandre evidenciou sua habilidade associandosuperioridade militar e esperteza diplomática: em vez de acabar com Porus, oque lhe custaria tempo, dinheiro e baixas, Alexandre transformou-o em amigoe aliado. Dois homens tão diferentes, de mundos e culturas tão diferentes,decidiram tratar-se reciprocamente como reis (embora, naturalmente,Alexandre estivesse em posição superior como monarca). Foi um acordo decavalheiros escorado na força, dando a Alexandre sua primeira cabeça deponte na Índia.

Foi mais ou menos na época dessa batalha e da subsequente aliança que ocavalo de Alexandre — que ele próprio havia domado na juventude, naMacedônia, na presença do enciumado mas orgulhoso pai, que o haviatransportado por boa parte da Pérsia, tendo sido montado por Alexandre emtodas as batalhas de que participara — nalmente morreu. Foi uma grandeperda pessoal para o rei. Alexandre não só enterrou o cavalo, chamadoBucéfalo, com grande pompa, como fundou uma cidade em sua homenagem: acidade de Bucéfala, localizada atualmente no Paquistão.

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Não muito tempo depois dessa comovente homenagem à relação entre umhomem e um animal (Alexandre também pode ter dado a uma cidade o nomede seu amado cão Peritas), Alexandre seria mais uma vez lembrado de que osrelacionamentos entre os homens nem sempre eram tão satisfatórios. Àsmargens do rio Beas (também conhecido como Hífasis), que nasce noHimalaia, a rmam as fontes antigas que as exaustas tropas de Alexandre, quehaviam percorrido na região algo perto de 20.000 quilômetros, marchandopara cá e para lá por toda a Ásia, acabaram por se recusar a continuarseguindo seu grande líder (Mapa 4). Alexandre teria retornado a sua tendaperto do rio Hidaspes e curtido seu mau humor durante dias, para nalmentedirigir-se a seus calejados mercenários. Inicialmente, tentou seduzi-los com aexpectativa de novas conquistas: prosseguir em direção leste e “aumentar essenosso império macedônio”. Mas os homens não queriam saber disso, já tendovisto tesouros de conquistas anteriores serem queimados por seu implacávellíder para aliviar o peso da carga quando se preparavam para atravessar omaciço do Hindu Kuch em 329. Alexandre tentou então inspirá-los comparalelos divinos, proclamando que estavam realizando feitos semelhantes aosdos deuses e heróis. De nada adiantou. Eles estavam praticamente no m domundo, e seria uma vergonha e mesmo perigoso deixar essas derradeirasparagens sem conquistá-las, prosseguiu ele. Ainda nenhum resultado.Finalmente, Alexandre lembrou-lhes a vida inglória que haviam deixado paratrás e o pouco que os esperava em casa: “simplesmente manter sob controle ostrácios (...) e aqueles gregos, que não nos apreciam muito”. Alexandre deu-lhes apenas duas alternativas: serem policiais em casa ou homens de glória efortuna no fim do mundo.

Respondendo a seu discurso, seus homens lembraram que Alexandreprometera não ser um ditador, mas alguém que liderasse pela persuasão. Elesnão estavam convencidos. Queriam voltar para casa, onde Alexandre, se assimquisesse, poderia arregimentar novas tropas, mais jovens e bem-dispostas,para dar prosseguimento à conquista do mundo. Não importava o tipo de reique Alexandre acaso quisesse ser, nem o que de fato queria naquele momento:ele não poderia ser um rei de espécie alguma sem o seu exército. À beira dorio Hidaspes, no território do moderno Paquistão, Alexandre foi obrigado alançar o olhar sobre as corredeiras para alcançar as terras que se estendiam adistância e em seguida dar-lhes as costas. A quase 5.000 quilômetros de casa

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— tão perto daquela que julgava ser a última extensão de terra antes dogrande mar que cercava o mundo, mas que percebia agora estender-se naverdade muito além, na direção de mundos e terras desconhecidos —,Alexandre nalmente chegara àqueles que seriam os limites de seu novoimpério mundial.

Apesar da decepção, Alexandre não perdeu o gosto dos lances dramáticos.Querendo deixar bem clara sua autoridade para qualquer tribo, rei ou invasorque um dia pensasse em atravessar o rio vindo do outro lado, para ocupar seuterritório, ele deu ordens para que fossem moldadas estátuas gigantescas,montados grandes altares, moldadas armaduras para gigantes e preparadosarreios para cavalos desproporcionais, deixando tudo isto espalhado àsmargens do Hidaspes. A mensagem enganosa, mas brilhante, eraperfeitamente clara para qualquer invasor em potencial: “Não se aproximedessas terras, pois nela poderá encontrar gigantes...”

Mas Alexandre ainda não havia desistido completamente das conquistas.Deu meia-volta e concordou em marchar de volta para casa com seus homens,mas não prometeu quando, como nem em que ritmo. Dando ordens para aconstrução de uma esquadra, ele navegou e marchou com seus homens emdireção ao sul, rumo ao moderno mar da Arábia, seguindo o curso doHidaspes, que desemboca no caudaloso Indo, a grande artéria da região, entãocomo hoje (Mapa 4). No caminho, encontrou seu mais feroz inimigo atéentão: as tribos do Punjab. As batalhas que se seguiram quase custaram a vidaa Alexandre. Num dos assédios, como sempre sequioso da refrega, ele saltousozinho nas muralhas da cidade inimiga. Defendendo-se sozinho dos ataques,ele foi ferido várias vezes, mas só tombou quando uma echa cravou-seprofundamente em seu peito. Resgatado por seus homens, seus generais emédicos passaram a avaliar o que fazer. Deixar a echa cravada seria mortecerta, por infecção. Removê-la signi caria uma torturante agonia epossivelmente a morte, pela perda de sangue e o dilaceramento de órgãos. Oshomens de Alexandre não conseguiam tomar a decisão de arrancá-la.Agarrando a haste, Alexandre, meio delirante de dor, tentou arrancar a echado próprio corpo. Só então, vendo suas mãos tremerem tanto de dor que elecertamente haveria de se matar se prosseguisse, seus homens entraram emação e, não obstante o som da ponta de metal da echa friccionando o osso,

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tiveram coragem de arrancá-la do seu peito.Não satisfeito em se recuperar rapidamente dessa experiência de quase

morte, Alexandre logo estaria novamente conduzindo suas tropas em direçãoao sul, até chegarem perto do mar aberto. Alexandre ofereceu sacrifícios aosmesmos deuses que havia homenageado ao dar início a sua missão deconquista da Pérsia, quase dez anos antes, orando para que nenhum homemjamais pudesse superar suas conquistas. Finalmente dando as costas ao solnascente, ele empreendeu então a longa viagem de volta para casa.

Mas na esquadra por ele construída suas tropas não poderiam singrartranquilamente em direção à pátria. À frente encontrava-se o deserto deGedrosia, região árida e montanhosa do litoral norte do mar da Arábia. Háquem diga que Alexandre quis marchar com seus homens por essa regiãoinóspita como castigo por não terem querido acompanhá-lo mais em direçãoleste. Outros a rmam que ele queria atravessar essa região porque, segundolhe haviam dito seus habitantes, ninguém até então conseguira fazê-lo esobreviver, e Alexandre exultava com a possibilidade de mais uma vezinscrever seu nome nos anais da lenda. Qualquer que tenha sido o motivo, ofato é que Alexandre agora marchava durante 60 dias com suas tropascansadas por essas terras desérticas. Durante 60 dias, eles enfrentaram umcalor escorchante e areias movediças que engoliam, em certos casosliteralmente, homens e animais. Durante 60 dias, seus homens foram forçadosa matar secretamente seus próprios cavalos e mulas para se alimentar.

Durante 60 dias, eles enlouqueceram de sede, a tal ponto que muitos,encontrando água nalmente, bebiam em tal quantidade que morriam de umtipo de intoxicação hoje conhecido como hiponatremia. Quando não erammortos por beber água demais, os homens de Alexandre também podiam serderrotados pura e simplesmente pela súbita presença do elemento água.Acampando junto a uma fonte aparentemente modesta de água, o exércitopodia às vezes ser surpreendido à noite por sua transformação em furiosatorrente descendo da montanha após chuva pesada, arrastando seus pertences,suprimentos, mulheres, filhos e até, em certa ocasião, a tenda real.

Sessenta dias depois, uma arrasada coluna de sobreviventes conseguiachegar ao m dessa marcha suicida, mais uma vez levando Alexandre aoslivros de história, e prosseguir em direção oeste rumo ao pôr do sol e de voltaà Pérsia. Retornando ao coração de seu novo império persa em 324 a.C.,

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quase dois anos depois de terem seus homens exigido a volta para casa (e elesainda estavam muito longe da Macedônia), Alexandre comemorou a voltacom um grande festival em homenagem ao deus Dionísio, festejo que couquase tão famoso quanto sua terrível marcha pelo deserto (desta vez, pelalicenciosidade, e não pelas di culdades encontradas). Alexandre tambémaproveitou a oportunidade para fazer um balanço de seu novo mundo. E o queconstatou não foi nada agradável. Um considerável percentual das provínciasde seu novo reino evidenciava diferentes graus de deslealdade. A inquietaçãoera generalizada, e seus generais e soldados gregos ainda não estavamsatisfeitos com sua política de integração entre persas e gregos. Mas se ossoldados gregos imaginavam que ele já esgotara os recursos de sua política,estavam muito enganados. Retornando do leste, Alexandre redobrou esforçosno sentido de misturar vidas e costumes na taça da amizade. Os soldadospersas treinados nas práticas macedônias estavam prontos para operar, sendointroduzidos no exército regular como uma unidade própria. Novosgovernadores persas foram importados para a estrutura de comando deAlexandre. Em fevereiro de 324 a.C., na suntuosa cidade persa de Susa, emterritório modernamente ocupado pelo Irã, Alexandre tentou levar suacampanha de integração a uma nova etapa, forçando muitos de seus homens ase casarem com noivas locais, sem querer saber se já tinham ou não esposas.Embora milhares se tenham casado assim, muitos da elite de seus combatentestambém se recusaram sem rodeios a cumprir o desejo do comandante. “Tudoisto indispôs os macedônios”, relataria o historiador Arriano, “que achavamque Alexandre se tornara um verdadeiro bárbaro, tratando os costumesmacedônios e os próprios macedônios sem o devido respeito.”

Mas Alexandre também cou indignado com a deslealdade dosmacedônios. No verão de 324, dois meses apenas depois de suas tentativas decasamento em massa em Susa, ele deu início ao processo de retorno para casadas principais tropas macedônias que o haviam acompanhado desde seusprimeiros passos em solo asiático. Num lugar chamado Opis, não longe daatual cidade de Bagdá no Iraque, Alexandre ofereceu aos que estavam “inaptospara o serviço” a possibilidade de voltar para casa. Os homens protestaramindignados contra essa desonra: embora quisessem ir para casa, serem assimdispensados pelo comandante como “inaptos para o serviço” era um durogolpe. Protestando contra isto e contra as recentes tentativas de integração de

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Alexandre, eles enfureceram o rei, desa ando-o sarcasticamente: se nãoprecisava mais deles, por se ter tornado divino e todo-poderoso, ele podia darprosseguimento sozinho a sua campanha, ao lado de seu suposto pai, o deusAmon. Alexandre, governante de uma tão grande extensão de terras do mundoantigo, foi levado à fúria por suas tropas. Executando os líderes da revolta, elelembrou aos chocados macedônios o quanto deviam a ele próprio e a seu pai:“Meu pai os encontrou vagando sem rumo, trajando peles de carneiro etrabalhando como agricultores nas montanhas (...) deu-lhes roupas adequadas(...) transformou-os em guerreiros (...) ofereceu-lhes cidades onde morar e leispara guiá-los. Transformou-os em senhores dos seus inimigos (...) emgovernadores da Tessália (...) ajudou-os a submeter o povo de Fócis e (...) osatenienses e os tebanos (...) e resolveu as questões no Peloponeso (...) euderrotei o rei da Pérsia e entreguei-lhes toda a Jônia (...) Toda a riqueza doEgito e de Cirene (...) agora lhes pertence. A Síria, a Palestina e aMesopotâmia são suas, assim como a Babilônia, a Bactriana e Elã. São suas asriquezas da Lídia, as joias da Pérsia, os tesouros da Índia e o oceano inteiro.Vocês são os senhores, os governadores, os generais. Quanto a mim, que meresta de todo esse trabalho?”

Os homens de Alexandre caram perplexos com essa explosão eimploraram seu perdão, recusando-se a se afastar de sua tenda até que ele sedecidisse a perdoá-los. Em sua homenagem, Alexandre deu um grandebanquete. Mas seus problemas longe estavam de ter acabado. Muitosguerreiros veteranos (talvez 10.000 ou mais), apesar dos discursos e dahospitalidade de Alexandre, continuavam buscando uma oportunidade dedeixar o exército e voltar para casa na Macedônia. No m de 324 a.C.,Alexandre talvez já contasse apenas com 2.000 cavalarianos macedônios e13.000 infantes, em comparação com dezenas de milhares de soldados locais.Ao mesmo tempo, seu ministro das nanças, o homem a quem havia con adoa gestão da riqueza do império, havia dissipado boa parte dela com suaamante, uma prostituta, e agora fugia para Atenas com outra grande porção.Por outro lado, muitas cidades e Estados da Grécia começaram a se queixarseriamente da recente ordem de Alexandre para que todas as cidades gregasfossem obrigadas a receber de volta os que haviam sido exilados no exterior.Cada boato da morte de Alexandre que chegava à Grécia levava as sementes

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da rebelião ao ponto de germinação. Antípatro, seu leal lugar-tenente naGrécia, estava constantemente alerta para manter o controle. Pior ainda paraAlexandre foi o fato de um de seus generais, seu amigo mais próximo (e talvezmesmo mais que amigo), um homem chamado Heféstion, ter morrido defebre, depois de beber demais, no mesmo verão de 324 a.C., em Ecbatana.Deslocando-se para a cidade, Alexandre, transido de dor, o que não pareciaapropriado para um governante divino, ordenou que as autas se calassem eque as caudas e crinas dos cavalos fossem atadas, em sinal de luto; e mandoumatar o médico que não conseguiu salvar seu amigo. Heféstion foihomenageado como um herói mítico, ao qual Alexandre ofereceu os corpos dejovens locais sacri cados e em cujo túmulo depositou incontáveis peças deouro.

Na passagem de 324 para 323 a.C., Alexandre foi-se tornando cada vezmais distante, descontrolado e violento. Pode ter dado a ordem de sua própriadeificação — passando a ser cultuado como um deus vivo — em Susa, em 324.Macedônios que chegavam da Grécia para homenageá-lo na cidade deBabilônia, 85 quilômetros ao sul da moderna Bagdá, acharam graça ao verhomens se prosternando no chão em sua homenagem. Alexandre agarrou-ospelo cabelo e esmagou seus crânios contra a parede. Começou a sonhar comcampanhas ainda mais ambiciosas de conquista, dessa vez contra Cartago, nonorte da África, e a Arábia. Começou também a enxergar maus presságios acada passo. Passou a beber e a fazer sacrifícios constantemente para seproteger. Depois de uma bebedeira particularmente forte, contraiu febre a 2de junho de 323 a.C. e bebeu mais vinho ainda, em vez de água, para se curar.Dando prosseguimento a seus planos militares apesar da febre, sua doença, emgrande medida em virtude de continuar bebendo, tornou-se violenta e elecomeçou a delirar. Em questão de dias, já não conseguia falar, e a 10 de junhode 323 a.C., um mês apenas antes de completar 33 anos, o rei Alexandre III daMacedônia, Alexandre, o Grande — megas Alexandros, o “grande rei”, o “reido universo”, o “rei dos reis”, lho divino do deus Amon, verdadeiro deusvivo — morreu. O heroico combatente, o estrategista astuto, o gêniodiplomático, o beberrão, o líder sádico, o exterminador militar aparentementeinvulnerável e impossível de conter, o homem movido por uma vulcânicanecessidade de mostrar seu próprio valor, o indivíduo que mudou para sempreo mundo antigo dera seu último suspiro.

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Não deixou um herdeiro do sexo masculino, mas uma mulher grávida eum verdadeiro pelotão de subordinados ambiciosos. Todos se perguntavam oque aconteceria agora.

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CAPÍTULO 16

As coisas nunca andaram tão bem*

ma das ironias da história antiga é o fato de a cativante e inspiradorahistória de Filipe e Alexandre, o Grande, que fez deste último talvez omais famoso grego da história, nos ser apresentada, pelo menos na

maioria das antigas fontes escritas atenienses, como algo ruim para a saúde daGrécia antiga. Os famosos e ruidosos ataques de Demóstenes,particularmente, cujas opiniões ainda hoje não raro têm grande autoridadejunto aos leitores modernos, tal como acontecia com os ouvintes ateniensesantigos, apresentam Atenas e a Grécia perdendo a liberdade e o direito aoautocontrole, perdendo sua autonomia, sob o controle tirânico desses doisreis. No mundo moderno, oscilamos assim entre a admiração pelos “reis dosreis”, heroicos apesar de terem seus defeitos, e uma certa tristeza por ter oadvento dos dois assinalado a “morte” da liberdade grega.

Essa impressão de que o domínio macedônio foi ruim para a Gréciaressalta particularmente, para nós, nos debates judiciários que ocorriam emAtenas no m da década de 330 a.C. Nesse momento, Alexandre surfavanuma onda de sucesso em sua campanha de conquista do império persa. O reida Pérsia fora derrotado por ele não uma, mas duas vezes, sendo obrigado afugir sozinho sobre sua montaria, para acabar sendo morto por seus próprioshomens. Em 330, Alexandre controlava a maior parte do império persa,ocupara o grande palácio de Persépolis (ou o que restava dele, depois quepermitiu que fosse incendiado) e estava a ponto de empreender a etapaseguinte de sua campanha rumo ao leste. O ano de 330 a.C. foi o divisor deáguas em que muitos se deram conta de que Alexandre não era apenas o líderda liga grega, mas um homem que não tolerava a menor insubordinação nemqualquer debate, um rei que seria o rei dos reis.

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Em Atenas, em 330 a.C., Demóstenes, que já conseguira escapar à fúria daMacedônia várias vezes, projetava-se mais uma vez às luzes da ribalta. Seisanos antes, um homem chamado Ctesífon propusera na assembleia queDemóstenes fosse homenageado com uma coroa de ouro pelos serviçosprestados a Atenas. Ésquino, o velho inimigo de Demóstenes, seguidor eamigo de Filipe, cou pasmo. Imediatamente levantou contra Ctesífon aacusação de que seus atos eram ilegais. Mas o julgamento foi adiado pormuitos anos, só chegando nalmente ao tribunal em 330 a.C. Ao se apresentarpara fazer seus discursos, Demóstenes e Ésquino não estavam apenasreprocessando notícias (já agora) velhas. Não estavam apenas defendendo oudenunciando os atos de um determinado indivíduo. Como tampouco estavamapenas se entregando (mais uma vez) à sua famosa inimizade, que haviapolarizado o cenário político ateniense por bem mais de duas décadas.Estavam também, o que era muito mais importante, lutando pelo direito dedar a versão abalizada do que as conquistas de Alexandre representavam paraAtenas. Lutavam para contar a história de como Atenas havia chegado àposição em que se encontrava agora. Lutavam para moldar a mensagem dahistória ateniense e prever seu futuro.

É no discurso pronunciado por Demóstenes em 330 a.C. que a vitória deFilipe na batalha de Queroneia em 338 a.C., na qual derrotou as forçasatenienses e tebanas, e da qual Demóstenes fugiu como um covarde, vem a serde nitivamente apresentada como a virada crítica da história grega, omomento em que a liberdade grega morreu e a tirania assumiu o comando.Ésquino, naturalmente apresentando um ponto de vista muito diferente, foiderrotado nos tribunais de Atenas. Humilhado, com a reputação política emfrangalhos, ele deixou Atenas coberto de vergonha e fugiu para a ilha grega deSamos, onde viria a morrer (Mapa 2). A grande batalha de egos, crenças evisões entre Ésquino e Demóstenes chegara ao m. Demóstenes saíra vitoriosoe, em consequência, sua versão de como a história grega deve ser lida veiotambém a triunfar.

Mas estaria Demóstenes certo ao sustentar que aquele momentoanunciava o início do m para Atenas e a Grécia? Dessa batalha e do desfechode mais uma guerra santa, em torno do santuário de Delfos, surgiu a Liga deCorinto. O guarda-chuva sob o qual Filipe reuniu as cidades da Grécia uniu atodos num pacto de paz que permitiu alcançar a estabilidade que muitas

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cidades gregas vinham tentando promover, ao longo de boa parte do século,através da supremacia de umas sobre as outras. A liga rea rmou a primaziadas cidades gregas na solução das questões da Grécia, rejeitando a constante (eeventualmente prejudicial) in uência do rei da Pérsia (ainda que parasubstituí-la por um rei grego da Macedônia). A liga de Filipe proporcionou àscidades da Grécia uma união de propósitos que não experimentavam há bemmais de 100 anos, exatamente como dissera Isócrates que aconteceria.

A liga de Filipe e suas tentativas de se comunicar com as cidades de toda aGrécia também proporcionaram grandes investimentos aos lugares onde ascidades gregas historicamente se encontravam em paz: os santuáriosinternacionais. Embora Delfos e Olímpia vivessem em prosperidade, doisoutros santuários onde se realizavam festivais olímpicos e musicaisinternacionais, atraindo um público internacional, os santuários do Istmo e deNemeia, no centro do território continental da Grécia, estavam em condiçõesmuito piores (Mapa 2). O santuário ístmico enfrentava problemas nanceirosdesde o início do século IV e Nemeia praticamente fora fechado desde que acidade próxima de Argos, mais importante, tomara a iniciativa de hospedar osjogos. Não foi por acidente que maciços investimentos se encaminharam paraesses dois santuários no período imediatamente anterior e posterior à criaçãoda Liga de Corinto por Filipe (inclusive porque a cidade de Corinto não cavalonge de Nemeia e do Istmo). Em Nemeia, Filipe pode inclusive ter nanciadoem parte a reconstrução. Não demorou, e Nemeia novamente se constituía umcentro de jogos atléticos internacionais, com um novo templo, um albergue,um ginásio e um estádio, recebendo grande a uxo de gregos de toda a Grécia.O santuário ístmico também foi reformado, não só com a reconstrução do seuteatro, mas passando a funcionar como câmara de eco da liga de Filipe. Nolugar de muitos dos monumentos às vitórias em batalha erguidos por cidadesgregas nos séculos anteriores (que muitas vezes eram vitórias sobre outrascidades gregas), encontravam-se agora as proclamações públicas da Liga deCorinto — representando a pací ca aliança das cidades gregas sob o comandode Filipe (com a exceção, naturalmente, de Esparta).

Esses santuários se bene ciaram enormemente dos investimentospromovidos por Filipe e Alexandre (não terá sido por coincidência queNemeia voltou a entrar em decadência após a morte de Alexandre). Por que

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t e r á Filipe investido tanto tempo e dinheiro neles? Esses santuáriosproporcionavam aos reis macedônios exatamente o que queriam: pontos deprojeção de mensagens para grandes massas de gregos. Num mundo seminternet nem meios de comunicação de massa, esses lugares funcionavamcomo megafones que permitiam a Filipe e Alexandre ser ouvidos. Durante suacampanha no coração da Ásia, Alexandre fazia questão de que suas vitóriasfossem anunciadas em todos os eventos dos Jogos Olímpicos no santuário deOlímpia, e foi em Olímpia que ele mandou proclamar suas normas eregulações (entre elas aquela que exigia, em 324 a.C., que as cidades gregasrecebessem de volta seus exilados, provocando tanta animosidade contra ele).Apesar das reações negativas às vezes provocadas por esses pronunciamentos,contudo, sua própria existência e os investimentos nos locais que permitiamsua propagação também anunciavam um novo capítulo na coordenação dascidades tão díspares da Grécia.

Poderíamos portanto dizer que foi sob Filipe e Alexandre que a Gréciaantiga, que nunca tinha sido um país ou entidade política única, e sim, desdetempos imemoriais, uma comunidade algo informal de cidades e gruposétnicos profundamente diversi cados e não raro em guerra, chegou mais pertode constituir uma unidade no mundo antigo. A identidade comum dos gregos,se é que isso existia, fora sempre motivo de polêmica para as cidades e povosda Grécia antiga (basta lembrar o debate inicial para saber se os governantesmacedônios eram su cientemente “gregos” para participar dos JogosOlímpicos). No século IV, expandindo-se o mundo grego numa crescenteintegração em suas fronteiras e com a imigração sempre mais intensa em seuinterior, os debates a respeito da natureza da identidade grega (ou antes, dasidentidades) se intensi caram ainda mais. No cenário internacional, como têmdemonstrado estudos recentes, esses debates centravam-se mais que nunca nanatureza e na importância das relações entre indivíduos e comunidades e namedida em que a unidade convergia ou colidia com os conceitos não menosimportantes de liberdade e autonomia. A Macedônia e particularmente seusgovernantes representavam o elemento de ignição de todas essas questões. Odomínio desses reis ao mesmo tempo aumentava o potencial de unidade eameaçava a autonomia. O lado com o qual cada um se alinhava nesse debatedependia quase inteiramente do que tinha a ganhar ou a perder.

E no entanto até Atenas, a cidade que, segundo Demóstenes gostaria de

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nos fazer crer, mais tinha a perder com o domínio macedônio, bene ciou-segrandemente durante o período da hegemonia macedônia na Grécia. Comovimos, Atenas vivia uma crise nanceira na década de 350. Passada essa crise,contudo, graças às inteligentes políticas nanceiras dos atenienses, um homemchamado Eubulo, que faria os “chanceleres de ferro” de hoje em dia caremparecendo gastadores compulsivos, Atenas logo conseguiria reformar suasnanças. Essa segurança nanceira, apesar de ameaçada quando a assembleia

ateniense, insu ada por Demóstenes, raspou os cofres de Eubulo paracombater Filipe em Queroneia, logo seria restabelecida, após a batalha, pelosucessor de Eubulo, Licurgo (por sua vez pupilo do comentarista políticoIsócrates). No contexto mais equilibrado da Grécia posterior a 338 a.C.,Atenas, como membro da Liga de Corinto fundada por Filipe, desfrutou sob oolhar vigilante de Licurgo de seu mais estável período de prosperidade nesseséculo. O produto interno bruto de Atenas duplicou, chegando a um totalmais alto do que o alcançado no império ateniense do século anterior, e, o queera mais importante, um bom percentual dessa renda era gerado internamente,em vez de ser recolhido no exterior sob a forma de impostos. Os cofres-fortesdos templos sagrados da cidade, praticamente vazios desde a época da guerrado Peloponeso quase um século antes, lentamente se encheram de novo. Asfamílias de banqueiros, muitas tendo começado a vida como imigrantes nacidade, estimuladas agora pelas políticas favoráveis aos estrangeiros ricosadotadas por Atenas, ganharam proeminência, numa versão antiga do sonhoamericano. O salário diário médio aumentou entre 50 e 100 por cento até om do século. No frigir dos ovos, aqueles que viviam na Atenas governada

por Filipe e Alexandre provavelmente não tiveram nenhum outro período tãofavorável, pelo menos do ponto de vista econômico.

Mas Atenas não se bene ciou apenas de um boom econômico sob Filipe eAlexandre. Fisicamente, a cidade também cresceu nesse período. A primeirametade do século IV fora um período de expansão limitada das construçõesem Atenas, mas depois da recuperação da crise econômica da década de 350 eda escalada do controle de Filipe sobre a Grécia, a cidade voltou a crescer doponto de vista arquitetônico. Até certo ponto, esse crescimento era de carátermilitar: inicialmente, para melhorar as chances da cidade contra Filipe, masdepois, ao mesmo tempo para suprir o exército de Alexandre e restabelecer aposição de Atenas no contexto grego. Licurgo, o grande cérebro da

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prosperidade de Atenas, supervisionou melhorias nas muralhas da cidadeimediatamente depois de Queroneia e aumentou o tamanho da marinhaateniense, com isto elevando os índices de emprego e construção dependentesdo funcionamento e manutenção da esquadra. Grandes construções paraabrigar equipamentos militares e enormes galpões para a construção de naviosforam erguidos, ao mesmo tempo que se providenciavam melhorias no sistemade fortificações do território ateniense de Ática.

Mas nem todas as construções eram de caráter militar. Licurgo também seinteressava profundamente pela vida religiosa e teatral da cidade. SegundoPlutarco, foi ele que supervisionou a construção do primeiro teatro de pedrade Atenas, o de Dionísio, ao pé da Acrópole, abrigando até 17.000 pessoas, eque ainda hoje pode ser visitado (Mapa 1). Ele também promoveu aconstrução de um novo templo no santuário de Dionísio que cerca o teatro.Foi Licurgo que deu continuidade à política ateniense de dar as boas-vindasaos estrangeiros (especialmente aqueles que fossem economicamenteimportantes), fornecendo-lhes terras para a construção de santuários quepermitissem o culto de seus próprios deuses. Foi igualmente Licurgo queconstruiu um novo estádio a ser usado nas competições atléticas durante ofestival anual de celebração da cidade, o Panathenaia. Foi sob os auspícios deLicurgo que o lósofo Aristóteles abriu uma segunda escola losó ca emAtenas, o Liceu (Mapa 1), para complementar a Academia de Platão, e foiainda Licurgo que autorizou a ampliação da instituição de Aristóteles. Foinessa época igualmente que o santuário de Asclépio, na colina da Acrópole,em Atenas, foi completamente reformado, o grande santuário ateniense dosmistérios de Elêusis nalmente foi concluído e novos templos e altares vierama ser construídos por toda a cidade.

Sob a direção extremamente competente de Licurgo, Atenas pôde tirarvantagem do clima de paz que passou a prevalecer na Grécia graças a Filipe eAlexandre e se reconstruir, brilhando mais que em qualquer outro momentodesse século. Longe de se tratar do início do m, como seria a batalha deQueroneia em 338 a.C. na visão de Demóstenes, foi este o início de um novoperíodo de prosperidade para Atenas, que se bene ciou do clima gerado pelaliga e do estabelecimento de um novo equilíbrio de poder em todo o mundoantigo. Até a democracia ateniense, seu tão caro sistema de governo, teve a

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ganhar com a nova ordem internacional “tirânica”. A colina onde cava aassembleia ateniense, a Pnix, foi reformada, passando a abrigar uma tribunapermanente para os oradores, a mesma que ainda hoje pode ser encontrada nolocal (Fig. 2). A Ágora, o coração da cidade, foi embelezada com mais prédiosnessa época, passando também a desfrutar de um novo sistema decomunicações entre o governo e os cidadãos. Foi instalado um painel denotícias especi cando mensalmente os deveres de cada cidadão, sob o olhar deestátuas dos fundadores tribais de Atenas, cujas ruínas ainda hoje podemos vern a Ágora. A Ágora, o coração pulsante da Atenas democrática, batia maisdepressa que nunca sob os reis macedônios.

Passado o ano de 330 a.C., ao concluir Demóstenes sua pessimistaavaliação da história de Atenas e de seu futuro, Alexandre abraçou a missãode devolver à cidade seu bem mais valioso: a estátua dos fundadoresdemocráticos de Atenas, os dois homens que haviam matado os antigostiranos da cidade, abrindo caminho para o “nascimento” da democracia (Fig.16). Esse grupo esculpido, originalmente instalado na Ágora, havia sidoroubado pelos persas há mais de 150 anos e levado para seu palácio emPersépolis. Recuperado por Alexandre após a captura do palácio, o grupo,conhecido como Tiranicidas (“matadores de tiranos”), voltava a ocupar olugar central no coração da cidade. Ele simbolizava mais que qualquer outracoisa a recuperação da antiga glória de Atenas e o início de um novo períodode prosperidade para a cidade e sua democracia. Ironicamente, essas estátuaseram presente do lho de um homem que, como dissera Demóstenes em seurecente discurso no tribunal (pronunciado não muito longe do local onde asestátuas seriam instaladas), “quis impor sua supremacia sobre a Grécia eacabar com as glórias e os direitos de nossos antepassados”.

Mas nem mesmo essa nova e próspera Atenas podia eximir-se de serenvolvida nos acontecimentos que levaram à morte de Alexandre.Particularmente grave para Atenas foi o caso do vigarista ministro dasnanças de Alexandre, um homem chamado Hárpalo, que malbaratou o

dinheiro de Alexandre com sua amante, uma prostituta, para em seguida, em324 a.C., fugir para Atenas com mais dinheiro ainda. Atenas estava numasituação difícil. Deveria proteger Hárpalo ou mandá-lo de volta? Demóstenes,que não havia sugerido que Atenas se juntasse a Esparta em sua rebeliãocontra Alexandre em 331, posicionou-se inicialmente contra o apoio a

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Hárpalo. Mas este tinha um jeito especial de descobrir as fraquezas de umhomem. Relataria mais tarde Plutarco: “Hárpalo sabia quando um homemtinha uma paixão devoradora pelo ouro, avaliando a expressão do rosto e umacerta crispação do olhar.” Demóstenes tinha precisamente esse tipo decrispação, e se apaixonou por uma taça de ouro particularmente bela. Hárpalocomprou o apoio do mais feroz estadista de Atenas oferecendo-lhe a peça. Deuma hora para outra, com o apoio de Demóstenes, Atenas acolhia Hárpalo eseu dinheiro.

Antípatro, o lugar-tenente de Alexandre na Grécia, logo se envolveria nocaso, exigindo o retorno de Hárpalo e do dinheiro que havia levado.Demóstenes conseguiu convencer os atenienses a não ceder, até que o próprioAlexandre zesse o pedido (e, como ele estava muito distante, na Ásia, istolevaria algum tempo para acontecer). Enquanto isso, Hárpalo fugiu de Atenaspara Creta, supostamente fora do alcance de Alexandre, mas na realidadevindo a ser assassinado na ilha. Só mais tarde, ao investigar todo esse sórdidoepisódio, os atenienses descobriram que Demóstenes tinha sido subornadocom a taça de ouro. Como um político moderno engolfado numa tempestadenos meios de comunicação por causa de algum escândalo nanceiro oupessoal, Demóstenes pôde sentir então toda a ira dos atenienses. Eles ovaiavam na assembleia, debochando: “Homens de Atenas, não devemos ouviraquele que detém a taça?” Até o orador Hipereides, velho amigo e seguidor deDemóstenes, voltou-se contra ele, acusando-o publicamente por seus atos.

Demóstenes cometera um erro de cálculo elementar. Em todas as suasanteriores recomendações à cidade, fosse o resultado bom ou ruim paraAtenas, a população acreditara que ele sinceramente havia argumentado emfavor do que considerava melhor para a cidade. Dessa vez, contudo, estavaclaro que Demóstenes trocara Atenas pela própria cobiça, algo que osatenienses não perdoariam. Com o avanço das investigações, as coisas sópioravam. Constatou-se uma disparidade entre a quantidade de ouro queHárpalo alegava ter trazido consigo e a que efetivamente fora depositada naAcrópole, em Atenas. Na época, Demóstenes não havia investigado essadisparidade. O Areópago, o mais antigo e tradicional tribunal de Atenas,decidiu processar aqueles que fossem considerados bene ciários dessadiscrepância. Demóstenes e seu colega, o orador Dêmades, o inconstantealiado de Esparta, com sua fala mansa, que se vangloriara a vida inteira de ter

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tomado o ouro dos macedônios, estavam entre os considerados culpados.Atenas havia lavado a roupa suja em público: dez promotores públicos —

um dos quais era Hipereides, o velho amigo de Demóstenes, agora seu inimigo— expuseram o caso contra os réus diante de um júri de 1.500 pessoas, nomais importante tribunal da cidade. Demóstenes foi o primeiro a ser julgado.“Não permitam”, proclamou outro promotor, o orador Dinarco, em seudiscurso Contra Demóstenes, escrito para esse julgamento “que que impuneesse homem que contribuiu para a desgraça de sua cidade e do resto daGrécia, tendo sido apanhado em agrante recebendo suborno contra Atenas.”Demóstenes, que por tantos anos fora a voz a exortar Atenas, era agoraexilado de sua cidade natal e só por pouco escapou de ser executado portraição. Banido para a ilha de Egina, ao largo do litoral do território ateniensede Ática (Mapa 2), ele se via forçado a contemplar sua pátria do outro lado domar, como escreveria Plutarco, com lágrimas nos olhos. Apesar de seuspecados, Demóstenes amava Atenas acima de tudo. Exilado na velhice, semqualquer perspectiva de redenção, ele se tornou um homem amargurado, quedizia a quem quisesse ouvir que tratasse de evitar a vida pública, que o demos,o povo, era uma fera desprezível e que se pudesse escolher na vida entre umaestrada que levasse à tribuna do orador na assembleia e outra que conduzisse àdestruição certa, ele certamente teria optado pela destruição.

A história de Atenas nesse período deixa claro que, embora a cidademuitas vezes seja considerada um microcosmo da Grécia antiga, quase sempreera antes a exceção que a regra. Parecendo talvez mais fadada que qualqueroutra cidade a perder com a ascensão de Filipe e Alexandre, na realidade, emcomparação com muitas outras cidades gregas, Atenas bene ciou-seenormemente em termos econômicos, sociais, arquitetônicos e até políticoscom a paz e a estabilidade generalizada que prevaleceram em seus reinados.Graças a Demóstenes, contudo, Atenas desempenhou papel considerável naperturbação dessa estabilidade, especialmente em vida de Filipe eimediatamente depois de sua morte. Só em vida de Alexandre é que atéDemóstenes, embora ainda tivesse êxito ao se pronunciar nos tribunais sobre atriste condição de Atenas e o fato de ter passado a “era de ouro”, já não semostrava capaz de convencer a cidade a apoiar publicamente outros que defato se rebelavam contra o domínio de Alexandre. Talvez Atenas tivesse

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começado a acreditar que o poder macedônio fosse agora uma característicapermanente da paisagem política, e de qualquer maneira era muito bene ciadapelos frutos da estabilidade por ele proporcionada — uma economia maisdinâmica e uma democracia fortalecida. Não terá sido talvez por acidente (e,mais uma vez, não sem alguma ironia) que foi no reinado de Alexandre, nadécada de 320 a.C., que o grande lósofo Aristóteles, vivendo em Atenas,escreveu sua detalhada análise da história do sistema político democráticoateniense (a Constituição dos Atenienses), onde podemos colher hoje grandeparte da informação sobre o funcionamento da antiga democracia ateniense.Constata-se, portanto, que aprendemos sobre a democracia sobretudo peloperíodo em que ela funcionava bem sob os auspícios da monarquia absoluta.

Mas aqui temos mais uma vez uma dessas ironias da Grécia antiga, alémde um outro motivo pelo qual Atenas muitas vezes é antes uma exceção doque a regra. Apesar do fato de se tratar de uma época em que, em muitaspartes do mundo antigo, os indivíduos viessem conquistando poder, em Atenaseles pareciam, pelo contrário, o estar perdendo. A capacidade de Demóstenesde convencer o povo de Atenas a tomar determinado rumo coucrescentemente comprometida na época de Alexandre pela presença de outrasvozes respeitadas no sistema democrático, como a de Licurgo e a do velho massábio Fócion, que preconizavam uma política muito mais lucrativa de unidadee paz. Na verdade, como já acontecera várias vezes em Atenas, indivíduospoderosos não só deixavam de ser ouvidos pela população como acabavameliminados por ela. Até Demóstenes, a principal voz de Atenas durante tantotempo, acabou caindo em desgraça no organismo político ateniense e sendoenforcado por seus crimes. Em consequência, embora boa parte do que aindarestava de retórica antimacedônia partisse de Atenas, não foi lá que segeraram os principais problemas para Alexandre em seus últimos anos devida, mas, paradoxalmente, na própria população macedônia. Um ano depoisdo exílio de Demóstenes, Alexandre estava morto, supostamente de febre, masalgumas fontes dão a entender que teria sido envenenado por seus próprioshomens. A paz e a estabilidade chegaram abruptamente ao m e o mundoantigo estava novamente em rota de agitação. Que poderiam Atenas e o restodo mundo antigo fazer agora?

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Nota

* Referência a um comentário do primeiro-ministro britânico Harold Macmillan durante a campanhaeleitoral de 1959 (“You’ve never had it so good”), assinalando os bons índices econômicos de plenoemprego e aumento da renda nos anos anteriores, e que cou famoso por lhe ter permitido a reeleição,embora dois anos depois o governo fosse obrigado a adotar um programa de austeridade por causa deproblemas na balança de pagamentos. (N. do T.)

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S

CAPÍTULO 17

Um novo mundo

eria difícil seguir os passos de Alexandre. Para começo de conversa,ninguém estava convencido de que ele tivesse morrido. Não só houveraao longo dos anos tantos boatos sobre sua morte que poucos já

acreditavam neles, como também se tratava de um homem que sempre pareciaencarar a morte nos olhos e sair andando com um sorriso nos lábios. Em seuposterior relato sobre o destino de Alexandre, Plutarco enumera as feridas porele adquiridas em campanha: uma ferida na cabeça e uma percussão compedra no pescoço, um corte na cabeça, a coxa furada por uma espada, otornozelo ferido por uma echa, o ombro deslocado, o osso da perna rachadopor uma echa, o ombro ferido por outra echa, uma echa profundamenteenterrada no peito e nos órgãos. A tudo isto Alexandre sobrevivera, para nãomencionar o fato de ter percorrido a pé milhares de quilômetros, várias febrese uma caminhada de 60 dias pelo deserto. Ele era, segundo a voz corrente,lho de um deus, e muito provavelmente nos últimos anos de vida lhe eram

oferecidos sacrifícios, como se fosse um deus vivo. Como é que um homemcomo este, “rei do universo”, tendo conquistado todo o mundo antigo, e comapenas 32 anos de idade, poderia morrer?

Para deixar claro para o restante das tropas macedônias na Babilônia quedessa vez o rei de fato estava em seu leito de morte, seus generais zeram comque, nos últimos dias de vida, estando Alexandre incapaz de falar em suacama na tenda de campanha, todo soldado macedônio pudesse entrar para vero rei com seus próprios olhos. Conta-se que Alexandre só conseguiamovimentar a mão, em resposta às lágrimas e à tristeza por eles manifestadasante o estado de seu comandante. Em seus últimos dias, Alexandre pôde assimacompanhar o próprio funeral.

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Quando ele morreu da febre provocada pelo álcool (que, segundo boatosposteriores, seria resultado de envenenamento), a 10 de junho de 323 a.C.,não foi apenas Atenas que cou sem saber para onde se voltar ou o que viriaem seguida. Enquanto Filipe chegara a uma idade muito mais avançada, comtempo para ter vários lhos capazes de sucedê-lo (e até matá-lo), Alexandremorreu no auge da vida, sem ter completado 33 anos, deixando apenas umaesposa (estrangeira) grávida. Criara ao seu redor um mundo unido em tornode seu grande líder, o rei dos reis. Era um mundo cheio de cidades novasbatizadas com seu nome ou que ele próprio havia fundado (chegando talvez a57), que se espalhavam pelos continentes, as culturas e as diferentes regiões domundo moderno. Era um mundo obcecado com o culto do indivíduo. E agoranão parecia evidente quem poderia tomar o lugar de Alexandre.

O resultado disso foi que o mundo de Alexandre, que desfrutava dosbenefícios de um período de relativa estabilidade, começou mais uma vez a sefragmentar. Atenas, a cidade que por tanto tempo se opusera à Macedôniamas recentemente se aquietara sob o domínio de Alexandre para desfrutardessa estabilidade, voltava mais uma vez a se entregar a seus velhos truques. Epara quem ela haveria de se voltar, senão para o homem que conseguira surfarsobre as ondas encapeladas da vida pública com consumada habilidade, quehavia gerido e dirigido cada aspecto das iniciativas antimacedônias de Atenase que, até recentemente, fora o queridinho da cidade? Demóstenes, nem maisnem menos. Enxugando as próprias lágrimas, Demóstenes voltoutriunfalmente do exílio na ilha de Egina e foi recebido de braços abertos emAtenas. Não foi saudado como o criminoso condenado que efetivamente era,mas como um herói conquistador. Esquecendo que ainda recentemente oapupava, a volúvel multidão ateniense convergiu maciçamente a um des le deboas-vindas ao orador que retornava. O grande lósofo Aristóteles, vendo quea população ateniense começava a se deixar arrastar a um verdadeiro frenesicontra Alexandre, sentiu-se de repente muito desconfortável por viver emAtenas. Como antigo tutor de Alexandre, ele era um dos principais alvos devingança. Perfeitamente cônscio do que Atenas zera anteriormente a umoutro de seus grandes lósofos, Sócrates, no início do século, Aristótelesrapidamente tratou de deixar a cidade, murmurando que não se devia permitirque ela pecasse duas vezes contra a filosofia. Um ano depois, ele teve mortenatural em sua cidade natal.

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Demóstenes não perdeu tempo, ao se espalhar a notícia da morte deAlexandre, e logo tratou de percorrer as cidades da Grécia para tentar garantirque se mantivessem aliadas a Atenas numa nova liga contra a Macedônia. Emsua viagem, encontrou seu velho amigo, o orador ateniense Hipereides. Elerenegara Demóstenes por seu papel no caso Hárpalo, chegando inclusive aatuar como um dos promotores públicos em seu julgamento. Não se passaramdois anos, e os dois estavam em pleno Peloponeso em busca de aliados contraa Macedônia, mais uma vez do mesmo lado. Enterrando o passado, uniramforças e deram prosseguimento à busca de aliados, no novo empenho deAtenas de tomar mais uma vez a liderança da Grécia.

De que maneira a Macedônia reagiu? Dias depois da morte de Alexandre,seus generais participaram em Babilônia de uma reunião de crise para acabarcom todas as reuniões de crise, decidindo de que maneira governar o impériode Alexandre. Enfrentavam uma tarefa muito difícil. Alexandre tinha feitoconquistas inacreditáveis em vastas extensões do mundo antigo, mas apenascomeçara a trabalhar realmente no estabelecimento de uma burocracia capazde administrar tudo aquilo. O que agravava ainda mais as coisas era o fato deque, nos últimos anos de vida, ele havia voltado ao coração do antigo impériopersa, eliminando todo e qualquer governante local que lhe parecesse desleal.Em consequência, quase metade dos governadores provinciais da Ásia haviamsido executados no ano anterior ou aguardavam julgamento. A máquinagovernamental fora destruída no mesmo momento em que perdia sua cabeça.Sem governadores, sem uma máquina administrativa permanente, sem umlíder, os generais de Alexandre se reuniram para decidir o que fazer com seuvasto império.

O problema era complicado pelo fato de que cada um desses generaisenxergava na crise a possibilidade de se promover. Um deles, Pérdicas, queconvocou a reunião, a rmou que Alexandre, em seus momentos nais, lheentregara o anel com o carimbo real do poder. Pérdicas alegava, assim, tersido investido de poder e autoridade para governar. Mas essa supostatransferência de poder não tivera testemunhas, e nenhum dos outros generaisse dispunha a deixar que as coisas fossem resolvidas assim tão facilmente. Umdeles, Ptolomeu, propôs que todos os presentes na reunião constituíssem umconselho que fosse incumbido de gerir o império até que se soubesse se o lho

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gerado por Alexandre, ainda tranquilamente alheio na barriga da mãe à criseque fermentava ao seu redor, era um menino e podia, portanto, ser feito rei.Outro general sugeriu que se esperasse que Roxana desse à luz, mas que umdos filhos bastardos de Alexandre fosse imediatamente levado ao trono.

Enquanto prosseguia esse debate entre os generais, o que restava doexército macedônio de Alexandre agiu por conta própria. Ainda temerosos eressentidos pelas tentativas de Alexandre de integrar persas ao império e àinfantaria macedônios, esses militares temiam sobretudo que o rebentomestiço do rei morto com sua rainha bárbara viesse um dia a governá-los.Escolhendo seu próprio candidato, um macedônio de sangue puro massimples, com um autêntico nome macedônio (depois de ter sido rebatizadoFilipe III), o exército exigiu que ele fosse coroado rei.

Diante do motim do exército, as alternativas geradas pela reunião de crisedos generais foram deixadas de lado. Em seu lugar, promoveu-se um embusteconstitucional. O novo Filipe foi coroado rei, com a ressalva de que haveriadois reis se a mulher bárbara de Alexandre, Roxana, desse à luz um menino.Dois dos generais, aqueles que haviam tentado tomar o poder, foramdesignados futuros tutores da criança. Enquanto isso, o conselho de generais eo novo rei Filipe cuidariam de gerir o império, designando novos governadorese comandantes militares. Diferentes regiões do império foram atribuídas adiferentes generais para mantê-lo sob controle. Era um sistema que colocavavários homens poderosos e ambiciosos em posições de igual poder, em tornode uma mulher e do filho que traria ao mundo. Um sistema fadado a explodir.

Em questão de meses, o império de Alexandre era acometido de gravehemorragia. Na Bactriana, a leste, em território hoje ocupado peloAfeganistão, os mercenários macedônios que haviam sido deixados nocontrole da região se amotinaram e voltaram para casa. No mar Egeu, a ilhade Rodes se proclamou independente do império. No centro da Grécia, Atenasarregimentara vinte cidades gregas para sua causa e agora as liderava numabatalha contra o leal lugar-tenente de Alexandre na Grécia, Antípatro, jáagora velho. Antípatro participara da ascensão da Macedônia sob Filipe,controlara a Grécia durante a expansão do império de Alexandre e agora sevia novamente obrigado a combater para submeter a Grécia. Dessa vez,contudo, a Grécia reagia com mais vigor que o esperado. Antípatro teve derecuar para a Macedônia e pedir reforços. Os veteranos da campanha de

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Alexandre para submeter os bárbaros no m do mundo eram convocadosnovamente, para subjugar vizinhos em seu próprio país.

No m de agosto de 322, pouco mais de um ano depois da morte deAlexandre, a guerra de rebelião chegou ao m num lugar chamado Crânon, naTessália, no centro da Grécia (Mapa 2). À frente de veteranos, Antípatro saiuvitorioso. A aliança grega se desfez e Atenas mais uma vez se encontrava emposição das mais vulneráveis. Antípatro chegou a Atenas e montou na cidadeuma guarnição militar macedônia. Jamais, sob Filipe ou Alexandre, foraAtenas tão humilhada. Fiel a sua tradição, a cidade escolheu alguém parapronunciar a oração fúnebre em homenagem aos mortos na batalha. Oescolhido foi Hipereides, que organizara a rebelião com Demóstenes. Um doshomens mais responsáveis pela catástrofe era incumbido da missão dehomenagear os que haviam morrido por causa dela. “Embora não tenhamconseguido chegar à velhice”, dizia Hipereides a respeito dos mortos, nocemitério público de Atenas, “eles alcançaram uma glória sem limites.”

Imediatamente depois do funeral, Atenas fez o que sempre fazia nessassituações: tentou de tudo para salvar a própria pele. Os líderes da rebeliãoforam condenados à morte. Entre eles estavam não apenas Hipereides, queacabava de pronunciar a oração fúnebre em nome da cidade, como também, éclaro, Demóstenes — o destemido orador transformado em criminoso, quevoltara a ser um herói e agora novamente virava traidor e criminoso.Condenados à morte pelo velho amigo e colega de oratória de fala mansa,Dêmades, já agora amigo da Macedônia, os dois aguardavam ser executados,não por outros atenienses, mas pelos macedônios comandados por Antípatro.Demóstenes, o homem que fugira do campo de batalha em Queroneia, maisuma vez dava meia-volta para fugir. Fugindo de Atenas sem ser visto, elebuscou refúgio no templo de Poseidon na ilha de Caláuria (a moderna Poros),ao largo do litoral do Peloponeso, no sul da Grécia (Mapa 2). Esperavaencontrar proteção perante os homens de Antípatro no santuário religioso, equem sabe até que o esquecessem. Mas Demóstenes, que tantas vezes se haviaesquivado à espada do destino, nalmente se enganava dessa vez. Os homensd e Antípatro cercaram o templo e exigiram que ele se entregasse para serexecutado. Alegando precisar apenas de um pouco de tempo para escreveruma carta à família, Demóstenes foi visto mordendo a pena, como se seconcentrasse para escrever. Levou alguns minutos para que os homens de

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Antípatro se dessem conta de que a atitude de ngida concentração escondia oque Demóstenes estava fazendo na verdade: ingerindo veneno. Demóstenes, ogrande orador, o destemido crítico da Macedônia, que constantementeinsu ava Atenas pelos caminhos tempestuosos, que nunca se dispusera aenfrentar pessoalmente as consequências no campo de batalha, abandonandosua posição para fugir, e que por cobiça decidira trair sua cidade em troca deouro, resolvia agora, em seus derradeiros momentos, acabar com a própriavida para não permitir que outros a tirassem. Atenas, eternamente apaixonadapor ele, apesar de conhecer perfeitamente seus pecados, viria a homenageá-locom uma estátua. No pedestal, a inscrição com o eloquente epitá o: “Se tuaforça estivesse à altura do teu desejo, Demóstenes, jamais os gregos teriamsido governados pelo deus macedônio da guerra.”

A repressão das revoltas na Grécia e no leste do império de Alexandre nãofoi su ciente para levar estabilidade ao mundo antigo. A rainha bárbara deAlexandre, Roxana, dera à luz um menino no m de 323 a.C., o quesigni cava que haveria dois reis no trono e que aquele que controlasse oinfante estaria na verdade no comando por alguns anos. Não muito depois, em321 a.C., um dos generais de Alexandre sequestrara seu corpo quando eralevado de volta para o enterro na Macedônia, enterrando-o em território sobseu controle, no Egito, muito provavelmente para aumentar suaspossibilidades de assumir o comando do reino. Esse general, Ptolomeu,passara um ano arregimentando outros generais. O império de Alexandredividiu-se em duas coalizões: Ptolomeu com seus seguidores a oeste doimpério versus Pérdicas a leste, guardião do recém-nascido lho de Roxana eAlexandre, além de corregente o cial juntamente com aquele que era opreferido do exército para o trono, o gentil mas apagado macedôniorebatizado de Filipe III.

Pérdicas não era nenhum Alexandre, o Grande. Logo seria assassinado porseus próprios o ciais, por sua incapacidade de lidar de maneira decisiva comPtolomeu e seguidores. Antípatro, o homem no comando da Grécia, com umlongo histórico de êxitos militares, decidiu então tomar as coisas nas própriasmãos. Marchou em direção à Ásia Menor, assumiu o controle e sequestrou odébil rei Filipe III e o infante, muito apropriadamente chamado tambémAlexandre. O controle do império de Alexandre, o Grande voltou a ser

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partilhado entre os generais sobreviventes. O orador ateniense Dêmades, quetinha virado casaca para se alinhar com a Macedônia e condenara Demóstenese Hipereides à morte, era também um seguidor de Pérdicas, como constatavaagora Antípatro. Dêmades foi prontamente executado em Atenas por traição.Nem mesmo o indivíduo de fala mais macia podia sobreviver às águasturbulentas da Grécia.

Mas esse acerto tampouco duraria. Já agora com mais de 80 anos,Antípatro ignorou o próprio lho, Cassandro (que pode ter-se envolvido noenvenenamento de Alexandre, o Grande), transferindo o poder a um homemchamado Polipercon. No tumulto que se seguiu, Atenas mais uma vez se viulutando do lado errado. Dessa vez, contudo, a baixa ocorrida terá sido talveza mais triste. Fócion, o velho e sábio general ateniense que destemidamenteaconselhara Atenas com o melhor de sua capacidade por bem mais que meioséculo, viu-se defendendo a cidade contra Polipercon. Como este era (nessemomento) o poder dominante na Grécia, Atenas não podia dar-se ao luxo deofendê-lo. Polipercon exigia agora que Focíon, entre outros, fosse punido portraição. Ao verem Fócion entre os indiciados, os atenienses teriam chorado.Apesar das lágrimas, no entanto, ninguém, por mais querido fosse de Atenas,estava a salvo se comprometesse a sobrevivência da cidade. Voltando-se contraFócion, os atenienses exigiram que fosse executado, e alguns queriam quefosse torturado ali mesmo, em sua presença. Em sua derradeira caminhada,em direção ao local da execução, eles corriam a seu lado, insultando-o. Ovelho Fócion foi obrigado a ingerir veneno e mesmo a pagar ao carrasco umataxa adicional para assegurar que houvesse veneno em quantidade su cientepara que morresse com rapidez, em vez de se esvair em lenta agonia. O grandeestadista e general de Atenas, o sobrevivente de tantas lutas pelo poder nomundo antigo, que sempre fora o melhor conselheiro de Atenas, nalmenteera derrubado pelo brutal alvorecer desse novo mundo.

Atenas cou em estado lastimável. Seus problemas com a Macedônia nãomais podiam ser aliviados por um velho e sábio Fócion, um Licurgos degrande astúcia nanceira (ele também tinha morrido em 324 a.C.,surpreendentemente de causas naturais), um destemido e encorajadorDemóstenes, um Dêmades de fala macia. Atenas era agora sacudida pela lutade poder que engolfava todo o mundo antigo. Para agravar as coisas, a mãe deAlexandre, o Grande, Olímpia, que por tanto tempo fora uma in uência

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crucial em sua vida, a tal ponto que pode ter-se envolvido na morte do própriomarido para proteger a herança de Alexandre, continuava agora a exercerin uência em favor do neto, o infante Alexandre IV. Mobilizando-sepessoalmente no campo de batalha, essa mulher destemida não só matou 100nobres macedônios como conseguiu eliminar o débil correi Filipe III. Nãosurpreende que os arqueólogos que construíram uma cópia em tamanho realdo antigo navio de guerra, o trirreme, em Atenas, no m da década de 1980, otenham batizado em homenagem a essa temível mulher do mundo antigo: aprimeira mãe da Macedônia, Olímpia. Essa embarcação ainda pode ser vistahoje em exposição em Atenas.

Mas até a formidável e intrigante Olímpia seria derrubada, tendo caídonas mãos de um dos novos e poderosos generais da Grécia, o lho ignorado deAntípatro, Cassandro (um dos que possivelmente participaram doenvenenamento de Alexandre), que logo tratou de mandar executá-la. Épossível, assim, que Cassandro tenha sido responsável pela morte deAlexandre, e certamente o foi pela de sua mãe, mas que destino poderia dar aolho de Alexandre, o infante Alexandre IV, futuro rei do império, que agora

tinha em suas mãos?Em 316 a.C., o convulsionado campo de batalha do mundo antigo,

contando já agora muitos outros protagonistas mortos, voltava a ser dividido:Antígono, “o Caolho” controlando a Ásia, Ptolomeu, “o Salvador”governando o Egito, Lisímacos (infelizmente desprovido de cognome) nocomando da Trácia e a Grécia ainda dividida entre Cassandro e Polipercon,um, lho, o outro, sucessor designado do falecido Antípatro. Ao longo daslutas que se estenderam pelos anos subsequentes, o jovem Alexandre IV erauma verdadeira bomba-relógio humana. Os tratados de paz rmados entre osdiferentes generais em guerra supostamente tinham validade até que AlexandreIV completasse dezesseis anos. Com essa idade, seu pai fora regente daMacedônia e se preparava para sua primeira batalha. Seria Alexandre IV umnovo Alexandre, o Grande? Seria ele o homem capaz de unir o mundo antigomais uma vez sob um só comando? Seria ele, como o pai, homem o bastantepara se tornar rei do universo?

Jamais saberemos. Cassandro, que havia assassinado a avó do pequenoAlexandre e possivelmente seu pai também, mataria agora o jovem AlexandreIV e sua mãe, Roxana, antes que ele chegasse aos dezesseis anos. Após a morte

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do único descendente legítimo de Alexandre, o Grande, todos os ladosenvolvidos deixaram de ngir que queriam governar em nome do rei. Agoratodos queriam ser rei. Incapazes de repetir as proezas e de chegar ao mesmonível de Alexandre, o “rei dos reis”, esses generais lentamente foram aceitandoum pouco menos. No m do século IV a.C., o império de Alexandre foidividido em mini-impérios, cada um com seu rei. Esses reis geraram suaspróprias dinastias e famílias reais, que passaram a dominar o mapa do mundoantigo. Esse esquema de poder determinaria os rumos dessa região do mundopor centenas de anos.

Como Atenas se saiu nesses anos? Depois de executar o velho Fócion, ademocracia ateniense entrou em marcha acelerada, mas logo seria esmagadanão só pela constante presença da guarnição macedônia como pela ascensão,depois de 317 a.C., de um único soberano: Demétrio de Falero. Designadopelo assassino Cassandro para governar Atenas, Demétrio tornou-se seu tiranodurante dez anos. Seu reinado pode ter começado de maneira equânime, masAtenas logo seria sangrada pelos excessos de Demétrios, que malbaratou suaspreciosas reservas praticamente em vinho, mulheres e música. Em 307, umoutro Demétrio — Demétrio, “o Sitiante”, lho do general Antígono, “oCaolho”, que governou o império de Alexandre na Ásia — expulsou da cidadeo Demétrio original. Livrando Atenas da guarnição militar e de seu tiranobêbado, “o Sitiante” permitiu que a cidade vivesse democraticamente, desdeque lhe fosse leal. Atenas reagiu com incontáveis estátuas e altares em seunome, criando novas tribos atenienses em sua homenagem e decretando queele fosse considerado um deus. Demétrio, “o Sitiante” transformou-se emDemétrio, “o Salvador”, recebendo dos atenienses o título de rei. Ao chegarao m esse conturbado século, Atenas, berço da democracia, começara acultuar abertamente um homem vivo como se fosse deus, oferecendo-lhe otítulo de rei. Configurava-se definitivamente o alvorecer de um novo mundo.

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Q

EPÍLOGO

Dos democratas aos reis

ue devemos extrair dessa história? Um amigo meu, citando o lósofoHegel, disse-me recentemente que a única coisa que aprendemos coma história é que não aprendemos com a história. Não faltam em

qualquer período do passado exemplos para comprovar que esse paradoxoinfelizmente é pura verdade. Assim como os pais não podem dizer tudo aoslhos, para que eles experimentem por si mesmos e em consequência muitas

vezes aprendam da forma mais difícil, assim também a humanidade talvezesteja mesmo fadada a ir tropeçando com o tempo nos mesmos obstáculos, àmedida que evolui.

Mas ao mesmo tempo que aparentemente não podemos aprender com opassado, não podemos escapar dele. O passado pode ser um outro país, ondeas coisas são feitas de outra forma, mas é um país diferente que estará parasempre ao nosso redor. É particularmente o caso quando se trata do mundoantigo grego. As ruínas físicas, como por exemplo os grandes templos eteatros que enfeitavam a paisagem grega, continuam povoando eimpressionando nosso mundo e sendo usados por ele. Aonde quer que vamosna Grécia, como dizia o orador romano Cícero, estaremos provavelmentecaminhando sobre a história. O poeta Lorde Byron, um dos grandes lo-helênicos (“amantes da Grécia”), que morreu lutando pela independênciagrega no século XIX, deparou-se numa de suas viagens com o leão de pedra deFilipe tombado e enterrado em Queroneia. Maravilhado com sua majestade eforça, voltou a enterrá-lo para que fosse preservado para as futuras gerações.Partes separadas de grandes estruturas antigas também costumam aparecerhoje em dia nos lugares mais inesperados: blocos de pedra do Mausoléu deMausolo, o maior monumento fúnebre do litoral da Ásia Menor e uma das

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sete maravilhas do mundo antigo, por exemplo, podem ser encontradosatualmente nas paredes do museu arqueológico submarino de Bodrum, por suavez construído originalmente como Igreja de São João pelos cruzados.

Mas não se trata apenas de reciclagem de pedras antigas. Essas ruínas e aslendas que as acompanham, tendo chegado até nós através de milênios decuidadosos estudos e registros, ainda têm forte presença vital em nossomundo. No momento em que escrevo, a televisão grega promove um concursopara a escolha do maior grego da história. É muito provável que Alexandre, oGrande vença facilmente. Sua gura e sua história dizem muito do que osgregos costumam considerar o melhor da Grécia, exatamente como a Grã-Bretanha escolheu Winston Churchill em 2002 no concurso sobre o maior dosbritânicos, assim como os Estados Unidos poderiam escolher Martin LutherKing e a África do Sul, Nelson Mandela. Designamos essas guras, espalhadaspela história, porque representam a essência daquilo que somos ou queremosser hoje. Embora não possamos escolher o país onde nascemos e sua história,embora não possamos escolher nossos pais, podemos fazer escolhas sobre ostipos de exemplos históricos pelos quais desejamos ser orientados no futuro.Em vez de tentar aprender apenas a não repetir os erros da história, é melhor,do meu ponto de vista, estudá-la como uma preparação para entender emodelar o presente e o futuro que desejamos para nós. O passado pode nosdar elementos para criar o que consideramos importante para nosso futuro.

Mas esse envolvimento com o passado requer uma boa dose de debate demente aberta, inclusive porque cada um quase sempre terá diferentes heróishistóricos e diferentes visões do futuro. Mais importante ainda é o fato de queas pessoas frequentemente também terão diferentes visões de uma mesmagura ou acontecimento histórico. Para o Ocidente, Alexandre é Alexandre, o

Grande. Na tradição persa, contudo, ele também é conhecido comoAlexandre, o Maldito. Toda vez que falo a meus alunos sobre Alexandre, oGrande, acabamos tendo de avaliar não quem foi Alexandre, mas quem é oAlexandre deles. E isto não aconteceu apenas com indivíduos especí cos, mastambém com cidades, povos, tendências, ideias, guerras, sociedades inteiras emonumentos individuais. Justi cadamente, transcorre na Grécia um intenso eimportante debate, envolvendo o povo grego e arqueólogos de todo o mundo,sobre o que deve ser exposto do mundo antigo e de que maneira reconstruiressas ruínas, se é que devem ser reconstruídas — todo mundo tem sua própria

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visão do passado e de como deve ser mostrado no presente. Todo mundo temsua versão (e sua visão) da história. Essa permanente consciência e o constantedebate das diferentes maneiras modernas de entender o passado são uma partevital do processo de investigação histórica e de avaliação do que pode ou nãoser considerado uma visão (e uma utilização) justa de nossa história.

A história desse período, dos democratas aos reis, é uma parte importantedesse processo e desse debate. Não só por focalizar muitos dos lugares queainda têm um peso signi cativo, ainda que talvez inadequado, em nossomundo (considero que a tradicional imagem da “glória” de Atenas antiga esua democracia precisa ser complementada pela consciência de sua realidadebrutal e da violência de massa; e que o conceito de uma Esparta heróicaprecisa ser acoplado a sua atitude de coação e intimidação), nem porqueoutras cidades e indivíduos de sua história deixaram de merecer, talvezinjusti cadamente, a atenção dos modernos (como é o caso de Isócrates e daTebas antiga), nem mesmo por se encontrarem certas regiões do mundovisitadas neste livro mais uma vez nas manchetes da diplomacia internacional(Alexandre percorreu territórios que pertencem hoje em dia ao Iraque, ao Irã eao Afeganistão, tendo de fato morrido no Iraque). Nem será apenas porquemuitos dos acontecimentos e temas veri cados durante a vida de Isócrates, naépoca do brutal alvorecer de um novo mundo, re etem de maneira tãoeloquente aqueles com que nos deparamos hoje em nosso mundo em constanteevolução: turbulência econômica, preocupações com a imigração, coesãosocial, globalização, alteração dos equilíbrios mundiais de poder e uma crisede identidade. Basta dar uma olhada no livro de Barack Obama, The Audacityof Hope: thoughts on reclaiming the American Dream (A ousadia daesperança: Ideias para o resgate do Sonho Americano) — que muitas vezes meparece comparável às exortações políticas escritas por Isócrates há 2.400 anos— para ver o quanto os Estados Unidos e tantas sociedades espalhadas peloplaneta precisam enfrentar os mesmos dilemas da época de Isócrates.

Tudo isto é importante, mas tenho para mim que a história da transiçãodos democratas aos reis pode nos ajudar sobretudo com um problemaligeiramente diferente de história. Embora possamos nos dar conta de quecada um de nós tem uma diferente visão moderna de acontecimentoshistóricos antigos, é muito comum que a história seja encarada como umesteio nada reconfortante em tempos incertos como o nosso. Embora não

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saibamos ao certo para onde nos voltar ou como reagir em nosso própriomundo, muitas vezes enxergamos na narrativa dos acontecimentos históricosum debilitante caráter de incerteza e determinação, pelo qual as pessoasfaziam isto e passavam aquilo. Entretanto, Dos democratas aos reis não éapenas uma história de Atenas no auge de seu poderio ou de Alexandre no seupróprio, mas dos turbulentos tempos de transição entre esses doisimpressionantes extremos. Ele mostra de que maneira, a cada etapa, osindivíduos, os grupos e as cidades tinham de avaliar as alternativas e seguirem frente sem saber o que aconteceria em seguida; de que maneira eramatribuídos aos atos e acontecimentos signi cados simultâneos muito diferentes(buscar a liberdade, na época como hoje, era um verbo irregular: eu luto pelocontrole da Grécia em nome de sua liberdade, mas você luta para ser o seutirano). Essa fase da história antiga deixa claro que nem só nossa épocamoderna é “incerta”, em comparação com uma “época de ouro” passada emque tudo de certa maneira era mais fácil, melhor e mais certo. Frisa que todosos períodos da história são igualmente incertos: não havia fatos indisputáveis,acontecimentos inevitáveis ou conclusões de consenso, inclusive porqueninguém na época sabia o que aconteceria depois. Sob muitos aspectos, opassado é exatamente como o momento atual, só que aconteceu mais cedo.

Mais importante ainda é que nossa história também mostra que osantigos, tal como nós, tinham de enfrentar seu próprio passado ao mesmotempo que negociavam um presente incerto. Para a Grécia como um todo, istosigni cava envolvimento com o peso pesado de seus mitos e lendas. No casode Atenas, havia a fama às vezes útil, às vezes massacrante de seuimpressionante papel no século anterior. No de Alexandre, era necessáriosuperar os feitos do pai. Mas não era apenas uma questão de estar à altura dopassado. Na época de Isócrates, os gregos também começaram a manipulardecididamente o passado para nalidades presentes, exatamente como tantasvezes fazemos com a história da Grécia antiga para nossas nalidades hoje emdia. As tentativas do general espartano Lisandro de promover uma revoluçãoforam literalmente enterradas com ele, sendo sua fama higienizada, porqueEsparta precisava de um herói. Atenas preferiu esquecer sua turbulentarevolução no início do século para garantir a força de sua nova democracia.Mesmo no mundo antigo, a história era o que se fazia dela. E todo esse

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complicado entrelaçamento do que havia acontecido, do que as pessoasachavam que tinha acontecido e do que se fazia parecer tivesse acontecido,para não falar do que realmente estava acontecendo, nos é relatado hoje emdia por uma in nidade de fontes que nos apresentam visões aleatórias domundo antigo, cada uma delas com seu próprio ponto de vista sobre opassado. Xenofonte, por exemplo, era um velho mal-humorado e desiludidoao escrever sua história da Grécia, contemplando o século retrospectivamentecom uma ironia que podia assumir contornos sádicos. Diodoro escreveu cercade 300 anos depois da época de Isócrates. Plutarco escreveria suas biogra as400 anos depois. A história de Alexandre, o Grande é uma desconcertantealgaravia envolvendo histórias não raro con itantes relatadas por autores dediferentes épocas. Ao avaliarmos o que queremos preservar de nossa históriano presente e no futuro, precisamos estar conscientes não só da maneira comoconstantemente manipulamos o passado, mas também de que o passado eraconstantemente revisto, reapresentado e reinventado no próprio passado.Mergulhar na história é mergulhar num mundo de areias movediças, que noentanto não podemos ignorar.

Dito isto, quero entregar as palavras finais a um homem que fez o possívelpara ignorar tudo à medida que ia acontecendo. Na antiga cidade de Corinto,na época de Isócrates, viveu um homem chamado Diógenes. Era um lósofoque acreditava na rejeição do mundo material, tendo-se empenhado numatotal busca de autossu ciência individual e isolamento. Ele vivia dentro de umbarril, pouco possuía, urinava nas pessoas em público, defecava no teatro,masturbava-se no pulsante coração da cidade, a Ágora, e, pior que tudo,apontava as pessoas com o dedo médio (um grave insulto). Ao morrer, pediuque seu corpo fosse atirado aos cães, inclusive porque seu apelido eraDiógenes, “o cão”. Diógenes não se importava com ninguém. Alexandre, oGrande, às vésperas de empreender sua conquista do império persa,aproximou-se de Diógenes que tomava banho de sol e perguntou por que oignorava, e se queria alguma coisa. Diógenes respondeu: “Sim, saia da frentedo sol.” Alexandre afastou-se, aparentemente dizendo: “Sinceramente, se eunão fosse Alexandre, seria Diógenes.”

Este homem supostamente era admirado por Alexandre por sua arrogância(algo com que Alexandre podia se identi car). Mas eu admiro Diógenesporque, ironicamente, tratando-se de um homem que ignorava o mundo ao

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seu redor, ele resumia melhor que ninguém a maior mudança pela qual essemundo passara. Qualquer grego a quem fosse perguntado de onde eraresponderia dando seu nome e o de sua cidade. Mas Diógenes, ao ouvir amesma pergunta, respondia simplesmente: “Eu sou cosmopolites” — eu sou“um cidadão do mundo”, o primeiro cosmopolita. O homem que tudorejeitara — tendo morrido no mesmo ano que Alexandre, um dos responsáveispela mudança de tudo — dera-se conta com mais clareza que qualquer um doadvento de um novo mundo, não só na política, mas também nas ideias,percepções e identidades.

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Bibliografia

Todos os textos antigos mencionados podem ser encontrados em inglês em edições Penguin ou Loeb, salvoressalva em contrário.

Introdução: O sonho de um homemSobre o temperamento de Isócrates, tentar: T. Papillon (2007), “Isocrates”, in I. Worthington ed., Acompanion to Greek rhetoric; Y. Too (1995), The rhetoric of identity in Isocrates: text, power, pedagogy ;T. Poulakos (1997), Speaking for the polis: Isocrates’ rhetorical education; P. Cloché (1963), Isocrate etson temps. Sobre os dois discursos do m da vida, ver Panathenaicus, de Isócrates, e The second letter toPhilip. Sobre certos estudos a respeito da democracia ateniense e sua ligação com o mundo moderno,tentar: L. J. Samons III (2004), What’s wrong with Democracy: from Athenian practice to Americanworship; M. Meckler (2006), Classical antiquity and the politics of America: from George Washington toGeorge W. Bush ; P. J. Rhodes (2003), Ancient democracy and modern ideology ; J. K. Davies (1978),Democracy and Classical Greece. Sobre estudos a respeito de Alexandre, o Grande, ver: Capítulos 16 e 17;W. Heckel e L. Tritle eds., (2009), Alexander the Great: a new history, e (2003) Crossroads of history: theage of Alexander; P. Cartledge (2003), Alexander the Great: the hunt for a new past; A. B. Bosworth e E.Baynham eds.. (2000), Alexander the Great in fact and ction. Sobre o novo interesse despertado peloséculo IV, ver as bibliogra as dos capítulos subsequentes, e particularmente: L. Tritle ed. (1997), TheGreek world in the fourth century BC: from the fall of the Athenian empire to the successors of Alexander ;Cambridge Ancient History , Vol. 6 (1994), The fourth century BC. Para leituras adicionais a respeito darelação da Grécia antiga com o mundo moderno, tentar: A. Pomeroy (2008), Then it was destroyed by thevolcano: the ancient world in lm and on television; C. Higgins (2008), It’s all Greek to me ; S. Settis(2006), The future of the Classical; S. Goldhill (2004), Love, Sex and Tragedy: how the ancient worldshapes our lives; N. Morley (2009), Antiquity and Modernity; P. Cartledge (2001), Greeks: crucible ofcivilization; L. Hardwick e C. Stray eds. (2008), A companion to classical receptions. Para antigos estudosde erudição a respeito dos acontecimentos no século V a.C.: T. Holland (2005), Persian Fire: the first worldempire and the battle for the West ; P. Cartledge (2006), Thermopylae: the battle that changed the world;B. Strauss (2004), Salamis: the greatest battle of the ancient world, 480 BC. Sobre o conceito de “declínio”no século IV, ver por exemplo: J. Fine (1983), The Ancient Greeks: a critical history ; C. Mosse (1973),Athens in decline 404-86 BC.

Capítulo 1: Flautistas e picaretasO historiador antigo Tucídides fornece um relato completo da guerra do Peloponeso, 431-411 a.C.(Tucídides, História da guerra do Peloponeso ); a seguir, Xenofonte nos fornece um registro até 362 a.C.(Xenofonte, Helênicas). Também chegaram até nós vários discursos judiciários envolvendo ações movidascontra membros dos Trinta Tiranos, por exemplo Lísias, Eratosthenes (Lísias XII). Para materialsecundário: D. Kagan (2003), The Peloponnesian war: Athens and Sparta in savage con ict 431-403 BC ;N. Bagnall (2004), The Peloponnesian war: Athens, Sparta and the struggle for Greece ; B. Strauss (1986),Athens after the Peloponnesian war: class faction and policy 403-386 BC; R. Osborne (2008), Debating the

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Athenian cultural revolution 420-380 BC; N. Loraux (2002), The divided city: on memory and forgetting inancient Athens; J. L. Shear (2009), Polis, Demos and Revolution: Responding to Oligarchy in Athens 411-380 BC. Sobre a vida e a morte de Sócrates, dê uma olhada na Apologia de Sócrates, de Xenofonte. Sobreo relato, por Platão, da defesa judicial de Sócrates, ver Platão, Apologia, e sobre o relato de sua morte, verPlatão, Phaedo e Crito. Algumas obras recentes: J. Colaiaco (2001), Socrates against Athens: philosophyon trial; R. Waterfield (2009), Why Socrates died: dispelling the myths; P. Cartledge (2009), Ancient GreekPolitical Thought in Practice . Sobre a marcha de Xenofonte com Ciro e o retorno dos 10.000 gregos, verXenofonte, Anabasis; T. Rood (2004), The shout of the ten thousand in the modern imagination: The Sea!The Sea!; R. Lane Fox ed. (2004), The Long March: Xenophon and the ten thousand; R. Water eld (2006),Xenophon’s retreat: Greece, Persia and the end of the golden age . Sobre a história do império persa,tentar: J. M. Cook (1983), The Persian Empire . Sobre Dionísio I de Siracusa, tentar: L. J. Sanders (1987),Dionysios I of Syracuse and Greek tyranny; B. Caven (1990), Dionysios I: war lord of Sicily.

Capítulo 2: A cidade dos (grosseiros) guerreiros de cabelos longosPara as fontes antigas relacionadas a esse período, ver entre outros Xenofonte, Helênicas. Para o antigodebate sobre a constituição espartana: Xenofonte, Constituição dos espartanos. Sobre Lisandro, verPlutarco, Vida de Lisandro. Para fontes secundárias sobre os espartanos, tentar: P. Cartledge (2002),Sparta and Lakonia: a regional history 1300-362 BC; P. Cartledge (2001), Spartan re ections; P.Cartledge (1987), Agesilaos and the crisis of Sparta; C. Hamilton (1991), Agesilaos and the crisis ofSpartan hegemony; A. Powell e S. Hodkinson eds. (1994), The shadow of Sparta, e (2002), Sparta beyondthe mirage . Sobre o papel das mulheres na Grécia antiga: P. Brulé (2003), Women of ancient Greece ; H.Middleton (2002), Ancient Greek women; J. Connelly (2007), Portrait of a priestess: women and ritual inancient Greece; D. Lyons (1996), Gender and immortality: heroines in ancient Greek myth and cult; S.Pomeroy (1976), Goddesses, whores, wives and slaves: women in classical antiquity ; S. Pomeroy (2002),Spartan women. Para mais detalhes sobre a guerra que tomou conta da Grécia depois de 395 a.C. (a“guerra coríntia”): C. Hamilton (1979), Sparta’s bitter victories: politics and diplomacy in the Corinthianwar; J. Buckler (2003), Aegean Greece in the fourth century BC; S. Hornblower (2002), The Greek world479-323 BC. Sobre as diferentes opiniões na Antiguidade a respeito do rei Agesilau: Plutarco, Vida deAgesilau, e Xenofonte, Agesilau.

Capítulo 3: Dançando com o rei da PérsiaSobre a oração fúnebre de Péricles no século V, ver Tucídides, História da guerra do Peloponeso (2.35ff).Sobre a oração fúnebre de Lísias (seu epitaphios), ver Lísias, Oração fúnebre (Lísias II). Para uma análisedas orações fúnebres em Atenas: N. Loraux (1986), The invention of Athens: the funeral oration in theclassical city. Sobre as fases nais da guerra de Corinto, ver a bibliogra a do Capítulo 2. Sobre o relato dapaz real por Xenofonte: Xenofonte, Helênicas (5.1.3-5.3.27). Para um estudo moderno: T. T. B. Ryder(1965), Koine Eirene: General peace and local independence in ancient Greece . Sobre as relações entre ascidades na Grécia nesse período: P. Low (2007), Interstate relations in classical Greece 411-322 BC. Pararelatos sobre a confederação beócia, ver a bibliogra a do Capítulo 5. Sobre a Pérsia, ver S. Hornblower(1994), “Persia”, in Cambridge Ancient History, Vol. 6: The fourth century BC . Para relatos sobre aimposição da paz por Esparta e sua instabilidade social, ver a bibliogra a do Capítulo 2. Sobre osacontecimentos políticos da década de 380 a.C.: J. Buckler (2003), Aegean Greece in the fourth centuryBC; J. Buckler e H. Beck (2008), Central Greece and the politics of power in the fourth century BC; P.Rhodes (2006), A history of the classical Greek world 478-322 BC. Sobre o discurso de Lísias em Olímpia,ver Lísias, Oração olímpica (Lísias XXXIII). Sobre o ensaio publicado por Isócrates em Olímpia, ver

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Isócrates, Panegírico. Sobre a importância dos Jogos Olímpicos na Grécia: J. Swaddling (1999), Theancient Olympic games; N. Spivey (2005), The ancient Olympics.

Capítulo 4: “Coisas sérias para o amanhã”Para fontes antigas relativas ao relato da rebelião tebana, ver Plutarco, Vida de Pelópidas , e Plutarco,Sobre o daimon de Sócrates (em sua obra Moralia (575B-598F)); Xenofonte, Helênicas (5.4.1-13) e Nepos,Pelópidas (2.1-4.1). Para uma análise aprofundada da rebelião tebana, ver J. Buckler (2003), AegeanGreece in the fourth century; J. Buckler e H. Beck (2008), Central Greece and the politics of power in thefourth century BC; M. Munn (1997), “Thebes”, in L. Tritle ed., The Greek world in the fourth century BC:from the fall of the Athenian empire to the successors of Alexander.

Capítulo 5: O filósofo vegetariano e o filantropo fisiculturistaPara fontes antigas relativas às vidas de Pelópidas e Epaminondas, ver a bibliogra a do Capítulo 4 ePlutarco, Moralia (192C-194C); Nepos, Epaminondas; Poliainos, Dos estratagemas, Pausânias, Descriçãoda Grécia (9.13-15). Para uma análise aprofundada desses personagens: P. Cartledge (2001), The Greeks:crucible of civilization; V. Hanson (1999), The soul of battle: from ancient times to the present day, howthree great liberators vanquished tyranny . Para uma análise do incidente de Esfódrias e os momentos queantecederam a guerra beócia em 378 a.C., ver J. Buckler (2003), Aegean Greece in the fourth century BC;J. Buckler e H. Beck (2008), Central Greece and the politics of power in the fourth century BC; P.Cartledge (1987), Agesilaos and the crisis of Sparta; P. Cloché (1952), Thèbes de Béotie, des origines à laconquête romaine. Para uma análise da Confederação Beócia, ver R. Buck (1994), Boiotia and the BoiotianLeague 423-371 BC; R. Buck (1979), A history of Boeotia. Sobre o início da hegemonia tebana, ver J.Buckler (1980), The Theban hegemony 371-362 BC. Para relatos antigos da conferência de paz de 371a.C. e a batalha de Leuctra, ver Xenofonte, Helênicas (6.3.1-4.22); Diodoro, Biblioteca de história(15.50.4-6).

Capítulo 6: O peixe escorregadioPara uma análise de Atenas nos primeiros anos do século IV: B. Strauss (1986), Athens after thePeloponnesian war: class faction and policy 403-386 BC; R. Osborne ed. (2008), Debating the Atheniancultural revolution 420-380 BC. Sobre as práticas militares gregas: W. Pritchett (1971), Ancient Greekmilitary practices (também conhecido como The Greek state at war Part 1 ). Sobre a muralha de defesaconstruída em Ática em 378 a.C.: M. Munn (1993), The defence of Attika: the Dema wall and the Boiotianwar of 378-75 BC. Para uma análise das intenções imperialistas atenienses no século IV e a Segunda LigaAteniense, ver: J. Cargill (1981), The Second Athenian League: empire or free alliance? ; G. T. Grif th(1978), “Athens in the 4th century”, in P. Garnsey e C. Whittaker eds., Imperialism in the ancient world.Para uma análise das colônias gregas no mar Negro: S. Burstein (2006), “The Greek cities of the BlackSea”, in K. Kinzl ed., Companion to the classical world; D. Grammenos e E. Petropoulos eds. (2003),Ancient Greek colonies in the Black Sea (Vols. 1-2) ; C. Tuplin (2004), Pontus and the outside world:studies in Black Sea history, historiography and archaeology ; S. Burstein (1976), Outpost of Hellenism: theemergence of Heracleia on the Black Sea ; V. Gabrielsen e J. Lund eds. (2007), The Black Sea in antiquity.Sobre Cirene: M. Luni (2006), Cirene— Atene d’Africa. Sobre aquele que viria a ser o campo de batalhado litoral norte do Egeu: J. Heskel (1997), The north Aegean wars 371-360 BC. Sobre as colônias gregasna França, na Espanha e na Itália: J. Boardman (1999), The Greeks overseas; R. Talbert (1997), “TheGreeks in South Italy and Sicily”, in L. Tritle ed., The Greek world in the 4th century BC: from the fall ofthe Athenian empire to the successors of Alexander ; A. Trevor-Hodge (1998), Ancient Greek France ; G.

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Pugliese-Carratelli ed. (1996), The Western Greeks ; K. Lomas (2004), Greek identity in the westernMediterranean. Para uma análise do desenvolvimento da Tessália e da Macedônia: H. Westlake (1969),Thessaly in the 4th century BC; E. Borza (1990), In the shadow of Olympus: the emergence of Macedon.

Capítulo 7: O confronto entre o filósofo e o tiranoPara fontes antigas relacionadas às visitas de Platão à Sicília e à história da Sicília no século IV, verDiodoro, Biblioteca de história (Livros 13 e 14); Plutarco, Vida de Díon e Vida de Timolêon . Para umaanálise moderna de Dionísio I, Dionísio II, Díon e as visitas de Platão: M. Finley (1979), Ancient Sicily; L.Sanders (1987), Dionysios I of Syracuse and Greek tyranny ; B. Caven (1990), Dionysios I: warlord ofSicily; G. Levy (1956), Plato in Sicily. Sobre a Academia de Platão em Atenas: D. Nails (1995), Agora,academy and the conduct of philosophy; G. Fine (2008), Oxford handbook of Plato.

Capítulo 8: A implosão da GréciaPara provas antigas das campanhas de Pelópidas e Epaminondas e o julgamento dos dois depois de Leuctrae até a batalha de Mantineia em 362 a.C., ver: Xenofonte, Helênicas (Livros 6 e 7); Plutarco, Moralia(194c); Plutarco, Vida de Pelópidas ; Diodoro, Biblioteca de história (Livro 15). Para uma avaliaçãomoderna, tentar: J. Buckler (1980), The Theban hegemony 371-362 BC; J. Buckler (2003), Aegean Greecein the 4th century BC; J. Buckler e H. Beck (2008), Central Greece and the politics of power in the 4thcentury BC; P. Cartledge (1987), Agesilaos and the crisis of Sparta; J. Roy (1994), “Thebes in the 360s”, inCambridge Ancient History, Vol. 6: the fourth century BC ; J. Heskel (1997), “Macedonia and the North:400-336 BC”, in L. Tritle ed., The Greek world in the 4th century BC: from the fall of the Athenian empireto the successors of Alexander. Sobre os acontecimentos no norte do Egeu na década de 360: J. Heskel(1997), The north Aegean wars 371-360 BC. Sobre Epaminondas em Mantineia, ver V. Hanson (1999),The soul of battle: from ancient times to the present day, how three great liberators vanquished tyranny .Para uma análise de Xenofonte e sua história da Grécia (Helênicas), ver J. Wickersham (1994), Hegemonyand Greek historians; J. Dillery (1995), Xenophon and the history of his times; V. Gray (1989), Thecharacter of Xenophon’s Hellenica.

Capítulo 9: A bexiga da vaca, a maldição de amor e a caricaturaSobre Eneias, o Tático, ver: D. Whitehead (1990), Aineias the Tactician: how to survive under siege . Parauma análise de certas obras literárias e artísticas do século IV, tentar: R. Osborne ed. (2008), Debating theAthenian cultural revolution 420-380 BC; T. Webster (1956), Art and literature in the 4th century ; B.Ridgway (1997), Fourth century styles in Greek sculpture. Para certas análises da natureza da religiãogrega: J. Bremmer (1994), Greek religion; J. Mikalson (2005), Ancient Greek religion; R. Buxton (2000),Oxford readings in Greek religion; D. Ogden ed. (2007), Companion to Greek religion. Para análises sobrea construção de templos na Grécia no século IV e os sítios de Bassai, Epidauro, Oropus e Delfos, tentar: A.Spawforth (2006), The complete Greek temples; J. Pedley (2005), Sanctuaries and the sacred in the Greekworld. Para uma análise dos documentos que chegaram até nós sobre a construção do templo de Epidauro,ver: A. Burford (1969), The Greek temple builders at Epidauros: a social and economic study of building inthe Asklepian sanctuary, during the fourth and early third centuries B. C . Sobre as perguntas ao oráculoem Dodona, as consultas oraculares sobre mortes e as tabuletas de maldições, ver: E. Eidinow (2007),Oracles, curses and risk among the ancient Greeks ; C. Faraone (1999), Ancient Greek love magic; D.Ogden (2001), Greek and Roman necromancy. Sobre a magia grega: J. Petropoulos (2008), Greek magic:ancient, medieval and modern. Sobre o desenvolvimento de diferentes crenças religiosas na Grécia antiga,tentar: R. Garland (1992), Introducing new gods: the politics of Athenian religion; R. Parker (1995),

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“Early Orphism”, in A. Powell ed., The Greek world; E. Kearns (2006), “Religious practices and religiousbeliefs”, in K. Kinzl ed., Companion to the classical world. Sobre o desenvolvimento da literatura médica,ver: J. Longrigg (1998), Greek medicine from the heroic to the Hellenistic age. Para o texto das histórias desucesso de Asclépio, ver P. Rhodes e R. Osborne (2003), Greek historical inscriptions 404-323 BC (nº 102).Sobre o teatro no século IV, tentar: P. Easterling ed. (1997), The Cambridge companion to Greek tragedy .Sobre Aristófanes e seu sucessor cômico Menandro, ver: D. MacDowell (1995), Aristophanes and Athens;T. Webster (1974), An introduction to Menander. Sobre Teôfrastos, ver Teôfrastos, Investigação sobre asplantas e Caracteres. Sobre a vasta obra de Aristóteles, tentar Aristóteles, Política, Poética, Lógica, Física,Metafísica e Ética a Nicômacos, entre outras.

Capítulo 10: Dez anos que mudaram o mundo antigo: 362-352 a.C.Sobre a situação no centro da Grécia no m da década de 360, ver J. Buckler e H. Beck (2008), CentralGreece and the politics of power in the 4th century BC. Sobre o confronto entre Díon e Dionísio II, ver:Plutarco, Vida de Díon, R. Talbert (1997), “The Greeks in South Italy and Sicily”, in L. Tritle ed., TheGreek world in the 4th century BC: from the fall of the Athenian empire to the successors of Alexander .Sobre o envolvimento de Atenas na guerra com Mausolo (a “guerra social”) e sua participação nasguerras do litoral norte do Egeu, ver: J. Heskel (1997), The north Aegean wars 371-360 BC; C. Schwenk(1997), “Athens”, in L. Tritle ed., The Greek world in the 4th century BC: from the fall of the Athenianempire to the successors of Alexander; S. Hornblower (1982), Mausolus. Para o resumo da posição deAtenas segundo Isócrates, ver Isócrates, Areopagítico e Sobre a paz. Sobre o rei Filipe e a reorganizaçãoda Macedônia: I. Worthington (2008), Philip II of Macedon; E. Borza (1990), In the shadow of Olympos:the emergence of Macedon; N. Hammond (1994), Philip of Macedon; G. Cawkwell (1978), Philip ofMacedon; N. Hammond e F. Walbank (1988), History of Macedonia, Vol. 1 ; J. Ellis (1976), Philip II andMacedonian imperialism; E. McQueen (1995), “Why Philip won”, in A. Powell ed., The Greek world. Parauma análise dos Jogos Olímpicos e da necessidade de comprovação de ascendência grega: N. Crowther(2004), Athletika: studies on the Olympic games and Greek athletics. Para análises da identidade grega,tentar: J. Hall (1997), Ethnic identity in Greek antiquity; I. Malkin ed. (2001), Ancient perceptions ofGreek ethnicity; K. Zacharia ed. (2008), Hellenismus: culture, identity and ethnicity from antiquity tomodernity. Sobre a guerra santa em torno de Delfos: J. Buckler (1989), Philip II and Sacred War.

Capítulo 11: Estratégias de sobrevivênciaPara uma análise do comércio e da economia atenienses no século IV, tentar: M. Finley e P. Millett (1985),Studies in land and credit in ancient Athens 500-200 BC; P. Millett (1991), Lending and borrowing inancient Athens; S. Isager e M. Hansen (1975), Aspects of Athenian society in the 4th century ; K. Shipton(2000), Leasing and lending: the cash economy in fourth-century BC Athens; E. Cohen (1992), Athenianeconomy and society: a banking perspective; N. Ferguson (2008), The ascent of money: a nancial historyof the world; P. de Souza (1995), “Greek Piracy”, in A. Powell ed., The Greek world; G. Oliver (2007),War, food, and politics in early Hellenistic Athens . Sobre Xenofonte, ver Xenofonte, Oikonomikos e Poroi.Para uma análise da democracia ateniense no século IV: M. Hansen (1999), The Athenian democracy inthe age of Demosthenes; J. Ober (1996), The Athenian revolution: essays on ancient Greek democracy andpolitical theory; R. Osborne (2010), Athens and Athenian democracy . Para uma análise da ordem públicaem Atenas: V. Hunter e J. Edmondson eds. (2000), Law and social status in classical Athens; V. Hunter(1994), Policing Athens: social control in the Attic lawsuits 420-320 BC ; A. Lanni (2006), Law and justicein the courts of classical Athens; D. MacDowell (1978), The law in classical Athens; P. Cartledge, S. vonReden e P. Millett eds. (1998), Kosmos: essays in order, conflict and community in classical Athens.

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Capítulo 12: Salvador ou tirano?Sobre Demóstenes: R. Sealey (1993), Demosthenes and his time: a study in defeat; I. Worthington ed.(2000), Demosthenes, statesman and orator . Para análises recentes dos tribunais e outros oradores emAtenas nessa época: E. Carawan ed. (2007), The Attic orators ; C. Carey (1997), Trials from classicalAthens. Para uma análise da importância e do uso da amizade como palavra-chave: P. Millett (1989),“Patronage and its avoidance in Classical Athens”, in A. Wallace-Hadrill ed., Patronage in ancient society;L. Mitchell (1997), Greeks bearing gifts: the public use of private relationships in the Greek world 435-323BC. Para um exemplo dos discursos judiciais e públicos de Demóstenes e Ésquino na questão envolvendoFilipe, ver Demóstenes, Primeira, Segunda e Terceira Filípicas , e Ésquino, Contra Ctesífon. Para estudosmodernos sobre a relação entre os dois: T. Ryder (1975), Introduction to Demosthenes and Aeschines.Para uma análise da in uência de Demóstenes na política de Atenas: H. Montgomery (1983), The way toChaeronea: foreign policy, decision making and political in uence in Demosthenes’ speeches ; C. Gibson(2002), Interpreting a classic: Demosthenes and his ancient commentators; W. Jaeger (1963),Demosthenes: the origin and growth of his policies. Sobre Timolêon e o exemplo de Siracusa, ver: Plutarco,Vida de Timolêon ; R. Talbert (1974), Timoleon and the revival of Greek Sicily 344-317 BC. Sobre osderradeiros comentários de Isócrates no debate, ver Isócrates, Panatenaico e Segunda carta a Filipe.

Capítulo 13: O confronto finalPara uma análise das diferentes táticas empregadas por Demóstenes e Filipe no início da década de 340a.C., ver os livros sobre Demóstenes na bibliogra a dos Capítulos 10 e 12, e também S. Perlman ed.(1973), Philip and Athens; N. Hammond (1986), A history of Greece to 322 BC; T. Buckley (1996),Aspects of Greek history 750-323 BC: a source-based approach. Para certas fontes antigas, ver Diodoro,Biblioteca de história (Livros 16 e 17). Para comentários, ver E. McQueen (1995), Diodoros Siculus, thereign of Philip II: the Greek and Macedonian narrative from book XVI: a companion, translation andcommentary. Sobre a invectiva de Demóstenes contra Filipe, ver Demóstenes, Primeira, Segunda eTerceira Olintíacas e Primeira, Segunda e Terceira Filípicas . Sobre os debates entre Demóstenes e Ésquinonos tribunais sobre a missão diplomática conjunta para tentar a paz com Filipe entre 346-343 a.C., verDemóstenes, Sobre a falsa embaixada, e Ésquino, Contra Tímarcos e Sobre a embaixada. Sobre o papel deDemóstenes em Atenas a partir de 343, ver Plutarco, Vida de Demóstenes. Sobre a guerra santa contraAn ssa e o papel de Ésquino na assembleia do conselho de Delfos, ver Ésquino, Contra Ctesífon. Sobre abatalha de Queroneia: J. Heskel (1997), “Macedonia and the North”, in L. Tritle ed., The Greek world inthe 4th century BC: from the fall of the Athenian empire to the successors of Alexander ; J. Ma (2008),“Chaironea 338: topographies of commemoration”, in Journal of Hellenic Studies. Sobre a relação deFilipe com Demóstenes, ver Plutarco, Moralia (177). Sobre a oração fúnebre de Demóstenes após abatalha, ver Demóstenes, Oração fúnebre.

Capítulo 14: De pai para filhoPara as biogra as antigas de Demóstenes, Fócion e Alexandre, ver Plutarco, Vida de Demóstenes, Vida deFocíon e Vida de Alexandre . Para comentários antigos sobre Filipe, ver: Políbio, História, e Diodoro,Biblioteca de história (Livro 16); Plutarco, Moralia (177). Obras perdidas sobre Filipe: Sátiros, Vida deFilipe; Teôpompos, Filípica. Para estudos modernos analisando o temperamento e as realizações de Filipe,ver bibliogra a do Capítulo 10. Sobre a Liga de Corinto, ver P. Low (2007), International relations inclassical Greece; P. Rhodes e R. Osborne eds. (2007), Greek historical inscriptions 404-323 BC (nº 76).Para as fontes antigas a respeito de Alexandre, o Grande, ver entre outros: Diodoro, Biblioteca de história;Arriano, Anabasis; Plutarco, Vida de Alexandre . Sobre os comentários de que ele teria matado o pai:

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Plutarco, Vida de Alexandre (10.8); Pausânias, Descrição da Grécia (8.7.5). Para análises de Alexandre ede sua mãe, Olímpia, ver P. Cartledge (2001), The Greeks: crucible of civilisation. Sobre o túmulo de Filipeem Vergina: M. Andronicos (1984), Vergina: the royal tombs and the ancient city . Sobre o monumento emOlímpia: P. Schultz e R. von den Hoff eds. (2007), Early Hellenistic portraiture: image, style, context . Abibliogra a sobre Alexandre, o Grande, sua personalidade e a conquista da Ásia é enorme. Tentar: S.Sebag-Monte ore (2009), Heroes: History’s greatest men and women; R. Matthew (2009), Alexander atthe battle of Granicus: a campaign in context; R. Stoneman (2008), Alexander the Great: a life in legend; P.Green (2007), Alexander the Great and the Hellenistic age: a short history; I. Worthington ed. (2003),Alexander the Great: a reader; J. Roisman ed. (2003), Brill’s companion to Alexander the Great ; A.Bosworth (1996), Alexander and the East: the tragedy of triumph; P. Cartledge (2003), Alexander theGreat: the hunt for a new past; A. Bosworth (1988), Conquest and empire: the reign of Alexander theGreat; A. Bosworth e E. Baynham ed. (2000), Alexander the Great in fact and ction; P. Briant (1987),Alexander the Great: the heroic ideal; P. Green (1998), Alexander of Macedon 356-323 BC; J. Hamilton(1973), Alexander the Great.

Capítulo 15: Governando o mundo antigoPara uma bibliogra a antiga e moderna sobre Alexandre e suas campanhas, ver o capítulo anterior. Parauma análise da resistência a Alexandre e suas tentativas de integrar os mundos e as culturas persas egregos, ver: S. Hornblower (2002), The Greek World 479-323 BC ; W. Heckel (1997), “Resistance toAlexander the Great”, in L. Tritle ed., The Greek world in the 4th century BC: from the fall of theAthenian empire to the successors of Alexander; L. Tritle, W. Heckel e P. Wheatley eds. (2007),Alexander’s empire: formulation to decay . Sobre a tentativa de Alexandre de se declarar um deus, ver E.Badian (1981), “The dei cation of Alexander the Great”, in H. Dell ed., Ancient Macedonian studies inhonor of Charles F. Edson.

Capítulo 16: As coisas nunca andaram tão bemPara o discurso de defesa de Demóstenes em 330 a.C., ver Demóstenes, Sobre a coroa. Para o discurso deacusação de Ésquino, ver Ésquino, Contra Ctesífon. Para uma análise da maneira como Demóstenesrecontextualiza a história da Grécia, assinalando Queroneia como uma virada decisiva: P. Carlier (1996),Le IVième siècle av. J. C.: approches historiographiques . Para uma análise da Liga de Corinto e dasrelações internacionais na Grécia do século IV: P. Low (2007), International relations in classical Greece;E. Badian (1982), “Macedonians and Greeks”, in B. Barr-Sharrar e E. Borza eds., Macedonia and Greecein late classical and early Hellenistic times. Para uma análise das reformas nanceiras em Atenas sobEubulo e Licurgo, ver: G. Oliver (2007), War, food and politics in early Hellenistic Athens 404-323 BC ; G.Oliver (2006), “The Economic Realities”, in K. Kinzl ed., Companion to the classical world; S. Isager e M.Hansen (1975), Aspects of Athenian society in the 4th century BC. Para uma análise do programa deconstrução em Atenas na segunda metade do século IV, ver J. Camp (2001), The archaeology of Athens.Para uma discussão da política de permissão do culto a deuses estrangeiros em Atenas adotada porLicurgo: R. Garland (1992), Introducing new gods: the politics of Athenian religion. Sobre o grupoesculpido dos Tiranicidas: R. Osborne (1998), Archaic and classical Greek art. Sobre a importância daÁgora em Atenas: M. Millett (1991), “Encounters in the Agora”, in P. Cartledge, M. Millett e S. vonReden eds., Kosmos: essays in order, con ict and community in classical Athens . Para os textos deAristóteles sobre a democracia, ver Aristóteles, Constituição dos atenienses. Para tratar adequadamenteda democracia ateniense, temos de falar da democracia na época de Demóstenes: M. Hansen (2001),Athenian democracy in the age of Demosthenes. Para uma análise do caso Hárpalo: Plutarco, Vida de

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Demóstenes e Vida de Alexandre ; Hipereides, Contra Demóstenes e Dinarco, Contra Demóstenes; I.Worthington (1994), “The Harpalus affair and the Greek response to the Macedonian hegemony”, in I.Worthington ed., Ventures into Greek history; R. Wallace (1989), The Areopagus council to 307 BC.

Capítulo 17: Um novo mundoSobre os ferimentos e a sorte de Alexandre, ver Plutarco, Moralia (326Dff). Sobre as muitas cidadesfundadas por Alexandre, ver P. M. Fraser (1996), The cities of Alexander the Great. Sobre a redenção e osuicídio de Demóstenes, ver Plutarco, Vida de Demóstenes. Sobre a rebelião liderada por Atenas após amorte de Alexandre (a guerra lamiana) e a oração fúnebre de Hipereides em homenagem aos mortos daguerra, ver Hipereides, Oração fúnebre . Sobre o m de Fócion, ver Plutarco, Vida de Focíon. Para umaanálise da luta sucessória após a morte de Alexandre, ver: W. Lindsay (1997), “The Successors ofAlexander”, in L. Tritle ed., The Greek world in the 4th century BC: from the fall of the Athenian empireto the successors of Alexander. Para uma análise da mãe de Alexandre, Olímpia, ver P. Cartledge (2001),The Greeks: crucible of civilization. Sobre a invenção do moderno trirreme de Olympias, ver J. Morrison,J. Coates e N. Rankov (2000), The Athenian trireme: the history and reconstruction of an ancient Greekwarship. Sobre o surgimento de um novo mundo “helenístico”, após a morte de Alexandre, o Grande, ver:D. Ogden ed. (2002), The Hellenistic world: new perspectives; R. Errington (2008), A history of theHellenistic world: 323-30 BC; M. Austin (2006), The Hellenistic world from Alexander to the Romanconquest: a selection of ancient sources in translation; P. Green (2007), The Hellenistic age: a short history;P. Green (1990), Alexander to Actium: the historical evolution of the Hellenistic age . Sobre Atenas e adeificação de Demétrios, “o Salvador”, ver Plutarco, Vida de Demétrios.

Epílogo: Dos democratas aos reisPara algumas obras examinando de que maneira os historiadores antigos registraram acontecimentosantigos: J. Wickersham (1994), Hegemony and Greek historians; V. Gray (1989), The character ofXenophon’s Hellenica ; C. Tuplin e V. Azoulay eds. (2004), Xenophon and his world; K. Sacks (1990),Diodorus Siculus and the rst century ; A. Stadter ed. (1992), Plutarch and the historical tradition. SobreDiógenes: L. Navia (1998), Diogenes of Sinope: the man in the tub.

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Cronologia

Data (a.C.) Grécia continental

Mar Egeu,litoral nortedo Egeu emar Negro

Ásia Menor eimpério persa

Mediter-râneoocidental

480 Batalha das Termópilas

Década de440

Auge do impérioateniense. Início daconstrução do Partenonem Atenas

436 Nascimento de Isócrates

431 Início da guerra doPeloponeso

406 Batalha de Arginusas

404 Derrota de Atenas eadvento dos TrintaTiranos

Morte do rei persaDario Artaxerxes II éproclamado rei

403 Restabelecimento dademocracia ateniense

401 Batalha de Cunaxa.Morte de Ciro. 10.000gregos retidos na Ásia

Dionísio Iaumenta ocontrole deSiracusa e daSicília

400 Agesilau sobe ao trono deEsparta

Conclusão do templo deApolo em Bassai

Oikonomikos, deXenofonte

399 Morte de Sócrates emAtenas

396 Vitória de Cinisca, irmãde Agesilau, nos JogosOlímpicos

Invasão espartana doimpério persa

395 Começam na Grécia asguerras coríntias entreEsparta e Atenas, Tebas,

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Argos e Corinto

O general espartanoLisandro é morto nabatalha de Haliarto

Montagem em Atenas deEcclesiazusae, deAristófanes

394 Batalha de Coroneia, naBeócia

Batalha naval perto deCnido

392 Reconstrução dasmuralhas de AtenasOração fúnebre de LísiasSegunda vitória deCinisca nos JogosOlímpicos

391 Tentativa de acordo depaz frustrada por Atenas

390 Isócrates abre sua escolaem Atenas

388 Oração olímpica, deLísiasNova montagem emAtenas de Riqueza, deAristófanes

Platão fazsua primeiravisita aDionísio I emSiracusa

387 Platão abre sua Academiaem Atenas

386 Imposição da paz real Imposição da paz real Imposição da paz real

384 Nascimento deDemóstenes e AristótelesEsparta destrói a cidadede Mantineia

382 Esparta ocupa a cidade deTebas

380 Panegírico, de Isócrates

Morte de Lísias

Início da construção dotemplo de Apolo emEpidauro

Atenas reavalia as terrasem Ática

379 Início da rebelião tebana

378 Fracassada tentativa deEsfódrias de marchar

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sobre Atenas

Início da guerra beócia

Relançamento daConfederação Beócia

Fundação da SegundaLiga Ateniense

Atenas constrói suamuralha de defesa emÁtica

375 O Bando Sagrado tebanoderrota o exércitoespartano em TegiraReafirmada a paz realJasão de Feres éconfirmado como tagosda Tessália

Reafirmação da pazreal

A Segunda LigaAteniense conta 75membros

Reafirmação da pazreal

373 Os tebanos destroem acidade de Plateia

Destruição do templo deApolo em Delfos por umterremoto. Início doprojeto de restauração(concluído na década de340)

Fracassada expediçãodo rei da Pérsia aoEgito

371 Atenas inicia negociaçõespara uma aliança comEsparta

Fracasso da conferênciade paz em Esparta

Batalha de Leuctra

Fracassa novaconferência de paz emAtenas

370 Assassinato de Jasão deFeres. Alexandre de Feresassume

Alexandre II torna-se reida Macedônia

Início da primeiraexpedição deEpaminondas e Pelópidas

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ao Peloponeso369 Epaminondas e Pelópidas

refundam Mantineia,libertam Messênia,fundam a cidade deMessena e ameaçam osportões de Esparta

Epaminondas e Pelópidasjulgados e absolvidos

Atenas e Esparta renovamsua aliança

Epaminondas dá início àsegunda invasão doPeloponeso

Pelópidas inicia a primeiraexpedição ao norte. Trazo refém macedônio Filipepara Tebas

Dionísio Imanda ajudaaEsparta

368 Assassinato do rei daMacedônia, sucedido porPtolomeu

Segunda expedição dePelópidas ao norte.Derrotado em batalhacom Ptolomeu, rei daMacedônia

Terceira expedição dePelópidas ao norte, contraAlexandre de Feres.Pelópidas é capturado

Epaminondas julgado pelasegunda vez e rebaixado

Conferência de pazorganizada em Delfospelo rei da Pérsia

Dionísio Itorna-secidadão ealiado deAtenas

367 Fracasso da primeiratentativa tebana delibertar Pelópidas

Epaminondas lidera umasegunda tentativa eliberta Pelópidas

Pelópidas é enviado àcorte persa. Retornacom a "paz dePelópidas"

Morte deDionísio I.Dionísio IIassume ogoverno deSiracusa

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A paz de Pelópidasrejeitada por Atenas eEsparta

366 Terceira expedição deEpaminondas aoPeloponeso. Fundação dacidade de Megalópolis

Tebas retoma aosatenienses o controle deOropus

Atenas assediaAnfípolis, no litoralnorte do Egeu

Segundavisita dePlatão aSiracusa,para seencontrarcom DionísioII

Exílio deDíon emAtenas.Prisão eposteriorlibertação dePlatão

365 Assassinato de Ptolomeu,rei da Macedônia.Perdicas III sobe ao trono

Início da guerra arcádiacom Élis pela Olímpia

A Macedônia entraem aliança comAnfípolis. Anfípolis seentrega a Olinto

Os ateniensesrecapturam a ilha deSamos

Timóteo mandadopara Anfípolis

Início da revolta contrao rei da Pérsia, lideradapor governadores daÁsia Menor

364 Terceira expedição dePelópidas ao norte. Mortede PelópidasTebas destrói a cidade deOrcômeno

Epaminondas ameaçacom a esquadratebana os aliados deAtenas no Egeu e àentrada do mar Negro

Olinto retira-se deAnfípolis

Timóteo assediaPotideia

363 Atenas funda umacolônia em Potideia

Expedição ateniense àpenínsula deQuersoneso

362 Batalha de MantineiaMorte de EpaminondasDecretada a paz geral

Perdicas instalaguarnição emAnfípolis

Mausolo adere àrebelião contra o rei daPérsia

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Miltôcites, um rebeldecontra o rei da Trácia,captura Sestos, napenínsula deQuersoneso, e aentrega aos persas

361 Timóteo capturaSestosOlinto ataca Potideia

Início da guerra deAtenas contra o rei daTrácia

Terceiravisita dePlatão aSiracusa

360 Morte de Perdicas III.Filipe II é o novo rei daMacedônia

Início das reformas naMacedônia

Atenas e Macedôniachegam a um acordosobre a cidade deAnfípolis

Morte do rei Agesilau deEsparta

Assédio de Sestos pelorei da Trácia

359 Morte de Artaxerxes II,rei da Pérsia.Coroação deArtaxerxes III

358 Construção do teatro deEpidauro

Mausolo oferece acidades da Ásia Menorproteção contra Atenas

Início da guerra socialcontra Atenas

357 Areopagítico, de IsócratesFilipe casa-se comOlímpia

Atenas declara guerra àMacedônia

Filipe recobra ocontrole de Anfípolis

Retorno deDíon aSiracusa

356 Nascimento de Alexandre,o Grande

Filipe vence uma corridade cavalos em Olímpia

Revolta de Artabazo,outro governador persa

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Vitória de Filipe emPotideia e contra os ilírios

O início da guerra santacontra o santuário deDelfos

355 Sobre a paz, de Isócrates

Poroi, de Xenofonte

A guerra santa se espraiapor toda a Grécia

Eubulo assume o controlefinanceiro de Atenas

Fim da guerra social

Tebas manda reforçospara o governadorpersa Artabazo

354 Assassinatode Díon.Calipoassume ocontrole deSiracusa

353 Atenas envia colonosà península deQuersoneso

Olinto entra emaliança com Atenas

Morte de Mausolo econclusão de seumausoléu pela viúva,Artemísia

352 Filipe aniquila as forçasde Fócis e obriga 3.000mercenários a se atirar aomar

Filipe torna-se tagos daTessália

Filipe rechaçado nasTermópilas;

Os atenienses enviamcolonos a Samos,exilando a maioria dapopulação

Aliança de Filipe comBizâncio

Calipo émorto

351 Primeira Filípica, deDemóstenes

O rei da Pérsiaempreende novainvasão do Egito

350 Concluído o templo deAnfiaru em Oròpos

Filipe ameaça Olinto

349 Primeira, Segunda eTerceira Olintíacas, deDemóstenes

Filipe ataca Olinto

348 Início da revolta emEuboeia

Olinto tomada porFilipe

347 Estadista, de Platão

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Morte de Platão.Aristóteles deixa Atenas

346 Demóstenes e Ésquinoemissários de negociaçãoda paz junto a Filipe.Acertada a paz deFilocrates

Filipe força a passagempelas Termópilas e libertaDelfos

A Filipe, de Isócrates

Revisão das listas decidadãos de Atenas

Demóstenes e Timarcomovem ação contraEsquino em Atenas

Dionísio IIreassume opoder emSiracusa

345 Início da contra-ação deÉsquinos (ContraTímarcos)

344 Filipe protesta contra ocomportamento de Atenasenquanto sufoca revoltasna Tessália

Filipe e Demóstenesbuscando aliados noPeloponeso

Segunda Filípica, deDemóstenes

Timolêonchega aSiracusa,dando inícioa suarevivescência

Dionísio IIfinalmente éexilado emCorinto

343 Contra Filocrates, deHipereides

Sobre a falsa embaixada,de Demóstenes. Sobre aembaixada, de Ésquino.Absolvição de Ésquino

Aristóteles é nomeadotutor de Alexandre naMacedônia

A Pérsia consolida ocontrole sobre o Egito

342 Primeira carta a Filipe eCarta a Alexandre, deIsócrates

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Morte de Eubulo emAtenas

341 Terceira e QuartaFilípica, de Demóstenes

Demóstenes volta abuscar apoio noPeloponeso

Filipe em campanhano litoral do marNegro

Demóstenes enviadopara fazer umaaliança com Bizâncio

Timolêoncombate oscartaginesesna Sicília

340 Demósteneshomenageado pelosatenienses

Advertência final de Filipea Atenas

Atenas começa a juntarum fundo de guerra

Atenas declara guerra aFilipe

Tentativa fracassadade Filipe em Bizâncio

339 Esquino defende Atenasno conselho de Delfos e oconvence a declararguerra santa a Anfissa

Nomeado general, Filipetoma Elateia e apresentaum ultimato a Tebas

Os atenienses rejeitam osconselhos de Fócion eseguem Demóstenes

Demóstenes convence ostebanos a se alinhar comAtenas

Panatenaico, de Isócrates

338 Batalha de QueroneiaSegunda a carta a Filipe,de Isócrates, que morre

Promulgada a leiantitirania de Atenas

Oração fúnebre, deDemóstenes

Tebas punida por Filipe

Assassinato deArtaxerxes III.Coroação deArtaxerxes IV

Timolêon eCartagoassinam umtratado depaz

337 Fundação da Liga de Timolêon

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CorintoInício da construção dossantuários internacionaisÍstmico e Nemeia

Licurgo nomeado gerentedas rendas públicas emAtenas

morre e éhomenageadoem Siracusa

336 Ctesífon propõe queDemóstenes sejahomenageado com umacoroa

Assassinato de FilipeAlexandre é coroado rei

Atenas presta homenagemao assassino de Filipe

Erguido em Vergina otúmulo de Filipe

Envio de umcontingente de ataquede Filipe à Ásia Menor

Assassinato deArtaxerxes IV. DarioIII tornase rei da Pérsia

335 Alexandre subjuga aTessália depois de tomaro monte Ossa

Temas revolta-se contraAlexandre e é destruída

Dêmades convenceAlexandre a não matarDemóstenes

Início do Filipêion emOlímpia

Alexandre consulta ooráculo de Delfos

Alexandre se encontracom Diógenes

Concluída em Atenas areconstrução da Pnix

Aristóteles volta a seestabelecer em Atenas eabre o Liceu

Alexandre sufocarevolta no Danúbio

334 Alexandre atravessa oHelesponto. Capturaarmas troianas notemplo próximo de

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Troia

Batalha de Granico

Alexandre desfaz o nógórdio

333 Batalha de Isso

332 Assédio de Tiro

Assédio de Gaza

Alexandre é coroadofaraó do Egito

Alexandre consulta ooráculo de Amon emSiwa

331 Revolta de Esparta

Batalha de Megalópolis emorte do rei Ágis, deEsparta

Rebelião sufocada porAntípatro na Trácia

Batalha de GaugamelaQueda de Babilônia,Susa e PersépolisIncêndio de Persépolis

330 Sobre a coroa, deDemóstenes, e ContraCtesífon, de Ésquino

Licurgo conclui uma novaobra em Elêusis

O grupo de estatuáriaTiranicidas é devolvido aAtenas

Morte do rei Dario

Alexandre tomaEcbátana

Alexandre desfaz astropas aliadas

Caso Filotas

329 Licurgo constrói o estádioPanatenaico em Atenas

Morte de Bessos

Alexandre queima suabagagem e atravessa oHindu Kuch

O início da campanhana Bactriana e naSogdiana

328 Alexandre mata Cleitos

327 Alexandre subjugaSogdiana e casa comRoxana

Assassinato deCalistenes

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Alexandre entra naÍndia

326 Morte de Licurgo Alexandre faz aliançacom o rei Poros

Alexandre chega ao rioBeas. Aceita recuar deacampamento no rioHidaspes. Ordena aconstrução de umaesquadra

Alexandre ruma para osul ao longo do rio Indoe quase é mortocombatendo no Punjab

325 Conclusão do novomonumento aos Heróis

Epônimos na Ágora, emAtenas

Alexandre separa-se daesquadra e atravessa odeserto de Gedrosia

324 Restabelecimento dodecreto dos exiladosproclamado em Olímpia

Hárpalo chega a Atenascom o dinheiro deAlexandre

Julgamento deDemóstenes e Dêmades.Contra Demóstenes, deDinarco e Hipereides

Exílio de Demóstenes eDêmades

Alexandre retorna aSusa

Casamento coletivo emSusa

Morte de Heféstion emEcbátana

Motim das tropasmacedônias deAlexandre em Opis

Alexandre proclama opróprio endeusamento

323 Demóstenes volta doexílio

Demóstenes e Hipereidesmobilizam aliados noPeloponeso

Aristóteles conclui aConstituição dosatenienses

Aristóteles foge de AtenasMorte de Diógenes

Alexandre contrai febree morre

Reunião de crise dosgenerais em Babilônia.O exército designaFilipe III.

Primeira divisão doimpério de Alexandre

Nascimento deAlexandre IV

322 Começa a guerra de Rebelião da ilha de Motim dos mercenários

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Lamia contra Antípatro

Batalha de Crânon naTessália

Dêmades volta do exílio

Oração fúnebre, deHipereides

Morte de Demóstenes eHipereides

Instalação de umaguarnição macedônia emAtenas

Morte de Aristóteles

Rodes gregos em Bactriana

Os comandantes sealinham com Ptolomeuou Pérdicas

321 O corpo de Alexandre,o Grande roubado porPtolomeu e enterradono EgitoPérdicas é mortoAntípatro faz refénsAlexandre IV e FilipeIII

Antígono nomeadopara o controle da ÁsiaMenorPartilha do poderdecidida emTriparadiso

319 Teôfrastos escreveCaracteres

Morte de Antípatro, lutaentre Cassandro ePolipercon pelo controleda Grécia

Dêmades é morto

Roxana e Olímpia fogempara Epiro

Antígonos aumenta seucontrole da Ásia

318 Execução de Fócion emAtenas

317 Imposição de Demétrio deFalero a Atenas

Olímpia une forças a

Constantes combatespelo controle dediferentes regiões daÁsia

Agatocléssobe ao tronona Sicília

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Polipercon e combate naMacedônia. AssassinaFilipe III e sua mulher,Eurídice

316 Olímpia é assassinada porCassandro.

Prosseguimento doscombates por quatro anos

312 Breve período de paz àsvésperas da maioridadede Alexandre IV

309 Alexandre IV éassassinado porCassandro

307 Demétrios, "o Sitiante"assume o controle emAtenas, sendo cultuadocomo Deus

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Índice remissivo

10.000 mercenários gregos

A

AcragasAcrópoleAegaleo, cordilheiraAfeganistãoÁfricaAfroditeAgamêmnonAgesilauÁgoraAlexandre da TessáliaAlexandre de FeresAlexandre IVAlexandre, o Grande (Alexandre III da Macedônia)AmonAncaraAnfiarauAnfípolisAnfissaAntálcidasAntípatroApoloAquilesArábiaArcádiaarchon (magistrado principal)AreópagoAresArginusas, batalha deargivosArgosAristófanes

Ecclesiazusae (Mulheres na Assembleia)AristótelesArriano

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ArtaxerxesArtemísiaAsclépioÁsia MenorAstidamiaAtenaAtenas, passim

democracia atenienseLiga Ateniense

ÁticaÁulis

B

BabilôniaBactrianaBagdáBando SagradoBassaiBeóciabeotarcasBessusBíblia, ABizâncioBodrumBósforoBush, George W.Byron, Lorde

C

CaláuriaCalipoCalistenesCalístratoCanutoCáriaCáronCartagoCassandroCaxemiraceltasChabrias

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ChipreChurchill, Winston S.CícerocidadaniaCiniscaCireneCirocitasClearcoCleitosCleômbrotosCnido, batalha decolôniasConfederação BeóciaCônonCorãoCorintoCorinto, Liga deCoroneia, batalha deCrânonCrítiascruzadasCtesífonculto ao heróiculturaCunaxa

D

dândarosDanúbio, rioDardanelosDario IIDario IIIDelfosDêmadesDemétrio de FalerodemocraciaDemóstenesDinarco

Contra DemóstenesDiodoroDiógenesDíonDionísio IDionísio II

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direito de votoDodona, santuário oracular

E

EcbátanaEgeu, marEginaEgitoElãElateiaElêusisÉlisEmpédoclesEneias, o TáticoEpaminondasEpicuroEpidauroEpiroescravos, ver também hilotasEsfódriasespartanos, passim

exércitogoverno e sociedademulheresrelações com a Pérsiarivalidade com Atenassistema educacionalsupremacia

ÉsquiloÉsquinoEstados UnidosEstrabãoEtóliaEubeiaEubuloeugeniaEurípides

F

falta de confiabilidadefama de guerreiros

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FarnabazoFarrell, ColinfederalismoFeres, Alexandre deFeres, cidadeFeres, Jasão deFilipe da Macedônia

domina a Gréciaentra para as Olimpíadasfeito refémfica cegohabilidade militarintroduz a sarissa (lança)reforma a Macedôniasobe ao trono

FilosofiaFilotasFócionFócisFrança

G

GalípoliGaugamelagaulesesGedrosia, deserto deGórdioGranico, batalha deGrécia, passimguerra civilguerra de Troia

H

HamadãHárpaloHeféstionHegesiasHelespontoHenrique VIIIHeracleia PônticaHeródoto

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Hidaspes, riohilotas, ver também escravosHindu KuchHipereidesHitler, AdolfHollywoodhomossexualidade

I

identidade, desenvolvimento daIgreja de São Joãoigualdade, princípío dailíriosimpérioÍndiaIrãIraqueIreneIskenderunIsócrates

Sobre a pazA Filipe

Issus, batalha deIstambulÍstmicoIstmo

J

Jasão de FeresJogos OlímpicoJolie, Angelina

K

King, Martin Lutherkoine eirene(paz comum)

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L

LarissaLêuconLeuctra, batalha deLicurgoLídiaLisandroLísiasLisímacosLondres

M

Macedônia, passim, ver também Filipe da Macedôniaaliança com Tebasassassinatoconflito com a Pérsiadividida em dois minirreinospoderio militarrevolta contrariquezas naturais

Mandela, NelsonMantineia, batalha demáquina militarmar de Mármaramar NegromarinhaMassaliaMausoloMegale Hellas(grande Grécia)MegalópolisMegaraMelosmercenáriosMesopotâmiaMessenaMessêniamonarquia absolutamoralidademulheres

espartanasgregas

Muníquia, colina deMuro de Berlim

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Museu Britânico

N

nazismoNemeia, jogos deNemeia, ver ÍstmiaNeoptôlemosnó górdio

O

Obama, BarackThe Audacity of Hope: thoughts on reclaiming the American Dream(livro)

OlímpiaOlimpo, monteOlinto, cidadeOpisOrcômenoórficosOropusOssa, monte

P

PalestinaPanathenaia(festival)PanticapéionPaquistãoParnaso, montanhasPartenonPausâniasPearl HarborPelópidasPeloponesoPeloponeso, guerra doPérdicasPériclespersas, passimPersépolis

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Philéphoros (imposto)PireupitagóricosPlatão

O estadistaPlateiaPlutarcoPlutoPnix, colinaPoliperconpolíticaPoros, ver CaláuriaPotideiaPraxágorasPrimeira Guerra Mundialproskynesis (ritual)psésiosPtolomeuPunjab

Q

Queroneia, batalha deQuersonesoQuios

R

Raleigh, Sir WalterRodesRoxana

S

Salamina, batalha deSamossarissa (arma)SegestaSestos

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SicíliaSicionesindosSiracusaSíriaSócratesSófoclesSogdiana, lugarstasis (agitação civil)SuíçaSusa

T

tagos (líder)Taigeto, cordilheiraTanagra, batalha detaxaçãoTebas/tebanosTegeiaTegira, batalha deTeodósiaTeôfrastosTeramenesTermópilas, batalha dasTessália/tessáliosThorpionTimodemoTimolêonTimóteoTiranicidasTissafernestoma conhecimento do nascimento de AlexandretóretasTrácia/tráciosTrasíbulotravestimentotrégua precária com os gregostreinamento militarTrinta TiranosTroiaTurquia

V

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VaticanoVerginavida de guerreiro

X

XenofonteOikonomikosPoroi

Z

ZancleZeus

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Este e-book foi desenvolvido em formato ePub pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A.

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Dos democratas aos reis:

Sobre o livro• http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=26065

Livros do autor• http://www.record.com.br/autor_livros.asp?id_autor=6467

Página do livro no Skoob• http://www.skoob.com.br/livro/224701

Vídeo de entrevista com o autor• http://www.youtube.com/watch?v=t2fTpvjG6fw

Site do autor• http://www.michaelcscott.com/

Curriculum do autor• http://www.michaelcscott.com/michael-scott-cv.htm

Blog do autor da Revista de História da BBC• http://www.historyextra.com/blog/13422

Programas de TV sobre história feitos pelo autor• http://www.michaelcscott.com/history/tv/michael-scott-tv-and-media.htm

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SumárioCapaRostoCréditosSumárioDedicatóriaAgradecimentosLista de ilustraçõesMapasEpígrafeIntrodução: O sonho de um homem1 Flautistas e picaretas2 A cidade dos (grosseiros) guerreiros de cabelos longos3 Dançando com o rei da Pérsia4 "Coisas sérias para o amanhã"5 O filósofo vegetariano e o filantropo fisiculturista6 O peixe escorregadio7 O confronto entre o filósofo e o tirano8 A implosão da Grécia9 A bexiga da vaca, a maldição de amor e a caricatura10 Dez anos que mudaram o mundo antigo: 362-352 a.C.Encarte11 Estratégias de sobrevivência12 Salvador ou tirano?13 O confronto final14 De pai para filho15 Governando o mundo antigo16 As coisas nunca andaram tão bem17 Um novo mundoEpílogo: Dos democratas aos reisBibliografiaCronologiaÍndice remissivoColofãoSaiba mais