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Sinalização em Células Excitáveis (Notas de Aula) Carlos A. Gonçalves

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Notas de Aula- Prof. Carlos A. Gonçalves

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Page 1: Sinalização em Células Excitáveis

         

 

Sinalização em Células Excitáveis

 

(Notas de Aula)        

     

 

       

Carlos  A.  Gonçalves  

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Agradecimentos  

Meus agradecimentos a Flávio Ambrósio pelo trabalho de desenho.

             

Conteúdo    

I. Introdução II. Potencial de Repouso de

Membrana III. Geração do Potencial de Ação

IV. Propagação do Potencial de Ação V. Transmissão Sináptica

VI. Integração Neural VII. Referências Bibliográficas

     

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I. Introdução

O aluno não deve limitar seu estudo à leitura deste documento, pois ele é apenas um guia detalhado de estudo. Em Fisiologia, como nas outras áreas da Biologia, a complexidade dos temas não permite que o estudante mais exigente limite sua preparação à consulta de um único livro-texto. Por outro lado, mesmo um material simples como este, pode e deve ser aperfeiçoado continuamente. Contamos com a colaboração dos leitores para realizar essa tarefa. Toda crítica será bem-vinda, e por ela agradecemos antecipadamente.

Do método sugerido de estudo Estudar como um futuro professor da disciplina pode

ser muito útil para compreender temas complexos como os que veremos nesta disciplina. Esta abordagem ajuda a perceber que estudar Fisiologia, mais que decorar nomes, significa entender os grandes mecanismos e suas interações.

Sobre o conteúdo Ao longo deste texto desenvolveremos nossos estudos

tomando como base, sempre, um modelo de uma rede neuronal simples, mas que contenha todos os eventos que serão estudados.

Assim, iniciaremos nosso trabalho com a escolha de uma rede neuronal adequada aos nossos estudos ("Escolhendo o modelo da rede neuronal") e fazendo algumas considerações teóricas e práticas sobre o modelo ("Experimentando o modelo do reflexo patelar"). A seguir, passaremos ao estudo dos grandes eventos e processos deste capítulo, a saber: Potencial de Repouso de Membrana, Geração do Potencial de Ação, Propagação do Potencial de Ação, Transmissão Sináptica e Integração Neural.

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I.1 Das células excitáveis Os dois grandes exemplos de células excitáveis são as

células nervosas e as células musculares. Como o adjetivo "excitável" diz, elas são capazes de se excitar, isto é, mudar de estado elétrico e, consequentemente, produzir um sinal.

Ilustrando: quando levanto meu braço e o faço balançar, estou produzindo um sinal baseado na "mudança de estado" do braço. Essa mudança produz um sinal, neste caso de "adeus". Se eu apenas levantar e mantiver o braço no alto, sem balançá-lo, provavelmente estarei produzindo outro sinal, como o de "olhe para mim, estou aqui". Tomemos o exemplo do conhecido sinal da mão fechada com o polegar para cima, que representa a informação do tipo "tudo bem comigo". Esse mesmo sinal, em outro contexto ou em outra cultura, pode representar outra informação. Por exemplo, no mundo dos mergulhadores, esse sinal representa uma informação próxima a "estou emergindo" ou "é hora de subir".

Neste ponto, os seguintes conceitos devem ficar claros: que uma mudança de estado gera um sinal; que se essa mudança de estado for realizada segundo um código conhecido, representará uma informação; e que há diferença entre o sinal e a informação carreada pelo sinal. Também nas células, sinais são utilizados para repassar informações. Nos casos das células nervosas, por exemplo, os sinais podem ser elétricos ou químicos. E eles podem transportar informações de dor, pressão e temperatura, entre outras. Numa rede neuronal genérica, os sinais nascem em locais específicos de uma célula nervosa, caminham por determinadas estruturas, passam de uma célula a outra, e são tratados, processados e interpretados em locais definidos de outras células. O objetivo deste capítulo é estudar esses passos. Portanto, o termo "sinalização", localizado no grande título destas Notas de Aula, resume o estudo de todos os aspectos associados à geração, propagação, transmissão e processamento desses sinais.

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I.2 Escolhendo a rede neuronal modelo Como já afirmado anteriormente, para desenvolver os

temas desta apostila, adotaremos o modelo de uma rede neuronal que contenha todos os assuntos que serão estudados. Essa rede deve ser composta, portanto, de células nervosas interligadas que encerrem um laço completo que vai do estímulo à resposta. Passemos, então, à escolha desse modelo.

Uma rede candidata a modelo: o circuito do reflexo de retirada

   

Fig. 1 - O arco reflexo de retirada.

Na Figura 1 está representado o esquema do arco reflexo de retirada, um dos mecanismos pertencentes ao elenco das respostas comportamentais associadas à sobrevivência da nossa espécie. Essa resposta geralmente ocorre quando nos expomos a um ambiente agressivo ou hostil. Na figura, o dedo do voluntário está em contato com a chama de uma vela. Quais são os eventos que levarão o voluntário a retirar o dedo?

Inicialmente, o leitor deve ter uma ideia panorâmica dessa rede1, onde são descritos os seus componentes principais.

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Agora, passemos ao relato da cadeia de eventos que ocorrem nesse circuito, a partir do estímulo doloroso. Um estímulo genérico, que é a informação de entrada do circuito, é um evento que pode ser caracterizado por vários parâmetros, sendo os mais importantes a intensidade e a duração. O detalhe a ser sublinhado é que as informações circulam pela rede na forma codificada, mais precisamente na forma de sinais. Portanto, os diversos sinais que surgirão ao longo da rede objetivarão representar corretamente uma determinada informação que, neste caso, é a dor. Os sinais podem ser químicos ou elétricos, mas o que deve ficar claro neste ponto é que, sendo esses sinais representações da informação, eles devem ser capazes de traduzir fielmente os parâmetros de intensidade e duração do estímulo.

Anote esta regra: os sinais são códigos que devem representar corretamente, pelo menos, dois parâmetros da informação/estímulo: intensidade e duração.

Nesse sentido, no início do circuito da Figura 1, receptores periféricos de dor - ou nociceptores2 - localizados na ponta do dedo de nosso voluntário irão produzir um sinal elétrico contendo os dados de duração e intensidade do estímulo. Em seguida, o sinal elétrico irá percorrer a célula sensorial no sentido periferia-região central, dirigindo-se em direção à medula. Ao chegar à medula, o axônio da fibra sensorial se ramifica formando os botões terminais sinápticos que caracterizam o fim da célula. A inexistência de célula nervosa determina o desaparecimento do sinal elétrico. Isto ocorre porque o sinal elétrico depende da membrana celular para existir. Em substituição ao sinal elétrico que desaparecerá no meio extracelular, surge um sinal químico, que é adequado para operar em locais onde não há cabo condutor. Ressalte-se que esse sinal químico, como todo sinal que busca representar uma informação, deve conservar os dados de intensidade e duração do estímulo.

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Anote esta regra: sinais elétricos existem onde há célula nervosa e sinais químicos existem nas fendas, onde circula líquido extracelular.

Retomando a figura, o sinal químico que aparece na fenda da sinapse célula sensorial-interneurônio se difunde e encontra a região pós-sináptica. Ao excitar regiões pós-sinápticas especializadas, o sinal químico gera um sinal elétrico que vai percorrer todo o interneurônio, até a próxima fenda, constituinte da sinapse interneurônio-motoneurônio.

Observar que, pelo fato deste circuito neuronal possuir duas sinapses centrais, ele pode ser classificado como um circuito bi-sináptico.

O novo sinal químico, que foi gerado na segunda sinapse central, gera um sinal elétrico ao chegar à célula nervosa motora. Esta célula se caracteriza por levar informações da região central para a periferia e por inervar células musculares.

Na periferia, o sinal elétrico que percorreu o motoneurônio morre na fenda da sinapse neuromuscular. O sinal químico que o substitui atravessa a fenda e gera um sinal elétrico no músculo. Este sinal percorre a membrana da célula muscular, a penetra e, no interior da célula muscular, desencadeia sua contração. Observar que os sinais elétricos também são gerados e se propagam com facilidade pela célula muscular. Isso ocorre porque estas células, assim como as nervosas, são excitáveis.

A contração da célula muscular de nosso circuito completa o arco reflexo e produz um novo estado comportamental em nosso voluntário, como representado na Figura 2.

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Fig. 2 - O reflexo de retirada mostrando a resposta ao

estímulo.

O circuito bi-sináptico do arco reflexo de retirada, mostrado nas Figuras 1 e 2, contem todos os eventos de que necessitamos para desenvolver nosso estudo, sobre Sinalização de Células Excitáveis.

Antes de continuarmos, devemos discutir um detalhe importante, mostrado na Figura 3.

Fig. 3 - A inibição no Reflexo de Retirada.

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A Figura 3 mostra que é possível inibir o arco reflexo de retirada, ou qualquer outro arco reflexo. Essa inibição, que vem de um comando do cérebro, nem sempre consegue ser total.

Esse processo acontece assim: o circuito do arco reflexo constitui uma alça excitatória. Todas as células da alça excitatória produzem e transportam sinais excitatórios, que resultam, no estágio final, na excitação (contração) do músculo. Como a alça se resolve em nível medular, o percurso total que vai da aferência à eferência é pequeno e, por isso, a resposta acontece em tempos pequenos. Entretanto, eu posso não querer que o reflexo ocorra. No caso da figura 3, não quero desperdiçar o conteúdo que carrego na panela. É preciso, para tanto, anular a excitação, o que deve ser feito com o envio de um sinal inibitório, vindo do cérebro. Os dois sinais opostos são confrontados na ZID3 - Zona de Integração e Disparo - que é um local específico da célula motora. Na ZID se computa a resultante e, se esta for inibitória, o conteúdo não cairá.

Uma rede mais simples: o arco reflexo patelar Existe outro arco reflexo, que é mais simples que aquele que acabamos de estudar. É o arco reflexo patelar, mostrado na Figura 4.

Figura 4 - Arco Reflexo Patelar.

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Assim como o reflexo de retirada, o circuito do reflexo patelar possui todos os elementos necessários aos nossos estudos. A diferença é que ele é um circuito mais simples, na medida em que é um sistema mono-sináptico, pois possui apenas uma sinapse central. A Figura 4 mostra a alça excitatória, aquela que será definitivamente usada como modelo de nosso estudo.

Apesar de não fazer parte deste estudo, vale a pena comentar rapidamente a função da alça inibitória que também aparece na figura. Observe que a excitação do músculo agonista, o extensor da perna, ocorre concomitantemente com a inibição do antagonista flexor. O objetivo dessa ação conjunta, neste caso específico, é o de permitir que a extensão ocorra de forma otimizada. Enfim, neste ponto podemos afirmar que já temos o modelo no qual apoiaremos o restante de nosso estudo: trata-se da alça excitatória da rede neuronal correspondente ao reflexo patelar. Como previsto, o circuito modelo contém todos os elementos que iremos estudar. Nele, o sinal na célula sensorial surge em resposta a um estímulo mecânico (percussão do tendão patelar com o martelo), caminha até a medula, passa para a célula motora, retorna para a periferia e estimula o músculo esquelético quadríceps, extensor da perna.

------------------------------------------------------- (Notas de Rodapé 1) 1 Panorâmica do Arco Reflexo de Retirada: Na Figura 1, apresenta-se um circuito neuronal composto de uma célula nervosa sensitiva, uma célula nervosa motora e o músculo bíceps, formado por células musculares. A medula faz parte do sistema nervoso central. A célula sensorial caracteriza-se por estar associada a uma aferência, por levar a informação da periferia para a região central e por ter seu núcleo localizado em gânglios situados próximos à raiz dorsal (ou posterior) da medula. A célula motora se caracteriza por estar associada às eferências,

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por levar informações da região central para a periferia, por ligar-se à medula pela raiz ventral (ou anterior), e por inervar um músculo. O corpo da célula nervosa motora localiza-se na própria medula. Detalhe final: as aferências e eferências são compostas, geralmente, por feixes de células (ou fibras) em paralelo. No esquema da nossa figura, entretanto, para facilitar a visualização, exibe-se apenas uma fibra por segmento. 2Nociceptores Nociceptor é um receptor sensorial que envia sinal que causa a percepção da dor em resposta a um estímulo que possui potencial de dano. Nociceptores são terminações nervosas responsáveis pela nocicepção. 3 ZID - Zona de Integração e Disparo Este local, de dimensões milimétricas, localiza-se, via de regra, na porção inicial do axônio. No caso dos motoneurônios, é fácil localizar a ZID, pois ela coincide com o cone axonal, localizado logo abaixo do corpo celular. No caso das células sensoriais, a tarefa de localizar a ZID é mais difícil. Primeiro, porque esse tipo de célula tem uma forma pouco convencional: o corpo celular não participa diretamente da condução dos sinais. Resumindo, essa célula é composta por um axônio periférico – que vai do receptor ao corpo celular - e por um axônio central que vai do corpo celular à terminação sináptica localizada na medula. O sinal nasce no início do axônio periférico e passa pelo central para chegar à medula. Nesta célula, a ZID encontra-se no início do axônio periférico. Em qualquer tipo de célula, a ZID, para muitos especialistas, é a estrutura mais importante da célula nervosa, pois é nesse local que, a cada instante, ocorre a "somação algébrica" entre os sinais elétricos "positivos" (excitatórios) e "negativos" (inibitórios), para se chegar à resultante. Se os sinais excitatórios forem majoritários, então, na ZID, poderá ser gerado um Potencial de Ação (PA) que vai

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carrear a informação pelo restante do axônio, até a próxima sinapse. Caso contrário, ocorrerá a inibição da célula, a impossibilidade de gerar PA’s, e a consequente interrupção da comunicação.

(Final das Notas de Rodapé 1) --------------------------------------------

 

I.3 Experimentando o circuito do arco reflexo patelar

 

Figura 1 - Os diferentes eventos do Arco Reflexo Patelar.

Para facilitar o estudo que faremos agora, nosso circuito-modelo foi desenhado em linha na Figura 1. Nesse esquema, o sinal percorrerá o circuito da esquerda para a direita.

O experimento que faremos agora consistirá na estimulação do fuso muscular e na observação dos sinais que aparecem no circuito. Os estímulos deste experimento particular são representados pela percussão do tendão patelar, com golpes de mesma duração, mas intensidades distintas. O sinal gráfico que melhor representa o estímulo é a onda quadrada, como se pode verificar na figura. Passemos à listagem dos passos processo. (a) inicialmente, deve-se observar que cada estímulo mecânico produzirá um sinal no início da célula sensorial. A

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intensidade (amplitude) do sinal assim gerado será correspondente à intensidade do estímulo. Esse sinal pertence à família dos Potenciais Locais ou Passivos. Potenciais Locais (PL) possuem três características marcantes1, que os diferenciam do Potencial de Ação - PA - que é o outro tipo de potencial que pode existir numa célula excitável. (b) Os PLs que nascem em receptores periféricos recebem o nome particular de Potencial Graduado de Receptor (PGR). Em nosso caso, o PL surge no fuso muscular, que é um receptor periférico. Por isso, esse PL será chamado de PGR. (c) observando o PGR de menor amplitude, nota-se que, depois de gerado, ele se dirige até a ZID - Zona de Integração e Disparo - da célula sensorial. Em virtude da sua característica passiva, o PGR perderá energia nessa propagação. Por isso, chegará à ZID com uma amplitude ainda menor do que a original. (d) esse primeiro PGR não terá energia suficiente para gerar PA's. A propósito, neste experimento, o segundo PGR, apesar de um pouco maior que o primeiro, tampouco gerará PA's. (e) o terceiro PGR conseguirá gerar PA's na ZID da fibra sensorial porque ele conseguiu ultrapassar um dado limiar correspondente à energia mínima que o PGR deve ter para ser capaz de gerar PA na ZID. (f) pode-se afirmar, então, que os dois primeiros PGRs eram sublimiares, e que o terceiro era limiar ou supralimiar. Este último gera um potencial que possui sempre 100 mV de amplitude e 4 ms de duração. (g) o PA que acabou de ser gerado se propaga até a terminação sináptica na medula. O PA, ao contrário do PL, consegue se propagar sem perder energia porque possui características adequadas à telecomunicação (comunicação por longas distâncias). Isso significa que ele chegará à terminação sináptica com os mesmos 100 mV que tinha quando surgiu na ZID. É importante entender as propriedades especiais do PA2.

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h) o PA chega ao terminal sináptico e morre na fenda. É sempre importante rever por que os potenciais elétricos morrem na fenda sináptica3. (i) na fenda, o sinal elétrico é substituído por um sinal químico, mais adequado para operar no meio extracelular. Este sinal químico, como esperado, também é capaz de representar corretamente os dois parâmetros da informação, intensidade e duração. (j) após atravessar a fenda, já na pós-sinapse, o sinal químico gera um novo PL. Este, porque surge na pós-sinapse, receberá o nome particular de Potencial Pós-Sináptico (PPS). Outros autores o chamam de Potencial Sináptico, simplesmente. (k) o PPS, como um bom representante dos PLs, não pode avançar muito além da ZID da célula nervosa motora, onde gerará um PA. Este último se propaga e atinge facilmente a terminação sináptica neuromuscular, já na periferia. (l) após a mesma sequencia de eventos verificados na sinapse neuro-nervosa central, na sinapse periférica neuromuscular surge um PL no músculo esquelético extensor da perna. Este PL receberá o nome particular de Potencial de Placa Motora (PPM), porque surge numa região especializada da célula muscular conhecida como Placa Motora. (m) apesar de ser um PL um pouco maior que os PLs de células nervosas, o PPM (~60 mV de amplitude) precisará gerar um PA na mesma Placa Motora em que surgiu. E assim o faz, gerando o PA muscular, que também é um pouco maior (~120 mV de amplitude) que o PA de células de nervosas. (o) o PA muscular deixa a Placa Motora, viaja pela membrana da célula muscular, o sarcolema, e penetra na célula muscular pelos túbulos transversais T. A passagem do PA pelos túbulos T e a sua chegada às proximidades das proteínas contráteis produzirá a contração muscular responsável pela extensão da perna.

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Considerações finais relativas a este primeiro experimento

1) Ao estudante pode ser útil observar as regiões em que existem PLs e aquelas em que existem PAs. Os primeiros podem aparecer em toda a célula, mas são mais visíveis no segmento que vai do início da sinalização na célula até a ZID, porque não são mascarados pelos grandes PAs; os PAs só existem na região que vai da ZID até a terminação sináptica. Essa regra vale para todo tipo de célula nervosa No caso da célula muscular, o PPM só existe na Placa Motora, o PA no restante da célula. Algumas perguntas relativas a este assunto podem ser feitas: por que acontece essa especialização? a estrutura da célula seria diferente nessas duas regiões? Pois bem, já podemos adiantar que sim, que as estruturas da membrana diferem de uma região para outra. E, consequentemente, cada potencial terá suas características dependentes dos canais iônicos específicos de cada região. Tudo isso será estudado em detalhes mais adiante.

2) Outro assunto que merece discussão é o fato de sempre haver dois tipos de sinais elétricos na mesma célula, PLs e PAs. Qual seria a função desse sistema casado?

Resumidamente, podemos dizer que o sistema casado permite que: (a) haja um amortecimento/filtragem entre o que entra na célula e a resposta. Dado que nem todo PL gerará PA, isso significa que nem todo estímulo será considerado, pois os menores que o limiar serão descartados. Essa ação resulta numa proteção da célula contra desgastes exagerados. (b) seja mais fácil alterar o sinal na região onde surgem os PLs do que na outra, onde seria muito difícil modificar/eliminar/criar outros potenciais de grande amplitude. Observar que um pequeno PL inibitório pode alterar bastante a soma resultante entre PL excitatórios e inibitórios que é realizada continuamente pela ZID. Por outro lado, a telecomunicação, isto é, o envio de informações para outras estruturas remotas, ficaria

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comprometida se contássemos apenas com PLs, pois estes sinais não conseguem caminhar por longas distâncias.

3) Uma constatação óbvia, mas importante, deve ser registrada: numa rede neural existem sinais elétricos e químicos. Tendo em vista que os sinais químicos ocorrem no meio extracelular da fenda sináptica, e sabendo-se que qualquer droga ou medicamento, via circulação, pode acessar e alterar a composição desse meio, fica fácil entender que a fenda sináptica assume um papel estratégico quando se pretende modificar o sinal que está percorrendo a rede.

4) Por fim, uma questão insidiosa: já repetimos algumas vezes que um circuito neural genérico deve ser capaz de fazer circular um sinal que represente o mais fielmente possível a informação da entrada, ou seja, o estímulo. Sublinhamos, igualmente, que "representar fielmente" uma informação, significa representar dois dos mais importantes parâmetros dessa informação, a sua intensidade e a sua duração. Pois bem, no circuito do reflexo patelar que acabamos de estudar ficou claro que o PA assume um papel importante em mais de um estágio da alça. Além disso, ficou claro que o PA tem amplitude fixa, de 100 mV e duração fixa de 4 ms, sempre e em qualquer local em que exista. É hora de fazer a pergunta: como o PA, que é um sinal que tem sempre 100 mV, consegue representar estímulos de amplitudes variadas, tais como percussões de maiores ou menores intensidades liberadas no tendão patelar? E outra pergunta, complementar à anterior: sabendo-se que a largura (ou duração) do PA não varia, como esse sinal poderá representar estímulos de duração variável, como ocorreria no caso de um golpe mais ou menos demorado no tendão patelar?

As respostas serão dadas no próximo experimento.

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Variando duração e intensidade do estímulo

 

Figura 2 - O PA representando duração e intensidade variáveis

A Figura 2 representa esquematicamente o

experimento que agora estudaremos. Enquanto apenas a amplitude do estímulo variava no experimento anterior, neste estudaremos o efeito de três diferentes durações e amplitudes do estímulo. Primeiramente, devemos explicitar as condições de partida desse experimento: - os três estímulos que serão dados ao sistema são supralimiares, isto é, todos ultrapassam o Potencial Limiar de Excitação e, por isso, produzirão PA´s. - começaremos com um estímulo de baixa amplitude e de pequena duração. - o segundo estímulo terá a mesma duração que o primeiro, mas amplitude maior. Em outras palavras, nessa passagem será testado o comportamento do PA no caso de amplitudes variáveis do estímulo.

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- o terceiro estímulo terá a mesma amplitude do segundo, mas duração maior. Isto significa que nesta passagem estudaremos o comportamento do PA em casos de duração variável do estímulo. - o PA é um sinal que tem duração e amplitude fixas. A duração é, tipicamente, igual a 4 ms, e a intensidade é de 100 mV. Esses dois parâmetros não variam com facilidade no PA. As exceções são casos como febre alta ou intoxicação intensa. Mas, mesmo nesses casos excepcionais, a variação é muito pequena.

De posse dessas informações, agora podemos realizar o experimento.

A primeira observação importante a ser feita é a seguinte: quando o Potencial Local produzido no receptor chega à ZID na forma supralimiar sempre gerará um Trem de Potenciais de Ação. Em outras palavras, nunca é gerado apenas um PA.

Vejamos o caso do primeiro estímulo. Ele possui características próprias de duração e intensidade. A onda quadrada representa com eficácia esses dois parâmetros, por isso essa forma de onda é utilizada para representar estímulos. Observe que a altura da onda quadrada representa a intensidade ou amplitude do estímulo, enquanto a largura da onda quadrada representa a duração do estímulo. Da mesma forma, podemos constatar a facilidade com que uma onda quadrada poderia representar os mesmos dois parâmetros de estímulos luminosos, de pressão ou de dor. Em nosso experimento, a onda quadrada representa a duração e a intensidade do estímulo mecânico - a martelada dada sobre o tendão patelar.

Acompanhemos o que ocorre com o primeiro estímulo em nosso experimento. O estímulo gera um PL no fuso muscular. Esse PL, cujo nome particular é Potencial Graduado de Receptor (PGR), se propaga até a ZID da célula sensorial. Na propagação, vai perdendo intensidade. Apesar das perdas, o PGR chaga à ZID com intensidade supralimiar e, por isso, gera um trem de, digamos, 6 PA´s.

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Esse trem se propaga pelo axônio até a terminação sináptica, na medula. Antes de morrer, porque a célula termina, o trem de PA´s promove a liberação de um determinado número de pacotes de neuromediador, lembrando que cada pacote pode conter um número grande de moléculas desse mediador. O neuromediador se difunde até o outro lado da fenda e, ao encontrar a membrana do motoneurônio, gera um Potencial Pós-Sináptico, dando início à repetição do processo na outra célula.

Vejamos, agora, o que acontece com o segundo estímulo. Visto que este possui a mesma duração do anterior, mas uma intensidade maior, o correspondente PL assim gerado possuirá, também, uma amplitude maior que a do primeiro. Ao chegar à ZID, esse PL produzirá um trem de PA´s com uma duração exatamente igual à do trem anterior. Entretanto, se por um lado a duração deste segundo trem é igual ao do anterior, por outro lado o número de PA´s será maior e igual a, digamos, 12 PA´s. O que aconteceu pode ser resumido assim: para representar a maior intensidade do estímulo, a célula gera um trem com maior frequência de PA´s.

O terceiro estímulo tem intensidade similar à do segundo, mas duração maior. A figura mostra claramente que, para representar uma maior duração, a célula produz um trem de PA´s com maior duração.

Podemos, então, fazer um resumo desses processos: (a) quando o PL é supralimiar na ZID, sempre gera um trem de potenciais de ação. (b) esse trem pode ter diferentes durações ou diferentes frequências de PA´s. Frequência é o mesmo que número de PA´s por unidade de tempo. (c) a duração do estímulo corresponde à duração do trem; a intensidade do estímulo corresponde à frequência de PA´s no interior do trem. (d) essas correspondências podem ser interpretadas como uma codificação.

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(e) essa codificação permite que um potencial que é tudo-ou-nada (PA) possa representar intensidades e durações variáveis de estimulação. (f) ao chegar à terminação sináptica, cada trem produzirá a liberação de um número determinado de vesículas do neuromediador, e por um determinado tempo. (g) a quantidade de vesículas liberadas e o tempo pelo qual elas são liberadas dependerão das características do trem. O número de vesículas será proporcional à frequência de PAs no trem, o tempo de sua liberação será correspondente ao tamanho do trem.

--------------------------------------------------------- (Notas de Rodapé 2) 1Potenciais Locais Também podem ser chamados de Potenciais Passivos, Potenciais Eletrotônicos, Potenciais Graduados ou Potenciais Geradores. Esse tipo de potencial possui três características marcantes: são graduados, são de pequena amplitude e são eletrotônicos (ou passivos). Graduados porque podem assumir diferentes amplitudes e durações, correspondentes às amplitudes e durações dos estímulos. São de pequena amplitude porque suas amplitudes máximas dificilmente ultrapassam os 20 mV. Portanto, sinais com amplitudes inferiores a 20 mV serão classificados como “sinais pequenos”. E, finalmente, são passivos ou eletrotônicos, porque, ao se deslocarem pela célula, perdem energia. Essa perda segue uma função exponencial decrescente, o que faz que eles, em média, percam 2/3 da sua amplitude a cada milímetro de propagação. Duas das suas propriedades, a amplitude pequena e a característica passiva, levam a um resultado importante: os potenciais locais não se propagam por longas distâncias. Pelo contrário, em alguns milímetros a partir da sua origem ele já terá desaparecido.

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2Potenciais de Ação - propriedades Também podem ser chamados de Potenciais regenerativos, ativos ou tudo-ou-nada. Esse tipo de potencial possui três características marcantes: são não-graduados, são de grande amplitude e são regenerativos (ou ativos). Não-Graduados porque possuem apenas dois valores possíveis de amplitude, zero ou 100 mV. Tudo-ou-nada, portanto, é um sinônimo para não graduado, no caso dos PA’s. São de grande amplitude porque 100 mV, na biologia, é uma características dos grandes potenciais. Uma observação: enquanto em células nervosas a amplitude típica dos PA’s é de 100 mV, nas células musculares o valor típico é da ordem de 120 mV. Detalhes dessa diferença serão fornecidos mais tarde. E, finalmente, são ativos ou regenerativos, porque, ao se deslocarem pela célula, não perdem energia. Esta característica garante que os PA’s possam se propagar por grandes distâncias, fato que os transforma em sinais especialistas em telecomunicação (tele = a distância). Finalmente, uma observação óbvia, mas interessante: as propriedades dos PA’s são, nitidamente, opostas às dos PL’s. 3Potenciais elétricos morrem na fenda sináptica Deve ficar bem claro ao leitor que potenciais elétricos, para existirem, exigem condições adequadas. Essas condições podem ser resumidas pelo conjunto de estruturas e funções presentes na membrana celular. Esta última oferece as condições (canais de difusão/transporte de íons, principalmente) para que o sinal elétrico, qualquer tipo de sinal elétrico (PL ou PA), subsista. Em suma: potenciais elétricos precisam da membrana para subsistir. Isso significa que todo sinal elétrico morrerá na fenda sináptica. Este fato, por sua vez, nos obriga a refletir sobre a necessidade de que o sinal elétrico seja adequadamente

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substituído por outro tipo de sinal, mais competente para operar na fenda. Esse outro sinal, o químico, terá por obrigação continuar a representar o estímulo/informação corretamente. Isto é, ele também deverá conter os parâmetros adequados de amplitude e duração do estímulo que estão sendo representados naquele momento.

(Final das Notas de Rodapé 2) ------------------------------------------------

 

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II. O PRM Potencial de Repouso de Membrana No capítulo anterior fizemos contato com o circuito do

reflexo patelar, que é o modelo que usaremos ao longo dos nossos estudos. Naquele momento, vimos que diferentes tipos de sinais - PLs, PAs e sinais químicos - podem aparecer numa célula excitável. Iniciaremos este capítulo com uma pergunta: tais sinais acontecem em qualquer célula excitável?

A resposta é "sim". Mas isso não impede que seja grande a variedade de células nervosas. Os números estimados, na verdade, são impressionantes: cerca de 100 bilhões de células no Sistema Nervoso Central e algo como 10 mil tipos diferentes de células nervosas. A Figura 1 apresenta uma pequena amostra dessa variedade.

 

Figura 1- Alguns tipos de células, classificadas por número de polos.

A classificação morfológica das células pode seguir

vários métodos. Para ilustrar, as células da Figura 1 foram classificadas segundo o número de polos. O método é

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simples: toma-se o corpo celular como referência, e conta-se o número de projeções chegando ou saindo do corpo celular. No caso da célula da retina, por exemplo, duas projeções podem ser anotadas e, por isso, a célula é bipolar.

Ainda nessa figura, podemos reconhecer as duas células que formam nosso modelo de estudo. São elas a célula sensorial (pseudo-unipolar) e o motoneurônio da medula (multipolar). Observe a densidade de dendritos na célula de Purkinje e especule sobre uma possível correlação entre a morfologia e a função dessa célula. Apesar dessa variedade de tipos de células, para efeito de sinalização, todas apresentam quatro características comuns. Para estudar tais características, utilizemos o esquema de uma célula nervosa típica, um modelo, que represente todas as outras, como mostra a Figura 2.

 

Figura 2 - O neurônio modelo representando a diversidade de células e as quatro funções comuns.

O modelo de neurônio mostra claramente que há

quatro funções comuns a todas as células nervosas. Mostra, também, que cada função está associada a uma estrutura da célula. Podemos concluir, portanto, que a função "entrada da informação ou do estímulo" pode

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acontecer por duas estruturas - dendritos ou corpo celular. A função de "integração da informação" ocorre na ZID - zona de integração e disparo, que se localiza na porção inicial do axônio. A função "telecomunicação", que é sinônimo de "comunicação ou transmissão a distância", se verifica com o auxílio do axônio. Por fim, a função "saída da informação ou do sinal" passa pelas estruturas que formam a terminação sináptica (fibras e botões terminais). É útil sublinhar que o registro dessas funções e das correspondentes estruturas será muito útil ao nosso estudo.

Também é oportuno registrar outro detalhe importante: apesar de todas as células terem essas quatro funções comuns, algumas redes neuronais podem executar funções simples, enquanto outras são capazes de realizar funções complexas. Por respostas comportamentais simples, entendam-se ações como deglutição ou marcha; como exemplos das complexas, lembrar de fala ou memorização. Pois bem, a diferença entre essas redes é o número de células e de sinapses presentes na rede: quanto mais complexas as respostas, maior a quantidade deles. Neste ponto, estamos prontos para entrar no assunto específico deste capítulo, que é o PRM. E começaremos esse estudo com outra pergunta: qual é o estado de repouso de uma célula nervosa?

Antes de responder, é interessante relembrar o seguinte: células excitáveis produzem sinais quando mudam de estado e mudar de estado significa "mudar de estado elétrico". Agora fica mais fácil entender que nossa célula nervosa produzirá sinais quando ela... (a) sair do estado de repouso (Potencial de Repouso de Membrana), (b) produzir um sinal elétrico que levará a célula a um novo potencial e (c) retornar ao PRM. Fica claro, então, que a produção de sinais está ligada a mudanças de potenciais na célula. Neste capítulo, estudaremos o potencial de partida, o PRM, que é o estado

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que uma célula nervosa íntegra deve apresentar no repouso para ser capaz de produzir sinais corretamente. Repetindo: se a célula não estiver polarizada dentro de uma faixa ideal, o seu funcionamento correto estará comprometido. O valor do PRM varia de célula para célula, dependendo do tipo, numa faixa que pode ir dos -45 mV aos -75 mV. Em nosso estudo, para facilitar nosso raciocínio adotaremos o valor típico de -70 mV.

Detalhando um pouco mais os processos associados ao PRM, podemos dizer que, quando a membrana celular se encontra no estado de repouso, alguns canais iônicos estão abertos, conduzindo corrente, enquanto outros não. Isso ocorre porque muitos canais iônicos só se abrem se um determinado potencial estiver presente na membrana celular. Resumidamente, a abertura desses canais só acontece se for atingido um certo potencial de membrana em torno de 10 mV mais positivo que o PRM. Dez mV acima de -70 mV resultam em -60 mV. Este potencial recebe o nome de Potencial Limiar de Excitação, PLE, e pode assumir outros valores em outras células, como -55 mV.

Fechando esta primeira análise, podemos dizer que os canais iônicos que se abrem quando a célula passa pelo PLE são os responsáveis pela geração de novos potenciais e, por conseguinte, de novos sinais. Por enquanto, é interessante observar o quanto é crítica a distância PRM-PLE. Se o PRM, por algum motivo, assumir um valor mais abaixo do típico, aumentará a distância PRM-PLE e, com isso, a dificuldade para a célula atingir o PLE, comprometendo a abertura de novos canais e a geração de novos sinais. Sem estes sinais, a célula nervosa deixará de funcionar e as células dos tecidos-alvo, como os do coração ou do diafragma, que dependem desses sinais, tampouco funcionarão. No caso contrário, em que houver uma diminuição da distância PRM-PLE, o funcionamento do sistema também será errático e, portanto, indesejável. De fato, nesta última situação, podemos imaginar que a célula ficara "hiper-responsiva". Que fique clara, enfim, a

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importância da manutenção do PRM em torno de valores adequados. Vamos nos concentrar, portanto, no estudo de como esse potencial se instala e se mantém na célula. Distribuição de cargas nas proximidades da membrana celular

 

Figura 3 - Distribuição transmembranal de cargas iônicas no repouso.

A Figura 3 mostra um pequeno pedaço da membrana

celular e o arranjo elétrico em suas vizinhanças. A membrana separa os meios intra e extracelular. O meio intracelular será, por convenção, desenhado na parte de baixo da membrana. Para avançar em nossas considerações, podemos definir duas regiões no meio extracelular, uma que chamaremos de "vizinhança próxima à membrana" e outra que chamaremos de "vizinhança distante". Igualmente, podemos observar as mesmas duas regiões no citoplasma.

Nas vizinhanças distantes podemos observar que as cargas positivas e negativas praticamente se igualam. Na vizinhança próxima, porém, ocorre um arranjo particular, com uma grande concentração de cargas negativas no interior e de cargas positivas no exterior da célula. Esse

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arranjo pode ser constatado com o uso de um voltímetro, que mede diferença de potenciais. Distribuição de potenciais por regiões

A manutenção do PRM é fundamental para o bom funcionamento da célula excitável. Esse potencial pode ser registrado em qualquer lugar da célula nervosa. Igualmente, os PLs também podem acontecer em qualquer local da célula. Entretanto, no axônio, estes potenciais são mascarados pelos PAs, que ocorrem somente aí porque somente no axônio existem os canais iônicos apropriados ao seu surgimento e manutenção. Por essa razão, alguns autores dizem que o axônio é um local reservado aos PAs, enquanto dendrito e corpo celular seriam as regiões reservadas aos PLs. Tal afirmação deve ser tomada com muito cuidado, pois, como veremos mais adiante, a propagação do PA depende dos PLs que também aparecem no axônio. A Figura 4 mostra uma tentativa de definir essas regiões.

 

Figura 4 – Distribuição dos diferentes potenciais por suas regiões na célula nervosa.

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Uso do voltímetro para medir potenciais

 

Figura 5 - Mensuração do PRM com o voltímetro.

O uso correto do voltímetro exige o reconhecimento de algumas regras e a observação de certos procedimentos, a saber: - o dispositivo possui duas pontas de prova (eletrodos), uma positiva e outra negativa. Ambas devem estar situadas nas vizinhanças próximas da membrana. - a ponta de prova negativa deve ficar do lado da referência do sistema. Por convenção, a referência na célula é o lado extracelular. - a ponta de prova positiva deve ser posicionada, portanto, no citoplasma, na região próxima a membrana. - nessas condições, o voltímetro fornece duas informações.

A Figura 5 mostra que o equipamento fornece um número, 70, e o sinal negativo. O número corresponde ao módulo da diferença de cargas elétricas entre os dois meios e o sinal indica o tipo de cargas que cercam o

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terminal positivo do voltímetro. O voltímetro indica, portanto, que as cargas negativas encontram-se do lado intracelular quando a célula está no repouso. Esses resultados são coerentes com os arranjos elétricos vistos na Figura 3. O experimento de Nernst

Walther H. Nernst (1864-1941) foi um físico-químico alemão que ajudou a estabelecer a moderna físico-química. Entre outros trabalhos, escreveu a Equação de Nernst, que calcula os potenciais de equilíbrio dos íons K+, Na+ e Cl-. Vamos definir Potencial de Equilíbrio (ou de Nernst) do íon Na+. Antes, devemos lembrar que, em situação normal, os três íons se movem pela membrana. Devemos lembrar, ainda, que a membrana celular é impermeável aos íons. Para se movimentarem, portanto, os íons devem emprestar um caminho criado pelos canais iônicos de vazamento, que são grandes estruturas proteicas que atravessam a membrana e contém um canal em seu interior, como mostra a Figura 6.

 

Figura 6 - Membrana celular e canal iônico de vazamento ou de repouso.

Os canais iônicos de vazamento, assim como outros

canais que estudaremos mais adiante, possuem a

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propriedade seletiva, isto é, cada íon só passa por um tipo particular de canal. A Figura 7 fornece um modelo para explicar o funcionamento da seletividade no canal do íon Na+.

 

Figura 7 - Modelo para o mecanismo da seletividade do íon Na+.

O estudo detalhado - ausente neste texto - do

funcionamento dos canais iônicos revela os seguintes aspectos importantes: - o íon Na+, ao entrar na célula, carrega uma molécula de água; - o íon K+, ao sair da célula, o faz na forma desidratada. Com as informações que temos até então, podemos deduzir que existem, no repouso, três tipos de canais operantes, um para cada íon, cada qual com as suas propriedades particulares de seletividade.

Voltemos ao tema principal. Para desenvolver a equação para o Na+, Nernst teve que criar uma situação artificial, bloqueando os canais de K+ e Cl-. Dessa maneira, apenas o Na+ pode se movimentar pela membrana. O Na+ se movimenta durante um breve tempo e cessa, segundo as forças presentes no esquema da Figura 8.

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Figura 8 - As forças elétrica (E) e química (Q) no experimento de Nernst para o Na+. No detalhe à direita, a convenção para o vetor E no caso de cátions; para ânions,

a seta deve apontar para cargas positivas.

O que ocorre é o seguinte: a força química Q obriga o Na+ a entrar, levando cargas positivas para o interior. Um vetor elétrico E, inicialmente inexistente, se instala e aumenta com o progresso da difusão, até alcançar um tamanho idêntico ao do vetor Q. Quando isso acontece, a difusão cessa, como resultado do equilíbrio estático de forças químicas e elétricas. Nessas condições, Nersnt pôde medir o potencial trasmembranal, registrando o valor de +55 mV, que passará a ser chamado de Potencial de Equilíbrio do Na+ ou Potencial de Nernst do Na+. Observar que o sinal positivo do valor do Potencial de Nernst para o Na+ indica que o eletrodo intracelular do voltímetro está cercado por cargas positivas.

Nernst repetiu o experimento para o íon K+ (bloqueando os canais de Na+ e Cl-) e para o íon Cl-

(bloqueando os canais de Na+ e K-). Neste ponto, sugerimos que o leitor faça um exercício tentando representar as forças elétricas e químicas presentes nessas outras duas situações, de forma a verificar se os sinais dos seus correspondentes potenciais são positivos ou negativos. Em seguida, o leitor poderá conferir se o seu

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raciocínio foi correto, com os dados da tabela da Figura 9, onde aparecem os Potenciais de Equilíbrio dos três íons.

Íon Potencial de Equilíbrio

K+ -75 mV

Cl- -70 mV

Na+ +55 mV Figura 9 - Potenciais de Nernst (ou de Equilíbrio) dos íons

que participam do PRM.

Nernst escreveu uma equação para cada um desses potenciais. A Figura 10 mostra a aplicação da equação para o caso do Potássio. Para os outros íons, basta alterar os valores das concentrações.

Figura 10 - Equação de Nernst para o íon K. Concentrações referentes a números do axônio gigante de lula. Legendas: R=constante universal do gases; T=temperatura absoluta; z=valência do íon; F=constante de Faraday; ln=logaritmo

natural; e=extracelular; i=intracelular.

Para encerrar, devemos ter clareza da contribuição da Equação de Nernst para o assunto que estamos estudando. Na verdade, Nernst nos mostra que cada um dos íons

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estudados só cessa sua movimentação pela membrana quando atinge seu potencial de equilíbrio. Em outras palavras, a difusão de um certo íon não cessa enquanto a sua força química não for contraposta por uma força elétrica equivalente. Essa conclusão deve ser registrada com muita atenção, pois vai fundamentar grande parte dos nossos estudos sobre o PRM. A Equação de Goldman

Como vimos, a Equação de Nernst calcula o potencial de um determinado íon numa situação artificial, em que só aquele íon pode se difundir pela membrana. Devemos voltar nossos estudos para a situação normal, em que os três íons, K+, Na+ e Cl-, possuem canais de vazamento e, portanto, condições de atravessar a membrana. Nesta situação, as movimentações dos três íons geram potenciais que interagem e produzem um potencial resultante. Este potencial resultante é o Potencial de Repouso de Membrana, e a fórmula para o seu cálculo foi desenvolvida por um trio de pesquisadores (Goldman, Hodgking e Katz) e recebeu o nome de Equação de Goldman.

 

Figura 11 - Equação de Goldman para cálculo do PRM.

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A fórmula de Goldman mostra claramente que o PRM depende das concentrações dos íons e de suas permeabilidades (P), que nada mais são do que o número de canais que cada íon tem à sua disposição. Em termos proporcionais e normalizados pela maior permeabilidade, a proporção 1: 0,5 : 0,04 corresponde a PK: PCl: PNa. É fácil perceber a importância do íon Potássio, pois a equação de Goldman explicita que, quanto maior a permeabilidade do íon, maior o peso que tal íon terá na equação. Como interpretar esses dados?

Bem, a equação de Goldman mostra que o Potássio é o íon com maior poder de decisão no processo. Em outras palavras, se alguém quiser alterar o PRM, ele certamente deveria optar por alterar a concentração do íon Potássio. É oportuno lembrar que alterar o PRM significa alterar a distância PRM-PLE. Este último fato, por sua vez, altera a excitabilidade da célula. Em suma, alterar o valor de PRM resulta em mudanças na forma em que a célula opera. Fica registrada, com isso, a importância de manter o PRM em valores adequados.

A Figura 12 resume todas as forças em jogo durante o PRM, bem como os movimentos resultantes.

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Figura 12 - As forças em jogo e os movimentos de íons no PRM

A Figura 12 mostra que, se por um lado as forças

químicas assumem diferentes valores porque diferentes são os gradientes dos íons em foco, por outro lado a força elétrica é única para o sistema, sendo a mesma para os três íons. Podemos concluir que, nessas condições, apenas o íon Cl- atinge seu potencial de equilíbrio, pois seu potencial coincide com o PRM (-70 mV). Em consequência, podemos dizer que o íon Cl- é o único que atingiu seu potencial de Equilíbrio e, por isso, é o único que não se movimenta pela membrana no repouso. Nunca se deve afirmar que o Cl- não se movimenta porque não possui suficiente permeabilidade pela membrana. O erro dessa afirmação pode ser facilmente comprovado pela observação das permeabilidades proporcionais dos três íons, dadas mais acima, onde se nota que o íon Cl- possui uma permeabilidade igual à metade da do íon K+ e mais de 12 vezes maior que a do íon Na+.

Continuando a análise, os outros dois íons, K+ e Na+, não atingem seus potenciais de equilíbrio e, por isso, de

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acordo com os ensinamentos de Nernst, continuam se difundindo. As difusões contínuas de Na+ e K+ movimentam um número similar de cargas e, por conseguinte, produzem forças elétricas que se equilibram e definem um potencial, o PRM, em torno de -70 mV. Esse equilíbrio, em contraste com o equilíbrio estático observado por Nernst, pode ser rotulado de "equilíbrio dinâmico". Esse movimento contínuo de K+ e Na+ que acontece no repouso pode acarretar dois sérios problemas: a destruição dos gradientes desses dois íons e a explosão (lise) da célula. O primeiro é decorrência da permanente difusão dos íons Na+ e K+, verificada no repouso; o segundo problema acontece pela entrada de H2O com o íon Na+. Qualquer dos dois problemas acarretaria a morte celular. Pois bem, a Bomba Na-K/ATP tem a função de resolver esses dois problemas, mediante o transporte ativo que recoloca 2 K+ no interior da célula e retira 3 Na+ para o exterior. Esse trabalho consome ATP porque é feito contra o gradiente de cada íon. Breves considerações sobre a ação da bomba

Primeiramente, devemos lembrar que toda bomba trabalha para manter um determinado valor de gradiente. No caso da bomba de Na-K, ela trabalha para manter as concentrações intra e extracelulares de Na+ e K+ conforme os exemplos numéricos da Figura 13.

 

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Figura 13 - Concentrações iônicas em axônio gigante de lula; MIC=meio intracelular; MEC=meio extracelular.

Em outros termos, a bomba deve manter os números

da Figura 13 para que a célula trabalhe em condições ótimas de polarização. Qualquer alteração importante desses gradientes pode afetar a célula mortalmente. E sem a bomba, a movimentação contínua de Na+ e K+ destruiria esse gradiente.

Como visto anteriormente, na Figura 12, o movimento de cargas de Na+ e K+ é bastante similar. Qualquer reposição do tipo 2:2 (2 K+ reinseridos para 2 Na+ retirados) resolveria portanto um dos nossos dois grandes problemas, o da manutenção gradiente. Entretanto, essa fórmula não resolve o problema da água que entra com o Na+ e que deve ser retirada, para evitar a lise celular. Os dois mecanismos possíveis de redução de volume que estudamos até agora não resolvem o problema, pois o K+ que sai passivamente não leva água e a bomba que retira o Na+ ativamente tampouco leva água. Para resolver o problema do aumento de volume interno da célula no curto prazo, a bomba retira um Na+ a mais do que a reconstituição do gradiente pede. Detalhando, ao trabalhar numa relação 2:3 (2 K+ reinseridos para 3 Na+ retirados), a bomba evita a lise celular. No longo prazo, o equilíbrio da água se faz pelos canais de água, ou acquaporinas, que são proteínas integrais que deixam passar apenas água. Também no médio e longo prazo, o Na+ que saiu em maior quantidade é compensado por entradas importantes que ocorrem durante a excitação da célula, como veremos mais adiante. Segundo alguns autores, outro fator acaba compensando essa proporção desigual da bomba: a enorme pressão para a entrada do Na+ no repouso, dada pela ação conjunta e no mesmo sentido das forças elétricas e químicas (ver Figura 12), produz uma entrada de Na+ numa quantidade levemente maior que a de saída de K+.

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Figura 14 - Todos os elementos atuantes na instalação e manutenção do PRM.

A Figura 14 mostra todos os atores que participam do

PRM. Observe que a difusão do Cl- não está presente no desenho apenas porque, no repouso, ele tem baixa cinética. A maior parte dos -70 mV, como já vimos, deve ser atribuída à movimentação dos íons Na+ e K+. Para finalizar, deve-se anotar que parte muito pequena desse montante - algo como -3 mV - é contribuição de dois elementos: a bomba e algumas proteínas de carga negativa que residem permanentemente no interior da célula. Sumário de valores de PRM em algumas células Músculo esquelético: -90 mV Músculo liso: -60 mV

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Neurônios: -45 a -75 mV Astroglia: -80 a -90 mV

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III. Potencial de Ação: geração

Para fim de organização de nossos estudos, começaremos estabelecendo a seguinte regra: cada tipo de potencial que estudaremos estará diretamente ligado a um tipo de canal iônico. Até agora, estudamos detalhadamente apenas um potencial, o PRM, e ele está diretamente ligado ao funcionamento dos canais de vazamento. Tais canais fazem parte da família dos canais iônicos sem comporta. A partir de agora estudaremos o Potencial de Ação, que está ligado aos canais iônicos dependentes de voltagem. Estes canais pertencem à família dos canais com comporta. Vamos comentar rapidamente os canais com comporta.

A Figura 1 mostra a montagem experimental chamada Patch-clamp, que serve para estudar canais iônicos isoladamente.

Figura 1- A montagem experimental Patch-clamp.

Inspirado em Kandel: in Princípios de Neurociências (2000).

Uma micropipeta de vidro contém uma solução condutora e está associada a um sistema elétrico de mensuração de potenciais ou correntes. O sistema é muito frágil e, por isso, sua aproximação da membrana celular é realizada com o auxílio de braços mecânicos movimentados por motores muito delicados. Ao contato com a membrana

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o movimento do sistema se encerra e uma pressão negativa interior produz a sucção do trecho da membrana indicado na figura. Neste momento, um canal iônico encontra-se isolado e os seus mecanismos de funcionamento podem ser estudados em profundidade. Um dos registros que podem ser obtidos com a montagem Patch-clamp fornece sinais como os da Figura 2.

 

Figura 2 - Curva da corrente por um canal iônico com comporta.

Inspirado em Kandel: in Princípios de Neurociências (2000).

Primeiramente, deve-se observar na Figura 2 a ordem de grandeza dos sinais que acontecem num canal isolado. Estamos lidando com sinais de 2 pA (pico Ampère) de amplitude e com poucas dezenas de ms (milisegundos) de duração. Enquanto a amplitude é fixa, a duração pode variar. Por outro lado, sabe-se que essas correntes que atravessam o canal vão necessariamente encontrar resistências e, consequentemente, produzir diferenças de potencial calculáveis pela equação de Ohm (V=I x R). Os potenciais produzidos em canais individuais, consequentemente, também são de pequena amplitude, da ordem de nV (nano Volt).

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Em seguida, devemos observar a forma de onda dos registros. Ela indica que o canal passa de uma situação "não conduzindo corrente" (ou não gerando potencial) para a de "conduzindo corrente", em um tempo praticamente igual a zero ms. A mesma rapidez vale para o caminho inverso, conduzindo/não conduzindo. Esse comportamento só é possível em canais com comportas. Podemos dizer, então, que esses canais passam do estado "comporta fechada" ao de "comporta aberta", ou vice-versa, instantaneamente.

Estamos lidando agora, portanto, com a classe de "canais com comporta". Quando comparados aos canais de vazamento, que não possuem comportas, os canais com comporta trazem uma situação nova ao nosso estudo, pois agora temos canais que podem estar em um de dois estados, aberto ou fechado.

A primeira pergunta a responder é: o que são comportas? A Figura 3 mostra alguns modelos de comportas que podem ser encontrados no mundo biológico.

 

Figura 3 - Alguns modelos para as comportas de canais iônicos.

Kandel: in Princípios de Neurociências (2000).

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As comportas são estruturas que pertencem ao canal proteico iônico e que, quando fechadas, impedem a passagem de íons pelo canal. A Figura 3-A mostra uma comporta constituída por uma deformação localizada, central, nas paredes internas do canal. Essa comporta pode assumir extensões maiores (Figura 3-B) ou pode ser representada por uma espécie de rolha que vem bloquear a boca intracelular (Figura 3-C) ou extracelular do canal.

A próxima pergunta a responder é a seguinte: o que controla a abertura e o fechamento das comportas?

A Figura 4 mostra algumas possibilidades de controle.

 

Figura 4 - Exemplos de gatilhos para o controle das comportas.

Kandel: in Princípios de Neurociências (2000).

A Figura 4-A mostra o caso em que a comporta tem um ligante como gatilho, e por isso esses canais terão o nome de "canais proteicos iônicos dependentes de ligante", ou "canais dependentes de ligante", ou canais "ligante-dependentes", segundo diferentes autores. Se esse ligante for a Acetilcolina, por exemplo, teremos um canal colinérgico. De posse dessas informações, fica fácil associar

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outros nomes de canais como dopaminérgico e serotoninérgico ao ligante que controla o canal.

A seguir, mais dados sobre o canal dependente de ligante: - a energia produzida na ligação do ligante ao sítio receptor é usada para abrir o canal. - esse tipo de canal gera potenciais locais excitatórios ou inibitórios, dependendo do íon que passa. Se passar um íon de Na+, por exemplo, que entra na célula, então o potencial local gerado será excitatório ou despolarizante, pois esse íon leva cargas positivas para o interior da célula. Se passar o íon Cl-, por exemplo, o potencial passivo gerado será inibitório ou hiperpolarizante, pois o íon Cl- entra carregando cargas negativas. Potenciais despolarizantes serão representados por curvas com o pico para cima, num gráfico x-y; os hiperpolarizantes terão o pico da curva para baixo. - esse tipo de canal, frequentemente, deixa passar mais de um tipo de íon simultaneamente. Por exemplo, há canais dependentes de ligante que, quando abertos, deixam passar Na+ e K+ ao mesmo tempo.

A Figura 4-B mostra canais controlados por fosforilação (adição de um grupo fosfato) ou defosforilação. Não detalharemos esse tipo de canal neste estudo.

A Figura 4-C representa os canais dependentes de voltagem (D-V). A porção “comporta” do canal é polarizada e sensível a alterações de campos elétricos nas proximidades. Um Potencial Local, passivo, que se aproxime desses canais, portanto, produzirá uma despolarização nas vizinhanças que poderá abrir os canais D-V. Estes canais possuem uma propriedade singular, ausente nos outros canais expostos na Figura 4: a abertura de um primeiro grupo de canais desse tipo produz uma despolarização suplementar, que abrirá mais canais do mesmo tipo. Esse fenômeno em "bola de neve" vai ser conhecido por "feedback positivo", e pode acarretar a criação do Potencial de Ação.

A seguir, mais detalhes sobre esse tipo de canal:

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- a energia que abre o canal é do tipo elétrica. - os canais D-V geralmente deixam passar apenas um único tipo de íon. Assim, teremos canais D-V de Na+, de Ca++ ou de K+, por exemplo. - canais D-V são os únicos dentre os com comporta que produzem feedback positivo. São os únicos, portanto, capazes de gerar PA. - eles podem ser associados à função especial de transformar Potenciais Locais, passivos, em Potenciais de Ação, ativos. - a abertura de canais D-V é uma das duas condições necessárias para a geração efetiva de PAs. A outra condição será discutida mais adiante.

A Figura 4-D representa os canais dependentes de estiramento. Esses canais são controlados, portanto, por estresse mecânico, como aquele provocado pela percussão do tendão no estudo do reflexo patelar. Essa energia mecânica se transmite até os canais por estruturas específicas. Os potenciais locais gerados por esses tipos de canais são, geralmente, excitatórios. Eles deixam passar, normalmente, um único tipo de íon.

Este é o momento oportuno para responder às seguintes perguntas: em que local do circuito do reflexo patelar de nosso modelo seriam colocados os canais dependentes de estiramento, de ligante e de voltagem? Que tipo de PL será gerado por um canal que deixa passar o íon K+?

Neste ponto, podemos estabelecer dois conceitos úteis sobre os PLs gerados por canais dependentes de ligante. Quando o PL gerado for positivo, ele terá chances de, na ZID, se somar ao PRM e produzir um potencial resultante que se aproxima, alcança ou ultrapassa o PLE. Em qualquer caso, ele receberá o nome de PEPS, referente a Potencial Excitatório Pós-Sináptico. Quando o PL for negativo, receberá o nome de PIPS, equivalente a Potencial Inibitório Pós-Sináptico.

Agora já possuímos as informações necessárias que nos permitem retomar o assunto central deste capítulo, o

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da Geração do PA. Duas informações devem ser dadas inicialmente. A primeira trata da importância de separar os conceitos de geração e de propagação do PA. São assuntos diferentes e, neste momento, estudaremos apenas a geração. A outra informação a reter é aquela que diz que estudar geração do PA significa estudar o funcionamento de dois canais D-V, o de Na+ e o de K+. O Canal de Na+ Dependente de Voltagem

A Figura 5 fornece detalhes do funcionamento do canal D-V de Na+.

 

Figura 5 - Bases funcionais do canal de Na+ dependente de voltagem.

O canal D-V de Na+ possui duas comportas. No

repouso, a mais externa está fechada e é conhecida pelo nome de Comporta de Ativação ou Comporta Rápida. A mais interna é a Comporta de Inativação ou Comporta Lenta, e está aberta no repouso. Esse estado receberá o nome de Estado de Repouso Ativável ou, simplesmente, Estado de Repouso.

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Recordemos que ambas as comportas são sensíveis a alterações de campo elétrico, isto é, os comandos para suas movimentações são comandos elétricos. Imaginemos um grupo desses canais situado na ZID de uma célula. A membrana da ZID, que estava em -70 mV, recebe um PL de +10 mV, o que produz um novo potencial de membrana igual a -60 mV. Essa alteração corresponde ao comando elétrico que ordena a movimentação das comportas. Ordenar o movimento delas significa dizer que a comporta de ativação se deve abrir e a comporta de inativação se deve fechar. O problema é que, apesar de o comando ser comum às duas, apenas a comporta rápida responde instantaneamente, o que leva o sistema ao Estado Ativo, Estado Conduzindo ou Estado Aberto, como representado na Figura 5.

Neste ponto, devemos fazer um parêntese importante, para relembrar a situação do íon Na+ no repouso. No capítulo anterior vimos que, no repouso, o íon Na+ era o mais "insatisfeito" na negociação elétrica que resultou no PRM. Para facilitar essa conclusão, basta lembrar que o Na+ é quem tem o Potencial de Equilíbrio mais distante do PRM, “distância” essa próxima a 125 mV, correspondente à diferença entre eles [+55mV - (-70mV)]. Em consequência, há uma força elétrica importante atraindo o Na+ para o interior da célula. Somada à força elétrica, há a força química, correspondente ao gradiente, também forçando o Na+ a entrar. Por fim, devemos lembrar que essas forças existem porque o Na+ tem baixa permeabilidade no repouso, de forma que todos seus canais estão ocupados.

Em resposta ao comando elétrico de +10 mv de despolarização ocorrida na ZID, milhares de canais de D-V de Na+ passam ao Estado Aberto, como explicado logo acima, e o íon entra em grande quantidade e segundo uma intensidade que alguns autores chamam de “avalanche” de Na+ ou de “explosão química” de Na+. No estado aberto, o Na+ pode entrar à vontade como se estivesse só num experimento de Nernst, tentando chegar aos +55 mV. Esse

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valor só não é atingido porque, antes, o canal passa para o Estado Inativado, como mostrado na Figura 5. A chegada a esse novo estado, marcada pelo fechamento da comporta lenta, acontece num instante que coincide com o instante em que o potencial da membrana está em +30 mV. A depender do Na+, esse potencial subiria mais, mas a inativação do canal impede esse fato e, com isso, define-se o maior valor que a membrana da célula terá na fase de despolarização, isto é, define-se o pico do PA em um valor próximo aos +30 mV.

A seguir, alguns pontos que devemos registrar: - se um voltímetro anotasse instante-a-instante o que acontece com os potenciais de membrana quando se vai do estado de repouso ao estado inativado, os números produziriam um gráfico correspondente a uma curva ascendente, que é a primeira parte do Potencial de Ação, denominada Fase de Despolarização. Esta fase vai, portanto, dos -70 mV do repouso até os +30 mV do pico e ajuda a definir a típica amplitude do PA numa célula nervosa, igual a 100mV (= +30 – (-70 mV) = +30+70). - até então, sabíamos que um típico canal com comporta poderia ter dois estados, aberto e fechado. O estudo do canal D-V de Na+ nos mostrou que é possível haver três estados. - o estado de repouso e o inativado não devem ser confundidos, apesar de, em ambos, não haver difusão iônica. Veremos mais adiante que há grandes diferenças entre eles. - pode haver diferença temporal entre o instante do comando para movimentação de uma comporta e o instante em que ocorre a resposta correspondente. A comporta lenta é um exemplo desse fato. - quando o Na+ entra pelos canais D-V, não há entrada de água.

Até agora estudamos apenas o comando que cria a despolarização do PA, isto é, o que faz o canal de Na+ ir do repouso à inativação. Falta estudar o mecanismo que produz a repolarização, bem como os que produzem o

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retorno do canal de Na+ ao repouso. Iniciemos pelo estudo do canal de K+, representado na Figura 6. O Canal de K+ Dependente de Voltagem

 

Figura 6 - Bases funcionais do canal iônico de K+ dependente de voltagem.

A Figura 6 mostra que o canal de K+ tem apenas uma

comporta situada mais internamente e que está fechada no repouso. Ela pertence à categoria das comportas de resposta lenta, assim como acontece com a comporta de inativação do canal de Na+. Assim como já visto para o canal de vazamento de Na+, os vários compartimentos internos do canal servem, entre outras funções, para retirar as águas do K+ de forma que ele sai desidratado.

Lembremos que estamos na ZID da célula, onde os canais D-V de K+ convivem com os D-V de Na+. Lembremos, ainda, que comando para a abertura da comporta do canal de K+ é o mesmo comando elétrico que atua sobre as comportas de Na+ e esse comando, por sua vez, é correspondente à despolarização de 10mV. O detalhe a registrar é que, por ser lenta, a comporta do K+

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só vai se abrir no instante coincidente com o do fechamento da comporta lenta do Na+, isto é, no instante que coincide com a chegada do potencial da membrana ao pico de +30 mV. Por isso, a partir do instante que coincide com o pico, o K+ vai poder sair livremente, trazendo o potencial do pico positivo para baixo, em direção ao potencial de repouso. Entretanto, esse canal não se fecha quando o potencial de membrana chega ao repouso, ficando aberto por mais um tempo. Este fato faz com que o potencial de membrana ultrapasse o PRM e chegue até o potencial de equilíbrio do K+, em torno de -75 mV. Só mais tarde, quando ele se fecha, é que o potencial volta a subir um pouco, retomando o valor do PRM de -70 mV.

Os dados de um voltímetro que registrasse essas alterações causadas pela saída de K+ indicariam uma descida no gráfico anteriormente construído, a partir de +30 mV; tal descida vai se chamar Fase de Repolarização. A Figura 7 mostra os dois canais operando em conjunto.

 

Figura 7 - Os canais D-V de Na+ e K+ operando em conjunto.

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Devemos observar que a curva do PA é o resultado dos potenciais que acontecem durante a fase de subida do potencial (ou fase de despolarização, causada pelo Na+) e descida do potencial (ou fase de repolarização, causada pelo K+). Outra forma interessante de estudar a formação do PA é dada na Figura 8.

 

Figura 8 - O PA como resultante das curvas de potenciais de K+ e Na+.

A Figura 8 mostra claramente o que já sabemos, isto

é, que as cinéticas dos canais de Na+ e de K+ são distintas, assim como são distintas as permeabilidades nesta nova situação em que a célula está gerando um PA. A observação das diferenças entre os tempos e as amplitudes dos picos dessas duas curvas ajuda a perceber esses fatos. Além disso, fica fácil ver que a condução mais demorada do K+, devido ao seu fechamento tardio, faz com que a repolarização não estacione no PRM, mas vá um pouco mais abaixo, para só depois retornar aos valores do PRM com a ajuda da bomba de Na-K. A espécie de “barriga” que assim se forma recebe o nome de hiperpolarização pós-potencial.

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A geração do PA: informações complementares Fica claro, depois deste estudo, que o PL que chega à

ZID pode excitar (se for um PEPS) ou inibir (se for um PIPS) a célula. Se o PL resultante na ZID for um PEPS, poderá gerar um PA e, por isso, muitos autores chamam o PL de Potencial Gerador.

Devemos relembrar de onde vem esse PL. No caso do nosso circuito do reflexo patelar, o PL que chega à ZID da célula sensitiva vem do fuso muscular. Mais longe, na medula, esta célula faz contato com o motoneurônio via dendrito ou corpo celular dessa célula motora, de forma que aí aparece um novo PL. Este PL é que vai até a ZID do motoneurônio para gerar um novo PA.

São duas as condições para gerar um PA: é preciso que o PL atinja o PLE e é desejável que o mesmo PL tenha uma forma determinada, que lhe permita uma subida rápida em direção ao PLE. Este segundo requisito será detalhado mais tarde, quando estivermos de posse de outros conceitos. O que devemos registrar por enquanto é que o PA é resultado da ação conjunta dos canais D-V de Na+ e K+.

Para encerrar este assunto, ainda falta estudar os comandos que fazem o sistema voltar ao repouso. E é bom deixar bem claro que esse sistema tem todo o interesse em voltar rapidamente ao repouso, pois quanto mais cedo isso acontecer, mais cedo o sistema estará pronto para responder a uma nova estimulação. Em outras palavras, esse sistema deve buscar sempre voltar rapidamente ao Estado de Repouso Ativável. Relembremos que a ativação do sistema pelo comando inicial produziu duas situações: levou o canal de Na+ ao Estado Inativado e levou o canal de K+ ao Estado Aberto. Retornar ao repouso significa, portanto, executar as seguintes ações: - fechar a comporta de ativação do Na+.

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- fechar a comporta do K+. - abrir a comporta de inativação do Na+. Os gráficos da Figura 9 nos ajudam a estudar esses mecanismos.

 

Figura 9 - Funcionamento das comportas e localização dos Períodos Refratários.

A Figura 9 fornece detalhes sobre o comando inicial

(C1), bem como sobre os outros comandos necessários para trazer o sistema ao repouso. Inicialmente, o gráfico serve para destacar os valores típico de duração (4 ms) e amplitude (100 mV) do PA nervoso. No caso dos PAs musculares, sejam eles esqueléticos ou cardíacos, a amplitude típica é um pouco maior (120 mV), pois ele sai de um PRM mais baixo (-90 mV) e tem um pico em +30 mV.

Além disso, o gráfico do PA da Figura 9 serve de base para estudarmos as referências temporais dos instantes em que esses comandos acontecem. Para tanto, não devemos esquecer que, nesse sistema, nem sempre o comando tem resposta imediata.

Comando elétrico de número 1 (C1):

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- quando ocorre o comando? Quando o PL consegue produzir na ZID uma despolarização de, pelo menos, 10 mV. Nesse caso, se diz que o PL é limiar. Se a despolarização for superior a 10 mv, ela será supra-limiar. - qual é (são) a ordem (as ordens) dada(s) pelo comando? Abrir a comporta de ativação do Na+, fechar a comporta de inativação do Na+ e abrir a comporta do K - quando ocorre a resposta? A resposta da comporta rápida do Na+ é imediata, por isso a despolarização começa com C1. As respostas das comportas lentas do Na+ e do K+ só acontecem no instante que coincide com o pico do PA, quando a comporta lenta do Na+ se fecha e a comporta lenta do K+ se abre. - este comando pode não acontecer? Sim, basta que o PL seja sublimiar. Neste caso, o gráfico mostrará um PL menor, como o que está desenhado na Figura 9 e não haverá PA. Outra condição deve ser satisfeita para que haja PA, mas esta será discutida mais tarde.

Em outra situação especial, este comando C1 pode não acontecer porque o PRM está muito baixo, o que faz que a distância PRM-PL seja muito grande. Nessa situação patológica, mesmo PLs grandes, que antes produziam muitos PAs com facilidade, serão considerados sublimiares e não poderão excitar a célula. Em consequência, células excitáveis como as do sistema nervoso, do diafragma e do coração deixam de produzir sinais e esse fato pode levar à morte do indivíduo. Nesse caso particular, para ilustrar o fato de que a morte ocorreu com o canal de Na+ no estado de repouso, diz-se que a pessoa morreu paralisada “em diástole”.

Comando elétrico de número 2 (C2): - quando ocorre o comando? Durante a despolarização, nas regiões de potenciais positivos. - qual é a ordem dada pelo comando? Fechar a comporta rápida de Na. - quando ocorre a resposta? Não se sabe com precisão, mas ocorre bem antes do PA acabar.

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Comando elétrico de número 3 (C3):

- quando ocorre o comando? Durante a repolarização, nas regiões de potenciais positivos. - qual é a ordem? Fechar a comporta de K. - quando ocorre a resposta? Tardiamente, no pico negativo da hiperpolarização pós-potencial.

Comando elétrico de número 4 (C4): - quando ocorre o comando? Quando as seguintes duas condições são satisfeitas: (1) o potencial deve estar na fase de repolarização (potenciais decrescentes) e (2) o potencial deve estar em valores próximos ao PLE. - qual é a ordem? Abrir a comporta de inativação do Na+. - quando ocorre a resposta? Começa logo após o comando, mas os canais da região não respondem ao mesmo tempo. Só é possível afirmar com segurança que o total de canais retornará efetivamente ao repouso apenas no tempo que coincide com o final da onda do PA. - esse comando pode não acontecer? Sim, basta que o PRM esteja muito elevado, o que pode acontecer em algumas doenças. Nessa nova situação, com o novo PRM bem acima do PLE, por exemplo, o PA acontecerá, mas retornará ao novo PRM, como esperado. O problema é que, nesse caso, porque o PRM está acima do PLE, não será satisfeita a segunda condição para acontecer C4. Se não acontece C4, não haverá o retorno do canal de Na+ ao repouso e não haverá mais possibilidade de gerar um novo PA, mesmo que haja estímulos e os correspondentes PLs. Não haver PA corresponde à morte celular. Se células excitáveis, como as do sistema nervoso, do diafragma ou do coração, deixarem de funcionar, há a morte do indivíduo e diz-se, para ilustrar o fato da morte ter ocorrido no estado inativado, que a pessoa morreu paralisada “em sístole”. Exemplos de morte em sístole são as mortes por injeção de KCl e por paralisia hipercalêmica. Por outro lado, a paralisia hipocalêmica pode ser usada para exemplificar a morte em diástole.

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Neste momento, é válido sublinhar a importância dos tempos no estudo do tema “Geração do PA”. Observemos que o PA tem uma duração típica de cerca de 4 ms. Observemos, também, com a ajuda da Figura 9, que o instante em que ocorre C4 divide os acontecimentos em dois intervalos. Do instante do início do PA ao instante em que ocorre C4, registra-se um intervalo próximo a 1 ms. Nele, todos os canais de Na+ estão abertos (fase de despolarização, que vai do início do PA até o pico) ou todos inativados (fase de repolarização, que vai do pico até C4). Em outros termos, nesse intervalo de tempo correspondente ao intervalo “início do PA-C4”, nenhum estímulo novo poderá gerar PA porque gerar PA significa abrir novos canais de Na+. Um novo PL não poderá abrir canais de Na+ porque, ou eles já estão todos abertos ou estão fechados pela comporta de inativação. Notar que esta comporta última não se abre com PL, pois este faz o papel de C1. Com efeito, essa comporta de inativação se abre apenas com C4, que ainda vai acontecer. Essa situação pode ser traduzida assim: independentemente do tamanho do estímulo, ou do correspondente PL, a membrana celular é absolutamente refratária a gerar um novo PA. Essa condição caracteriza o Período Refratário Absoluto.

O segundo intervalo acontece depois de C4. Após esse comando, as comportas lentas do Na+ começam a se abrir e, pouco a pouco, vai aumentando o número de canais que retornam ao repouso. Num instante indefinido próximo ao centro desse segundo intervalo “C4-fim do PA”, podemos especular que retornou ao repouso uma parcela dos n canais da ZID que acabaram de gerar um PA. Nesse momento, um estímulo maior e, portanto, um PL supralimiar, talvez consiga gerar um novo PA desde que ele seja grande o bastante para compensar o número aquém do ideal de canais que voltaram ao repouso. Com isso, esse segundo intervalo recebe o nome de Período Refratário Relativo, pois depende da amplitude do PL em jogo.

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Na prática, esses dois períodos se somam para criar um intervalo que podemos chamar de Período Refratário, em que a célula dificilmente produz um novo PA. Certamente, este só poderá ser gerado, portanto, ao final do período refratário. Visto que o intervalo de tempo tomado pelo Período Refratário corresponde exatamente à duração do PA, então podemos concluir que um novo PA só poderá acontecer depois que o atual PA terminar, isto é, a cada 4 ms. Lembrando que Frequência=1/Período, então 1/4ms=250Hz será a frequência máxima de disparo de PAs numa célula nervosa. Podemos inferir, enfim, que o Período Refratário demarca a frequência máxima de disparo de PAs. Os Potenciais Cardíacos

Não se deve encerrar o assunto de geração de PA sem comentar os potenciais que acontecem no coração, como ilustra a Figura 10.

 

Figura 10 - Os potenciais que ocorrem no coração.

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O sistema elétrico cardíaco se distribui por várias células especializadas do coração e todas possuem a capacidade de gerar potenciais automaticamente. Esse conceito, “automatismo”, é novo em nosso estudo. Até então, nossa célula excitável só produzia PA quando estimulada; caso contrário, ela permanecia no repouso.

O coração também tem células que funcionam sob estimulação, como as fibras musculares estriadas contráteis, majoritárias, e últimas responsáveis pela contração cardíaca. Estas precisam de um estímulo, reforçamos.

Por outro lado, uma parcela diminuta das células cardíacas se especializou na função de produzir os estímulos que irão excitar as musculares estriadas. São as células do sistema elétrico cardíaco, que produzem potenciais automática e ritmicamente. O sistema elétrico começa no nodo sinusal, passa pelo átrio, chega ao nodo AV, segue pelo feixe de Hiss e continua pelas células de Purkinje. Apesar de todos os segmentos possuírem a propriedade do automatismo, a frequência de produção de potenciais é diferente e vai caindo ao longo do trajeto.

Neste texto, nos ateremos à questão do automatismo. Os outros detalhes serão vistos no estudo do sistema cardiovascular.

Pode ser didaticamente interessante começar pelo potencial que não é automático, que ocorre no músculo cardíaco. É o Potencial em Plateau ou Platô, mostrado na Figura 11.

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O Potencial de Ação em Platô dos Ventrículos

 

Figura 11 - O Potencial em Platô da musculatura dos ventrículos.

Este potencial tem cinco fases, sendo que a fase 4

corresponde ao repouso. Nessas células, como nas musculares esqueléticas, o repouso se instala em valor próximo a -90 mV, bem mais baixo, portanto, que nas células nervosas. Nesse potencial, nós já sabemos explicar as fases 0 e 1, pois correspondem à entrada de Na+ (fase 0) e saída de K+ (fase 1). A novidade aqui acontece porque a fase de repolarização não evolui como conhecemos, isto é, ela não desce até o PRM. O que acontece é que, ao final da fase 1, canais de Ca++ se abrem e esse íon entra na célula criando uma força elétrica contrária à da saída de K+. Desse balanço resulta uma linha quase horizontal/equipotencial, correspondente à fase 2. Esta fase é a grande novidade no nosso estudo. Se ela não existisse, a fase 3 se emendaria com a fase 1, criando uma figura mais familiar, pois mais próxima da repolarização na curva de um PA nervoso. O canal de Ca++ se abre no

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começo da fase 2 e se fecha no final dessa mesma fase. A partir daí, o K+ volta a comandar sozinho o processo, completando a repolarização (fase 3).

A Figura 12 mostra o Potencial de Ação em Platô comparado ao Potencial de Ação de um músculo esquelético. Potencial de Ação em Platô x Potencial de Ação do Músculo Esquelético

 

Figura 12 - Comparando o Potencial em Platô com o Potencial de Ação no músculo esquelético.

A Figura 12 mostra que o platô (fase 2) aumenta a

duração da onda e, portanto, aumenta drasticamente o período refratário. Essa fase faz com que a duração do potencial passe dos 8 ms, que é a duração típica no músculo esquelético, para quase 200 ms. Lembrando que já estudamos a correlação entre Período Refratário e frequência máxima de disparo de potenciais, podemos concluir que a frequência máxima de disparo cai bastante nas células musculares cardíacas. A frequência máxima agora pode ser calculada por F = 1/200ms= 5 Hz. No caso das células esqueléticas, a frequência máxima seria F=1/8 ms=125 Hz. Para concluir, poderíamos especular que uma

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frequência máxima baixa, como a das células contráteis do coração, pode ser interessante para preservar um sistema que funciona 24h/dia.

Neste ponto, já temos as informações que precisamos para discutir o automatismo das células do sistema elétrico do coração. A Figura 13 mostra o Potencial Marca-Passo natural, que acontece nas células do Nodo Sinusal ou Sinoatrial.

O Potencial Marca-Passo do Nodo Sinusal

O primeiro detalhe a registrar é que o Potencial Marca-Passo é automático. Isto é, acontece independentemente de qualquer estímulo externo. O segundo ponto a sublinhar é que esse potencial é rítmico, ou seja, ocorre aproximadamente 70 vezes por minuto. O terceiro detalhe a destacar é que tal potencial não possui as fases 1 e 2. E o último, e talvez mais interessante detalhe para o nosso estudo, é que a fase 4 é instável.

 

Figura 13 - O Potencial Marca-passo cardíaco.

Por fase 4 instável entenda-se que a membrana não fica no repouso. De fato, quando a membrana desta célula

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chega ao seu PRM, que é -60 mV, este potencial funciona como um comando para abrir um tipo novo de canal, que ainda não havíamos estudado, o canal iônico tipo “funny”, que deixa entrar Na+ quando aberto. A entrada de Na+ despolariza a membrana e, poucos mV acima, um novo tipo de canal, o de Ca++ tipo T se abre e, ao se somar à ação do canal funny, contribui para uma despolarização ainda mais marcada da fase 4. Quando a despolarização atinge o PLE dessa célula, em torno de -35mV, acontece a geração do potencial propriamente dito, com a criação da fase de despolarização. Aqui acontece outra novidade: a despolarização é de responsabilidade de íons Ca++ que passam por canais de Ca++ tipo L. A repolarização é feita de uma forma que já conhecemos, com a abertura de canais de K+. O final da repolarização, que acontece em -60 mV, reinicia o ciclo, com a produção de uma nova fase 4 instável. Dessa forma, está estabelecido o mecanismo que faz com que esse ciclo aconteça 70 vezes por minuto.

 

Figura 14 - Mecanismos de alteração da frequência do Potencial Marca-passo Cardíaco.

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A Figura 14 mostra que a frequência de um potencial marca-passo normal (curva b) está diretamente ligada à inclinação da fase 4, isto é, ao tempo que esta fase do potencial leva para chegar ao PLE, a partir do PRM. Fica fácil deduzir que se quisermos aumentar a frequência cardíaca podemos alterar a inclinação da fase 4, como ilustrado na curva (a). Neste caso, o potencial marca-passo é gerado mais cedo, pois a chegada ao PLE acontece mais cedo. O resultado é uma frequência aumentada. Para o caso inverso, é só alterar a inclinação da fase 4 para uma situação como a ilustrada na curva (c). Para encerrar, vale notar que existe outro mecanismo para alterar a frequência cardíaca. Pode-se, por exemplo, reduzir a distância PRM-PLE para aumentar a frequência, ou aumentar essa distância para reduzir a frequência cardíaca. A propósito, alguns medicamentos indicados para regular a frequência se servem desses dois mecanismos ao mesmo tempo.

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IV. Propagação do Potencial de Ação No assunto anterior, vimos que a gênese do PA está

baseada no funcionamento combinado dos canais dependentes de voltagem de Na+ e K+. Vimos, também, que o primeiro PA do nosso circuito-modelo aparece na porção inicial do axônio da célula sensitiva. Neste capítulo veremos como esse primeiro PA caminha até a terminação sináptica da célula sensitiva, já na medula.

Devemos começar revisando alguns conceitos: - a propagação do PA é um fenômeno misto, resultado de alternâncias entre fenômenos ativos e passivos - por fenômenos ativos, entenda-se a geração do PA. O PA serve para carregar o interior da célula, no ponto em que ele aparece, com muitas cargas positivas. Lembrar que o PA leva o interior a + 30 mV. - por fenômenos passivos, entenda-se a despolarização do próximo vizinho, na membrana. As cargas introduzidas pelo PA produzem um arranjo especial no citosol, de forma que essas cargas positivas são estimuladas a caminhar para o vizinho próximo, que nesse momento está negativo, pois está no repouso. Essa propagação de corrente até o vizinho próximo é totalmente passiva, e também pode ser estudada como a propagação de um PL até o vizinho próximo. Quando o PL produzido pelo PA se propaga e chega ao segmento vizinho, uma parte das cargas negativas do vizinho se associa e é anulada pelas cargas positivas que acabaram de chegar. O resultado dessa associação elétrica, que é também um fenômeno passivo, é a despolarização desse vizinho próximo. Se essa despolarização for suficiente para que o potencial do vizinho próximo suba de -70 mV (repouso) e chegue ao PLE (-60 mV), então nesse vizinho vai aparecer um novo PA. - observar que o estudo dessa fase passiva (propagação do PL até o vizinho próximo) pode ser feita mediante a análise da propagação da corrente ou do potencial local. Os dois métodos são equivalentes e levam aos mesmos resultados,

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pois a Lei de Ohm assegura a correlação linear entre PL e corrente passiva, já que PL=Corrente Passiva x Resistência (V= I x R). A resistência R, neste caso, corresponde à dificuldade enfrentada pela corrente durante sua propagação no interior da célula. - em suma: a propagação é o resultado de uma alternância de dois fenômenos, um ativo (a geração de PA) e um passivo (a propagação do PL até o vizinho e a despolarização do vizinho até o PLE).

Vamos estudar mais detalhadamente a propagação da porção passiva, isto é, de um PL. Propagação de um PL

Para estudar esse assunto, usaremos uma montagem experimental bem simples: um pedaço de axônio estimulado eletricamente na região mais central, e o registro de todos os potenciais que acontecem ao longo do axônio, tanto à direita como à esquerda do ponto de estimulação, como mostra o esquema da Figura 1. Para melhor entender o experimento, devemos lembrar que: - estimulação é igual à inserção de cargas positivas no interior da célula, com ajuda do estimulador. - o que ocorre no trecho à direita do ponto de estimulação é simétrico ao que ocorre no da esquerda. - os potenciais de membrana registrados pelos diversos eletrodos posicionados ao longo do axônio são anotados e colocados num gráfico do tipo Vm (mV) x Distância (mm). - o estímulo e sublimiar, isto é, a amplitude do potencial gerado pelo estímulo no Ponto Zero é inferior ao PLE - Potencial Limiar de Excitação.

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Figura 1 - Propagação de um PL (passivo) pela membrana. A unidade do eixo Y do gráfico é mV, a do eixo X é mm.

A Figura 1 mostra que há uma queda do Potencial (ou

da corrente) ao longo da propagação, sugerindo a existência de perdas.

A análise do que ocorre no local da estimulação, no ponto zero do eixo x do gráfico, permite observar que as cargas positivas inseridas pelo estimulador criam o seguinte arranjo local no interior da célula: positivo no local da estimulação e negativo nos vizinhos da direita e da esquerda. Nessas condições, as cargas positivas são atraídas pelos vizinhos negativos, e surgem duas correntes, uma para cada lado do ponto de estimulação. Sabendo que a simetria em torno do ponto zero é perfeita, podemos restringir o estudo a um dos lados, para facilitar o nosso trabalho. Dessa forma, se pode afirmar que cargas positivas saem do Ponto Zero e chegam ao Vizinho 1 localizado à direita do Ponto Zero e, aí, promovem uma leve despolarização, pois algumas das cargas negativas desse vizinho são anuladas, o que torna o local mais positivo. Apesar de positivo, o potencial do Vizinho 1 é

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menor que o original, pois a corrente vai se perdendo no trajeto.

As perdas são de dois tipos. O primeiro tipo corresponde às perdas por vazamento de corrente, isto é, as cargas inseridas pelo estimulador começam a vazar para o exterior pelos canais de vazamento existentes em toda a membrana. O segundo tipo de perda de energia se deve aos choques físicos que acontecem quando as cargas positivas, ao se moverem para o vizinho negativo, chocam-se com outras estruturas que habitam o citosol. As duas perdas contribuem para que a corrente resultante que se move no interior da célula, do centro do axônio para a periferia, seja cada vez menor, gerando, em consequência, menores potenciais.

A queda da corrente, e do potencial local correspondente, segue uma função exponencial decrescente que pode ser observada no gráfico. Em algum ponto do axônio, a corrente e o PL caem a zero. A corrente local ou passiva, portanto, sempre cairá a zero em algum ponto do axônio. Lembrar que o PL morre porque é passivo e que isso tem tudo a ver com o fato de, neste experimento, não haver PA.

A distância que a corrente consegue andar até morrer é um parâmetro importante que pertence às Características Passivas da Membrana, pois caracteriza a célula de forma única. Outra célula nervosa, em experimento similar, produziria uma outra curva exponencial, que tocaria o zero em outro ponto do gráfico. Isto significa que cada célula assumirá uma única curva da família dos exponenciais decrescentes. Por isso, a curva exponencial exclusiva da célula em estudo fornece um parâmetro único, que vai identificar essa célula em particular. Esse parâmetro importante chama-se Constante de Distância (ou Espacial), recebe a letra grega Lambda (λ) e é dado em mm. Assim, uma célula A pode ter um Lambda de 1 mm e uma célula B pode ter um Lambda de 3 mm.

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Um último detalhe, antes de encerrarmos este assunto: o PL pode se mover para os dois lados do ponto de estimulação, como já vimos. Poderíamos especular, neste ponto, sobre o que aconteceria se o estímulo dado no ponto zero fosse supralimiar, causando um PA nessa região central do axônio. Para surpresa de alguns, a resposta correta é a de que dois PAs vão se propagar, um para cada lado do ponto zero. Falamos em surpresa porque desde muito cedo aprendemos que o PA caminha apenas em um sentido. Convidamos o leitor a refletir sobre essa questão. Propagação do PA em células amielínicas

Muitos acreditam, equivocadamente, que o estudo da Propagação do PA passa forçosamente pelo estudo de eventos em fibras mielínicas. Na realidade, é melhor começar o estudo pelo caso mais geral, em fibras amielínicas. A Figura 2 mostra o esquema para isso.

 

Figura 2 - Propagação do PA em fibra amielínica.

Vimos anteriormente que o PA surge pela primeira vez numa célula genérica na ZID, uma região difícil de identificar anatomicamente, localizada na porção inicial do

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axônio. Em algumas células particulares, como o motoneurônio, essa região é mais fácil de identificar, pois se confunde com o Cone Axonal. Em qualquer caso, usaremos a regra geral que diz que a ZID se localiza na porção inicial do axônio.

Imaginemos então que um PL chega à ZID, vindo do corpo celular, e produz um PA. O Passo 1 da Figura 2 mostra o momento em que a ZID está no pico de +30 mV e os segmentos vizinhos da ZID estão, como esperado, no PRM. O resultado desse arranjo elétrico é a propagação das cargas positivas para o seu vizinho carregado negativamente, identificado como segmento 2 do axônio. Se as cargas positivas que chegaram ao segmento 2 forem capazes de anular uma certa quantidade de cargas negativas e, com isso, despolarizar essa região de 10 mV, então no segmento 2 agora aparecerá o segundo PA de nosso axônio.

Neste momento vale sublinhar que o mesmo processo que acabamos de descrever poderia ser descrito pela propagação passiva de um PL do segmento 1 ao segmento 2 do axônio. E diríamos que, em chegando lá, o PL deveria despolarizar o segmento 2 de 10 mV se ele quiser gerar um novo PA nesse local. Fica claro, então, que esse PL foi responsável por criar a ilusão de que o PA 1 se propagou até o segmento 2. Na realidade, não houve propagação do PA de 1 para 2, mas sim a criação de um novo PA em 2. Deve ficar bem entendido, também, que essa suposta propagação aconteceu graças a uma alternância de um processo ativo (PA 1), um processo passivo intermediário (PL que se desloca e despolariza 2) e um novo processo ativo (PA 2). O PA 2 introduzirá grande número de cargas positivas em 2. O PL que aparece agora, indo de 2 pra 3 criará um novo PA em 3. Sucessivamente, portanto, essa combinação de processos ativos e passivos vai produzindo PAs em trechos vizinhos da membrana, até chegar ao terminal sináptico. Um filme de todo esse processo, repetimos, daria a falsa impressão de que o PA 1 se deslocou até a sinapse. Pronto, está explicado como

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acontece esse evento conhecido por Propagação do PA, mas que, pelo bem do rigor, deveria receber o nome de Regeneração do PA.

Para completar este estudo, faltam alguns detalhes. Primeiramente, precisamos explicar por que o PA, neste caso, só anda num sentido, isto é, por que ele não retorna para o corpo celular a partir do segmento 1. Para o caso do PA 1, pode-se admitir que a corrente local que se moveu para o segmento 2 também se move em direção do vizinho localizado no corpo celular. Isso significa admitir que um PL, similar ao que despolarizou o segmento 2, também despolariza o segmento vizinho à esquerda de 1, localizado no corpo celular. A diferença é que o PL do corpo celular não produz PA porque aí não existem canais D-V. Por isso, este PL do corpo celular acaba morrendo alguns milímetros à esquerda do trecho 1. Agora, para o caso do PA 2, a mesma explicação não funciona mais, pois à esquerda de 2 fica o trecho 1, onde há canais D-V. O que proíbe o PA 2 de retornar é o fato do trecho 1 ainda estar no Período Refratário, pois ainda está se recuperando do PA 1 quando o PA 2 já ocorreu. Esta mesma justificativa será usada para explicar o restante da propagação unidirecional pelo axônio até o terminal sináptico. Esta segunda razão, aliás, serve para explicar porque o PA pode andar para os dois sentidos, numa situação experimental em que, anormalmente, o primeiro PA é gerado na região central do axônio, como visto na Figura 1.

Antes de encerrar o estudo da propagação em fibras amielínicas, é importante discutir a questão da velocidade de propagação. Para tanto, imaginemos que passamos a estudar outra célula, possuidora de um axônio com maior diâmetro. A alteração do calibre altera a forma com que ocorrem as perdas de corrente na célula. Lembremo-nos que há dois tipos de perdas passivas, a perda por fuga de corrente (corrente que vaza para fora pelos canais de vazamento) e a perda por choque físico, que ocorre entre as cargas iônicas que estão se deslocando para o novo

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vizinho e os outros elementos que habitam o interior das células.

Pois bem, a primeira perda é afetada pela área lateral do axônio, pois esta se correlaciona com o número de canais de vazamento aí inseridos. Quanto maior o diâmetro, maior será o número de canais de vazamento e maior a perda de corrente por fuga. Essa perda segue a fórmula da área lateral de um cilindro, dada por

AL= 2 . π . r. L, onde r é o raio do axônio e L é o seu comprimento.

Que fique, claro, assim, que a perda por corrente de fuga varia com r, isto é, com o raio elevado à potência 1. Para este caso, podemos concluir que, quanto maior o raio, maior será a perda por fuga.

A segunda perda é afetada pela área da seção transversal do axônio, que segue a fórmula AT= π . r2 . Fica claro, dessa forma, que a perda por choque é função de r2, e que, quanto maior o raio, menores serão as perdas por choque. Concluindo, podemos ver que, quando se aumenta o raio, concomitantemente aumentam as perdas por fuga e diminuem as perdas por choque. Observemos que a diminuição das perdas leva vantagem sobre as perdas, pois ela varia com r2. O resultado prático, quando se aumenta o calibre, é que as correntes passivas ficam mais tempo na célula e, com isso, podem despolarizar vizinhos mais distantes, queimando alguns dos ciclos "eventos ativos/eventos passivos" que constituem a propagação do PA e, por conseguinte, aumentando a velocidade de propagação. Outra forma, mais elegante, de explicar essa alteração, é mediante a análise da alteração da Constante de Distância ou Espacial, o Lambda. De fato, um axônio com maior diâmetro tem um Lambda maior. Esse parâmetro aumentado garante que o PL ande mais tempo antes de morrer, isto é, o PL terá energia para despolarizar vizinhos mais distantes, o que produz o ganho em Velocidade de Propagação.

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Em suma, o aumento do calibre aumenta a velocidade de propagação. Notar, entretanto, que, em células amielínicas, esse aumento é pequeno, pois há um embate entre os dois tipos de perdas. Outro ponto importante a registrar é que esse tipo de aumento de velocidade tem o preço do aumento do volume da célula, pois o ganho passa pelo aumento do seu diâmetro. Propagação do PA em fibra mielínica

As Figuras 3 e 4 mostram que a propagação em fibras mielinizadas é um caso particular do caso genérico da fibra sem mielina, como detalharemos a seguir. Louis-Antoine Ranvier (1835-1922) foi um médico, patologista, anatomista e histologista francês que, entre outros achados, identificou os Nodos, ou Nódulos, de Ranvier, que são regiões do axônio da célula nervosa em que a camada de mielina inexiste. Nessas condições, apenas nos nodos a célula precisa manter operantes todas aquelas estruturas, como canais iônicos D-V e bombas de transporte ativo que em axônios sem mielina estão presentes ao longo de toda a estrutura. Regularmente espaçados, os nodos concentram, por isso, todas as atividades de sinalização. Em outras palavras, somente nos nodos é que o PA vai poder ocorrer.

Nessas novas condições, os nodos funcionam como os "trechos vizinhos" do axônio amielínico, ou seja, agora os vizinhos são mais distantes, separados pelas distâncias inter-nodais. Bem, se o vizinho a ser despolarizado está mais distante, duas são as consequências imediatas. A primeira, é que o PL terá que viajar por um trecho maior, sofrendo maiores perdas e, por isso, enfrentando o risco de chegar ao vizinho com amplitude sublimiar e não poder gerar um PA. Em condições fisiológicas normais isso evidentemente não acontece, mas devemos ficar atentos para o fato de que certas alterações patológicas, como a Esclerose Múltipla ou a Adrenoleucodistrofia, podem alterar essas distâncias ou a espessura da bainha de mielina, perturbando a propagação do PA.

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A segunda consequência é que, se as distâncias inter-nodais forem adequadas à atuação despolarizante do PL, PAs serão gerados apenas nos nodos, queimando-se vários ciclos "fase passiva-fase ativa" constituintes da propagação do PA, como já estudados nas fibras amielínicas. Eliminar etapas significa ganhar tempo, ou aumentar a Velocidade de Propagação. A mielina, portanto, permite o ganho em velocidade de propagação sem o aumento do diâmetro. Quanto maior a espessura da mielina, maior o seu poder isolante, maior a conservação de energia dentro da célula, maior a distância que a corrente pode percorrer e, portanto, maior será o ganho em velocidade de propagação. Devemos notar, por outro lado, que a mielina atua reduzindo a corrente de vazamento, mas não age sobre as perdas internas devidas a choques físicos. Isto só aconteceria se a mielina alterasse o diâmetro interno do axônio. Com efeito, a mielina altera apenas o diâmetro externo.

Dependendo das Propriedades Passivas da Membrana Celular, a velocidade de propagação em células nervosas pode variar de 0,2 a 120 m/s. Os valores maiores certamente poderão ser registrados em células muito calibrosas e muito mielinizadas.

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Figura 3 - Propagação do PA em fibra com mielina – início.

A Figura 3 mostra o primeiro PA do axônio sendo gerado no segmento 1, ou na ZID. Esta pode ser associada, para fins de estudo, ao primeiro Nodo de Ranvier do conjunto. Usando o mesmo raciocínio empregado no estudo do axônio sem mielina, as cargas geradas pelo PA 1 irão se propagar e despolarizar o vizinho próximo, no segmento 2, que agora é o Nodo de Ranvier 2. Basta que o potencial da membrana do Nodo 2 se despolarize até o PLE, para que um novo PA seja gerado no Nodo 2, como mostra a Figura 4.

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Figura 4 - Propagação do PA em fibra com mielina – continuação.

O PA 2 irá carregar positivamente a região interna da

célula em nível do Nodo de Ranvier 2, reiniciando o ciclo Fase Ativa-Fase Passiva. Neste estudo, no primeiro ciclo, a Fase Ativa 1 corresponde ao PA 1 e a Fase Passiva 1 corresponde ao deslocamento da corrente local até o Nodo 2 e à despolarização do potencial no Nodo 2. O novo ciclo começa com a geração do PA 2. Com a repetição desses processos, um último PA será gerado na terminação sináptica, no final do axônio.

Se resolvermos filmar a propagação do PA num axônio sem mielina, veremos o PA sendo gerado na ZID e, a partir daí, correndo para a terminação sináptica. Se fizermos o mesmo filme em um axônio com mielina, veremos o PA surgindo na ZID, saltando para o primeiro Nodo de Ranvier, sendo regenerado nesse local, e dando um salto para o próximo Nodo. Essa Condução Saltatória é apenas consequência, e não causa da propagação em axônios mielinizados. Ela acontece porque as distâncias entre os vizinhos são maiores, o que evidencia e torna mais

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perceptíveis as diferenças nas velocidades em que ocorrem os processos ativos e passivos.

Para finalizar este assunto, podemos observar que o aumento da velocidade nada tem a ver com as alterações na fase ativa do processo, mas sim com alterações na fase passiva. Explicando melhor, é muito difícil alterar a fase ativa, representada pelo PA, que tem duração e amplitude constantes em condições fisiológicas. É mais fácil, na biologia, encontrarmos diferenças no diâmetro do axônio ou na espessura da mielina. Estas propriedades estão, por sua vez, diretamente ligadas à fase passiva do ciclo.

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V. Transmissão Sináptica Começaremos por uma revisão rápida dos dois

grandes tipos de sinapses, a química e a elétrica. A Figura 1 mostra os dois esquemas.

 

Figura 1 - Esquema exibindo detalhes de sinapses Químicas e Elétricas.

As sinapses elétricas, nos neurônios, também são

conhecidas pelos nomes de junções gap, junções comunicantes, junções em hiato ou discos intercalares, dependendo da situação em que aparecem.

Começando pelas diferenças estruturais, observemos que na sinapse elétrica não há uma fenda sináptica. Com efeito, um canal iônico faz a ligação entre as duas células. Com isso, não há interrupção de continuidade entre as células pré e pós-sináptica. A consequência imediata desse arranjo, é que deixa de haver a necessidade de uma sinalização química intermediária. Relembremos que em termos de sinalização a ponte química vinha suprir uma deficiência natural dos sinais

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elétricos que morrem nas fendas. Agora, isso não acontece, pois o sinal elétrico passa de uma célula a outra pelo canal conhecido como junção tipo gap.

Outra consequência imediata produzida pelas junções tipo gap pode ser percebida na velocidade de transmissão. Notemos que na sinapse química podem ser detectadas três etapas que podemos resumir por (a) etapa de transdução elétrico-química, que acontece no terminal pré-sinaptico, (b) etapa de difusão passiva do mediador na fenda e (c) etapa de transdução químico-elétrica, que acontece na membrana da célula pós-sináptica. Essas etapas consomem tempo e, portanto, fazem com que a transmissão química seja mais lenta que a elétrica. A transmissão elétrica é tão rápida, que o tempo de transmissão é considerado inexistente, isto é, igual a zero segundo. O que surpreende, no quesito velocidade de transmissão, é que, apesar das três etapas consumirem tempo, muitas sinapses químicas apresentam tempos de transmissão tão pequenos quanto 0,3 ms. De qualquer forma, podemos concluir que as sinapses elétricas são marcadas pela grande rapidez na transmissão. E, por isso mesmo, elas serão empregadas em situações em que a rapidez será explorada para obter o sincronismo de eventos. Por exemplo, as células musculares dos ventrículos cardíacos precisam funcionar de forma síncrona se quiserem desenvolver grandes pressões na sístole cardíaca. Entretanto, a excitação elétrica do endocárdio realizada pelo sistema Purkinje não atinge todas as células da região. São as junções tipo gap (discos intercalares) que interligam as células cardíacas que garantem que todas as células da região, mesmo as que não recebem estimulação elétrica direta, sejam despolarizadas ao mesmo tempo, operando como um sincício funcional.

Para prosseguir com este estudo, poderíamos fazer a seguinte pergunta: depois da discussão sobre a rapidez das sinapses elétricas, que aplicações sobrariam para as químicas? Pois bem, podemos começar respondendo que nem só de rapidez vivem os sistemas neurais. As sinapses

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químicas são mais lentas por um lado, mas são mais complexas por outro, fato que permite um muito maior refinamento da informação. Isso explica porque, com o maior número de etapas, as sinapses químicas oferecem mais níveis de intervenções externas, o que, por sua vez, significa maiores possibilidades de variar a excitação ou a inibição de um determinado circuito. A esta regulação podemos chamar de modulação do sinal. Para ilustrar, podemos citar a sinapse como um dos locais interessantes para praticar tal intervenção, pois esse meio, porque é extracelular, pode ser facilmente acessado por drogas veiculadas pela circulação sanguínea.

Para encerrar esta introdução sobre sinapses, um último detalhe interessante: a Figura 1 mostra que as células pré e pós-sinápticas participantes da sinapse elétrica possuem aproximadamente o mesmo tamanho. Já nas químicas, a célula pós-sináptica é visivelmente maior. A intenção do esquema é destacar um ponto interessante que diferencia os dois tipos de sinapses. Já estamos habituados com a ideia de que a propagação do PA numa célula depende da energia do PL responsável pela fase passiva. Quando estudamos esse assunto, vimos que o PL não pode tentar despolarizar vizinhos muito distantes sob o risco de não ter energia para despolarizar o tal vizinho. Adaptando esses conhecimentos ao estudo atual, temos que admitir que a junção gap acaba criando uma aumento na distância que deve ser percorrida pelo último PL da célula pré-sináptica até chegar ao “próximo vizinho” na célula pós-sináptica. Surge, dessa maneira, o risco de o PL não conseguir despolarizar a célula pós. Para evitar essa situação, o arranjo compensatório adotado é o seguinte: ao se adotar tamanho igual para as células do sistema, garante-se que, independentemente da direção da despolarização, a corrente passiva na célula pós, ao encontrar dimensões limitadas, encontra maiores resistências internas. Pela Lei de Ohm, a equação V= I x R na célula pós terá uma I menor que o normal, causada pela maior distância, mas uma R maior que o normal,

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causada pela limitação nas dimensões da célula pós-sináptica. O PL pós-sináptico resultante desse produto será, portanto, muito próximo do normal e com isso, terá energia suficiente para prosseguir com a sua função na célula pós-sináptica.

A Figura 2 mostra o resumo de um comparativo das características mais importantes dessas duas sinapses.

Tipo de

sinapse

Distância

entre células

Continuidade Componentes Transmissor

Tempo da

transmissão Direção

elétrica 3,5 nm sim junção tipo gap

corrente iônica

praticamente

inexistente bidirecional

química 20-40 nm não

vesículas e zonas ativas;

receptores pós-sinápticos

transmissor químico

valor típico: 1-5 ms

(pode ser maior)

menor valor: 0,3 ms

preferencialmente

unidirecional

Figura 2 - Comparando características de sinapses químicas e elétricas.

Adaptado de Kandel in: Princípios de Neurociências(2000).

A tabela da Figura 2 mostra que, quanto à direção da transmissão, as elétricas podem caminhar nas duas direções. Esta característica é mais uma a reforçar a sua utilidade em situações em se requer sincronismo num conjunto de células, independente da origem do estímulo inicial, isto é, independentemente se a estimulação original chega ao conjunto pela célula da esquerda do esquema (neste caso, esta será a pré-sináptica) ou pela célula da direita (neste caso, esta será a pré-sináptica). Em geral, isso não acontece numa sinapse química típica, que situa os componentes responsáveis pela transdução elétrico-química, como as vesículas contendo o neuromediador, no lado pré e situa os componentes responsáveis pela transdução químico-elétrica, como os canais dependentes

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do ligante, no lado pós-sináptico. Se os exemplos de sinapse químicas se restringissem a esse modelo típico, teríamos que concluir que, no que tange a direção da transmissão, as químicas seriam unidirecionais. Entretanto, hoje sabemos da existência de mediadores gasosos, como o NO (óxido nítrico) ou CO (monóxido de carbono). Estes atravessam facilmente a membrana celular e, por isso, não necessitam das estruturas nem dos mecanismos obrigatórios das sinapses químicas tradicionais, como os componentes pré e pós-sinápticos da transmissão. O resultado é que esses gases podem caminhar para as duas direções. Por isso, mas também porque formam uma parcela minoritária do universo de mediadores químicos, é adequado afirmar que as sinapses químicas são preferencialmente unidirecionais.

 

Figura 3 - Organização geral das sinapses elétricas. Imagem: BEAR, M.F., CONNORS, B.W. & PARADISO, M.A. Neurociências –

Desvendando o Sistema Nervoso. Porto Alegre 2ª ed, Artmed Editora, 2002.

A Figura 3 mostra em detalhes que as junções gap, também conhecidas por conexons, são formadas por seis

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subunidades chamadas conexinas. Esses canais pertencem à classe dos canais dependentes de voltagem, pois se abrem quando recebem um comando elétrico.

As sinapses elétricas, apesar de importantes, são pouco frequentes em mamíferos. Nesta classe de animais, as junções tipo gap se localizam no coração, fígado e em músculo liso unitário (trato gastrointestinal, vias biliares, ureteres, útero e vasos sanguíneos).

As sinapses químicas são mais numerosas. Por isso, elas receberão nossa atenção a partir deste ponto. As sinapses químicas se dividem em ionotrópicas e metabotrópicas. Sinapses Ionotrópicas (ou de Ação Direta)

A Figura 4 mostra detalhes da sinapse química inotrópica. A organização geral segue a dos canais iônicos: uma grande molécula proteica constituída de subunidades que, por sua vez, são formadas por cadeias de aminoácidos que costuram a membrana em alfa-hélices. A Figura 4, que toma como exemplo o canal iônico dependente de acetilcolina, se restringe ao detalhamento em nível de subunidades.

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Figura 4 - O receptor-canal nicotínico como exemplo de uma sinapse ionotrópica.

Podemos notar que o canal é composto de seis

subunidades, sendo duas alfa. Sabendo-se que as subunidades alfa contém o sítio receptor para a ligação da acetilcolina (ACh), então fica fácil deduzir que serão necessárias duas moléculas de ACh para abrir o canal. Devemos notar, também, que o canal, quando aberto, deixa passar simultaneamente os íons Na+ e K+. Em situação normal, essa difusão dupla poderia levar a um isopotencial, pois a entrada de Na+ despolariza, enquanto a saída de K+ hiperpolariza a membrana. Entretanto, o Na+ entra em maior quantidade e despolariza a membrana, produzindo um PEPS - Potencial Excitatório Pós-Sináptico. Este nome se justifica pelo fato desses tipos de canais estarem, em geral, localizados em regiões pós-sinápticas. À parte essa particularidade, não se deve perder de vista que esses canais geram sempre potenciais passivos ou locais.

Devemos anotar, ainda, que as estruturas do canal que executam a “função receptor” e as estruturas que

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realizam a “função canal” fazem parte da mesma molécula proteica. Por isso, esses canais recebem a classificação de ionotrópicos ou de ação direta. Em razão dessa constituição, os tempos que vão do instante da ligação do ligante ao receptor ao instante da abertura do canal são pequenos, podendo chegar a 0,3 ms. O canal colinérgico da Figura 4 faz parte desse grupo de canais rápidos. Outra característica interessante dos canais dependentes do ligante é a especificidade e a seletividade dos sítios receptores. Em outros termos, seus sítios receptores, geralmente, aceitam receber apenas uma determinada substância, num sistema que imita o esquema chave-fechadura. O canal colinérgico deste exemplo apresenta uma exceção a essa regra, pois também aceita a nicotina, um alcaloide que forma o princípio ativo do tabaco. Por esse motivo, esses canais colinérgicos inotrópicos, que podem receber o nome completo de canais iônicos colinérgicos Na-K, também podem ser chamados simplesmente de canais nicotínicos.

Há vários tipos de canais nicotínicos colinérgicos no sistema nervoso. Agindo em certos canais nicotínicos, esse alcaloide pode funcionar como estimulante, liberando adrenalina quando em pequenas concentrações. Em grandes quantidades, pode inibir os canais nicotínicos e ter um resultado tóxico, como o que se verifica nas ações de inseticidas.

No caso que acabamos de ver, o canal nicotínico gera PEPS. Muitos podem ser levados a crer que o fator que decide a geração de PEPS é o ligante, no caso a ACh. O exemplo que veremos a seguir nos permitirá demonstrar que isso não é verdade. Sinapses metabotrópicas (ou de Ação Indireta)

Essas sinapses são constituídas por receptor-canal cujo sítio receptor encontra-se separado do sítio canal, como mostra a Figura 5.

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Figura 5 - O receptor muscarínico como exemplo de uma sinapse metabotrópica.

A Figura 5 mostra claramente que a

função receptor faz parte de uma estrutura diferente daquela que abriga a função canal. Por esse motivo, esses receptores-canais pertencem à classe das sinapses metabotróbicas ou de ação indireta. A ativação do canal deve passar por uma sequência intra-celular de eventos em segundo-mensageiro. Esses passos obrigatórios que se interpõem entre a chegada do ligante e a abertura do canal acarretam um tempo de ativação maior que os tempos típicos anotados em canais de ação direta.

Assim como verificado nos canais nicotínicos, o sítio receptor desse sistema pode ligar, além da ACh, outra substância, a muscarina, que é um fármaco presente no cogumelo Amanita muscaria. Essa característica dá origem ao segundo nome possível desse tipo de receptor-canal. Chamado oficialmente de receptor-canal colinérgico de K+, ele também pode ser chamado de receptor muscarínico. Ao abrir um canal de K+, esse sistema gera um PIPS - Potencial Inibitório Pós-Sináptico.

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Neste momento, já temos dados para observar que o mesmo ligante, a ACh, nos canais nicotínicos gera PEPS enquanto nos canais muscarínicos gera PIPS. Este exemplo é muito adequado para demonstrar que não é o ligante quem decide sobre o tipo de ação pós-sináptica, se excitatória ou inibitória. Em última instância, quem decide isso é o canal. Independentemente do ligante, portanto, se um certo canal deixa passar Na+ ou Ca++, teremos um PEPS; se deixa passar Cl- ou K+, teremos um PIPS.

Os canais muscarínicos são encontrados, por exemplo, em circuitos neurais do Sistema Nervoso Central e nas células do Nodo Sinusal do coração (células marca-passo). Nestas últimas, quando o sistema nervoso que inerva essas células liberam ACh, o canal pós-sináptico deixa sair K+, gerando um PIPS que irá hiperpolarizar a membrana local, aumentar a distância PRM-PLE e, consequentemente, reduzir a frequência dos batimentos cardíacos.

Neste ponto, podemos dizer que estamos de posse dos conceitos básicos para estudar uma transmissão sináptica completa. Para tanto, podemos usar o modelo de uma sinapse neuro-nervosa ou de uma sinapse neuro-muscular. Decidimos explorar a segunda, para discutir alguns eventos interessantes que só esse sistema possui. De qualquer forma, os dois sistemas são muito parecidos, pois os mecanismos gerais são os mesmos. Nas raras oportunidades em que eles apresentarem diferenças, estas serão destacadas. A Junção Neuro-Muscular

Esta sinapse, representada na Figura 6, permite o estudo de todos os passos da transmissão sináptica.

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Figura 6 - Junção Nervo-Músculo Esquelético. Legenda: (1)PA;(2) Canais V-D de Ca++;(3)Vesículas de

ACh;(4)Zonas Ativas;(5)Canais Nicotínicos;(6 e7)Canais D-V de Na+ e K+.

A melhor forma de estudar este assunto é dividindo a

tarefa em duas etapas. Em primeiro lugar, descreveremos os elementos e estruturas que compõem a sinapse; depois, descreveremos o funcionamento do conjunto.

Fazendo a descrição das estruturas presentes no lado nervoso, pré-sináptico, temos: - o botão terminal apresenta, nas suas membranas, mais lateralmente, os canais de Ca++ D-V. - o botão terminal apresenta, no seu interior, as vesículas contendo o mediador. Neste caso, o mediador é a ACh. Essas vesículas possuem uma cinética próxima do zero quando no repouso. A explicação para esse fato é polêmica. Muitos autores dizem que, no repouso, as vesículas estão presas numa espécie de teia de actina. Parece que a eficiência dessa teia é grande e, apenas ocasionalmente, uma ou outra vesícula escapa e fica livre para se mover no interior do botão.

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- na membrana do botão, numa posição frontal à célula pós-sináptica, localizam-se as Zonas Ativas. Estas estruturas demarcam a região específica da membrana do botão onde pode ocorrer a exocitose. Noutros termos, apenas nessas regiões pode ocorrer a fusão da membrana da vesícula com a membrana do botão, de forma a se criar um canal de saída do neuromediador para a fenda. Os detalhes dessa fusão ainda geram polêmica no meio especializado. Parece que ela ocorre segundo um dos dois seguintes mecanismos: (1) a fusão simples da membrana da vesícula com a membrana do botão terminal, em nível de Zona Ativa, o que produz o surgimento de um canal para a saída do mediador; (2) a fusão de proteinas-canais que existem tanto na membrana da vesícula quanto na membrana do botão em nível de Zona Ativa. Este último modelo é chamado de Fusão de Proteínas de Membrana, o primeiro é conhecido por Kiss and Run.

No lado muscular, pós-sináptico, temos os seguintes elementos: - a membrana muscular, conhecida por sarcolema. - a Placa Motora, que é uma região especializada da membrana muscular preparada para receber a terminação nervosa. Esta região se caracteriza por acidentes anatômicos que formam uma espécie de dobras na membrana, de onde se origina o nome Pregas Juncionais. Na figura se pode notar que essas dobras produzem um conjunto de “picos” e “vales”. Nas sinapses neuro-nervosas não existem as pregas, mas a membrana da célula pós também apresenta regiões especializadas contendo as estruturas necessárias para realizar a sinapse com a célula pré. Tais regiões especializadas, no nervo pós-sináptico, podem estar localizadas nos dendritos ou no corpo celular. - na fenda sináptica, bem próxima à Membrana Basal ou Basilar que recobre o sarcolema, pode ser notada a presença de um grande concentração de Acetilcolinesterase ou, mais simplesmente, Colinesterase. Esta substância tem a capacidade de inibir a ACh, pela sua hidrólise, quebrando-a em Colina e Ácido Acético.

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- frontalmente às Zonas Ativas, nos “picos” formados pelas Pregas Juncionais, situam-se os canais nicotínicos. Na presença de ACh, estes canais produzirão PEPS, como visto anteriormente. Esse PEPS recebe um nome particular quando acontece nesse local, e será conhecido por Potencial de Placa Motora. - nos “vales” da Placa Motora localizam-se os canais D-V de Na+ e de K+, que produzirão os PAs musculares. Neste momento já temos as condições para descrever a sequência completa dos eventos que compõem a sinapse neuro-muscular.

O PA chega às membranas dos botões terminais da célula nervosa e abre os canais D-V de Ca++. A entrada de Ca++ no botão pré-sináptico pode ser considerado como a marca que dá início à transmissão sináptica. O íon Ca++ tem duas funções no interior do botão, aumenta a cinética das vesículas e auxilia na fusão destas às membranas do botão, em nível de Zonas Ativas. Segundo alguns autores, o aumento da cinética ocorre porque o Ca++ desorganiza a rede de actina que retinha as vesículas. Ao se verem livres, as vesículas podem se mover e um dos resultados desse movimento aleatório é a sua aproximação das Zonas Ativas. A fusão da membrana da vesícula à membrana do botão é estimulada pelo Ca++. Como resultado da fusão ocorre a exocitose, isto é, a liberação de ACh na fenda.

Na fenda, a ACh se difunde passivamente para todos os lados, inclusive em direção da Placa Motora. Neste local, a ACh abre os canais nicotínicos, gerando o Potencial de Placa Motora-PPM. Este último é um potencial que pertence à categoria dos PLs, mas possui uma característica diferente dos outros: sua amplitude não pode ser considerada pequena, já que ele mede cerca de 60 mV. Lembremo-nos que um PL típico mede abaixo de 20 mV. Nesses termos, o correto é dizer que o PPM é um potencial de amplitude mediana. No entanto, apesar de o PPM ter uma amplitude apreciável, ele continua pertencendo à classe dos PLs, passivos, que morrem muito rapidamente.

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Ocorre, então, o esperado: os PPMs excitam, ainda na Placa Motora, os canais D-V de Na+ e K+ para gerar PAs. Depois de gerado, o PA pode abandonar facilmente a Placa Motora e correr por longas distâncias pelo sarcolema até encontrar os Túbulos T ou Transversos. Mergulhando nos Túbulos T, o sinal elétrico pode atingir o interior da célula muscular - onde se localiza o sistema contrátil - para produzir a contração muscular e, com isso, fechar o circuito.

Uma primeira pergunta deve ser feita imediatamente: se a entrada de Ca++ é a marca do início da transmissão sináptica, qual evento marca o seu fim?

Essa pergunta é importante, pois ele dá ao estudante de fisiologia uma pista importante e útil para estudar este assunto e todos os que virão. Ela sugere que o estudante fique sempre atento ao início e ao final dos grandes processos, como uma maneira de organizar seus estudos. Voltando à pergunta acima, podemos responder dizendo que o fim da transmissão sináptica é marcado pela inativação do transmissor. Na junção neuro-muscular, isso acontece com a ação da Colinesterase. Resumindo, quando a ACh cai na fenda, ela começa a ser atacada pela Colinesterase. Parte dela é inibida, parte passa pelo ataque e consegue chegar aos canais nicotínicos e parte se difunde para fora da fenda. Evidentemente, a porção que chega à região pós-sináptica deve ser proporcional à porção liberada pelo botão pré.

Neste ponto, devemos fazer uma ressalva importante. Se nas sinapses neuro-nervosas o início da transmissão é idêntico ao da sinapse neuro-muscular, o final é diferente, pois a inibição do mediador se faz pela sua reabsorção pelo botão pré-sináptico.

Curiosidades sobre a Junção Neuro-Muscular

Para encerrar este capítulo, convidamos os leitores a pesquisar dois assuntos.

O primeiro assunto diz respeito ao PPM - Potencial de Placa Motora. Este potencial, como já havíamos

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comentado, possui uma propriedade peculiar. O fato de ele ter uma amplitude de cerca de 60 mV faz com que ele seja classificado num grupo especial, o dos PLs com amplitude média, em contraste com a maioria dos PLs, que possui amplitude pequena. Essa propriedade acabou criando uma série de mal-entendidos entre os neurofisiologistas. Um desses mal-entendidos só foi desfeito em torno de 1950. A celeuma apareceu porque PLs geradores normais, antes de produzirem o PA propriamente dito, despolarizam a membrana até o PLE. O resultado típico, em células nervosas, é o surgimento de uma quase imperceptível `barriguinha´ que aparece bem no início da curva do PA nervoso. Essa barriga é resultado da união das fases de despolarização de duas curvas, a passiva (PL) e a ativa (PA), e se explica porque as inclinações dessas duas fases são diferentes.

Pois bem, tal detalhe sugeriu, corretamente, aos estudiosos pioneiros da eletrofisiologia, que por baixo do PA havia um potencial graduado. O mesmo detalhe da barriga, porém, não aparece na curva do PA muscular porque, pelo fato do PPM ser grande, sua fase de despolarização se assemelha à do PA, de forma que quando as duas fases se fundem, não aparece a barriga. Diante dessas evidências, e levados pelo mesmo raciocínio empregado no estudo do PA nervoso, os estudiosos foram levados a afirmar, equivocadamente, que não havia potencial passivo por debaixo do PA muscular. Em outras palavras, isso correspondia a afirmar que não havia PPM! Pedimos aos leitores que pesquisem como o engano foi desfeito, em data próxima a 1950, anotando o papel de duas substâncias nessa história, o curare e a µ-conotoxina (CTX).

O segundo assunto a pesquisar é sobre uma enfermidade chamada Ptose, que faz parte do grupo maior da miastenia grave. Esse mal é um bom exemplo de disfunção na junção neuro-muscular, servindo, por isso, para checarmos a teoria. Pedimos que sejam discutidos os

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mecanismos de ação das drogas usadas para reduzir seus sintomas.

VI. Integração Neural

Como já vimos anteriormente, certas células nervosas podem receber algumas poucas entradas simultaneamente, enquanto outras podem receber mais de cem mil aferências. Qualquer que seja o número, nosso interesse agora se volta para a seguinte questão: como essa célula, alvo dessas sinapses, trata essas informações de entrada? Pois bem, o tema Integração Neural, que estudaremos a partir deste momento, trata de todos os eventos que influenciam o processamento de informações na célula-alvo.

A célula-alvo recebe informações permanentemente. São PPS - Potenciais Pós-Sinápticos - que podem assumir as características de PEPS ou de PIPS. Na ZID da célula-alvo, todas essas entradas são processadas para produzir uma única resposta, que seguirá adiante para encontrar e tentar influenciar a resposta de outra célula na pós-sinapse.

São vários os fatores que influenciam o cálculo dessa resposta única. Neste texto, adotamos o caminho de estudar tais fatores separadamente. Entretanto, deve ficar muito claro ao leitor que esses fatores podem atuar todos ao mesmo tempo.

Os fatores foram separados nos assuntos seguintes: Somação Temporal, Somação Espacial, Integração Neural Propriamente Dita, Topografia Sináptica, Inibição Direta e Inibição por Retroalimentação, Coativação e Cotransmissão, e Neuromediadores.

Somação Temporal

Para que seja possível estudar o assunto Somação Temporal, teremos que conceituar um novo parâmetro

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conhecido como Constante Temporal da célula e que é designada pela letra grega σ (Tau). Lembrando: quando um PL é gerado artificialmente numa célula nervosa, com o auxílio de um gerador de corrente, a forma da onda do PL e a distância que o PL caminha até morrer dependem das Propriedades Passivas da célula. Esse conceito, sobre as propriedades passivas serve para resumir as características da célula que influenciam o PL, como o diâmetro do axônio ou a espessura da bainha de mielina. Com base nesses dados, podemos afirmar que um mesmo estímulo externo produzirá PLs distintos em células com diferentes propriedades passivas.

Para dar uma ideia mais aproximada da forma da onda do potencial que chamamos de PL, a Figura 1 mostra o seu esquema.

 

Figura 1 - Forma de uma onda que representa um PL típico e o cálculo do Tau.

De uma observação mais cuidadosa da figura podemos

concluir que essa onda é formada por uma exponencial crescente seguida de uma exponencial decrescente. Não nos aprofundaremos demasiadamente nos detalhes que formam essa onda. Diremos, apenas, que essa onda é o resultado que corresponde à carga e à descarga de um

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circuito equivalente RC, onde R é a resistência elétrica e C é a capacitância. No caso do axônio, quando este é associado a um cilindro, R corresponde à resistência apresentada pelos canais de vazamentos que estão distribuídos pela área lateral do cilindro, área esta que corresponde à membrana do axônio (AL= 2.π .r.l). Fica fácil de concluir, com a ajuda da geometria, que essa resistência chamada de Resistência de Membrana (Rm) é função do valor do raio elevado à primeira potência. Por outro lado, quando temos esse cilindro recoberto por uma camada de mielina, fica fácil deduzir que esse novo conjunto estrutural funciona como um capacitor. Para visualizar isso mais facilmente, observe que, se a membrana for observada em corte transversal, teremos um arranjo em “sanduiche”, formado por uma placa condutora carregada de cargas negativas (a parte interna da membrana), um dielétrico no meio (a bicamada lipídica somada à mielina) e uma placa condutora carregada de cargas positivas (a parte externa da membrana). Assim, cada célula terá a sua própria combinação de Rm e Cm, pois cada célula tem uma determinada e única combinação de diâmetro do axônio e espessura da camada isolante. Nas células sem mielina, essa camada isolante se restringe à bicamada lipídica; nas células com mielina, essa camada é a resultante da soma da bicamada lipídica com a camada de mielina.

Agora, é possível concluir que uma alteração na espessura da mielina altera o valor desse capacitor, que é conhecido por Capacitor de Membrana (Cm). Concluindo, cada célula terá um circuito RC particular e, portanto, gerará uma onda PL com uma forma particular. Essas diferenças serão traduzidas por detalhes como uma subida mais rápida até o pico, e descida também mais rápida. Esses detalhes podem ser parametrizados e quantificados pela Constante Temporal. O Tau, como se pode notar na Figura 1, é uma medida desse tempo de subida, de forma que uma célula A pode produzir um PL com Tau de 20 ms, enquanto uma célula B pode produzir um PL cuja subida

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fornece um Tau de 100 ms. Neste exemplo, a célula A pode ser considerada mais excitável que a célula B, pois o seu PL chega mais rapidamente ao pico. Lembremos que é nesse caminho para o pico que o PL tem chances de encontrar o PLE. Com isso, podemos concluir que o PL da célula A chega ao PLE também mais cedo e, consequentemente, produz PAs mais precocemente. Enfim, uma célula que produz PAs mais facilmente deve ser considerada com mais excitável. A grande vantagem da parametrização pelo Tau é que, desta forma, essa medida de excitabilidade passa a ser objetiva e quantificável. Como resultado desses cálculos, os estudos de excitabilidade celular passaram a ter uma abordagem mais quantitativa, o que gerou avanços preciosos na área.

Pois bem, agora podemos retomar o assunto principal desta etapa de nossos estudos, começando pela afirmação de que estudar Somação Temporal é o mesmo que estudar a influência do Tau sobre a Integração Neural. Para estudar esse tema em detalhes, nos serviremos da montagem experimental que aparece na Figura 2.

 

Figura 2 - A montagem experimental para o estudo da Somação Temporal.

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O que nos mostra a montagem experimental? Mostra que um dendrito da minha célula-alvo recebe um sinal que chega pela terminação A de uma célula pré-sináptica. O sinal de entrada consiste numa série de estímulos repetidos que acontecem segundo uma certa frequência, gerando uma corrente e, consequentemente, um PEPS na célula-alvo. Esse potencial sináptico caminhará até a ZID da célula-alvo, na tentativa de gerar um PA.

O experimento consiste em verificar como o potencial resultante na ZID varia com as interações entre as propriedades passivas da célula e a frequência de estimulação. Para facilitar esse estudo, testaremos duas células nervosas, com propriedades passivas distintas.

A primeira célula a ser testada tem uma Constante Temporal σ (Tau) pequena, igual a 20 ms. A segunda célula tem σ igual a 100 ms, portanto 5 vezes maior que o da primeira.

Observemos que na célula com pequeno σ os seus PEPS nascem e morrem rapidamente, exatamente porque a célula trem σ pequeno. Se o PLE da célula-alvo estiver um pouco acima do pico desses PEPS, então não haverá PAs nessa célula, apesar da estimulação repetida.

Quando substituímos a primeira célula pela célula de σ grande, os PEPS acontecerão na mesma frequência, pois as características da estimulação foram mantidas. A diferença é que, porque o σ é grande, os PEPS nesta célula demoram mais a subir e a cair. Na realidade, demoram tanto que, antes de atingirem o PRM outro PEPS já foi gerado pelo estímulo repetido e se superpõe ao anterior. Os PEPS somados vão resultar num potencial maior que, agora sim, poderá alcançar o PLE e gerar um PA. Enfim, uma célula com Tau grande tem mais chances de gerar PAs.

Concluindo, quando acontece uma somação que depende de Tau, então se deve falar em Somação Temporal. Observemos que o aumento da frequência de estimulação também pode produzir somação temporal na célula com Tau pequeno. Para tanto, basta aumentar a

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frequência de estimulação até que os PEPS, que antes não se tocavam, agora se sobreponham uns aos outros, fazendo somação. Somação Espacial

A Figura 3 mostra a montagem para o estudo de Somação Espacial.

 

Figura 3 - A montagem experimental para o estudo da Somação Espacial.

Devemos começar observando que a montagem

experimental é diferente daquela usada na somação temporal. Agora há duas entradas, A e B, diferentes, mas localizadas à mesma distância da ZID. Esse dado permite deduzir que os PPS gerados por A e B chegarão ao mesmo tempo na ZID. Além disso, agora há apenas um estímulo único, isolado, que acontece simultaneamente em A e B. Assim como no experimento anterior, testaremos duas células-alvo. A primeira tem Lambda pequeno, igual a 0,33 mm, e a segunda tem Lambda grande, igual a 1 mm. Nos dois casos, os PEPS gerados por A e B correrão até a ZID perdendo energia, pois são passivos. O tamanho da

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perda será dependente do λ (Lambda), ou Constante Espacial, que já estudamos anteriormente. Maior o Lambda, menor a perda, e mais longe o PEPS irá morrer, a partir da sua origem. Em outras palavras, quanto maior for o Lambda da célula, maior será amplitude do PEPS que chega na ZID.

No experimento com a célula de Lambda pequeno, os PEPS de A e B irão chegar muito desgastados na ZID. Terão, assim, pequena amplitude e, nessas condições, mesmo somados dificilmente atingirão o PLE na ZID. O resultado é que dificilmente gerarão PAs.

No experimento com a célula de Lambda grande, de 1 mm, há maiores chances de que os PEPS gerados em A e B cheguem na ZID em condições tais que, depois de somados, resultem num potencial que alcance o PLE e gere um PA.

Concluindo, as somações que dependerem da Constante Espacial (Lambda) receberão o nome de Somação Espacial.

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Integração Neural Propriamente Dita

 

Figura 4 - Integração Neural propriamente dita.

Esta Integração Neural fala do que acontece na ZID de uma célula que possui várias aferências. Já vimos que certas células nervosas podem receber algumas poucas entradas (PEPS e/ou PIPS), enquanto outras células podem receber mais de 100 mil entradas simultâneas, também divididas em excitatórias e inibitórias. Em qualquer caso, todos esses potenciais tentam chegar à ZID. No próximo momento, a ZID vai realizar uma de suas tarefas, que é a de somar, instante a instante, todos os potenciais que aí chegaram. Essa soma objetiva produzir um resultado único. Em seguida, esse potencial resultante gera, ou não, um trem de PAs que vai se encaminhar para a terminação sináptica.

Neste momento, devemos reter dois pontos: (1) que a ZID integra informações continuamente e (2) que o resultado da operação pode ser um potencial excitatório ou inibitório, dependendo das características das aferências. Integração Neural Propriamente Dita é, portanto, esse tipo de "soma algébrica" que a ZID executa continuamente na

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busca de obter uma única resposta. Podemos pensar em soma algébrica se os PEPS representarem os sinais positivos e os PIPS os negativos. Topografia Sináptica

 

Figura 5 - Tipos de sinapses do SNC. A: axo-dendrítica; B: axo-somática; C: axo-axônica.

Figura localizada em: Cardoso, S. H. in: Comunicação entre as células nervosas, Cérebro e Mente - Fundamentos

(http://www.cerebromente.org.br/home.htm)

A Figura 5 mostra que três são os tipos de sinapses existentes no Sistema Nervoso Central: axo-dendríticas, axo-somáticas e axo-axônicas. O segundo nome se explica assim: no grego antigo, a palavra "soma" significa "corpo", e em nosso caso, corpo celular.

Iniciemos o assunto fornecendo a seguinte informação: aproximadamente 80% do total de sinapses geram PEPS. Usaremos esta informação mais adiante, quando discutiremos as influências de cada tipo de sinapse.

Outro dado a observar é o seguinte: dos três tipos de sinapses, a axo-axônica é a que ocorre depois da ZID, numa região povoada por PAs. As outras ocorrem nos dendritos ou no soma, que são regiões povoadas exclusivamente por PPS. Esse arranjo gera a seguinte

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discussão: lembrando que é mais fácil interferir em potenciais pequenos, como esses que acontecem antes da ZID, então as sinapses axo-dendríticas e axo-somáticas geram potenciais que tem maior probabilidade de alterar fortemente a resposta da célula-alvo. Por exemplo, imaginemos que a soma parcial dos PEPS em determinado instante seja igual a +12 mV na ZID. Com tal amplitude, esse potencial produzirá um trem composto de, digamos, 20 PAs. Se, numa situação hipotética, a esse potencial se contrapor um PIPS de -1 mV, a resultante, que agora será de +11 mV, só conseguiria gerar um trem de, digamos, 10 PAs. Este exemplo serve para demonstrar que um pequeno potencial inibitório, com -1 mV de amplitude, é capaz de causar uma importante alteração na resposta. Para enfatizar, prossigamos com outro exemplo numérico. Imaginemos que o PEPS resultante de +12 mV seja contraposto por um PIPS de -3 mV, causando uma resultante de -9 mV. Este novo resultado, ao cair abaixo do PLE de 10 mV, simplesmente não produzirá PAs. Em suma, um PIPS de -3 mV foi capaz de inibir totalmente a resposta da célula naquele instante. Esta reflexão pode ser ampliada pelo leitor, ao imaginar o que aconteceria noutra situação em que, ao valor de +12 mV, se juntem mais PEPS no lugar de PIPS.

Neste ponto, podemos concluir que PPSs antes da ZID podem afetar fortemente a resposta da célula. Por fortemente leia-se que as influências podem ser totalmente inibitórias ou excitatórias, de maneira que podem definir a criação ou não de PAs. Isso não se verifica no caso das sinapses axo-axônicas.

Lembremos, ainda, que sinapses em geral produzem PPS da ordem de nanoVolt, enquanto PAs têm 100 mV. E fácil concluir que a função dos PPS gerados por sinapses axo-axônicas não será a de criar ou eliminar PAs. Dado que estas sinapses ocorrem no axônio da célula-alvo, bem próximas do seu terminal sináptico, os PPS assim gerados atuarão sobre os canais de Ca++ D-V localizados nesse nível. Tais canais podem ser influenciados por pequenos

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potenciais, na medida em que PEPS axo-axônicos poderão estimular a abertura de mais canais de Ca++ D-V, além daqueles que já estão sendo abertos pelos PAs que chegam ao terminal. Da mesma forma, PIPS gerados por essas sinapses impedirão a abertura de uma parcela dos canais de Ca++, reduzindo o total de canais que seriam abertos se apenas os PAs atuassem. A essa inibição ou excitação moderada chamamos modulação. Concluímos afirmando que o papel das sinapses axo-axônicas é modulatório, enquanto que o papel das outras é excitatório ou inibitório. Por fim, podemos retomar o fato de 80% das aferências serem PEPS. Este tipo de potencial tem contra si a distância PRM-PLE, que devem vencer se quiserem produzir algum resultado. Com os PIPS não acontece o mesmo. Esse é o fato que nos faz aceitar, como razoável, essa diferença nas porcentagens de PIPS e PEPS. Inibição Direta e Inibição por Retroalimentação

 

Figura 6 - Inibição Direta e Inibição por Retro-alimentação.

A Inibição Direta (ou Inibição por Ântero-alimentação) já foi vista anteriormente, quando estudamos o Arco

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Reflexo Patelar. Naquele caso, vimos que a estimulação mecânica realizada na entrada do circuito pela percussão do tendão patelar produzia dois efeitos simultâneos: na saída da alça excitatória, gerava a excitação do músculo extensor e na saída da alça inibitória, fazia a inibição do músculo flexor. Em tal situação, primeiramente devemos notar que há uma única entrada, mas duas respostas. Essa situação pouco habitual existe graças a uma ligação que permite que uma alça alimente outra. Quando essa alimentação se propaga para eventos que acontecem mais à frente, como é o caso do exemplo A da Figura 6, então temos uma ântero-alimentação. Dependendo das características do circuito de ligação, o resultado obtido na alça que recebe a alimentação pode ser uma excitação ou uma inibição. No caso do exemplo A, o circuito de alimentação transforma a sua entrada excitatória numa saída inibitória, graças à ação de um interneurônio inibitório. Nessas condições, podemos afirmar que está acontecendo uma Ântero-alimentação Inibitória, ou Inibição por Ântero-alimentação ou Inibição por Alimentação Direta. O resultado global dessa alimentação é o seguinte: o músculo extensor pode se contrair de forma otimizada, posto que o seu antagonista está sendo inibido. No outro caso apresentado na Figura 6, o da Inibição por Retroalimentação, o interneurônio inibitório está transformando a saída excitatória do motoneurônio em inibição do próprio motoneurônio. Observemos os seguintes detalhes: - a resposta excitatória do motoneurônio excita duas células, o músculo e o interneurônio. - o interneurônio transforma a sua entrada excitatória em resposta inibitória; esta, por sua vez, vai gerar um PIPS no corpo celular do motoneurônio. - na ZID do motoneurônio, o PIPS gerado pelo interneurônio vai se contrapor ao PEPS gerado pelo neurônio aferente; o resultado é que o motoneurônio vai produzir uma resposta ainda excitatória, mas reduzida pela ação inibitória do interneurônio.

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- quanto maior o PEPS, maior será o PIPS gerado pelo interneurônio; a inibição será, portanto, proporcional à excitação.

A sequência de passos descrita acima nos permite chegar à seguinte conclusão: o circuito envolvendo o interneurônio nesta montagem particular funciona como um “freio” para o circuito excitatório, resultando numa espécie de proteção para a célula muscular, pois evita que ela receba estimulações maiores que um certo valor. Com isso, temos um exemplo de aplicação da Inibição por Retroalimentação. Cotransmissão e Coativação

 

Figura 7 - Cotransmissão e Coativação.

Outros fatores que influenciam a Integração Neural são a Cotransmissão e a Coativação. O esquema da Figura 7 mostra uma sinapse em dois momentos, um com uma estimulação de baixa e outro com estimulação de alta intensidade. A característica principal da célula-alvo do esquema é a presença de receptores-canais ionotrópicos conhecidos pelos nomes de NMDA e nNMDA (ou AMPA).

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Estes receptores são tidos como os grandes exemplos de células do SNC ativadas pelo mediador Glutamato e, frequentemente, convivem na mesma sinapse. Sugerimos que os leitores pesquisem sobre esses receptores, que estão assumindo importância crescente nas Neurociências, visto que estão associadas a algumas doenças como epilepsias e convulsões, esquizofrenia, encefalite de Rasmussen (convulsões sem cura e demência) e LTM (do inglês Long Term Memory), que se relaciona à consolidação da memória de longo prazo.

Na célula pré-sináptica, aferente, podemos observar as seguintes características: - os botões terminais possuem dois tipos de vesículas, de Glutamato e de Glicina. Sugerimos que os leitores pesquisem sobre as características desses dois neuromediadores. - o Glutamato é liberado quando é baixa a intensidade de PAs que chegam aos botões terminais da célula aferente. - a Glicina é liberada, juntamente com o Glutamato, quando aumenta a intensidade dos PAs que chegam ao botão terminal da célula aferente. Na célula-alvo da figura podemos destacar o seguinte: - a membrana da célula pós-sináptica possui dois tipos de receptores, chamados de nNMDA (ou AMPA) e NMDA. - os nNMDA são receptores dependentes do Glutamato e, quando abertos, deixam passar os íons Na+ e K+, produzindo PEPS. Em baixas intensidades de PA na aferência, o Glutamato é jogado na fenda e os nNMDA se abrem gerando um PEPS pequeno e muitas vezes não suficiente para gerar PAs na célula-alvo. - os receptores NMDA são dependentes de Glutamato, mas também da Glicina. Quando essas duas substâncias se ligam aos sítios receptores, os NMDA se abrem, deixam passar Na+, K+ e Ca++ e geram um PEPS. - quando a estimulação é mais intensa na aferente, esta libera Glutamato e Glicina. Isso permite que, além dos canais nNMDA abertos anteriormente em baixa estimulação, agora os NMDA também se abram. Os PEPS

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gerados pelos dois tipos de receptores agora se somam, aumentando a probabilidade da célula-alvo gerar PAs. Os detalhes fornecidos permitem identificar, na sinapse em foco, as seguintes situações: - em certo momento do processo podemos ter dois neuromediadores sendo transmitidos ao mesmo tempo pela célula pré-sináptica. Podemos, então, falar em Cotransmissão. - em outro momento do processo podemos também constatar que o Glutamato está ativando, ao mesmo tempo, dois tipos distintos de estruturas, os receptores nNMDA e os NMDA. Podemos falar, agora, em Coativação. Neuromediadores

Os neuromediadores formam um grande grupo de substâncias que podem ser subdivididas em Neurotransmissores e Neuromoduladores. Essa divisão é algo polêmica, pois os critérios de classificação não são unanimidade. Agora, independentemente dos critérios de classificação, devemos ter claro que existem algumas diferenças evidentes entre os mediadores, sobretudo quando se consideram seu modo de operação e sua função. Tentaremos esclarecer esses pontos a partir de agora.

Inicialmente, definimos neuromediadores como todas as substâncias que podem ser secretadas por um neurônio. Quando essa substância atua sobre outra célula excitável, seja nervo ou músculo, recebe o nome de neurotransmissor. Quando ela atua juntamente com o neurotransmissor, modulando-o, isto é, aumentando ou diminuindo suas funções, recebe o nome de neuromodulador. Neurotransmissores

Para ser considerada como um neurotransmissor, uma molécula deve atender aos seguintes critérios: - sua síntese deve acontecer no próprio neurônio.

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- deve se encontrar no botão pré-sináptico - vinda do soma ou sintetizada no terminal sináptico. - sua liberação na fenda sináptica causa modificações na célula pós-sináptica. - depois de liberada, a molécula é removida da fenda ou inibida na fenda, seja via recaptura pelo terminal pré-sináptico, seja via degradação. As duas classes de neurotransmissores são: - moléculas pequenas, estocadas em vesículas pequenas e liberadas por exocitose nas Zonas Ativas. Sua liberação está associada à ação dos canais D-V de Ca++. Exemplo: acetilcolina e dopamina. - moléculas grandes, constituídas de cadeias de aminoácidos. São estocadas em vesículas grandes e são liberadas por exocitose em regiões variadas da membrana pré-sináptica.

Os neurotransmissores podem ser divididos em aminoácidos, aminas e purinas.

Exemplos de aminoácidos: glutamato, aspartato, GABA e glicina. Exemplos de aminas: acetilcolina, dopamina, noradrenalina, adrenalina, histamina e serotonina. Exemplos de purinas: adenosina e trifosfato de adenosina (ATP). Neuromoduladores

O neuromodulador pode ser caracterizado como um neurotransmissor que não é inativado na fenda, isto é, não é reabsorvido pelo terminal pré-sináptico nem destruído por algum antagonista. Geralmente, o modulador passa um bom tempo na fenda, quando aproveita para modular a atividade das células que se encontram na pós-sinapse. Produzem efeitos mais prolongados, portanto. Apesar do conceito de neuromodulador ser novo, começa a haver uma aceitação de que esse mediador se caracteriza por permanecer um maior tempo no meio extracelular e por se espalhar por maiores distâncias de modo a influenciar múltiplos neurônios, alguns mais distantes. Esse conceito faz o contraste com o conceito do neurotransmissor, que

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tem como característica conectar uma célula pré-sináptica com sua parceira pós-sináptica, numa ação mais rápida. Por essa razão, a aí aparece um dos pontos polêmicos, alguns neurotransmissores são considerados também neuromoduladores. É o caso da serotonina e da acetilcolina.

Vários autores dividem os neuromoduladores em duas categorias, peptídeos e gases.Como exemplos de peptídeos, podemos citar as gastrinas, os hormônios da neurohipófese (vasopressina, ocitocina), as insulinas, os opióides (encefalinas, endorfinas), as secretinas (glucagon, secretinas), as somastotatinas e as taquicininas (substâncias P ou K). Certos autores chamam os peptídeos de neurohormônios, pois frequentemente essas substâncias são liberadas diretamente na circulação sanguínea.

Enfim, os grandes exemplos de neuromoduladores gasosos são o Óxido Nítrico e o Monóxido de Carbono.

VII. Referências Bibliográficas

1. Carlson, N.R. Fisiologia do Comportamento. Ed. Manole, 2002.

2. Kandel, E.R. e cols. Princípios da Neurociencia. Ed. Manole, 2003.

3. Lent, R. Cem bilhões de Neurônios? Ed. Atheneu, 2010.

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Sinalização em Células Excitáveis

 

Prof. Carlos Alberto Gonçalves CFS-IB/UnB

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(atualizado em agosto de 2013)