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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa DEFESA DA POSIÇÃO DE JOÃO RELAXADO – O PARTICULAR Simulação de Julgamento de Direito Administrativo II Regência do Senhor Professor Doutor Vasco Pereira da Silva Senhora Professora Auxiliar Ana Gouveia Martins 2º Ano, Turma B, Subturma 17 Autoria - Grupo I Ana Beatriz Farinha Francisca Gaudich Jéssica Chicote Jorge de Paiva Margarida Xavier Maio de 2020

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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

DEFESA DA POSIÇÃO DE JOÃO RELAXADO – O PARTICULAR

Simulação de Julgamento de Direito Administrativo II

Regência do Senhor Professor Doutor Vasco Pereira da Silva

Senhora Professora Auxiliar Ana Gouveia Martins

2º Ano, Turma B, Subturma 17

Autoria - Grupo I

Ana Beatriz Farinha

Francisca Gaudich

Jéssica Chicote

Jorge de Paiva

Margarida Xavier

Maio de 2020

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Índice Introdução ..................................................................................................................................... 1

Enquadramento da ação e dos factos ........................................................................................... 2

Enquadramento jurídico ............................................................................................................... 3

i. Preterição do Procedimento .................................................................................................. 5

ii. Pagamento da coima ............................................................................................................. 6

iii. Direito de Resistência ........................................................................................................... 7

iv. Relativamente à Detenção ................................................................................................... 9

v. Violação do Princípio da Imparcialidade ............................................................................... 9

vi. Conceitos Indeterminados.................................................................................................. 11

vii. Intimação ........................................................................................................................... 13

viii. Direito de deslocação e Direito ao trabalho ..................................................................... 15

ix. Violação do Princípio da Proporcionalidade ....................................................................... 16

x. Argumento relativo à Inconstitucionalidade do Decreto de Regulamentação do Estado de Emergência .............................................................................................................................. 17

xi. Execução do Ato Administrativo......................................................................................... 18

Arguição ...................................................................................................................................... 20

Conclusão .................................................................................................................................... 22

Bibliografia .................................................................................................................................. 25

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A presente intervenção surge no âmbito da Simulação de Julgamento sugerida pelo Senhor

Professor Vasco Pereira da Silva, referente à disciplina de Direito Administrativo II, lecionada

pelo mesmo. Pretende-se com a mesma defender a posição de João Relaxado, na sua ação contra

um agente da PSP, Manuel Precaução.

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Introdução

A pandemia provocada pela doença Covid-19 marca, de forma inexorável, a vida atual do mundo,

de que Portugal não foi exceção, tendo-se vindo a testemunhar um agravamento da situação de

saúde pública e disrupções significativas na vida quotidiana da população, a nível individual e

coletivo, bem como a nível económico.

Assim, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, a 11 de março de 2020, a situação de

pandemia, definindo-a como “a propagação mundial de uma nova doença, pressupondo uma

“abrangência geográfica muito maior e um universo mais amplo de pessoas afetadas”.

Tal situação, teve repercussões em Portugal. A dimensão do desafio que a sociedade portuguesa

enfrenta implica uma alteração substancial da normalidade social. A natureza e a urgência das

medidas exigidas, para enfrentar a questão de saúde pública, levaram à necessidade de essa

alteração ter igualmente expressão a nível constitucional e administrativo, tendo assim, o

Presidente da República declarado, a 18 de março de 2020, o estado de emergência em Portugal,

tendo em conta que a legalidade ordinária, comum, se tornou insuficiente para responder à

situação excecional, sendo substituída por uma legalidade de crise1.

Esta situação de crise pública levou a um esforço de adaptação por parte da população e por várias

entidades e poderes públicos em tentarem coadunar o esforço de não propagação da doença com

a restrição de vários direitos devido à declaração do estado de emergência em Portugal.

A decretação do estado de emergência, pelo Presidente da República, nos termos da alínea d) do

artigo 134.º da Constituição da República Portuguesa (de agora em diante CRP), carece de

audição prévia do Governo, cujo sentido não é vinculativo, de acordo com o artigo 138.º, n.º 1 e

alínea f) do n.º 1 do artigo 197.º da CRP, e de autorização da Assembleia da República, nos

termos, também, do artigo 138.º, n.º 1 e da alínea l) do artigo 161.º. O decreto presidencial integra

o conjunto de medidas “compressivas”2 de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que

podem temporariamente ser suspensos, e em que medida o podem ser, até a normalidade

constitucional ser reposta. A execução do estado de emergência caberá, depois, ao Governo, tal

1 Neste sentido, v. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Introdução ao Estado de Emergência, primeiro vídeo da iniciativa “5 minutos de Direito em Estado de Emergência”, do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, do Centro de Investigação de Direito Público, publicado em abril de 2020, a 1 minutos e 17 a 34 segundos de vídeo, que pode ser consultado em https://www.youtube.com/watch?v=W_Fgo0iNdkg&list=PLdC_vodN92GBSXWSVvJL2d8ouU-SqMPnP. Ou seja, para preservar “os bens jurídicos mais essenciais do ordenamento estadual”, os cidadãos, a soberania e integridade do território nacional, a legalidade ordinária não é suficiente para os preservar. A decretação do estado de emergência faz com que se sacrifiquem “transitoriamente certos bens jurídicos de menor essencialidade”, ponderados à luz do princípio da proporcionalidade. Assim, v. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Curso de Direito Constitucional – Funções do Estado e o Poder Legislativo no Ordenamento Português, Tomo I, 3ª ed., Coimbra Editora, 2015, p. 118. 2 CARLOS BLANCO DE MORAIS, Introdução ao Estado de Emergência, vídeo referido na nota de rodapé n.º 1, a cerca de 1 minuto e 40 segundos de vídeo.

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como previsto na Lei Orgânica n.º 44/86 (Lei Orgânica que fixa o regime do estado de sítio e do

estado de emergência, já com a recente alteração introduzida pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11

de maio), no seu artigo 17.º, e na alínea g) do artigo 199.º da CRP3.

Deste modo, os cidadãos devem, por um lado, respeitar os deveres decorrentes de legislação

elaborada pelo Governo, tendente à execução do decreto presidencial que declara o estado de

emergência. Por outro lado, este órgão de soberania deve agir na fiscalização das normas que

elabora, atuando, primariamente, conforme os princípios constitucionais, respeitando também os

princípios da legalidade, da proporcionalidade e da imparcialidade.

Sem prejuízo do recurso a medidas mais restritivas que se vão justificando, face ao evoluir da

situação de calamidade pública, o Governo agiu no respeito do modelo constitucional previsto

para vigorar durante o estado de emergência (nos termos do artigo 19.º da CRP), visando a

proteção do Estado de Direito Democrático (nos termos do artigo 2.º da Constituição) e fazendo

o delicado equilíbrio entre a liberdade e a segurança dos cidadãos.

Enquadramento da ação e dos factos

1. Devido à situação de pandemia da doença Covid-19, causada pelo novo coronavírus

(Sars-Cov-2), o Decreto do Presidente da República n.º 14 – A/2020, de 18 de março,

declarou o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de

calamidade pública, para vigorar em todo o território nacional entre os dias 19 de março

e 2 de abril de 2020.

2. Dada a evolução negativa da pandemia, com o aumento de mortes provocadas pela

mesma, o Decreto do Presidente da República n.º 17 – A/2020 renova a declaração do

estado de emergência para mais 15 dias, a vigorar entre 3 e 17 de abril de 2020.

3. No dia 9 de abril, data na qual ainda vigorava o estado de emergência, ocorreu uma

operação especial de fiscalização do tráfego pela PSP na Ponte sobre o Tejo.

4. O requerente, Sr. João Relaxado, foi interpelado pela polícia no sentido de estar a violar

o dever geral de recolhimento domiciliário formulado no artigo 5.º do Decreto n.º 2 –

B/2020, tendo em conta que, morando em Lisboa, e sendo responsável pela supervisão e

fiscalização da qualidade de produção de uma fábrica de produtos farmacêuticos, decide

dirigir-se ao Algarve, para fazer uma inspeção à delegação da fábrica.

3 PEDRO MONIZ LOPES, Suspensão de direitos fundamentais e decreto presidencial, terceiro vídeo da iniciativa “5 minutos de Direito em Estado de Emergência”, do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, do Centro de Investigação de Direito Público, do minuto 5 e 27 segundos ao minuto 8 e 47 segundos, publicado no mês de abril de 2020, que pode ser consultado em https://www.youtube.com/watch?v=SDM08eR6WSM&list=PLdC_vodN92GBSXWSVvJL2d8ouU-SqMPnP&index=3. Para o autor, a execução do decreto presidencial, pelo Governo, não é meramente executiva, mas criativa, tendo em conta que o Presidente da República deixa ao Governo a efetivação da suspensão dos direitos que indica no decreto presidencial.

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5. A partir daí gerou-se uma série de situações e acontecimentos, sobre as quais nos iremos

debruçar, que resultaram numa ação proposta pelo requerente, junto do Tribunal

Administrativo, contra Manuel Precaução, agente da PSP que o interpelara (que é também

seu primo, com quem tem uma forte inimizade), para defesa dos seus direitos

fundamentais ao trabalho e de livre circulação, invocando a inconstitucionalidade do

decreto de regulamentação do estado de emergência.

Enquadramento jurídico

A não apresentação de documentação que comprove a deslocação em serviço, vem regulada no

decreto 2 – A/2020 e no decreto 2 – B/2020 (que revoga o primeiro) e, de acordo com estes, é um

aspeto essencial a referida justificação, sob pena de ser impedido, ao particular, a possibilidade

de circulação.

Deve aplicar-se o artigo 6.º do decreto 2 – B/2020 sob a epígrafe “Limitação à circulação no

período da Páscoa”, no seu n.º 1, que consubstancia uma norma especial para este período, que

se iria aplicar das 00:00h do dia 9 de abril e terminar às 00:00h do dia 13 de abril. Assim, neste

período, os cidadãos não poderiam circular para fora do concelho de residência habitual. Ora, tal

norma aplica-se a João Relaxado, tendo em conta que este pretendia atravessar a Ponte sobre o

Tejo, saindo de Lisboa, onde residia, a 9 de abril. Há que referir que João não é abrangido nem

pelo artigo 3.º, nem pelo artigo 4.º do decreto 2 – B/2020 (pois este não está em confinamento

obrigatório, nem se inclui no preceito que diz respeito ao “dever de especial proteção” associado

a cidadãos com idade superior a 70 anos, ou com patologias que impliquem um imunidade inferior

à do resto da população, como os hipertensos, os diabéticos, os doentes cardiovasculares, os

portadores de doença respiratória crónica e os doentes oncológicos).

Por isso, temos de olhar para o artigo 5.º, o qual postula o dever geral de recolhimento

domiciliário, que, no seu n.º 1 indica as “exceções” ao dever geral de recolhimento, que se aplica

a todos os que não estejam abrangidos pelos artigos 3.º e 4.º. Conclui-se que João Relaxado se

encontra abrangido pela aliena b) do n.º 1 do artigo 5.º - João poderia violar o dever geral de

recolhimento domiciliário dado que o fazia, na expressão do artigo, “em deslocação para efeitos

de desempenho de atividades profissionais ou equiparadas”.

Não obstante, o artigo 6.º é, aqui, o mais importante e o que merece uma análise mais cuidada.

João Relaxado só poderia circular munido de uma declaração, à luz do decreto, da entidade

empregadora, que atestasse o desempenho de uma atividade profissional, como exige o n.º 3 do

artigo 6.º, e não uma declaração elaborada por si mesmo. Conclui-se, assim, que a declaração que

possuía, por ser por si escrita, era inválida. A referida declaração, exigida no n.º 3, deveria

observar os seguintes critérios: “A identificação da entidade empregadora e o concelho de

exercício da atividade profissional”.

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Se João não tivesse uma entidade empregadora, deveria fazer a sua própria declaração, devendo

essa ser dotada de um compromisso de honra, na qual diria o local de residência e o local de

trabalho. No entanto, depreende-se do enunciado do caso, que João tinha uma entidade

empregadora, por ser o “responsável pelas ações de fiscalização da qualidade de produção de uma

fábrica de produtos farmacêuticos”.

Não preenchendo nenhum dos critérios exigidos, ou seja, apesar de se deslocar em trabalho, não

o fazia com a justificação exigida, significa que, se não acatasse a ordem de recolhimento

domiciliário, incorreria num crime de desobediência civil. A legislação do estado de emergência4

prevê a cominação do crime de desobediência para o não cumprimento de determinados

comandos legais, sendo tal crime punido nos termos do artigo 348.º do Código Penal, que se

aplica a quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandato legítimo, regularmente

comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, se uma disposição legal

cominar, no caso, a punição da desobediência simples ou, na ausência de disposição legal, a

autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação. Decorre, aliás, do artigo 43.º,

n.º 1, alínea d) do Decreto 2 – B/2020, que a cominação e participação do crime de desobediência,

se as forças e serviços de segurança ou polícia municipal, ao fiscalizarem o cumprimento do

decreto, tal como faziam à entrada da Ponte 25 de Abril, detetarem, pelo cidadão, o desrespeito

pelo artigo 6.º do decreto.

O desrespeito pelas obrigações decorrentes do decreto de execução da declaração do estado de

emergência estão, desde logo, enquadradas no disposto no artigo 7.º da Lei n.º 44/86, de 30 de

setembro, que determina que «[a] violação do disposto na declaração do estado de sítio ou do

estado de emergência ou na presente lei, nomeadamente quanto à execução daquela, faz incorrer

os respetivos autores em crime de desobediência».

Assim, entendemos que o desrespeito pelos deveres instituídos pelos artigos 5.º e 6.º do Decreto

2 – B/2020 legitima a emissão de uma ordem por parte dos elementos das Forças e Serviços de

Segurança tendente ao seu cumprimento, o que, em caso de recusa por parte do cidadão advertido,

não sendo invocável o direito de resistência, por desobediência a um comando legal,

consubstancia um crime de desobediência por parte do particular.

A resistência oferecida por João era, no entanto, legítima, como se demonstrará infra, em i, ii e

iii.

4 Cfr. com o relatório sobre a aplicação da 2ª declaração do estado de emergência – relativo ao período compreendido entre 3 de abril de 2020 e 17 de abril de 2020, que pode ser consultado em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=08529dcd-625a-4b64-ac6a-64db6172f200.

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i. Preterição do Procedimento

Com fundamento na não apresentação do documento que comprova o pagamento do Imposto

Automóvel – ilegítimo como se demonstrará de seguida, em ii. -, o agente da polícia, Manuel

Precaução, comina com uma contra-ordenação João Relaxado, impondo-lhe o pagamento

imediato e obrigatório de tal coima, que João se recusa a pagar no momento, resistindo ao

pagamento – tal é um direito que o assiste, tendo em conta que a exigência imediata do pagamento

é ilegítima por terem sido preteridas as formalidades – o procedimento administrativo – que são

exigidas para a aplicação de uma coima.

De acordo com o regime geral do procedimento, tendente à produção de um ato final pela

Administração, regulado no CPA, o procedimento iniciou-se por iniciativa da Administração –

iniciativa oficiosa, nos termos do n.º 1 do artigo 110.º – em sede de uma ação de fiscalização do

tráfego, legitimada pelo decreto regulamentar do Governo. As seguintes fases do procedimento

deveriam ter sido respeitadas, tendo assim, uma série de direitos fundamentais de natureza

procedimental que assistem a João, sido desrespeitados pelo agente – seguir-se-ia a fase da

instrução, nos termos dos artigos 115.º e seguintes do CPA, previsto, também no Decreto-Lei n.º

433/82 de 27 de outubro, lei que institui o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo.

No seu artigo 54.º vem prevista a iniciativa oficiosa pela Administração e a fase da instrução, em

que seriam apuradas as circunstâncias de facto e de direito para aplicação da coima.

Seguidamente, nos termos do artigo 50.º do referido DL e do artigo 121.º do CPA, havia lugar ao

direito de audiência prévia da pessoa visada. Duas hipóteses surgiriam – a prática do ato final, a

coima ou a extinção do procedimento se se verificasse que não estavam preenchidos os

pressupostos para cominação da coima.

Com efeito, ao exigir o pagamento imediato da coima, o agente, Manuel Precaução, pretere uma

série de direitos que assistem a João, como a fase fundamental do exercício do contraditório, nos

termos do artigo 121.º do CPA, do artigo 50.º do DL n.º 433/82, bem como do artigo 32.º, n.º 10

da Constituição, em que deve ser dada a oportunidade, ao particular, um prazo razoável para que

se pronuncie sobre a aplicação da coima. Tal não lhe foi proporcionado – tratando-se de um direito

fundamental de natureza procedimental, assim considerado pela doutrina, e que, nestes termos,

tem sido assim considerado pelos tribunais, o ato de aplicação da coima é nulo, por força do artigo

161.º, n.º 2, alínea d) do CPA – foi praticado um ato, sem obediência pelo conteúdo essencial de

um direito fundamental.

A decisão final deve ser notificada ao particular, nos termos do n.º 1 do artigo 114.º do CPA e

deve conter os requisitos previstos nas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo. Nos termos do artigo

48.º, n.º 3 do referido DL n.º 433/82, a cominação de uma contra-ordenação pelas autoridades

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policiais e agentes de fiscalização deve ser imediatamente reportada às autoridades

administrativas, participando das provas obtidas, trâmite que também não foi respeitado.

ii. Pagamento da coima

De acordo com o artigo 85.º do Código da Estrada não é obrigatória a apresentação do

comprovativo de pagamento do imposto automóvel.

Caso fosse necessária a apresentação da prova de pagamento do imposto automóvel e a sua não

apresentação consistisse numa contraordenação, o infrator poderia sempre optar pelo pagamento

a título de depósito (caução) permitindo-lhe, mais tarde, apresentar defesa ou efetuar o pagamento

voluntário da coima, em que o infrator assume a culpa do ato praticado. No caso de ser notificado

posteriormente o arguido tem um prazo de 15 dias, a contar do recebimento do documento, para

proceder ao pagamento voluntário da coima, nos termos do artigo 172.º do Código da Estrada.

Em alternativa, pode apresentar defesa e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e

outros meios de prova.

De acordo com o artigo 173.º, n.os 2 e 3, também do Código da Estrada, quando “o infrator for

notificado da contraordenação por via postal e não pretender efetuar o pagamento voluntário

imediato da coima, deve, no prazo máximo de 48 horas após a respetiva notificação, prestar

depósito de valor igual ao mínimo da coima prevista para a contraordenação praticada. Os

depósitos referidos nos n.os 1 e 2 destinam-se a garantir o pagamento da coima em que o infrator

possa vir a ser condenado, sendo devolvido se não houver lugar a condenação”. Deste modo, o

pagamento da coima nunca seria obrigatório imediatamente pelo que o Sr. Relaxado não tem de

a pagar imediatamente –sendo válida ou inválida, nunca teria que a pagar no momento. Assim, o

particular podia oferecer resistência ao pagamento da coima e à realização de um depósito,

sujeitando-se às consequências previstas no Código da Estrada, nos termos do 173.º, n.º 4.

Numa perspetiva estrutural da Administração Pública uma das modalidades dos serviços

administrativos são os serviços de polícia, que se integram na espécie de serviços principais e na

subespécie de serviços operacionais, tendo em conta que exercem ações de fiscalização sobre as

atividades dos particulares, passíveis de pôr em risco os interesses públicos que a Administração

tem por escopo proteger. São exemplos destes serviços de polícia a Guarda Nacional Republicana

e a Polícia de Segurança Pública, que pertencem ao Ministério da Administração Interna. As

medidas de polícia são operações materiais da administração sujeitas aos dois princípios

fundamentais contidos respetivamente nas alíneas a) e b) do artigo 266.º da Constituição: o

princípio da prossecução do interesse público e o princípio da legalidade em sentido amplo.

Assim, a conduta do agente da PSP, Manuel Precaução, ao passar uma coima por contraordenação

a João e ao arrestar o seu automóvel, é ilegal pois viola o bloco de juridicidade a que este se

encontra vinculado, segundo o princípio da legalidade que rege a Administração.

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Pelo artigo 179.º do CPA não é permitido a execução forçada por via administrativa de um ato

que fixe uma coima. Nestes casos há lugar a um processo de execução fiscal nos tribunais fiscais,

segundo o n.º 2 do mesmo artigo, em que o agente deveria ter emitido uma certidão com valor de

título executivo que remetia ao competente serviço da Administração tributária, juntamente com

o processo administrativo. Tal se a coima fosse aplicada validamente, que como vimos, não foi.

Entendemos, então, que há aqui uma clara violação do princípio da proporcionalidade, já que o

objetivo desta fiscalização era o de evitar que pessoas não autorizadas mudassem de concelho

sem causa aparente. Deste modo, nem o pedido do comprovativo do pagamento do imposto, nem

a atribuição da coima, nem o arresto do automóvel respeitam o princípio da proporcionalidade

nas suas três vertentes – adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu dos meios,

tendentes à prossecução de um fim, tendo como único propósito prejudicar João.

A violação do princípio da proporcionalidade implica a anulabilidade do ato viciado, nos termos

gerais do artigo 163.º, nº. 1 do CPA.

iii. Direito de Resistência

Dispõe o Artigo 21.º da Constituição – “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que

ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando

não seja possível recorrer à autoridade pública.”

O direito de resistência, na vertente aqui analisada, compreende a faculdade de o cidadão não

cumprir qualquer ordem, desde que esta seja ofensiva de um dos seus direitos, liberdades e

garantias. O direito de resistência pode ter lugar sempre que se verificam comportamentos dos

cidadãos que normalmente e em si mesmos, são ilícitos e inconstitucionais, mas que, à luz deste

direito, beneficiam de uma especial justificação, tendo em conta que outro direito está a ser

violado.

Este direito é um importante meio de defesa, em casos de suspensão inconstitucional de direitos,

liberdades e garantias, por exemplo, perante golpes de estado inconstitucionais e um

prolongamento indevido e desproporcional de um estado de exceção – de sítio ou de emergência.

Contrapõe-se ao artigo 19.º da Constituição, que, com fundamento constitucional e somente e

apenas na vigência de um estado excecional, suspende alguns direitos, liberdades e garantias,

nunca podendo ser suspensos os do n.º 6 do artigo 19.º da CRP.

No entanto, o artigo 5.º do Decreto do Presidente da República n.º 17 – A/2020, de 2 de abril, que

renovou a declaração do estado de emergência, determinou que ficaria “impedido todo e qualquer

ato de resistência ativa ou passiva exclusivamente dirigido às ordens legítimas emanadas pelas

autoridades públicas competentes em execução do presente estado de emergência, podendo

incorrer os seus autores, nos termos da lei, em crime de desobediência.” No seguimento deste

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normativo, o decreto de execução da declaração do estado de emergência consagrou o dever geral

de cooperação por parte dos cidadãos e demais entidades, nomeadamente no cumprimento de

ordens ou instruções dos órgãos e agentes responsáveis pela segurança, proteção civil e saúde

pública na pronta satisfação de solicitações, que justificadamente lhes sejam feitas pelas entidades

competentes para a concretização das medidas do referido decreto.

O artigo 6.º do referido decreto do Governo 2 – B/2020 evidencia que o requerente, João, não

poderia mesmo sair do concelho de residência (Lisboa)5. A declaração da qual ele se fazia

apresentar deveria indicar o concelho de trabalho, sendo que ele não se deslocava para o local de

trabalho, mas sim para uma ação de fiscalização fora do seu concelho de residência e fora do seu

concelho de trabalho. Assim João não podia, de qualquer modo, deslocar-se para o Algarve, nem

em trabalho, apenas poderia dirigir-se para o concelho de trabalho, que não era o Algarve, a menos

que fosse portador da referida declaração, ou circular, apenas, dentro do seu concelho de

residência.

No tocante à situação dos familiares que João levou consigo defendemos que, tendo em conta

que, não estando abrangidos por nenhuma das exceções das alíneas do n.º 5 do Decreto 2 –

B/2020, que permitem a saída do concelho de residência, com a devida fundamentação, a eles é

imposto o dever geral de recolhimento obrigatório. Assim, o facto de saírem do concelho sem a

devida fundamentação, faz com que, nos termos já apresentados para o João, relativamente ao

crime de desobediência, este possa ser aplicado à sua mulher, sendo que os pais no exercício das

suas responsabilidades parentais, respondem pelos seus filhos, fazendo-os, ao os levarem consigo

para fora do concelho de residência, desobedecer à lei.

Como se demonstrou supra, a aplicação da coima, no caso concreto, é um ato nulo, nos termos

em que se demonstrou em i e ii. Assim, a João Relaxado assiste o direito de resistência consagrado

constitucionalmente, no artigo 21.º da Constituição, oponível a quaisquer ordens ilegítimas que

afetem um seu direito, liberdade ou garantia. Tal direito foi suspenso na vigência do Estado de

Emergência, como se demonstrou, no entanto, apenas relativamente a ordens que sejam impostas

ao particular, tendentes à reposição da normalidade constitucional e a evitar a propagação do vírus

a que o particular ofereça resistência. A ratio da norma do decreto regulamentar, não tem por

escopo legitimar situações de abuso de autotutela executiva, por parte da Administração, assim,

a resistência oferecida por João, não se insere na ratio de proibição de resistência do decreto. Não

estamos, portanto, perante um crime de desobediência civil porque a ordem não foi aplicada no

sentido de executar as normas do, então vigente, estado de emergência. Nos termos do artigo

272.º, n.º 2 da Constituição, relativo à atuação policial, esta só pode ser flexibilizada, no tocante

5 Cfr. com notícia do Jornal Observador de 8 de abril de 2020, intitulada “Páscoa. 5 coisas que não pode fazer até segunda-feira”, que pode ser consultada em https://observador.pt/2020/04/08/na-pascoa-precisa-de-uma-declaracao-para-ir-a-outro-concelho-quem-nao-tem-patrao-deve-fazer-este-documento/

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a direitos, liberdades e garantias, na medida do previsto no decreto que declara o estado de

emergência, em obediência ao que vem previsto no artigo 19.º da Constituição, n.os 5 e 6.

O direito de resistência, na vigência de um estado de exceção tem a importante função de servir,

também, para que a restrição de direitos, liberdades e garantias não exceda os precisos limites em

que é imposta.

iv. Relativamente à Detenção

A João Relaxado foi dada uma ordem de prisão - i.e., foi detido – pelo agente da polícia. Trata-se

de uma competência excecional das autoridades policiais, aquando da prática de um crime de

desobediência civil para acautelar o que vem previsto no artigo 6.º para o período da Páscoa.

Ora, como se demonstrou, a resistência apresentada pelo particular, João Relaxado, foi lícita, pelo

que a ordem de detenção é ilegítima, e não está abrangida pelas competências policiais

legitimadas no artigo 43.º, n.º 1, alínea d). A resistência oferecida apenas é cominada com tal

crime, perante a desobediência civil a uma ordem que desrespeite o dever de não circulação para

fora do concelho de residência. No caso de João, a resistência oferecida foi justificada, porque

um seu direito fundamental foi-lhe negado. Assim, a ordem de detenção revelou-se

manifestamente desproporcional, tendo em conta que é dada às autoridades policiais, no exercício

do seu poder discricionário, a possibilidade de advertir os condutores a regressarem ao domicílio,

apenas havendo detenção, quando tal advertência seja insuficiente e desobedecida – assim

procederia um agente isento, de forma apta à prossecução do propósito da proibição.

Os factos apresentados não revelam que tenha havido tal advertência, pelo que não parece ter

havido, nos termos da alínea c), do nº. 1 do artigo do artigo 43.º uma recusa peremptória por parte

de João a regressar ao domicílio, tal nem lhe foi sugerido.

Ademais se reitera que o escopo da decretação do estado de emergência, e o escopo do decreto

regulamentar do Governo, é evitar a propagação da doença provocada pela Covid-19, assegurando

a saúde pública, pelo que tal não legitima atuações das autoridades competentes para a

fiscalização e aplicação do decreto, manifestamente desproporcionais e atentatórias de princípios

e direitos, cuja verificação é imperativa, num Estado de Direito Democrático, como é Portugal,

nos termos do artigo 2.º da Constituição.

v. Violação do Princípio da Imparcialidade

O Sr. Polícia, Manuel Precaução, quando ordena a paragem do veículo, apercebe-se logo que

quem conduzia a viatura era um seu primo, com o qual mantinha uma relação de inimizade, devido

à partilha de uma herança, mal resolvida. Sabendo que essa relação podia prejudicar o juízo sobre

a fiscalização da razão de saída do concelho, o Sr. Manuel Precaução deveria ter pedido escusa

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de intervir nessa mesma fiscalização, solicitando a sua substituição por um outro agente de

autoridade. Estamos, efetivamente, perante um caso de violação do princípio da imparcialidade,

consagrado no artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA).

O princípio da imparcialidade é bastante relevante no âmbito da atuação administrativa, na

medida em que impõe à Administração Pública que, no exercício da sua atividade, trate de forma

justa, imparcial e isenta todos os que com ela entrem em relação, garantindo uma máxima

segurança jurídica.

A Administração deve tomar decisões com base em critérios objetivos de interesse público,

adequados ao cumprimento das suas funções específicas. Assim, o Senhor Professor Diogo

Freitas do Amaral6 refere que “o princípio da imparcialidade impõe que os órgãos e agentes

administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas

situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório”.

Este princípio tem duas vertentes: a vertente positiva e a vertente negativa. Neste caso, estamos

perante uma violação da dimensão negativa deste princípio. Quer isto dizer que não pode o agente

Manuel Precaução tomar em consideração questões do seu interesse pessoal ou da sua família,

sendo estes interesses irrelevantes para a decisão, ou seja deve tomar apenas em conta os

interesses relevantes. Este dever de não intervir é, ainda, aprofundado nos artigos 69.º a 7.6º do

CPA. O artigo 69.º do CPA consagra as situações qualificadas como casos de impedimento.

Havendo uma situação de impedimento, é obrigatória, por lei, a substituição do agente por outro,

que tomará a decisão no seu lugar, à luz dos artigos 71.º e 72.º do CPA. Ora neste caso, não

estamos perante uma situação de impedimento, mas sim de escusa e suspeição, aplicando-se o

artigo 73.º, n.º 1, alínea a) e alínea d), do CPA, já que, para além de primos (parentes no terceiro

grau da linha colateral), tinham efetivamente uma inimizade forte. Nestas situações de suspeição

a substituição não é automaticamente obrigatória, sendo apenas possível, tendo de ser requerida

pelo próprio agente, que pede escusa de participar naquele ato. O Sr. Manuel Precaução dever-

se-ia ter retirado da fiscalização, já que a sua ação pode influenciar significativamente as

consequências daquela operação. Assim, perante esta situação de suspeição, a lei dá ao agente

administrativo o direito de pedir escusa de intervenção naquele procedimento, assim como dá aos

particulares o direito de oporem suspeição ao agente competente pedindo a sua substituição, artigo

73.º, n.º 2 do CPA. Em ambas as situações, o órgão competente decidirá se há ou não fundamento

para a suspeição. Se não houver, o agente em causa continua em funções podendo intervir no

procedimento; se houver, é feita uma declaração de suspeição e o agente deve ser substituído por

outro. A formulação do pedido de escusa deve ter em conta o artigo 74.º do CPA. Quem tem

6 FREITAS DO AMARAL, Diogo, "Curso de Direito Administrativo", volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 153.

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competência para decidir da escusa é o superior hierárquico ou o presidente do órgão colegial,

artigos 75.º, n.º 1 CPA e 70.º, nº 4 do CPA. A decisão deve ser proferida no prazo de 8 dias, à luz

do artigo 75.º, n.º 2 do CPA. Não tendo sido a escusa pedida ou declarada, o agente continua em

funções. No entanto, de acordo com o artigo 76.º, n.º 4 do CPA a falta de decisão ou decisão

negativa sobre a dedução de suspeição não prejudica a continuidade da invocação da

anulabilidade dos atos praticados, quando, do caso concreto, resulte a razoabilidade de dúvida

séria sobre a imparcialidade da atuação do órgão. Cabe ainda referir o ponto 10 do preâmbulo do

Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o CPA, que destaca o facto de se ter em

conta os “requisitos objetivos de confiança por parte da opinião pública”.

Ou seja, o Sr. Manuel Precaução devia ter pedido para não fiscalizar aquele carro devendo ser

substituído por outro agente, para que não houvesse falta de imparcialidade na sua atuação, como

já concluímos. A violação do princípio da imparcialidade implica a anulabilidade do ato praticado

com esse vício – a aplicação da coima, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

No nosso entender, cumpre aqui avaliar se João tinha de facto o direito de ir ao Algarve realizar

a fiscalização à fábrica. Em primeiro lugar, no dia 9 de abril tal como já foi referido estava em

vigor o Decreto do Governo n.º 2 – B/2020 que excetuava o dever geral de recolhimento

domiciliário, salvo por motivos de saúde ou por outros motivos de urgência imperiosa. Cumpre

analisar o que se entende por motivos de urgência imperiosa, se este se enquadra na conceção de

conceito verdadeiramente indeterminado ou não.

vi. Conceitos Indeterminados

Os conceitos verdadeiramente indeterminados são aqueles cujo conteúdo e extensão são em larga

medida incertos, ou “não permitem comunicações claras quanto ao seu conteúdo” por razões de

polissemia, vaguidade, ambiguidade, porosidade ou esvaziamento. O problema relativamente a

estes conceitos é o de saber se o legislador atribui poderes discricionários à Administração e,

consequentemente, se a sua aplicação pode ser sindicável pelos tribunais ou não.

O Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, discordando da restante doutrina e afirmando que a

Administração está sempre balizada pelos princípios constitucionais e tem de fundamentar os

critérios de que faz uso, defende que existem não dois, mas três momentos na atuação

administrativa: começando sempre pela interpretação da norma, pois a discricionariedade é

atribuída pelo legislador à Administração através das normas, – a Administração decide qual é a

melhor interpretação de determinada lei, num caso concreto; de seguida a Administração tem uma

margem de apreciação, analisando as circunstâncias da vida, de facto; e, por último, tem um poder

discricionário quanto à decisão, porque várias podem ser as soluções legalmente possíveis.

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VASCO PEREIRA DA SILVA, tal como DIOGO FREITAS DO AMARAL, reconhecem que

nenhuma atuação da Administração é totalmente vinculada, nem totalmente discricionária,

cabendo apenas aos tribunais administrativos7 apreciar os aspetos que forem vinculados, deixando

os discricionários à responsabilidade da Administração8.

A utilização de conceitos indeterminados por parte do legislador é um reconhecimento de que não

é possível prever todas as situações da vida e de facto e convertê-las em normas jurídicas.

Os conceitos indeterminados têm uma zona de certeza positiva (núcleo do conceito, existem

situações de facto que preenchem esse conceito), uma zona de certeza negativa (fora do círculo e

do núcleo, não preenche o conceito) e zona cinzenta (a margem de livre apreciação apenas abarca

os conceitos que aqui se encontram, esta zona está entre a zona positiva e a zona negativa). Um

dos limites à interpretação de normas jurídicas e às valorações próprias do exercício da função

administrativa é o princípio da razoabilidade, nos termos da segunda parte do artigo 8.º do CPA.

Os conceitos verdadeiramente indeterminados distinguem-se de outros que parecem, à partida,

indeterminados, mas que, em abstrato, podem ser determináveis com recurso a técnicas de

interpretação jurídica (socorrendo-se dos elementos sistemático, histórico e teleológico, partindo

sempre do elemento literal das normas) e que, por isso, não estão no âmbito da margem livre de

apreciação.

A relevância desta distinção, relativamente à valoração dos conceitos, é que os que são

verdadeiramente indeterminados não são concretizáveis por conhecimento técnico (são aqueles

conceitos que conferem uma liberdade de apreciação das situações de facto), sendo denominados

de conceitos-tipo, se se tratarem de conceitos empíricos, à partida vagos e imprecisos, são

conceitos classificatórios, porque embora possam haver dificuldades interpretativas ou de

valoração, estas podem ser ultrapassadas por métodos interpretativos.

Conclui-se que os conceitos-tipo pressupõem que, aquando da sua densificação e concretização

não possa ser usado um raciocínio abstrato, teórico, dedutivo, mas sim, à luz de uma situação

concreta, aplicando-se a norma através de um juízo de prognose. Por sua vez, os conceitos-

7 Cfr. REBELO DE SOUSA, Marcelo/SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª ed., D. Quixote, pp. 190-191. Os autores referem que a utilização de conceitos indeterminados nas normas legais, que criem uma margem de livre apreciação administrativa, implica que a sua atuação, nessa medida, não seja controlada pelos tribunais, tendo em conta que seria uma violação do princípio da separação de poderes, e consubstanciaria a intromissão do poder judicial na esfera de mérito do poder administrativo. 8 Assim, v. VASCO PEREIRA DA SILVA, “Breve Crónica de um Legislador de Procedimento que Parece Não Gostar Muito de Procedimento”, in Nos 20 Anos dos Cadernos de Justiça Administrativa, CEJUR – Centro de Estudos Jurídicos do Minho, Braga, 2017, p. 370. O autor escreve “pergunta-se: como é possível ainda querer separar poderes vinculados e discricionários, como se estes não estivessem sempre misturados em todos os casos de exercício do poder administrativo?”

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classificatórios são utilizados em normas legais por dificuldades linguísticas, apesar de serem

vagos, são perfeitamente preenchidos por ramos do conhecimento ou meios hermenêuticos.

Esta distinção, entre conceitos-tipo e conceitos-classificatórios, permite aferir o grau de

intervenção dos tribunais administrativos na esfera de controlo da atuação da Administração

Pública. No segundo caso, os tribunais, caso discordem da interpretação da Administração destes

conceitos classificatórios, em que a concretização não comporte mais do que uma alternativa ou

um juízo de valor, pode ser sindicada pelos tribunais que podem afirmar o sentido da decisão a

adotar pela Administração, não pondo em causa o princípio da separação de poderes. Apesar de

suscitarem dificuldades de interpretação podem ser ultrapassadas por técnicas de interpretação

objetiva e raciocínio teórico, existindo aspetos vinculados. No caso dos conceitos-tipo não existe

vinculação, existe sim uma margem de livre apreciação, que permite à Administração o exercício

da sua liberdade avaliativa e discricionariedade decisória.

O conceito “urgência imperiosa” presente no artigo 6.º do Decreto n.º 2 – B/2020 é um conceito

verdadeiramente indeterminado que confere à Administração Pública uma margem de livre

decisão. Através da valoração do conceito, a partir do caso concreto, apenas a Administração pode

avaliar o significado de urgência imperiosa. O adjetivo “imperiosa” apela a um juízo subjetivo de

valor, pelo que deixamos de estar na esfera da legalidade para passar a entrar na esfera do mérito,

em que os tribunais não se podem imiscuir.

vii. Intimação

O requerente, João Relaxado, apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo. Esta vem

prevista no título III, capítulo II do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA),

nos artigos 104.º a 111.º.

Segundo o artigo 104.º a intimação é um processo urgente de condenação que visa a imposição

judicial dirigida à Administração Pública, para a adoção de comportamentos ou prática de atos

administrativos. Nesta hipótese de simulação, João Relaxado apresenta uma intimação para a

defesa dos seus direitos fundamentais ao trabalho e à circulação.

O artigo 109.º do CPTA formula quais os pressupostos da intimação:

Pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à

Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para

assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser

possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência

cautelar.

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O interessado pretenda a emissão de um ato administrativo estritamente vinculado,

designadamente de execução de um ato administrativo já praticado, o tribunal emite

sentença que produza os efeitos do ato devido

Do primeiro pressuposto depreende-se que a lei exige o carácter urgente da decisão de forma a

evitar a lesão ou inutilização do direito. O pedido de intimação também tem de se referir à

imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração. Com efeito, do primeiro

pressuposto é necessário que não seja possível o decretamento provisório de uma providência

cautelar. É esta característica final que distingue os processos urgentes principais das providências

cautelares, na medida em que, apesar de também prosseguirem uma tramitação urgente, estas não

conseguem de imediato uma decisão de mérito, como refere o Senhor Professor José Vieira de

Andrade, nas suas lições, “as providências cautelares, sendo por definição instrumentais e

provisórias, não podem ser utilizadas para obter resultados definitivos, isto é, para obter decisões

de mérito.”

Em relação ao segundo pressuposto, o pedido terá como conteúdo a condenação à adoção de uma

conduta positiva ou negativa pela Administração, que pode consistir na prática de um ato

administrativo, sendo de realçar que se trata da única hipótese em que a lei concede ao juiz poderes

de substituição no âmbito de processos declarativos, quando esteja em causa a condenação à

prática de um ato administrativo estritamente vinculado, nos termos do artigo 109.º, n.º 3 do

CPTA.

A intimação surge com a necessidade de uma resolução urgente da situação que, em vez de se

seguir a forma normal da ação administrativa comum, é seguida uma tramitação especial,

simplificada e acelerada.

A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias tem como fundamento o n.º 5 do artigo

20.º da Constituição que refere que “a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais

caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra

ameaças ou violações desses direitos”.

Esta proteção acrescida justifica-se, na sua substância, pela especial ligação destes direitos à

dignidade da pessoa humana, na sua oportunidade, pela consciência do perigo acrescido da

respetiva lesão que, nas sociedades atuais, decorre sobretudo de o seu exercício depender, de

modo cada vez mais intenso, de atuações administrativas, não apenas negativas, mas também

positivas. Deve assim, a utilização desta ação, limitar-se às situações em que esteja em causa,

direta ou imediatamente, o exercício do próprio direito, liberdade ou garantia.

A necessidade desta intimação pelo autor, João Relaxado, e a não recorrência às ações normais

(ação administrativa comum ou ação administrativa especial) decorre do facto de estar em causa

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o exercício de um direito, de uma liberdade e de uma garantia cuja indispensabilidade de decisão

é urgente, dado que foram impostas a João restrições injustificadas ao exercício da sua liberdade,

como a coima por contraordenação, o abuso de poder de autotutela executiva ao arrestar o veículo

automóvel e a ordem de prisão ao autor da intimação.

As decisões de improcedência de pedidos de intimação para proteção de direitos, liberdades e

garantias são sempre recorríveis, independentemente do valor da causa e da sucumbência, nos

termos do artigo 142.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, obviamente por causa da relevância dos direitos

ou dos valores comunitários em causa.

Os argumentos referidos pelo requerente foram a violação do princípio da proporcionalidade, ao

desrespeitar os seus direitos fundamentais ao trabalho e de livre circulação, inconstitucionalidade

do decreto de regulamentação do estado de emergência, a violação do princípio da imparcialidade,

e abuso do poder de autotutela executiva ao arrestar o veículo automóvel e ao dar-lhe ordem de

prisão.

Os direitos fundamentais encontram-se consagrados na Constituição Portuguesa nos artigos 12º a

79.º. Os direitos que o João Relaxado apresentou como tendo sido violados pelo polícia foram o

direito ao trabalho, consagrado no artigo 58.º da CRP e o direito à livre circulação consagrado no

artigo 44.º, sob a epígrafe “Direito de Deslocação”. Segundo o artigo 18.º, n.º 1 da CRP, os direitos

fundamentais são diretamente aplicáveis a entidades públicas e privadas. O n.º 2 refere que a lei

só pode restringir esses direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as

restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidos.

Um dos casos em que é permitido suspender os direitos, liberdades e garantias é efetivamente o

estado de emergência tal como decorre do artigo 19.º da CRP. A opção pelo estado de sítio ou

pelo estado de emergência, bem como as respetivas declaração e execução, devem respeitar o

princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e

aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade

constitucional.

viii. Direito de deslocação e Direito ao trabalho

O Decreto n.º 2 – A/2020 e o decreto 2 – B/2020 consagraram normas que visam que os contactos

entre pessoas se mantenham a um nível mínimo e indispensável, visto constituírem um forte

veículo de contágio e de propagação do vírus. Asseguraram-se, no entanto, a possibilidade de

deslocações na via pública, nomeadamente para o exercício de tarefas e funções essenciais à

sobrevivência, para deslocações por motivos de saúde, bem como para o exercício de funções

profissionais que não pudessem ser cumpridas a partir do domicílio. Quanto à generalidade da

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população, foi imposto um dever geral de recolhimento domiciliário. Tal como já foi referido

anteriormente, o direito de deslocação foi limitado, mas não de forma inconstitucional, não sendo

assim argumento que o requerente pudesse utilizar em sua defesa.

Quanto ao segundo argumento de violação do direito ao trabalho, não nos parece, também, que

seja válido, dado que não houve nenhuma restrição nesse sentido. João poderia continuar a exercer

esse seu direito desde que em conformidade com as regras impostas pelo estado de emergência,

nomeadamente se se deslocasse para o concelho de trabalho, desde que com a devida

documentação, a que não obedeceu.

No que diz respeito ao argumento da violação do princípio da proporcionalidade, cumpre primeiro

aferir o que se entende por esse princípio.

ix. Violação do Princípio da Proporcionalidade

Este princípio constitui uma manifestação essencial do princípio do Estado de Direito. Com efeito,

tem consagração constitucional em vários artigos da Constituição como nos artigos 18.º, n.º 2,

19.º, n.º 4, 272.º, n.º 1 e 266.º, n.º 5. No CPA vem consagrado no artigo 7.º. É o princípio segundo

o qual “a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada

e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada

com aqueles fins”.

Este princípio consubstancia-se em três vertentes: a adequação, a necessidade e a

proporcionalidade strictu senso.

A vertente da adequação postula que a medida tomada deva ser causalmente ajustada ao fim que

se propõe atingir, estabelecendo uma relação entre o meio e o objetivo ou finalidade a prosseguir.

A necessidade significa que para além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a medida

administrativa deve ser a que, em concreto, lese em menor medida os direitos e interesses dos

particulares.

Por fim, a terceira vertente que diz respeito à proporcionalidade stricto sensu aponta para que os

benefícios que se esperam alcançar com a medida administrativa suplantem os custos que ela

acarreta, evitando a provocação de um prejuízo excessivo.

Em suma, poder-se-á referir que as três vertentes são cumulativas, para que uma medida ou ato

administrativo seja proporcional tem de passar no crivo das três vertentes. Se o princípio da

proporcionalidade for violado, o ato administrativo será anulável, por força da ilegalidade e

inconstitucionalidade de que padece, nos termos do regime geral da anulabilidade, do n.º 1 do

artigo 163.º do CPA.

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Inferimos que em diversos momentos da operação de fiscalização, o Sr. Manuel Precaução agiu

violando este princípio, tal como se tem vindo a demonstrar ao longo do presente escrito.

x. Argumento relativo à Inconstitucionalidade do Decreto de Regulamentação do

Estado de Emergência

Os regulamentos, tal como previsto no artigo 135.º do CPA são normas jurídicas secundárias que

se encontram no patamar inferior do ordenamento jurídico administrativo, sendo uma fonte

secundária do Direito Administrativo9, podendo ser revogados pelas leis ordinárias e pelas leis

constitucionais. O regulamento é uma norma jurídica, dotada de generalidade (aplica-se a uma

pluralidade de destinatários) e abstração (aplica-se a uma ou mais situações definidas pelos

elementos típicos constantes da previsão normativa). É adotado por um órgão de uma pessoa

coletiva pública integrante da Administração Pública, e no exercício do poder administrativo. A

atividade regulamentar é uma atividade secundária, subordinada à atividade legislativa (primária,

principal). Esta atividade secundária também se submete simultaneamente à Constituição e ao

exercício das funções política e legislativa. Como tal, se um regulamento contrariar uma lei é

ilegal, e se violar algum dos preceitos da Constituição é inconstitucional.

Ao Governo, sendo o órgão superior da Administração Pública, compete, nos termos do artigo

199.º, alínea c) da CRP “fazer regulamentos necessários à boa execução das leis” e, nos termos

da alínea g), “praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do

desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas”. Na organização do

Governo, quem tem competência para emitir os regulamentos é cada Ministro (artigo 201.º, n.º 2

alínea a) da CRP) e, excecionalmente, o Conselho de Ministros.

O decreto regulamentar é a forma mais solene de regulamento do Governo, que decorre do artigo

112.º, n.º 6 da Constituição.

Com efeito, o decreto de regulamentação do Estado de emergência é um decreto regulamentar.

Assim sendo, está sujeito a determinados requisitos para que seja válido e constitucional:

a sujeição a promulgação e, consequentemente, à possibilidade de veto pelo

Presidente da República (à luz da alínea b) do artigo 134.º e do n.º 4 do artigo 136º.

da Constituição);

a sujeição a referenda ministerial (segundo o n.º 1 do artigo 140.º da Constituição);

a sujeição ao recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade obrigatório para

o Ministério Público, quando qualquer tribunal recuse a aplicação de uma das suas

9 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª edição, Almedina, 2018, p. 148.

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normas com fundamento na respetiva inconstitucionalidade ou violação de lei de

valor reforçado (segundo o n.º 3 do artigo 280.º da Constituição);

a obrigatoriedade de publicação na 1.ª série do Diário da República (alínea h) do n.º

1 do artigo 119.º da Constituição e alínea o) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de

11 de novembro);

a prevalência sobre outros regulamentos do Governo em caso de conflito (alínea a)

do n.º 3 do artigo 138.º do CPA);

os regulamentos que sejam desconformes à Constituição, à lei e aos princípios gerais

de direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de

direito da União Europeia serão inválidos (segundo o artigo 143.º do CPA).

Não nos parece que um regulamento que cumpriu todos os requisitos mencionados anteriormente

antes da sua entrada em vigor seja inconstitucional. Contudo, se assim for, a competência para

avaliar a inconstitucionalidade, se suscitada, é do Presidente da República de forma preventiva,

nos termos do artigo 278.º da CRP, antes da respetiva promulgação e, a ser sucessiva, teria que

ser levada a cabo apenas pelos órgãos referidos no artigo 281.º, n.º 2 da CRP, lista da qual os

particulares não constam.

Outra forma de cessação dos efeitos dos regulamentos seria se estes fossem objeto de declaração

de ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos dos artigos 72.º e seguintes do CPTA.

Assim, se um certo regulamento for considerado ilegal, a sua declaração de ilegalidade produz

efeitos desde a data de emissão da norma e determina a repristinação das normas que haja

revogado – artigo 67.º do CPTA. Todavia, tal como avaliado anteriormente, tal aferição não cabe

aos particulares.

xi. Execução do Ato Administrativo

O artigo 175.º, n.º 1 do CPA consagra o princípio da autotutela executiva ou privilégio da

execução prévia que confere à Administração a faculdade de executar coativamente uma decisão

sem necessidade de prévia decisão judicial, caso o respetivo destinatário não a cumpra

voluntariamente. Contudo, este princípio deve ser analisado de forma cautelosa, pois a faculdade

conferida à Administração, a ser exercida, tem de observar determinados requisitos. Em primeiro

lugar, o que o n.º 1 do artigo 176.º preceitua é que essa imposição coerciva tem de estar

expressamente prevista pela lei ou em situações de urgente necessidade pública tem de ser

devidamente fundamentada. Este primeiro requisito advém claramente do princípio da legalidade

(artigo 3.º do CPA).

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O segundo requisito, preceituado no artigo 177.º do CPA, refere a necessidade, em todos os casos

em que os órgãos da Administração Pública pratiquem qualquer ato jurídico, de existir um ato

administrativo executório ou exequendo.

O terceiro requisito diz respeito aos princípios que a ação executiva da Administração deve

respeitar, nomeadamente o princípio da proporcionalidade “utilizando os meios que, garantindo

a realização integral dos seus objetivos, envolvam menor prejuízo para os direitos e interesses dos

particulares” e os direitos fundamentais (artigo 178.º do CPA).

O quarto requisito diz respeito à subsidiariedade da execução administrativa, na medida em que

a Administração apenas deve impor as suas decisões pela força, uma vez esgotada definitivamente

a possibilidade de as mesmas serem voluntariamente cumpridas pelos destinatários.

Na execução de um ato administrativo são identificáveis, nos artigos 178.º, 179.º e 180.º do CPA,

as formas que correspondem, respetivamente, à execução de obrigações pecuniárias, à execução

para entrega de coisa certa, à execução para a prestação de facto e o respeito por ações ou omissões

em cumprimento de limitações impostas por atos administrativos.

No caso concreto, o facto de o agente, Manuel Precaução, arrestar o veículo automóvel não se

enquadra em nenhuma das formas de execução de atos administrativos, pelo que tal seria ilegal.

Mais ainda, apesar de a situação se coadunar com uma situação de necessidade pública devido ao

estado de emergência e crise de saúde pública, segundo o artigo 176.º, n.º 1, o exercício da

autotutela executiva teria de ser devidamente fundamentado pelo polícia em questão, mesmo que

o n.º 2 do artigo 175.º refira que a “adoção de medidas policiais de coação direta, dirigidas à

execução de obrigações diretamente decorrentes do quadro normativo aplicável, é objeto de

legislação própria”. Como tal, a decisão de Manuel em arrestar o veículo automóvel não tendo

exercido a devida fundamentação seria ilegal, anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

Ademais se reforça que o facto de o automóvel ser arrestado como garantia do pagamento da

coima por um agente de autoridade consubstancia uma situação de usurpação de poder, por se

tratar de uma competência a ser exercida pelos tribunais, órgãos de soberania, que mantêm as

suas incompetências na vigência do Estado de Emergência. Como tal, quando Manuel Precaução,

agente de autoridade, pratica tal ato, age em usurpação de poderes da função jurisdicional, é

incompetente para o praticar, sendo tal ato nulo, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 161º

do CPA. Tal consubstancia, também a violação do princípio da separação de poderes, consagrado

no artigo 111.º da Constituição.

No concernente ao arresto do veículo, propriamente dito, Manuel Precaução violou o direito de

propriedade de João Relaxado, consagrado constitucionalmente no artigo 62.º da Constituição.

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Tal direito não foi restringido no âmbito do decreto regulamentar, apenas o foi no que à requisição

civil diga respeito, nos termos do artigo 37.º do decreto.

Para além disso, o Decreto n.º 2 – B/2020 confere às forças e serviços de segurança e à polícia

municipal, um dever de fiscalização das normas do estado de emergência decorrentes desse

mesmo decreto. João Relaxado, na eventualidade de ter violado alguma dessas disposições,

desobedecendo ou resistindo às ordens legítimas das entidades competentes, quando praticadas

em violação do disposto no presente decreto, a sanção nos termos da lei penal é agravada em um

terço, nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2006, de

3 de julho como refere o nº 6 do artigo 43.º do decreto regulamentar do Governo. Pelo que a

desproporcionalidade das medidas aplicadas por Manuel foi injustificada, fazendo João resistir à

ordem (de forma justificada, como se demonstrou supra), na medida em que o facto de terem uma

forte inimizade, levou Manuel a extrapolar a normatividade a que se encontra vinculado, o bloco

de juridicidade, violando princípios fundamentais da Administração.

Arguição

Nesta fase do processo iremos proceder à arguição das alegações que nos levam a contestar as

atuações do arguido, o Sr. Manuel Precaução, e a defender o requerente, o Sr. João Relaxado.

Não podemos deixar de afirmar que a fiscalização que o Sr. João Relaxado entendeu necessária

efetuar, na delegação da fábrica de produtos farmacêuticos no Algarve, é relevante, tendo em

conta a hodierna situação de saúde pública. Efetivamente, uma fábrica desta natureza não pode

deixar de funcionar, assegurando as devidas condições de produção, muito menos na situação

pandémica atual, podendo a inércia do Sr. João Relaxado trazer graves problemas para a saúde

pública, uma vez que estão em causa produtos farmacêuticos, utilizados para o tratamento de

doentes e, até, para a prevenção e combate à doença Covid-19. Neste sentido vai também o próprio

Decreto do Presidente da República n.º 17 – A/2020, que renovou o Estado de Emergência a 2 de

abril de 2020, ao decretar, no n.º 4, alínea c), que “pode ser determinado pelas autoridades

públicas competentes que quaisquer colaboradores de entidades públicas, privadas ou do setor

social, independentemente do tipo de vínculo, se apresentem ao serviço e, se necessário, passem

a desempenhar funções em local diverso, em entidade diversa e em condições e horários de

trabalho diversos dos que correspondem ao vínculo existente, designadamente no caso de

trabalhadores dos setores da saúde, proteção civil, segurança e defesa e ainda de outras atividades

necessárias ao tratamento de doentes (…) à prevenção e combate à propagação da epidemia (…)”.

Assim é evidente que o Sr. Relaxado se possa ausentar do concelho de residência, já que a

fiscalização à fábrica é agora mais necessária que nunca, uma vez que tais produtos farmacêuticos

são essenciais e urgentes para qualquer doente, tendo que ser testados para garantir a sua

qualidade, sob pena de colocar em risco aqueles que farão uso dos produtos farmacêuticos.

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Tome-se nota que no Algarve, e apenas no Algarve, se registavam, no dia 9 de abril, dia em que

o Sr. João Relaxado se dirigia ao Algarve, 260 casos de pessoas infetadas com a doença Covid-

19 e, a nível nacional, se registavam 409 mortes10. Reiteramos, deste modo, a verdadeira urgência

desta fiscalização. E, considerando o artigo 28.º, n.º 1, alínea e) do Decreto do Governo n.º 2 –

B/2020, o membro do Governo responsável pela área da saúde, tem a faculdade de determinar a

“requisição temporária de indústrias, fábricas, oficinas, explorações ou instalações de qualquer

natureza, incluindo serviços e estabelecimentos de saúde dos setores privado e social”, pelo que

os produtos têm que se encontrar disponíveis e com qualidade para a eventual possibilidade de

requisição.

Nesse sentido, o Sr. João Relaxado teve o cuidado de preencher uma declaração em como tinha

necessidade de se deslocar ao Algarve por motivos profissionais. Reconhecemos que a declaração

possa não ter sido passada pela entidade patronal. Mas será que motivos ponderosos o não

justificam? Não esqueçamos que o Sr. João Relaxado é o responsável pela fiscalização da

produção de produtos farmacêuticos – tem um papel de grande responsabilidade na empresa, pelo

que a situação excecional vivida não pode ser descurada e a fiscalização a uma delegação ao

Algarve pode justificar-se. João Relaxado poderá pretender fazer uma ação de fiscalização

surpresa à delegação da fábrica, para que a ação de fiscalização seja o mais fidedigna possível.

Sendo o responsável pela fiscalização decidiu, pela urgência de fazer a ação de fiscalização, pela

necessidade rápida de obter a declaração, passar a declaração, de boa fé, para si próprio, sendo o

responsável pelas ações de fiscalização.

Ademais se reforça, por tudo o que se demonstrou, que o seu direito de propriedade, os seus

direitos fundamentais de natureza procedimental, o princípio da imparcialidade na sua vertente

negativa, no tocante ao dever de Manuel Precaução, primo com quem nutria uma relação de forte

inimizade, pedir escusa de intervir no procedimento foram violados. Igualmente o princípio da

proporcionalidade foi violado, na vertente da necessidade, pois embora as medidas tomadas pelo

polícia tenham sido adequadas à luz das suas competências de fiscalização, tendo em conta que o

Sr. João Relaxado violava os seus deveres, como cidadão, na vigência do estado de emergência,

visto não possuir documento válido que o habilitasse a circular para fora do seu concelho de

residência, para exercício de funções profissionais na data em questão, a forma de agir do agente

não preenche o requisito da necessidade, pois dentro do universo das possibilidades de atuação

em concreto, a adotada não foi a que, em menor medida, podia lesar os direitos e interesses dos

particulares, neste caso o Sr. João Relaxado. Advogamos que bastaria que o Sr. agente Manuel

Precaução, desse a ordem a João para regressar ao seu domicílio, para que um litígio desta

10 Conforme pode ser consultado no sítio oficial do Jornal Sul Informação, em notícia do dia 9 de abril, consultado em https://www.sulinformacao.pt/2020/04/covid-19-algarve-tem-260-casos-alentejo-94-e-ha-13956-em-todo-o-pais/.

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natureza fosse evitado. Na eventualidade de o Sr. João Relaxado desobedecer e se recusar a acatar

a ordem, nesse caso a atuação do requerente era ilegítima e ilegal, pelo que, à luz do decreto,

poderia ser cominado e participado por crime de desobediência, nos termos do artigo 43.º do

Decreto Regulamentar, o que se demonstrou não ser verdade.

Conclusão

Com efeito, conclui-se que, após uma apreciação da matéria de facto e de direito que ao caso

coube, a atuação levada a cabo pelo agente, os atos praticados no exercício da função

administrativa, são nulos, nos termos da alínea l) do n.º 2 do artigo 161º, tendo em conta que,

como se demonstrou supra, ao lhe ser imposto o pagamento da coima houve uma preterição total

do procedimento administrativo a que o Sr. João Relaxado tinha direito.

À preterição total do procedimento, acresceram violações de princípios fundamentais,

consagrados, também, na lei – o Princípio da Imparcialidade, nos termos do artigo 9.º,

concretizado no artigo 73.º do CPA e o Princípio da Proporcionalidade, imposto,

constitucionalmente no artigo 18.º, e, legalmente, no artigo 7.º do CPA, sendo que, em presença

de uma situação excecional, concretizada pela decretação do estado de emergência, se aplica a

norma especial do n.º 4 do artigo 19.º da Constituição, princípio fundamental para o

enquadramento das medidas a adotar em sede de Estado de Emergência, como garantidor do

respeito pelo Estado de Direito Democrático, perante uma situação em que o exercício de direitos

fundamentais são suspensos ou comprimidos.

Manuel Precaução, através de uma advertência a João Relaxado, para que diligenciasse no sentido

de apresentar a declaração necessária que comprovasse o exercício de funções, pela entidade

patronal, e a necessidade de sair do concelho, impondo, se necessário e no exercício das suas

competências, conferidas por lei, aos familiares, que regressassem ao domicílio, teria evitado a

violação de tais direitos, não descurando a prossecução do interesse público e o propósito

subjacente à proibição de saída de concelho, a não propagação do vírus.

Face ao exposto, conclui-se que a atuação do agente da PSP, Manuel Relaxado, consubstancia a

necessidade de ressarcir os danos causados a João Relaxado, nos termos da Responsabilidade

Civil Extracontratual do Estado. Estamos perante uma conduta de um indivíduo, que é tida como

uma conduta própria da Administração Pública, tendo em conta que este a representa. À luz do

artigo 22.º da Constituição, o “Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis,

em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou

omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte

violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”

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Tendo em conta a conduta do agente Manuel Precaução, analisada anteriormente, e partindo deste

artigo constitucional, parece estarmos perante uma situação de responsabilidade civil

extracontratual do Estado. Estaremos, como tal, perante uma situação de responsabilidade

subjetiva da Administração, que se baseia na culpa, por atos de gestão pública, no caso em análise,

responsabilidade por ação ilícita e culposa praticada por um agente da Administração11, que geram

a obrigação de indemnização à Administração.

Para que se confirme tal responsabilidade, seguindo a posição de DIOGO FREITAS DO

AMARAL, cinco pressupostos têm de estar reunidos.

Primeiramente, um facto voluntário praticado pelo agente, que, no caso em apreço corresponde a

um facto positivo, a uma ação – a ordem que foi dada a João relativamente ao pagamento da

coima por contra-ordenação, o arresto do carro e a ordem de detenção ilegítima. Nada apontando

para que o agente da PSP não estivesse sob o domínio da sua vontade, o primeiro pressuposto

encontra-se preenchido.

O segundo requisito é a ilicitude da ação, qualificada nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do Regime da

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RCEEP), Lei n.º

67/2007, de 31 de dezembro, estando em causa a violação de princípios ou disposições

constitucionais, legais ou regulamentares. A violação do princípio da proporcionalidade e da

imparcialidade, como se demonstrou, pressupõem o preenchimento deste artigo, tendo,

ilegalmente, procedido a uma detenção com ordem de prisão ilegal, e ao arresto ilícito, também,

do veículo de João Relaxado, e à atribuição de uma coima, também ilegal, por não ter sido

respeitado o procedimento tendente à sua produção.

Em terceiro lugar, a culpa, só havendo assim, obrigação de indemnizar, imputada a um concreto

indivíduo que tenha agido culposamente. Com efeito, a culpa «define um nexo de ligação do facto

ilícito a uma certa pessoa», implicando uma «ideia de censura ou reprovação da conduta do

agente», «apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das

circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor»12.

Cabe referir que a culpa, neste caso, se socorrerá do conceito de facto funcional por contraposição

a facto pessoal. Estará em causa um facto praticado no exercício das funções do seu autor, não

estando em causa uma ação pessoal, “um facto que não configura juridicamente apenas a atuação

de um indivíduo, mas também – simultaneamente, por força da lei – a atuação da própria

Administração Pública na prossecução de um dado interesse público.”13 Dos factos provados,

poder-se-á inferir que a o agente da PSP agiu com dolo, tendo agido em desconformidade com a

11 FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª edição, Almedina, 2018, pp. 601 e ss. 12 Ibidem, p. 604, de onde se retiram todas as citações referidas no parágrafo. 13 Ibidem, p. 605.

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lei, com intenção de gerar danos ao seu primo-inimigo. Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 8.º do

RCEEP, o agente, Manuel Precaução deverá responder, de forma solidária com a Administração,

pelos prejuízos causados a João Relaxado, que tem o direito a exigir contenciosamente o

ressarcimento dos danos.

Por último, refira-se o pressuposto da existência de um prejuízo – ficou privado do uso do seu

carro, foi-lhe aplicada uma coima, e terá com certeza custos, aquando da sua proposta de ação

junto do tribunal; e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo, de modo a concluir-se

que o facto tenha sido causa adequada do prejuízo – toda a atuação levada e cabo pelo agente

Manuel Precaução foi a única causa, tendente ao prejuízo sofrido. Se outra tivesse sido a conduta

de Manuel Precaução, os danos causados a João Relaxado, o particular, não teriam sido os

referidos.

É de referir, também, que é afeto a João Relaxado o direito a recorrer das ordens que lhe foram

impostas pelo agente administrativo, podendo impugnar judicialmente os atos administrativos,

individuais e concretos, bem como a cominação da coima, nos termos da tutela jurisdicional

efetiva, consagrada constitucionalmente nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4.

Ação em defesa do Particular, Sr. João Relaxado, levada a cabo por:

Ana Beatriz Farinha – n.º 61399

Francisca Gaudich – n.º 60869

Jéssica Chicote – n.º 60979

Jorge de Paiva – n.º 33303

Margarida Xavier – n.º 61432

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Bibliografia

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da iniciativa “5 minutos de Direito em Estado de Emergência”, do Instituto de Ciências Jurídico-

Políticas, do Centro de Investigação de Direito Público, publicado em abril de 2020, a consultar

https://www.youtube.com/watch?v=W_Fgo0iNdkg&list=PLdC_vodN92GBSXWSVvJL2d8ou

U-SqMPnP.

BLANCO DE MORAIS, Carlos, Curso de Direito Constitucional – Funções do Estado

e o Poder Legislativo no Ordenamento Português, Tomo I, 3ª ed., Coimbra Editora, 2015

MONIZ LOPES, Pedro, Suspensão de direitos fundamentais e decreto presidencial,

terceiro vídeo da iniciativa “5 minutos de Direito em Estado de Emergência”, do Instituto de

Ciências Jurídico-Políticas, do Centro de Investigação de Direito Público, publicado no mês de

abril de 2020, que pode ser consultado em

https://www.youtube.com/watch?v=SDM08eR6WSM&list=PLdC_vodN92GBSXWSVvJL2d8

ouU-SqMPnP&index=3

Relatório sobre a aplicação da 2ª declaração do estado de emergência – relativo ao período

compreendido entre 3 de abril de 2020 e 17 de abril de 2020, que pode ser consultado em

https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=08529dcd-625a-4b64-ac6a-

64db6172f200.

Notícia do Jornal Observador de 8 de abril de 2020, intitulada “Páscoa. 5 coisas que não

pode fazer até segunda-feira”, que pode ser consultada em https://observador.pt/2020/04/08/na-

pascoa-precisa-de-uma-declaracao-para-ir-a-outro-concelho-quem-nao-tem-patrao-deve-fazer-

este-documento/

FREITAS DO AMARAL, Diogo, "Curso de Direito Administrativo", volume II, 3ª

edição, Coimbra, Almedina, 2013

PEREIRA DA SILVA, Vasco, “Breve Crónica de um Legislador de Procedimento que

Parece Não Gostar Muito de Procedimento”, in Nos 20 Anos dos Cadernos de Justiça

Administrativa, CEJUR – Centro de Estudos Jurídicos do Minho, Braga, 2017, pp. 365 ss.

REBELO DE SOUSA, Marcelo/SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo

Geral, Tomo I, 3ª ed., D. Quixote

FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª edição,

Almedina, 2018