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  • A INTERTEXTUALIDADE NA GRAPHIC NOVEL ASILO ARKHAM: REFERNCIAS AO FILME PSICOSE, DE HITCHCOCK.1

    Guilherme Lima Bruno E. Silveira

    [email protected]

    Profa Dr. Maria Luiza Calim de Carvalho Costa

    [email protected]

    Resumo Como opera a intertextualidade em uma histria em quadrinhos? Esse texto busca identificar e analisar a relao intertextual da graphic novel Asilo Arkham com o filme Psicose, de Hitchcock. Com o objetivo de colaborar para o entendimento da linguagem verbo-visual da histria em quadrinhos como linguagem artstica e autoral. Palavras-chave: Histria em Quadrinhos; Intertextualidade; Asilo Arkham; Psicose. Abstract

    How does the intertextuality operate in a comic book? This text tries to identify and analyse the intertextual relation between the graphic novel "Arkham Asylum" and Hitchcocks movie "Psycho". Aiming to collaborate with the understanding of the comic books visual-verbal language as artistic and personal language.

    Keywords: Comics, intertextuality, Arkham Asylum, Psicho. Introduo

    A Histria em quadrinhos uma linguagem que h tempos j se

    incorporou ao nosso dia-a-dia, por sua objetividade e facilidade, seu uso em

    manuais e em publicidade se baseiam nessas caractersticas. Como toda

    linguagem artstica, os quadrinhos podem ser carregados de simbologia e

    subjetividade, para levar de forma diferenciada e pessoal uma mensagem ao

    leitor, e a obra Asilo Arkham, 1989, de Dave Mckean e Grant Morrison, uma

    dessas obras, que ultrapassa a questo de simplesmente narrar uma boa

    histria de forma mais rpida e clara o possvel, agindo de forma contrria, ela

    caminha lentamente, mostrando pouco a pouco os elementos narrativos,

    criando assim, vrios pontos de indefinio que estimulam o leitor a buscar

    respostas.

    Uma das referncias intertextuais utilizadas pelos autores dessa graphic

    novel a do filme Psicose, 1960, de Alfred Hitchcock, que, dentre vrias

  • outras referncias, acha-se interessante por aparecer de duas maneiras

    diferentes, possibilitando assim uma maior reflexo sobre a intertextualidade

    nos quadrinhos e como ela opera na obra.

    O Asilo Arkham uma graphic novel histria em quadrinhos com

    contedo mais denso e que possui, normalmente, narrativas paralelas. Aqui a

    narrativa dividida entre passado e presente, contando a histria de Amadeus

    Arkham, o criador do Asilo e um dia de Batman dentro desse Asilo, intimado

    pelos internos em uma rebelio. O sofrimento de ambos os personagens e sua

    busca por auto-conhecimento so o tema central, eles so obrigados a

    enfrentar cara a cara seus prprios medos, em acontecimentos que acabam

    levando a um entrelaamento da histria de ambos os personagens.

    Numa histria longa, variedade de elementos e referncias essencial

    para se obter dinmica narrativa, mas ao mesmo tempo necessrio que o

    leitor entenda tais referncias, para que somem ao todo. As intertextualidades

    podem ser mais ou menos explicitas, dependendo da interpretao do leitor

    para concretizar uma maior abertura no seu significado e relao. O autor

    apenas indica o caminho, delimitando algumas interpretaes, para manter a

    coerncia do texto, e deixando outros pontos vazios.

    Segundo a Esttica da Recepo, de Hans Robert Jauss, o processo de

    recepo da leitura ocorre por meio da experincia esttica que se compe

    pela sensao de co-autoria da obra, de renovao da percepo e de

    atualizao aplicativa em sua realidade. Wolfgang Iser complementa a ideia de

    Jauss com a teoria do Efeito dizendo que a interao do texto com o leitor

    ocorre pelo preenchimento de pontos vazios na narrativa por projees e

    expectativas. O leitor d vida ao texto, percorrendo suas linhas, criando

    complementos aos espaos livres.

    O repertrio do leitor formado de fragmentos de diversas leituras, a

    construo de um texto realizada como um mosaico de citaes de outros

    textos, atualizando ideias estabelecidas ou rompendo com os padres.

    Estrutura da imagem e a intertextualidade

  • A histria em quadrinhos, apesar de incorporada nossa vida, ainda no

    compreendida como um todo, como linguagem autnoma, e ainda

    permanecem obscuros algumas das formas com que se comunica com o leitor.

    Sendo uma linguagem essencialmente imagtica, os quadrinhos

    carregam consigo alguns dos questionamentos inerentes imagem. Seria a

    imagem uma forma de comunicao possuidora de cdigos, capaz de

    transmitir mensagens de forma organizada e estruturada?

    Barthes, no seu artigo A retrica da imagem, parte dessa questo da

    validade da imagem como verdadeiro sistema de signos. A partir da anlise de

    uma propaganda o autor separa trs mensagens: a mensagem lingustica, a

    mensagem icnica literal, e a mensagem icnica simblica.

    A mensagem lingustica todo tipo de informao verbal existente numa

    imagem, ou no entorno. Barthes afirma que, hoje, raramente se encontra

    imagem sem texto, sempre esto ligados, podendo interagir de dois modos

    diferentes, como fixao e relais (ou revezamento).

    Ainda afirma que a distino entre as duas mensagens icnicas no se

    faz espontaneamente ao nvel da leitura corrente: o espectador da imagem

    recebe ao mesmo tempo a mensagem perceptiva e cultural (BARTHES, 1990,

    p.31). A mensagem icnica literal corresponde ao sentido primeiro das

    imagens, um sentido mais puro, independente de quase todo saber especfico

    cultural. Seu significado o que aquela imagem . Portanto, quando tiramos da

    imagem todos os sentidos gerados pela conotao, que consequncia de um

    saber cultural, ainda resta algum sentido: Trata-se de uma ausncia de sentido

    que contm todos os sentidos; tambm uma mensagem suficiente, pois tem,

    pelo menos, um sentido ao nvel da identificao da cena representada

    (BARTHES, 1990, p.35). Essa mensagem denotativa e sua aparente

    naturalidade (em que h pelo menos, um sentido possvel) relativa pois todo

    desenho j carrega em seu prprio trao, na escolha entre o que

    representado (o desenho nunca representa tudo de uma cena, e sim uma certa

    quantidade de informaes limitada), uma informao ideolgica. No h

    desenho sem estilo.

  • Quanto mensagem conotada (icnica simblica), ela tem a ver

    diretamente com o carter polissmico da imagem, que permite uma cadeia

    flutuante de significados. formada a partir dos significados da mensagem

    denotada. Esses significados se tornam significantes, que, a partir de um

    conhecimento cultural, tem um novo significado absorvido.

    Joly descreve o raciocnio de Barthes:

    Para ele, esse processo de conotao constitutivo de qualquer imagem, mesmo das mais naturalizantes, como a fotografia, por exemplo, pois no existe imagem admica. Que o motor dessa leitura segunda, ou interpretao, seja a ideologia, para uma sociedade e histria determinadas, em nada invalida o fato de que, para Barthes, uma imagem pretende sempre dizer algo diferente do que representa no primeiro grau, isto , no nvel da denotao. (JOLY, 2005, p. 83)

    A leitura num nvel conotativo apresenta o problema da interferncia do

    repertrio do leitor, uma vez que uma leitura cultural, ideolgica. Mas quanto

    a isso Barthes claro:

    a variabilidade de leituras no pode, pois, ameaar a lngua da imagem, se admitirmos que essa lngua composta de ideoletos, lxicos ou subcdigos: a imagem inteiramente ultrapassada pelo sistema de sentidos (...) A lngua da imagem no apenas o conjunto de palavras emitidas (...), tambm o conjunto de palavras recebidas: a lngua deve incluir as surpresas de sentido. (BARTHES, 1990, p. 39).

    E aqui Joly ainda acrescenta que essa face conotativa da linguagem

    imagtica inerente a outras linguagens, que qualquer forma de expresso e

    de comunicao conotativa (2005, p.84).

    na face conotativa das linguagens que nos ateremos mais

    atentamente nesse trabalho, pois nesse nvel que o processo cognitivo

    desenrola o momento intertextual.

    A intertextualidade parte direta da estrutura textual, e induz o leitor a

    buscar sentidos exteriores ao texto. So textos que esto inseridos dentro de

    outros textos, implcita ou explicitamente. Segundo Costa (2003): O grau de

    explicitao da intertextualidade depende da forma e, que transparece no texto

    e tambm da capacidade do leitor, atravs de seu repertrio, de encontrar as

  • relaes e articula-las. necessria uma interpretao crtica daquele

    fragmento de texto encontrado durante a leitura.

    O formato em que se apresenta o intertexto varia, dificultando ou

    facilitando o modo como se relaciona com o leitor. A interferncia de um texto

    anterior dentro de um novo texto o que permite a existncia dos textos, que

    evoluem tendo como base o que j foi feito, suas regras e estruturas,

    influenciando-se delas ou as negando. Isso faz com que todo texto seja, de

    alguma forma, intertextual, assim como a leitura, que busca essas referncias a

    partir do repertrio de cada leitor. Para o entendimento da intertextualidade

    nesses formatos, preciso ter uma noo mais abrangente de texto, e Jenny

    (1979) nos mostra como Julia Kristeva o define.

    Se, com efeito, para Julia Kristeva, qualquer texto se constri como um mosaico de citaes e absoro e transformao dum outro texto, a noo de texto seriamente alargada pela autora. sinnimo de sistema de signos, quer se trate de obras literrias, de linguagens orais, de sistemas simblicos sociais ou inconscientes. (JENNY, 1979, p.13).

    Alm da intertextualidade implcita nesse mosaico de citaes que

    todo texto, ela tambm aparece na forma de citaes (a mais explcita delas), e

    outros modos de referncia que se misturam ao novo texto, necessitando da

    sensibilidade e do repertrio do leitor para ser ou no identificada.

    Cada referncia intertextual o lugar duma alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um fragmento como qualquer outro, que faz parte integrante da sintagmtica do texto ou ento voltar ao texto-origem, procedendo a uma espcie de anamnese intelectual em que a referncia intertextual aparece como um elemento paradigmtico deslocado e originrio duma sintagmtica esquecida. (JENNY, 1979, p. 21)

    A partir do momento em que o leitor reconhece e aceita voltar ao texto-

    origem, a intertextualidade conseguiu concretizar o que inerente sua

    funo, o olhar crtico, que soma ao novo texto todo o sentido do texto anterior,

    e, como afirma Jenny, isto confere intertextualidade uma riqueza, uma

    densidade excepcionais (1979,p.22).

  • O intertexto, ento, rompe a linearidade do texto, exigindo do leitor uma

    postura crtica, e tirando-o de uma possvel inrcia da leitura. Ele leva a uma

    transformao da leitura, permitindo uma infinidade de sentidos que vo alm

    do prprio texto. Laurent Jenny ainda mostra que a conscincia do objeto

    textual e todo o seu entorno de relaes aprimora sua utilizao e intensidade:

    A anlise do trabalho intertextual mostra bem que a pura repetio no existe, ou, por outras palavras, que esse trabalho exerce uma funo crtica sobre a forma. Isto, quer a intencionalidade seja explicitamente crtica (...), ou no. Se o vanguardismo intertextual frequentemente sbio, porque est ao mesmo tempo consciente do objecto sobre o qual trabalha, e das recordaes culturais que o dominam. (JENNY, 1979, p. 44).

    E ainda afirma que seja qual for seu suporte ideolgico confesso, o uso

    intertextual dos discursos corresponde sempre a uma vocao crtica, ldica e

    exploradora.

    O Asilo Arkham e Hitchcock

    O trabalho intertextetual permeia toda a narrativa do Asilo Arkham.

    Aparece nas mais variadas formas, verbais, visuais, citaes diretas e

    indiretas. Algumas referncias que aparecem ao longo da leitura so: a paixo

    de Cristo, fosseis arqueolgicos, cartas de tar, Alice no Pas das Maravilhas,

    mitologia grega, referncias a pensadores, entre outros. Entre tantos intertextos

    presentes na obra, vamos nos ater ao filme Psicose pela forma com que

    aparece: em dois momentos distintos que nos levam a uma s situao. H,

    sim, uma outra referncia possvel apenas pela leitura da graphic novel, uma

    vez que Hitchcock um diretor conhecido por desenvolver o suspense, gnero

    que, sem dvida alguma, influencia a forma com que o Asilo Arkham

    narrado, mas vamos nos ater s referncias que se relacionam diretamente

    narrativa, e no apenas em sua forma, assim podemos entender melhor como

    elementos externos podem influenciar a leitura de uma narrativa.

    Jenny (1979) fala do trabalho intertextual, analisando os modos como o

    intertexto se apresenta no texto. Ela fala do Engaste, que a forma de

    montagem em que se encontra o fragmento externo dentro do texto. As duas

  • formas de montagem intertextual que aparecem com fragmentos do texto

    cinematogrfico Psicose, de Hitchcock, so:

    Isotopia metonmica: o fragmento externo diretamente dentro do texto.

    Isotopia metafrica: o intertexto se d pela semelhana por contexto.

    Servem para esclarecer o sentido duma passagem, para a enriquecer com um

    jogo de recordaes associativas, para indicar pela voz de outrem uma

    direco de leitura (JENNY, 1979, p.36).

    Primeiro fragmento intertextual:

    Quando chegamos pgina 58 da graphic novel, aps a cena em que

    Batman fere a prpria mo, numa tentativa de cessar seus devaneios, e se

    manter racional, vemos pelo todo da pgina que estamos no asilo, mas o

    primeiro quadro uma sinistra figura risonha (fig.1).

    Fig. 1: Interno assiste Psicose. Asilo Arkham, 1990, p.58.

    Percebemos que essa imagem uma fotografia, com baixa qualidade e

    em preto e branco. O prximo quadro mostra um personagem no identificado

    em um primeiro plano, sua expresso sugere desaprovao. O tero inferior da

    imagem negro, e acima temos algumas formas (silhuetas) tambm nessa cor.

    Supomos ser uma televiso, percebe-se pela iluminao que vai direto ao rosto

  • do personagem, e pelas formas que sugerem uma antena. Ao que tudo indica a

    primeira imagem, que sozinha parece descontextualizada, o que est

    passando na TV (isso reforado pela delimitao nas partes superior e

    inferior da imagem, e sua distoro).

    A 1 caixa de texto (balo) contm a fala Me! Oh, meu Deus! Me!, e

    est no primeiro quadro. Na 2 caixa de texto (balo) lemos: Sangue!

    Sangue!, ela est no segundo quadro. Esse pode ser o motivo da

    desaprovao do personagem que assiste TV, onde, ao que parece, est

    acontecendo uma cena de violncia. Mas que cena essa? Porque a imagem

    do primeiro quadro? O fato de ser uma fotografia, representada em uma TV,

    nos faz pensar prontamente em algum filme.

    O Asilo Arkham uma narrativa de horror psicolgico, o seu leitor,

    portanto, pode estar familiarizado com narrativas do gnero. Buscando

    fragmentos de filmes de horror e suspense logo percebemos que se trata da

    imagem de Norman Bates, personagem do filme Psicose, de Hitchcock.

    Lanado em 1960, esse filme um dos pontos altos da carreira do

    diretor, e caracterizado pela forma como Hitchcock trabalha as cenas para

    que o suspense predomine e a surpresa venha apenas no final. Mas o filme vai

    alm:

    o que mais assusta, mantm o interesse intacto na histria de Psicose, so as nuances de loucura associadas ao personagem de Norman Bates, que em determinados momentos ostentam aspectos quase onricos devido fotografia em preto-e-branco do filme. Para Anthony Perkins, Psicose pode muito bem ter representado tanto o estrelato instantneo quanto uma maldio da qual ele jamais escaparia. Afinal, seu desempenho como Norman um dos mais contundentes retratos de uma mente perturbada em toda a histria do cinema. (Kollision, 2006)

    As nuances de loucura do personagem Norman Bates criam uma

    relao com o Asilo Arkham, uma vez que uma das caractersticas dessa

    graphic novel deixar de lado o maniquesmo no trato dos personagens.

    Batman extremamente violento e atormentado, Amadeus caminha durante a

    narrativa, do ponto mais racional at a aceitao completa da loucura, Duas-

    caras tem a mente mais devastada da narrativa, mas toma uma deciso

    consciente, racional, no fim da histria, libertando Batman. Essas aes tornam

  • os personagens mais humanos, porque mudam. Batman no apenas um

    smbolo da justia e da verdade, suas aes so questionveis. Isso tambm

    ocorre no filme Psicose, mas no s na dupla personalidade de Norman Bates.

    A personagem Marion Crane tambm se apresenta como uma apaixonada e

    sensvel mulher, mas logo depois comete um roubo e foge com 40 mil dlares.

    Outras ligaes so possveis em relao ao gnero e estrutura

    narrativa:

    Hitchcock era prdigo em reprocessar suas influncias, misturando-as com suas prprias experincias de vida, quase todas da infncia, temperando-as com ingredientes extrados de autores como Edgard Alan Poe, cujas estrias causaram grande impacto na sua formao. De fato sabemos que os contos de Poe influenciaram na sua predileo por estrias fantsticas, capazes de apavorar. (SILVA, 1999,p.07)

    exatamente a eficincia narrativa, ao lado da liberdade de escolha temtica e do controle total sobre a construo flmica que fazem de Hitchcock um verdadeiro autor cinematogrfico. (...) Num perodo em que os estdios dominavam completamente o processo de produo e os diretores lutavam pelo reconhecimento do seu trabalho, ningum foi to autoral e experimental, sem perder o vnculo com o pblico. (SILVA, 1999, p.08)

    Essas caractersticas de Hitchcock encontram paralelos com os autores

    do Asilo Arkham, a eficincia em utilizar as influncias e referncias, o

    controle narrativo e o carter experimental, esto claramente presentes

    tambm nessa graphic novel. Esse fato pode envolver no somente a relao

    entre os autores, mas tambm o reforando a relao da narrativa

    quadrinhstica com o gnero, uma vez que parte do suspense um controle

    narrativo eficiente, e efeitos de sentido que deixem algumas informaes

    suspensas no ar.

    Vemos ento que esse fragmento no se relaciona diretamente ao

    enredo, mas sim forma com que so tratados os personagens, mais

    humanizados, e relao da narrativa com os gneros do horror e do

    suspense. Quando o leitor volta dessa leitura intertextual, de isotopia

    metonmica, e d seguimento sua leitura do Asilo Arkham, ele mantm a

    imagem de Norman Bates, e consequentemente, a narrativa do filme Psicose

    como pano de fundo. esse pano de fundo que nos leva prxima relao

    intertextual.

  • Segundo fragmento intertextual:

    Seis pginas depois da sequncia com o fragmento do filme Psicose,

    Amadeus Arkham visto com o vestido de noiva de sua me, enquanto

    contempla os corpos mutilados de sua mulher e filha (fig.2). Na sequncia,

    Amadeus est subindo a escada da manso chamando sua esposa, ela que

    no responde. Ao entrar no quarto a encontra morta, logo em seguida encontra

    tambm o corpo de sua filha, Harriet (fig.3). O assassino deixou marcado seu

    nome nas vtimas, Mad Dog, um criminoso com distrbios mentais que foi

    paciente de Amadeus (Psiquiatra).

    Fig. 2: Amadeus ao encontrar sua mulher e filha mortas. Asilo Arkham, 1990, p.64.

    Em um momento da narrativa esse criminoso foge da priso, e

    Amadeus, contatado pela polcia, diz apenas que ele perigoso, sem se

    esforar em ajud-los, j que no era um problema dele. Amadeus diz isso

    exatamente por estar ocupado com o bem estar da sua famlia. Esse fato serve

    como amplificador da culpa de Amadeus.

  • Aps entendermos o contexto da cena, ainda nos perguntamos o porqu

    Amadeus est com um vestido de noiva (fig.2). A reposta para essa questo

    pode vir do intertexto que permaneceu como pano de fundo, h uma relao de

    contexto com o filme Psicose.

    Fig. 3: : Amadeus encontra Harriet morta. Asilo Arkham, 1990, p.63-64.

    Ao buscarmos novamente o filme, lembramos que Norman Bates, assim

    como Amadeus, vestia-se com as roupas de sua me. No filme isso acontece

    porque Norman no consegue aceitar que sua me faleceu, e, portanto age

    como se ela realmente estivesse viva, vestindo-se e conversando consigo

    mesmo, como se ela estivesse presente.

    Fig. 4: Norman como sua me durante o assassinato de Marion Crane. Psicose. 1960.

    Durante todo o filme Hitchcock usa seu incrvel talento e controle sobre a

    narrativa para criar imagens e sequncias que fazem o espectador pensar que

  • a senhora Bates est viva, mas ao mesmo tempo mostra algumas situaes

    estranhas, deixando alguma dvida no pblico. Ela apresentada como uma

    me possessiva, chegando a cometer assassinatos para manter o filho ao seu

    lado. Hitchcock usa efeitos de luz e sombra para que quando Norman aparea

    com as roupas de sua me, o espectador no perceba, mantendo a iluso de

    que ela est viva e a culpada pelas mortes (fig.4).

    Mas o momento de maior surpresa no filme vem quando descobrimos

    que Norman Bates no apenas se veste como sua me, mas tambm a matou.

    Esses dois acontecimentos so mostrados em sequncia ao espectador,

    quando invadem a casa e surpreendem Norman com a fantasia, em seguida

    acham o corpo empalhado de sua me. Ainda na parte final do filme, na

    delegacia onde Norman est sendo interrogado, vemos um psiquiatra que faz

    uma anlise do quadro clnico do personagem, deixando claro que ele sofre de

    dupla personalidade, forma que sua mente encontrou para amenizar o trauma

    do assassinato. Norman acreditava que sua me estava viva e, intercalando

    momentos como Norman e momentos como sua me, ele mantinha uma vida

    normal, como a de antes.

    Dessa forma, voltando ao Asilo Arkham temos um adiantamento de

    que a me de Amadeus, que at ento parecia ter cometido suicdio, na

    verdade havia sido assassinada por ele. Essa cena surge em um momento de

    encontro com a morte, esse fato faz com que instintivamente Amadeus coloque

    a roupa de sua me, como se fosse algo normal. A aparente normalidade da

    cena para Amadeus fica clara nos textos dessa sequncia: Vagarosamente e

    metodicamente, eu ponho o vestido de noiva de minha me. Eu me ajoelho

    diante daquele matadouro infantil. Tudo parece perfeitamente racional.

    Perfeitamente, perfeitamente racional. (MORRISON, 1990, p.64).

    Ainda numa relao intertextual com o Psicose a racionalidade com

    que essa cena acontece explicada. A partir da pgina 92 da graphic novel,

    Arkham consegue se lembrar do que sua mente tentou esquecer por tanto

    tempo. Ele se lembra que numa noite, instintivamente ele vai at o quanto de

    sua me, sabemos disso, pois na cena ele mesmo se pergunta porque eu vim

    aqui? (idem, p.94), e a encontra tendo pesadelos, ela reclamava da presena

    de algo que estava l para lev-la, enquanto ele comeava a ver grandes asas

  • se batendo em baixo da cama, e segue dizendo pra si que no est louco.

    Estou vendo a criatura que apavorou e atormentou minha me naqueles anos

    to longos (idem, p.95), aps ver o morcego que a atormentava e sua me

    suplicando por ajuda, pedindo para no ser levada, ele pega uma navalha e

    diz: ele no vai lev-la, eu juro. No tenha medo, mame. Eu te amo (idem,

    p.96).

    A cena de Amadeus com o vestido de noiva de sua me se repete, na

    pg. 97, logo aps o assassinato (fig.5). Essa cena retoma o intertexto com o

    filme Psicose que haviam sido vistos nas pginas 58 e 64 e aqui ele fica

    ainda mais explcito, uma vez que a relao entre a ao dos personagens no

    mais um adiantamento, mas sim um reforo. Temos aqui, a certeza de que,

    assim como Norman Bates, Amadeus Arkham matou sua prpria me e o

    trauma o levou a se vestir como ela. Em ambos o assassinato foi passional, em

    1960 por cimes Norman no aceitou o relacionamento de sua me com

    outro homem e em 1989 para cessar um sofrimento de quase 20 anos.

    Fig. 5: Amadeus aps o matar sua me. Asilo Arkham, 1990, p.97.

  • Essa cena explica a naturalidade com que Amadeus colocou o vestido

    quando encontrou sua famlia morta. Ao se deparar pela segunda vez com a

    morte, seu inconsciente repetiu a ao da data do assassinato, mas ainda sem

    se lembrar do fato em si, Amadeus simplesmente seguiu seus instintos e

    repetiu novamente o ritual realizado durante o primeiro acontecimento

    traumtico.

    Concluso

    Podemos ento ver a forma com que essas intertextualidades adiantam

    os acontecimentos da narrativa, e no s isso, aprofundam a histria at um

    nvel que apenas a narrativa fechada no poderia ir. A partir de duas formas

    intertextuais isotopia metonmica e isotopia metafrica que se direcionam

    para um s acontecimento, a referncia ao filme Psicose leva o leitor a fazer

    ligaes entre as linguagens, o gnero e os personagens de ambas as

    narrativas. A intertextualidade mostra-se um importante instrumento para criar

    uma narrativa que saia da horizontalidade, destacando como o bom uso das

    imagens e suas referncias so essenciais para se criar uma histria em

    quadrinhos de qualidade.

    Tambm fica claro como essa graphic novel extremamente relevante

    para os quadrinhos ao mostrar como toda a estrutura externa e interna pode

    influenciar na construo de sentido. E no s para os quadrinhos, mas

    valoriza a expresso imagtica, ampliando as formas de se gerar sentido.

    Como uma linguagem criativa e imagtica, suas possibilidades so infinitas, e

    sua estrutura varivel, como toda forma artstica.

    Referncias bibliogrficas BARTHES, R. Retrica da Imagem. In: O bvio e o Obtuso - Ensaios Crticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. P.27-43.

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    PSICOSE. Direo: Alfred Hitchcock. Roteiro: Joseph Stefano. Intrpretes: Anthony Perkins, Vera Miles John Gavin e outros. [Manaus : Universal], 2005. 2 DVD (109 min/49 min).

    Currculo

    Guilherme L. B. E Silveira graduado em Educao Artstica pela UNESP Bauru, foi bolsista FAPESP durante o ano de 2009. professor, pesquisador, artista plstico, msico e quadrinhsta, tendo trabalhos publicados na Camio di Rato e Miscelnea. Cursando especializao em Teatro, Msica e Dana para Educadores, na UNIFRAN.

    Maria Luiza Calim C. Costa graduou-se na Faculdade de Belas Artes de So Paulo nos cursos de Bacharelado em Pintura em 1981 e Licenciatura em Artes Plsticas em 1983. Concluiu o mestrado em 1999 e o doutorado em 2003 ambos na rea de Concentrao em "Comunicao e Poticas Visuais" da Ps-Graduao da FAAC/UNESP/Bauru. Atua como docente na FAAC/UNESP/Bauru, e participa como membro do Grupo de Pesquisa: Leitura: Texto Imagem, cadastrado no CNPQ e vinculado a Ps-Graduao em Comunicao da FAAC/ UNESP/Bauru.

    1 Esse artigo foi desenvolvido a partir de um fragmento da pesquisa do trabalho de iniciao cientfica Quadrinho em Revista - uma anlise da graphic novel Asilo Arkham de Dave Mckean e Grant Morrison, financiado pela FAPESP em 2009. Orientado pela Prof Dr. Maria Luiza Calim de Carvalho Costa e desenvolvido pelo aluno Guilherme Lima Bruno E Silveira, na UNESP Bauru.

    A INTERTEXTUALIDADE NA GRAPHIC NOVEL ASILO ARKHAM: REFERNCIAS AO FILME PSICOSE, DE HITCHCOCK.ResumoAbstractHow does the intertextuality operate in a comic book? This text tries to identify and analyse the intertextual relation betweeKeywords: