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Eduardo Luiz de Medeiros Simon de Montfort e a figura do Vassalo Perfeito na obra Historia Albigeoise, de Pierre des Vaux de Cernay CURITIBA 2006

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Eduardo Luiz de Medeiros

Simon de Montfort e a figura do Vassalo Perfeito na obra Historia Albigeoise, de Pierre des Vaux de Cernay

CURITIBA

2006

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Eduardo Luiz de Medeiros

Simon de Montfort e a figura do Vassalo Perfeito na obra Historia Albigeoise, de Pierre des Vaux de Cernay

CURITIBA

2006

Relatório de docência apresentado à disciplina de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em História no Ensino Médio do Curso de Bacharelado e Licenciatura em História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Professora orientadora: Dr. Fátima Regina Fernandes

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Para Meiry.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus pela sabedoria concedida, a minha esposa Meiry, sem a qual o desânimo e o cansaço teriam me vencido, a professora orientadora Fátima Regina Fernandes pela confiança e aposta neste projeto, onde visualizava um resultado que nem mesmo eu possuía da conclusão do trabalho; e aos amigos Daniel e Andrea pelo apoio e auxílio nos momentos difíceis. A todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente, para este trabalho, meu muito obrigado.

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Feliz é o homem que acha a sabedoria, e o homem que adquire o conhecimento; porque melhor é o lucro que ela dá do que a prata, e melhor é a sua renda que o ouro mais fino.

Provérbios 3:13 e 14

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Sumário

1-INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 7

2 – O ARGUMENTO LEGITIMADOR ............................................................................................ 15

2.1 – AS PRIMEIRAS HERESIAS.............................................................................................................. 15 2.2 – AS HERESIAS MEDIEVAIS ............................................................................................................ 16 2.3 – AS ORDENS MONÁSTICAS ............................................................................................................ 17 2.4 – O CATARISMO .............................................................................................................................. 21 2.5 - IDEOLOGIA FORJADA OU VERDADE CONSTATADA? .................................................................. 22

3 – OS PERSONAGENS...................................................................................................................... 24

3.1 – FILIPE AUGUSTO .......................................................................................................................... 24 3.2 – LOTARIO DEI CONTI DI SEGNI .................................................................................................... 27

4 – SIMON DE MONTFORT ............................................................................................................. 30

4.1 – SIMON DE MONTFORT E PEDRO DE ARAGÃO, VASSALOS DE ROMA......................................... 35 4.2 A FIGURA DE SIMON DE MONTFORT NA HISTOIRE ALBIGEOISE – O VASSALO PERFEITO ........ 38 4.3 – CARACTERÍSTICAS FÍSICAS ......................................................................................................... 40 4.4 – CARACTERÍSTICAS CRISTÃS........................................................................................................ 41 4.5 – CARACTERÍSTICAS NOBRES ........................................................................................................ 44

5 – CONCLUSÕES PARCIAIS.......................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 49

7 – ANEXOS ......................................................................................................................................... 52

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1-Introdução

O estudo do fenômeno conhecido como Cruzadas, é uma tarefa muitas vezes difusa,

devido a toda a mística que envolve o tema, vide a recente produção literária que aborda o

assunto1 e a filmografia hollywodiana, que tem valorizado os épicos históricos2,

debruçando-se sobre os conflitos medievais entre cristãos e muçulmanos, séculos antes dos

entraves contemporâneos, mostrando que o assunto ainda gera interesse e fascínio entre o

público leigo. Ao observarmos este fenômeno, a partir do momento em que ocorre dentro

dos domínios da Cristandade, como no episódio ao qual me proponho investigar, qual seja,

a Cruzada albigense, percebe-se a singularidade e complexibilidade em buscar apreender

elementos que esclareçam ou ao menos auxiliem na clarificação das motivações e

personagens envolvidos num conflito desta magnitude. Para tanto, a análise da Cruzada

será realizada através da trajetória do líder cruzado, o conde Simon de Montfort, na medida

em que, através de sua singularidade, é possível verificar elementos que transpassem a

própria Cruzada. Entre estes elementos é possível citar, por exemplo, o desenvolvimento

de dois projetos expansionistas antagônicos entre a região norte do território conhecido

hoje como França, e o reino de Aragão, na Península Ibérica.

Para iniciar esta discussão, proponho a análise de alguns elementos pertinentes ao

contexto relativo ao tema proposto, seguido de um olhar mais aproximado da fonte

documental intitulada Histoire Albigeoise, escrita pelo monge cisterciense Pierre des Vaux

de Cernay. Desenvolvida no formato de crônica, entre 1213 e 1218, é o documento

considerado pela historiografia contemporânea como “a matriz da visão oficial do

conflito” 3. Pierre era o sobrinho de Guy, abade do mosteiro de Vaux de Cernay, no

sudoeste de Paris, fundado por Simon de Neauphle em 1118 ou 1128 4.

A Histoire Albigeoise é uma fonte escrita por um clérigo em formato de crônica

como uma elegia a um vassalo real. Entender estes elementos, ou seja: as razões para a

escrita da obra e para a exaltação da figura de um personagem que estava à sombra do rei

tendo como pano de fundo a Cruzada albigense e o contexto europeu do século XIII, serão 1 - Por exemplo, o best seller de Dan Brown, O Código da Vinci, que faz menção inclusive aos cátaros e aos cavaleiros templários, numa obra ficcional que mescla elementos históricos e um enredo polêmico. 2 - O filme de Ridley Scoot, Cruzada de 2005. 3 - MACEDO, José Rivair. Heresias, cruzada e inquisição na França Medieval. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 67 4 - PIERRE DES VAUX DE CERNAY. Histoire Albigeoise. Traduction par Pascal Guebin et Henri Maisonneuve. Paris: Libraire J. Vrin, 1951. p. IX. Deste ponto em diante, a obra será indicada como PVC.

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os alvos deste trabalho. Para tanto, será necessário deslocar o foco da Cruzada e dos

hereges apenas, e analisar figuras como o papa Inocêncio III, o rei Felipe Augusto e o rei

Pedro II, o católico, numa intrincada rede de ações políticas e projetos antagônicos que

auxiliaram na formação da geografia política da Europa.

A realização de uma leitura que busque uma visão da obra do monge Pierre des

Vaux de Cernay que não contemple apenas a Cruzada albigense ou as doutrinas dos

hereges, é a contribuição do presente trabalho para a historiografia. A elevação de Simon

de Montfort a um papel central dentro da crônica eclesiástica de Pierre nos levou a

conectá-la à formação da proposta de unificação do reino francês, tão díspare em seu

território, como a Cruzada e a heresia mostraram ser. A necessidade de um modelo de

vassalidade, fé católica, fidelidade ao rei e coragem, faz da Historia Albigeoise uma obra

em certa medida de cunho didático, tanto para os habitantes do norte, quanto para os

habitantes do Languedoc, que em termos culturais e sociais estavam muito mais associados

ao reino de Aragão, que aos domínios de Filipe Augusto.

De acordo com a pesquisa realizada, dividimos o presente trabalho em três

capítulos principais, os quais vão tratar respectivamente dos seguintes elementos: O

argumento legitimador, qual seja a heresia cátara; os personagens, onde discutimos a

respeito dos papéis de Filipe Augusto e Inocêncio III no conflito e a existência de um

projeto da monarquia francesa apoiado pela Igreja Romana que visava expandir os

territórios do norte buscando uma saída para o mar Mediterrâneo; e uma análise da figura

de Simon de Montfort. Esta análise acontece em quatro pontos específicos, quais sejam: a

descrição de sua participação na Cruzada albigense, suas características físicas, cristãs,

nobres e como estas características, na obra de Pierre, corroboram para nossa hipótese de

criação de um Vassalo Perfeito que serviria de exemplo tanto para a os servos de um

pretenso reino francês unificado, como para a Igreja.

Para o primeiro ponto, o desenvolvimento das heresias no contexto europeu dos

séculos XII e XIII, optamos por dois trabalhos principais: Heresias Medievais de Nachman

Falbel e Reforma na Idade Média, de Brenda Bolton. Na primeira obra, Falbel traça uma

síntese das principais heresias que obtiveram repercussão frente à cristandade durante

período medieval, como por exemplo, os cátaros, valdenses, beguinos e pseudo-apóstolos.

O autor também apresenta clérigos saídos das ordens monásticas que questionavam

dogmas da doutrina cristã, como por exemplo, Pedro de Bruys, que negava a santa missa, o

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batismo de crianças, a cruz enquanto símbolo tradicional do cristianismo5. Além de atentar

apenas para a própria descrição dos acontecimentos, é importante perceber como o autor

entende os conceitos aos quais nos propomos utilizar em nossa pesquisa. A principal

contribuição de Falbel está em sua explicação para o conceito de heresia:

“A palavra heresia (do grego hairesis, hairen, que significa escolher) acompanhou a vida

da Igreja desde os inícios e, para os escritores eclesiásticos o termo designava uma doutrina

contrária aos princípios da fé oficialmente declarada”.6

O autor distingue as heresias ocorridas entre os séculos XII e XIII daquelas

ocorridas no início do cristianismo como religião oficial no Ocidente, dizendo que estas

possuíam um caráter filosófico e teológico, onde os dogmas cristãos eram submetidos ao

crivo racional, enquanto as heresias da Idade Média possuíam enquanto características,

“[...] um cunho popular assentado sobre uma nova visão ética da instituição eclesiástica e

do cristianismo como religião vigente na sociedade ocidental”.7 Quando retratar o conceito

heresia, estarei me referindo à visão do autor de que as heresias medievais mobilizavam

tanto clérigos quanto camponeses e até senhores, num contexto propício para mudanças,

sejam elas intelectuais, econômicas ou sociais. Esta percepção está de acordo com a

historiografia 8 mais recente sobre o tema.

Para o fortalecimento da heresia albigense no sul da França, é necessário analisar o

contexto que norteia o Ocidente nos séculos XII e XIII, que diferem, por exemplo, das

apreensões percebidas na virada do ano mil 9, bem como nos séculos XIV e XV 10. Na

5 - FALBEL, N. Heresias Medievais. São Paulo: Perspectiva, 1967. p. 27 6 - FALBEL, N. Op.cit. p. 13. 7 - FALBEL, N. Op. cit. P. 13. 8 “As heresias estão catalogadas desde o fim do século II, a lista estereotipada alongou-se e a Idade Média conheceu-a por intermédio de Santo Agostinho (De heresibus, começo do século V: 88 heresias) e do resumo de Isidoro de Sevilha (Etimologias, século VII: 70 heresias)”.ZERNER, Monique – Heresia. In. LE GOFF, Jaques e SCHMITT, Jean – Claude (Org.) Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002, pp. 503. 9 - Para maiores informações sobre os séculos X e XI, BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 1982. 10 - “Desde el tiempo em que el misticismo lírico y dulcemente doloroso de Bernardo de Claraval, había

introducido en el siglo XII la fuga de la emocíon florida por la Passíon de Cristo, habíase ido llenando el

espíritu, em medida siempre creciente, de uma rendida compassíon por los dolores del Salvador; había

llegado a estar totalmente penetrado, saturado de Cristo y la cruz.” HUIZINGA, J. El outono de la Edad

Media. Madrid: Revista de Ocidente,1930.pp. 66.

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tentativa de buscar hipóteses para a peculiaridade do recorte escolhido, foi analisado o

segundo autor proposto para nortear esta pesquisa teoricamente: Brenda Bolton e sua obra,

Reforma na Idade Média. A idéia de um período ímpar de mudança no Ocidente neste

recorte temporal não surge com Brenda Bolton, aliás, é muito mais antigo 11. Marc Bloch

em seu Ocidente Medieval mostra suas ressalvas na utilização do termo Renaissence,12

numa analogia direta ao movimento italiano do século XV. É neste sentido que

consideramos o termo adotado por Bolton, Reformatio, mais adequado em nossa opinião

enquanto conceito balizado. Segundo a autora: “[...] foi tão grande este fermento espiritual

e alterou-se de tal modo a concepção dos homens quanto à vida cristã e sua finalidade no

mundo, que alguns historiadores da espiritualidade medieval consideram que esta

representa uma mudança tão fundamentalmente profunda e duradoura como a Reforma do

século XVI”.13

A base para a Reformatio estaria na profunda crise da cristandade ocidental, onde a

mudança no pensamento cristão resultou na mutação da espiritualidade, que por sua vez

gerou outras crises que influenciaram todo o conjunto da vida religiosa que libertaram uma

efervescência considerável de idéias14. Esta efervescência une-se ao que Jaques Verger

chama de contexto favorável 15

.

Este breve panorama constitui-se na base do surgimento do catarismo16, na medida

em que, “[...] o movimento herético foi um dos aspectos do renascimento religioso da

época e, em parte, um subproduto das mudanças culturais, sociais e econômicas dos

11 - “Em um livro clássico publicado em 1927, o medievalista americano Charles H. Haskins lançou, para designar este grande movimento de impulso, a expressão de Renascimento do século XII”. VERGER, J. Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII. Edusc, 2001.pp.17. 12 - “O aparecimento dos grandes poemas épicos, na França do século XI, pode conceber-se como um dos

sintomas precursores que anunciavam o poderoso desenvolvimento cultural do período seguinte. Chamam-

lhe muitas vezes de Renascença do século XII. Esta fórmula poderá empregar-se se se fixarem as devidas

reservas sobre uma expressão que, interpretada à letra, evocaria uma simples ressurreição, em vez de uma

mudança: com a condição, no entanto, de não relacionarmos com uma significação cronológica demasiado

precisa”. BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 1982. 13 - BOLTON, Brenda. A Reforma na Idade Média. Século XII. Lisboa, Edições 70, 1983, pp. 13 e14. 14 - BOLTON, Brenda. Op. cit. pp. 19. 15 - O autor trata de quatro pontos para a existência deste contexto favorável: crescimento demográfico e econômico em geral, desenvolvimento agrícola que sustentou o desenvolvimento urbano, o retorno da economia monetária. Estes fatores favoráveis para a existência de uma intelectualidade medieval, segundo a denominação de LEGOFF, os intelectuais da Idade Média. VERGER, J. Op. cit. pp. 52. 16 - Cathares, cathari, Kathari, catari, em alemão Ketzer (herético). Também cazari ou gazari. FALBEL, N. Op. cit. pp. 108.

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séculos XI e XII”.17 Para Brenda Bolton, as reações da Igreja a este contexto de mudança

são tão importantes quanto às conseqüências representadas pela eclosão das heresias. Neste

ponto, a figura do papa Inocêncio III é central. Segundo a autora, “[...] ele não só

estabeleceu a distinção ou distinctio, entre heréticos irredutíveis e aqueles que eram

meramente desobedientes, como também assinalou a suprema insensatez que era excluir-

se da Igreja tanto os últimos como os primeiros. Com grande perspicácia, habilidade e

energia, Inocêncio conseguiu incorporar estes grupos desobedientes na hierarquia da

Igreja”.18

O segundo tópico qual seja, Os personagens trata basicamente de duas figuras:

Inocêncio III e Filipe Augusto. Foram escolhidos, pois de acordo com minha hipótese de

trabalho, a descrição de Simon de Montfort por Pierre, contém em seu âmago, o ideal de

dois universos distintos, porém complementares: o guerreiro exemplar e o cristão fiel. Este

era o modelo que ambos, Filipe e Lotário, buscavam para si.

O papel da Sé Católica no conflito está personificado na pessoa do papa Inocêncio

III que assumiu o trono de Pedro entre 1198-1216. Considerado pela historiografia católica

como um dos maiores papas da Idade Média, foi hábil em unificar o poder de Roma,

desgastado após um século de conflitos internos entre monarcas e os nobres de Roma19. A

região do Midi francês, centro da heresia cátara, requereu a atenção do papa devido à

simpatia dos nobres locais ao credo herético. Porém, Lotário dei Conti de Segni preferiu a

diplomacia onde ela fosse aceita, enviando diversos legados à região, com a missão de

devolver os hereges à verdadeira fé. Entre os mais ilustres pregadores enviados por

Inocêncio III, encontra-se Domingos de Gusmão, futuro São Domingos. O período de

conversações termina com o assassinato do legado papal Pedro de Castelnau, supostamente

17 - FALBEL, N. Op.cit. pp. 38. 18 - BOLTON, B. Op. cit. pp. 116 e 117. 19 Lotário queria certificar-se que os próximos 100 anos seriam menos turbulentos que os precedentes. Os anos 1100 não tinham sido uma época feliz para os delegados de Cristo. Antes de Inocêncio, onze dos dezesseis pontífices do século XII viram os papas mantidos à força longe de Roma por amotinados, republicanos ou agentes de reinos distantes. A comuna romana, liderada Por Arnold de Brescia na metade do século, foi um episódio particularmente vívido em um pesadelo recorrente. Em 1145, o papa Lúcio II morreu por conta de ferimentos sofridos em uma batalha pelo controle do Capitólio; trinta anos antes, um fraco e velho Gelásio II foi posto sentado em uma mula e forçado a suportar as zombarias de seus inimigos. “Antipapistas” eram freqüentemente eleitos pelos clãs romanos rivais e por homens da Igreja que serviam ao imperador germânico, que representavam a única ameaça maior à idependência do papado.

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a mando do conde de Tolouse Raimundo VI, em 14 de Janeiro de 1208 20, dando início à

Cruzada albigense, legitimada pela carta papal endereçada à nobreza do norte da França.21

Para a análise de Inocêncio em meu trabalho utilizei o clássico francês. Innocent III la

croisade des albigeois., de Achille Luchaire, escrito em 1911.

Filipe Augusto é descrito pela historiografia apenas pela sua disputa com os reis

plantagenetas, os quais derrotou em 1215. É importante salientar que o projeto

expansionista de Filipe possuía outra frente de suma importância para o reino francês: uma

saída para o Mediterrâneo. A dificuldade para alcançar este objetivo estava no território do

Languedoc que se interpunha a Filipe. Os grandes feudos da região como Béziers,

Carcassome e Toulouse eram regidos por vassalos do rei de Aragão, Pedro II. Filipe

encontrou na Cruzada, a oportunidade de estabelecer sua hegemonia sobre a região, através

da criação de laços de matrimônio entre as nobres locais com senhores do norte, destruindo

desta forma a unidade dos feudos, que fortaleciam a região. Conforme as cidades eram

conquistadas pelos cruzados, estes casamentos foram estabelecidos. Após as guerras

cátaras, a antiga identidade do sul praticamente desapareceu, sendo toda a região do Midi

sujeitada à Paris, concretizando assim, o projeto de Filipe Augusto. O projeto

expansionista do rei francês está descrito na obra de Stephen O´Shea, intitulada, A heresia

perfeita: A vida e a morte revolucionária dos cátaros na Idade Média, uma das referências

para o desenvolvimento de meu trabalho.

O terceiro capítulo é uma análise da figura do líder cruzado Simon de Montfort,

numa tentativa de verificar se a hipótese da criação da figura de um Vassalo Perfeito seria

pertinente ao contexto descrito por Pierre des Vaux de Cernay. Para tanto, consideramos

como ponto de partida, o pressuposto de que para criar um modelo, devem ser adotados

parâmetros existentes no contexto ao qual o escritor está inserido. Na introdução crítica da

fonte, os autores da tradução revelam um fator de suma importância para este raciocínio,

qual seja, a leitura dos escritos de Bernardo de Claraval por Pierre des Vaux de Cernay.22

20 - PVC. Op. cit. Cap. 55 p. 25. “A près ce bref prèliminaire sur les predicateurs de la parole de Dieu,

venor-en avec l`aide du Siegneur, au martyre de cet homme venerable, de ce vigoureux champion, frére

Pierre de Castelnau.” 21 - PVC. Op. cit. Cap.56 p.25 “Innocent évêque, serviteur dês serviteurs de Dieu, à nos fils bien-aimés lês

nobles hommens, comte set barons et à tous lês habitnats dês provinces de Narbonne, Embrum, Aix et béne

diction apostolique.” 22 La Bibliothèque comprenait aussi des oeuvres relativement contemporaires de Saint Anselme, Yves de

Chartres, Hugues de Saint Victor, Pierre Lombard. En bonne place figuraient évidemment lês traités,

commentaries et sermons de Saint Bernard. PVC Op. cit. pp. X.

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Nas obras completas de São Bernardo, foi encontrada uma apologia a uma casta de

guerreiros superiores aos cavaleiros comuns, na medida em que os Templários possuíam,

para Bernardo, o melhor de dois mundos: eram guerreiros temporais e espirituais.23

Partindo do cruzamento de minha fonte primária com a obra de Bernardo de Claraval,

encontrei três categorias qualitativas ao entorno da descrição de Simon: aspectos físicos,

nobres e cristãos. As características físicas descritas apontam para um ideal de beleza, que

em meu estudo está em conformidade com o conteúdo literário da Provença do século XII,

onde a descrição do herói desprovido de falhas físicas era um sinal da Providência Divina

favorável. Outro fator para a descrição física detalhada de Simon por Pierre está de acordo

com a narrativa bíblica de heróis guerreiros como Absalão, Davi ou Sansão, todos

retratados como homens perfeitos. Quanto às características nobres de Simon, Pierre

retrata inúmeras situações onde a coragem do cavaleiro é provada, além de sua compaixão

e senso de justiça. Este léxico moral estava inserido no imaginário de cavalaria, que incluía

ainda o caráter do amor cortês. Esta característica estava descrita em Simon, na medida em

que sua esposa, a condessa Alice de Montgomercy, é uma figura sempre presente nas

conquistas do marido. Simon é descrito como esposo fiel, enquanto seus adversários, como

por exemplo, o conde de Toulouse, é retratado como pervertido e poligâmico.

Nas características religiosas, percebem-se todas as qualidades de um cristão fiel,

como fé, fidelidade à Igreja e seus líderes e respeito inexorável pela ortodoxia católica.

Toda descrição destas características converge para corroborar com minha hipótese da

criação de um vassalo Perfeito, que servisse como um exempla tanto para a monarquia

francesa em formação, como para a Igreja que precisava fortalecer seu vínculo com o

século, na medida em que o papado buscava aumentar sua hegemonia no século através da

Teocracia Papal.

Para que estes pontos fossem aprofundados em meu trabalho, algumas obras foram

de suma importância e merecem menção. Para uma melhor compreensão do conflito

armado intitulado Cruzada albigense, duas obras foram fundamentais: A heresia Perfeita –

A vida e a morte revolucionária dos cátaros na Idade Média, de Stephen O’shea, e Atlas

de los Cátaros, organizado por Jesus Mestre Campi. Em a heresia Perfeita, O’shea 23 De los caballeros de Jesus Cristo, pues combaten solamente por los interesses de su Señor, sin temor de

incurrir en algún pecado por la muerte de sus enemigos ni en peligros ninguno por la suya propia, porque la

muerte que se da o recibe por amor de Jesus Cristo, muy lejos de ser criminal, es digna de mucha gloria. CLARAVAL, Bernardo de. Obras Completas, Tomo II. Madrid: Biblioteca de los autores cristianos, 1955. pp. 857

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descreve todos os nuances pertinentes à Cruzada, auxiliando na compreensão do contexto

mais amplo sobre os eventos do Languedoc. A existência de dois projetos expansionistas

dirigidos por Filipe Augusto de França de um lado, e Pedro II de Aragão de outro, está de

acordo com a obra de O’shea. A segunda obra foi de grande valia para ambientar a

pesquisa aos espaços territoriais envolvidos, como, por exemplo, verificar qual o território

pertencente ao norte francês, qual a delimitação do Midi francês e a região de Aragão.

Outros textos de relevância no amadurecimento de conceitos pertinentes à pesquisa

merecem menção. A obra de José Rivair Macedo, Heresia, Cruzada e Inquisição na

França Medieval, única obra encontrada sobre o tema na historiografia brasileira, auxiliou

na percepção da construção da memória histórica sobre a heresia cátara. Na compreensão

do conceito e dos preceitos de cavalaria de Pierre, foram utilizadas duas obras. O verbete

cavalaria de Jean Flori, no já citado Dicionário Temático da Idade Média contraposto com

o clássico sobre o tema de Leon Gautier, La chevalerie. Ambos foram importantes no

sentido de compreender a noção de cavalaria no universo no qual o cronista Pierre estava

inserido, para então, transpô-lo aos seus escritos. Foi necessário também buscar textos que

auxiliassem na compreensão das relações vassálicas entre senhor e vassalo, bastante

presente na Crônica albigense. Para tanto, Sociedade Feudal de Marc Bloch e Senhorio e

Feudalidade na Idade Média foram as obras escolhidas para suprir este vácuo.

Por fim, a fonte utilizada em nossa pesquisa é a Historia Albigeoise, de Pierre des

vaux-de-Cernay. Foi traduzida para o francês por Pascal Guébin e Henri Maisonneuve em

1951 do original contido na Patrologia Latina: História Albigensium et Sacribelli in eos

anno 1209 suspect Duce et Príncipe Simone de Monforti, crônica de Petri monachi

coenobii Valium Cernaii. Utilizamos esta tradução por ser a mais conhecida pela

historiografia relacionada ao tema. O título original nos fornece uma pista de nossa

proposta de trabalho, ao incluir o nome de Simon de Monfort, suprimida pela versão

francesa. A fonte possui 621 capítulos divididos em três partes principais que possuem

subdivisões internas. A primeira parte intitulada Os hereges, está contida entre os capítulos

5 e 19, trata das práticas consideradas heréticas e suas doutrinas, com ênfase na proteção

dos senhores do sul francês aos hereges. A segunda parte, Os pregadores, contempla os

capítulos 20 até 54. Mostra o envio de missionários até a região em conflito por parte do

papa Inocêncio III e a ineficácia na conversão dos hereges. A terceira e última parte do

documento, As Cruzadas é também a mais extensa: 557 capítulos subdivididos em 12

partes. Tem como objetivo descrever a Cruzada albigense em todos os seus pormenores,

além de exaltar a figura do cavaleiro Simon de Monfort ao mesmo tempo em que deprecia

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o conde de Toulouse, personificação do verdadeiro perigo da heresia para a Igreja: uma

nobreza que apoiasse os hereges e desse suporte a ela, diminuindo o poder eclesiástico nas

áreas de sua influência, neste caso, o Midi Francês.

2 – O argumento legitimador

O primeiro objeto norteador de nossa pesquisa foi o elemento desencadeador da

Cruzada albigense, qual seja, o catarismo. Em nossa hipótese, esta heresia representa o

argumento legitimador de um projeto que suplanta o fenômeno ocorrido no Midi francês

no início do século XIII. Apresentaremos argumentos que apontem para a gênese do

processo de unificação do território francês, na figura do rei Filipe Augusto, contando com

o apoio do papado, através de Inocêncio III. Uma discussão acerca dos cátaros, porém,

parece incompleta, caso não esteja relacionada ao contexto mais amplo do período

juntamente com as demais heresias medievais.

2.1 – As primeiras heresias

As heresias acompanham a história da Igreja Cristã desde sua gênese. Segundo

Monique Zerner, “o problema da heresia nasce com o cristianismo” 24

. O período para a

construção do corpo canônico do Novo Testamento foi de mais de um século. Este corpo

foi constituído de maneira complexa, através de polêmica e discussões entre os líderes da

chamada igreja primitiva. O resultado deste projeto foi a exclusão daqueles que

discordaram da ortodoxia recém formada, a quem foi atribuído o título de herege 25

. O

próprio apóstolo Paulo, durante a primeira metade da década de 60 da Era Cristã, cita

em duas ocasiões o termo em suas epístolas 26

.

24 ZERNER, Monique – Heresia. In. LE GOFF, Jaques e SCHMITT, Jean – Claude (Org.) Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002, pp. 503. 25 Do grego hairesis, hairen, que significa escolher, representava para os escritores eclesiásticos uma doutrina contrária aos princípios da fé oficialmente declarada. 26 1COR 11:19 dei gar kai aireseiV en umin einai ina [kai] oi dokimoi faneroi genwntai en umin. Porque até mesmo importa que haja hereges entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio. 1Co 11:19 TIT 3:10 airetikon anqrwpon meta mian kai deuteran nouqesian paraitou.Evita que o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez. Tito 3:10.

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Os primeiros estudos ou descrições acerca das heresias dos primeiros séculos da

cristandade encontram-se nos escritos de Santo Agostinho e de Isidoro de Sevilha.27 O

caráter destas heresias era filosófico – doutrinário, ou seja, as discussões envolviam as

doutrinas da ortodoxia, como por exemplo, a natureza divina e humana de Cristo, sendo

esta uma especulação racional em torno dos princípios ou dogmas cristãos 28.

2.2 – As Heresias Medievais

O período compreendido entre os séculos XII e XIII recebe a nomenclatura de

“séculos heréticos” por Nachman Falbel 29. A intensificação dos movimentos heréticos

neste período leva-nos a buscar no contexto europeu, argumentos que justifiquem tal

fenômeno. Segundo Falbel:

“Na verdade, podemos ver na crítica herética, ou melhor dito, em parte desta crítica, uma

tentativa de apontar os erros e os desvios da instituição eclesiástica, da sua intervenção no poder

secular à custa de sua missão espiritual; enfim, uma tentativa de alertar a sociedade cristã de que

os seus representantes desvirtuaram a verdadeira imagem da religião funda por Cristo”30

Este “desvio moral”, segundo Henri Daniel –Rops 31, do corpo eclesiástico

justifica-se quando verificamos as profundas transformações ocorridas no interior da

sociedade medieval, no período imediatamente anterior ao abordado, que merece uma

breve menção neste trabalho.

A Europa apresentou nos séculos XII e XIII, aquilo que os manuais didáticos

comumente chamam de As grandes mudanças.32

Estas mudanças atingiram todos os níveis

da sociedade medieval 33 através do crescimento demográfico que segundo Le Goff,

27 De herisibus, do começo do século V e Etimologias, século VI. Nos dois trabalhos foram catalogadas cerca de 160 heresias, entre elas os gnósticos, montanistas e os maniqueos. 28 FALBEL, Nachmam. Op. cit. pp. 13. 29 O autor restringe este termo aos limites da atuação da Igreja Ocidental. 30 FALBEL, N. Op. cit, pp.14. 31 ROPS-DANIEL, A Igreja das Cruzadas e das Catedrais. São Paulo: Quadrante, 1993. pp. 39. 32 SCMIDT, Mário, Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005. pp. 38. 33 “Vários factores han incidido em ello: las guerras internas,la de los señores feudales, prácticamente han

terminado: los condados , los ducados , han sido ya estabelecidos. Ahora solo guerrearán reyes contra

reyes; se trata de guerras localizadas que causan estragos em sítios concretos, pero de lãs que pediam al

margem la mayor parte de los tyerritórios . Todo ello há permitido el incremento demográfico: se habían

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duplicou entre o final do século X e o início do XIV.34 Outro fator que demonstra este

“progresso” medieval foi à intensificação da cunhagem de moedas durante o século XIII:

E, por fim, o renascimento monetário do século XIII deslumbrou os historiadores,

principalmente, com o regresso à cunhagem de moedas de ouro.35

Estas mudanças comportam ainda outros elementos tais como o renascimento

urbano, o desenvolvimento de técnicas agrícolas e o conseqüente aumento da produção

com a formação de excedentes desta produção que voltou a estimular o comércio. É claro

que estes eventos são muito mais complexos que o simples esquema aqui apresentado,

porém é possível apresentar um panorama geral que nos instigue a buscar algumas

motivações para este contexto favorável. Neste sentido, os especialistas divergem em suas

posições. Maurice Lombard busca sua explicação no contato entre o Ocidente e o mundo

muçulmano, que gerou a necessidade de produzir matérias-primas para atender cidades

como Córdova, Damasco e Bagdá. Para Lynn White, por outro lado, este desenvolvimento

se deve aos progressos técnicos desenvolvidos pelos próprios europeus. Independente do

motor deste processo econômico, o ponto que nos interessa neste trabalho, é o impacto que

este fenômeno causou no seio da cristandade e em seu corpo eclesiástico, que até meados

do século XII, estava representado pelas ordens monásticas, que experimentaram grande

desenvolvimento, em especial, a ordem de cluniasense.36

2.3 – As Ordens Monásticas

A organização da ordem de Cluny proporcionou uma rápida proliferação de abadias

filhas da casa-mãe. Desta ordem saíram papas conhecidos como Papas Reformadores pela

historiografia cristã, entre eles o próprio Gregório VII, que havia sido abade de Cluny.

Segundo Tathyana Zimmermann:

hecho avances com la natalidad y la esperanza de vida sobrepassa el limite de los 30 años. El bosque há

sido artigado, se cultivam nuevas tierras y la ganaderería se incrementa. Hay uma expansíon Del médio

rural, pero tambíen de lãs villas y de los burgos, com uma incipiente industria, la têxtil, que experimenta um

mayor intercâmbio comercial; los templários, los hospitalários han organizado la banca. Occitãnia aporta a

todo ello el hecho cultural: trovadores y cortess de amor serían signos renovadores.” CAMPI, J. Mestre. Atlas de los Cátaros . Barcelona: Ediciones Península, 1997. pp. 6 34 - LE GOFF, Jaques.O Ocidente Medieval.Lisboa: Editorial Estampa, 1983. pp.298. 35 - LE GOFF, J. Op.cit. pp.302

36 Algumas ordens monásticas estabeleceram-se nesta época e conheceram grande crescimento, sendo que a que mais enriqueceu foi a ordem de Cluny. FERNANDES, Tathyana Zimmermann. Ordem de Cister: Arte e

Pensamento. Curitiba,2004. pp. 01. Trabalho Monográfico apresentado no departamento de História da UFPR.

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Não tardou para que Cluny espalhasse abadias “filhas” pelo restante da Europa, os

mosteiros cluniacenses proliferaram. Sua organização fez com que prosperassem. As abadias

cluniacenses tornaram-se grandes senhorios monásticos, seus camponeses cultivavam as terras,

abriam bosques e matagais, drenavam pântanos e produziam o vinho. Essas abadias eram centros

de povoamento, centros produtivos nos quais o excedente era comercializado. Enriqueceram e

tornaram-se poderosos.37

Este enriquecimento levou a uma valorização da liturgia e ornamentação dos

mosteiros e na práxis divergente do discurso de grande parte dos monges que levavam

vidas de opulência e ociosidade, bastante distante dos princípios expostos pela Regra de

São Bento, regra-base para praticamente todas as ordens regulares.38 Citamos Cluny por

ser a abadia com maior e mais rápida ascensão no período, mas é possível ainda citar

outras que se enquadrem neste processo como Brogne e Gorze.

Este elemento de ordem econômica é o primeiro a ser analisado ao buscar o cerne

das heresias do século XII, mas existe ainda outro ponto mais difícil de ser apreendido por

seu caráter estar incutido na “consciência” da sociedade medieval. Brenda Bolton chama

este fenômeno de Crise religiosa do Século XII.39

O contexto de efervescência em vários aspectos pelos quais passou a sociedade

medieval em fins do século XI impactaram, inevitavelmente, o corpo eclesiástico que

precisou atualizar, mesmo que a contragosto, 40 seu discurso, na medida em que a própria

concepção de ser cristão modifica-se para um sentimento cada vez mais individual.

Segundo Bolton:

Os cristãos se tornaram coletivamente cada vez mais conscientes do mundo que os

rodeava e procuravam racionalizá-lo. Também do ponto de vista individual se verificava uma nova

tomada de consciência do próprio homem, relacionada com a condenação que Cristo fizera do

pecado no coração e que conduziu a um despertar da importância da consciência.41

37 FERNANDES, Tathyana Zimmermann, Op. cit. pp.09.

38 Regra de São Bento. Capítulo 33. 39 BOLTON, Brenda. A Reforma da Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. pp. 19. 40 Embora o objetivo da Igreja fosse manter a sua finalidade e função, necessitava de ser capaz de ajustar

as suas crenças e instituições de forma a ir ao encontro das exigências que lhes faziam. BOLTON, B. Op.

cit. pp. 17. 41 BOLTON, B. Op. cit. pp. 20.

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Esta mudança na consciência do homem medieval é analisada por Brenda Bolton

em sua Reforma da Idade Média, onde sugere seis reações desencadeadas por esta crise,

dentre as quais, duas nos interessam mais de perto pela relação com nossa temática: O

monasticismo, ou vita angelica e as heresias. A primeira delas, o monasticismo, foi uma

reação interna às deformações dos princípios da Igreja Primitiva, retomados pela Regra de

São Bento durante as Reformas Gregorianas, que grosso modo, poderia ser resumido como

a vida em comunidade e a pobreza voluntária.

Das vozes que se levantaram para enfatizar esta postura em detrimento da

ostentação e opulência que havia se infiltrado por entre as abadias, está Bernardo de

Claraval que deixou diversos escritos conclamando seus congêneres a um retorno às

origens do Cristianismo. Bernardo foi o representante por excelência da Ordem de Cister e

também o abade de Claraval até sua morte em 1153. O diferencial desta ordem estava na

idéia que norteava os pensadores, que era a de um retorno genuíno ao monacato

beneditino. Cister tornara-se desta forma, uma oposição dogmática a Cluny, resultando em

discussões acaloradas entre os líderes de ambas as Ordens.42

A outra reação à crise religiosa do século XII, segundo a descrição de Brenda

Bolton, analisada neste trabalho, são as chamadas heresias medievais. Uma variante da vita

apostólica 43

, que segundo a autora, foi uma tentativa de um novo estilo de vida baseado

num retorno ao cristianismo primitivo com um apelo especial para a vida comunitária

voltada à pobreza voluntária. Este impulso a uma mudança de atitude levara homens e

mulheres a exporem sua fé de maneira itinerante nas comunidades, como pregadores,

digamos, informais que estavam fora dos quadros da ortodoxia regular. Esta postura de

certa forma popular44 facilitou a fuga do discurso e a criação de distorções do cristianismo,

que levaram a Igreja a combatê-los. Um sinal desta mudança pode ser verificado a partir da

análise das primeiras heresias medievais, a maioria delas iniciada por homens que atraíam

seguidores que formavam o corpo da heresia. Homens como Pedro de Bruys, o monge

Henrique de Lausanne e Arnaldo de Bréscia entre outros, foram os gestores deste

fenômeno.45 Nachmam Falbel, estudioso das heresias, apresenta as especificidades de cada

42 Bernardo de Claraval, 43 BOLTON, B. op. Cit. pp.22. 44 De fato, convém insistir na oposição decisiva entre a heresia oriental [...] e a heresia ocidental, essencialmente popular que conquista elementos pouco instruídos ou iletrados. HEERS, Jaques. História

Medieval. São Paulo: Edusp. 1974. pp. 148. 45 FALBEL, N. Op. cit. pp. 27.

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doutrina, mas o detalhe fundamental em sua obra Heresias Medievais, é o de buscar

semelhanças entre cada fenômeno, tentando estabelecer um padrão que demonstre a tese de

Falbel, que segundo nossa observação é a seguinte:

Na verdade, podemos ver na crítica herética, ou melhor dito, em parte desta crítica, uma

tentativa de apontar os erros e os desvios da instituição eclesiástica , da sua intervenção no poder

secular à custa de sua missão espiritual, enfim, uma tentativa de alertar a sociedade cristã da que

os seus representantes desvirtuaram a verdadeira imagem da religião cristã.46

Os pontos em comum destacados por diversos autores47 em geral apontam para a

concepção da Igreja não como um conjunto de construções e posses do clero, mas como a

unitate congregatorium fidelum, que significava que o que mais importava era o conjunto

dos crentes no Evangelho, sendo todo o restante desprezado, inclusive à hierarquia católica

instituída. Outro ponto de distanciamento com a Igreja tradicional estaria baseado na idéia

de Eclésia spiritualis, ou seja, o cristianismo deveria estar pautado apenas pela fé do crente

nos Evangelho. Com esta atitude, o corpo doutrinal eclesiástico seria, nesta concepção,

supérfluo, não restando espaço para os sacramentos como o Batismo de crianças, a

Eucaristia, a Missa e para os símbolos da Cristandade como, por exemplo, a Cruz.

Não é difícil imaginar a razão pela qual estes grupos deveriam ser combatidos ou ao

menos, dissuadidos a retornar à verdadeira fé cristã. O caráter anticlerical de diversos

destes movimentos, gerava uma ameaça à autoridade da Igreja, que neste momento

buscava fortalecer seus laços com o poder temporal. Em grande medida, os movimentos

heréticos do século XII apresentavam uma dimensão bastante limitada seja

geograficamente, como também temporalmente, porém uma destas heresias perdurou por

mais de dois séculos e reuniu o maior número de adeptos durante a Baixa Idade Média: os

Cátaros ou albigenses.48

46 FALBEL, N. Op. cit. pp. 214. 47 Brenda Bolton, Nachmam Falbel, Jesus Mestre Campi, Monique Zerner, Emilio Mitre e Cristina Granda, para citar alguns. 48 “Cátaros” aparece pela primeira vez nos sermões contra os cátaros do monge Eckbert Von Schonau, pronunciados em 1163 em seguida à descoberta em Colônia de uma dúzia de homens e mulheres heréticos vindos de Flandres: “Eles são chamados de Cátaros na Germânia, piphles em Flandres, texerant, de tecelão, na Gália”, e para descrever ele recopia algumas passagens de Santo Agostinho tiradas de sua descrição dos maniqueos. A palavra vem do grego, onde significa “puro” ou “perfeito”, e havia servido para qualificar os novacianos e os montanistas do século IV.Em torno de 1220, Alain de Lille conta que cátaro estava na origem de Ketzerei,o termo que designa “heresia” em alemão e que surge nesse momento, a menos que o nome proceda da Kater, “gato” figura de Lúcifer. Acrescentemos o nome de bulgarus ou bolgarus, em francês bougre, bogre, bougrel, que aparece somente por volta de 1200 e se estenderá durante os anos de

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2.4 – O Catarismo

Uma sucinta definição para o catarismo é dada por Anne Brenon:

Es uma forma arcaizante Del cristianismo, que interpreta los preceptos evangélicos con

una visíon dualista 49

.

Grande parte da bibliografia relaciona esta heresia a seitas dualistas orientais, em

especial os maniqueos50. Este dualismo representa a antiga crença na existência de dois

deuses criadores: um Bom, responsável pelo mundo espiritual e um deus Mal, representado

por Lúcifer, responsável pelo mundo material. Neste sentido, os cátaros criam que a vida

terrena seria um sofrimento que só terminaria com o fim da raça humana, razão pela qual

seriam contrários ao matrimônio e as relações sexuais. Apresentariam também, uma dieta

diferenciada da qual a carne não faria parte.

A hierarquia cátara estava dividida em duas categorias distintas: os crentes da qual

fariam parte os seguidores da seita, e os Perfeitos, líderes da heresia. Abominavam a

hierarquia católica, bem como os dogmas sacramentais como o batismo de crianças,

eucaristia e a própria missa.51

Do ponto de vista interno, possuíam a prática do consolamentum, espécie de

iniciação espiritual aos perfeitos e a ordenação destes. Aos crentes, restava participar da

penitência e da quebra do pão, equivalente cátaro à Eucaristia católica, que simbolizava

uma comunhão entre os membros, pois não acreditavam na transubstanciação do pão em

carne, comum ao rito católico.

Pierre des vaux de Cernay descreve, na primeira parte de sua Crônica, a estrutura da

heresia, descrição esta compreensivamente pejorativa, na medida em que o objetivo da

1230-1240 a todos aqueles que a Inquisição persegue ao norte do Loire com a quase imediata conotação de Sodomia. ZERNER, M. Op. cit. pp. 510. 49 . CAMPI, J. Mestre. Op. cit. pp. 14. 50 De su origen y doctrina trataremos em el capítulo de lãs herejias. Basta decir aqui que ensenaban um dualismo de caráter gnóstico. LLORCA,B. e VILLOSLADA, R. Historia de la Iglesia Católica. Madrid: La Editorial Católica. 1951. pp. 579. Albigenses. Adeptos de uma série de seitas dualistas que floresceram na Europa Ocidental nos séculos XII e XIII. ELWELL, Walter. Enciclopédia Histórica Teológica da igreja Cristã. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova. pp. 36. 51 FALBEL, N. Op cit. pp.41.

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narrativa é o de legitimar um evento da magnitude de uma Cruzada. É possível perceber

alguns pontos –chave na descrição de Pierre que apontem para o principal motivo para a

abrupta mudança no tratamento dado pela Igreja no Languedoc francês.

Lês seigneurs du languedoc à peu tous protégeaient et recevaient lês heretiques, ils leur

témoignaient um amour excessif et lês defendaient contre Dieu et contre l´Eglise52

Este ponto é fundamental para entender o contexto de Cruzada que ocorre a partir

de 1208. Grande parte dos movimentos heréticos do medievo permaneceu restrita aos

laboratore53

O catarismo, porém, influenciou a nobreza local que possuía vantagens ao

abandonar a fé católica, pois deixavam de entregar os tributos requisitados pelo corpo

eclesiástico. Outra razão, mais subjetiva para esta simpatia da nobreza pela doutrina

albigense, estaria numa espécie de identidade da região do sul, abrangendo o reino de

Aragão, o sul da França e da Itália, principalmente. Isto pode ser visualizado através da

fuga dos hereges para o sul da Itália após a Cruzada e pelo auxílio do rei Pedro II de

Aragão em resposta ao pedido do conde de Toulouse, Raimundo VI. Estes dois elementos:

a simpatia à heresia e o sentimento de pertencimento de pertencimento ao sul da França

não interessavam nem para a Igreja, nem tampouco ao reino francês em processo de

unificação através da pessoa de Filipe Augusto.54

2.5 - Ideologia Forjada ou Verdade Constatada?

Esta breve apresentação da estrutura da heresia vai de encontro com a produção

historiográfica tradicional sobre o tema. Porém, a relação direta entre o dualismo dos

primeiros séculos, pode apresentar algumas discrepâncias que tem levado pesquisadores a

52 PVC,Op. cit. pp. 5. 53 Para maiores informações a respeito do conceito de ordem trifuncional, ver DUBY, Georges - As três

ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982. 54 Hijo de Luis VII y de Adela de Champaña. Se considera a Felipe como el rey que puso la primera piedra de lo que llegaría a ser lo grandereino de Francia. Era prudente, ordenado y um excelente administrador. A pesar de lãs contínuas peticiones de Inocêncio III para que encabezara la cruzada, siempre se nego a ello. Lo cierto es que sus preocupaciones esenciales se centraban en consolidar el pequeno que recebió, luchando com êxito contra ingleses y germânicos, singularmente em Bouvines (1214): la Victoria le permitio ampliar su território com Normandia, Maine, Anjou y Turena. las de Simon de Montfort lê dejaran la via libre para que, ya transpassado, el Languedoc se incorporava tambíen a Francia. Él, que no monió ni uno solo dedo a favor de la cruzada, recebió a Montfort (1216) y le recordo que el território conquistado lê pertencenía... Murió de enfermidad em Nantes. CAMPI, J. Mestre. Op. cit. pp 49.

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questionarem a imagem pré-concebida dos albigenses 55, especialmente Monique Zerner

em seu verbete no Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Esta dúvida com relação ao

caráter do catarismo apresenta-se devido à falta de documentos vindos dos hereges. A

quase totalidade das fontes relativas ao tema pertence à Igreja, “ao mesmo tempo árbitro e

litigante, ela mesma arrebatada pelo movimento geral da história”.56 Esta quase

exclusividade na descrição da heresia pelos vencedores do conflito parece bastante

conveniente 57, para fins legitimadores. Nosso cronista Pierre utiliza este método em sua

obra.58

Outro ponto importante com relação à imagem histórica dos cátaros está no famoso

concílio herético de Saint-Felix, ocorrido em 1167 sob a presidência do bispo cátaro de

Constantinopla, o patriarca Nicetas. Neste concílio, se estabeleceu a divisão em bispados

da Igreja cátara no Languedoc, confirmando Albi, que já contava com um, expandindo

para mais três cidades da região o bispado: Toulouse, Carcassome e Agen. Este concílio

seria a prova do pressuposto poder da heresia no sul da França.59 Novos estudos porém,

têm buscado analisar a real influência da heresia, seja através do levantamento do número

de hereges, e até pelo questionamento da existência do próprio concílio de Saint-Felix.

Mais uma vez, Monique Zerner aponta que a primeira citação de tal reunião aparece num

escrito sobre a história dos Duques de Narbonne no século XVII 60. O número de hereges

também é questionado pela autora61. A razão para tais hipóteses estaria no fracasso da

Igreja ao tentar influenciar e exercer o domínio espiritual na Aquitânia firmando assim, seu

poder na região. Para justificar sua impotência evangelística que culminaria com o levante

armado, os cronistas teriam oferecido aos hereges atributos que eles mesmos não

possuíam.

55 Monique Zerner 56 ZERNER, M, Op. cit. pp. 519. 57 Que crédito deve se atribuir ao esquema forjado pelos inquisidores? Estabelecer uma filiação que remonte

às origens era uma necessidade lógica que datava do cristianismo primitivo. ZERNER, M. Op. cit.pp.517.

58 Qu’on sache tout dábourd que lês herétiques croyaient en, léxistence de deux créateurs: l’un invisible, qu’ils a appelaient le dieu “bon”, l’ autre visible, qu’ils appelaient le dieu “mauvais”. PVC. Op. cit pp. 5. 59 Constiuyó uma demonstración que existia del catarismo em el Languedoc. CAMPI, J. Op.cit .pp. 23. 60 ZERNER, M. Op. cit pp.511. 61 Os cátaros não eram numerosos (Rayner Sacconi contabiliza 4000, principalmente na Itália) ZERNER, M. Op. cit.519.

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Seja como for, o catarismo não teve tempo hábil para se firmar enquanto um novo

dualismo, pois foi sufocado pela Igreja, no projeto idealizado pelo papa Inocêncio III,

outro personagem importante no processo cruzadístico, ao qual estamos buscando

apresentar os principais elementos. Inocêncio detinha a autoritas, ou o poder espiritual,

mas era outro personagem que detinha a potestas, ou a força beligerante que garantiria ao

papa o sucesso de seus objetivos. Este personagem era Filipe II, ou Filipe Augusto, rei

francês. Inocêncio e Filipe são fundamentais para entender o processo de criação do

vassalo perfeito, portanto seria interessante analisarmos brevemente estes homens.

3 – Os Personagens

A figura de Simon de Montfort apresentada por Pierre dês Vaux de Cernay, em

nossa opinião, contém o âmago, o ideal dos dois universos, o guerreiro exemplar e o

cristão fiel. Este era o modelo que ambos, Lotário e Filipe, buscavam para si.

3.1 – Filipe Augusto

Stephen O´shea descreve da seguinte maneira o monarca:

Filipe Augusto (1165-1223): Rei da França. Conseguiu reduzir gradualmente a presença

continental plantageneta dos Reis Ricardo (Coração de Leão) e João (sem Terra), a um pequeno

território da Aquitânia. Os barões de Filipe foram os principais líderes da Cruzada albigense.62

A bibliografia sobre o monarca enfatiza que foi o principal da dinastia dos

capetos.63 José Rivair Macedo, traça um interessante panorama monarquia da Francia

entre 1099, período da deflagração da Primeira Cruzada, e 1208, data do início da Cruzada

albigense. No primeiro, o rei Filipe I não possuía expressão alguma tanto temporal, como

perante a Igreja. No segundo, Filipe Augusto inicia a ampliação do território em duas

62 O´SHEA Stephen. A heresia perfeita: A vida e a morte revolucionária dos cátaros na Idade Média. Rio de Janeiro: Record,2005. pp.12. 63 Uma figura decisiva na expansão do poder real foi Filipe Augusto (1180-1223), que combateu o rei inglês o mesmo João da Magna Carta, que tinha mais território na França que o próprio Filipe. Filipe triplicou o tamanho de seu reino, tornando-se mais forte que qualquer senhor francês. PERRY, Marvin. Civilização

Ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 1999. pp. 170.

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frentes principais: nas disputas com os plantagenetas e na anexação do sul do território

francês em virtude da Cruzada albigense.64

Filipe Augusto e Inocêncio III mantinham uma relação de certa forma tensa, na

medida em que ambos desejavam a hegemonia do poder. Inocêncio, “o homem mais hábil

a usar a tiara de pontifícia em dois séculos”,65

buscava exercer em toda a sua plenitude a

teocracia papal. Neste sentido, é possível entender a posição do monarca em não tomar

parte diretamente na Cruzada proposta pelo papa. Segundo O´Shea, Inocêncio enviou

cartas a Filipe em 1204, 1205 e 1207 concedendo o controle do Languedoc ao monarca

caso comandasse a Cruzada.66 Esta informação a respeito das cartas enviadas por

Inocêncio a Filipe estão de acordo com a análise detalhada de Pascal Guébin e Henri

Maisonneuve.67

A demora em atender ao papa e o envio de barões ao invés de sua presença pessoal

no conflito, demonstram um duelo entre o poder deste dois homens. Segundo O´Shea:

O fato de a expedição punitiva ter levado tanto tempo para se organizar

demonstrava a relutância dos governantes leigos, em especial Filipe Augusto, em ceder o

mínimo terreno no traiçoeiro campo da soberania.68

Pierre des Vaux de Cernay, comenta a respeito da solicitação de Inocêncio a Filipe

Augusto, porém a insistência do pontífice é sublimada de sua narrativa. Isto pode ser

explicado pela posição pró-cruzada de Pierre e pela obra ter sido dedicada a Inocêncio.

64 MACEDO, Op. cit. pp. 11-13. 65 O´SHEA Stephen, Op. cit. pp. 114. 66 O´SHEA, Stephen. Op. cit. pp. 75. 67 Dés 1204, il (Inocêncio) expose au roi la theórie des deux glaives, l’ínvites à intervir dans lê Midi contre lês héretiques et lui accorde l’indulgence de Terre Sainte. 28 Mai 1204: Il invite expressément sés légats Arnauld, Raoul et Pierre à intervenir dans lê même sens auprés du roi: 31 Mai 1204. Em 1205, il insiste encore: 16 Janvier, 7 Février, avec un même insuccès. En 1207, après l’éxcommunication de Raymond VI, Inoocent III multiplie sés instances : 17 Novembre, la letre du pape fut remise au roi par l’evêque de Paris : or à ce moment, lê roi d’Angleterre créait de l’agitation dans l’ouest de la Francew. Philippe-Auguste répondit par une fin de non-recevoir. Delisle. Em 1208, après la mort de Pierre de Castelnau, nouvelle instance auprès du roi . Il dépêche auprès dês róis de France et d’Angleterre lês abbés cicterciens de Perseigne et du Pin em vue d’une trève de deux ans. – comme em 1177 le lêgat Pierre de Pavie était intervenu avec succés auprès de Louis VII et d’Henri II. Même refus du roi et pour lês Croisade dês Albigeois autorisa sés vassaux à partir. Mais cette autorisation n’avait aucunumnet valeur d’une délegation. PVC. Op. cit. pp. 34-35. 68 O´SHEA, Stephen. Op. cit. pp. 114.

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Não era interessante apontar para esta aparente falta de poder sobre o monarca por parte do

papa.

Le roi répondit au messanger du siegneur pape quíl avait sur lês flancs deux grands lions

dangereux: Othon, soi-disant emperor, et Jean, roi d’Angleterre qui de parte t d’autre

s’efforçaiment à qui mieux mieux de troubler le royaume de France, et pour cette rason il refusait

de quitter le nord de la France ou d’envoyer son fils: il jugeait suffisant pour l’instant d’autoriser

sés vassauxà partir dans la Province de Narbonne pour y combattre ceux qui troublaient la paix et

la foi.69

As repetidas cartas do Pontífice a Filipe Augusto são confirmadas por Achille

Luchaire:

Il lui avait déjà ecrit trois fois, le 28 mai 1204, le 16 janvier et 7 février 1205, avec une

insistance de plus em plus vive.70

Apenas em 1215, quando Filipe Augusto consegue se desvencilhar de seus inimigos

plantagenetas é que toma parte no conflito de maneira mais decisiva enviando seu filho,

príncipe Luis até o Midi francês.

É importante salientar que Filipe Augusto possuía um projeto para obter uma saída

para o Mediterrâneo, projeto este que se via impossibilitado através dos fracos laços entre

os senhores do sul e o monarca. A territorialidade pretendida por Filipe, acaba entrando em

conflito com outro projeto semelhante: o de Pedro II de Aragão, que tinha o intuito de

formar um grande território sulista que englobaria a área de Aragão até Gênova.71 O

projeto de Filipe venceu, em grande parte devido ao apoio da Igreja, na medida em que

Inocêncio III não atendeu as exigências de Pedro II, e também devido à vitória na Batalha

de Muret, em 1213, onde o rei aragonês faleceu em combate, desbaratando a coalizão

formada no Languedoc. As intrincadas relações matrimoniais estabelecidas após o início

da Cruzada, fortaleceu a influência do norte da França em toda a região do Midi francês.

Ao término do que ficou conhecido como Guerras Cátaras, o território da França abrangia

todo o Languedoc e o projeto de Filipe Augusto, embora depois de sua morte, havia se

concretizado, na medida em que a França contava agora com uma saída para o

Mediterrâneo.

69 PVC. Op. cit. pp. 35. 70 LUCHAIRE, Achille. Innocent III la croisade dês albigeois. Paris: Libraire Hachette, 1911. pp. 116. 71 Vide anexos.

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Para encerrar este breve comentário a respeito deste monarca, utilizo as palavras de

George Duby, ao comentar os acontecimentos famosos de 27 de julho de 1214: 72

Na tarde do combate, Filipe tornou-se de facto o Augusto, o verdadeiro César,

desdenhando ostentar as insígnias imperiais encontradas nos despojos da vitória, mas no entanto,

seguro de presidir, agora apenas com o papa, ao destino da cristandade.73

3.2 – Lotario dei Conti di Segni

Lotario dei Conti, conde de Segni foi eleito papa em 1198. Descrito pela

historiografia católica como um dos grandes papas da Idade Média, apesar de haver

invocado a Cruzada albigense e a mal fadada Quarta Cruzada, que culminou com o saque

de Constantinopla pelos venezianos.74

Para entender a notoriedade que Inocêncio adquiriu enquanto Inocêncio III, é

necessário observar sua trajetória em relação ao contexto no qual estava inserido. Segundo

O’shea:

Lotário queria certificar-se que os próximos 100 anos seriam menos turbulentos que os precedentes. Os anos 1100 não tinham sido uma época feliz para os delegados de Cristo. Antes de Inocêncio, onze dos dezesseis pontífices do século XII viram os papas mantidos à força longe de Roma por amotinados, republicanos ou agentes de reinos distantes. A comuna romana, liderada Por Arnold de Brescia na metade do século, foi um episódio particularmente vívido em um pesadelo recorrente. Em 1145, o papa Lúcio II morreu por conta de ferimentos sofridos em uma batalha pelo controle do Capitólio; trinta anos antes, um fraco e velho Gelásio II foi posto sentado em uma mula e forçado a suportar as zombarias de seus inimigos. “Antipapistas” eram freqüentemente eleitos pelos clãs romanos rivais e por homens da Igreja que serviam ao imperador germânico, que representavam a única ameaça maior à idependência do papado.75

As disputas entre o papado e o império atingiram seu ápice com o reinado do

imperador Henrique VI, o filho de Barba-roxa com seu projeto de ampliação do império.

Seu avanço pela Europa central e península itálica foi interrompido pela morte de Henrique

na Sicília. O filho do falecido imperador foi tutoriado pelo próprio Lotário. Além das

72 Para maiores informações sobre a Batalha de Bouvines, ver DUBY, George. O Domingo de Bouvines.São Paulo: Paz e Terra, 1973. 73 DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982. pp. 372 74 Para maiores informações sobre este episódio, ver RUNCIMAN, S. A História das Cruzadas. Vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2002. 75 O’SHEA, Op. cit. pp. 51.

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disputas externas entre os poderes temporais e eclesiásticos, havia disputas internas entre

as famílias aristocratas de Roma que envolviam o processo de ascensão ao papado. Lotário

teve de suplantar as famílias dos Frangipani, Colonna, Annibaldi e os Caetani, todos com

cardeais ou barões entre seus membros. Foi por volta de 1150 que, através do casamento

entre o pai de Lotario e a herdeira da família Scotti, que a família de Lotário, os Segni,

conseguiu a proeminência desejada.

Vejamos como Inocêncio III é retratado pela historiografia tradicional:

Durante o pontificado de Inocêncio IIII (1198-1216), a teocracia papal atingiu seu

apogeu. Mais que qualquer outro papa antes dele, Inocêncio fez do papado o centro da vida

política européia; na tradição de Gregório VII, ele afirmou pela força a teoria da monarquia

pontifical. Como chefe da Igreja, Vigário de Cristo e sucessor de São Pedro, Inocêncio reivindicou

a autoridade de intervir nos assuntos internos dos governantes seculares, quando estes

ameaçavam a boa ordem da cristandade. Segundo ele, o papa “menor do que Deus, mas maior

que os homens (...) julga a todos sem ser julgado por ninguém”76

.

Claro está que esta declaração deve ser avaliada de maneira mais pormenorizada,

pois, embora influente, Inocêncio III não possuía poderes ilimitados perante o círculo de

poder secular, na medida em que estes, resistiam a Roma interferindo em suas decisões.

Não é preciso ir muito longe para averiguar este detalhe: os três principais personagens

seculares pertinentes à Cruzada albigense, Filipe Augusto, Raymond VI e Pedro II de

Aragão, apresentaram em diferentes momentos do conflito, posição de discordância com o

sumo pontífice.

Nachman Falbel, corrobora com esta visão a respeito de Inocêncio III, inserindo um

novo conceito neste assunto:

O uso do poder temporal para perseguir, julgar e exterminar a heresia apoiava-se na

teoria das “duas espadas” do papa Gelasius, que afirmava que Deus havia dado o poder temporal

e espiritual ao papa que, por sua vez, entregara o poder temporal aos reis, monarcas e príncipes

para proteger a fé, como bons súditos que lhe deviam obediência. Em última instância, a heresia

que visava atacar a cátedra de São Pedro, o papa, era perigosa não só do ponto de vista religioso

dogmático, mas também sob o aspecto da unidade política do mundo cristão. Inocêncio III, que

considerava o papa acima dos reis e do poder temporal, com o direito de julgá-los, tentou

estabelecer o imperium mundi, sob a hegemonia da Santa Sé, vendo, portanto, no combate à

heresia a eliminação daquela tendência desagregadora que levava a criar comunidades isoladas,

sem contato com o resto da cristandade, provocando conflitos.77

76 PERRY, Marvin, Op. cit. pp. 180.

77 FALBEL, N. Op, cit. pp. 43.

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No tocante à heresia Cátara, Inocêncio III empreendeu o combate em três frentes

distintas: o reforço do lexo jurídico punitivo em relação à Cruzada e a adaptação do

decreto papal Ad abolendam de Lucio III 78; o lançamento da Cruzada no Midi 79 80; e a

preferência à tolerância em toda a parte onde as novas formas de religiosidade até então

rejeitadas podiam ser integradas 81. Desta forma, é possível perceber porque os

franciscanos foram admitidos sob a égide da estrutura cristã e Pedro Valdo foi perseguido

como herege. A questão parece estar mais relacionada à obediência que à própria estrutura

dogmática. Segundo Zerner, esta estratégia foi possível devido ao poder que a Igreja

adquiriu no período anterior, ao mesmo tempo em que o desafio herético não foi relevado,

porém sufocado.

Lotário foi exaltado pela historiografia, talvez pela falta de brilho de seus

antecessores, tendo em vista que Gregório VIII esteve no cargo por apenas dois meses. No

geral, os pontífices anteriores a Inocêncio III não conseguiram administrar as tensões e

mudanças no contexto social e político que surgiu durante o século XII.

Num ambiente prolífico em pregadores como Bernardo e Domingos de Gusmão,

fruto do contexto de renovação tanto econômica como espiritual da Europa, Inocêncio

soube como aproveitar este movimento, regulamentando no seio da Igreja aqueles

pregadores que obedecessem aos desígnios eclesiásticos, como Francisco de Assis, através

da confirmação da primeira regra franciscana em 1209. Outra iniciativa neste mesmo

sentido foi a confirmação dos Humiliati de Milão como ordem religiosa em 1201. Ele

78 ... et éveques garantissent líndulgence accordée accordée par Dieu et son Vicaire pour la rémission de leurs péches et qu’uune pareille entreprise suffise à tenir lieu de satisfaction pour les faultes, celles du moins dont

une réelle contribution de coer et une sincère confession de bouche seront offertes au Dieu de Vérité. PVC.

Op. Cit. pp. 28.

79 “ C’est seulement avec son pontificat que paraît s’ouvrir une phase nouvelle dans histoire de la poursuite et de la punition des dissidents. Il est le premier pape qui ait invoqué frequemment le bras séculier et imaginé cette chose inouie, une croisade intérieure, la guerre faite à un peuple chrétien parce qu’il avait cessé d’être catholique.” LUCHAIRE, Achille. Innocent III la croisade dês albigeois. Paris: Libraire Hachette, 1911. pp. 47. 80 Sous le haut commandement des éveques lês cruisés mènent la guerre sainte au pays des Albigeois. Dans la bulle de 1208, Innocent III invite tous les seigneurs de France à la curée des “héretiques” “ En avant, chevaliers du Christ! En avant, courageuses recrues de l’armée chrétienne” Qu’un zéle piex vous enflamme pour venger une si grande offense faite à voitre Dieu! “Et de leur concéder à la fois des indulgenses et les terres “exposées” C’était tentant. On peul s’etonner que le nombre des croisés n’ait pás étéplus considerable : c’est que Philippe-Auguste avait quelque raison de freiner leur enthousiasme; il autorisa néamoins quelque-uns de sés vassaux à prendre la croix. PVC. Op cit. pp. XVIII. 81 La tache était laborieuse que plusieurs séires de légats pontificaux si usèrent sans succès. Coup sur coup apparurent dans le Midi, em 1198, lês moines Renier et Gui; em 1200, un cardinal, Jean de Siant-Paul; en 1203, Pierre de Castelanu et Raol; en 1204, adjoint à ces derniers, Arnaut-Amarlric, l’abbé de Citeux, une puissance de l’Église. LUCHAIRE, Achille. Op. cit. pp. 70-71.

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modificou o conteúdo do decreto papal escrito por Lúcio III em 1184, Ad abolendam 82

.

Inocêncio III restringiu a abrangência do decreto apenas aos grupos que pregassem

preceitos contrários à ortodoxia oficial. Os adeptos à via apostólica, desde que se

dispusessem a estar subordinados ao papado, através das propositas83

, foram aceitos no

seio da Igreja Católica.

Como dissemos no início do capítulo, Inocêncio III e Filipe Augusto, parecem ser

duas faces da mesma moeda, no sentido que possuíam objetivos similares de agregarem

respectivamente, a cristandade e o território francês, mas para tanto precisavam um do

outro. Ambos precisavam de um exemplo para mostrar aos demais, tanto do norte quanto

do sul francês a síntese entre o verdadeiro cristão e cavaleiro, segundo seus objetivos. Na

narrativa de Pierre des Vaux de Cernay, não temos dúvida que este personagem ganha vida

na pele de Simon de Montfort.

4 – Simon de Montfort Tendo analisado previamente os perfis dos dois homens proeminentes e líderes do

movimento cruzadístico no Midi Francês, podemos passar a analisar a figura peculiar do

pequeno senhor de terras próximas à Paris, que durante o conflito, passa de um nível

secundário, à liderança e posse de praticamente todo o Languedoc francês.

Como foi dito anteriormente, o objetivo primeiro ao analisarmos a Histoire

Aibigeoise, era encontrar um estudo aprofundado da heresia cátara na região do Midi

francês. No entanto, encontramos, uma apologia épica à figura do conde de Montfort, fato

que nos levou a reestruturar o trabalho e mudar o foco de nossa observação para as

relações de senhorio e vassalidade constantes neste contexto. Simon de Montfort começou

a chamar nossa atenção através de dois trechos escritos por Pierre:

82 Este decreto pode ser considerado como a primeira tentativa real de definir uma atitude oficial relativamente a dissidentes manifestos. Grupos inteiros de heréticos, entre eles os Cátaros foram

indiscriminadamente excomungados. Além destes, o decreto excomungava também os Valdenses e os Humiliati, que queriam apenas viver as suas vidas de acordo com o conceito de via apostólica, comunicando aos outros a sua experiência deste modo de vida cristão. Estes argumentos foram retirados de BOLTON, Brenda. Op. cit. pp. 114-115.

83 Estas propositas eram curtas declarações que indicavam a disposição destes grupos de se devotar a vidas

de piedade cristã. Na forma como lidou com estas proposita, Inocêncio III mostrou que estava preparado

para enfrentar estes movimentos de protesto como nenhum outro papa o fizera até então. Procurou cobrir o

fosso existente entre os grupos e a Igreja hierárquica, contanto que se pudesse considerar que a fé ortodoxa

se mantinha intacta e que a autoridade hierárquica era basicamente reconhecida. BOLTON, Brenda. Op.

cit. pp. 116.

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Arrivée dês Croisés.L’an 1209 de l’ Incarnation, dans la douzième année du pontificat du

siegneur pape Innocent, sous le règne de Philippe, roi de France, aux environs de la fête de saint

Jean Baptiste, tous lês croisés qui s’étaient mis em marche dans lês diverses parties de la France

du nord se concentrènt à Lyin, ancienne capitale de la Gaule, selon um plan uniforme et réglé

d’avance. Parmi eux on remarquait l’archevêque de Sens, lês évêques d’Autun, de Clermont, de

Nevers, le duc de Bourgogne, le comte de Nevers, le comte de Saint Pol, le comte de Montfort, le

comte de Bar-sur-Seine, Guichard de Beaujeu, Guillaume dês Roches, sénéchal d’Anjou, Gaucher

de Joigny et beaucoup d’autres seigneurs nobles et puissants don til serait trop long Donner lês

noms.84

Comme l’occasion nous y invite et que la logique de notre plan le demande, intercalons ici

ce que nous savons personnellement sur le noble comte de Montfort. Mettons em premier lieu son

ilustre origine, son inébranlable courage et as connaissance approfondie du maniement des armes.

De plus, si nous passons à l’aspect physique, sa stature ètait haute, sa chevelure remarquable, son

visage élégant, son aspect agréable, ses épaules saillantes, ses bras musclés, son torse gracieux,

tous ses membres agiles et souples, son allure vive et alerte : il ne prêtait à la critique, si peu que

ce fut, même aux yex d’un ennemi ou d’un jaloux.85

O primeiro trecho retrata a primeira aparição de Montfort na narrativa de Pierre,

envolto em modesto lugar entre os duques da Borgonha e do conde de Nevers. O segundo

sintetiza a perfeição do agora eleito líder dos cruzados seja na beleza física, na nobreza de

caráter, fidelidade cristã ou coragem na batalha. Para entender a transição do conde, que

passa de pequeno senhor feudal a mandatário legal de praticamente de todo o Languedoc, é

necessário analisar o contexto no qual Simon esteve inserido.

O’shea define Simon da seguinte maneira:

Campeão da causa católica no sul. Depois de demonstrar patente bravura em batalhas, foi

nomeado visconde de Béziers e Carcassome em 1209. Anos de generalato brilhante e brutal

fizeram-no senhor de todo o Languedoc.86

Simon nasceu em 1165 numa propriedade próxima à Paris. Seu clã era ilustre,

embora não tivesse muitos bens, na medida em que possuía como herança, o condado de

Leicester na Bretanha. Com a rivalidade entre os plantagenetas e os reis franceses, a

realeza anglo-saxônica não estava propensa a reconhecer o direito de nobres tão próximos

à Paris.

84 PVC. Op. cit. pp.39. Grifo meu. 85 PVC. Op. cit. pp. 46. 86 O’SHEA, Op. cit.p p. 13.

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Esta pode ter sido uma das razões que o levaram a participar, em 1202 da Quarta

Cruzada promulgada por Inocêncio III para reconquistar Jerusalém após a vitória de

Saladino, após a Cruzada real de Frederico Barba Roxa e Ricardo Coração de Leão.87 A

expedição nunca chegou até a Palestina, pois acabou se transformando numa campanha

mercenária em que a força cruzada foi utilizada pelos venezianos para saquear as cidades

de Zara e Constantinopla. Esta Cruzada exemplifica muito bem o espírito do

empreendimento que há muito já não tinha como objetivo real libertar a Terra Santa das

mãos dos muçulmanos.

Dois personagens pertinentes ao contexto da Cruzada albigense participaram da

Quarta Cruzada: Simon de Montfort e o cronista Pierre des Vaux de Cernay 88 como

secretário de seu tio, o abade Guy des Vaux de Cernay. O episódio foi narrado por Pierre

em nossa fonte de pesquisa:

En ce temps-lá, le noble comte de Montfort et l’abbé des Vaux de Cernay, Guy, le futur

évêque de Carcassome, dont nous avons souvent parlé, s’em allaient avec des barons français pour

une expedition d’ooutre-mer.89

Pierre mostra a nobreza de Simon e Guy ao se recusarem a tomar parte no saque à

cidade cristã de Zara:

Toulefois, le comte de Montfort et l’abbé des Vaux de Cernay ne suivirent point la

multitude pour faire le mal: ils refusèrent de participer au siège el allèrent camper loin la ville.90

Os laços de amizade entre o abade Guy e o Simon de Montfort surgem neste

episódio, onde Pierre narra que, o abade foi ameaçado pelos venezianos ao ler uma bula de

Inocêncio III para que os cruzados parassem com o saque à cidade de Zara, sob pena de

perderem a indulgência de cruzado e serem excomungados. Foi Simon quem salvou o

abade da morte iminente:

87 RUNCIMAN, Steve. Op. cit. 88 Na introdução da edição crítica da Histoire, Paul Guébin, fornece sua hipótese de que o cronista Pierre tenha participado da expedição à Zara e Constantinopla. “Nous formulons une hipothèse. Ce jeune moine,

neveu dún abbé cistercien, estime du pape et de sés supérieurs, charge de la predication contre lês

héretiques, devenu éveque de Carcassonne,le quartier general de Simon de Montfort; ce jeune moine, que fut

déjà en 1202 à Venise et à Zara le compagnon, nous pourrions dire le secrétaire de son oncle, et ce letre

s’est initié aux Affaires politiques et au “stile” de la Chancellerie pontificale.” PVC. Op. cit. XIII e XIV.

89 PVC. Op. cit .pp. 47.

90 PVC. Op. cit. pp. 48.

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Les vénétiens voulurent lês tuer, mais le noble comte de Montfort surgit entr’eux et, tenant

tête aux vénétiens, il s’opposa au meurte de l’abbé.91

Podemos relativizar a austeridade sobremodo excessiva de Simon de Montfort, que

não condiz com suas ações na região do Languedoc, onde sua destreza militar não permitia

espaços para o noble comte, que tinha de esmagar revoltas, por vezes com requintes de

crueldade como no episódio dos cegos de Bram. Neste episódio, após vencer e conquistar a

pequena cidade de Bram, Simon cegou os líderes e os enviou à cidade de Cabaret, próxima

cidade a ser cercada pelos cruzados, como forma de intimidação aos adversários.92 Caso

analisemos o contexto econômico que envolvia as expedições cruzadísticas, é pouco

provável que um “nobre pouco importante do norte” 93

como era a situação do conde,

tivesse condições de arcar com uma onerosa viagem para o Oriente, não tomar parte da

divisão dos saques e retornar sem despojos para a França. Infelizmente, não encontramos

nenhum texto que sustentasse a hipótese de que a participação de Simon à Quarta Cruzada

pareça mais uma espécie de curriculum do nobre para embasar sua liderança diante dos

cruzados. Toda bibliografia que foi encontrada a respeito, mostra que o conde retornou à

França sob muitos prejuízos oriundos da expedição.94 Isto se deva talvez, em virtude da

narrativa de Pierre ser a grande fonte de consulta a respeito do conde, onde o texto é

apenas reproduzido por aqueles que consultam ao texto.

Voltando ao contexto da Cruzada albigense, como indicado anteriormente, Simon

era um senhor de importância secundária entre os barões de Filipe Augusto. Sua escolha

enquanto líder da expedição é um importante fator a ser analisado.

Um ponto que nos chamou muito a atenção, foi a eleição tardia de um líder secular,

tendo em vista que o viscondado de Béziers havia sido capitulado pelos cruzados e o cerco

à Carcassome já estava em andamento. Até este momento, a Cruzada era liderada pelo

legado de Inocêncio III: Arnold Amaury. 95 Pierre narra o episódio da escolha do líder da

cruzada como uma escolha de certa maneira divina:

91 PVC. Op. cit. pp. 48.

92 O’SHEA. Op, cit. pp.127 e 128.

93 O´SHEA Op, cit pp.112.

94 “[...] ele voltou para casa em 1205, sua honra salva, mas a carteira vazia” O’SHEA, Op. cit.pp.130. 95 Les clercs sont nombreux. Au premier chef, Arnaud-Amaury. “Le venérable abbé de Citeaux” est un esprit lucide, mais il est aussi cruel et hypocrite. Chef suprême de la Croisade, c’est lui qui confere d’autorité à Simon de Montfort la vicomté de Béziers et Caracassome. PVC Op. cit. pp. XVI.

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Tout ceci réglé, lês principaux seigneurs se consultèrent pour savoir à qui attributer lá

vicomté. La suzeraineté fut offerte d’abord au comte de Nevers, puis au duc de Bourgogne, mais ils

refusèrent. Alors de toute lármée on designe pour proceder à l’election du nouveau vicomte, deux

éveque, quatre chevaliers et l’Abbè de Citeax, légat du Siege Apostolique: tous s’engaggèrent

formellement à choisir celui quis estimeraient le plus utile à Dieu et au siècle. Ces sept

persomages, avec l’aide des sept dons du Saint-Esprit qui jette sur toute la terre un regard de

miséricorde, élirent un homme de foi catholique, de moeurs honnêtes et d’une grande bravoure

militaire : Simon, comte de Montfort.96

Dois pontos são necessários para entender esta afirmação de Pierre: a recusa dos

principais barões de Filipe Augusto envolvidos na Cruzada, o duque da Borgonha e o

conde de Nevers, aparentemente os líderes naturais a serem escolhidos, em virtude de suas

posições e importância. O outro ponto a ser considerado, é o momento em que esta escolha

foi realizada, após a conquista de Béziers e durante o cerco à Carcassome, ao invés do líder

ter sido escolhido no início da expedição, durante o ajuntamento de 1209. Este é o cenário

que devemos analisar para entender a escolha de Simon de Montfort para assumir a

liderança dos cruzados. Com toda certeza, podemos encontrar propósitos muito menos

espirituais que a direção divina proposta pelo cronista Pierre.

Se nos voltarmos para os condados da Borgonha e de Nevers, depois anexado ao

condado de Flandres, perceberemos a importância econômica e política de ambos à

monarquia francesa desde o século IX. Filipe Augusto por sua vez, está buscando

centralizar seu poder e unificar o território francês sob seu domínio. Conceder o

viscondado de Béziers e Carcassome a um dos dois barões, seria uma escolha até certo

ponto perigosa para o regente Filipe, na medida em que, na prática, os condes possuíram

mais terras que o próprio Filipe Augusto. Neste sentido, seria mais interessante para os

propósitos aglutinadores do monarca, conceder o viscondado do sul francês para um

senhor de importância secundária como era o caso de Simon, que seria mantido facilmente

sob o controle de Paris. Este território foi concedido à Montfort após a morte de Raymond

Roger Trencavel, senhor destas terras. De toda a bibliografia analisada, apenas O’shea

corrobora com esta hipótese:

O sucessor em questão era Simon de Montfort. A ele tinham sido entregues as terras dos

Trencavel pelo agradecido Arnold. Aos mais proeminentes barões da Cruzada tinham sido

oferecidas, primeiramente, as maiores propriedades, mas todos rejeitaram o prêmio tentador, por

conta de um princípio feudal e, sem dúvida, por medo da reação de seu vigilante monarca, em

Paris. Mas Simon possuía tão poucas terras no norte que seu ganho inesperado não ameaçaria

96 PVC. Op. cit. 45. (Grifo meu)

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ninguém no reino da França, e sua habilidade como guerreiro tinha ficado abundantemente

comprovado.97

No tocante ao lado eclesiástico da liderança cruzada, a presença de um líder secular

pode apontar para certo receio por parte do poder régio em permitir mais conquistas sem

reclamar pela autoridade sobre as terras capituladas. Não se pode deixar de verificar que,

uma vez mais, a relação entre Simon e o Abade Guy podem ter auxiliado na escolha por

parte do legado Arnold, que segundo Paul Guébin, buscava conselhos com o Abade

cisterciense.98

O ato heróico de Simon anterior à sua escolha enquanto líder secular da expedição

pode estar narrado também de maneira a legitimar sua escolha, através de um diferencial

dentre os demais cavaleiros do norte. A coragem era um dos requisitos para identificar a

nobreza de um cavaleiro. A escolha de Simon segundo as regras feudais para liderança,

serão trabalhadas mais adiante. 99

De posse legal de grande parte do Languedoc, tendo em vista que o último grande

feudo restante era o de Toulouse, Simon passa a adotar uma política de conquista, onde o

propósito inicial de combater os hereges fica em segundo plano. Simon avança para

territórios mais ao sul, territórios estes que obedeciam ao suseranato do rei de Aragão,

Pedro o católico100. É por esta razão que Inocêncio III, em 1213 decreta o final da cruzada.

Creio ser importante explicar as relações entre o rei Pedro e Simon de Montfort para

entendermos os eventos que culminaram com a morte de Pedro na famosa batalha de

Muret em 1213.

4.1 – Simon de Montfort e Pedro de Aragão, vassalos de Roma.

97 O’SHEA, Op. cit. pp. 122-123. 98 Dès 1206, il est légat, charge de la predication contre lês heértiques qu’il confie bientôt à Guy des Vaux de Cernay. PVC. Op. cit. pp. XVI. 99 Dans ce combat, il arriva qu’un de nos chevaliers, la cruisse brisée, resta dans le fosse : personne n’osait aller l’en retirer, à cause des jets de pierres incessants, mais un homme courageux, le comte de Montfort, sautta dans le fosse, accompagné d’un Seul éculyer et saúva le blessé au péril de as propre vie. PVC. Op. cit.

pp. 43.

100 Simon de Montfort avec as politique de conquête, tendait à detruire l’oeuvre d’expansion de la monarchie aragonnaisse depuis unsiécle et à la rejeter lês Pyrénées. PVC. Op. cit. p p. XXIX.

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Uma pequena explicação a respeito do rei aragonês Pedro II, pode nos auxiliar na

compreensão das complexas relações de vassalagem que estavam envolvidas no contexto

de um conflito da magnitude de uma cruzada em território cristão.

Pedro é descrito pela historiografia como um católico impecável, combatente

exemplar e um senhor de cultura sobremaneira, tendo em vista que participou de debates

entre cátaros e católicos no período que precedeu a deflagração da cruzada, concílios e

audiências com o papa Inocêncio III. O rei aragonês era suserano de Carcassome, Toulouse

e Montpelier. Pedro foi um dos quatro reis católicos que liderou a cruzada de Reconquista

cristã na Península Ibérica e foi o grande vencedor da Batalha de Las Navas de Tolosa,

ganhando grande respeito diante de Roma.101

Simon de Montfort inclusive, quando assumiu o viscondado de Béziers e

Carcassome, tornou-se vassalo do Rei Pedro102, enviando cavaleiros sob seu comando para

participarem da Batalha de Las Navas de Tolosa.103 Porém, durante os dois anos em que o

rei aragonês esteve envolvido com os muçulmanos, Simon passou a ampliar seu domínio

sob cidades tutoradas por Pedro. Em 1211 e 1212, Simon conquistou cidades sob a tutela

direta de Pedro II, levando o monarca recorrer a Roma, tendo em vista que era vassalo

direto de Inocêncio III. É preciso analisar mais de perto o que eram estas relações entre

vassalo e senhor para que possamos indagar porque Pedro aceitou Simon sob seu

suseranato e este mais tarde rompeu com esta relação para poder investir contra

Toulouse.104

Segundo Marc Bloch, as obrigações do vassalo resumiam-se, nos textos antigos, a

servir e proteger seu senhor. O dever primordial era o auxílio à guerra.105 Esta foi a razão

de Simon ter enviado 50 cavaleiros para Las Navas de Tolosa. Ainda segundo Bloch, o

período de obrigação militar do vassalo era pré-determinado em 40 dias. Esta é outra razão

101 As notícias que chegavam de Las Navas de Tolosa fizeram tocar os sinos por todo o continente. Para

Inocêncio, ali estava finalmente uma cruzada que alcançara um triunfo sem ambigüidade nem mácula. Nada

de saque como em Constantinopla, nada de holocausto como em Béziers. O’SHEA Op. cit. pp. 158 102

O rei Pedro de Aragão tentou impedir que a guerra engolisse todo o resto do Languedoc. Em janeiro de

1211, fez uma generosa proposta à igreja: Pedro reconheceria Simon de Montfort como seu vassalo,

concedendo, desse modo, um selo de aprovação ao novo visconde reconhecido pela nobreza de ambos os

lados dos Pirineus. O’SHEA. Op. cit. pp. 152. 103 Simon de Montfort, sendo visconde de Carcassome, tinha enviado cinqüenta cavaleiros para unir forças com seu suserano aragonês. 104 Todos estes eventos encontram-se narradas em O´SHEA. 105 BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 1982. pp. 248-260.

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importante para entender porque as conquistas Simon eram intermitentes. O período que

um cruzado deveria combater para receber as indulgências era o mesmo período de 40

dias. Como a distância do Languedoc era relativamente próxima do norte francês, haviam

levas de cruzados que passavam 40 dias em combate e retornavam a seus lares. Por esta

razão o exército cruzado sofria de uma intermitência bastante elevada e freqüente. Por isso

as conquistas eram bastante espaçadas entre uma e outra cidade importante.

Para Pedro, que era um rei defensor da ortodoxia cristã e segundo O’shea : “um

santo secular, um paladino intocável da Igreja” ,106 Simon não empreendia mais combate

contra os hereges, mas sim havia iniciado uma campanha de conquista por todo o

Languedoc107. Para que Toulouse, não fosse atacada, Pedro propôs a Roma que o conde de

Toulouse, Raymond VI, fosse substituído por seu filho Raymond VII, que seria educado na

corte de Aragão, portanto dentro da ortodoxia católica. Reivindicou também que seus

vassalos ao norte dos Pirineus não fossem atacados, pois historicamente as cidades de

Foix, Commingnes e Couserans, não apresentaram concentração de cátaros ou perfeitos. O

conde de Toulouse sendo cunhado seu, era protegido do rei Aragonês. 108

Inocêncio III decidiu por Simon ao não acatar as solicitações de Pedro. Estes

eventos políticos culminaram na famosa batalha de Muret, que resultou na morte do rei

Pedro em 1213. Esta atitude de Inocêncio corrobora com o projeto em conjunto com Filipe

Augusto, na medida em que Pedro, pretendia unificar a região do Languedoc num grande

reino Aragonês, que se apresenta contra os propósitos nortistas de unificação francesa sob

a égide de Paris. Este sistema de interferência nortista foi mais sutil a medida que as

cidades eram conquistadas. Quando Béziers e Carcassome foram capituladas, os nobres

locais estavam proibidos de adquirir casamentos com mulheres locais. As mulheres com

dotes vultosos eram enviadas ao norte para casarem com nobres aliados de Filipe Augusto.

Este método sistemático de romper com as tradições feudais e romperem com a estrutura

dos feudos introduzindo membros exteriores a um sistema próprio ao Languedoc. Este

106 O’SHEA Op. cit. pp. 159. 107 A natureza cambiante do conflito fez a cruzada se desviar de seu propósito inicial. Enquanto Simon usava seus talentos para tomar pela espada um reino para si próprio, menos fogueira eram acessas. O’SHEA. Op.

cit. pp. 162. 108 Du roy d’Aragon. Demande humblement à votre sainteté et la prie instamment en faveur du comte de Toulouse qui désiré rentrer au sein de notre mère lÉglise de lui accorder avec clémence et miséricorde la restituition de sés possessions et autres biens qu’il a perdus : pour lês excèss qu’il (Simon de Montfort) a commis, il s’engage à Donner personnellement telle satisfaction que l’Eglise jugera adéquate et à réparer lês dommagesn et injures causes à diverses églises et à divers preláts selon ce que la clemencé de notre sainte mère l’Eglise décidera de lui enjoidre. PVC. Op. cit. pp. 146.Grifo meu.

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método foi com certeza mais destruidor que a própria cruzada e mais eficaz, no sentido em

que a autoridade de Simon não fora aceita pelos occitanos. Após a morte do conde de

Montfort, seu filho Amaury de Montfort não conseguiu manter as possessões de pai.

Apenas com a Cruzada real de Luiz VIII em 1215 é que as resistências cedem e começa a

ser delineado a territorialidade da França pretendida pelo projeto entre a monarquia e o

papado.

Nos escritos de Pierre, Pedro é descrito como um rei que possuía apenas aparência

de um fiel cristão, que realizava encontros secretos para incitar a rebelião dos occitanos.

Segundo Pierre:

Le roi à accepter notre comte comme vassal : bien plus, à ce qu’un dit le roi ordonna

secrètement aux siegneurs qui résistaient encore à la Sainte Eglise et à notre comte dans la

vicomté de Béziers et de Carcassome de ne pás se rallier au comte : lui-même promit de lês

soutenir dans leur lutte contre le comte.109

Para justificar as ações de Montfort era necessário denegrir a imagem de Pedro, que

era apontado por Pierre como simpatizante dos hereges. Mas mesmo ele não acusa

diretamente ao monarca aragonês, devido à sua importância à cristandade. Nesta medida,

ele dedica 119 capítulos à intervenção do rei Pedro II entre o Concílio de Lavaur e a

batalha de Muret. Com a derrota de Pedro mesmo em maioridade numérica, Pierre atribui à

contribuição divina sobre Simon de Montfort:

Donné à Muret, le lendemain de la glorieuse victorie, c’est-à-dire le vedredi avant l’octave

de la Nativité de la Bienheureuse Virge Marie, l’au du Siegneur 1213. 110

4.2 A figura de Simon de Montfort na Histoire Albigeoise – o Vassalo Perfeito

Passaremos a discutir a criação da figura heróica do vassalo Perfeito por Pierre des

Vaux de Cernay em sua Histoire Albigeoise. Partimos do pressuposto de que para criar um

modelo, devem ser adotados parâmetros existentes no contexto ao qual o escritor está

inserido. Pesquisando a biografia de Pierre encontrada na introdução crítica de Paul

Guébin a Histoire, encontramos um fator que nos chamou bastante a atenção:

109 PVC. Op. cit. pp. 54. 110 PVC. Op. cit. pp. 185.

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La Bibliothèque comprenait aussi des oeuvres relativement contemporaires de Saint

Anselme, Yves de Chartres, Hugues de Saint Victor, Pierre Lombard. En bonne place figuraient

évidemment lês traités, commentaries et sermons de Saint Bernard. 111

Buscamos nas obras completas de São Bernardo algo que pudesse embasar nossa

hipótese de que a criação do vassalo Perfeito pudesse encontrar algum respaldo em

Bernardo. No segundo tomo da obra, encontra-se um tratado sobre a nova milícia que

defenderia a Terra Santa, aqueles conhecidos como cavaleiros Templários, uma casta de

monges guerreiros, que segundo Bernardo, possuíam a excelência entre os demais

cavaleiros por que “[...] se dan a um tiempo mismo dos combates com un valor invencible:

contra la carne y la sangre y contra los espíritos de malícia que están esparcidos en el

aire”.112

Bernardo distingue claramente a milícia considerada celeste e a secular. A

milícia secular é descrita como sem propósito, perdida em meio aos adereços de suas

vestimentas e a de seus cavalos:

Mas decidine, valientes del siglo : qué ilusión espantosa es ésta y qué insoportable furor

combatir com tantas fatigas y gastos sin outro salário que el de la muerte o Del crimen? Cubris los

caballos de bellas gualdrapas de seda, aforráis las corazas com ricas tellas que cuegan de ellas,

pintais las picas, los escudos y las sillas, lleváis las bridas de los caballos y las espuelas cubiertas

de oro, de plata y de pedreria, y com toda la pompa brillante os precipitais en la muerte com un

furos vergononzonzo y com uma estupidez que no tiene el menor miramiento. 113

Neste sentido, é possível perceber um dos fatores pelo qual os atributos de Simon

de Montfort são apenas físicos e de caráter. Em nenhum momento encontramos a descrição

das vestimentas do cavaleiro, o que fica em evidência é o caráter cristão, a sabedoria e a

humildade do conde, suas conquistas não apontam para o perfil desenhado pelo monge

cisterciense.

Os inimigos de Montfort, no entanto, possuem características apontadas por

Bernardo, como por exemplo, o próprio rei Pedro de Aragão, indicado como orgulhoso,

razão pela qual foi abatido na batalha de Muret:

C’est dans cêtte mêlée que sucomba le roi d’Aragon et beaucoup d’Aragonnais avec lui :

son grands orgueil l’avait poussé à se mettre dans cette deuxiéme ligne, alors que lês róis ont

111 PVC Op. cit pp. X. Grifo meu. 112 CLARAVAL, Bernardo de. Obras Completas, Tomo II. Madrid: Biblioteca de los autores cristianos, 1955. pp. 855. 113 CLARAVAL, Bernardo de. Op. cit. pp. 856.

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l’habitude de se mettre toujours dans la derniére : de plus, il avait changé d’armadure e revêtu

celle d’un Archer.114

O outro inimigo de Simon, transformado em uma espécie de “alter ego” do conde

por Pierre, o conde de Toulouse Raimond VI, descrito como: infiel por ser simpático aos

hereges, grande pecador, homicida, traidor e malvado.115

Voltando aos escritos de Bernardo, o abade de Claraval, em seu elogio à nova

milícia atribui a verdadeira virtude na luta pela causa de Cristo:

De los caballeros de Jesus Cristo, pues combaten solamente por los interesses de su Señor,

sin temor de incurrir en algún pecado por la muerte de sus enemigos ni en peligros ninguno por la

suya propia, porque la muerte que se da o recibe por amor de Jesus Cristo, muy lejos de ser

criminal, es digna de mucha gloria.116

Neste sentido, nossa hipótese transita em torno da construção da imagem do conde

por Pierre a partir destes pressupostos. Na Histoire Albigeiose, dividimos as características

descritas em três categorias, a saber: físicas, cristãs e nobres. Como estas características

permeiam toda obra de Pierre des vaux de Cernay, escolhemos alguns trechos que

embasam nossa divisão.

4.3 – Características Físicas

Após a eleição do de Montfort, que é chamado pelo escritor também como “nosso

conde”, “conde de Cristo” e “campeão de Cristo”, Simon é descrito através de sua forma

física conforme o trecho a seguir:

De plus, si mous passons à l’aspect physique, sa stature était haute, sa chevelure

remarquable, son visage élégant, son aspect agréable, ses épaules saillantes, ses bras musclés, son

torse gracieux , tous ses membres agiles et souples, son allure vive et alerte .117

Steven O’shea fala a respeito desta visão dos cronistas católicos:

114 PVC. Op. cit. pp. 178. 115 PVC. Op. cit. pp. 16-17. 116 CLARAVAL, Bernardo de. Op. cit. pp. 857. 117 PVC Op. cit. p. 46.

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Cronistas católicos da época, encantados, descreveram seus modos cativantes e sua

aparência distinta. Um dos cronistas demora-se amavelmente na descrição de um aristocrata alto

e de boa aparência, com uma cabeleira farta e uma musculatura bem talhada.118

Podemos atribuir esta descrição de Pierre a duas razões fundamentais: a primeira

vem do conteúdo literário da Provença do século XII, pois era comum que no provençal, os

heróis fossem descritos enquanto seres humanos desprovidos de falhas físicas, enquanto

sinal da Providência Divina favorável. A semelhança com heróis bíblicos do Antigo

Testamento, bastante comum nos escritos eclesiásticos pode apontar para outra fonte de

consulta do monge cisterciense.

Dois guerreiros natos dos tempos bíblicos são celebrados por sua beleza:

Absalão119, filho de Davi e Sansão, o libertador de Israel perante os filisteus, ambos

inclusive possuindo longos cabelos.

Outra razão para a descrição detalhada do físico de Simon poderia se originar da

leitura do padrão de cavaleiro proposto por Bernardo, na medida em que a indumentária,

que não é citada por Pierre, apenas corrompe o cavaleiro. Neste sentido, uma descrição

física não deixa explícito como Simon se apresentava diante de seus pares. A perfeição

física é mostrada como uma dádiva divina e tinha um caráter pedagógico diante de uma

sociedade de grande maioria pobres e dependentes, onde a beleza física era privilégio de

poucos membros da aristocracia e uma imagem que se impregnava no imaginário da

sociedade menos favorecida.

4.4 – Características Cristãs

Quanto às qualidades cristãs de Simon de Montfort, Pierre ressalta as seguintes:

Il convenait, dis-je de commettre à la défense de l’Eglise en péril, un homme dont la

protection et la compétence pussent garantir la securité des chétiens innocents et enpêcher lês

herétiques orguelleux et temeraires d’esperer l’impunité de loeurs détestables erreurs.120

118 O’SHEA, S. Op. cit. P. 129. 119 Não havia, porém em todo o Israel homem tão celebrado por sua beleza como Absalão; da planta do pé ao alto da cabeça, não havia nele defeito algum Quando cortava o cabelo (e isto se fazia no fim de cada ano, porquanto muito lhe pesava), seu peso era de duzentos siclos, segundo o peso real. Livro de 2 Samuel, 14:25 e 26. 120 PVC Op. cit. pp. 49.

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Esta afirmação a respeito da missão de Simon enquanto guardião da fé cristã e da

Igreja contra os hereges, também se encontra nos escritos de Bernardo 121. Porém, esta

incumbência dos cavaleiros de proteção do patrimônio tanto humano como físico da Igreja

é bastante notório na historiografia que trata a respeito da sociedade cavalheiresca.122 Na

sociedade medieval, a guerra no interior da Cristandade era abertamente combatida, na

medida em que segundo o Concílio de Narbonne em 1054, ficou instituído que “Aquele

que derrama o sangue de um cristão derrama o sangue de Cristo”. 123

Por outro lado, com

a instituição do conceito de cruzada por Urbano II em 1095 durante o Concílio de

Clermont, aqueles que combatessem infiéis, pagãos ou hereges seriam galardoados com as

palmas do martírio. Esta codificação criada para refrear a violência destes personagens no

seio da cristandade e direcioná-las para um inimigo comum da Igreja. Os cavaleiros

cruzados poderiam ser ornados como milites Christi, ou cavaleiros de Cristo, o que os

elevavam à categoria de mártires caso sucumbissem na batalha. Na prática, porém apenas

os mais proeminentes chegavam a ficarem conhecidos através dos escritos dos cronistas

medievais.

Um ponto importante para entendermos a “belicidade” dos escritos eclesiásticos

pode ser encontrado na própria Bíblia, fonte dos escritores, na medida em que a História do

Antigo Testamento narra a História de um povo guerreiro em busca da Terra Prometida,

enquanto no Novo Testamento, é possível encontrar analogias ao próprio Cristo enquanto o

cavaleiro perfeito.124

No tocante ao “notre comte”, Simon de Montfort, Pierre não apenas exaltou todas

as qualidades de um cristão, como descrito acima, como também atribuiu milagres ao

121 Un Cristiano se gloria en la muerte de un pagano porque Jesuscristo es glorificado en ella y la liberalidad Del Rey de los reyes se hace manifestar en la muerte de un soldado Cristiano porque se le lleva de la tierra para remunerarle. CLARAVAL, Bernardo de. Op. cit. pp. 858 122 A essa divisão em dois estados, laico e eclesiástico, superpões-se, a partir do século X, uma divisão funcional representando as três ordens que subsistirão até o fim da Idade Média. [...] Existe portanto, realmente, um ordo militium, uma ordem de guerreiros. Aos olhos da Igreja, sua importância cresce na proporção que dela necessita.[...] A Igreja trata de promulgar regras para eles, um código deontológico impregnado de valores cristãos. FLORI, Jean – Cavalaria. In. LE GOFF, Jaques e SCHMITT, Jean – Claude (Org.) Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002, pp. 325. 123 FLORI, Jean, Op. cit. p. 328. 124 Vi o céu aberto e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça. Seus olhos são como chama de fogo; na sua cabeça, há muitos diademas; tem um nome escrito que ninguém conhece senão Ele mesmo, e seguiam –no os exércitos que há no céu, montando cavalos brancos, com vestiduras de linho finíssimo, branco e puro. Apocalipse 19:11-14.

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cavaleiro, transformando-o em um santo enquanto vivo. Neste episódio, Pierre narra que

dois hereges foram capturados pelo conde. Um deles abjura de sua fé e retorna ao seio da

Igreja Romana. A partir daí uma grande discussão se levanta sobre a assembléia a respeito

da veracidade das declarações do herege. Simon então se levanta e manda que ambos

sejam queimados na fogueira e profetizou que, caso a conversão do herege tenha sido

genuína, nada aconteceria com ele e foi o que aconteceu. Pierre exalta a sabedoria

sobrenatural de Simon. 125

Outro episódio notório da exaltação católica do conde pelo cronista, acontece pouco

antes do início da Batalha de Muret em 1213. O conde participa de uma missa com os

demais cavaleiros, não são descritos outros combatentes. Durante a cerimônia, o conde é

chamado devido à eminência do início do combate, porém irredutível, ordena ao legado

que continuasse com a missa até o fim. Vejamos algumas frases do conde neste episódio:

Aussitôt le comte três chrétien courut s’agenouiller devan l’êveque et les mains jointes el

lui dit : “A Dieu et à vous, j’offre aujourd’hui mon corp set mon ame” Oh Dévoeion d’un grand

chef !126

Para esta batalha em especial, era necessário que a preparação espiritual do conde

fosse muito bem descrita, devido à vitória de Montfort contra as forças mais numerosas da

coalizão organizada por Pedro de Aragão. Simon utilizou uma estratégia superior durante a

batalha e desbaratou as forças superiores numericamente, porém desorganizadas de Pedro.

Após a morte de Pedro durante a Batalha, Pierre exalta a vitória sobrenatural do conde, “o

campeão de Cristo”.

Em suma, estas características apontadas por Pierre ao nosso ver tinham o objetivo

de moldar o exemplo de um cavaleiro ideal, segundo a visão de Bernardo a respeito da

cavalaria. Na medida em que o projeto dos Templários mostrou-se um fracasso 127, era

necessário modificar o modelo de cavalaria que servisse à Igreja, neste sentido Simon foi

adotado, mesmo não correspondendo plenamente aos interesses de Inocêncio III. O

conflito com Pedro de Aragão ocorreu devido a incursão dos Cruzados em terras onde a

presença cátara não era notória nem apontada pela Igreja. Isto aponta para as relações

tensas e tênues entre a igreja e este grupo laico. Tênue na medida em que, segundo Flori, a

cavalaria surgiu antes da ideologia cristã sobre a cavalaria. “Os cavaleiros nasceram antes

125 PVC Op. cit. cap. 113. pp. 51. 126 PVC Op. cit. 177. 127 FLORI, Jean Op. cit. 326.

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da cavalaria”.128

Outro fator que influencia para este vínculo inconsistente entre Igreja e

cavalaria está relacionado com a origem nobre deste grupo, ou seja, além da existência de

um código cristão a ser assimilado pelo grupo, existe outro código, laico e profano anterior

a este que influenciam a ordem dos cavaleiros.

4.5 – Características Nobres

Simon é representado pela narrativa de Pierre, como o mais corajoso dos cavaleiros

cruzados, nobre e justo. Estas são características que estavam inseridas no codex laico a

respeito dos cavaleiros. Segundo Marc Bloch:

Na sua pureza, no entanto, este ideal não fora desprovido de vida. Sobrepunham-se as

regras de conduta primeiramente evidenciadas pela espontaneidade das consciências de classe:

código de fidelidade dos vassalos, especialmente, código de classe das pessoas nobres e corteses.

A estas morais mundanas, o novo decálogo pediu emprestado os princípios mais aceitáveis por

parte de um pensamento religioso: liberalidade, busca de glória, o “los ; desprezo do repouso, do

sofrimento e da morte – “aquele” diz o poeta alemão Thomasin, “quem só quer viver

descansadamente não quer fazer o ofício de cavaleiro”129 Mas o que este código continha? Nas obras da bibliografia dos livros nos quais

tivemos acesso, para buscar elementos sobre a ordem dos cavaleiros, não encontramos. De

todas as obras analisadas, um nome aparece constante em praticamente todas: Leon

Gautier. Descobrimos que o autor é um dos clássicos sobre o tema, publicado pela primeira

vez em 1901. Consta na bibliografia de praticamente todos aqueles que escreveram a

respeito da ordem. Existem edições mais recentes de Le chevalerie, mas encontramos nas

obras raras da Biblioteca Pública do Paraná uma edição de 1959. Nesta obra, o autor

analisa os dez preceitos básicos com os quais o cavaleiro deveria conviver e respeitar. Ele

chama estas regras de decálogo e código de cavalaria.130 A obediência à Igreja e a seus

128 FLORI, Jean Op. cit. 327. 129 BLOCH, Marc. Op. cit. p. 351.

130 Os dez preceitos são:

I. Tu croiras à tout ce qu’enseigne lÉglise et observas tous sés commandements. II. Tu protégeras l’Eglise. III. Tu auras le respect de toutes lês faiblesses et tu ten constinueras le défensur. IV. Tu aimeras le pays ou tu es né. V. Tu ne reculeras pas devant l’ennemi. VI. Tu feras aux Infidéles une guerre sans trêve et sans merci. VII. Tu t’acquitteras exactement des tes devoirs féodaux, s”il, s’ils ne sont pas contraíres àla loi de

Dieu VIII. Tu ne mentiras point et serás fìdele à la parole donnée.

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preceitos está impregnada no código citado por Gautier, mas alguns estão voltados a atos

de bravura e coragem, como por exemplo, o quinto preceito onde ordena ao cavaleiro que

jamais retroceda diante de um inimigo.

Simon é descrito como um bravo guerreiro que, independente da situação contrária

enfrentava os inimigos. Como descreve O’Shea parafraseando Pierre:

A ação em Bourg tinha sido uma vitória tática bem executada, na qual um nobre pouco

importante do norte distinguiu-se por sua bravura.

Um cavaleiro, sangrando na coxa, sozinho, deitou-se no fundo do fosso, desamparado e

exposto. Um cruzado lançou-se de volta à linha de fogo e escorregou pelo declive para resgatá-lo.

Escorou o homem até o alto e arrastou-o a um abrigo, enquanto choviam projéteis que faziam

espirrar lama ao redor de ambos.131

Gautier comenta que este preceito fala sobre a coragem que tinha como objeto

provar a bravura de um cavaleiro.132 Temos a impressão que o monge Pierre conhecia o

código, na medida em que praticamente todos os preceitos estão personificados na figura

de Simon. O sétimo preceito, por exemplo, fala sobre os laços de fidelidade vassálica do

cavaleiro em relação ao seu senhor. Neste sentido, justificamos o título deste trabalho, pois

Simon é retratado como o Vassalo Perfeito, seja em relação a Filipe Augusto, à Inocêncio

III e até mesmo à Pedro II de Aragão, quando responde ao pedido de reforços durante a

batalha de las Navas de Tolosa.

O último ponto desta personalidade laica de Simon está em sua fidelidade com

relação à Alice de Montmorency, sua esposa. É importante salientar que o século XIII as

canções de gesta estão disseminadas pela Europa cristã. Estas canções narram modelos de

cavaleiros e exaltam a modalidade do amor cortês, onde o comportamento do homem não é

o retrato fiel da realidade, mas sim de como ele deveria comportar-se. Numa época em que

os costumes estavam refinando-se, essas histórias serviam como "civilizadoras" dos

homens. A "selvageria" começava a dar lugar à "civilidade". Uma característica destas

canções era exaltar a união do casal devido o amor apenas, não mostrando as relações de

IX. Tu serás liberal et feras larguesse à tous. X. Tu serás, partout et toujours, le champion du Droit et du Bien contre l’Injustice et le Mal.

GAUTIER, Léon. La Chevalerie. Paris: Arthaud, 1959. pp. 36.

131 O’SHEA. Op. cit. pp. 116-117.

132 Il a pour object la bravoure du Chevalier. Il est à peine utile de signaler le courage au nombre des vertus

que le code de la Chevalurie leur impossait. GAUTIER. Op. cit. pp. 46.

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interesse que norteavam os laços matrimoniais.133 Esses romances tinham como alvo os

homens, especificamente cavaleiros, que deveriam admirar, então, as atitudes dos

personagens e, finalmente, imitá-las. A organização social medieval dependia

profundamente de relações de suserania e vassalagem e era exatamente essa relação fiel

que é mostrada nos romances. No tocante ao conde Simon e sua esposa, Pierre retrata esta

relação ideal, onde não se verifica a relação de Simon com outra mulher que não Alice. Por

outro lado, o conde Raymond VI é retratado como um liberal possuindo seis esposas.

Segundo O’shea:

Outra das características de Simon era sua conspícua monogamia, que o afastava

de muito de seus pares. Sua mulher, Alice de Montmorency, manteve-se companheira

vitalícia de Simon, e o casal teve seis filhos. Alice partilhava seus sucessos nos campos de

batalha e seu vertiginoso ímpeto por notoriedade. Em geral, ela poderia ser encontrada ao

lado de Simon, mesmo no mais sombrio dos campos de guerra. Alice, prima-irmã de

Bouchard de Marly, que fora capturado, chegou no Languedoc em março de 1210 entre a

liderança de uma tropa de reforços enviados para seu marido, que agora era o novo

visconde.134

Alice é descrita de como uma mulher ativa nas decisões de Simon, algo incomum

para os padrões culturais do século XIII. Este elemento nos chamou a atenção e

encontramos uma hipótese para esta exaltação da esposa do conde de Montfort. Na região

do midi francês, a mulher tinha uma importância superior em relação ao seu papel na

região norte. As Perfeitas cátaras que apresentavam grande notoriedade entre a população

occitana, são exemplos da importância da mulher no Midi francês.135

Esta descrição tinha como objetivo de mostrar Simon como um herói que se

adequasse aos moldes tanto eclesiásticos como aos padrões laicos da sociedade

133 DUBY, G. Idade Média, idade dos homens. Do amor e outros ensaios. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. "A propósito do amor chamado cortês”. 134 O’SHEA, Op. cit. p. 130.

135 Entretanto, se no sul da França esse renascimento da mulher estimula um verdadeiro culto na poesia dos trovadores, no Norte a mulher não logra a mesma independência: nas canções de gesta, escritas para celebrar o espírito heróico e guerreiro da sociedade aristocrática do Norte, ela desempenha um papel acessório, de mero refrigério dos heróis cansados e dos prazeres do senhor; estes só pensam nelas quando se sentem cansados de matar9. É nesta altura que se diversificam pela índole os dois movimentos literários: o do Norte, épico, guerreiro, fazendo da luta o seu tema capital, e o do Sul, sentimental, cortês, elegante, refinado, transformando a mulher no santuário de sua inspiração.

Ao contrário do do Norte, o caráter meridional é visceralmente individualista. Aí deixara forte influência a civilização romana, e nas sobrevivências do direito romano podemos encontrar algumas das causas determinantes da fisionomia espiritual do sul da França

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cavalheiresca. Mais ainda, Simon é mostrado como um herói que retém as características

do norte e do sul francês. Pierre também incutiu em sua crônica albigense, o estilo literário

de ambas regiões, o do norte épico e guerreiro e o do sul sentimental e cortês.

5 – Conclusões Parciais Ao término de nossa pesquisa, alguns pontos puderam se tornar mais consistentes

durante estes dois anos de pesquisas. O primeiro e mais importante, foi a manutenção de

nossa hipótese inicial, na qual pudemos verificar que Simon de Montfort foi elevado pelo

cronista cisterciense Pierre des vaux de Cernay à categoria de Vassalo Perfeito.

Esta hipótese visava encontrar subsídios que apontassem para a realização de um

projeto idealizado pela pretensa monarquia francesa que transcendesse à própria Cruzada

albigense. Nossa hipótese foi se consolidando na medida em que analisamos as relações

entre os envolvidos, em especial Pedro II de Aragão e Filipe Augusto de França, pois se

verificou que ambos possuíam um projeto expansionista que visava a conquista das regiões

mediterrâneas. O apoio da Igreja ao norte foi notório para a vitória deste projeto, na

medida em que a recusa de Inocêncio III às solicitações de Pedro II, legítimas segundo o

lexo vassálico, foram decisivas para a eclosão da batalha de Muret, em 1213.

As diferenças culturais entre norte e sul francês também se sustentaram ao longo do

trabalho. Pudemos perceber que, na verdade não existiam relações entre estas regiões, na

medida em que era apenas Roma que as ligava antes das guerras cátaras. Foi apenas

através das conquistas das cidades pelos cruzados, que uma intrincada rede de matrimônios

entre nobres do norte e mulheres da aristocracia sulista, que a hegemonia da Occitânia foi

quebrada e a cultura do norte começou a ser incutida na mentalidade do Midi.

Percebemos também que a heresia cátara foi apenas o argumento legitimador da

Cruzada, tornando-se secundária após a deflagração do conflito. O objetivo maior era a

conquista dos territórios.

Neste sentido, entendemos que a obra de Pierre des vaux de Cernay mostra-se como

uma crônica com sentido unificador, no qual Simon de Montfort seria o personagem que

possuía as características ideais de ambas as regiões: a coragem e a bravura do norte e a

ternura e sentimentalismo do sul. Além disto, Simon possuía todas as qualidades cristãs

necessárias a um cavaleiro. Verificamos que Pierre baseou sua descrição destas qualidades

cristãs nos escritos de Bernardo de Claraval, mais especificamente no tocante aos

cavaleiros Templários. Como este projeto fracassou, suas qualidades foram transcritas para

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outra categoria de combatentes, os cavaleiros laicos, que aos poucos foram recebendo

preceitos cristãos e assumindo a proteção da Igreja.

A obra de Pierre parece ter ao nosso ver, o caráter didático de mostrar um novo

perfil que deveria ser seguido por este novo reino surgido sob a égide de uma propensa

ameaça à cristandade, resultado de um projeto expansionista, servindo a ambos: Igreja e

Monarquia. Este elo entre as duas instituições mostrou-se mais estreito após estes eventos.

Para concluir este trabalho, gostaria de transcrever as últimas palavras daquele que

foi meu companheiro de jornada através do Midi Francês por estes dois anos de pesquisa,

que de certa forma sintetiza os anseios buscados ao longo deste trabalho:

L’na 1218 de l’Encarnation, le vingt-deux des Calendes de Décembre, Louis, fils de

i’ilustre Roi de France, avec le consentement de son père, se croisa pour la gloire de Dieu

et la ruine de l’hérésie dans le région de Toulouse. A son exemple, pouses par l’emulation,

beacoup de Français du nord, nobles et puissantas se croisèrent de même.136

136 PVC. Op. cit. p. 235. O último capítulo da Histoire Albigeoise.

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Referências Bibliográficas

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6.3 - Bibliografia

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7 – Anexos

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Figura 1 – Oshea, Op. cit pp. 257.

Figura 2 – O’shea, Op. cit pp. 165.