símbolo

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1- Ricoeur: o símbolo e a reflexão "O símbolo dá a pensar. "Ricoeur vê aí desvelar-se duas coisas: o símbolo dá. O que ele dá? o sentido nele, de certo modo, enclausurado. Isso quer dizer que eu não constituo o sentido, não dou o sentido. O símbolo carrega em seu seio o sentido que irá interpelar." A partir da doação, a posição". (pag.325) E mais, o símbolo dá a pensar, do que pensar .(pag. 324). E o filósofo pode empreender o pensar na tarefa de interpretação criadora de sentido, fiel à impulsão do símbolo que dá a pensar, e fiel ao juramento do filósofo que é de compreender. (cfr. 324) O que pode sugerir esse aforisma? Ricoeur responde: "o aforisma sugere, ao mesmo tempo, que tudo está já dito em enigma e que, contudo, é preciso sempre tudo começar e recomeçar na dimensão do pensar." (pag.325). É esta articulação do pensamento entregue a ele mesmo no reino dos símbolos e do pensamento poente e pensante que constitui o ponto crítico de todo o empreendimento. Tudo já está dito em enigma. Estamos desde sempre no reino da linguagem. É mister, portanto, uma interpretação que respeite o enigma original dos símbolos (pag.325) deixando-se instruir por eles e a partir daí promova o sentido, forme o sentido na responsabilidade plena de um pensamento autônomo. (cfr.pag.325). Para a filosofia a tarefa não é impossível uma vez que o símbolo situa-se no elemento da palavra. Mas como entender a noção de símbolo? O símbolo é antes de mais nada um signo. Não qualquer signo, pois nem todo signo é símbolo. É símbolo aquele signo que encerra, em sua visada, uma dupla intencionalidade: os símbolos visam um sentido primeiro, literal, e através deste um segundo sentido que só é acessível pelo primeiro. (cfr. O conflito das interpretações pag. 244). "Denomino símbolo, diz Ricoeur, toda estrutura de significação em que um sentido direto, primeiro, literal designa, por acréscimo, um outro sentido indireto, secundário, figurado que só pode ser aprendido através do primeiro." (idem pag. 15). Diversamente daquilo que se passa numa comparação ou em uma alegoria, onde cada um dos termos é inteligível por si

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Filosofia do símbolo

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1- Ricoeur: o smbolo e a reflexo"O smbolo d a pensar. "Ricoeur v a desvelar-se duas coisas: o smbolo d. O que ele d? o sentido nele, de certo modo, enclausurado. Isso quer dizer que eu no constituo o sentido, no dou o sentido. O smbolo carrega em seu seio o sentido que ir interpelar." A partir da doao, a posio". (pag.325) E mais, o smbolo d a pensar, do que pensar .(pag. 324). E o filsofo pode empreender o pensar na tarefa de interpretao criadora de sentido, fiel impulso do smbolo que d a pensar, e fiel ao juramento do filsofo que de compreender. (cfr. 324) O que pode sugerir esse aforisma? Ricoeur responde: "o aforisma sugere, ao mesmo tempo, que tudo est j dito em enigma e que, contudo, preciso sempre tudo comear e recomear na dimenso do pensar." (pag.325). esta articulao do pensamento entregue a ele mesmo no reino dos smbolos e do pensamento poente e pensante que constitui o ponto crtico de todo o empreendimento. Tudo j est dito em enigma. Estamos desde sempre no reino da linguagem. mister, portanto, uma interpretao que respeite o enigma original dos smbolos (pag.325) deixando-se instruir por eles e a partir da promova o sentido, forme o sentido na responsabilidade plena de um pensamento autnomo. (cfr.pag.325). Para a filosofia a tarefa no impossvel uma vez que o smbolo situa-se no elemento da palavra.Mas como entender a noo de smbolo?O smbolo antes de mais nada um signo. No qualquer signo, pois nem todo signo smbolo. smbolo aquele signo que encerra, em sua visada, uma dupla intencionalidade: os smbolos visam um sentido primeiro, literal, e atravs deste um segundo sentido que s acessvel pelo primeiro. (cfr. O conflito das interpretaes pag. 244). "Denomino smbolo, diz Ricoeur, toda estrutura de significao em que um sentido direto, primeiro, literal designa, por acrscimo, um outro sentido indireto, secundrio, figurado que s pode ser aprendido atravs do primeiro." (idem pag. 15).Diversamente daquilo que se passa numa comparao ou em uma alegoria, onde cada um dos termos inteligvel por si mesmo, o smbolo no d o seu segundo sentido seno atravs da transparncia do primeiro. Em O conflito das interpretaes Ricoeur esclarece: "Diferentemente de uma comparao que consideramos de fora, o smbolo o prprio movimento do sentido primrio que nos faz participar do sentido latente e assim nos assimila ao simbolizado, sem que possamos dominar intelectualmente a similitude." (pag.244). nesse sentido que o smbolo doador. doador porque uma intencionalidade primria que d o sentido segundo (idem pag. 244-245). A inteno originante pensar, atividade do filsofo. , no entender de Ricoeur, a atividade por excelncia que anima a filosofia desde os gregos de cuja tradio de racionalidade somos herdeiros. Ricoeur distingue tal atividade, para melhor aprend-la, da mera "intuio imaginativa". O pensamento "situa-se, de pronto, desde sua origem (arch) na linguagem que inaugura, no ocidente, o originrio desvelamento de uma realidade j a dada que precedeu qualquer elaborao racional." Pois tal a situao, de uma parte, tudo foi dito antes da filosofia, por signo e por enigma. Tal um dos sentidos da palavra de Herclito: "o mestre, cujo orculo est em Delfos, no fala, no dissimula,: ele significa." (alla semainei). De outra parte, temos a misso de falar claramente, talvez assumindo tambm o risco de dissimular ao interpretar o orculo." (idem .pag.250).No entanto, admitindo-se que a filosofia reflexo ou que a atividade que caracteriza o filosofar a reflexo, o que leva, indaga Ricoeur, a reflexo a apelar para o smbolo, para a linguagem simblica? Isso leva o autor a direcionar sua investigao para o conceito de reflexo. O smbolo provoca a reflexo. E esta uma atividade especfica do homem. Mas como entender esta atividade j que foi o prprio homem, atravs dela, quem determinou ser uma caracterstica sua especfica? "Quando dizemos que a filosofia reflexo, afirma Ricoeur, queremos dizer reflexo sobre si mesmo." (idem. pag.275). A densidade ontolgica como verdade inicial da filosofia esse "si mesmo" recebeu da tradio inaugurada por Descartes, e que passa por Kant e Fichte." (idem). Para essa maneira de ver, a afirmao do si apresentada como verdade que se auto-proclama. "Ela no pode ser nem verificada, nem deduzida." (idem). O ego do ego cogito afirma uma existncia e um ato ou uma operao do pensamento. O ego existe na exata medida em que pensa. E a reflexo vem a ser a auto-posio deste ego cogito. Entendemos, assim, que a reflexo se identifica com a volta imediata sobre si operada pela conscincia., o que levaria a uma aproximao indevida entre reflexo e intuio. A posio de Descartes nos apresenta o ego como inteiramente subjugado no seio do Cogito. Ricoeur prope ento, o resgate desse mesmo ego. "A posio do ego deve ser retomada atravs de seus atos, pois ela no dada nem numa evidncia psicolgica, nem em uma intuio intelectual, ou numa viso mstica." (idem pag. 275).Tal a via de acesso proposta por Ricoeur para a retomada do ego. uma via que se efetiva por um desvio; de fato, "a primeira verdade -- existo, penso -- permanece to abstrata e vazia quanto inacessvel." (pag.275). Atingimos o ego atravs de uma volta, um desvio, at onde esse ego se cristalizou, se objetivou: suas obras, aes, representaes e instituies. A decifragem dessa objetivao que me dar a compreenso do si. Ricoeur entende que uma filosofia da reflexo no se identifica com uma filosofia da conscincia "se por conscincia entendemos a conscincia imediata de si mesmo" (pag.275). Da a necessidade de mediao, mbito onde situam-se os smbolos. A conscincia no seria, ento um dado, mas uma tarefa. Um passo adiante: justamente no intervalo entre a reflexo e a intuio que se situa a tarefa da hermenutica, da interpretao no conhecimento de si mesmo.Como Ricoeur afirma, h uma perda do ego nos "objetos" ou objetivaes. Se h perda, o processo de reflexo, de interpretao opera uma recuperao. "Devo recuperar algo que primeiro foi perdido." (idem 276). H que se recuperar "o ato de existir, a posio do si em toda a densidade de suas obras." (idem). Se me compete recuperar o eu, de certo modo "extraviado" nas suas obras e representaes, apropriar-me dele significa que a "situao inicial donde procede a reflexo o esquecimento ". (idem, pag. 272). Sou como que cindido, separado do centro de meu existir. Se h ciso significa que eu no possuo, no incio, o que sou. "A posio do si no um dado, uma tarefa." (idem 277).Para Ricoeur no se deve permanecer na dimenso reveladora do smbolo, o que levaria a entend-lo como mero aumento da conscincia de si. Na verdade, "uma filosofia instruda pelos smbolos tem por tarefa uma transformao qualitativa da conscincia reflexiva". (Finitude et culpabilit pag.. 331). Entendido simplesmente em sua funo reveladora o smbolo perderia a sua funo ontolgica. E para Ricoeur, nessa perspectiva fingiramos crer que o "conhece-te a ti mesmo" puramente reflexivo, quando, na verdade, antes de mais nada um apelo endereado, pelos deuses, a cada um no sentido de melhor situar-se no ser, ou em termos gregos a "ser sbio". (cfr. O conflito pag. 331). E Ricoeur nos relembra a passagem do dilogo platnico Crmide quando Scrates diz a Crtias: "O que o deus (em Delfos) diz a cada um quando adentra em seu santurio, : seja sbio! Porm na qualidade de adivinho, ele o diz sob forma enigmtica: "conhece-te a ti mesmo", que equivalente a "seja sbio" assim como diz a inscrio e que eu confirmo." (Crmide 165 a.).A tarefa de que est incumbido o filsofo romper o recinto encantado da conscincia de si, desfazendo o privilgio da reflexo. Para Ricoeur o smbolo nos fala como uma espcie de indicador da situao do homem no ser no qual ele existe e quer. (cfr. idem pag.331."O smbolo d a pensar que o Cogito est no interior do ser e no o inverso." (idem). Os smbolos dizem a situao do ser do homem no ser do mundo. A reflexo do filsofo ter, ento, a tarefa de, a partir dos smbolos, elaborar no s estruturas de reflexo mas tambm estruturas de existncia, na medida em que existncia o ser do homem" (ide pag,331-332).Ricoeur denuncia a reduo da reflexo simples crtica quando na reflexo se tenta hipostasiar as operaes do pensamento que fundem a objetividade das nossas representaes, em outros termos, a ateno toda volta-se para a epistemologia. Com esta ressalva, ele marca sua preferncia pela posio de Jean Nabert que na linha de Fichte, concebe a reflexo como verdadeira reapropriao de nosso esforo para existir. (idem pag 276). "A epistemologia, afirma ele, apenas uma parte dessa tarefa mais vasta: temos que recuperar o ato de existir, a posio do si em toda a densidade de suas obras." (idem pag,276). Recuperao como apropriao j referida antes". Torno prprio "meu prprio", aquilo que deixou de ser meu. "Percebe-se bem indicada a preferncia da escolha de Ricoeur pela dimenso tica da reflexo, quando refere-se a Spinoza, que entende tica no seu sentido amplo, vale dizer: "quando chama tica o processo completo da filosofia." (idem. pag.277). Que no se confunda, ento, tica com moral. Seguindo Spinoza podemos defender que a reflexo tica antes de se apresentar como crtica da moralidade. "Sua meta , afirma Ricoeur, de apreender o ego no seu esforo para existir, em seu desejo de ser." (idem pag, 277). A, ento Ricoeur prossegue sua argumentao articulando de modo admirvel a idia platnica do Eros como desejo, amor e a idia spinozista de conatus (esforo, empenho). O conatus como esforo desejo na medida em que nunca se satisfaz; e o desejo como Eros um esforo uma vez que a afirmao de um ser e no uma carncia de ser. (cfr. O Conflito, pag.277). "Esforo e desejo so as duas faces dessa posio de Si na primeira verdade: sou, existo." (idem pag.277). Ricoeur arremata sua argumentao com as palavras simples, porm densas e de singular propriedade semntica conceituando reflexo como "a apropriao de nosso esforo para existir e de nosso desejo de ser, atravs das obras que atestam esse esforo e esse desejo." (idem pag,.277).O smbolo d a pensar. A filosofia est apta a buscar uma interpretao instituidora de sentido sendo fiel tanto ao impulso do smbolo que d a pensar quanto fiel ao compromisso ao juramento do filsofo que de compreender (cfr. Culpabilit ... pag. 326). Pensar a partir do smbolo. Como? O que necessrio uma interpretao que respeite o enigma original dos smbolos, que se deixa instruir e ensinar por eles mas que, a partir da, promova o sentido, forme o sentido na plena responsabilidade de um pensamento autnomo. E aqui mostra-se, segundo Ricoeur, a aporia: o pensamento ao mesmo tempo livre e vinculado. E como possvel, indaga ele, vincular a imediatez do smbolo e a mediao do pensamento? (cfr. pag. 325)OsO smbolo d que pensar: esta afirmao que me fascina diz duas coisas, o smbolo d, no sou eu que coloco o sentido, ele que d o sentido; mas aquilo que ele d que pensar, sobre o que pensar. A partir da doao, a posio. A sentena sugere ento, ao mesmo tempo, que tudo j est dito em enigma e, contudo, que sempre preciso, tudo comear e recomear na dimenso do pensar. esta articulao do pensamento doado a ele prprio no reino dos smbolos e do pensamento que se afirma e pensa que eu gostaria de surpreender e de compreender. Mas antes de mais desejaria propor uma rpida criteriologia do smbolo, primeiro sob a forma de uma enumerao, depois com os recursos de uma anlise essencial das estruturas simblicas.