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Silvana Winckler

Reginaldo Pereira

Arlene Renk

(Orgs.)

Reflexões sobre Cidadania e Direitos Humanos na Nova Ordem Mundial

São Leopoldo

2016

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© Editora Karywa – 2016

São Leopoldo – RS

[email protected] http://editorakarywa.wordpress.com

Conselho Editorial:

Dra. Adriana Schmidt Dias (UFRGS – Brasil)

Dra. Cândida Graciela Chamorro (UFGD – Brasil) Dra. Claudete Beise Ulrich (Faculdade Unida –

Espírito Santo)

Dr. Cristóbal Gnecco (Universidad del Cauca – Colômbia)

Dr. Eduardo Santos Neumann (UFRGS – Brasil)

Dr. Ezequiel de Souza (IFAM – Brasil) Dr. Raúl Fornet-Betancourt (Aachen – Alemanha)

Dra. Tanya Angulo Alemán (Universidad de

Valencia – Espanha) Dra. Yisel Rivero Báxter (Universidad de la

Habana – Cuba)

Comissão científica: Profª Drª Arlene Renk Prof. Dr. Ernani de Paula Contipelli Prof. Dr. Frederico Eduardo Zenedin Glitz Prof. Dr. Giovanni Olsson Prof. Dr. Marcelo Markus Teixeira Prof. Dr. Marcelino da Silva Meleu Profª Drª Odete Maria de Oliveira Prof. Dr. Paulo Potiara de Alcântara Veloso Prof. Dr. Reginaldo Pereira Profª Drª Silvana Winckler

Apoio:

Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina – FAPESC.

* Os textos são de responsabilidade de seus autores.

Diagramação e arte-finalização: Rogério Sávio Link

R332 Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial. [e-book] / Orgs. Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk. São Leopoldo: Karywa, 2016.

223p.

ISBN: 978-85-68730-15-7

1. Cidadania; 2. Direitos humanos; 3. Direito das mulheres; 4. Constitucionalismo; 5. Política; I. Silvana Winckler; II. Reginaldo Pereira; III. Arlene Renk.

CDD 340

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 4

LOS DERECHOS DE CIUDADANÍA EN EL NUEVO ORDEN

MUNDIAL .......................................................................................................... 8 José Luis García Guerrero

DIGNIDADE HUMANA, ESTADO CONSTITUCIONAL

COOPERATIVO E NOVA ORDEM MUNDIAL ........................................................ 69 Ernani Contipelli

ESTADO DE DIREITO E CULTURA PATRIMONIALISTA: O DESAFIO DA AFIRMAÇÃO DA DIMENSÃO REPUBLICANA DO

ESTADO NA AMÉRICA LATINA .......................................................................... 88 Gilmar Antonio Bedin

REINVENÇÃO DEMOCRÁTICA E AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS ..................................................................................................... 100 Reginaldo Pereira

DIREITOS HUMANOS, DESENVOLVIMENTO

SOCIOECONÔMICO E GLOBALIZAÇÃO ............................................................... 115 Daniel Francisco Nagao Menezes

DERECHOS Y GARANTÍAS DE LAS MINORÍAS NACIONALES EN

EUROPA ......................................................................................................... 127 María Luz Martínez Alarcón

RELAÇÕES INTERNACIONAIS E A EXCLUSÃO DE GÊNERO OS

DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES EM QUESTÃO ......................................... 167 Odete Maria de Oliveira

MINORIAS ÉTNICAS TRABALHADORAS EM AGROINDÚSTRIAS

NO OESTE CATARINENSE................................................................................. 193 Arlene Renk

DIREITO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO E AOS SABERES

TRADICIONAIS A ELE ASSOCIADOS: AVANÇOS LEGISLATIVOS

NO BRASIL ..................................................................................................... 205 Silvana Winckler

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APRESENTAÇÃO

Esta obra materializa os primeiros resultados de um convênio de colaboração científica mantido, desde o ano de 2014, entre o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – PPGD/Unochapecó e o Departamento de Direito Constitucional da Facultad de Derecho de la Universidad Castilha La Mancha/UCLM, da Espanha.

O livro registra um momento importante do processo de internacionalização do PPGD/Unochapecó, quando docentes deste Programa e do Departamento de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UCLM tiveram oportunidade de expor e debater suas pesquisas. O seminário realizou-se no mês de maio de 2015 no campus sede da Unochapecó e contou com a participação de pesquisadores de outras prestigiadas Universidades brasileiras. Todavia, a relevância do livro ora apresentado vai além da substancialização deste processo de colaboração científica: reside na temática que serve de fio condutor aos capítulos que o compõem.

Em uma nova ordem mundial construída sobre as bases da modernidade tardia, caracterizada, entre outros elementos, pela perda de centralidade do Estado e pela emergência de novos atores sociais, a cidadania e os direitos humanos demandam atualizações nos campos teórico e empírico. Vivem-se tempos de crises, algumas herdadas das sociedades industriais, produtoras de profundas desigualdades sociais; outras, que pareciam jazer juntamente com as vítimas dos diversos holocaustos produzidos no século XX, e agora são reavivadas como novas catástrofes humanitárias; e aquelas que, apesar de recentes, instalaram-se para ficar, ameaçando a vida no planeta, a menos que a humanidade consiga livrar-se dos efeitos nefastos de três séculos de contínuas reificações da natureza.

Direitos humanos e cidadania são conceitos em constante construção, permitindo reinvenções recorrentes, que vêm sendo gestados desde o início do século XVII e encontram amparo no Estado-nação. No entanto, na configuração da nova ordem mundial, novos desafios são apresentados. Estes constituem temas sobre os quais se debruçaram os autores da coletânea.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 5

Cabe ressaltar que a realização de um evento e a organização de uma coletânea são oportunidades para consolidar vínculos e formalizar redes de colaboração entre grupos de pesquisadores de diferentes universidades. Neste caso, houve a tessitura de vínculos com Universidades da Espanha (UCLM de Albacete, Toledo e Madri), Rio Grande do Sul (Unijuí e Unisinos) e São Paulo (Mackenzie).

As parcerias, num contexto de mundialização e de encolhimento do mundo, proporcionam a intensificação do diálogo, o aprofundamento das pesquisas e a divulgação dos resultados, contemplando a comunidade acadêmica com a exposição de debates que nos levam a refletir e a redirecionar temáticas de estudos.

A coletânea conta com nove capítulos que tratam das temáticas apresentadas pelos pesquisadores no seminário.

No texto Los derechos de ciudadanía en el nuevo ordem mundial, Jose Luiz García Guerrero aponta a insuficiência dos parâmetros clássicos constitucionais e aborda a relação existente entre dignidade e Estado Constitucional Cooperativo. A solidariedade e a interdependência entre os Estados configuram-se como condições para assegurar a dignidade humana, com vistas à proposta de “bem comum mundial”.

Na mesma linha do trabalho anterior, Ernani Contipelli, em Dignidade humana, Estado Constitucional Cooperativo e nova ordem mundial, discute a relação entre dignidade humana e Estado Constitucional Cooperativo, partindo de uma compreensão axiológica da pessoa humana como fonte de todos os valores, para, posteriormente, situá-la dentro da nova ordem mundial.

Gilmar Antonio Bedin, no capítulo Estado de Direito e cultura patrimonialista: o desafio da afirmação da dimensão republicana na América Latina, analisa os desafios apresentados pelas estruturas jurídico-institucionais na América Latina, constatando a permanência da cultura patrimonialista que resulta no déficit de República.

Reginaldo Pereira, no capítulo Reinvenção democrática e afirmação dos direitos humanos, parte da ideia lefortiana de atrelar a política dos direitos à reinvenção da democracia para trabalhar a democracia moderna – uma constante reinvenção do social – numa perspectiva que privilegia suas ligações com a efetivação dos direitos humanos em regimes democráticos, não apenas a partir de um recorte jurídico, mas também

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6 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

político, já que, sob o olhar de Claude Lefort, os conceitos de democracia e retrocesso em matéria de direitos humanos são incongruentes entre si.

Daniel Francisco Nagao Menezes, no texto Direitos humanos, desenvolvimento socioeconômico e globalização, recorre aos pais-fundadores da Cepal, aos conceitos de centro e periferia, debruçando-se de forma mais amiúde nos escritos de Hélio Jaguaribe, como o da dialética da dependência. Para esse pensador são duas as saídas apontadas, a estabilização da dependência ou a revolução. No entanto, os estudos mostram que a América Latina perdeu o momento histórico de sua revolução. Caberia buscar alternativa até que a “janela” de possibilidades se descortine.

Derechos y garantias de las minorias nacionales en Europa, capítulo subscrito por María Luz Martínez Alarcón, é dedicado ao estudo do reconhecimento dos direitos das minorias e à história e sua proteção velho continente, abordando aspectos conceituais, históricos e situacionais.

No texto Minorias étnicas trabalhadoras em agroindústrias no oeste catarinense, Arlene Renk analisa aspectos da presença de trabalhadores indígenas e de imigrantes haitianos no complexo agroindustrial do setor de carnes e derivados. As dificuldades vivenciadas remetem à ideia de inserção diferenciada (subalternizada) no mundo do trabalho, mobilizando ações em defesa dos direitos dessas minorias.

Odete Maria de Oliveira integra o livro com o capítulo intitulado Relações internacionais e a exclusão de gênero – os direitos humanos das mulheres em questão. A autora apresenta elementos indicadores da marginalização das mulheres na área das Relações Internacionais, enquanto disciplina. O capítulo aborda o trabalho incessante para o reconhecimento dos direitos humanos dessa minoria e como este rebate no interior da disciplina.

Finalmente, Silvana Winckler, no capítulo intitulado Direito ao patrimônio genético e aos saberes tradicionais a ele associados: avanços legislativos no Brasil, analisa os passos dados pelo Brasil na direção da proteção legal ao patrimônio genético e aos saberes tradicionais a ele associados, que deverá ser assegurado a povos indígenas e comunidades tradicionais, conforme parâmetros fixados na Convenção da Diversidade Biológica (ONU, 1992) e ratificados no Protocolo de Nagoia (ONU, 2010).

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 7

Nosso reconhecimento à FAPESC, parceira em sucessivas iniciativas do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unochapecó.

Os Organizadores.

Arlene Renk*

Reginaldo Pereira**

Silvana Winckler

***

* Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora dos

Programas de Pós-Graduação em Direito e Ciências Ambientais da Unochapecó. **

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor do Programa de Pós-

Graduação em Direito da Unochapecó. ***

Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona. Professora dos Programas de Pós-

Graduação em Direito e Ciências Ambientais da Unochapecó.

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LOS DERECHOS DE CIUDADANÍA EN EL NUEVO ORDEN MUNDIAL

José Luis García Guerrero*

Una breve acotación del objeto de estudio

El término “derechos de ciudadanía” tiene una gran amplitud. Engloba principalmente a los derechos fundamentales, tanto a los de libertad y participación como al derecho de prestación a la enseñanza obligatoria; a los derechos constitucionales, entre otros, el de contraer matrimonio, la propiedad privada, la libertad de empresa y un amplio abanico de derechos sociales como la salud, la educación, las pensiones o las prestaciones en situaciones de dependencia; finalmente, también podría incluir, quizá, entre otros muchos ámbitos, los mandatos a los poderes públicos, tanto los de carácter general, como el de acceso a la vivienda y la protección del medio ambiente, como los de carácter específico, como la protección de los discapacitados, a la juventud, a la tercera edad.

No es aquí el lugar, por espacio y tiempo, de ocuparse de este amplio objeto, razón por la que el estudio se va limitar dentro de los derechos de ciudadanía al derecho a participar en los asuntos públicos en cuanto derecho fundamental. No acaba aquí la acotación de la materia sino que ya se advierte que se va a adoptar una concepción restrictiva de los derechos fundamentales y que en el ámbito del estudio no se incluye la participación en la Administración de justicia (jurado), ni en la elaboración de disposiciones administrativas o en actos que afecten a los interesados; tampoco se va a contemplar la participación en asuntos sociales,

* Es Profesor Titular de Derecho Constitucional en la Facultad de Derecho de Albacete, de la

Universidad de Castilla-La Mancha (Id: orcid.org/0000-0003-2801-5741). Esta ponencia es

resultado del proyecto de investigación: Constitución y mercado en la crisis de la integración

europea, DER2013-48327-C3-1-R (MINECO 2014-2016).

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 9

económicos, culturales o profesionales; excluyéndose, en consecuencia, también la representación corporativa y la profesional1.

Tras esta nueva reducción del objeto, el ámbito del trabajo viene determinado por un elemento personal, los ciudadanos y por un elemento finalista, la participación política

2, que, como es pacífico doctrinalmente,

puede ser directa o indirecta, esto es, a través de representantes.

Ahora bien, cabe plantearse si el derecho fundamental a la participación política es sinónimo del derecho al sufragio activo y pasivo. Se estima que la mayor parte de la doctrina respondería afirmativamente a esta cuestión. El derecho al sufragio comprende la participación política directa (fundamentalmente, el referéndum y en algunos ordenamientos constitucionales la revocatoria) y la indirecta, que consiste en la elección de los representantes políticos y es que este último derecho fundamental requiere para su ejercicio de los demás derechos fundamentales y, muy especialmente, de la libertad ideológica, de la libertad de comunicación y de los derechos de reunión y asociación. Realmente, el derecho al sufragio parece corresponderse con el derecho de participación política, salvo en aquellos ordenamientos que contemplan la iniciativa legislativa popular.

No obstante y aunque esta tesis requeriría de una reflexión más profunda, se va a estimar que ambos términos no son sinónimos. Se considera que el derecho fundamental a la participación política es más amplio que el derecho al sufragio y que, incluso, incluye a éste3. En primer lugar, porque esta concepción facilita las conexiones constitucionales de la

1 Se coincide con la interpretación restrictiva que viene realizando el Tribunal Constitucional

español del artículo 23.1 de la Constitución (“Los ciudadanos tienen el derecho a participar en los asuntos públicos…”). El Alto Tribunal limita el objeto a la participación política en los

ámbitos estatal, autonómico y local, descartando las demás formas de participación (en la

justicia, en la administración, etc.) que cobrarían virtualidad por los preceptos constitucionales que las reconocen. En este sentido las SSTC 51/1984, 189/1993, 121/1993 y

119/1995, entre otras. 2 La STC 212/1993, FJ 4, limita el ámbito de este derecho fundamental por dos elementos: los

titulares del derecho, ciudadanos, y por el contenido de la situación jurídica subjetiva reconocida, derecho a participar por medio de representantes. 3 La STC 225/1998, FJ 4, señala que “La participación política de los ciudadanos en asuntos

públicos `por medio de representantes` está unida en el artículo 23.1 a la existencia de

elecciones libres, periódicas y por sufragio universal. Sistema electoral y participación política

son así el marco de los derechos de sufragio como derechos fundamentales…”.

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10 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

participación política con los demás derechos fundamentales4, incluye a la iniciativa legislativa popular y permite utilizar al partido político como instrumento para que los ciudadanos puedan incrementar su participación política

5. En segundo lugar, porque la conceptuación del sufragio como

derecho (fundamental) implica renunciar a la concepción del primero como deber o función estatal o, cuando menos, disminuirla sustancialmente. Esta afirmación requiere una breve aclaración.

En los inicios del liberalismo y durante la revolución francesa pugnaban dos tesis a propósito del sufragio. Una primera vinculada a la democracia radical rousseauniana que lo concebía como derecho. Una segunda que, en un principio, vinculaba el sufragio a la soberanía nacional y lógicamente lo contemplaba como deber o función

6. El paso de la

soberanía popular a la nacional en la asamblea constituyente francesa era una forma de disminuir la democracia

7 hasta el punto que haber quien,

exageradamente, niega a estos sistemas su carácter democrático8.

Posteriormente, esta segunda tesis fue acogida por la escuela clásica de derecho público alemana y por tratadistas franceses e italianos, donde es discernible una mayor o menor preocupación con el principio democrático9. En consecuencia, aquellos sistemas constitucionales, como el español, que consagran como derecho fundamental a la participación política, lo que implica incluir en su ámbito el sufragio, apuestan, sin duda, por la tesis del sufragio como derecho y disminuyen la importancia, cuando no la eliminan, de éste como función o deber10; en lo que constituye una auténtica apuesta por el principio democrático.

4 Sobre la importancia de estas conexiones valga, a modo de ejemplo, recordar cómo cuando

la libertad de comunicación tiene por objeto la participación política se refuerza exorbitantemente, admitiendo escasas restricciones en su ejercicio. Véase al respecto José

Luis García Guerrero (2013, p. 157s, 191ss). 5 Véase José Luis García Guerrero (2007, p. 41-45).

6 Una primera aproximación a esta diferente conceptuación en Enrique Álvarez Conde (1996,

p. 397). 7 Véase José Luis García Guerrero (2000, p. 574s).

8 Francisco Bastida Freijedo (2005, p. 30s) considera que las constituciones democráticas son

una evolución histórica de las liberales. 9 Véase Enrique Álvarez Conde (1996, p. 397s).

10 El Tribunal Supremo español se ha ocupado de la vertiente del sufragio como deber o

función pública, de forma contradictoria, véase una síntesis al respecto en Enrique Álvarez

Conde (1996, p. 401s).

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 11

Una tesis restrictiva de la categoría de los derechos fundamentales

La conceptuación del derecho de participación política como derecho fundamental obliga a explicitar la concepción restrictiva que se tiene sobre esta categoría jurídica; con este objeto se va a utilizar como referencia la Constitución española de 1978.

De los valores constitucionales a los derechos fundamentales

1) Los valores constitucionales, los derechos constitucionales y las garantías no son derechos fundamentales

Se parte de la idea de que las modernas Normas fundamentales han juridificado, mediante su constitucionalización, una serie de valores morales, de extracción iusnaturalista, cristiana o filosófica, por ser compartidos por la mayor parte de la sociedad. Los derechos fundamentales serían concreción de cada uno de estos valores, en mayor o menor medida11.

Hay cierta polémica doctrinal al respecto, pero asumo aquí que las reglas jurídicas se diferencian claramente de los valores y principios. Las primeras contienen un presupuesto de hecho al que se anuda una consecuencia jurídica, y su eficacia es inmediata. No sucede lo mismo con los valores y principios, que, siendo sin duda normas jurídicas, tienen sólo eficacia interpretativa12. Más difícil y polémico resulta diferenciar los valores de los principios13. La eficacia de ambos es, como se ha dicho, hermenéutica, pero en mi opinión los primeros tienen menor densidad que los segundos; son, por decirlo de alguna forma, más vaporosos14. Por esta

11 Pedro Cruz Villalón (Sin data, p. 43ss) destaca la labor del constitucionalismo iusnaturalista

en dos fases, la primera desarrollando las múltiples caras del valor libertad en otros tantos derechos, lo que se plasma en las Declaraciones de Derechos; la segunda, procediendo a su

constitucionalización. El resultado es que los derechos se juridifican, se convierten en derecho

supralegal con las garantías de rigidez y control que ello implica. También reconoce que la juridificación transforma toda una serie de valores filosóficos y morales en jurídicos sin que

por ello pierdan su condición primigenia. 12

Véase Manuel Aragón Reyes (1989, p. 84). 13

Javier Jiménez Campo (2008, p. 179) no distingue en este trabajo entre valores y principios, más bien señala que los primeros sólo tienen eficacia política. 14

Véase Francisco Javier Díaz Revorio (1997) donde defiende la abstracción, generalidad o ambigüedad que caracteriza a los valores constitucionales. Javier Jiménez Campo (2008, p.

178) habla de vaguedad extrema en referencia al artículo 10.1 y a las cláusulas constitucionales.

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12 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

razón sólo el Parlamento, depositario directo de la soberanía popular, puede extraer una regla jurídica tanto de un valor como de un principio. Un juez no puede construir una regla a partir de un valor, pues su escasa densidad o concreción impide salvaguardar adecuadamente el principio democrático; o dicho de otro modo, el juez no tiene suficiente legitimidad democrática para llevar a cabo tal salto normativo, por no hablar de la inseguridad jurídica que ello generaría. Sí resulta admisible en cambio que el juez, sólo en caso de laguna legal, pueda extraer una regla jurídica a partir de un principio

15; su mayor densidad o concreción disminuye la

lesión al principio democrático y al de seguridad jurídica, y además no cabe sino este menoscabo a ambos principios si se quiere evitar un mal mayor: que el juez no resuelva sobre el fondo de lo pedido ante una pretensión o interés jurídico legítimo. Para que se pueda comprender mejor se podría representar el valor mediante un círculo que a su vez contiene otros círculos en su interior, que se corresponden con los principios. El diámetro del círculo del valor es mucho más amplio que el del principio. El diámetro representa la mayor o menor densidad del valor y del principio respectivamente, el mayor o menor margen de discrecionalidad16 que tiene el juez para extraer una regla.

Una vez determinado que los derechos fundamentales son concreción de los valores constitucionales se va a utilizar la Constitución española de 1978 para continuar profundizando. El valor jurídico de la vida17, que es el dominante en cuanto presupuesto de todos los demás, no

15

Sobre la distinción entre valores y principios, en línea coincidente con lo expresado en el

texto, véase Manuel Aragón Reyes (1989, p. 84-97). En la misma línea Luis Prieto Sanchís (1984); también, Antonio Enrique Pérez Luño (1984, p. 291s) que referencia los valores y

principios, además, respecto a las normas o reglas. Finalmente, hay que referirse a los trabajos

de Ronald Dworkin (1978); y en España a Francisco Javier Díaz Revorio (1997). 16

Se entiende por discrecionalidad la mayor o menor libertad que tiene un jurista a la hora de tomar una decisión dentro de unos márgenes acotados. La ausencia de márgenes nos sitúa en

la arbitrariedad proscrita constitucionalmente por el artículo 9.3. 17

La STC 53/1985, FJ 5, incluye a la vida como valor superior del ordenamiento jurídico constitucional. El voto particular de Tomás y Valiente no encuentra fundamentación jurídico

constitucional para esta afirmación. No obstante, su afirmación debe contextualizarse. La sentencia no se limita a extraer un valor implícito del texto constitucional sino que lo dota de

proyección normativa para oponerlo al legislador, tesis, que como ha quedado aclarado en el

texto no se comparte. Se está en consecuencia con los tres votos particulares, el referido por Tomás y Valiente, y los de Díez Picazo y Rubio Llorente; y es como este último magistrado

afirma: “Esto no es ni siquiera hacer jurisprudencia de valores sino lisa y llanamente suplantar

al legislador o, quizá más aún, al propio poder constituyente”.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 13

ha merecido una constitucionalización expresa, pero la misma se deduce de los otros cinco valores constitucionalizados explícitamente18. Concretamente, de la libertad, igualdad, justicia y pluralismo político, proclamados correctamente por el artículo 1.1 como valores superiores del ordenamiento jurídico

19; así como la dignidad humana y el libre desarrollo

de la personalidad20

reconocido en el artículo 10.121. Aunque en este último

domina más su carácter de fin constitucional que de valor con un contenido material (lo que es propio de los valores filosóficos o morales juridificados); y es que como señala el profesor Aragón, todo valor tiene algo de fin constitucional

22.

Frente a la insistencia por parte del Tribunal Constitucional español y a lo sostenido en anteriores escritos, siguiendo su estela, se tienen más

18

Manuel Aragón Reyes (1989, p. 91s) admite la utilización en la interpretación de valores no positivados pero en congruencia no en oposición. 19

Manuel Aragón Reyes (1989, p. 99s), en cambio, sostiene que la justicia “más que un valor, es una condición del Estado de Derecho y el pluralismo es sólo una situación que se hace posible por la realización de aquellos dos valores [la libertad y la igualdad], además de una

muy concreta caracterización de la democracia. Realmente, justicia y pluralismo pertenecen,

pues, más al campo de los principios que de los valores”. No obstante, en la nota 39 señala que si el pluralismo es un valor habrá que entenderlo como “valor procedimental” y no como

“valor material”. Sobre la relación entre valores y principios del artículo 1.1 de la Constitución

véase Luciano Parejo Alfonso (1983, p. 41-73). 20

Nuestro Tribunal Constitucional ha afirmado reiteradamente que la dignidad humana es un

valor superior del ordenamiento jurídico, véase a modo de ejemplo la STC 34/2008, FJ 6: “valor superior de la dignidad humana”. Otro tanto ha dicho de la segunda parte de este valor:

el libre desarrollo de la personalidad en relación con el valor libertad que da lugar a un

“principio general de libertad”, SSTC 83/1984, FJ 3; 113/1994, FJ 11; y 107/1996, FJ 9. Javier Jiménez Campo (2008, p. 188) se pregunta con perspicacia si esta parte del valor puede

fundamentar una “limitación de la legislación constrictiva que pretenda fundamentarse

exclusivamente en consideraciones de paternalismo moral”, esto es, “si el libre desarrollo de la personalidad impone, de principio, un respeto a las opciones autorreferentes del sujeto

(aquellas sin daños para terceros), a no ser que bienes constitucionales expresamente

reconocidos consintieran, previa ponderación, tal limitación de la autonomía privada”. 21

Véase Javier Jiménez Campo (2008), trabajo absolutamente indispensable en la materia. Al respecto hay ya una abundante bibliografía: Juan José Solozábal Echavarría (1994, p. 2489-

2491); Jesús González Pérez (1986); Ignacio Gutierrez Gutierrez (2005); Alberto Oehling De

Los Reyes (2010); y I. Von Münch (1982). 22

Ronald Dworkin (1978, p. 22ss) distingue entre fines, principios y reglas. Por fines entiende

no sólo valores sino mandatos a los poderes públicos. Manuel Aragón Reyes (1989, p. 84) matiza a Dworkin: “Los valores son `fines`, por supuesto, pero no toda cláusula que enuncia

fines (que establece programas) es por sí sola una cláusula de valor, sino, muchas veces, una

cláusula al servicio de un valor”.

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14 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

que fundadas sospechas de que los derechos fundamentales no son concreción de la dignidad humana y del libre desarrollo de la personalidad23. Este valor, que proviene de la Ley Fundamental de Bonn que los constitucionaliza separadamente

24, se piensa que afirma que no

cabe dignidad humana y libre desarrollo de la personalidad sin unos derechos fundamentales. Por tanto, éstos no son concreción de la dignidad y del desarrollo de la personalidad sino su condición necesaria. Este valor, además, por obra del 10.1 se convierte en fundamento del orden político y de la paz social, esto es, en la columna vertebral del sistema constitucional, lo que implica refundar el Estado español; que pasa a fundamentarse y legitimarse en la medida en que consiga asegurar a todo individuo su dignidad, al tiempo que le permite desarrollar libremente su personalidad. Este valor, donde resalta su naturaleza de fin, marca el objetivo del Estado y en esta medida se proyecta sobre el entero ordenamiento jurídico, obligando a interpretar cualquier norma jurídica conforme al mismo. Y con mayor intensidad hermenéutica, si cabe, sobre los derechos fundamentales, los derechos constitucionales y los mandatos a los poderes públicos que se contienen en los tres primeros capítulos del título I, debido a la singular sedes materie del valor (El título I abre con este artículo y sólo después comienza la enumeración de sus cinco capítulos). Ahora quizás pueda comprenderse la singularidad de este valor donde prevalece su

23

“Nuestro Tribunal Constitucional insiste en considerar a los derechos fundamentales como concreción de la dignidad humana, ignorando que lo son de la libertad, igualdad, justicia y

pluralismo político. Por ejemplo, la dignidad es un “valor jurídico fundamental (...) reconocido en el art. 10 como germen o núcleo de unos derechos que le son inherentes”, STC

53/1985, FJ 3. Son múltiples las sentencias en que el Tribunal, como plasma Javier Jiménez

Campo (2008, p. 184), establece una relación recíproca de fundamentación y preservación entre estas situaciones jurídicas subjetivas y la dignidad. También más que fundamentación

como concreción. Sobre ambos sentidos véase: SSTC 99/1994, FJ 5; 194/1994, FJ 4;207/1996, FJ

3; 224/1999, FJ2; 49/2001, FJ 5;136/2006, FJ 6; y 281/2006, FJ 3, entre otras. No obstante, la STC 236/2007 llega bastante más lejos al utilizar el argumento de la mayor o menor conexión de la

dignidad humana con cada derecho fundamental para determinar aquellos que corresponden

a los extranjeros que se encuentran en situación irregular en España. La sentencia es, en realidad, continuidad de la doctrina marcada por la STC 107/1984. El criterio ciertamente

puede considerarse que bordea lo arbitrario; una crítica a la sentencia en José Luis García

Guerrero (2010, p. 193ss), donde se aprecia cómo la libertad de configuración del legislador en el estatuto jurídico de los extranjeros, conferido por el artículo 13, queda casi desprovista de

contenido. Jiménez Campo, en el trabajo citado en esta nota pp. 185-186, coincide con esta

apreciación y se muestra crítico en general con esta resolución jurisdiccional. 24

La Ley Fundamental de Bonn recoge separadamente en el artículo 1.1 la dignidad, en el 1.2

los derechos inviolables y en el 2.1 el libre desenvolvimiento de la personalidad.

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carácter de fin constitucional, en línea con la matización que Aragón realiza a Dworkin.

En consecuencia, los derechos fundamentales, contenidos en la sección I del capítulo II del título I, son concreción, en mayor o menor medida, de la libertad, la igualdad, la justicia y el pluralismo político. Por tanto, parece desacertada la decisión de la Carta de los derechos fundamentales de la Unión Europea o de la Constitución Dominicana de incluir entre los derechos fundamentales, indiscriminadamente, valores constitucionales como la dignidad humana

25 y el libre desarrollo de la

personalidad26

, lo que no deja de contribuir a la confusión imperante en este campo.

No se considera desacertada, en cambio, la decisión del constituyente español que incluye como derechos fundamentales la vida y la igualdad. En realidad la vida se constitucionaliza implícitamente como valor, en cuanto presupuesto de los otros cinco valores, y expresamente como derecho fundamental en el artículo 15. La igualdad se constitucionaliza expresamente como valor en el artículo 1.1 y adquiere sus principales proyecciones mediante el mandato a los poderes públicos del artículo 9.2 de alcanzar la igualdad material y a través de la igualdad formal constitucionalizada expresamente como derecho fundamental en el artículo 14. Ahora bien, vida e igualdad, dogmáticamente y en sentido estricto, no son derechos fundamentales sino valores constitucionales (piénsese, por ejemplo, en el carácter eminentemente relacional del segundo). Pese a estas precisiones dogmáticas se ha señalado que no se considera desacertada la decisión del constituyente español de constitucionalizar estos valores también como derechos fundamentales y la razón estriba en que al incluirlos en esta última categoría jurídica se les dota de todas las garantías normativas, institucionales y jurisdiccionales que garantizan la preservación de los derechos fundamentales. No se hubiera conseguido el objetivo de protegerlos tan intensamente si sólo hubieran sido constitucionalizados como valores, dada la escasa densidad

25

Concretamente en el capítulo I “Dignidad”, artículo 1, Dignidad humana: “La dignidad humana es inviolable. Será respetada y protegida”. 26

Una crítica a la decisión del constituyente dominicano de incluir entre los derechos

fundamentales a la dignidad humana y al libre desarrollo de la personalidad en mi trabajo, “Algunas reflexiones sobre la influencia de la Constitución española en la dominicana en

materia de garantías normativas”, Anuario Parlamento y Constitución, núm. 15, 2012-2013, pp.

76 y ss.

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16 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

de los mismos y porque su eficacia jurídica es sólo hermenéutica y no directa.

En esta concepción restrictiva, que se viene sosteniendo, sobre el concepto de derecho fundamental no se incluyen dentro de esta categoría normativa a la propiedad privada y la libertad de empresa, no sólo porque así lo haya previsto el constituyente y lo haya reconocido el Tribunal Constitucional, sino porque dogmáticamente la cláusula del Estado Social los debilita al punto de transformarlos en derechos subjetivos tan disminuidos que parecen aproximarse más a la categoría de garantía institucional. Completamente lo contrario habría que sostener en el marco de un Estado Liberal, no sólo porque así lo concibieron los padres de los derechos fundamentales sino porque su naturaleza jurídica y su régimen jurídico guarda una clara identidad con los mismos; a diferencia, por ejemplo, de la vida y la igualdad, valores dogmáticamente, pero constitucionalizados, al tiempo, en España como derechos fundamentales, como ya se ha señalado. Este último argumento sería predicable también de los derechos sociales y de los mandatos a los poderes públicos.

Tampoco cabría incluir como derechos fundamentales a su más efectivo instrumento de protección, esto es, a sus garantías jurisdiccionales. Su constitucionalización en España, como tales, debe explicarse en un contexto histórico que preservó la planta judicial del franquismo, lo que hacía muy difícil su desarrollo constitucional y su efectiva vigencia en la sociedad. Lo que se consiguió a través del Tribunal Constitucional, precisamente, al constitucionalizarlos como fundamentales. No incurren en este error, confundir derechos con sus garantías, la Constitución alemana y, más recientemente, la dominicana, fuertemente inspirada en la española en su parte dogmática

27. Tampoco

fue ajena a esta decisión del constituyente español la influencia de la Convención europea de Derechos Humanos.

Esta concepción restrictiva de los derechos fundamentales no sólo bebe de la necesidad de precisar y depurar las diferentes categorías jurídicas de normas contenidas en la Constitución (resulta cada vez más imperioso un riguroso estudio al respecto, así como la necesidad de construir un concepto de derecho fundamental). También responde a la necesidad de combatir incautas posiciones, que deseosas de incrementar lo que consideran mejor: la fundamentalidad, olvidan que la cantidad diluye

27

Véase mi trabajo (GARCÍA GUERRERO, 2012-2013, p. 71-114).

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la calidad o, más precisamente, su protección. Cuantos más derechos fundamentales proclamemos más diluida quedará su fundamentalidad28.

2) Los cinco troncos o géneros de los derechos y libertades fundamentales

Tras estas exclusiones y antes de determinar cuáles son dogmáticamente los derechos fundamentales, hay que recordar que la tradicional clasificación entre derechos de libertad, políticos y de prestación sigue teniendo, pese a algunos conocidos inconvenientes

29, una

gran virtualidad práctica a la hora de proceder a una sistematización que facilite el entendimiento de sus regímenes jurídicos y permite afrontar los retos introducidos por las nuevas tecnologías, como se tendrá ocasión de argumentar al final de este apartado.

Una vez alcanzado este punto ya puede afirmarse que no hay dogmáticamente tanto derechos fundamentales como los que se han constitucionalizado en España y no sólo por las exclusiones que hasta el momento se han justificado. En realidad y en sentido estricto, se estima que, quizás, sólo hay cinco troncos o géneros de derechos fundamentales, al menos en los ordenamientos que proclaman el Estado Social30. El resto son especies, lo que no impide que algunos derechos constitucionalizados sean híbridos de varias especies o, incluso, participen de varios géneros. Quizá pueda acusarse a esta construcción de haber efectuado una incorrecta delimitación, al afirmar que únicamente hay cinco troncos de

28

Sobre la concepción restrictiva de los derechos fundamentales véase José Luis García Guerrero (2013, p. 20s) que al criticar las posiciones doctrinales que quieren multiplicar los

derechos fundamentales existentes concluye que estas tesis “olvidan que la cantidad diluye la calidad o, más precisamente, su protección”. Javier Jiménez Campo (2008, p. 191) al

fundamentar su oposición a la línea doctrinal de nuestro Tribunal que incrementa el

contenido constitucional de algunos derechos de inmunidad y libertad, lo expresa brillantemente: “…en punto a la garantía de los derechos fundamentales, intensidad y

extensión de la protección son, por necesidad, valores contrapuestos. Quien extiende

difumina”. 29

Sobre esta distinción y sus inconvenientes véase Juan José Solozábal Echavarría (1991, p. 89-92). 30

Como se ha señalado supra, en el Estado liberal habría un nuevo tronco o género, el sexto, constituido por la propiedad privada, que engloba la propiedad privada de los medios de

producción, esto es, la libertad de empresa que sería su principal especie. En España, la

libertad de creación de centros docentes es la aislada representación de este sexto tronco de los derechos fundamentales; sólo esta variedad de la especie del género disfruta de la

categoría de derecho fundamental y es la única excepción que ha admitido el Estado Social

sancionado en la Constitución española, el resto son derechos constitucionales.

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derechos fundamentales pero lo que se cree que no ofrece dudas es que hay unos cuantos géneros y numerosas especies31.

a) El derecho fundamental a la participación política

En mi opinión, el primer tronco es concreción fundamental del valor pluralismo político y se corresponde con los derechos políticos, concretamente con el derecho a la participación del artículo 23; ya sea en su forma de democracia representativa, o a través de la participación directa que posibilitan los institutos de democracia directa, o utilizando instrumentalmente los partidos políticos; que es, pese a las reticencias doctrinales, la forma más intensa hoy de participación política directa y lo sería mucho más si así se reconociese y garantizara.

b) La obligatoriedad de la enseñanza básica

La obligatoriedad de la enseñanza básica del artículo 27.5, segundo tronco, es el único derecho fundamental de prestación. Las sucesivas crisis económicas que se vienen sucediendo desde 2008 muestra el peligro en que puede incurrir la dogmática o el constituyente si hace depender la fundamentalidad de un derecho de la capacidad presupuestaria para hacerlo realmente efectivo.

Los otros tres géneros o troncos son los derechos libertad, defensa o autonomía, entendiendo como tales aquellos en los que predomina esta vertiente frente a la de participación o prestación; son, por tanto, la inmensa mayoría de los derechos contenidos en la sección I y, predominantemente, concreción del valor libertad32. Estimo que estos tres géneros, que tienen la mayor diversidad de especies, son la libertad ambulatoria, la libertad de comunicación y la libertad del individuo en sus relaciones con la Sociedad

c) Las libertades ambulatorias

El primero de estos tres géneros de derechos de libertad, defensa o autonomía es la libertad ambulatoria. Este tronco comparte con la vida el

31

Una amplia bibliografía sobre cada uno de los géneros y especies constitucionalizados en España puede encontrarse en Luis María Díez-Picazo (2008); y en José Luis García Guerrero

(2013). 32

Manuel Aragón Reyes (2008, p. 31) sostiene que la libertad se concreta en los derechos

fundamentales de libertad.

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ser presupuesto para el ejercicio de buena parte de los otros derechos fundamentales, aunque, obviamente, en mucha menor medida. Sus diversas especies se han constitucionalizado en los artículos 17 y 19, como libertades frente a privaciones de libertad, entrada y salida de España, residencia y circulación. No obstante, es preciso advertir que una buena parte del artículo 17 no son derechos fundamentales sino garantías frente a privaciones de libertad, que se complementan con las contenidas en los artículos 24.2, 25.1 y 3. Sucede en esta norma lo mismo que en numerosos preceptos de la sección I del capítulo II del título I, que no se contienen derechos fundamentales sino otras categorías jurídicas como normas atributivas de competencias, garantías institucionales, interdicciones, mandatos y las referidas garantías.

Finalmente, dejar apuntada una idea que, de momento, es más intuición que certidumbre por lo que todavía necesita reforzarse en su argumentación. Me refiero a que se sospecha que el artículo 17.1, hasta su primer punto – “Toda persona tiene derecho a la libertad y la seguridad” –, contiene el derecho a la seguridad personal – vieja derivación del pactum societatis –, que encuentra una cierta prolongación en la inviolabilidad del domicilio; y, lo que es más importante, que contiene, asimismo, no sólo el derecho fundamental a la libertad ambulatoria, sino más ampliamente el derecho a la libertad entendido como concreción del mismo valor, al igual que sucede con los valores vida e igualdad. Si así fuera, su interrelación con la libertad de conciencia obligaría a ser mucho más cuidadoso con la ola de prohibiciones que en los últimos años diferentes mayorías imponen a las minorías y que parecen poco conciliables con nuestros valores constitucionales. La ausencia de reconocimiento de ese derecho a la libertad está facilitando la imposición de restricciones de todo tipo sin encontrar los límites que un derecho fundamental les exigiría: fundarse la prohibición en un bien, valor, principio o derecho constitucional, reserva de ley orgánica para el desarrollo y ordinaria para el ejercicio, respeto al principio de proporcionalidad, ponderación entre los bienes en conflicto, entre otras.

d) Las libertades de comunicación

1) La libertad de comunicación

Las libertades de comunicación son el segundo género de estos derechos de libertad, el cuarto de los fundamentales, y del que más especies derivan. La más relevante de éstas, y cuyo régimen jurídico se

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comparte sustancialmente por las demás, es la libertad de comunicación; más conocida como libertad de expresión en sentido amplio y que engloba, básicamente, a la libertad de información y a la libertad de expresión en sentido estricto. Este tronco consiste en el derecho a la libre transmisión y recepción de cualquier tipo de mensaje. El concepto implica la existencia de seis elementos: uno o varios emitentes, un mensaje, la materia sobre la que versa, su finalidad, un soporte u organización y uno o varios destinatarios. Son precisamente las variaciones en estos elementos las que singularizan a las diferentes especies que conforman el género. La constitucionalización diferenciada de las distintas especies deriva en unos casos de la materia o finalidad del mensaje, hechos objetivos en la libertad de información, opiniones subjetivas en la libertad de expresión

33; también

la materia y la finalidad deslindan la especie de la creación y difusión literaria, artística, científica y técnica, consagrada en el artículo 20.1.b)

34; o

en estos dos últimos campos cuando el derecho se ejercita en instituciones académicas – libertad de cátedra –; o en los ámbitos educativo35, religioso y sindical. En otros casos la constitucionalización expresa deriva del número de emitentes o destinatarios de la comunicación, esto es, por su forma individual o colectiva de ejercicio; en otras del soporte u organización, como es el caso de la libertad de reunión o asociación; en otros de las instituciones públicas ante las que se interpone el mensaje y de la obligatoriedad que tienen éstas, en la mayor parte de los casos, de

33

Véase, entre otros, Juan José Solozábal Echavarría (Sin data, p. 81). 34

La STC 153/1985, FJ 5º, afirma que el apartado b) es una mera concreción del a). Frente a esta opinión el magistrado Francisco Rubio Llorente formuló un voto particular, señalando: “A mi juicio, ni la libertad de producción y creación literaria, artística, etc., es una concreción

del derecho a expresar y difundir libremente el pensamiento, sino [que es] un derecho

autónomo…”. En el mismo sentido que la STC 153/1985, Francesc De Carreras (1991, p. 11, 20 y 29), que incluye además el apartado c). En contra y, por tanto, en sintonía con Francisco

Rubio Llorente y Carmen Chinchilla Marín (1988, p. 24s) que piensa que nuestra Constitución

concibe como derechos y libertades diferentes e independientes los cuatro apartados del art. 20.1. 35

Fernando Santaolalla López (1992, p. 186) ya intuía algo de los señalado cuando destaco: “La educación y la creación literaria, artística, científica y técnica son uno de los vehículos a través

de los que se transmite el pensamiento humano, por lo que si se reconoce la libre expresión

de este último, embebido está el reconocimiento de estas proyecciones. Con ello no quiere decirse que sea inútil este doble reconocimiento, pues el mismo puede servir al mejor

afianzamiento de la libertad básica, actuando como recordatorio de que esas muestras son

sólo reflejo de ese haz fundante”.

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suministrar la información; finalmente, en algunos supuestos es una conjunción de varios de estos elementos.

2) La libertad ideológica, religiosa y de culto

La libertad ideológica, religiosa y de culto se plasma en el artículo 16. La pertenencia de esta especie al género de las libertades de comunicación es la que mayor fundamentación necesita. La razón descansa en su carácter híbrido, que comienza a manifestarse por ser concreción dominantemente de los valores libertad y pluralismo [político]. El proceso intelectual interno no requiere de protección, esto es, de la libertad de conciencia más que cuando éste se manifiesta externamente. Este derecho a actuar conforme a la conciencia, salvo los casos de prohibición establecidos en la ley, en la mayor parte de los supuestos, empleará instrumentalmente a otros derechos de la libertad de comunicación, especialmente la libertad de expresión en sentido estricto

36. Se defiende aquí que cuando se

manifiestan ideas o pensamientos ajenos estamos bajo la protección del 20.1. a), cuando las ideas son propias empleamos el 16 en conexión con la libertad de expresión en sentido estricto. La libertad de culto o religiosa es una cualificada manifestación de la conciencia y también un gran hibrido de los valores pluralismo y libertad y de múltiples concreciones de este último, comenzando también por la libertad de comunicación – un sacerdote dirigiéndose a sus fieles –, siguiendo por la libertad de reunión – los fieles en la santa misa o las procesiones religiosas –, de asociación – la organización jurídica de una confesión religiosa –, incluso, de la libertad de educación – la formación religiosa trasmitida a los creyentes –, por citar sólo algunas de las especies que componen este complejo derecho.

3) La libertad de educación

La libertad de educación, que como ha tenido ocasión de resaltar el Tribunal Constitucional español es prácticamente ejercicio de la libertad

36

La STC 20/1990, FFJJ 3º y 5º, confirma que la libertad ideológica, consagrada en el artículo

16.1, tiene un correlativo derecho a expresarla, garantizado en el artículo 20.1 a), pero ello no permite entender simplemente absorbido el primer derecho en el último. Sobre la vinculación

entre ambos artículos véase también las SSTC 105/1990, FJ 4º, de 6 de junio, y 173/1995, FJ 1º,

de 21 de noviembre.

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22 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

de expresión37, por tanto, una especie más del género de las libertades de comunicación. No hay diferencias prácticamente con la libertad de comunicación en cuanto a los elementos del concepto, más allá de la especial cualificación del emitente, el soporte u organización educativa, y las características de los destinatarios que son discentes con mayor o menor formación. Las singularidades más relevantes aparecen por el tipo de materia sobre el que versa el mensaje: la educación, y por la finalidad del mismo: el pleno desarrollo de la personalidad humana – nueva concreción de valor nuclear contenido en el artículo 10.1 – en el respeto a los principios democráticos de convivencia y a los derechos y libertades fundamentales, tal y como dispone el artículo 27.2; lo que se plasmará especialmente en el establecimiento de límites adicionales en el ejercicio de este derecho. Pese a que la libertad de cátedra se constitucionaliza junto a la libertad de información y expresión, este derecho no es otra cosa que libertad de educación, cualificada en el ámbito universitario por la libertad de creación científica y técnica del 20.1b) y por la autonomía universitaria del 27.10.

4) La libertad de reunión

La libertad de reunión es una especie del género de las libertades de comunicación, que se caracteriza por la pluralidad de emitentes o destinatarios de mensajes. Su soporte tradicional son las ondas y un espacio físico que albergue a las personas que ejercitan el derecho; aunque hoy el soporte es fruto de la evolución tecnológica y se pueden mantener reuniones por teléfono móvil y fijo, por Skype o, incluso, chats. Se diferencia de otras especies en su ejercicio colectivo y por la necesidad de establecer reglas en la emisión de los mensajes para garantizar que puedan disfrutar el derecho – entenderse – la pluralidad de emitentes y destinatarios. Se celebran en espacios no sólo cerrados sino abiertos, lo que interfiere con el ejercicio de otros derechos y obliga a establecer ciertas restricciones en el caso de las concentraciones o manifestaciones38. La

37

La STC 5/1981, de 13 de febrero, FJ 7º señala: “La libertad de enseñanza (...) puede ser entendida como una proyección de la libertad ideológica y religiosa y del derecho a expresar y

difundir los pensamientos, ideas u opiniones”. 38

La STC 85/1988, FJ 2º, afirma: "...que bien puede decirse (...) que el derecho de reunión es

una manifestación colectiva de la libertad de expresión ejercitada a través de una asociación transitoria, siendo concebido por la doctrina científica como un derecho (...) que opera a

modo de técnica instrumental puesta al servicio del intercambio o exposición de ideas, la

defensa de intereses o la publicidad de problemas o reivindicaciones, constituyendo, por lo

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materia o finalidad de las reuniones es indeterminada; cuando ésta es política hay quien, incorrectamente, ha querido mutar la naturaleza jurídica del derecho, de libertad a político; cuando, en realidad, lo que sucede es que el artículo 21 entra en conexión con el valor pluralismo político, con el principio democrático y con el derecho de participación política y esto, que es simplemente una conexión sistemática de la Constitución, refuerza exorbitantemente el contenido del derecho de reunión, con lo que se verán disminuidas las restricciones que a éste pueden imponerse por otros valores, principios, derechos o bienes constitucionales. Añadir, por último, que la finalidad al ejercitar el derecho tiene normalmente un ámbito temporal limitado.

5) El derecho de asociación

El derecho de asociación es otra especie de las libertades de comunicación. Como ha señalado el Tribunal Constitucional, la asociación no deja de ser una especie de reunión permanente39. La principal diferencia con la reunión es la complejidad de su organización interna que actúa a modo de soporte y que requiere, incluso, de personalidad jurídica; es lo que permite conformar la voluntad de la asociación y técnicamente se conoce como vertiente contractual. La otra gran diferencia es la ampliación del ámbito temporal de la finalidad perseguida por la asociación, ésta se extiende en el tiempo, se persigue durante un ámbito temporal mucho mayor que en el derecho de reunión, es lo que se denomina vertiente institucional y es lo que da lugar a las diferentes especies de asociaciones. Cuando la materia o finalidad es política se sigue estando en presencia de un derecho de libertad y no de un derecho político, al igual que en el caso de la reunión o de la libertad de expresión nos encontramos en presencia de relevantes pero simples conexiones sistemáticas constitucionales que no alteran la naturaleza jurídica del derecho. Su ejercicio es también colectivo.

6) El derecho de petición

Hay cierta doctrina que ha visto en el derecho de petición un derecho político, ya sea en su forma de ejercicio individual o colectivo. Se está en el mismo supuesto que con los derechos de reunión y asociación; se

tanto, un cauce del principio democrático participativo...". En el mismo sentido la STC

66/1995, FJ 3º, de 8 de mayo. 39

Véase supra nota 38, donde el Tribunal Constitucional en sentido inverso al texto dice: “El

derecho de reunión es (...) una asociación transitoria”.

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24 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

trata de un derecho libertad, defensa o autonomía y nuevamente son las conexiones sistemáticas constitucionales las que pueden inducirnos al equívoco de estimar que es un derecho político o democrático. El siempre difícil deslinde entre lo político y lo público ha llevado también a la confusión. Sin olvidar el relieve de la mayor parte de las especies del género de las libertades de comunicación en cuanto presupuesto para el ejercicio del derecho de participación política. Importante es también su vinculación con el derecho a comunicar y recibir información veraz, su principal diferencia respecto a éste viene dada por las instituciones públicas ante las que se recaba esa información y la obligación que tienen éstas de suministrarla en el ámbito de sus competencias o, cuando menos, de responder motivadamente. La finalidad del derecho de petición es, además, más amplia, no se limita a la información recabada puede versar también sobre quejas o medidas de impulso, lo que ha llevado a una constitucionalización expresa de esta especie.

7) La libertad sindical

La libertad sindical también pertenece al género de las libertades de comunicación, concretamente es una especie de la asociación cuya vertiente institucional persigue la defensa de los trabajadores y que parte del presupuesto de la inferioridad de éstos frente al empresario en el mundo de las relaciones laborales. El reconocimiento de esta realidad, sobre la que ya llamó la atención García Pelayo, lleva a formular como derecho fundamental a la huelga y como derechos constitucionales a la negociación colectiva y a la adopción de medidas de conflicto colectivo; instituciones todas ellas proclamadas como derechos, aunque dogmáticamente no sean otra cosa que garantías del derecho a la libertad sindical bajo el presupuesto de la desigual condición en que se encuentra el trabajador frente al empresario y el capital en el mundo de las relaciones laborales.

e) Las libertades que permiten al individuo relacionarse con la sociedad

El tercer gran género de los derechos de libertad y el quinto de los derechos fundamentales es el conjunto de libertades que permiten al individuo relacionarse con la sociedad. Hay una primera vertiente positiva que busca la inserción y la participación en la sociedad, que hace referencia a cómo quiere ser percibido un individuo por la comunidad, lo que se concreta en los derechos al honor y a la propia imagen. Pero hay también una faceta negativa, inversa a la anterior, que busca el aislamiento respecto

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a esta sociedad, la privacidad y reserva, esto es el derecho a la intimidad personal y familiar. La inviolabilidad del domicilio participa de esta última vertiente negativa pero tiene también un componente importante del derecho a la seguridad personal de que hablábamos en el artículo 17.1, esté o no constitucionalizado; presupone el individuo que donde más seguro se encuentra es en su domicilio y así lo plasma el derecho penal al incluir el agravamiento de ciertos delitos cometidos en este lugar.

3) La libertad y secreto de correspondencia como derecho híbrido

En su denominación más clásica, el derecho a la libertad y secreto de correspondencia es un derecho híbrido del género de la libertad de comunicación y de las libertades que tiene el individuo de relacionarse con la sociedad. El derecho no es otra cosa que una mezcla de la libertad de comunicación y de la vertiente negativa de privacidad plasmada en la impenetrabilidad para terceros de la comunicación; la especificidad del soporte – carta manuscrita, telégrafo, teléfono por hilo – va perdiendo relevancia por la irrupción de las nuevas tecnologías.

Ventajas de la tesis que agrupa los derechos fundamentales en géneros y especies

La tesis restrictiva que aquí se está defendiendo sobre los derechos fundamentales, aglutinados en cinco troncos o géneros con diferentes especies cada uno, no pretende agotarse en un mero ejercicio intelectual, sino que ofrece importantes ventajas prácticas. En primer lugar sería una de las principales razones que permiten explicar la similitud entre los catálogos de derechos y sus correspondientes regímenes jurídicos en las Constituciones democráticas; entre Normas fundamentales elaboradas hace más de dos siglos y las más recientes de los últimos años. No hay docenas de derechos fundamentales sino unos pocos géneros con varias especies. Como no hay grandes diferencias en el elenco de derechos fundamentales y en sus regímenes jurídicos entre Europa y los Estados Unidos, sin perjuicio de que en España no se contemplan como derechos fundamentales a la propiedad privada y a la libertad de empresa porque se proclama el Estado Social mientras que en los Estados Unidos sí, al mantenerse la fórmula del Estado Liberal. Y esto sucede porque, incluso, cuando los textos constitucionales presentan mayores divergencias en el catálogo de derechos, sus regímenes jurídicos, a veces, se aproximan por obra de la jurisprudencia que, en numerosas ocasiones, extrae los derechos

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no constitucionalizados en un sistema de los cinco o seis géneros reseñados.

En segundo lugar, estas ideas permiten captar, al igual que sucede con menor intensidad con la distinción entre derechos de libertad, políticos y de prestación, qué tienen en común en su régimen jurídico los derechos que pertenecen a un mismo género, lo que supone una ventaja para discentes e investigadores. A los primeros les permite una mejor comprensión de los derechos al tiempo que facilita la retención de conocimientos, al destacar qué comparten las diferentes especies de un género y qué les diferencia

40; para los segundos estos hallazgos facilitan la

analogía entre problemas similares de los distintas especies del mismo género.

Finalmente, creo que esta tesis contribuye a resolver los problemas que plantean las nuevas tecnologías. La libertad de comunicación cada vez se ejerce con mayor frecuencia a través de internet y el cambio fundamental en este caso es la sustitución del soporte empleado para la emisión del mensaje. La libertad y secreto de correspondencia es una de las libertades más afectadas por las nuevas tecnologías desde su aparición. La tradicional carta manuscrita hoy es predominantemente sustituida por el correo electrónico, como en su día evolucionó al telégrafo, posteriormente, al teléfono mediante hilo de cobre y, recientemente, al actual móvil o celular, que permite comunicarse a través del espacio radio eléctrico, o, finalmente, a través de Skype. Las citadas ideas facilitan, por ejemplo, la explicación de cómo hoy puede mantenerse reuniones empleando como soporte no una sala sino varios teléfonos o mediante Skype a través de internet y, sin embargo, no estaríamos ante la libertad y secreto de correspondencia, en el primer caso, ni ante la libertad de expresión, en el segundo.

Cada vez más derechos se ven afectados por las nuevas tecnologías y frente a esta realidad las respuestas oscilan entre el peligro de crear nuevas categorías de libertades – ya señalé supra que la proliferación de derechos diluye a los que son auténticamente fundamentales – o la impotencia dogmática de explicar lo inexplicable. Una clase dictada y una ponencia impartida por videoconferencia no son más que libertad de educación y

40

Las ventajas de estas ideas en materia de derechos y libertades fundamentales para los discentes de los Grados en Derecho son ampliamente puestas de relieve por José Luis García

Guerrero (2011, p. 120-127). Disponible em <http://www.uv.es>.

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libertad de creación científica o de cátedra, respectivamente, y lo único que cambia es el soporte, aunque obviamente pueden aparecer nuevos problemas. Como sucede con el derecho de participación política, cada vez más afectado por las nuevas tecnologías. Así puede verse habitualmente como se pide el voto en las opiniones que los ciudadanos emiten al final de un artículo de prensa en la red, en plena precampaña de las elecciones a Cortes Generales, y las dificultades para aplicar las clásicas restricciones que siguen distinguiendo la campaña de la precampaña precisamente en la petición expresa del voto. Y ello por no hablar de las dificultades en la red para ponderar la libertad de expresión con el honor, la intimidad y la propia imagen por la dificultad que origina internet para imponer los límites que dimanan de la correspondiente concordancia práctica; no es baladí, en este sentido, recordar ahora los problemas, actualmente insolubles, para eliminar de los buscadores en la red informaciones manifiestamente falsas u otras que atentan claramente contra la intimidad.

El derecho fundamental a la participación política: su contenido

Sin pretender entrar aquí en una profunda elaboración dogmática, puede afirmarse que desde la Ilustración es pacífico que los hombres nacen libres e iguales – valores libertad e igualdad –, por lo que ninguno tiene un derecho a la dominación sobre los demás41 y prácticamente nunca todos los integrantes de una comunidad son unánimes en las decisiones que ésta tiene que adoptar; más bien sucede lo contrario, cada uno tiene una propia – pluralismo político –; luego es necesario adoptar entre hombre libres e iguales el principio democrático como método para adoptar las decisiones de la comunidad y más concretamente, en palabras de Kelsen: el “principio de mayoría y minoría”

42. Creo que el valor pluralismo político contiene en

su interior al principio democrático y que su principal concreción en nuestro sistema es el derecho fundamental a la participación política recogido en el artículo 23, que en su apartado primero vuelve a concretar el

41

Como recuerda con acierto Francisco Rubio Llorente (1991, p. 22s), en el pensamiento jurídico de la Ilustración “igualdad y libertad son nociones que se implican recíprocamente.

Los hombres son iguales porque, siendo esencialmente libres, ninguno de ellos está obligado a obedecer a otro o a todos los demás”. 42

Hans Kelsen (2002, p. 61-81, más específicamente en la p. 66). La STC 153/2004, FJ 4, entre otras muchas, señala que “El de derecho de acceso a los cargos públicos que se recoge en el

artículo 23.2 CE es, inequívocamente, un derecho de igualdad, como taxativamente se afirma

en el propio precepto constitucional…”.

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28 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

valor libertad [representantes, libremente elegidos] y en su apartado segundo43 el valor igualdad44 [acceder en condiciones de igualdad a (...) cargos públicos], precisamente los dos valores que se concilian a través del principio democrático

45.

Si se recapitula brevemente lo reseñado en el anterior apartado y en el inicio de éste, se puede concluir que el derecho a la participación política es uno de los cinco troncos o géneros de los derechos fundamentales. Este derecho sería una concreción dominante de los valores libertad, igualdad y pluralismo político, concretándose este último, de forma sucesiva, en el principio democrático y, a su través, en el derecho fundamental a la participación política

46.

En consecuencia, aquí se está defendiendo la tesis de que el único derecho político es el de participación política. La antítesis sostiene que junto a éste hay una pluralidad de derechos políticos, principalmente la libertad de comunicación, el derecho de reunión y el derecho de asociación47. Esta antítesis se estima incorrecta.

43

La interrelación entre los dos apartados del artículo 23, al menos, en lo relativo a los cargos

públicos representativos ha sido reiterado frecuentemente por la jurisprudencia constitucional, véanse las SSTC 10/1983, FJ 2; 161/1988, FJ 6; 24/1989, FJ 2; 185/1999, FJ 4. La

STC 136/1999, FJ 14, habla de ambos apartados como un “todo inescindible”. 44

Hans Kelsen (2002, p. 109) considera precisamente a la igualdad como la dimensión material del principio democrático. 45

La siempre difícil conciliación entre libertad e igualdad se debe a Martin Kriele (1980, p.

324), cuando afirma que “la democratización del Estado constitucional significa que las condiciones reales de la libertad valen para cada uno en forma igual. La democratización

complementa el principio de libertad y el principio de igualdad. Igualdad significa `libertad`

para todos”. Gerhard Leibholz (1981, p. 37) considera valores inconciliables a la libertad y la igualdad, siguiendo una larga tradición que proviene de Burke. 46

A Antonio Enrique Pérez Luño (1984, p. 291s) debemos la distinción entre valores, principios y normas, diferenciados por su mayor o menor concreción. 47

Para comprobar la vigencia de esta antítesis es suficiente con consultar cualquiera de los principales manuales de Derecho Constitucional español. Véase, por ejemplo, en relación con

la libertad de comunicación, Santiago Sánchez González (1992, p. 115s); y respecto a la libertad de reunión Marcos Francisco Massó Garrote (2013, p. 295 y 299). En posición más moderada

los Tribunales Constitucionales alemán y español que hablan de una garantía institucional en

relación a la libertad de comunicación: 10 BVerfGE, p. 118, 1959; 12 BVerfGE, p. 113, 1961; 20 BVerfGE, p. 162, 1966; 43 BVerfGE, p. 130, 1976; 61 BVerfGE, p. 1, 1982. SSTC 6/1981, FJ 3;

12/1982, FJ 3; 104/1986, FJ 5; 159/1986, FJ 6; 165/1987, FJ 10; 107/1988, FJ 2; 51/1989, FJ 2; 121/1989,

FJ 2, y 40/1992, FJ 1 in fine; entre otras.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 29

En realidad, si se atiende a su naturaleza jurídica, el único derecho político es el de participación, los demás, los que sostiene la antítesis, son derechos de libertad, defensa o autonomía. El error proviene de ignorar la importancia de las conexiones sistemáticas constitucionales que derivan de la materia o finalidad del derecho. La mayor parte de las comunicaciones, reuniones o asociaciones se refieren a materia o finalidad no política y se encuentran protegidas bajo el paraguas de los tres derechos fundamentales concernidos, que son derechos de libertad. Cuando en estos tres derechos la materia o finalidad es política se produce una conexión sistemática constitucional con el pluralismo político, con el principio democrático y, a veces, con el derecho fundamental a la participación política. La conexión sistemática modifica el régimen jurídico de estos tres derechos, más concretamente los límites. Cuando hay una ponderación entre la libertad de comunicación, o la de reunión o la de asociación con otro bien constitucional (valor, principio, derecho fundamental o constitucional o bien constitucional en sentido estricto), la referida conexión constitucional origina, como regla general, la prevalencia de estos derechos, que vienen así a conocer de escasas limitaciones; esto es, la conexión refuerza exorbitantemente el contenido de los citados derechos en caso de conflicto con otro bien constitucional. Ante esta realidad, los defensores de la antítesis han mutado indebidamente la naturaleza jurídica de estos derechos, que son, sin duda, de libertad. Su fuerza exorbitante en caso de conflicto no deriva de su naturaleza de derechos políticos sino de la conexión constitucional por la materia o finalidad48. Y es que, como bien recordaba el profesor Rubio Llorente, en su seminario de la Universidad Autónoma de Madrid, no sólo la libertad de comunicación, reunión y asociación, sino todos los derechos fundamentales están al servicio del principio democrático, sin derechos no hay democracia

49.

El concepto racional normativo de Constitución50 pronto descartó que el principio democrático se pudiera realizar a través de la democracia directa. No sólo por la imposibilidad de reunir a millones de personas, que deliberen y voten, sino, fundamentalmente, porque este tipo de Norma

48

Véase supra nota 4 y el trabajo allí citado. 49

Lo que se afirma, incluso, desde posiciones positivistas, véase Francisco Bastida Freijedo (2005, p. 35 y 37). 50

Véase Manuel García Pelayo (1984, p. 34ss).

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30 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

fundamental reconoce el conflicto51 y es una Constitución de integración52 y ésta no es posible con la democracia directa. Por esta razón, desde sus inicios se adoptó la democracia representativa53, que conoce de dos formas: la democracia representativa liberal y la de partidos. En la primera el principio democrático se realiza políticamente y en la segunda jurídicamente

54.

Algunas constituciones iberoamericanas han querido introducir una tercera, la democracia participativa, que en el mejor de los casos es una desafortunada reelaboración de la democracia representativa de partidos; y en el peor de los casos supone una deriva a posiciones autoritarias, poco conciliables con el valor libertad, enmascaradas en el principio asambleario y la revocatoria; y a veces, incluso, negando a los propios partidos políticos como instrumento imprescindible de la democracia.

Todas las constituciones occidentales reconocen una de las dos formas de democracia representativa posibles y adoptan, expresa o implícitamente (especialmente las liberales), el derecho fundamental a la participación política que incluye entre su contenido el derecho al sufragio activo y pasivo. Además, estas constituciones, ante la imposibilidad de realizar la democracia directa, contienen diferentes institutos de democracia directa (iniciativa legislativa popular y diferentes tipos de referéndum).

Si se parte de la Constitución española puede concluirse que el legislador optó, dentro de la discrecionalidad que le confirió el

51

La Norma fundamental reconoce el conflicto y fija las reglas de juego y el campo en que la confrontación de intereses se debe realizar, como han recordado Hesse y Dahrendorf. Véase

Konrad Hesse (1983, p. 9). 52

Sobre el papel de integración de la Constitución y de la democracia representativa ante el

conflicto por los diversos intereses sociales que se confrontan, véase Rudolf Smend (1985), especialmente en lo relativo a la Constitución como norma de integración. Sobre la

insuficiencia de la democracia directa en la integración, véase Manuel Aragón Reyes (1989, p.

105ss); Martin Kriele (1980, p. 320ss); y E. W. Böckenförde (1983). Este último trabajo se puede consultar en lengua italiana (1985, p. 227-263). 53

Así lo ha reconocido, entre otros muchos sistemas, la Unión Europea, que lo establece en el Tratado de la Unión Europea (TUE), concretamente en su artículo 10.1. “El funcionamiento de

la Unión se basa en la democracia representativa”. 54

Véase José Luis García Guerrero (2000, p. 571-583). Del mismo autor pero con mayor

profundidad doctrinal (GARCÍA GUERRERO, 1996, p. 119-152).

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constituyente, por la democracia representativa de partidos55. Constitucionalizó el pluralismo político, el principio democrático y el derecho fundamental a la participación política. Este derecho puede ejercitarse directa o indirectamente. La democracia indirecta engloba el derecho al sufragio activo y pasivo, esto es, a través de representantes. La democracia directa engloba la iniciativa legislativa popular y diferentes tipos de referéndum que se basan en el sufragio activo, a decir de la mayor parte de la doctrina.

No obstante, en anteriores publicaciones56

se estima haber demostrado que en una democracia representativa de partidos como la española, la democracia directa no se agota en los institutos de democracia directa sino que debido a la conexión sistemática entre los artículos 6 (“Los partidos políticos (...) son instrumento fundamental para la participación política…”) y 23 (“Los ciudadanos tienen el derecho a participar en los asuntos públicos, directamente o por medio de representantes libremente elegidos en elecciones periódicas…”), la representación directa se extiende a toda la actividad que un militante puede desarrollar en el interior del partido57, buena parte de ella configurada legislativamente como contenido del artículo 23 (se trata de un derecho fundamental de configuración legal58), y entre la que destaca la relativa a su participación directa en la elaboración del programa y en la elección de los candidatos que el partido presentará en las elecciones.

En definitiva, el derecho fundamental a la participación política en España englobaría el sufragio activo y pasivo en las elecciones municipales, autonómicas, nacionales y europeas, así como el activo en los distintos

55

Véase mi trabajo (GARCÍA GUERRERO, 1996, p. 143- 149, más sintéticamente p. 171). 56

Concretamente, “Algunas cuestiones sobre la constitucionalización de los partidos políticos” (GARCÍA GUERRERO, 1990, p. 153s); “Democracia representativa de partidos y

grupos parlamentarios” (GARCÍA GUERRERO, 1996, p. 197); y “Escritos sobre partidos

políticos…” (GARCÍA GUERRERO, 2007, p. 41-45). 57

El Tribunal Constitucional no ha llegado a afrontar la cuestión directamente, aunque en la STC 63/1987, FJ 5, no incluye entre la participación directa la que el militante realiza en el

interior del partido. Antonio Torres Del Moral (1988) se muestra contrario a la tesis aquí

defendida. En cambio la STC 30/1983, entre otras muchas, ampara en virtud del artículo 23 la inconstitucionalidad de la pérdida del acta de concejal a consecuencia de la expulsión de su

partido, el PNV. 58

Véase Francisco Caamaño Domínguez (1991, p. 67-96); José Luis García Guerrero (1996, p. 188-189). SSTC 161/1988, FJ 7; 181/1989, FJ 4; 205/1990, FJ 5; 48/1998, FJ 7; 27/2000, FJ 4; 9/2012,

FJ 3; y 129/2013, FJ 3.

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32 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

tipos de referéndum que puedan convocarse. Finalmente, este derecho abarcaría la iniciativa legislativa popular y la importantísima participación que puede desarrollarse en el interior del partido político, utilizado instrumentalmente por aquellas individuos que tienen una mayor propensión a participar en los asuntos públicos

59.

Los tres embates al derecho fundamental a la participación política

El ataque de la doctrina y de los partidos políticos

Este derecho fundamental a la participación política no vive su mejor momento en la actualidad ni en Europa ni en España. Los principales responsables son la doctrina constitucional y los propios partidos políticos. La primera porque sigue renuente a aceptar las diferencias entre la democracia representativa de partidos, radicada en Europa, y la democracia representativa liberal, que se sigue manteniendo en Estados Unidos desde su aparición. O cuando menos, a reconocer, como ya lo hizo el profesor Rubio Llorente60, que hay dos modelos de partidos completamente distintos, que se corresponde con los referidos tipos de democracia representativa: el de Europa y Estados Unidos61. Los partidos políticos europeos son responsables porque no son partidos en sentido estricto. La ausencia de democracia interna62, alarmante en la mayoría, les impide cumplir su principal función: sintetizar progresivamente las múltiples voluntades populares en una única voluntad estatal a través de un proceso democrático, que requiere inexcusablemente

59

Uno de los argumentos que se contenían en el mandato representativo liberal era brillantemente desarrollado por Benjamín Constant, que sostenía que los ciudadanos

modernos no querían dedicar su tiempo a la cosa pública y preferían reservarlo a sus intereses

privados. En cambio, en el mandato de la democracia representativa de partidos se estima que los ciudadanos no son uniformes sino plurales y, en consecuencia, hay algunos que sí quieren

dedicar su tiempo a los asuntos públicos, tal y como se relata en mi trabajo (GARCÍA

GUERRERO, 2000, p. 576 y 581). 60

El profesor Francisco Rubio Llorente realizó esta afirmación en las Jornadas: “Partidos

políticos y fortalecimiento de la democracia representativa”, organizadas por la Universidad de Valladolid el 14 y 15 de noviembre de 2013, en el marco del proyecto de investigación

dirigido por Paloma Biglino Campos. 61

Véase José Luis García Guerrero (2000, p. 588ss). 62

A propósito de la democracia interna, véase, entre otros muchos trabajos, Fernando Florez Jiménez (1998); José Ignacio Navarro Méndez (1999); Silvio Gambino (2005); Manuel

Contreras Casado y Carlos Garrido López (2015); y José Luis García Guerrero (2007, p. 177-184).

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de la referida democracia interna. Además, esta falta de democracia interna impide que los individuos, con una mayor propensión a la esfera pública, puedan incrementar su nivel de participación utilizando instrumentalmente al partido político.

La actuación conjunta de ambos responsables, doctrina y partidos, se retroalimenta y dificulta combatir la ausencia de democracia interna. La negación a reconocer dos modelos de democracia y de partidos legitima las prácticas no democráticas de éstos y genera suficiente confusión para que los partidos europeos introduzcan prácticas como las primarias de sus líderes y candidatos a presidente de gobierno como falso remedio a su falta de democracia interna

63. Primarias que se corresponden con la democracia

representativa liberal y el modelo de partido político de Estados Unidos y que son incompatibles con el modelo de democracia y de partido europeo, por no hablar de que contravienen la forma de gobierno parlamentaria

64 e

introducen una mutación, una más, hacia el modelo presidencialista estadounidense, ahora bien, sin sus correspondientes límites y contrapoderes.

La grave afección al derecho fundamental a la participación política por la ausencia de democracia interna en los partidos en Europa, mal diagnosticada doctrinalmente y, por tanto, de difícil solución, ha venido a agravarse por la superación del marco estatal, en el que venía operando la participación política, a consecuencia de las integraciones económicas supraestatales (se prefiere este término frente a supranacionales, habida cuenta de la existencia de estados plurinacionales). La de mayor intensidad, la Unión Europea, intentó, puede anticiparse que insuficientemente, mejorar la eficacia de este derecho fundamental mediante dos vías: la concesión de sufragio activo y pasivo a los ciudadanos europeos en la elección del Parlamento europeo

65 y a los

ciudadanos europeos en las elecciones municipales, independientemente del país en el que residan66, y tratando de dotar al parlamento de sus dos

63

Véase, entre otros, Ricardo Haro (1992); Sara Volterra (1963); y Silvio Gambino (1995). 64

Véase Carles Boix (1998, p. 34-38). Una crítica a la primera introducción del sistema de primarias en España, en mi trabajo, “Le elezioni primarie del Partito socialista operaio

spagnolo” (GARCÍA GUERRERO, 1999, p. 628-631); el trabajo puede consultarse en lengua

española (GARCÍA GUERRERO, 2007, p. 149-155). 65

Desde el Tratado de Maastricht firmado el 7 de febrero de 1992. Artículo 22.2 del Tratado de Funcionamiento de la Unión Europea (TFUE). 66

Artículo 22.1 TFUE.

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34 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

principales poderes: el ejercicio de la función legislativa, en sentido amplio, que incluye la presupuestaria, y el control del ejecutivo67. El que no se puedan ejercitar con plenitud estos dos cometidos básicos para cualquier parlamento mantienen buena parte del vaciamiento del derecho fundamental a la participación política en el ámbito europeo. Cuando todavía no se han solucionado estos dos ataques a este derecho fundamental, se atisba en el horizonte un tercero, esto es, una nueva amenaza proveniente de la segunda fase de la globalización.

Habrá que explicar, por tanto, estos dos últimos ataques al tiempo que sintéticamente se describen las dos fases de la globalización que lo originan. Ahora bien el ataque afecta a distintos principios, valores y derechos, dependiendo de si nos encontramos en la primera fase de la globalización, en sus distintos grados de integración, o de la segunda fase de la misma. Por esta razón cuando no se concrete específicamente se hablará de ataque a la democracia englobando, bajo esta expresión, las diferentes afecciones a la soberanía, a la distinción entre poder constituyente y constituido, al valor pluralismo político, al principio democrático, y al derecho fundamental a la participación política. También es conveniente precisar que estas afecciones toman como referencia la forma de gobierno parlamentario.

Ahora bien, lo que ya puede anticiparse es que el nuevo orden mundial, concretamente las dos fases de la globalización, deja un preocupante panorama por el ataque a la democracia que supone.

Las dos fases de la globalización suponen dos nuevos ataques a la democracia, que queda progresivamente vaciada de contenido en el nuevo orden mundial

1) La globalización

El Diccionario de la Real Academia de la Lengua Española define a la globalización como: “Tendencia de los mercados y las empresas a extenderse alcanzando una dimensión mundial que sobrepasa las fronteras nacionales”. Aunque hay claros antecedentes de la globalización desde los inicios del capitalismo, éstos no contaban con las garantías y con el marco jurídico de seguridad que aporta la Constitución racional normativa. Por

67

Véase María Luz Martínez Alarcón, José Luis García Guerrero y Luis (2015, p. 460-509).

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esta razón puede señalarse que la globalización68 se inicia inmediatamente a continuación de la caída del muro de Berlín, concretamente en los primeros años noventa del siglo pasado. Las empresas empiezan a sentirse incómodas en el marco de la unidad económica nacional

69 y más

específicamente en su correlato, la unidad de mercado; que implica, de una parte la libertad de circulación de mercancías, capitales, servicios y mano de obra, y, de otra parte, la igualdad en las condiciones básicas de ejercicio de la actividad económica

70.

La Organización Mundial del Comercio (OMC), para satisfacer a estas empresas, persiguió la liberación multilateral del comercio, con el GATT de 1994 y con el Acuerdo general sobre el comercio de servicios, pero tras el fracaso de esta iniciativa promovió decididamente las integraciones económicas supraestatales que consiguen, en una primera fase, en un ámbito territorial más reducido el mismo objetivo. El deseo de globalización se acentuaba en una primera fase por la apertura de inmensos mercados en Europa y Asia, tras la caída del muro de Berlín, que se vieron incrementados en una segunda tras adoptar China, Vietnam y, más incipientemente en la actualidad, Cuba el lema de “un Estado, dos constituciones económicas”: la liberal y la marxista.

a) La primera fase de la globalización: los diferentes tipos de integraciones supraestatales

Ahora bien, es conveniente precisar que no todas las integraciones económicas supraestatales son iguales71, al diferenciarse claramente por su intensidad. Según la opinión más extendida hay cuatro, aunque tras las

68

Véanse las aproximaciones constitucionales de José Luis García Guerrero (2005, p. 135-155; 2014, pp. 544-591), Roberto Viziano Pastor (2009), Allan Brewer-Carias (1998, 1999). 69

La STC 1/1982, FJ 1, afirma a propósito de la unidad económica nacional: El marco que

impone la constitución económica “implica la existencia de unos principios básicos del orden económico que han de aplicarse con carácter unitario, unicidad que está reiteradamente

exigida por la Constitución (...) Esta exigencia de que el orden económico nacional sea uno en

todo el ámbito del Estado es más imperiosa en aquellos, como el nuestro, que tienen estructura interna no uniforme, sino plural o compuesta desde el punto de vista de su

organización territorial (Tit. VIII de la C. E.). La unicidad del orden económico nacional es un

presupuesto necesario para que el reparto de competencias entre el Estado y las distintas Comunidades Autónomas no conduzca a resultados disfuncionales o desintegradores”. 70

STC 88/1986, FJ 6. 71

Véase Lawrence Robert Z (1996).

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36 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

últimas investigaciones72 se mantiene una duda razonable sobre la conveniencia de diferenciar dentro del cuarto tipo un quinto.

El primer tipo son los Acuerdos de libre comercio que encuentran un contexto favorable en el fin de la Guerra Fría y en el fracaso de la liberalización multilateral, que encontró una favorable alternativa en los acuerdos de integración regional. Su triunfo viene marcado por el reconocimiento de que los modelos de sustitución de importaciones, que implicaban el cierre de fronteras, no estaba generando las altas tasas de crecimiento económico de las últimas décadas; y por las grandes ventajas que se obtienen de la especialización en ciertas industrias y bienes e, incluso, en sectores de dichas industrias, lo que incrementa las economías de escala con la posibilidad de empleos mejor remunerados, al aumentar el volumen de producción y reducirse el precio de los productos.

Los acuerdos de este tipo se caracterizan por la reducción, cuando no eliminación, de las barreras arancelarias a los productos comerciales. Se persigue la libre circulación de mercancías y, en la medida de lo posible, de servicios.

En este primer tipo de integración resultan afectadas ciertas potestades de los ejecutivos y, en menor medida, legislativas y judiciales. La unidad de mercado abandona su marco estatal en el ámbito de las mercancías y de los servicios afectados y pasa a corresponderse con el ámbito territorial de la integración. Empiezan a surgir los primeros problemas para que el parlamento pueda controlar al ejecutivo en estos ámbitos materiales.

El tipo siguiente son las conocidas Uniones aduaneras, que se relacionan con el nivel o profundización de la integración; además, de reducirse o, más bien, eliminarse los aranceles entre los estados contratantes y de fijar unos comunes frente al exterior, se busca una política comercial común, que al final queda en manos de las autoridades surgidas de los acuerdos supraestatales.

En la unión aduanera las consecuencias constitucionales anteriores se intensifican; la política comercial queda en manos de los acuerdos supraestatales, sustrayéndose este ámbito del campo de juego político, con la consecuente reducción del pluralismo político. Cuando se decide dirigir

72

Véase la ponencia presentada por este autor (GARCÍA GUERRERO, sin data) de próxima

publicación en la editorial Tirant Lo Blanch.

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la unión aduanera hacia un mercado común, que es lo más usual, el acuerdo de integración económica supraestatal se convierte en derecho primario, del que surgirá un derecho derivado. Se ceden competencias soberanas de naturaleza legislativa, ejecutiva y judicial a órganos supraestatales creados por el acuerdo internacional. Aparecen poderes ejecutivos, legislativos y judiciales propios de la organización supraestatal; la diferenciación entre poder constituyente y constituido, la soberanía popular, el pluralismo político, el principio democrático y el derecho fundamental a la participación política comienzan a resultar afectados, con mayor intensidad a medida que la integración se aproxima a la fase de mercado común.

El tercer tipo es el mercado común, que implica una política comercial común y una completa liberalización de los factores de producción, es decir, la libre circulación de mercancías, servicios, capitales y mano de obra; se requiere, además, libre competencia e igualdad en las condiciones básicas de ejercicio de la actividad económica. También es necesario crear una cierta infraestructura monetaria, para evitar devaluaciones competitivas no deseadas por el resto de los socios de la integración. Se crea un nuevo ordenamiento supraestatal que debería relacionarse con los ordenamientos de los estados miembros principalmente a través del principio de competencia73. El mercado común tiene órganos ejecutivos, legislativos y judiciales propios.

Las consecuencias constitucionales de la fase de Mercado común son las mismas que cuando la Unión aduanera se dirige a constituirse en un mercado común, aunque en su máxima intensidad. Por último, aunque no por ello menos importante, se reduce sustancialmente el régimen de discrecionalidad estatal en las políticas monetarias.

73

La relación entre el ordenamiento supraestatal y los ordenamientos de los estados de la integración es una cuestión no exenta de polémica. El Tribunal de Justicia de la Unión

Europea (única integración que ha perfeccionado la fase de Mercado Común) sostiene que hay primacía del ordenamiento de la Unión. El Tratado de la Unión Europea (TUE) no se

atrevió a llegar tan lejos y consagró el principio de atribución. Para evitar un ataque al

principio democrático, el autor de estas líneas sostiene que se debe aplicar el principio de competencia. A propósito de estas tres posiciones véase su trabajo, “Alguna reflexión a

propósito del complejo ordenamiento jurídico de la Unión Europea y de los diferentes

estatutos de derechos fundamentales, en perspectiva española” (GARCÍA GUERRERO, 2014, p. 454-480). Más recientemente, en el libro, “La publicidad (fundamentos y límites

constitucionales)” (GARCÍA GUERRERO, 2014, p. p. 150-152). Ambos trabajos recogen las

diversas posiciones en el Derecho positivo, en la jurisprudencia y en la literatura jurídica.

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38 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

El cuarto tipo de integración, que cabría denominar como Unidad económica supraestatal, conlleva las mismas exigencias que el Mercado común, pero éste se transforma en mercado único, esto es, el principio de unidad económica nacional y su correlato la unidad de mercado ven ampliado su ámbito territorial que pasa del estatal al que se corresponde con el ámbito territorial de la Unidad económica supraestatal. Se profundiza en la infraestructura monetaria y se exige una armonización de las políticas macroeconómicas y fiscales, al tiempo que se exigen determinadas políticas regulatorias. Las afecciones a la soberanía, a la distinción entre poder constituyente y constituido, al pluralismo político, al principio democrático y al derecho fundamental a la participación política son difícilmente sostenibles. Esta fase de la integración sólo se ha alcanzado en la Unión Europea.

No obstante, la Unión Europea había decidido profundizar en el mercado único, sustituyendo la infraestructura monetaria creada por sus propias divisas por una moneda propia y un Banco Central. Una parte de los países de la Unión, con Gran Bretaña al frente, renunció a esta fase (lo que obliga a tener presente el Derecho de la Unión y los Acuerdos intergubernamentales de los estados de la Eurozona), en parte por las consecuencias constitucionales referidas. El paso supone transferir desde los estados a los órganos de la integración la práctica totalidad de sus competencias en política monetaria, y eliminar el pluralismo político y la discrecionalidad en las políticas macroeconómicas y fiscales estatales, que vienen determinadas por los órganos de gobierno de la integración74. El incumplimiento por cualquier estado de estas políticas macroeconómicas y fiscales origina que éstas pasen a ser codecididas entre los órganos de la integración y las autoridades estatales, teniendo, en caso de discrepancia, la última palabra los primeros que dictarían las pertinentes políticas

74

Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 139) considera, con acierto, que una moneda única implica una específica configuración de la política económica en general y que esta

infraestructura monetaria reclamaría: “(1) Una única y supranacional política monetaria para

toda la Eurozona; (2) La disciplina supranacional de las políticas fiscal y macroeconómica de todos los estados” y mucho más intensa para los de la Eurozona. “(3). La supervisión macro-

prudencial del sistema financiero europeo y la supervisión micro-prudencial de las

instituciones financieras de la Eurozona (...) (4) los mecanismos, estructuras y recursos mediante los que los Estados de la Unión Europea, y muy especialmente los de la Eurozona,

se prestan asistencia financiera en determinadas circunstancias y sujetas a condiciones

estrictas”.

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regulatorias75. La trascendencia de estas transformaciones constitucionales es lo que parece aconsejar la creación de un quinto tipo de integración, que podría denominarse Unidad económica y monetaria supraestatal. Las dudas para consolidar este tipo surgen porque sólo se ha alcanzado esta fase, al igual que en la anterior, en la integración europea y, en consecuencia, la teoría resulta excesivamente dependiente del método fenomenológico.

b) La segunda fase de la globalización: los acuerdos entre bloques económicos

En la primera aproximación a esta materia, que se realizó en 200576

, se pensaba que hasta aquí llegaba la globalización, es decir, que la tendencia de las empresas y los mercados en superar el marco estatal, iba a quedar satisfecha con integraciones económicas supraestatales cada vez más intensas. No obstante, en 2013

77 ya se pudo afirmar que ésta era la

primera fase de la globalización; ésta se encuentra en plena evolución que encuentra un fuerte aliento en los nuevos e inmensos mercados que abren especialmente China y en menor medida Vietnam y, de forma incipiente, Cuba (han adoptado junto a la constitución económica marxista, la liberal). La globalización presenta una segunda fase que se caracteriza principalmente por el cambio de sus actores, los estados, como regla general, ya no son protagonistas, con las relevantes excepciones de Estados Unidos y dos emergentes: Rusia y China, el resto de actores son los ejecutivos de las integraciones económicas supraestatales.

La segunda fase de la globalización se singulariza por la firma de acuerdos, tratados y convenios internacionales económicos entre estos actores. Hasta ahora, éstos se han limitado a Acuerdos de libre comercio, esto es, a la primera fase de la integración. No obstante, habrá que estudiar con detenimiento estos nuevos Acuerdos de libre comercio, pues hay elementos que hacen sospechar que son diferentes a los de la primera fase de la globalización. En general, parece que la integración es bastante más profunda, así parece manifestarse en la creación de un órgano más o menos ejecutivo, en la intensa implementación legislativa que exigen y en la creación de órganos arbitrales o judiciales. Cuestión esta última que se

75

Véase Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 155-160). 76

Véase José Luis García Guerrero (2005, p. 135-155). 77

Véase José Luis García Guerrero (2014, p. 544-591).

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está dirimiendo en la actual fase de negociación del Acuerdo Transatlántico de comercio e inversiones entre la Unión Europea y Estados Unidos (TTIP)78.

No cabe descartar que estas integraciones de la segunda fase de la globalización se intensifiquen en el futuro y pasen a las siguientes fases: unión aduanera, mercado común, unidad económica supraestatal y unidad económica y monetaria supraestatal. El límite que pueda alcanzar la globalización y sus acuerdos de integración no pueden vislumbrarse hoy con seguridad pero no cabe descartar que, en el largo plazo, se pretenda alcanzar la unidad económica mundial. Ahora bien, debe advertirse que pasar de Unión aduanera a Mercado Común no es tarea fácil, ni siquiera en la primera fase de la globalización, fundamentalmente porque exige una cierta infraestructura monetaria, lo que explica que este objetivo sólo se haya alcanzado en Europa, fracasara en su día en el Pacto Andino y no se haya conseguido todavía en Mercosur.

2) El progresivo vaciamiento del derecho fundamental a la participación política según la intensidad de la globalización

a) Algunas precisiones previas

Las dos fases de la globalización suponen el último embate al concepto racional normativo de Constitución. No es aquí el lugar de afrontar esta cuestión, por lo que se dejan fuera importantes cuestiones como la desconstitucionalización de las Constituciones económicas79, el ataque al Estado Social80, a los derechos constitucionales de prestación o a los derechos sociales de los trabajadores81, entre otras. Este trabajo se

78

Belén Domínguez Cebrián (22 de febrero de 2016), relata cómo uno de los objetivos principales de la Unión, en la doceava ronda de negociaciones, es caracterizar al tribunal más

como órgano jurisdiccional que como arbitral, que tenga carácter permanente y que se ocupe

de todas las controversias de futuros tratados comerciales. Véase Carlos Taibo (2016). J. J. Gálvez (10 de marzo de 2016) reseña como la Federación de Jueces alemana ha emitido un

Dictamen por el que rechaza la creación de un tribunal de inversiones en el marco del TTIP,

porque “no ve ni la base legal ni la necesidad para un tribunal de este tipo”. 79

Véase José Luis García Guerrero (2014). 80

Véase Carlos De Cabo Martín (2009) y Javier Tajadura Tejada (2006). 81

Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 173) relata como en lo que a la Unión Europea se refiere: “La política social orientada a la protección de la parte más débil en las relaciones

económicas fue progresivamente reemplazada por un política social orientada a fomentar la

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circunscribe, predominantemente, a las consecuencias que las dos fases de la globalización tienen sobre el derecho fundamental a la participación política. Al analizar la primera fase y al hilo de las diferentes fases de integración se ha dicho algo ya; es ahora el momento de recapitular y precisar estas consecuencias. Ahora bien, para poder realizar esta tarea se deben recordar previamente dos extremos.

En primer lugar, que el Pacto Andino, en su momento, y actualmente Mercosur se han aproximado a la fase de Mercado Común lo suficiente, sin alcanzarla, para permitir sintetizar una teoría de las tres primeras fases de integración, pero la cuarta y la quinta sólo se ha conseguido en la Unión Europea, por lo que ésta debe tomarse como referencia.

En segundo lugar, se debe recordar lo reseñado en el segundo apartado a propósito de la participación política. La soberanía

82 se ejerce

en un marco estatal, ya sea éste unitario, regional, autonómico o federal. En el concepto racional normativo de Constitución el principio democrático exige la distinción entre poder constituyente y constituido, como principal límite al poder (el Reino Unido es la excepción que confirma la regla). El valor pluralismo político no sólo reconoce y alienta la diversidad sino que exige un margen de discrecionalidad en la toma de decisiones, lo que explica el carácter abierto de las normas constitucionales. El principio democrático se realiza dominantemente a través de una democracia representativa, que otorga a los partidos políticos un rol central, especialmente en Europa, donde no sólo sintetizan múltiples voluntades populares (pluralismo político) en una sola (la voluntad estatal), sino que permiten su utilización instrumental para que los ciudadanos puedan incrementar su participación política directa (no limitada a los institutos de democracia directa). Los partidos políticos se mueven en un plano estatal. La democracia representativa cuando adopta la forma de gobierno parlamentario exige que los parlamentos ostenten la función legislativa y el control del ejecutivo. En conclusión, el derecho fundamental a la participación política no puede ejercerse sin estos parámetros que se acaban de reseñar.

productividad y la competitividad exterior, como quedó ya reflejado en la llamada Estrategia de Lisboa de 2000”. 82

Véase Heller (1965), D. Wyduckel (1/1998, 2001), Saskia Sassen (2001).

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42 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

b) Poca afección en el Acuerdo de libre comercio

Cuando se firma un Acuerdo de libre comercio de la primera fase de la globalización, en las formas de gobierno parlamentario, el poder legislativo es sustituido por el ejecutivo en la regulación relativa a las mercancías y a los servicios afectados que se contienen en un tipo de norma: el tratado internacional. El parlamento no legisla sobre estas materias, lo hace el ejecutivo; el legislador, al igual que en un decreto ley, se ve obligado a aceptar o rechazar el todo

83. Además, el legislativo pierde

estas competencias pro futuro, al menos, hasta la denuncia del tratado. Por su parte, el ejecutivo no es soberano en la regulación sino que ésta depende del acuerdo entre los gobiernos de diferentes estados. El ejecutivo en el futuro estará limitado en su potestad reglamentaria por el tratado mientras éste no sea denunciado. Estas limitaciones al gobierno restringen la capacidad que tiene el parlamento para controlarlo. El resultado es que sobre este ámbito material los ciudadanos del estado pasan a compartir su soberanía con los demás países de la integración, lo que es difícilmente conciliable con la dogmática de la soberanía; la naturaleza jurídica de la norma tratado internacional impide mantener la distinción entre poder constituyente y constituido y mantener un margen de pluralismo político que permita actuar al principio democrático y ejercer el derecho fundamental a la participación política.

c) En la Unión aduanera y en el camino a Mercado común

Cuando se profundiza la integración y se alcanza la fase de Unión aduanera, la afección a la democracia se extiende a toda la política comercial. Es habitual que una vez alcanzada la fase de Unión aduanera se inicie el proceso con objeto de conseguir un Mercado común. Por tanto, aquí se van a describir las consecuencias constitucionales que comienzan cuando la Unión aduanera se encamina a Mercado común y que sólo se producen en su plenitud cuando se alcanza esta última fase de la integración.

Los ámbitos materiales que afectan a la democracia se amplifican extraordinariamente; a las mercancías, algunos servicios y a la política comercial se añaden la totalidad de los servicios y todas las materias necesarias para garantizar la libre circulación de trabajadores, capitales, así

83

Véase Javier Salas Hernández (1979); Pablo Santolaya, Machetti (1988); y Ana M. Carmona

Contreras (1997).

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como para asegurar la competitividad y la igualdad en las condiciones básicas de ejercicio. La extensión del ámbito material transferido a los órganos de la integración es mucho mayor que el reseñado literalmente, dada la conexión con otras muchas materias que se reclama para lograr la efectividad de las competencias transferidas. Por esta razón se crea ex novo un ordenamiento jurídico en el que se integran los estatales que, además, contribuyen al mismo implementado el Derecho de la integración. Lo que lleva a crear órganos ejecutivos, legislativos y judiciales de la integración. La necesaria creación de una infraestructura monetaria en esta fase implica la transferencia a la integración de parte de las políticas monetarias de los estados.

El ataque a la democracia en esta fase es de considerable importancia. El tipo de norma que encabeza el ordenamiento jurídico de la integración es un tratado internacional y no una norma constitucional. El amplio ámbito material que literalmente se transfiere, más el que resulta ampliado de sus conexiones, el establecimiento del sistema de fuentes jurídicas y la creación de órganos legislativos, ejecutivos y judiciales exigen normas materialmente constitucionales; sin embargo, en vez de éstas se emplea un tratado internacional. El resultado es que en lugar de operar el poder constituyente constituido lo hacen los ejecutivos de los estados miembros, mientras los parlamentos estatales se encuentran en la disyuntiva de aceptar o rechazar un todo; poco hay que decir sobre la falta de legitimidad democrática de origen. Además, las normas constitucionales son abiertas, con una discrecionalidad, mayor o menor, según el margen de pluralismo político que ha conferido al legislador el constituyente84; frente a esto el tratado internacional es una norma cerrada, como las del resto del ordenamiento jurídico que persigue el principio de seguridad jurídica. La segunda consecuencia importante, por tanto, es una relevante pérdida de pluralismo político que dificulta, cuando no impide, la realización del principio democrático y el ejercicio de la participación política.

Un ataque a la democracia de este calibre tiene que ser contrarrestado de alguna manera, aunque lo sea de forma insuficiente. Tres medidas parecen haberse adoptado. En concreto, la integración

84

La STC 11/1981, establece que la Constitución se presenta como un “marco de coincidencias lo suficientemente amplio como para que dentro de él quepan opciones políticas de muy

diferente signo”.

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44 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

reconoce el derecho a abandonar la misma, mediante la denuncia de los tratados internaciones. Se mantiene la regla de la unanimidad en la toma de decisiones, lo que permite, junto a la anterior medida, salvaguardar en parte la soberanía (para evitar esta merma se debería haber traslado la soberanía de los pueblos de los estados al resultante de la integración), concretamente mediante una soberanía compartida. Finalmente, la integración crea órganos como el ejecutivo, legislativo y judicial de la integración. El problema viene en el campo del legislativo y del judicial. El parlamento lo es nominalmente pero no materialmente, ni controla al gobierno, ni legisla ni elabora el presupuesto, al menos con la intensidad que requiere una constitución racional normativa con forma de gobierno parlamentario. La consecuencia es un desplazamiento de los poderes del legislativo al ejecutivo. En el campo judicial se consagra un tribunal como máxima instancia del ordenamiento jurídico de la integración, órgano que tiene la última palabra. Se estima que una decisión de este calibre requiere de una norma constitucional como sucede en los estados federales en que la última instancia jurisdiccional se integra entre los órganos de la federación. Como vemos las medidas no logran solventar en nada la distinción entre poder constituyente y constituido, ni el pluralismo político necesario para ejercitar el principio democrático y el derecho fundamental a la participación política.

d) En la Unidad económica y/o monetaria supraestatal

Ya sean cuatro o cinco las fases de la integración, sus consecuencias constitucionales sobre la democracia van a afrontarse tomando como referencia a la Unión Europea. En la fase de unidad económica se transfieren a la integración más materias, consecuencia del mayor estrechamiento de la infraestructura monetaria, relativas a las políticas macroeconómicas, monetarias y fiscales, lo que implica que la integración dicte políticas regulatorias concretas. En la Unión, el paso a la Unidad económica y monetaria supraestatal no ha sido simétrico, como ya se reseñó, el Reino Unido encabeza una serie de estados que quedaron al margen. Esta decisión origina un cambio en el sistema de fuentes jurídicas, ahora se debe tener presente no sólo el ordenamiento jurídico de la Unión, sino los Acuerdos intergubernamentales en forma de tratados internacionales suscritos por los estados de la Eurozona, que se dotan también de una cierta estructura institucional en forma de órganos

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ejecutivos y legislativos85. La afección que esto tiene sobre la democracia ha sido ya reseñada a propósito de la fase de Mercado común y se agrava en consecuencia.

En la Unidad económica y monetaria supraestatal se transfieren la totalidad de las políticas monetarias, también las macroeconómicas y las fiscales porque aunque estas dos últimas pertenecen formalmente a los estados integrantes, materialmente, como se han reseñado, son decididas en última instancia por las autoridades de la integración

86. Una vez

alcanzado este punto, se ha producido una completa desconstitucionalización de las constituciones económicas de los estados miembros en favor de la integración. Como se ha reseñado anteriormente no se trata sólo de la transferencia de la totalidad del ámbito material económico en favor de la Unión Europea, sino que para hacer efectiva esta transferencia se produce un vaciamiento de la mayor parte de las competencias en favor de la integración; ésta detenta la inmensa mayoría, ya sea mediante regulación directa o a través de la obligación de implementar su Derecho. Esta realidad se puede comprobar comparando, por ejemplo, las competencias que ejercita la Unión y las que corresponden al Estado español. Una simple lectura de la legislación española emanada de los ámbitos competenciales contenidos en los artículos 148 y 149 de la Constitución permite comprobar cómo la mayor parte de los mismos reflejan la legislación de la Unión87 y cómo ésta deja escasa discrecionalidad al legislador español cuando debe implementar el derecho de la Unión y, lógicamente, ninguna cuando la regulación europea es directa.

El ataque a la democracia que supuso la consecución del Mercado común por la Unión Europea originó una reacción de ésta para tratar de disminuirlo, al tiempo que se iniciaba el tránsito de Mercado común, primero a Unidad económica y después a monetaria. La Unión, consciente

85

Véase Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 160s), que reseña como la práctica seguida desde la constitución de la Eurozona ha sido objeto de reconocimiento formal en el Tratado

de Lisboa, concretamente, en el Protocolo 14 sobre el Eurogrupo, anejo ahora a los Tratados de la Unión Europea. 86

Para llegar a esta conclusión, en relación con la Unión Europea, es suficiente con analizar lo que señala Agustín Menéndez Menéndez (2015., p. 149-160), a propósito de las políticas

macroeconómicas y fiscales, especialmente en el caso de los estados que incurren de desequilibrios macroeconómicos o déficit excesivos. 87

Véase José Luis García Guerrero (Sin data)

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de las críticas del ataque que la integración suponía para la democracia, inició una serie de reformas destinadas a contrarrestarlo. Las principales trataron de transformar un parlamento nominal en material, convirtiéndolo en colegislador en amplios ámbitos materiales y dotándolo de facultades de control frente al ejecutivo comunitario

88. En segundo lugar, se introdujeron

reformas para hacer posible la creación de partidos políticos de ámbito europeo

89, que permitieran incrementar la participación de los ciudadanos

europeos utilizándolos instrumentalmente. Finalmente, el Tratado de Lisboa incorporó la Carta de Derechos Fundamentales de la Unión

90.

Sin embargo, al tiempo y fruto de la fase de Unidad económica y monetaria supraestatal, la Unión cambió la unanimidad de sus decisiones por mayorías cualificadas e, incluso, “minorías cualificadas”. Al tiempo, la desconstitucionalización de las constituciones económicas de los estados dio lugar a un Marco económico de la Unión (el equivalente a la constitución económica de la Unión, término que no se emplea para evitar el efecto legitimador de las normas constitucionales) completamente cerrado. El Marco económico de la Unión abandona, definitivamente, si es que previamente lo tuvo, el modelo de constitución económica intervencionista, propio de las Constituciones de sus estados miembros, y adopta el de la constitución económica de economía social de mercado en su versión ordoliberal, lo que se apuntala con la regla de oro de la estabilidad presupuestaria91, difícilmente comprensible en estados cuyas constituciones se definen como sociales. Se recogen los principios del

88

Véase María Luz Martínez Alarcón; José Luis García GUERRERO; Luis Gordillo Pérez (2015, p. 460ss). 89

El Tratado de Unión europea aprobado en Maastrich, en su artículo 138. A alude a los partidos políticos como “importante factor para la integración de la Unión”, pues

“contribuyen a la formación de la conciencia europea y a expresar la voluntad política de los ciudadanos de la Unión”; precepto que hoy se encuentra recogido en el artículo 10.4 TUE.

Además, hay que tener presente el Reglamento CE 2004/2003 del Parlamento europeo y del

Consejo, de 4 de noviembre de 2003, que regula el estatuto de los partidos políticos a escala europea y las normas relativas a su financiación; y la posterior modificación por el

Reglamento CE 1524/2007, de 18 de diciembre. Véase Graciela López De La Fuente (2014). 90

Artículo 6 TUE, que dispone: “La Unión reconoce los derechos, libertades y principios enunciados en la Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea de 7 de diciembre de 2000, tal como fue adaptada el 12 de diciembre de 2007 en Estrasburgo, la cual

tendrá el mismo valor jurídico que los Tratados”. 91

Entre la amplia literatura jurídica existente véase “Reforma constitucional y estabilidad presupuestaria (El artículo 135 de la Constitución española)” (LÓPEZ GARRIDO; MARTÍNEZ

ALARCÓN, 2013).

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 47

ordoliberalismo y se resaltan las notas de economía abierta y competitiva, abrazando de esta forma el libre comercio, esto es, la globalización en sus dos fases92.

El resultado de esta forma de realizar una Unidad económica y monetaria supraestatal es que una serie de tratados internacionales crean un ordenamiento jurídico, se dotan de una declaración de derechos y libertades fundamentales, instituyen órganos ejecutivos, legislativos y judiciales, asumen la totalidad de las competencias económicas y, a su través, para hacerlas efectivas, reciben también la mayor parte de las competencias de los estados. La sustitución de la unanimidad por distintos tipos de mayorías convierte prácticamente en soberano a la reunión de los jefes de gobierno, que conocen de escasos límites provenientes del escaso control que pueden ejercer los parlamentos nacionales y el europeo. Su único límite real sería la política monetaria y el control sobre las instituciones financieras que queda en manos del Banco Central Europeo, que dada su conformación jurídica se sustrae del juego político y queda como un espacio inmune al principio democrático

93. La única pervivencia

de la soberanía popular de cada estado reside en la posibilidad de abandonar la Unión.

En esta fase, los tratados de la Unión contienen todas las normas materiales que son propias de una Constitución, el problema de emplear normas internaciones en lugar de constitucionales, que se ha relatado a propósito de la fase de Mercado común, adquiere su máxima intensidad, afectando al poder constituyente y al constituido. Se desvanece en buena parte de los ámbitos competenciales (los transferidos más los necesarios para hacerlos efectivos) el pluralismo político, de forma completa en el ámbito económico, con lo que en estos campos sólo cabe un disminuido ejercicio del principio democrático y de su concreción, el derecho fundamental a la participación política; específicamente la que se ejerce en un Parlamento europeo que sólo parcialmente legisla y controla al ejecutivo.

92

Sobre todos estos aspectos véase José Luis García Guerrero (Sin data). 93

Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 142s) señala como, por ejemplo, el objetivo anual de inflación se establece por el Banco Central Europeo y no por el Parlamento. Desde un perfil

constitucionalista, véase Isabel M. Jiménez Sánchez (2015, p. 567-585).

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e) En la segunda fase de la globalización, en los acuerdos entre bloques económicos

Con estos problemas constitucionales para la democracia encima de la mesa y sin que se vislumbre solución se inicia la segunda fase de la globalización, esto es, el tercer ataque al principio democrático en Europa, la ausencia de democracia interna y los dos generados por la globalización. Aunque todavía requiere de mayor estudio, es muy posible que los nuevos Acuerdos de libre comercio tengan más consecuencias para la democracia que los de la primera fase de la globalización. Así parece indicarlo la creación de un órgano ejecutivo, la implementación legislativa que conllevan y la previsión de órganos arbitrales o jurisdiccionales para la resolución de conflictos. Si así fuera resultarían más afectados alguno de los actores como potencias, Estados Unidos, ex potencias, Rusia, o emergentes, China. Y qué decir cuando el actor es una integración de máxima intensidad como la Unión Europea. A los problemas no resueltos habría que añadir que este tipo de acuerdos es negociado por el ejecutivo de la Unión, bajo orden e instrucciones del Consejo, y su aprobación corresponde a la reunión de los ejecutivos de los estados miembros, esto es, al Consejo y al Parlamento europeo94, su forma jurídica es la de tratado internacional de la Unión Europea. Es pronto para pronunciarse sobre sus consecuencias constitucionales, aunque, si son tan distintos como se piensa respecto a los de la primera fase de la globalización, sus consecuencias constitucionales pueden ser mutatis mutandis similares a las que se presentan en la evolución de Unión aduanera a Mercado común, con el agravante que el ciudadano de un estado sólo participará muy indirectamente a través de su parlamento nacional y del europeo.

f) El ataque a la democracia no afecta por igual a los estados

En Estados Unidos el derecho fundamental a la participación política se mantiene sustancialmente, sólo tiene aquellas afecciones que se han descrito a propósito de la primera fase de la globalización, cuando un estado firma un Acuerdo de libre comercio. Más intensas pueden ser las

94

Para llegar a esta conclusión se requiere una interpretación sistemática entre los artículos, 218.6.a).v), que determina el procedimiento dentro de la Unión para concluir un tratado

Internacional y, más concretamente que se requiere la aprobación del Parlamento europeo en los ámbitos sujetos al procedimiento legislativo ordinario; y el 207 que incluye a la política

comercial común dentro del procedimiento legislativo ordinario, al requerir reglamento.

Sobre la cuestión véase María Luz Martínez Alarcón (2015, p. 327-332).

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consecuencias si es cierta la tesis que aquí se presume de que existe una clara diferencia entre los Acuerdos de libre comercio de la primera y de la segunda fase de la globalización, especialmente si éstos últimos suponen una mayor integración que resulta de la creación de un órgano más o menos ejecutivo, de otro arbitral o jurisdiccional, así como de la implementación legislativa.

El Reino Unido se quedó en la fase de Unidad económica estatal y renunció a la integración monetaria, encabezando un reducido número de estados de la Unión. Es significativo resaltar que el mantenimiento de las competencias monetarias le ha permitido no sólo ejercitarlas sino mantener, a su través, buena parte de su independencia en las políticas macroeconómicas y fiscales, lo que ha disminuido buena parte del ataque a la democracia que implica el paso de la fase de Mercado común a Unidad económica supraestatal. El resto del ataque trata de evitarlo mediante el acuerdo alcanzado con la Unión en febrero de 2016

95, que va a ser sometido

a referéndum el próximo 23 de junio.

Todos los países de la Eurozona sufren el ataque a la democracia que supone un nivel de integración de Unidad económica y monetaria supraestatal. No obstante, son discernibles, entre ellos, tres niveles. Alemania logra contener parte del ataque a la democracia en cuanto líder de la integración y ha llegado a retrasar decisiones de los órganos de la Unión, a la espera de que se pronunciara su parlamento96 o su tribunal constitucional97. En el extremo opuesto, mayor intensidad en el ataque a la democracia, se sitúan los países periféricos de Europa, como Italia, Irlanda o España, que han incurrido en desequilibrios macroeconómicos y en déficit excesivo, lo que ha llevado a una completa pérdida de las competencias macroeconómicas y fiscales y que los órganos ejecutivos de

95

Véanse las Conclusiones del Consejo Europeo, 18 y 19 de febrero de 2016, disponible en <http://www.consilium.europa.eu>, última consulta: 16/03/2016. Préstese especial atención a

los Anexos I, II y VI. ANEXO I. Decisión de los Jefes de estado o de Gobierno, reunidos en el seno del Consejo Europeo, relativa a un nuevo régimen para el Reino Unido en la Unión

Europea. Sección A. Gobernanza Económica. Sección B. Competitividad. Sección C.

Soberanía. Sección D. Prestaciones Sociales y libre circulación. Sección E. Aplicación y disposiciones finales. 96

“El Parlamento alemán aprueba el rescate a España con 573 votos”. La Vanguardia, 19 de julio de 2012, rescate que se realizaba con el Fondo Europeo de Estabilización financiera

(FEEF). 97

Por ejemplo, a propósito de la constitucionalidad del Mecanismo europeo de estabilidad

(MEDE), véase Juan Gómez (12 de septiembre de 2012).

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la Unión le impongan políticas concretas regulatorias; la situación ha sido todavía peor en dos de los rescatados, caso portugués y, con mayor intensidad si cabe, Grecia98. En una situación intermedia se sitúan la mayor parte de los estados de la Eurozona, como Francia u Holanda, que ven menos limitadas sus políticas macroeconómicas y fiscales y a los que no se imponen políticas regulatorias concretas.

Hay también alguna diferencia reseñable entre los estados de la Eurozona por el nivel de control que tienen los parlamentos estatales sobre sus ejecutivos y sobre la negociación que éstos hayan realizado ante el gobierno de la Unión

99. El que mayor control ejerce de facto, como se ha

visto, es el alemán. Finalmente, el ataque a la democracia viene también intensificado porque la Unión estableció la libertad de circulación de capitales no sólo en el interior de la integración sino frente al exterior. El capital internacional se convierte en un instrumento de control de la ortodoxia económica de los estados (en clave liberal), con más intensidad en aquellos que presentan un mayor endeudamiento exterior, y dentro de ellos resulta, por ejemplo, muy diferente la situación de España y de Italia; en el primero la mayor parte de la deuda pública está en manos extranjeras, mientras que en el segundo la titularizan mayoritariamente sus nacionales.

g) Algunas reglas o conclusiones sobre cómo la globalización ataca a la democracia

La constitución racional normativa ha sobrevivido a los numerosos embates teóricos y empíricos que ha sufrido desde su creación hace algo más de dos siglos

100. No se cree que ello ha sido por sus valores, esto es, los

derechos y libertades fundamentales, incluido el principio democrático, ni por los límites al poder, incluido el más importante, el estado constitucional del derecho, que hacen posible dichos valores; éstos permiten su legitimidad y son un magnífico banderín de enganche de esta

98

Véase Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 155-160). 99

Véase la ponencia presentada en el Congreso de la Asociación de constitucionalistas de España por Mayte Salvador Crespo, “El papel de las Cortes en la nueva gobernanza del euro”, próxima publicación en Tirant Lo Blanch, donde se estudia la diferente intensidad de control

que ejercitan los parlamentos europeos sobre sus ejecutivos. 100

Véase Solozábal Echavarría, “Apuntes de Cátedra”, que detalla que en el plano empírico deben destacarse los ataques de las monarquías restauradas, del fascismo y el marxismo y en

el plano ideológico los embates de las constituciones historicistas, sociológicas y positivistas.

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posición ideológica pero no explican su supervivencia. Como se ha defendido en anteriores trabajos y bajo la estela de Weber y García Pelayo101, la constitución racional normativa sobrevive no por la defensa de estos valores sino porque contiene en su genoma el capitalismo, porque es la forma de organizar la comunidad que mejor garantiza el funcionamiento de este sistema económico

102. Ahora bien, aunque es cierto que la

constitución racional normativa está al servicio del capitalismo, no hay duda de que en la misma el poder económico se encuentra sometido al poder político.

Lo relevante hoy, en el nuevo orden mundial, es que por obra de la globalización se supera el marco estatal en el que opera el concepto liberal de constitución, técnicamente denominada, racional normativa y en este nuevo marco caracterizado dominantemente por la globalización no se ha logrado que opere plenamente la constitución liberal. El ataque a la democracia está servido, esto es, a la soberanía popular, a la distinción entre poder constituyente y constituido, al pluralismo político, al principio democrático y, en consecuencia, al derecho fundamental a la participación política. Por esta razón no es descartable que sea cierto lo que se escucha cada vez con más frecuencia en los foros y en la calle: el poder económico está dominando al poder político.

Si fuera cierto este dominio del poder económico sobre el político, esto no sería igual en todo el mundo. La influencia del poder económico vendría modulada, en primer lugar por el músculo del estado afectado; no es igual Estados Unidos que un pequeño país con un PIB muy disminuido. Y principalmente por las dos reglas que se han extraído en anteriores escritos de la primera fase de la globalización, más por el conocido trilema de Rodrik. No obstante, antes de exponerlas es necesario previamente llamar la atención sobre los diferentes tipos de constitución económica que se aplican en la actualidad.

La doctrina viene distinguiendo tres tipos de Constitución económica, la liberal, la marxista y la intervencionista. La constitución liberal es la primera que apareció y se basa en la libre iniciativa privada y en el axioma de que el mercado realiza la más eficiente asignación de

101

Véase Max Weber (1942, p. 297, entre otras); y Manuel García Pelayo (1984, p. 38). 102

Véase José Luis García Guerrero (2014, p. 219s). En posición próxima, Ignacio García Vitoria (2008, p. 2) afirma: … “al mercado no le vale cualquier forma política, sino que necesita al

Estado constitucional”.

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recursos a través de las reglas de la oferta y la demanda; Estados Unidos sigue siendo el paradigma de este modelo. La constitución marxista, surgida en la URSS y que subsiste en China, Vietnam, Cuba y Corea del Norte, se fundamenta en la propiedad pública de los medios de producción y en la planificación, este modelo niega la libertad de empresa y la propiedad privada

103. La Constitución intervencionista, propia de Europa

occidental, aparece tras la segunda guerra mundial, introduce en la economía la fórmula del Estado Social y desconfía de que el mercado realice la más eficiente asignación de recursos por lo que procede a regularlo e intervenirlo

104. No obstante, había un modelo de constitución

económica que no se había aplicado hasta ahora, concretamente la economía social de mercado. El Marco económico de la Unión ha acogido este tipo de constitución en clave ordoliberal; no obstante, aquí se emplea la expresión Marco económico en lugar de constitución económica porque la legitimación no puede provenir de un tipo de norma como el tratado internacional sino que requiere de normas constitucionales105. Una vez diferenciados los diversos tipos de Constitución económica se pueden comprender mejor las dos reglas extraídas de la primera fase de la globalización y aproximarse al trilema de Rodrik.

La primera regla: cuanto mayor es la sintonía ideológica de las constituciones económicas que se integran menos sufre la democracia.

La segunda regla es que a medida que se profundiza en la integración más sufre la democracia, aunque los efectos se atenúan o incrementan en virtud de la primera regla, esto es, dependiendo de la mayor o menor sintonía ideológica entre las constituciones económicas de los estados integrados106.

103

Sobre la constitución económica marxista véase el artículo “La constitución económica socialista y sus fundamentos” de Lissette Pérez Hernández (Sin data). 104

Sobre estos tres modelos de constitución véase mi trabajo, “Integración económica y reforma constitucional” (GARCÍA GUERRERO, 2005, p. 136-138). También se puede consultar

en “Las integraciones económicas supraestatales y los acuerdos entre bloques económicos…”

(GARCÍA GUERRERO, 2014, p. 551-555). 105

Sobre el empleo del término Marco económico y sobre la economía social de mercado en clave ordoliberal véase mi trabajo, “La desconstitucionalización de la Constitución económica

española” (GARCÍA GUERRERO, Sin data). 106

La extracción de estas reglas se encuentra en mi trabajo de “Integración económica y reforma constitucional” (GARCÍA GUERRERO, 2005, p. 142). También se puede consultar en

“Las integraciones económicas supraestatales y los acuerdos entre bloques económicos…”

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 53

Por su parte en el discurso de investidura del profesor Rubio Llorente como Doctor honoris causa por la Universidad de Valladolid incluyó a la globalización entre los tres grandes problemas del Derecho Constitucional actual y llamó la atención sobre la preocupación que la doctrina estadounidense mostraba a propósito de las integraciones económicas supraestatales; concretamente, sobre la obra de Rodrik y su conocido trilema, que podríamos traducir con alguna licencia como la soberanía, la democracia y las integraciones y su interdependencia, lo que le lleva a considerar inviable un incremento de las tres; así entre las varias opciones ve en una disminución de la integración la posibilidad de incrementar el contenido del principio democrático

107 (precisamente lo

que parece intentar la democracia más antigua del mundo: el Reino Unido).

En este libro el catedrático de Harvard estima que la Integración Euro quizás pueda combatir los mayores inconvenientes de la globalización, aunque el profesor Rubio se muestra más bien pesimista respecto de esta última afirmación. Aquí se podría sostener una posición intermedia; los estados, con la excepción quizás de Estados Unidos, no tienen músculo para imponerse a ese poder económico. La Unión Europea podría hacerlo, aunque actualmente su política va en sentido contrario, como se puede observar en este trabajo, lo que explica, quizá, las cuatro posiciones que se van adoptando. Una primera de raíz nacionalista, paradigmáticamente representada por el Frente Nacional en Francia, que abandonaría la integración para recuperar la soberanía. Una segunda británica de inspiración conservadora, que busca menos integración para preservar el ataque a la democracia pero manteniendo el libre comercio. Una tercera, en vías de creación, representada por Syriza en Grecia, Podemos en España y, a lo mejor, el partido Laborista británico, que acaba de reclutar a Varoufakis como asesor económico108, que se centra en plantar cara al poder económico y variar la política económica de la Unión de forma, en opinión de muchos, radical. Frente a estas opciones, cabría una cuarta que pretende una reforma de la gobernanza de la Unión para superar el ataque al principio democrático o, en su defecto, de no ser

(GARCÍA GUERRERO, 2015, p. 560), aunque referido a las constituciones económicas de los

países que se integran. 107

Véase Rodrik (2011). 108

“Corbyn incorpora a Varoufakis como asesor del Partido Laborista”. El País, Internacional,

29 de febrero de 2016.

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posible (por el acierto del trilema de Rodrik), abrazar el estado federal europeo, lo que terminaría de raíz con el ataque a la democracia.

El trilema de Rodrik y, especialmente, las dos reglas que se había obtenido en anteriores escritos y que se acaban de reseñar muestran toda su virtualidad si se atiende a la Unión Europea, que es el único lugar del mundo donde se han alcanzado las dos últimas fases de integración: la Unidad económica supraestatal y Unidad económica y monetaria supraestatal. Estas dos últimas fases se han alcanzado en clave liberal, es más, el Marco económico de la Unión (el equivalente a la Constitución económica) es un nuevo tipo de constitución económica: la economía social de mercado

109, nunca antes aplicada, construida en clave

ordoliberal110

. Este Marco económico entra en contradicción con las constituciones económicas intervencionistas propias de los países de la Eurozona

111. Además este Marco resalta los principios de competitividad y

apertura, que se cree no operan sólo internamente sino externamente, esto es, en el contexto de la globalización. Finalmente, hay que añadir que la libre circulación de capitales ad intra y ad extra de la Eurozona refuerzan el mantenimiento de una ortodoxia liberal112, como ya se ha señalado, al tiempo que fortalecen el dominio del poder económico sobre el político.

Ahora bien, si fuera cierto que el poder económico está dominando al poder político, cabría preguntarse ¿qué ideología tiene aquel? Si uno analiza el Marco económico de la Eurozona, es decir, la economía social de mercado, y los principios de apertura y competitividad, así como la libre circulación de capitales puede presumir que está ante un sistema económico ordoliberal. Los principios reguladores del ordoliberalismo, en

109

Que la Constitución económica española marca grandes distancias con la economía social de mercado fue tempranamente señalado por Jürgen B. Donges (1978); y por Santiago García Echevarría (1978, p. 55). En el mismo sentido, posteriormente, Asenjo Óscar De Juan (1984, p.

139-141). 110

A esta conclusión se llega en mi ponencia “La desconstitucionalización de la Constitución económica española” (GARCÍA GUERRERO, Sin data). Agustín Menéndez Menéndez (2015, p.

142) señala: “La fuerte (aunque selectiva) impronta de la tradición constitucional ordoliberal alemana sobre la configuración de la Eurozona se refleja de forma especialmente intensa en la

definición de los objetivos de la política monetaria”. 111

Véase Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 172-174). 112

Agustín Menéndez Menéndez (2015, p. 163) señala concretamente que la disciplina liberal en política fiscal vendría dada porque el capital internacional no prestaría a instituciones

públicas que presentaran riesgos.

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clave de estado social113, y la ausencia de igualdad en las condiciones básicas de ejercicio de la actividad económica por los empresarios (con mayor intensidad fuera de la Unión pero también dentro), marca distancias con la constitución económica liberal.

Hay razones para pensar que el ordoliberalismo no sólo inspira a la Unión Europea sino también a la globalización. Adopción de la economía de mercado basada en la libre competencia (China, Vietnam, Cuba incipientemente), estabilidad de las divisas (objetivo de los bancos centrales desde el inicio de la globalización), mercados abiertos, es decir, libre comercio, garantías a la propiedad privada, libertad contractual, responsabilidad de los actores económicos (incumplida por los rescates bancarios) y, por último, continuidad de la política económica

114.

Aparentemente ese poder económico respondería al ordoliberalismo.

No obstante, si se repara en el ideario económico de Silicon Valley es difícil saber cuál es la ideología del poder económico que preside la globalización. Tres ideas base inspiran su concepción de la globalización: el incumplimiento de la ley, el ataque a la competencia y, como consecuencia, la búsqueda de los monopolios. Se sitúan claramente en contra de postulados básicos del ordoliberalismo.

Así Kalacnick, fundador de Uber se dirige a la conquista planetaria incluso incumpliendo la ley, como Google, Facebook, Apple y Airbnb. Hablan de “una revolución comparable con la industrialización del siglo XIX”. Su objetivo no es el dinero sino un futuro mejor para la humanidad, “aborrecen la política y consideran que la regulación no es sólo un obstáculo sino un anacronismo”. Thrun, el ingeniero más importante del laboratorio Google y hombre de confianza de Larry Page, presidente de esta compañía, dice que la política es el gran enemigo, “las reglas se dictan

113

El ordoliberalismo para alcanzar un buen funcionamiento del sistema económico basado en la libre competencia identifica dos tipos de principios: los constitutivos y los reguladores.

Éstos últimos requieren el establecimiento de una agencia pública en defensa de la competencia que tenga capacidad para disolver monopolios o, al menos, para controlar su

comportamiento en los mercados; una política fiscal con un impuesto progresivo sobre la

renta; una política de protección del medio ambiente; y la corrección de situaciones anómalas en el mercado laboral (por ejemplo, el establecimiento de un salario mínimo). Véase al

respecto, W. Eucken (1992); y del mismo autor (1982, p. 115-131). Véase Luis Ignacio Gordillo

Pérez y José Ramón Canedo Arrillaga (2013, p. 163-183), que cita los anteriores trabajos. 114

Este párrafo refleja los principios constitutivos del ordoliberalismo, véase al respecto la

literatura jurídica citada supra nota 113.

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para consolidar las estructuras existentes. Nosotros intentamos eludirlas”. Peter Thiel, el ideólogo de Silicon Valley, fundador de Paypal, que financió a Mark Zuckerberg en Facebook, en su libro Cómo inventar el futuro, mantiene como tesis fundamental que los monopolios son buenos, incluso deseables: “los monopolios creativos hacen posible que aparezcan nuevos productos beneficiosos para todos. La competencia supone que no (...) habrá beneficios para nadie…”. Su consejo más importante para aquellos que quieren crear una empresa es que busquen un mercado que puedan dominar, construyendo un monopolio e intenten conservarlo tanto tiempo como sea posible

115.

¿Puede ofrecer el derecho constitucional alguna respuesta al ataque a la democracia? breve reflexión

Si se atiende al ataque más grave a la democracia, el posible dominio del poder económico sobre el político, hay que diferenciar si éste es de inspiración ordoliberal o radical (Silicom Valley). Al primero, el Derecho Constitucional le puede exigir el cumplimiento de unos de los axiomas del capitalismo: la igualdad en las condiciones básicas de ejercicio de la actividad económica, aunque para poder cumplir esta exigencia se ralentice el ritmo de la integración económica. Esto exige determinar qué deben entenderse por condiciones básicas de ejercicio de la actividad económica. También puede exigirle que el sistema económico esté al servicio de los valores constitucionales, es decir, que suministre los recursos necesarios para su eficacia real. Al poder económico radical, al inspirado en Silicom Valley, habría que exigirle lo anterior, así como hacerle cumplir la ley, garantizar la competencia y disolver los monopolios.

No obstante, hay que advertir que las respuestas que ahora puede ofrecer el Derecho Constitucional no pueden pasar de ser meras propuestas que intensifiquen el debate doctrinal para tratar de obtener soluciones razonables que subsanen o limiten, en la medida de lo posible, el ataque al principio democrático.

Las propuestas que aquí se esbozan como objeto de debate están presididas por una serie de principios: Deben ser proporcionadas, según nos encontremos en la primera globalización o en la segunda y atendiendo al nivel de integración en que nos encontremos. Tienen que garantizar el

115

Véase Thomas Schulz (17 de mayo de 2015).

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control del parlamento sobre el ejecutivo, en la medida en que la globalización desplaza poderes del legislativo al gobierno. Finalmente, las principales decisiones que en este ámbito se adoptan es necesario que cuenten con quórums legislativos reforzados o con quórums análogos a los que se exigen para las reformas constitucionales, dado que restringen o vacían de contenido al pluralismo político y afectan a materias que deben ser reguladas por normas materialmente constitucionales.

La Unión Europea, China y Estados Unidos parecen los únicos actores capaces de evitar el hipotético dominio del poder económico sobre el político. Los dos últimos estados no han procedido, todavía, a integraciones de la suficiente intensidad como para facilitar el dominio del poder económico sobre el político, aunque en Estados Unidos se debate sobre la influencia del poder económico en el político por los lobbies y la financiación privada de las campañas electorales. La orientación del Marco económico de la Unión no parece dirigirse desde principios de los años noventa a evitar un hipotético dominio del poder económico sobre el político, lo que se ve favorecido por la ideológica liberal que preside este Marco económico, por sus principios de economía abierta y competitividad, y por la libre circulación de capitales, estos dos últimos principios tanto hacia el interior como al exterior de la Unión.

En los Acuerdos de libre comercio y Unión aduanera hay que crear en el interior de cada parlamento estatal comisiones parlamentarias que vigilen y controlen la actuación del ejecutivo cuando mantiene negociaciones con los otros gobiernos de la integración. Para que la publicidad que dimana de la actividad parlamentaria permita a los ciudadanos un conocimiento exhaustivo de lo que la integración implica; y para poder influenciar y condicionar la actuación del gobierno durante la negociación, evitando de esta forma que la decisión parlamentaria, una vez concluido el acuerdo, se asemeje al decreto ley, esto es, que el parlamento se vea obligado a aceptar o rechazar un todo. Alcanzado el acuerdo deberían exigirse quórums reforzados para el ingreso, más intenso en la segunda fase de integración, en la medida en que implica una pérdida de la competencia estatal en política comercial.

Cuando una Unión aduanera se dirige a la fase de Mercado común es necesario crear un parlamento de la integración elegido por sufragio universal, libre, igual, directo y secreto; la creación de partidos políticos que se correspondan con el ámbito de la integración; además, habría que crear en los parlamentos de los estados de la integración comisiones específicas de control de los acuerdos que se dirigen al Mercado común,

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análogas, pero más intensas, a las relatadas a propósito del Acuerdo de libre comercio y Unión aduanera. El acuerdo para iniciar la integración que se dirige a un Mercado común requeriría la aprobación en el parlamento de cada Estado por un quórum análogo al de reforma constitucional y referéndum del pueblo. La democracia más antigua del mundo, el Reino Unido, siguió lo aquí propuesto para ratificar su ingreso en una Unión Aduanera que se dirigía a la fase de Mercado común

116. Irlanda, Dinamarca

y Noruega también sometieron a referéndum el ingreso117

.

La creación de un Mercado común exigiría contar con partidos políticos que se correspondan con el ámbito territorial de la integración y dotarse de un auténtico parlamento bicameral. Una cámara que represente a los pueblos de los estados y otra que integre a los jefes de gobierno, representando a los territorios. Ambas cámaras ejercerían la función legislativa, incluida la presupuestaria, y la de control al gobierno de la integración. Esta sería la única forma de garantizar una especie de soberanía compartida, la legitimidad democrática de ejercicio y el derecho fundamental a la participación política. La aprobación de la fase de Mercado Común exigiría una reforma constitucional agravada, en los estados que diferencien dos tipos de reforma, y aprobar la misma mediante referéndum del pueblo. La reforma constitucional en cada estado debería sancionar constitucionalmente a la comisión encargada de controlar la representación que el ejecutivo desempeñe en la cámara territorial de la integración. Esta comisión debería ser informada por el parlamento de la integración de su actividad legislativa. Asimismo, se debería mantener el derecho de veto de los estados.

El siguiente paso o los dos siguientes, esto es, las fases de Unidad económica y/o monetaria supraestatal no se cree que puedan sostenerse

116

Rogelio Pérez Bustamante (1997, p. 148-150), entre otro, reseña, como el Parlamento británico ratifica el Tratado de adhesión al Mercado Común Europeo del Reino Unido el 28 de

octubre de 1971 con 358 votos a favor, 246 en contra y 22 abstenciones –se debe recordar que

en el Reino Unido no hay diferencia formal entre la aprobación de leyes ordinarias y constitucionales-. Pese a que su ordenamiento constitucional no lo exigía, se celebró un

referéndum de ratificación el 23 de abril de 1972, que fue aprobado con un 67,70 por ciento de

votos a favor. El 1 de enero de 1973 se materializó el ingreso efectivo. 117

El referéndum en Irlanda se celebró el 10 de mayo de 1972 y fue aprobado por el 83 por

ciento de los electores; el de Dinamarca el 2 de octubre del mismo año y obtuvo el 56,7 por ciento de votos a favor; finalmente, el referéndum en Noruega se celebró los días 24 y 25 de

septiembre de 1972, el ingreso fue rechazado por el 53,49 por ciento de los votos (PÉREZ

BUSTAMANTE, 1997, p. 150).

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mediante una profundización democrática de la integración. El derecho de veto debe dar paso a mayorías cualificadas. La intensidad de la integración obliga a pasar de la soberanía compartida a la soberanía de la Unidad económica, las tensiones sobre la distinción entre poder constituyente y constituido, sobre el pluralismo político y sobre la legitimidad democrática de origen y de ejercicio son insostenibles

118. En consecuencia, estas fases

requerirían reformas constitucionales en los estados miembros con sus correspondientes referéndums. Tras esta fase y sobre los ámbitos competenciales cedidos habría que convocar un parlamento constituyente en el ámbito de la Unidad económica que debería finalizar con la aprobación de una Constitución federal sometida a referéndum del pueblo que se corresponda con el nuevo estado.

Finalmente, respecto de la segunda fase de la globalización, se sospecha que los Acuerdos de libre comercio serían más intensos que los de la primera, que incluirían un órgano ejecutivo, una intensa implementación legislativa y un órgano de arbitraje o jurisdiccional. Esta intensidad de integración parece recomendar que el acuerdo se adopte por los parlamentos de los estados con un quórum equivalente al de la reforma constitucional y que se sometan a referéndum. Cuando el acuerdo concierna a un estado, la negociación del ejecutivo debe ser controlada por su parlamento de una forma similar a la reseñada a propósito de la fase de Unión aduanera en tránsito a Mercado común en la primera fase de la globalización. Cuando el actor sea una Unidad económica y/o supraestatal, el parlamento bicameral debe controlar de forma análoga la actuación del gobierno de la integración y los parlamentos de los estados la actuación de su ejecutivo en la cámara de representación territorial.

Referencias

“Corbyn incorpora a Varoufakis como asesor del Partido Laborista”. El País, Internacional, 29 de febrero de 2016.

118

Francisco Rubio Llorente (1991, p. 16s) señala: “El Derecho no es una pura estructura formal, sino una estructura dotada de un sentido necesario. Todo Derecho pretende ser justo”. Esta

“pretensión de validez (justicia) del Derecho es la proyección en este plano de la pretensión

de legitimidad del poder, aunque los fundamentos de legitimidad del poder y del orden sean distintos, como en el conocido análisis weberiano. La obsesión positiva por excluir el

problema de la legitimidad del ámbito de lo jurídico conduce por eso, inevitablemente a una

mutilación”.

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DIGNIDADE HUMANA, ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO E

NOVA ORDEM MUNDIAL

Ernani Contipelli*

Introdução

A hipercomplexidade da sociedade pós-moderna que determinou uma reestruturação da ordem mundial, com a emergência de novos atores e fontes de poderes no plano político internacional, acaba por suscitar o debate sobre a consagração das diretrizes normativas que se vinculam ao valor pessoa humana presentes, especialmente, no âmbito constitucional, haja vista o patente falimento dos pressupostos de estruturação do Estado-Nação.

Com efeito, a insuficiência de parâmetros constitucionais clássicos para conduzir adequadamente a organização do poder e estruturação de um modelo de sociedade ajustado a sua extrema complexidade e heterogeneidade, denota a necessidade de um esforço continuo de todos os setores da sociedade em nível global, para trabalhar na construção de uma proposta de “bem comum mundial”.

* Pós-Doutor em Direito Político Comparado – Universidad Pompeu Fabra. Pós-Doutor em

Direito Constitucional Comparado – Universidad Complutense de Madrid. Doutor em Direito do Estado – PUC/SP. Mestre em Filosofía do Direito e do Estado – PUC/SP. Especialista em

Direito Tributario – PUC/SP. Bacharel em Direito – Mackenzie/SP. Pesquisador Visitante no

Instituto de Derecho Comparado de la Universidad Complutense de Madrid (Espanha, 2010), no Centro Interdipartimentale di Ricerca e di Formazione sul Diritto Pubblico Europeo e

Comparato, DIPEC, da Università degli Studi di Siena (Itália, 2011), no Observatorio de la

Evolución de las Instituciones da Universidad Pompeu Fabra (Espanha, 2012), na Université Paris 1Pantheon – La Sorbonne (França, 2013), na Université Paris 10 – Ouest-Nanterre

(França, 2014) y no Korean Institute of Southeast Asian Studies, KISEAS (República da Coreia,

2015). Profesor Visitante na Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), na Universidad Lomas de Zamorra (Argentina) e na Korea University (Republica da Coréia). Professor do Programa

de Mestrado em Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Brasil). Diretor

do Center for European Strategic Research (Itália).

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E uma das propostas que buscam situar o debate constitucional no contexto social atual é formulado por Peter Haberlë, ao dispor sobre as bases do Estado Constitucional Cooperativo, o qual tem sua identidade fundada no ideal de solidariedade e interdependência entre Estados e cidadãos, para vincular relações nacionais e internacionais em pró dos valores da pessoa humana, sobretudo, sua dignidade e desenvolvimento.

O presente artigo tem por finalidade discutir a relação entre dignidade humana e Estado Constitucional Cooperativo, partindo de uma compreensão axiológica da pessoa humana com fonte de todos os valores, para, posteriormente, situa-la dentro da nova ordem mundial, que se caracteriza como modelo contemporâneo de estruturação política internacional consequente do processo de globalização e maior interdependência entre Estados e cidadãos que afetam os pressupostos tradicionais de estruturação do Estado-Nação, exigindo uma nova perspectiva de investigação da dignidade humana pautada na ideia de solidariedade e cooperação.

Valor pessoa humana e sua dignidade

O valor pessoa humana é definido por Miguel Reale como valor fonte de onde emanam todos os demais valores, considerados como estimativas mediante as quais o ser humano atribui sentido a sua existência, orientado suas condutas perante a realidade social.

Portando, o ser humano, cujo “ser é seu dever ser”, dotado de poder de síntese, ao compreender e integrar fenômenos naturais para instrumentalizá-los na satisfação de seus interesses, estabelecendo suas preferências, daí dizer que a pessoa humana consiste no valor fonte, pois “há possibilidade de valores por que quem diz homem diz liberdade espiritual, possibilidade de escolha constitutiva de bens, poder de síntese com liberdade e autoconsciência” (REALE, 1999, p. 161).

E caracterizar a pessoa humana como valor significa considerar sua dignidade, consistente na atribuição de condições de vida satisfatórias aos indivíduos, para possibilitar-lhes a livre manifestação de suas potencialidades, ideia que se configura como elemento central dos

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ordenamentos jurídicos e Constituições democráticas do mundo ocidental moderno1.

Justamente, neste ponto, devemos considerar a historicidade como fator essencial para compreensão do valor pessoa humana e sua influencia na delimitação da esfera jurídica de representação desse valor seja como categoria de direitos humanos ou fundamentais. A historicidade pode ser explicitada como reflexo dos anseios sociais que passam a ser traduzidos como nortes da sociedade em determinadas coordenadas de espaço e de tempo, sempre respeitando um conteúdo ético comum, que se desdobra ao longo dos tempos por intermédio de valores de apreensão concreta e dimensão consensual.

Desta forma, os direitos construídos desde tais “anseios sociais históricos”, que podem se categorizados como direitos humanos, nascem e se modificam obedecendo a um núcleo formado pelo sentimento axiológico que se desdobra na vida da sociedade, daquilo que ocorre na realidade concreta, ao qual a partir de um dado fato se adere a um determinado valor, que, por sua vez, passa a ser reconhecido institucionalmente, a partir do inicio da Idade Moderna, com indispensável fundamento na ideia de pessoa humana e sua dignidade.

Com efeito, a humanidade, no decorrer de sua história, pinça, no mundo abstrato dos valores seus sentimentos concretos, que passam a ser incorporados pelo mundo jurídico, ou seja, ocorre o reconhecimento e a consagração de certos valores, para que haja a correspondência entre os fenômenos jurídicos e sociais, de tal sorte que, em cada sucessiva transformação histórica que afeta os padrões éticos da sociedade, notamos o surgimento de novas gerações de direitos humanos fundadas em um elemento axiológico preponderante, advindo do direito florescente à época, que configura seu traço distintivo em relação às demais, para lhe conferir estrutura necessária à verificação de sua autonomia, em comparação à geração anterior.

1 Em tal sentido, Peter Haberlë (2003, p. 1) pondera que as Constituições democráticas contemporâneas situam entre seus elementos centrais referidos ao Estado e a sociedade, a

dignidade humana “como premisa, realizada a partir de la cultura de un pueblo y de los derechos universales de la humanidad, vividos desde la individualidad de ese pueblo, que

encuentra su identidad en tradiciones y experiencias históricas, y sus esperanzas en los deseos

y la voluntad creadora hacia el futuro”.

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Relevante destacar que existe uma constante nesse processo de transformação normativa correspondente aos direitos humanos que impede o próprio relativismo do fenômeno jurídico, consistente no fato de que os elementos axiológicos preponderantes em cada geração gravitam ao redor do valor pessoa humana, para se incorporar definitivamente ao seu núcleo e ver seu conteúdo semântico, seu significado ajustado dentro das sucessivas gerações.

Em outras palavras, destacamos que o núcleo axiológico dos direitos humanos encontra-se vinculado ao valor fonte da pessoa humana e se revelam à consciência da humanidade de acordo com as transformações sofridas dentro de cada ciclo cultural de nossa civilização, sedimentando-se definitivamente na pauta de valores que atuam no desenrolar da vida social, para superar o próprio transcurso da história e adaptar seus possíveis significados às novas exigências éticas, o que conduz ao surgimento das denominadas gerações de direitos humanos

2.

Desse modo, a ideia de dignidade da pessoa humana configura-se como a força matriz que influencia a compreensão de uma serie de Textos Constitucionais, ocupando inclusive um papel de destaque no sistema

2 Sob o enfoque eminentemente histórico, podem ser reconhecidas três gerações autônomas

de direitos humanos, as quais possuem como critério distintivo à prevalência de certo

elemento axiológico em relação às demais como motivo condicionante da vida ética e

estruturante da experiência jurídica em determinado ciclo cultural. Willis Santiago Guerra Filho (2005, p. 46s) nos conduz a uma abordagem objetiva que concilia as ideias anteriores

mencionadas: “A primeira geração é aquela em que aparecem as chamadas liberdades

públicas, ‘direitos de liberdade’ (freiheitsrechte), que são direitos e garantias dos indivíduos a que o Estado omita-se de interferir em sua esfera juridicamente intangível. Com a segunda

geração surgem direitos sociais a prestações pelo Estado (leistungrechte) para suprir carências

da coletividade. Já na terceira geração concebe-se direitos cujo sujeito não é mais o indivíduo nem a coletividade, mas sim o próprio gênero humano, como é o caso do direito à higidez do

meio ambiente e do direito dos povos ao desenvolvimento”. Assim, podemos enumerar a

primeira geração de direitos humanos que, ao se consagrar nas dobras do Estado Liberal, tem como núcleo axiológico o valor liberdade; a segunda geração, que ante o Estado Social, é

dirigida pelo valor igualdade; e, finalmente, a terceira geração, em que a solidariedade se

revela como valor determinante vinculado a pessoa humana e sua dignidade, gerando a base de sustentação para discussão a respeito da institucionalização do Estado Constitucional

Cooperativo e uma adequada governança global, como teremos oportunidade de verificar na

sequencia de nosso estudo. De todas maneiras, ressaltamos que o constante processo de transformação dos direitos humanos não implica no desaparecimento da liberdade e da

igualdade, simplesmente, seus conteúdos semânticos se alteram, adaptando e agregando as

conquistas de suas respectivas gerações à nova ordem mundial.

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internacional de direitos humanos3, ao considerar, sem distinção nem exclusão, que a pessoa, como atributo natural das qualidades que singularizam a formação moral e intelectual de seu ser e que são conservadas e lhe acompanham durante a vida, deve afastar qualquer tentativa de impor-lhe uma coisificação

4, e, como consequência, receber a

condição de fonte de valores e de direitos humanos.

Em outras palavras, em razão da simples condição de existir do ser humano, sem qualquer tipo de distinção, sua dignidade apresenta-se como principio estrutural dos sistemas constitucionais, que delimita as ações do Estado, de seus agentes e da própria sociedade, determinando, assim, o substrato do projeto constitucional de existência harmônica e comum.

Como principio de unidade e lógica de um dado ordenamento positivado, a dignidade da pessoa humana possui em seu conteúdo semântico a ideia de viver como queira (determinar sua vida de acordo com as características de seu próprio ser, compreendendo o absoluto direito de ser distinto, a pensar distinto), viver bem (garantia de condições reais de existência satisfatória) e viver sem humilhações (esfera intangível de bens, que envolve a proteção da razão e da consciência humana, assim como sua integridade física).

A partir de tal perspectiva o livre arbítrio e a eleição de um projeto de vida que melhor se ajusta as características de formação de certa pessoa, propiciando o livre desenvolvimento de sua personalidade e a autodeterminação de seu destino, fazem parte do conteúdo da dignidade e

3 A importância da dignidade humana no plano jurídico internacional pode ser facilmente

constatada com a simples leitura do artigo 1º da Declaração Universal de Direitos de 1948, ao estabelecer que “Todos seres humanos nascem livre e iguais em dignidade e direitos e,

dotados como estão de razão e consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os

outros”. 4 Entre as múltiplas ramificações da concepção de dignidade humana relacionada com a

impossibilidade de coisificação do individuo, podemos mencionar o direito de identidade, que deve receber adequada proteção por parte do Estado, proporcionando a toda pessoa a

faculdade de conhecer sua origem, com o direito de possuir sua inscrição civil imediatamente

após seu nascimento, a ter um nome desde tal momento e, quando possível, conhecer seus pais e ser cuidada por eles, tudo isso para aspirar um devido reconhecimento social. O direito

a identidade comporta também o direito a diferença, a ser distinto, a pensar de forma própria,

conferindo a possibilidade de eleição do próprio destino, exercendo, assim, seu livre arbítrio, sem discriminações, o que uma vez mais comprova a interpenetração entre dignidade,

liberdade e igualdade, de tal modo que a supressão de tal direito implica violação categórica a

esse conjunto de valores estruturais do Texto Constitucional.

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74 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

que deve ser garantido, preservado e situado entre os objetivos buscados pelos complexos normativos constitucionais. Desta feita, encontramos uma dimensão negativa da dignidade que pressupõe a autonomia e autodeterminação com relação ao Estado e demais pessoas, assim como uma positiva, que presume o estabelecimento de condições adequadas para o pleno desenvolvimento de cada pessoa em um nível adequado de bem-estar individual e social.

Em tal contexto, devemos recordar também que a dignidade humana não pode ser vislumbrada apenas como um conceito que gravita a redor de uma concepção que considera a pessoa como ente situado isoladamente em determinado Estado, em que esse, através de seus pressupostos de tomada de decisão política, deve promover os meios necessários para consagração do mencionado tal valor. Como veremos na continuação dos argumentos expostos em nosso trabalho, caso a dignidade humana tenha pretensões de ser devida e efetivamente consagrada em nossa realidade contemporânea, ou seja, no âmbito de um mundo globalizado e cada vez mais interdependente, sua investigação e busca de objetivação deve ir além das fronteiras do denominado Estado-Nação, para discutir a ideia de pessoa e sua dignidade em âmbito universal, envolvendo a relação entre Estados ricos e pobres e seus respectivos níveis de desenvolvimento, entre cidadãos de diferentes nacionalidades e graus de desigualdades, o meio ambiente, a paz mundial, entre outros temas, que exigem uma visão diferenciada dos modelos de organização política tradicionais.

Pós-modernidade e globalização: ruptura do estado-nação

Ao inserirmos o tema da dignidade humana dentro do atual momento histórico, a pós-modernidade, caracterizada pela ruptura e continuidade dos paradigmas da modernidade, em que a hipercomplexidade e a heterogeneidade social revelam-se como seus elementos configuradores5, nos deparamos com as transformações

5 O período histórico compreendido pela pós-modernidade caracteriza-se por um paradoxo

de ruptura, em virtude do questionamento e superação dos ideais pertencentes à

modernidade, e, simultaneamente, de continuidade, pois, ainda que se constate a crítica aos

mencionados ideais próprios da modernidade, eles não desaparecem e sim passam a ser combinados recíproca e gradualmente com as novas tendências necessárias ao atendimento

das exigências oriundas da realidade sócio-econômica na qual se desenvolve a história da

humanidade. A respeito da pós-modernidade, David Lyon (2009, p. 26s): “postmodernidad se

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propostas por uma nova ordem mundial, o questionamento dos poderes hegemônicos, a intensificação do processo de globalização como fator de redução de distancias, de culturas, de economias, que afeta o conteúdo das relações intersubjetivas e que exige um novo olhar ao sentido que deve ser conferido à dignidade.

Importante destacar que existe uma dificuldade para situar o momento histórico exato em que podemos considerar iniciado o período pós-moderno e a construção de uma nova ordem mundial. Assim, optamos por verificar as consequências advindas por determinados fatos históricos que levaram à hipercomplexidade pós-moderna, como a queda do muro de Berlim que simbolizou o fim da guerra fria e a derrocada da União Soviética, fechando o capitulo histórico que contrapunha socialismo ao capitalismo, modelo esse vitorioso, que ganha força suficiente com a globalização para influenciar uma série de economias em nível mundial através de sua vertente mais radical, o neoliberalismo, doutrina que prega as livres condições de mercado, a flexibilização de leis trabalhistas, a redução de barreiras alfandegárias e, principalmente, que retira das pessoas sua capacidade de autodeterminação, explorando psicologicamente a falsa aparência de liberdade que é propiciada pelo consumo, pelas redes sociais, entre outras técnicas de controle inconsciente.

Assim, uma das grandes dificuldades sentidas para consagração da dignidade humana ante a pós-modernidade refere-se à questão da psicopolítica neoliberal, que, ao submeter o individuo a um poder de dominação que adquiri forma permissiva, amável, oferecendo-se como liberdade, converte invisível e inconscientemente a pessoa em “sujeito do rendimento”, submetendo-o à autoexploração, programado para otimizar e maximizar resultados, transformando-o em uma coisa, um objeto, uma peça destinada a encaixar-se no mecanismo de funcionamento da maquina econômica neoliberal, como bem ensina Byung-Chul Han (2014, p. 12): “El neoliberalismo es un sistema muy eficiente, incluso inteligente, para explotar la libertad. Se explota todo aquello que pertenece a prácticas y

refiere sobre todo, al agotamiento – pero no necesariamente final – de la modernidad (…)

Ciertos rasgos de la modernidad se extienden, mientras que otros son reducidos a la

insignificancia, creándose nuevas configuraciones sociales. Aunque siguen siendo reconocibles para los que conocen la modernidad, las nuevas condiciones exigen un

reevaluación. La diferenciación y fragmentación galopantes del presente, según un grupo,

ponen en peligro el antiguo impulso organizador de la modernidad”.

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76 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

formas de libertad, como la emoción, el juego y la comunicación. No es eficiente explotar a alguien contra su voluntad. En la explotación ajena, el producto es mínimo. Solo explotación de la libertad genera el mayor rendimiento”

6.

Tomando por base tais considerações, iniciamos a investigação do sentido de dignidade humana dentro desse novo contexto histórico, a partir da noção de Constituição como documento jurídico que estrutura o Estado, a qual estipula sua composição, seu perfil, seu modo de ser e que também sofre os influxos da pós-modernidade e dessa nova ordem mundial para escapar das ideias tradicionalmente concebidas acerca de seu conceito adstrito a noção de soberania, poder ao qual nenhum outro pode se sobrepor, para possibilitar a entrada em contato com a ordem internacional (política, econômica, enfim as relações de poder que se desdobram no conteúdo das relações internacionais).

Podemos argumentar, então, que o Estado-Nação fundado na visão tradicional de soberania, compreendida como manifestação interna de seu poder superior, que lhe conferia o status de última instancia de decisão políticas, a qual nenhuma outra poderá se sobrepor, não tem condições de abarcar a hipercomplexidade existente na realidade social. Um dos efeitos desse processo de ruptura pode ser verificado, especialmente, na ausência de legitimação democrática das decisões políticas, que incapaz de representar adequadamente os múltiplos e verdadeiros anseios da sociedade, perde contato com sentimento publico de justiça, determinando o falimento dos modelos clássicos de representação política e tornando ineficaz a atuação dos governantes que, sem a confiança dos cidadãos, ingressam em uma crise de identidade sem qualquer possibilidade de retorno.

6 A mesma preocupação é revelada por Zygmunt Bauman, ao expor os efeitos do atual

consumismo impulsionado pela modelo de sociedade construído pelo neoliberalismo, que

acaba por definir o conteúdo de suas relações interpessoais, o que, em nossa compreensão, – ressaltamos – prejudica uma efetiva consagração do ideal de dignidade humana: “El nivel de

nuestra actividad consumista y la facilidad con la que adquirimos un objeto de consumo y lo

sustituimos por otro nuevo y mejorado es el principal parametro para medir nuestra posicion social y nuestra puntuacion en la competicion por tener exito en la vida. Buscamos en las

tiendas las soluciones a todos problemas que nos encontramos en el camino, soluciones que

supuestamente nos alejan de las dificultades y nos llevan a la satisfaccion. Desde la cuna hasta la tumba nos educan y nos entrenan para usar tiendas como famarcias llenas de

medicamentos que curan o al menos mitigan todos los males y aflicciones de nuestras vidas y

de nuestras relaciones con los demas” (BAUMAN, 2014, p. 57).

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Diante desse panorama, que revela um nítido falimento das bases que permitiram a construção do Estado-Nação dentro da modernidade, constatamos a necessidade de serem buscadas formulas que, sem perder de vista as conquistas historicamente imprimidas ao conteúdo da dignidade humana, permita um ajuste entre o modelo de organização da sociedade e o poder institucional dentro dos influxos propagados pela globalização, pela interdependência, pelo domínio da economia neoliberal, conceitos que, conforme destacamos anteriormente, se encontram presentes no atual momento histórico determinado pela pós-modernidade.

Afinal de contas, o surgimento e incremento de novos atores políticos e de diferentes fóruns de discussão na esfera internacional, propiciam a diversificação de instancias de decisão que não se submetem a um controle único, homogêneo, retirando do Estado sua antiga e clássica condição de “only international player”, exigindo uma interação e flexibilização de seu poder e rompendo com sua soberania absoluta para preservar sua própria existência como modelo institucional de organização da sociedade.

Assim, deixamos para trás o denominado “Estado Nação” para alcançarmos a noção de “Estado Cooperativo”, ou, como melhor definido por Peter Haberlë, como Estado Constitucional Cooperativo, o qual se encontra aberto ao sistema de decisões políticas tomadas no plano internacional para buscar em seus desdobramentos a solução de problemas comuns que são enfrentados pelo mundo na pós-modernidade, onde verificamos a necessidade de estreitamento das relações de interdependência e solidariedade entre Estados e seus cidadãos em prol da governança global.

Em tal contexto, a comunicação entre ordem internacional e interna torna-se cada vez mais próxima, em que os problemas afrontados domesticamente não pertencem mais a esse ou aquele Estado, mas a uma ordem maior que exige, a partir de diversos pontos de interseção constitucional e consequente compartilhamento de soberania, uma cooperação continua e mutua para resolvê-los, especialmente, em relação à dignidade e solidariedade, como será verificado no próximo item.

Dignidade humana, solidariedade e estado constitucional cooperativo

O Estado Constitucional Cooperativo propõem uma ideia de interdependência pautada não apenas em uma simples coexistência entre Estados, senão uma cooperação efetiva que influencie a esfera de decisões

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políticas soberanas, atingindo o plano constitucional e aproximando ordens nacionais e supranacionais para enfretamento dos desafios que colocam em risco a própria existência de nossa civilização.

De acordo com as ideias de Haberlë, a conformação do Estado Constitucional Cooperativo tem como referencia uma Constituição compreendida como um texto jurídico aberto a seus interpretes, ou seja, que exista um amplo canal de comunicação entre público e privado, entre sociedade e Estado, para que o programa constitucional de bem comum se encontre o mais próximo possível das expectativas reais que se manifestam na consciência coletiva comum, atribuindo-lhe legitimação democrática

7,

confiança e eficácia, invertendo, assim, a caracterização dos elementos que concorrem para crise do modelo de construção clássica do Estado.

E a conclusão desse processo que envolve abertura constitucional à sociedade e, consequente, legitimação democrática das decisões políticas, considerando o fenômeno da globalização e do multiculturalismo, se perfaz com a institucionalização de um Estado Constitucional Cooperativo que se encontre orientado para receber os influxos advindos do âmbito político internacional como forma de gerar um ambiente solidário interestatal e contribuir para a devida governança global.

Em outros termos, constatamos que a abertura constitucional proporcionada pelo Estado Constitucional Cooperativo une comunidade nacional e internacional, através de uma maior relação de interdependência entre ordem interna e internacional; e, como efeito, temos a legitimação democrática que possibilita o real alcance do conjunto de bens necessários à atribuição de vida satisfatoriamente digna aos cidadãos em relação ao Estado e também condições de desenvolvimento dos próprios Estados em relação às exigências da nova ordem mundial.

Nesse sentido, o Estado Constitucional Cooperativo pode ser compreendido como aquele que relaciona dignidade humana e

7 Sobre a questão da legitimação democrática, já tivemos a oportunidade de afirmar que: “la

aproximación entre el poder público y el ciudadano, con apertura constitucional suficiente para permitir la existencia de comunicación entre los distintos niveles de gobierno y

colaboración popular en la formación de acciones políticas, confiere mayor capacidad a la

realización de un proyecto político-constitucional democrático en lo que se refiere a las cuestiones de Estado, lo cual pasa a responder adecuadamente a las ambiciones sociales,

teniendo en cuenta que los actores afectados en el proceso tendrían un importante grado de

participación en su valoración y ejecución” (CONTIPELLI, 2015, p. 16).

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solidariedade, ou seja, que deve ter como centro de suas pautas de decisões políticas soberanas os cidadãos e suas necessidades consideradas em termos globais, seus projetos de existência individual e comum, garantindo-lhe um conjunto mínimo de bens materiais e imateriais independentemente de sua relação de pertencimento com este ou aquele Estado.

Ademais da dignidade atribuída a cada cidadão, nessa rede solidaria internacional de colaboração e altruísmo, não podemos esquecer que o conteúdo das decisões políticas, manifestadas por um Estado Constitucional Cooperativo, também deve observar seus efeitos em relação aos demais Estados, o impacto que a expressão de sua soberania causa em nível global, especialmente, no que se refere ao desenvolvimento conjunto da humanidade e suas questões emergenciais, como o caso da ambiental que exige na atualidade mais do que nunca uma ação conjunta entre as múltiplas esferas de poder existentes

8.

Portanto, pretendemos utilizar os possíveis benefícios advindos do processo de intensificação da globalização, gerando modelos organizacionais que façam uso adequado de seu consequente “encurtamento de distancias” nos múltiplos setores da realidade social (econômico, político, cultural, entre outros), para colocar a interdependência e a solidariedade a favor da diminuição de desigualdades, de distribuição de bem-estar e condições de vida digna em nível mundial.

Importante consignar que a relação entre a solidariedade e o Estado Constitucional Cooperativo tem suas origens históricas com a consolidação dos denominados direitos humanos de terceira geração, que comportam em si a ideia de sobrepassar os limites fronteiriços da soberania estatal, que denota uma fragmentação do ser humano em categorias e classes, para, ao invés disso, compreende-lo como um todo, gênero universal, que possui interesses e necessidades comuns, o que pode ser demonstrado pelos

8 Como forma de ilustrar as ideias expostas, podemos dizer que dignidade, direitos humanos e

desenvolvimento interagem normativamente no plano internacional desde o advento da

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, que ao conceituar desenvolvimento

em seu artigo 1o, estabelece que se trata de “um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento

econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os

direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”.

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respectivos enfoques temáticos desses direitos: paz, desenvolvimento, meio ambiente e demais questões de teor difuso e supranacional.

É claro que com o desenvolvimento dos direitos humanos de terceira geração e uma maior preocupação institucional com sua temática, especialmente, com o advento da pós-modernidade em que a convivência recíproca entre uma multiplicidade de valores conduz a sociedade para uma crescente heterogeneidade sem qualquer possibilidade de retorno, na qual as diversidades dos modos de vida se implicam mutuamente, demonstra a importância da solidariedade neste momento histórico, passando a ser compreendida como elemento fundamental na tentativa de alcance da unidade em sintonia com a diferenciação progressiva de ideais existentes no contexto social para objetivar o conjunto de valores essenciais da pessoa humana.

Desta feita, a ordem internacional cooperativa cria mecanismos e ideias para gerenciar a questão da dignidade e da solidariedade, estabelecendo mecanismos de esforços conjuntos em escala mundial para superação de problemas comuns e desenvolvimento conjunto da humanidade. Em tal sequencia de ideias, merece especial atenção o Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD), que entre importantes tarefas que desempenha visando especialmente à eliminação da pobreza, situação essencial para possibilitar a efetiva consagração de dignidade humana, produz os Relatórios sobre Desenvolvimento Humano (RDH) que fomenta, através de estudos com a participação de especialistas renomados, a discussão de ideias e questões recentes orientadas para melhoria das condições de vida e o desenvolvimento sustentável em nível mundial9.

9 Podemos citar como exemplo das preocupações constantes nos Relatórios sobre

Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, o referente ao ano de 2001, que, ao enfrentar a temática sobre Novas Tecnologias e Desenvolvimento, acaba por revelar a própria ideia de

mínimo existencial: “las capacidades esenciales para el desarrollo humano son vivir una vida

larga y sana, tener conocimientos, tener acceso a los recursos necesarios para alcanzar un nivel de vida decoroso y poder participar en la vida de la comunidad. Sin ellas sencillamente

no se dispone de muchas opciones ni se llega a tener acceso a muchas oportunidades que

brinda la vida. Esta manera de percibir el desarrollo, la cual suele olvidarse frente a la preocupación inmediata por acumular bienes y riqueza financiera, no es nueva. Desde hace

mucho tiempo, filósofos, economistas y dirigentes políticos han venido haciendo hincapié en

que el bienestar humano es el objetivo, o el fin, del desarrollo”.

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Outra relevante função prestada pelo PNUD em pro do estabelecimento de uma governança global fundada na dignidade humana é a instituição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que permite a verificação da qualidade de vida dentro dos Estados membros das Nações Unidas, mensurados pela saúde, retrata na expectativa de vida; a educação, com acesso ao conhecimento, e a renda, tomando em consideração o padrão de vida dos cidadãos. Em realidade, o IDH trata-se de um mecanismo que busca ser uma alternativa aos métodos tradicionais que somente vislumbram o desenvolvimento de um país desde sua dimensão de crescimento econômico, como o Produto Interno Bruto (PIB) per capita

10.

Não podemos deixar de retratar, entre as funções do PNUD, os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)

11, que, determinados no

ano 2000, demonstram novamente um esforço conjunto para definir os compromissos em diversos setores estratégicos como meio ambiente, desenvolvimento social, igualdade de gênero e racial, entre outros, os quais devem ser cumpridos pelos países membros das Nações Unidas para propiciar um futuro melhor para humanidade.

Convém esclarecer que a Nações Unidas estabeleceu os ODM com uma agenda definida até o ano de 2015, quando se abriu a oportunidade para definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente, para enfrentar questões relativas ao meio ambiente e às

10

Interessante verificar o próprio conceito de desenvolvimento humano apresentada pelo PNDU (http://www.pnud.org) envolve a ampliação das escolhas das pessoas, a fim de que

tenham capacidade e oportunidades para desenvolver seus projetos de existência (“serem aquilo que desejam ser”), revelando uma perspectiva diversa daquela que envolve crescimento

econômico, que vislumbra o bem-estar social desde a geração de recursos e renda, o que vai

de encontro com as ideias anteriormente expostas em nosso presente estudo. Nesse sentido, o PNUD salienta que a renda é considerada importante para o desenvolvimento, mas não como

um fim e sim como um de seus meios. Desta feita, a verificação da melhoria na qualidade de

vida dos cidadãos de um determinada nação deve orientar-se não apenas pela economia, senão por outras características sociais, culturais e politicas, as quais servem de base para

aferição do IDH e do RDH. 11 De acordo com a Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000), os Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio são: 1 – Erradicar a Extrema Pobreza e a Fome; 2 – Atingir o

Ensino Básico Universal; 3 – Promover a Igualdade de Gênero e a Autonomia das Mulheres; 4 – Reduzir a Mortalidade Infantil; 5 – Melhorar a Saúde Materna; 6 – Combater o HIV/AIDS, a

Malária e outras Doenças; 7 – Garantir a Sustentabilidade Ambiental; 8 – Estabelecer uma

Parceria Mundial para o Desenvolvimento.

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mudanças climáticas, sendo aprovado o documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável”.

Assim, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)12, baseados nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecem uma agenda com novos desafios até 2030, os quais exigem uma parceria global em todos os setores da sociedade (público e privado) para sua implementação com a intenção de definir um caminho sustentável para nosso planeta.

A partir de uma breve descrição das atividades desempenhadas pelo PNUD, constatamos que existem opções para o desenvolvimento de uma governança global pautada no valor pessoa humana, ou seja, que busca uma solidariedade internacional destinada a solucionar os problemas enfrentados atualmente pela humanidade, respeitando a dignidade dos cidadãos e de seus territórios, assim como propondo uma efetiva cooperação entre países para alcance de objetivos relacionados com a paz, liberdade, erradicação da pobreza, entre outros que tendam a atingir as verdadeiras mazelas de nossa civilização e atribuir sustentabilidade econômica, social e, principalmente, ambiental para a presente geração e

12

Conforme a Declaração das Nações Unidas, os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável são: 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2. Acabar com a

fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura

sustentável; 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 4. Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover

oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; 5. Alcançar a igualdade de

gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável,

moderno e a preço acessível à energia para todos; 8. Promover o crescimento econômico

sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e

fomentar a inovação; 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; 11. Tornar as

cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; 13. Tomar medidas urgentes para

combater a mudança climática e seus impactos; 14. Conservação e uso sustentável dos

oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma

sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e

deter a perda de biodiversidade; 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir

instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; 17. Fortalecer os meios de

implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 83

às futuras, o que deve passar necessariamente pela abertura proposto pelo Estado Constitucional Cooperativo.

Agora se tomamos um plano de discussão teórica sobre a solidariedade e cooperação no plano internacional, especialmente, no que diz respeito ao debate sobre o modelo econômico atual, devemos considerar as ideias de Thomas Piketty, relatadas em seu festejado livro O Capital no Século XXI, que propõem um controle e melhor distribuição da riqueza através da criação de um imposto mundial e progressivo sobre o capital, como forma de promover uma sociedade mais justa em termos sociais e permitir uma redução das desigualdades e erradicação da pobreza.

A dinâmica proposta para conformação de um modelo econômico com justiça social, segundo o autor, tem como funções básicas e primordiais a atuação positiva estatal em relação a setores estratégicos como saúde, educação e seguridade social dos cidadãos: “la redistribución moderna no consiste en transferir las riquezas de los ricos a los pobres, o por lo menos no de manera tan explícita; reside en financiar servicios públicos e ingresos de reposición más o menos iguales para todos en el ámbito de la educación, la salud y las jubilaciones. En ese último caso, el principio de igualdad se expresa mediante una casi proporcionalidad al salario obtenido durante toda la vida activa. En lo tocante a la educación y la salud, se trata de una verdadera igualdad de acceso para cada individuo, sin importar sus ingresos o los de sus padres, por menos así asumida como principio general. La redistribución moderna se edifica en torno a una lógica de derechos y a un principio de igualdad de acceso a cierto número de bienes considerados fundamentales” (PIKETTY, 2014, p. 528s).

A nosso ver, as ideia propostas por Piketty, ademais de ter sintonia com os objetivos traçados pelo PNUD, poderiam servir perfeitamente de referencia para institucionalização do Estado Constitucional Cooperativo que pretendemos idealizar nesse estudo, isto é, orientado pelo valor pessoa humana e pela solidariedade internacional entre Nações e cidadãos em pro da justiça social em escala global. E observar a justiça social significa não apenas construir nossas políticas econômicas fundadas no falso dogma da perseguição do crescimento, a elevação do PIB, o superávit da balança comercial, devemos colocar a dignidade como centro, buscando a tutela do interesse humano e seu bem viver, sua relação com a natureza e a partir dai decidir politicamente quais os caminhos a serem seguidos, propiciando sim uma distribuição adequada de riquezas e erradicação da pobreza,

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problemas crônicos que historicamente afligem a humanidade e que precisam definitivamente ser enfrentado por nossos governantes.

Formula de integração ideológica e estado constitucional cooperativo

Em todo o arcabouço que envolve a construção do Estado Constitucional Cooperativo, que revelamos no item anterior, o fenômeno jurídico deve atuar para buscar elementos que, a partir de seu Texto Constitucional, fundamentem a abertura à ordem política internacional, sobretudo, diante de temas que carecem de atenção especial em nosso pretendido modelo institucional.

Utilizamos, então, a Constituição vigente como instrumento direcionado à governança global cooperativa, ao estabelecimento de conteúdos hermenêuticos que permitam o compartilhamento de nossa soberania em pro dos verdadeiros desafios que devem ser enfrentados pela humanidade na difícil tarefa de sustentabilidade de nossa sociedade, o que passa necessariamente por nossa dignidade e a construção de um novo sistema de valores que possibilite o surgimento de uma consciência ética solidaria.

Desta feita, partimos da existência de um núcleo axiológico presente no Texto Constitucional fundada na pessoa humana, o qual já discorremos linhas atrás, que permite a orientação de nossas atividades interpretativas para constatar a presença de uma formula que denominamos formula de integração ideológica, possibilitando a construção de uma sistema de pensamento direcionado ao ajuste entre os subsistemas temático-normativos que devem sofrer um giro semântico para permitir a criação de um ambiente solidário interestatal em favor do necessário e urgente desenvolvimento sustentável referido ao valor pessoa humana, que envolve concepções pertinentes ao sistema social, econômico e ambiental.

O alcance da fórmula de integração ideológica de determinada civilização permite a verificação de seu respectivo modelo de Estado, abarcando a estrutura de sua personalidade jurídica correlacionada com as concepções axiológicas descritas no seu complexo normativo constituinte, que condicionam o âmbito de validade do processo de produção de normas jurídicas e de significação deôntica de seus respectivos modelos, os quais passam a ser construídos em harmonia com tais valores, para atuar no direcionamento das relações sociais, voltando-as ao atendimento do

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projeto de respeito à coexistência de liberdades individuais e realização do bem comum13. Logicamente, tal formula trata-se de uma construção hermenêutica, o que possibilita sua flexibilização para atender as transformações ocorrentes na realidade concreta e ajustar a manifestação do poder político à realidade social, ao sentimento publico de justiça que contemporaneamente busca uma atuação cooperativa supranacional.

Assim, a fórmula de integração ideológica do modelo estatal encontra-se, juridicamente, situada no complexo normativo constitucional, no qual se obtém a visualização de sua estruturação formal e material, ou seja, ordenação dos valores que preenchem as finalidades para as quais a manifestação do poder está voltada, que, nas exigências da nova ordem mundial, devem guardar referencia com os ditames axiológicos da solidariedade, sem menosprezar os demais valores diretamente ligados ao valor fonte da pessoa humana, abrindo essa manifestação de poder soberana aos influxos do plano político internacional.

E ao nos debruçarmos sob a ordem constitucional interna brasileira, para revelar os fundamentos jurídicos para institucionalização de um Estado Constitucional Cooperativo, para tanto, iniciamos a construção de nossa formula de integração ideológica com a disposição contida no inciso III do artigo 1o que consagra a dignidade da pessoa humana como um dos pilares estruturantes de nossa sociedade, seguidamente, constatamos o inciso I do artigo 3o que situa entre os objetivos da Republica Federativa a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria, para, ao final, retratarmos o inciso IX do artigo 4o que determina a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como principio orientador de nossas relações internacionais.

A partir do momento em que identificamos dignidade, solidariedade e cooperação entre o conjunto de valores fundamentais do Texto Constitucional, diretamente vinculado à pessoa humana, devemos buscar o seu encaixe dentro da perspectiva interpretativa constitucional em sintonia

13

Pablo Lucas Verdú (2010, p. 36) conceitua a fórmula política expressa pelo complexo

normativo constitucional como sendo “uma expressão ideológica, fundada em valores, normativa e institucionalmente organizada, que descansa em uma estrutura sócio-

econômica”. E seguindo estes ensinamentos Willis Santiago Guerra Filho (2005, p. 17) pondera

que: “Enquanto manifestação de uma opção básica por determinados valores, característicos de uma ideologia, a fórmula política inserida na Constituição se apresenta como um

programa de ação a ser partilhado por todo integrante da comunidade política, e por isso,

responsável a um só tempo pela sua mobilidade e estabilidade”.

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com as exigências da realidade social, que hoje sujeita ordem mundial que se apresenta em uma modernidade liquida, hipercomplexa e heterogênea dominada pelos meios de produção e interesses corporativos, consequência de um modelo econômico que converte a pessoa humana em “sujeito do rendimento”.

Por derradeiro, ressaltamos que podemos considerar na atualidade a cooperação internacional como uma de nossas matrizes normativas constitucionais, compondo assim um dos polos gravitacionais da formula de integração ideológica presente na Constituição brasileira e que deve relacionar-se especialmente com a temática da dignidade humana e solidariedade em favor de uma justiça social que atue no plano socioeconômico, principalmente, a para possibilitar a necessária abertura para construção do Estado Constitucional Cooperativo.

Conclusão

A caracterização na Constituição de elementos concernentes aos modelos de Estado Constitucional Cooperativo, a partir da construção da formula de integração ideológica, estabelece mecanismos de abertura que possibilitam um dialogo entre ordem interna e internacional, com acertado enfoque nos temas de direitos humanos, o que, por consequência, reforçam argumentos em pró da confirmação da dignidade, solidariedade e cooperação internacional como componentes axiológicos estruturantes do Texto Constitucional vigente, o que leva a preocupação de não apenas fundamentar tais conteúdos, mas especialmente, de aprimorar suas proteções normativas em sintonia com as exigências de um mundo cada vez mais interdependente e globalizado.

Assim, o Estado Constitucional Cooperativo atua em um regime de cooperação com forças externas, tais como outros Estados, comunidades de Estados e organizações internacionais, adaptando seu modelo estrutural interno, especialmente descrito no plano normativo constitucional, com os de direito internacional e comunitário, sem perder seus traços característicos, permitindo simultaneamente ação global e responsabilidade individual, para enfrentar o desafio de consagrar formas de colaboração em nível mundial.

Desse modo, constatamos que, ante a atual ordem mundial, o alcance dos objetivos determinantes para consagração dos valores vinculados a pessoa humana não podem estar restritos a interesses nacionais, contidos dentro da esfera isolada de soberania de cada nação,

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mas sim vinculados ao plano supranacional, que permite um compartilhamento do poder estatal visando a proteção dos direitos dos cidadãos e orientação de nosso sistema social e econômico a um desenvolvimento verdadeiramente humanístico e solidário.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. ¿La Riqueza de Unos Pocos nos Beneficia a Todos?. Barcelona: Paidós, 2014.

CONTIPELLI, Ernani. Asimetrías en el Federalismo Fiscal y Solidaridad. Granada: Comares, 2015.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: RCS Editora, 2005.

HABERLË, Peter. El Estado Constitucional. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM, 2003.

HABERLË, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica. Barcelona: Herder Editorial, 2014.

LUCAS VERDU, Pablo. Curso de Derecho Político. Madrid: Tecnos, 2010.

LYON, David. Postmodernidad. Madrid: Alianza Editorial, 2009.

PIKETTY, Thomas. El Capital en el Siglo XXI. México: Fondo de Cultura Económica, 2014.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.

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ESTADO DE DIREITO E CULTURA PATRIMONIALISTA: O DESAFIO DA AFIRMAÇÃO DA DIMENSÃO REPUBLICANA DO ESTADO

NA AMÉRICA LATINA

Gilmar Antonio Bedin*

Estado de direito: tema complexo

Dispor-se a caracterizar e a conceituar Estado de Direito na atualidade não é uma iniciativa que, aparentemente, possui maiores dificuldades. Com efeito, já há muito tempo a abordagem do tema perpassa a formação dos juristas, faz parte da agenda e do debate político das chamadas democracias contemporâneas e se constitui em uma expressão facilmente encontrada no dia a dia da maioria dos cidadãos que acompanha o debate sobre os principais temas da atualidade1.

Essa aparente facilidade na caracterização e conceituação de Estado de Direito não se confirma, contudo, quando se aprofunda a análise do tema. Na verdade, a expressão Estado de Direito possui, além de seu conteúdo jurídico-institucional específico, uma carga retórico-ideológica muito forte. Devido a esse duplo sentido, a caracterização e a conceituação de Estado de Direito torna-se bastante complexa, sendo necessário sempre precisar em que sentido a expressão está sendo empregada.

Neste trabalho restringir-se-á, tanto quanto possível, à caracterização do Estado de Direito, não do ângulo retórico-político militante, mas do ponto de vista predominantemente analítico, ou seja, em

* Professor Permanente do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional

do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ) e professor colaborador do curso de Mestrado em Direito da Universidade Regional Integrada do alto Uruguai e das Missões (URI). É

autor, entre outras obras, de A Idade Média e o nascimento do Estado Moderno, Os Direitos do

Homem e o Neoliberalismo e de A Sociedade Internacional e o Século XXI. 1 Este tema entrou para a agenda política de maneira mais acentuada, no Brasil, a partir da

Constituição de 1988.

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seu sentido jurídico-institucional específico2. Feito este esclarecimento, é importante explicitar, desde já, que a afirmação do Estado de Direito pressupõe uma clara distinção entre direito e poder e uma subordinação do poder ao direito. Por isso, é possível afirmar que a institucionalização do Estado de Direito tem por fim produzir, de forma geral, a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos, a submissão do poder ao império do direito e o reconhecimento de direitos e garantias fundamentais, que são, em última análise, a materialização de uma ideia de justiça presente na Constituição do Estado.

Em consequência desta afirmação, é possível perceber que o Estado de Direito: a) não é um Estado que decreta leis arbitrárias, cruéis e desumanas; b) não é um Estado em que o direito se identifica com as razões de Estado, impostas e estabelecidas pelos detentores do poder; e c) não é um Estado pautado por radical injustiça na formulação e aplicação do direito e por acentuada desigualdade nas relações da vida material (CANOTILHO, 1999a, 1999b). Não se constituindo nenhuma destas formas de Estado, é importante reconhecer que o Estado de Direito é um modo singular de configuração do Estado moderno. Esta singularidade é demonstrada ou garantida por dez dimensões ou características essenciais.

Estado de direito: dimensões essenciais e conceito

A primeira dimensão essencial do Estado de Direito é que ele é um Estado subordinado ao império do direito. Isso significa, concretamente, que: a) o Estado está sujeito ao direito, em especial a uma Constituição (por isso é possível definir a Constituição como o estatuto jurídico do político e o direito constitucional como um direito do político, para o político e sobre o político); b) o Estado atua por meio do direito; e c) o Estado está sujeito a uma ideia de justiça (CANOTILHO, 1999a, 1999b).

Asseverar que o Estado está sujeito ao direito significa que o poder político não é um poder livre, desvinculado, transcendente a toda e qualquer legislação. Ao contrário, quer dizer que o direito conforma o poder, organiza-o e o sujeita a um conjunto de regras e princípios jurídicos. Em outras palavras, quer dizer que

2 A análise dos aspectos fundamentais que constituem o Estado de Direito é feita a partir da

obra de José Joaquim Gomes Canotilho (1999a, 1999b).

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90 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

(...) o direito curva o poder, colocando-o sob o império do direito. Sob o ponto de vista prático, isso quer dizer que o Estado, os poderes locais e regionais, os órgãos, funcionários ou agentes dos poderes públicos devem observar, respeitar e cumprir as normas jurídicas em vigor, tal como o devem fazer os particulares. (CANOTILHO, 1999b, p. 49)

Desta forma, afirmar que o Estado atua ou age por intermédio do direito significa dizer que o exercício do poder só se pode efetivar por meio de instrumentos jurídicos institucionalizados pelo Estado de Direito e pela ordem jurídica em vigor. Neste sentido, é importante observar que “não é qualquer órgão, qualquer titular, qualquer funcionário ou qualquer agente da autoridade que, no uso dos poderes públicos, pode praticar atos, cumprir tarefas, realizar fins, [somente aquele autorizado pela ordem jurídica]” (CANOTILHO, 1999b, p. 50).

Concluir que o Estado está sujeito a uma ideia de justiça significa afirmar que o Estado de Direito está subordinado a pressupostos axiológicos reconhecidos por uma Constituição. Isso impede que o Estado empregue abusivamente o direito, seja para criar normas jurídicas ou para revisar ou emendar a própria Constituição. Havendo este abuso, as leis ou normas constitucionais aprovadas não terão qualquer validade. Por isso, o povo, como lembra Gustav Radbruch (1997), não lhes deve obediência e os juristas deverão ser os primeiros a recusar-lhe o caráter de normas jurídicas.

Dito de outra forma, o aspecto de legalidade das normas jurídicas (aspecto formal) deve estar sempre referido ao de legitimidade (aspecto material, de justiça) no processo de produção legislativa. Sem essa dimensão de legitimidade as normas não constituem direito em sentido técnico específico, configurando muito mais o uso da força (simbólica ou material) dos grupos detentores do poder do que propriamente a materialização da consciência jurídica de uma sociedade num determinado momento histórico, em sua manifestação mais plena de normatividade jurídica.

A segunda dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado de direitos fundamentais, isto é, um Estado que reconhece e, como regra, constitucionaliza um conjunto de direitos, que faz parte de um dos princípios estruturantes de conformação institucional dos países que o adotam. Este fato transforma os direitos fundamentais em uma das dimensões mais importantes do Estado de Direito e uma referência de legitimidade essencial da respectiva ordem jurídica.

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Nas palavras de Jose Joaquim Gomes Canotilho (1999b, p. 56), dizer que o Estado de Direito é um Estado

(...) de direitos significa, desde logo, que eles regressam ao estatuto de dimensão essencial da comunidade política. Não admira, por isso, a sua constitucionalização. Estarem os direitos na constituição significa, antes de tudo, que se beneficiam de uma tal dimensão de fundamentalidade para a vida comunitária que não podem deixar de ficar consagrados, na sua globalidade, na lei das leis, ou lei suprema (a Constituição). Significa, em segundo lugar, que, valendo como direito constitucional superior, os direitos e liberdades obrigam o legislador a respeitá-los e a observar o seu núcleo essencial, sob pena de nulidade das próprias leis. (CANOTILHO, 1999b, p. 56)

A terceira dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado que observa o princípio da razoabilidade, ou seja, “é um Estado de justa medida porque se estrutura em torno do princípio material vulgarmente chamado de princípio da proibição de excesso” (CANOTILHO, 1999b, p. 59). Este princípio tem o objetivo de acentuar a importância das garantias individuais e da proteção dos direitos adquiridos contra medidas excessivamente agressivas, restritivas e coativas dos poderes públicos na esfera jurídico-pessoal e jurídico-patrimonial dos indivíduos. É, portanto, em poucas palavras, mais uma garantia de direito dos cidadãos.

A quarta dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado que estabelece o princípio da legalidade da administração pública em todas as suas esferas de atuação, isto é, um Estado que estabelece a ideia de subordinação à lei dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado. Daí, então, a existência da expressão os funcionários públicos devem observar e executar a lei, não legislar. Em consequência, toda a administração pública está proibida de qualquer atividade livre e desvinculada da legislação regulamentadora geral e específica.

Dessa forma, é possível afirmar que o poder da administração vem da lei e que não há exercício

(...) legítimo do poder público sem fundamento na lei. A refração desta idéia no que respeita à administração do Estado e dos poderes regionais e locais substancia-se vulgarmente no princípio da legalidade da administração. Em termos meramente aproximativos, diz-se que toda a administração deve obedecer à lei, proibindo-se qualquer atividade “livre” ou juridicamente desvinculada. Conseqüentemente, quaisquer atividades administrativas contra a lei violam o princípio da legalidade inerente a qualquer Estado de direito. (CANOTILHO, 1999b, p. 65)

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92 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

A quinta dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado que responde pelos seus atos, ou seja, é um Estado que é civilmente responsável pelos danos que provoca e que atingem a esfera jurídica dos particulares. Nestes casos não se exige sequer prova da culpa do Estado: a responsabilidade do Estado é, modernamente, objetiva. Isso, obviamente, não retira do Estado o direito de buscar apurar a culpa do funcionário que agiu em seu nome, principalmente com o objetivo de ser ressarcido dos prejuízos econômicos causados pelo fato.

A sexta dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado que garante a via judiciária, ou seja, o acesso ao poder judiciário no caso de ameaça ou de lesão de direitos do cidadão. Esse princípio é complementado, entre outros pressupostos, pela garantia de um juízo regular e independente, pela observância do princípio do contraditório e da ampla defesa, pela institucionalização do direito de escolher um defensor e pelo reconhecimento de o cidadão ter a assistência obrigatória de um advogado quando processado pelo próprio Estado.

A sétima dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado de segurança e de confiança das pessoas, isto é, um Estado de certeza da aplicação da lei, de clareza e racionalidade do trabalho legislativo e de transparência no exercício do poder. Por isso, é um Estado que busca estabelecer uma vida para os cidadãos que seja segura, previsível e calculável. Daí, portanto, a ideia de direito adquirido, de coisa julgada e de irretroatividade da lei prejudicial, da lei mais severa. Ideias, como se pode ver, que têm o objetivo de dar segurança e confiança às pessoas. Diante disso, a

(...) experiência comum revela que as pessoas exigem fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência aos atos dos poderes públicos, de forma a poderem orientar a sua vida de forma segura, previsível e calculável. Das regras da experiência derivou-se um princípio geral da segurança jurídica cujo conteúdo é aproximadamente este: as pessoas – os indivíduos e as pessoas coletivas – têm o direito de poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas ou em atos jurídicos editados pelas autoridades com base nessas normas, se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. (CANOTILHO, 1999b, p. 73-74)

A oitava dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado estruturado a partir da divisão de poderes, isto é, do fracionamento do

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 93

poder do Estado e da independência de seus três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário (divisão horizontal do poder). Além disso, é também, como regra, um Estado estruturado institucionalmente de forma descentralizada (divisão vertical do poder), mesmo quando se configura como um Estado unitário.

A nona dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado de liberdade e de igualdade, ou seja, é um Estado que, por um lado, respeita e incentiva os processos de autonomia dos cidadãos, seja em sua esfera privada ou na pública, e, por outro, é um Estado que pressupõe um status legal e material razoavelmente isonômico, de igualdade dos pontos de partida (por isso, o Estado de Direito é, em consequência, também um estado social ou de bem-estar social). Nesse sentido, é difícil, no caso de sociedades muito desiguais, a observância do Estado de Direito.

A décima dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado democrático e republicano, ou seja, é um Estado alicerçado na soberania popular e na defesa e no cuidado com o bem público, com a coisa pública. Em consequência, o poder, no Estado de Direito, sempre está alicerçado no povo (na soberania popular) e deve ser exercido de forma a dar preferência à proteção dos bens coletivos, fundamentais para a construção de uma sociedade democrática e republicana.

Assim, esta décima dimensão essencial afirma que o Estado de Direito se diferencia do Estado monárquico3. De fato, o Estado monárquico tem como referência central a ideia de que o poder é hereditário e que os bens do Estado são patrimônio do rei (ou da coroa). Desta forma, o Estado monárquico não se alicerça na soberania da nação, e sim na tradição de uma família real. Isto significa que os ocupantes do poder não são eleitos e que o poder é exercido de forma vitalícia. Além disso, há, neste Estado, fórum especial para os membros da família real e seus sucessores.

Ao contrário, Estado de Direito é baseado no patrimônio público e na alternância do exercício do poder. Isto significa que o patrimônio do Estado é coletivo e que todos os mandatos eletivos são por prazo determinado. Além disso, no Estado de Direito todos são iguais perante a lei e não há, como regra, fórum privilegiado. Por isso, não pode haver distinções de status entre as pessoas. Em poucas palavras, pode-se dizer

3 Na atualidade, alguns Estados monárquicos adotam formas de organização que se

aproximam do Estado de Direito.

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94 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

que o Estado de Direito é uma estrutura estatal na qual o patrimônio do Estado é público e que os poderes do governo derivam, direta e indiretamente, do povo.

Dessa forma, em síntese, pode-se conceituar Estado de Direito como um Estado subordinado ao direito, que defende os direitos fundamentais e a segurança de seus cidadãos e que tem por base o princípio da razoabilidade, da responsabilidade por seus atos e do respeito pela via judicial. Além disso, estrutura-se a partir da divisão dos poderes e da descentralização de suas atividades, sendo a sua administração orientada pelo princípio da legalidade e voltada à supremacia dos princípios da liberdade e da igualdade, sem nunca afastar o fundamento popular do poder e a defesa do bem público.

Presentes todas estas dimensões, estar-se-á diante da realização perfeita do Estado de Direito, isto é, aquela forma de sociedade que, atualmente, se chama de democracia contemporânea ou de welfare state. Institucionalizar esta forma de Estado moderno é, sem dúvida, uma extraordinária conquista política e uma referência fundamental para uma sociabilidade humana mais avançada, sem esquecer que ela se constitui em uma das condições indispensáveis para o reconhecimento e para o respeito institucional da cidadania e da dignidade humana.

A adoção do estado de direito pelos países latino-americanos

Caracterizado e conceituado o Estado de Direito em seu sentido específico, deve-se indagar se esta extraordinária construção política foi acolhida pela estrutura jurídico-institucional dos países latino-americanos. A resposta é, sem dúvida, positiva. A grande maioria dos Estados referidos, após um longo ciclo de ditaduras militares, fez esta opção e está tentando consolidar esta forma específica de Estado (com o reconhecimento de muitos direitos).

Neste sentido, é importante destacar que a maioria dos países da América Latina atualizou suas constituições e suas legislações ordinárias. Além disso, a maioria destes países é signatária dos principais tratados internacionais de direitos humanos e integram estruturas políticas, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA), que defendem os valores democráticos e a busca de solução pacífica dos conflitos. Além disso, a região constituiu um razoável sistema de defesa dos direitos humanos para além das fronteiras nacionais (o Sistema Interamericano de Direitos Humanos).

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Os desafios do estado de direito na América Latina na atualidade

Os desafios enfrentados na atualidade pelo Estado de Direito são em grande número e não se restringem apenas aos países da América Latina que adotam esta estrutura política. Ao contrário, há desafios para o Estado Democrático de Direito em praticamente todas as regiões do planeta, mesmo para os países europeus de maior tradição democrática. Isto é evidente, por exemplo, na atualidade, com a adoção de políticas econômicas restritivas de direitos em vários países europeus (em especial, na Espanha e na Grécia).

Na América Latina, os desafios do Estado de Direito estão relacionados a outros problemas (já que a região vive um bom momento econômico). Estes problemas são os seguintes: a) a permanência das desigualdades sociais; b) os vergonhosos níveis de exclusão social; c) permanência de uma forte cultura patrimonialista. O presente texto concentra-se neste último problema: o desafio da presença da cultura patrimonialista4 e suas consequências. A principal é o déficit de república que esta cultura produz. Este déficit pode ser constatado diariamente nos meios de comunicação5.

Mas, como entender este déficit? Talvez a única forma seja olhando para o nosso passado: o nosso passado ibérico. A origem desta cultura está, de fato, vinculada ao legado colonial de Portugal e Espanha e possui, portanto, uma longa trajetória (BOMFIM, 1993). Neste sentido, é importante lembrar que a formação dos Estados na região foi realizada de uma forma muito específica: a formação ocorreu sob a influência da cultura que o patrimônio público é uma extensão da casa do rei, ou seja, que o patrimônio público é uma extensão da casa daqueles que detém o poder (FAORO, 2001).

4 Fato que vem, normalmente, acompanhado dos fenômenos do centralismo estatal, do

clientelismo político em grande escala, do caudilhismo e do personalismo no exercício do

poder e do analfabetismo de parte significativa da população. O termo é empregado para

caracterizar uma forma específica de dominação política, em que a administração pública está a serviço de seus agentes ou de pessoas a eles relacionadas. Um dos primeiros autores a

utilizá-lo foi Max Weber (FAORO, 2001). A cultura patrimonialista nega a dimensão

republicana do Estado de Direito. 5 Em especial no que se refere à existência de corrupção em diversos setores estatais

(semanticamente denominados, atualmente, de malfeitos).

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Este pressuposto permitiu que os bens públicos fossem tratados pelos diversos grupos políticos dominantes como se fossem seus e, como tais, pudessem estar a serviço dos interesses particulares. Desta forma, tornou-se comum o apadrinhamento político e a troca de favores no exercício dos cargos públicos nos diversos níveis de governo da maioria dos países latino-americanos.

Assim, ao contrário de uma burocracia estável e impessoal, os países da região convivem até o momento atual com práticas de gestão públicas personalistas e voltadas aos interesses privados. Neste sentido, os países da região estão extremamente atrasados no processo de separação entre a esfera pública estatal, a esfera dos interesses privados e na adoção da valorização da meritocracia na área estatal, típica dos países mais avançados da Europa há muitos anos.

Neste sentido, é possível verificar nos países da América Latina que o sucesso de um empreendimento ou a ascensão social de uma pessoa depende, muitas vezes, menos de sua capacidade individual e mais do uso privado de um cargo público com poder e visibilidade. Este fato induz à formação de um verdadeiro encastelamento dos interesses privados na estrutura do Estado e gera uma máquina pública deficiente e voltada à proteção dos diversos grupos de interesse.

Neste contexto, os cargos públicos ganham enorme relevância e são

disputados pelos diversos grupos6. Por isso, os partidos políticos são constantemente monitorados por estes grupos e, na medida em que se tornam

eleitoralmente competitivos, recebem farta contribuição financeira para suas

campanhas. O objetivo é sempre o mesmo: gerar capital político para usufruir

futuramente dos benefícios do Estado e participar do processo estratégico de

tomadas de decisão.

Este é o melhor caminho para saber quais áreas serão priorizadas e em quais setores haverá investimentos. O importante é estar sempre de

6 Neste sentido, argumenta Mateus de Oliveira Fornasier (2010, p. 41) que

“o cargo público confere autoridade, nobreza, fidalguia ao seu detentor – no século XVI a investidura em cargo público tinha como pré-requisito a procedência aristocrática (sangue) do seu detentor. Mas, com o tempo, a venda de cargos se torna prática corriqueira, e por esta via o burguês se integra, sem protesto, ao estamento”. Atualmente, também grupos sociais denominados progressistas aderiram a esta prática.

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bem com os ocupantes da “Corte” de plantão e com os grupos estamentais incrustados na estrutura do Estado (em sua burocracia). A boa relação com os grupos estamentais é fundamental, pois os seus membros estão sempre dispostos a facilitar, em troca de algum pequeno favor, a vida daqueles que possuem poder político, prestígio junto ao governo ou recursos financeiros suficientes para o dispêndio com pequenos agrados.

Neste contexto, o patrimonialismo pode assumir, segundo Bernardo Sorj (2001), uma das seguintes formas:

a) O patrimonialismo dos políticos, sob a forma de utilização dos cargos eletivos para usufruto de vantagens econômicas, concessão de favores e vantagens ao setor privado, manipulação dos recursos orçamentários, nepotismo, legislação em causa própria, etc.

b) O patrimonialismo do funcionário público, sob a forma de uso das funções públicas de fiscalização, repressão e regulamentação para a obtenção de vantagens, como propinas e comissões.

c) O patrimonialismo privado, sob a forma de apropriação de recursos públicos pelos agentes privados, mediante licitações viciadas, créditos subsidiados, indenizações desproporcionais, etc.

d) O patrimonialismo fiscal, repressivo e jurídico, sob a forma de manipulação do sistema policial, fiscal e judiciário, por meio de mecanismos ilegais, para assegurar a impunidade e a obstrução da justiça.

e) O patrimonialismo negativo, sob a forma do uso do poder político para prejudicar ou discriminar pessoas ou grupos sociais específicos e que estão em busca de ampliação de seus espaços de direitos e de poder.

Diante da presença desta cultura, é evidente que os países latino-americanos terão ainda que fazer muitos esforços para tornar plenamente efetivo o princípio republicano do Estado de Direito presente nas suas Constituições. De fato, os países da América Latina, apesar dos eventuais surtos modernizantes, ainda convivem claramente com formas tradicionais de exercício do poder e com uma intensa confusão entre a esfera pública e os interesses privados dos grupos dominantes.

Isso demonstra que o processo de modernidade da região não se realizou ainda plenamente e que é necessário superar este vício de origem presente na cultura dos diversos países da região. Para tanto, é fundamental a problematização do tema e a construção de fortes práticas republicanas, capazes de romper com a tradição ibérica e com as relações

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arcaicas do exercício do poder. Com isso, será possível a publicização do Estado e a realização qualificada da República.

Considerações finais

Desta forma, é possível perceber que o grande desafio do Estado de Direito na América Latina é superar a cultura patrimonialista e, em consequência, o déficit de república que esta cultura produz. Por isso, para finalizar este texto, é importante perguntar: Devemos desanimar diante deste cenário, afastando a esperança de construir uma sociedade voltada para a defesa da proteção dos bens públicos? A única resposta possível é, obviamente, que não devemos desistir, pois, se é verdade que a América Latina tem de avançar muito nesta caminhada, é também verdade que já foram feitos muitos progressos nas últimas décadas (no Brasil principalmente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da estabilidade política que ela proporcionou).

Neste sentido, é importante ter clareza, como afirma Celso Lafer (1994) lembrando Alexis de Tocqueville, que todos os que querem um mundo melhor e um Estado republicano na América Latina devem velar (que tem o sentido de cuidar) e combater. Por isso, se os brasileiros (e latino-americanos) quiserem construir uma sociedade verdadeiramente democrática terão de afirmar ética e politicamente este projeto. Isso, contudo, exige redução da pobreza, das desigualdades, do analfabetismo, e a constituição de uma cultura de preservação dos bens públicos (da res publica). Este é o grande desafio do Estado de Direito na América Latina na atualidade e em seu futuro próximo.

Referências

BOMFIM, Manoel. América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.

CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas. Tradução de Heloísa Pezza Cintrão. 2. ed. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1998.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Almedina, 1999a.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva, 1999b.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 99

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Globo, 2001.

FORNASIER, Mateus de Oliveira. O Brasil e seus três grandes ciclos de formação até a constituição de 88: um mapeamento dos problemas que dificultam historicamente o desenvolvimento do país. 2010. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento) – Unijuí, Ijuí, 2010.

LAFER, Celso. Apresentação. In: ALVES, J. A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 1994.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Coimbra: Arménio Amado, 1997.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença, 1993.

REALE, Miguel. Visão geral do novo código civil, 2001. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br>.

SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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REINVENÇÃO DEMOCRÁTICA E AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Reginaldo Pereira*

Introdução

A teoria reinventiva de Claude Lefort permite articular a democracia com a afirmação dos direitos humanos nos campos jurídico, político e social. Este é o ponto de partida do presente trabalho. A afirmação dos direitos humanos, por sua vez, passa por aquisições de novos direitos e pela manutenção dos já conquistados. Tal premissa parte do pressuposto de que os direitos não são afirmados linear e gradualmente, ao longo de um processo histórico que ruma única e exclusivamente para um determinado fim. Pelo contrário, tal como a democracia, os direitos não se adquirem em uma única vez e não se mantêm de uma vez por todas, ainda mais quando o cenário é o da mudança.

Se, até o presente, há muita discussão acerca de se estar experimentando ou uma ruptura ou uma reengenharia nas estruturas sociais, econômicas e políticas da modernidade, um fato parece extreme de dúvidas: a derrocada, no caso de se optar pela ruptura, ou o esgotamento dos pilares da modernidade, que leva aos ajustes, e a perda de confiança no futuro, parecem assolar cada dia mais a humanidade. O peso inevitável que paira sobre a humanidade impede que se pretenda garantir uma vida melhor.

Dadas as atuais circunstâncias, em um contexto multifacetado no qual, por um lado, o grande articulador da modernidade – o Estado moderno – engalfinhasse com outros protagonistas, de menor importância até o último quarto do Século XX, pela manutenção de seu poder normativo, e, por outro, a multi e a interculturalidade se fazem mais presentes e visíveis pela compressão do espaço e do tempo mundiais

* Doutor em Direito pela UFSC. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Direito da UNOCHAPECÓ. Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito, Democracia e

Participação Cidadã da UNOCHAPECÓ.

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(HARVEY, 1989) e pelos processos hegemônicos e contra-hegemônicos (SANTOS, 2005) dela decorrentes, em um ato de honestidade, há que se garantir a melhor vida possível, levando em consideração que os grandes desafios a serem enfrentados pela humanidade são frutos da ação do homem moderno, que refletem (GIDDENS, 1997) sobre o presente e o futuro da humanidade e sobre a continuação da vida humana na Terra.

O que está em jogo é tão somente isto: como garantir a melhor vida possível: a vida vivida, sem apego às grandes metanarrativas, já que uma delas está esgotando a capacidade de suporte do Planeta e a outra levou milhares de pessoas a serem exterminadas pelo trabalho no Arquipélago Gulag.

O “abrir-se mão de uma vida melhor” em troca da melhor vida possível não guarda, em si mesmo, certo grau de afrouxamento, de retrocesso?

A princípio, pode parecer que sim.

Ocorre que, subjaz à operacionalização teórica da melhor vida possível pela variável dos direitos humanos a ideia de luta pela efetivação dos direitos humanos.

Os direitos humanos existem pela declaração, afirma Lefort (1987), todavia esta não garante a efetivação daqueles, que dependem de constantes embates em ambientes democráticos, reinventados pelas novas circunstâncias.

Mas, observariam alguns, não necessariamente os céticos, e sim os realmente preocupados com o futuro da humanidade e da democracia:

Em suas reinvenções, não poderia a democracia impedir a efetivação dos direitos humanos, dado serem produto de alterações nas circunstâncias externas a ela? Em outros termos, as reinvenções não tornariam a democracia suscetível a um alto grau de aleatoriedade?

O que asseguraria, afinal, os laços entre a reinvenção democrática e a efetivação dos direitos humanos?

Indagariam, ainda, partindo da premissa de ser a historiografia dos direitos humanos permeada pelo antropocentrismo:

Seria possível, plausível e desejável uma reinvenção da democracia que a tornasse mais adequada aos aspectos que ultrapassassem o humano, quando o que está em pauta é o debate sobre os direitos do

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homem? Não seria a afirmação destes uma forma de perpetuar a superioridade do ser humano sobre a natureza? Como operacionalizar a efetivação dos direitos humanos com a tutela de aspectos não humanos, que, mesmo ligados à sadia qualidade de vida destes, muitas vezes aparentam ser contrários aos seus interesses?

O presente ensaio é destinado a tais questões.

A partir do conceito lefortiano de ser a democracia moderna uma constante reinvenção do social, pretende-se trabalhar a democracia em uma perspectiva que privilegie as suas ligações com a efetivação dos direitos humanos em regimes democráticos, não apenas a partir de um recorte jurídico, mas também político, a partir da ideia lefortiana de atrelar a política dos direitos à reinvenção da democracia, já que, sob seu olhar, os conceitos de democracia e retrocesso em matéria de direitos humanos são incongruentes entre si.

Reinvenção democrática e direitos humanos em Claude Lefort

Em artigo publicado originariamente na Revista Libre no ano de 1980, Claude Lefort aborda diversas questões inerentes às interpenetrações entre os direitos do homem e a política.

A dependência dos direitos do homem em relação ao campo político é a questão que o autor (1987, p. 38) se propõe a problematizar no ensaio, valendo-se, para tanto, duas outras indagações: Os direitos do homem têm uma significação propriamente política? A natureza do político põe em jogo a ideia da existência ou da coexistência humana?

Lefort (1987, p. 39-41) parte da constatação – ainda válida – de que nos discursos em favor dos direitos do homem, ou esses são definidos como o complemento indispensável de um bom regime ou vêm fornecer a prova de uma independência do espírito ou do coração face às sinistras coerções da política. Não obstante, observa uma indiferença geral perante as violações dos direitos humanos, cometidas por políticos, motivada, por um lado, pela impotência em conceber os direitos do homem a não ser como direitos do indivíduo e, por outro, pelo fato da defesa da democracia não por em dúvida que relações de propriedade e relações de força constituem a essência da política.

Apesar de sacralizar as liberdades individuais e as garantias dadas à segurança dos cidadãos, o pensamento conservador moderno distingue

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 103

cuidadosamente o que depende da moralidade e o que depende da política, isto é, “(...) do jogo da competição pelo poder, das necessidades de conservação da ordem estabelecida ou da razão do Estado”. Os reducionismos impedem que seja posta em debate a questão da agressão do poder contra os direitos configurar ou não uma agressão contra o corpo social em virtude de esta implicar na ideia de ser o direito constitutivo da política e de ser maior do que os direitos individuais. Tal silêncio se baseia na premissa de que os erros de governo de que foram vítimas indivíduos não autorizam por em questão a natureza do Estado, já que este obedece a leis, está sujeito a coerções que lhe são específicas (LEFORT, 1987, p. 41s).

Para construir uma teoria que eleva os direitos humanos ao núcleo do político e vincula a contínua invenção da democracia à necessidade de serem atendidos novos direitos, Lefort procura evidenciar, em um primeiro momento, os equívocos do jovem Marx acerca destes

1.

Foi em “A Questão Judaica” que Marx forneceu sua interpretação sobre os direitos do homem. Essa interpretação decorre da convicção de que a representação desses direitos apenas prevaleceu nos fins do Século XVIII, primeiro nos Estados Unidos e depois na França, para dar sentido à dissociação dos indivíduos no seio da sociedade e à separação entre essa sociedade atomizada e a comunidade política. Lefort (1987, p. 43s) salienta que, para Marx, os direitos do homem, direitos dos membros da sociedade burguesa, são apenas os direitos do homem egoísta, do homem separado do homem e da coletividade e estariam ligados a princípios burgueses (LEFORT, 1987, p. 44).

Segundo Lefort (1987, p. 44), a interpretação que Marx pretende dar conta coincide com a passagem do feudalismo para a sociedade burguesa. Ao contrário da sociedade feudal, na qual todos os elementos, materiais e espirituais, possuíam um caráter político, a revolução política aboliu a caráter político da sociedade civil, dissociando seus elementos simples, os

1 A escolha por Marx decorre de fatores próprios da época em que o texto foi escrito, em

especial, os vinculados ao Partido Comunista Francês que se via em uma incômoda posição ante as denúncias dos métodos de repressão utilizados na União Soviética como aquelas de

Soljenítsin. Segundo Lefort (1987, p. 41): “O Partido Comunista encontra-se, assim, ao abrigo

das críticas que mais profundamente o atingiram. Quando reprova os métodos de repressão stalinista ou suas sobrevivências, uns se maravilham com suas palavras; outros reprovam-lhe

declarações tardias demais, tímidas demais, raras demais; adversários, que os julgam

hipócritas, inquietam-se com o seu bom efeito sobre os eleitores liberais”.

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104 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

indivíduos, dos elementos materiais e espirituais que formam o conteúdo da vida, a situação dos indivíduos na sociedade civil.

Todavia, o rompimento da sociedade feudal ao mundo burguês inscreve-se numa teoria da emancipação humana que é fator determinante para aquela análise.

Na visão de Lefort (1987, p. 44s), esse elemento não se encontra presente nos estudos de Marx, pois este retém da revolução burguesa a emancipação política, faz desta emancipação um momento transitório e necessário no processo de emancipação humana. Visto que para a burguesia esse momento é concebido como sendo exatamente o da emancipação humana, Marx faz dele o momento da ilusão política. E como os elementos particulares da vida civil se destacam como se fossem independentes, a ilusão política coincide com a ilusão da independência desses elementos ou com a representação ilusória dos direitos do homem que têm por fim mantê-la. Em outros termos, a política e os direitos do homem constituem os dois pólos de uma mesma ilusão.

Em seguida, os princípios que sustentaram as revoluções burguesa e totalitária são postos em oposição. O autor questiona se o arcabouço teórico da revolução democrático-burguesa pode sustentar o da revolução totalitária.

O totalitarismo tende a abolir todos os signos de autonomia da sociedade civil, propagando o político em toda a extensão do social, o partido funde o Estado, encarnação do povo em geral, e todas as instituições da vida civil. O totalitarismo se edifica sobre a ruína dos direitos humanos, fazendo com que o homem se dissocie do homem e se separe da comunidade como jamais estivera no passado, pois sua individualidade deve dissolver no corpo político, o povo soviético ou o partido e “(...) porque o Estado supostamente detém o princípio de todas as formas de socialização e de todos os modos de atividade” (LEFORT, 1987, p. 44).

O processo de destruição da sociedade civil implica um formidável alargamento da esfera do político, a propagação do espaço político é proporcional à consolidação do poder. Analisado a partir de Marx, o totalitarismo é o regime onde a ilusão política é levada ao auge, materializada num Estado que detém a onipotência. Nele os direitos do homem são destruídos, apaga-se a relação da política e dos direitos do homem que Marx fizera dois pólos de uma mesma ilusão. Nos Estados totalitaristas a lógica do sistema impede que seja acolhida qualquer

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opinião que dê sinal de uma exterioridade da vida social com relação ao poder (LEFORT, 1987, p. 45-49).

Lefort (1987, p. 50s) procura explicar um aparente paradoxo referente ao posicionamento de Marx sobre os direitos do homem, dado que este houvera concentrado suas energias em conceber a emancipação humana. De onde viria a sua cegueira perante os direitos do homem, a sua noção de que a ideologia burguesa capturara os direitos do homem? Marx não define o poder, dedica-se a conceber uma sociedade libertada da opressão e da exploração do homem pelo homem. Todavia, nessa sociedade, não oferece lugar a nenhuma instituição determinada, nem aos direitos do homem, porque os homens lhe parecem imersos na vida social, numa vida plenamente humana, respirando o mesmo ar de liberdade. Tal noção o impede de reconhecer a incorporação no pensamento político de noções como a presunção de inocência, dado esta se pautar em distinções entre inocentes, culpados e terceiros que não podem a priori ser distinguidos a não ser por critérios arbitrários (LEFORT, 1987, p. 51).

O que distingue Marx de pensadores contemporâneos é a sua rejeição do político. A crítica do indivíduo se exerce nos horizontes de uma sociedade na qual se encontram abolidas a dimensão do poder, a dimensão da lei e a do saber. Tal teoria não permite conceber o sentido da mutação histórica na qual o poder se encontra confinado a limites e o direito plenamente reconhecido em exterioridade ao poder: “(...) esta dupla aventura torna-se inelegível, simples sinal de ilusão” (LEFORT, 1987, p. 51s).

Marx fez do Estado Moderno (Democrático) o complemento da sociedade burguesa, para opor o novo sistema ao do feudalismo. Todavia, descurou-se de examinar a filiação entre o Estado Monárquico com a burguesia. Lefort (1987, p. 52) afirma que se Marx o tivesse feito teria que admitir que a figura da Nação, a do Povo se opera pela primeira vez na Europa como consequência da formação da burguesia e que a separação entre o universal e o particular advém desse modelo de Estado; teria que admitir que o Estado Moderno não é fruto da elevação da Burguesia e sim que esta encontrara terreno propício para se desenvolver no estabelecimento dos reinos territoriais, unificados pela vassalagem comum dos súditos ao Monarca e nivelados, pouco a pouco, pelo poder estatal. A partir de tais constatações, Marx teria que interrogar-se sobre a forma da divisão Estado-Sociedade e sobre a modalidade da divisão das classes e da articulação do poder e do direito.

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A mutação do político e o embrião do Estado Democrático se operam nas fronteiras da história do Estado de Direito2, que se constituiu, por um lado, pela secularização de valores cristãos e, num primeiro momento, pela transferência da representação do Cristo – mediador entre Deus e os homens – para a do Rei – mediador entre a comunidade política e seus súditos – e, por outro, graças à re-elaboração religiosa da herança romana, para a transcrição numa problemática da transcendência e para a mediação de valores jurídico-racionais que sustentavam já uma definição do público e do privado (LEFORT, 1987, p. 52s).

Qual seria, então, para Lefort, o significado da revolução política moderna?

Não a dissociação da instância do poder e da instância do direito, pois esta estava no princípio do Estado monárquico, mas um fenômeno de desincorporação do poder e de desincorporação do

2 Pietro Costa (2006, p. 95-198) elabora um mapeamento dos significados e problemas que

foram atraídos no campo do Estado de Direito. O autor se refere ao Estado de Direito como

fruto de uma conexão entre o poder político, os direitos e os indivíduos, que se mostra

vantajosa para os últimos (indivíduos), pois possui como premissa o discurso da cidadania, freando os poderes do Estado face aos direitos e garantias individuais. A partir de uma

perspectiva temporal decrescente, o autor divide a história do Estado de Direito em três fases:

i) a da história, em sentido estrito, do Estado de Direito, que se inicia desde o momento em que aparece o termo (Estado de Direito), oriunda do grande e recorrente problema entre o

poder, direito e indivíduo, o qual é definido pelo autor, exatamente com Estado de Direito; ii)

a da pré-história onde já existia a coisa (Estado de Direito), mas não o nome. Nessa época, traços começaram a ser reconhecidos que tornaram possível o seu surgimento; iii) a do tempo

em que havia a relação entre poder/direito, mas estava muito distante das visões políticas e

jurídicas que constituíram a pré–história. Expressa o autor que no decorrer do século XIX, a expressão Estado de Direito sai da pré-história e entra na história, inicialmente na Alemanha,

exercendo uma forte influência na cultura jurídica italiana e francesa, ligado ao mesmo

problema que já se fazia presente na pré-história, o controle da energia do poder estatal. A partir da segunda metade do século XX, encerrado o período das duas grandes guerras

mundiais, o Estado de Direito firmou-se novamente, a partir de duas concepções distintas: o

Rechsstaat e o Rule of Law. O Rechtsstaat teve origem na cultura liberal alemã na metade do século XIX e no decorrer dos anos influenciou nitidamente o direito público da Itália unitária

e a Terceira República Francesa. O Rule of Law fundamentou-se nas raízes da história

político-constitucional da Grã-Bretanha e representou um marco nas estruturas políticas daquele país e dos Estados Unidos da América (ZOLO, 2006, p. 3s). O Estado de Direito como

um Estado moderno apresenta quatro variáveis, baseadas em acontecimentos da história

externa do Estado de Direito que as moldaram com características distintas. Conforme Zolo (2006, p. 11) a primeira experiência é a do Rechtsstaat alemão, a segunda, a do Rule of Law

inglês, a terceira – a mais importante variante do modelo inglês – é a do Rule of Law norte-

americano e a quarta, a o État de Droit francês.

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direito acompanhando a desaparição do Corpo do rei, no qual se encarnava a comunidade e se mediatizava a justiça e, simultaneamente, um fenômeno de desincorporação da sociedade, cuja identidade, apesar de já figurada na nação, não se separava da pessoa do monarca. (LEFORT, 1987, p. 53)

Trata-se do desintrincamento, o desembaraçamento, o desemaranhamento, a clarificação entre o princípio do poder, o princípio do direito e o princípio do saber. Desintrincamento que não pode ser tomado por cisão, que não apaga o modo de articulação que se instituiu como efeito da ruptura O poder não se torna estranho ao direito, “Porém, doravante, a noção de direitos do homem dá sinal em direção a um foco indomável, nele o direito vem figurar vis-à-vis do poder uma exterioridade indelével” (LEFORT, 1987, p. 53).

No Estado Democrático o direito encontra um novo ancoradouro na natureza do homem, presente em cada indivíduo (LEFORT, 1987, p. 54).

Mas que ancoradouro é este? Tal questão defronta-se com três paradoxos, assim especificados por Lefort (1987, p. 54):

i) A sociedade é concebida como uma sociedade de homens livres e iguais, una e homogênea. Todavia, esta sociedade se mostra impossível de ser circunscrita, pois não poderia se representar-se com um só corpo, já que foi privada do poder de mediação.

ii) Os direitos do homem são enunciados como pertencentes aos homens. Porém, o homem aparece através de seus mandatários como aquele cuja essência é enunciar direitos. Assim, os direitos não são simplesmente o objeto de uma declaração, é de sua essência declarar-se;

iii) Os direitos aparecem como os dos indivíduos e estes como tantos soberanozinhos independentes, cada qual reinando sobre seu mundo privado, como tantas micro-unidades desfeitas do conjunto social; mas esta representação destrói uma outra: a de uma totalidade transcendente às suas partes.

Tais paradoxos remetem às seguintes consequências:

i) Uma vez declarados os direitos do homem diz-se que surge a ficção do homem sem determinação, sem designação, sem identificação. A ideia do homem sem determinação não se dissocia da do indeterminável. Os direitos do homem reenviam o direito a um fundamento que não tem figura, dá-se como interior a ele e nisto se dissimula perante todo poder que pretendesse se apoderar dele. Consequentemente há nos direitos do

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homem excesso face a toda formulação efetivada, o que significa que sua formulação contém a exigência de sua reformulação na qual os direitos adquiridos são chamados a sustentar direitos novos. Além do que, pelo mesmo motivo, os direitos do homem não são confináveis a uma época e a uma sociedade, como se seus efeitos fossem localizáveis e controláveis (LEFORT, 1987, p. 55).

ii) A partir do momento que os direitos do homem são postos como referência última, o direito estabelecido está destinado ao questionamento, na medida em que agentes sociais portadores de novas reivindicações mobilizam uma força em oposição à que tende a conter os efeitos dos direitos reconhecidos. Onde o direito está em questão, a sociedade, a ordem estabelecida está em questão. Os meios de subordinação permanecem, assim, expostos a uma oposição de direitos (LEFORT, 1987, p. 55s).

iii) A dimensão simbólica dos direitos do homem se torna, via de consequência, constitutiva da sociedade política (LEFORT, 1987, p. 56).

Lefort (1987, p. 56) retoma a questão que deu origem ao texto, a relacionada à dependência dos direitos do homem ao campo político. Para tanto, reformula a indagação antes realizada no sentido de verificar se a luta pelos direitos do homem torna possível uma nova relação com a política, no sentido de aferir acerca das condições de um pensamento e de uma ação políticos em ruptura com uma ideologia. O autor sustenta ser possível dar uma resposta positiva a esta questão a partir dos seguintes argumentos.

Em sociedades totalitárias, a anulação dos direitos do homem leva os dissidentes a atacar o fundamento político do sistema, no ímpeto de fazê-los reconhecer. O que implica uma impossibilidade relacional entre os direitos humanos e o totalitarismo. Todavia seria um equívoco afirmar que os direitos do homem existam em sociedades democráticas pura e simplesmente em função dos antagonismos destas com o totalitarismo, pois: “(...) quanto mais estivermos fundados para julgar que é da essência do totalitarismo recusá-los, tanto mais devemos abster-nos de lhes conferir uma realidade na nossa própria sociedade” (LEFORT, 1987, p. 57).

Apesar de serem um dos princípios da democracia, os direitos do homem não existem à maneira de instituições positivas, têm eficácia dependente da adesão que lhes é dada, a qual está ligada a uma forma de ser em sociedade cuja medida não é fornecida pela simples conservação

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das vantagens adquiridas. Ou seja: “Os direitos não se dissociam da consciência dos direitos” (LEFORT, 1987, p. 57).

A institucionalização e a consciência do direito mantêm uma relação ambígua. Se, por um lado, dita consciência se encontra melhor partilhada quando estes são declarados e há a afirmação de sua garantia pelo poder, pela lei, por outro, tal institucionalização implica a possibilidade de ocultação dos mecanismos de exercício efetivo dos direitos pelos interessados, em virtude da judicialização do direito e de todas as implicações que comporta: hermetismo, especialização, sistema de peritos, entre outros (LEFORT, 1987, p. 57).

A dimensão simbólica do direito se manifesta ao mesmo tempo na irredutibilidade da consciência do direito a toda objetivação jurídica e na instauração de um registro público onde a escrita das leis só tem por guia o imperativo contínuo de um deciframento da sociedade por ela mesma (LEFORT, 1987, p. 57s).

A insubmissão da dimensão simbólica do direito em manter-se circunscrita à forma da lei torna, para Lefort (1987, p. 58), sem sentido o reenvio do problema do direito à crítica marxista, à oposição entre forma e conteúdo, à denúncia de que a linguagem mascararia as relações burguesas e, principalmente, à convicção de que somente a conquista do Estado seria a condição do novo, pois segundo o autor:

Quer se trate da família, da mulher, da criança, ou da sexualidade; quer se trate da justiça, da função dos magistrados, da condição dos detentos; quer se trate do emprego, da gestão das empresas, do estatuto dos agricultores ou da defesa da propriedade dos camponeses contra a intrusão do Estado, quer se trate da proteção da natureza, vimos, tanto a legislação se modificar, quanto surgirem novas reivindicações que, apesar de seu fracasso, testemunham novas exigências coletivas e que, pela acolhida que receberam, testemunham uma nova sensibilidade social a essas exigências. (LEFORT, 1987, p. 58)

Os novos e diversificados direitos se afirmam devido a uma inconstância do direito na busca de limites legais contra os quais estes se chocam. Sob o impulso desses limites a trama da sociedade política tende a modificar-se ou aparece cada vez mais modificável (LEFORT, 1987, p. 59).

As reivindicações por novos direitos trazem como novidades, assim, o não compromisso por uma solução global dos conflitos; a despreocupação em conquistar ou destruir o poder estabelecido, sem que

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este seja ignorado; a formação de um poder social no qual se combina em torno do poder político uma multiplicidade de elementos, aparentemente distintos e cada vez menos formalmente independentes; e a ideia da insubmissão como socialmente legítima (LEFORT, 1987, p. 59s).

A profusidade na geração de novos direitos possibilita medir as contradições da democracia na atualidade e apreciar as oportunidades de mudança que oferece: a constante tensão entre as coerções sobre as atividades e as relações sociais – inegável – e a propagação simultânea e transversal de reivindicações que não são simples sinais de resistência de fato a estas coerções, mas que testemunham um sentido difuso de justiça e de reciprocidade (ou da injustiça e da ruptura da obrigação social). Enraizadas na consciência do direito, essas reivindicações não tendem a encontrar solução por uma ação do poder, pelo fato de procederem de um foco onde o poder não pode ocupar e de serem constantemente ativadas pela necessidade de reconhecimento de direitos de minorias que podem ser produto de circunstâncias e que se constituem a partir de sua identidade própria ou de um projeto de alcance geral, pautados, às vezes, no reconhecimento da diferença, em outras, na necessidade de superação de desigualdades, mas que partilham legitimidade a partir da eficácia simbólica da noção de direitos (LEFORT, 1987, p. 60-62).

As reivindicações por direitos, ao contrário daquelas fundadas em interesses, requerem do poder respostas que deem a razão de seus princípios, que produzam critérios do justo e do injusto e não somente do proibido e do permitido, sob pena de decair o poder na trivialidade, perdendo sua transcendência (LEFORT, 1987, p. 62).

Então, significa que a transcendência do poder reside no reconhecimento e na efetivação de direitos, os já constituídos e os novos, e não na resolução de interesses.

Lefort observa:

(...) o direito que é afirmado contra as pretensões do poder de decidir, segundo seus imperativos, sobre seu aumento de poderio não ataca o poder de frente, atinge-o obliquamente, por assim dizer, contornando-o, toca-o no núcleo no qual tira a justificação de seu próprio direito para requerer adesão e obediência de todos. (LEFORT, 1987, p. 62)

O sentido dos conflitos que supõem o fato do poder e a busca de uma consideração das diferenças no direito constituem a especificidade das sociedades democráticas modernas. Nestas a instância do poder é

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indelével e sua intervenção cada vez mais ampla, materializando-se no Estado. Ocorre que, desde a fixação desse pólo de poder, desenhou-se a virtualidade de um espaço social, “(...) constitutivo de uma identidade comum para os grupos que o habitam (...)” e que caminha lado a lado com a referência de um poder que, ao mesmo tempo, surge dele e, como que à distância, o garante” (LEFORT, 1987, p. 62).

O projeto que obceca o poder e que, na atualidade, tira proveito da técnica e da ciência não é mais imputável a uma categoria de homem ou a algum instinto de dominação. Ele mobiliza a seu serviço as energias e molda as mentalidades dos que estão em posição de efetuá-lo. Entretanto, é no seio da sociedade civil que pode afirmar-se um movimento antagônico ao poder estatal (LEFORT, 1987, p. 62s).

Ocorre que as lutas inspiradas pela noção de direitos têm como outro traço comum a inaptidão para se fundirem e formarem um agente da história, um povo-Uno e recusam a hipótese da realização do direito no real (LEFORT, 1987, p. 63).

Tal característica torna inócuas as expectativas de compressão de aspirações coletivas em torno de um reformismo endogênico ou de um revolucionalismo exogênico, posto que, apesar de partirem de premissas distintas em relação à divisão do social, à questão do Estado e à natureza da oposição dominante-dominado na espessura do social, na sociedade moderna, tanto um movimento (reformismo) quanto outro (revolucionalismo) parecem incapazes de conceber dois movimentos essenciais na dinâmica destas sociedades: aquele pelo qual a sociedade se “(...) circunscreve, se reúne, adquire uma identidade definida em favor de uma separação interna que instaura o polo do poder como polo alto, polo quase separado do conjunto (...)” e aquele pelo qual, a partir desse polo, sob o efeito dessa quase separação, se acumulam meios de dominação “(...) de todos os gêneros (recursos materiais, conhecimentos, direitos de decisão a serviço dos que detêm a autoridade e procuram consolidar sua própria posição” (LEFORT, 1987, p. 64).

Para Lefort (1987, p.64), tanto os reformistas quanto os revolucionalistas são cegos no tocante à função simbólica do poder e estão obcecados pela apropriação de sua função de fato, a de um domínio do funcionamento da organização social.

E esta cegueira, e esta obsessão não somente têm as mesmas causas como os mesmos efeitos: as lutas que se desenvolvem a partir dos diversos núcleos da sociedade civil só são apreciadas em função das

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oportunidades que oferecem, a curto ou a longo prazo de modificar ou de subverter as relações de forças entre os grupos políticos e a organização do Estado. (LEFORT, 1987, p. 64)

Essas lutas põem em evidência a ideia de uma transformação da sociedade por movimentos apegados à sua autonomia, ou, em outros termos, à sua autopoiese (MATURANA, 1996), o que remete à indefinibilidade à priori dos elementos sociais e políticos, dado que, a autonomia subjacente permite a cada elemento do todo a autoconstrução, independente do meio:

(...) na medida em que um sistema interage com uma totalidade, sua estrutura sofre mudanças provocadas por essas interações, mas não especificadas por elas; (...) enquanto a estrutura do sistema muda, seja por efeito de sua própria dinâmica ou como resultado de interações do sistema como totalidade, o domínio de interações e relações do sistema como totalidade também muda. (MATURANA, 1996, p. 603)

Estado, Sociedade, Povo, Nação são na democracia entidades indefiníveis. Carregam a marca de uma ideia de Homem que mina sua afirmação, ideia aparentemente derrisória face aos antagonismos que dilaceram o mundo, mas em cuja ausência a democracia desapareceria; e permanecem numa perpétua dependência da expressão de direitos rebeldes à razão do Estado e ao interesse sacralizado da Sociedade, do Povo e da Nação (LEFORT, 1987, p. 68s).

O que leva Lefort (1987, p. 69) a concluir que a política dos direitos do homem e a política democrática são duas maneiras de responder à mesma exigência: explorar os recursos de liberdade e de criatividade nos quais se abebera uma experiência que acolhe os efeitos da divisão, resistindo à tentação de trocar o presente pelo futuro, com base em um o esforço ao contrário para ler no presente as linhas da sorte indicadas com a defesa dos direitos adquiridos e a reivindicação dos direitos novos.

Considerações finais

Na perspectiva lefortiana, entender a democracia moderna como simples forma ou sistema de governo ou, ainda, como mero meio de ascensão ao poder é medida desprovida de qualquer sentido.

A reinvenção democrática, conforme Lefort, pressupõe a reinvenção da forma como a sociedade se organiza e decide sobre os rumos da vida.

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Por outro lado, ainda que encarada como forma de organização social, a democracia moderna possui fraquezas congênitas, que não são decorrentes somente dos ambientes onde se desenvolveram ao longo da modernidade, mas advêm do seu nascimento.

O que a torna, então, mais adequada que outras formas de organização social para a garantia dos direitos humanos?

Neste ponto reside a valiosa contribuição de Lefort, para o debate.

O autor, já foi mencionado, situa a democracia entre duas formas históricas, nas quais o poder restara encarnado.

No Antigo Regime, o poder residia no corpo político do rei. Este, apesar de humano, encerrava em si o poder político, o qual, inclusive transcendia ao seu corpo físico.

Enquanto ser humano, o rei estava sujeito às mesmas vicissitudes que acometiam qualquer outro ser humano, enquanto encarnação do poder político, não.

No totalitarismo o poder fora corporificado na figura do Povo-Uno, por meio do egocrata.

Se a revolução democrática importou na fragmentação do corpo do rei, o totalitarismo que, para Lefort, é também fruto deste processo de desincorporação, superou o Antigo Regime por fundir em uma só pessoa todos os elementos que compõem o político: Estado, povo e sociedade restam soldados na figura do egocrata.

Assim, a mesma revolução que conduziu o poder ao lugar vazio e permitiu assim o surgimento da democracia, lançou as sementes que possibilitaram as experiências totalitárias.

Então, a condição para que a democracia se mantenha é a manutenção do poder em um lugar vazio. Isto tem um preço, qual seja a indefinição em relação ao futuro.

Dessa forma, a abertura ao futuro e à incerteza é a grande condição da democracia. Ela é incapaz de garantir um futuro melhor, seu compromisso é com a melhor forma possível de decisão sobre os rumos a serem tomados e pode, muito bem, ser reinventada, a partir da inserção de novos elementos ou de re-elaborações de antigos elementos, tanto os da democracia representativa, quanto os da direta.

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114 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

A transposição da proposta reinventiva para o campo teórico dos direitos humanos, leva, necessariamente à conclusão de que a garantia dos direitos humanos já conquistados e a incorporação de novos direitos, passam, necessariamente pela constante re-articulação destes em qualquer campo e pela percepção de sua convivência em diferentes dimensões e não de sua exclusão.

Referências

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GIDDENS, Antony. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Antony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução: Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. p. 73-133.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad.: Adail Ubirajara Sobral; Maria Stela Gonçalves. 2.ª ed. São Paulo: Loyola, 1989.

LEFORT, Claude. A invenção democrática: os limites da dominação totalitária. Trad.: Isabel Marva Loureiro. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

MATURANA, Humberto. Biologia da autoconsciência. In: CAMPOS PELLANDA, Nize Maria; PELLANDA, Luis Ernesto Cabral (Orgs.). Psicanálise hoje: uma revolução do olhar. Petrópolis: Vozes, 1996.

SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos da globalização. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e as ciências sociais. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 25-102.

ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: COSTA, Pietro; Zolo, Danilo (Orgs.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 3-94.

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DIREITOS HUMANOS, DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E

GLOBALIZAÇÃO

Daniel Francisco Nagao Menezes*

Introdução

Pensar a cidadania no plano global é questão de ordem no atual contexto socioeconômico. A globalização se tornou questão de ordem em todos os debates políticos, econômicos e acadêmicos. Com isso, discutir cidadania, políticas públicas, direitos humanos, dentre outros temas candentes passa pelo contexto da globalização.

Contudo, temos que assumir a premissa de reflexão de que o Estado nacional, os poderes e culturas locais não foram suplantados por um estado global (se é que existe estado global) ou, uma cultura presente universalmente. Ainda há um espaço local que deve ser considerado ao falarmos em ciências humanas.

Estas “localidades”, se assim podemos usar o vernáculo para significar as questões locais, geram um campo de especificidades locais que devem ser consideradas ao falarmos do global. Isto resulta em mecanismo permanentes de reconhecimentos e procedimentos de integração entre as várias expressões do “local”.

O direito se encontra, por sua vez, neste paradigma. Ele ainda é local, porém, tendo cada vez mais um campo de aplicação global, levando com isso, a formação de um permanente diálogo entre os vários direitos locais, especialmente diante a inexistência de uma autoridade global.

* Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas,

especializações em Direito Constitucional e Direito Processual Civil ambos pela PUC-

Campinas, Especialização em Didática e Prática Pedagógica no Ensino Superior pelo Centro

Universitário Padre Anchieta. É Mestre e Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor Universitário da Faculdade de Direito da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas e, das Faculdades de Campinas –

FACAMP.

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116 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Ocorre que, o aspecto local é omitido, deliberadamente ou não, da agenda de debates sobre a globalização. A questão local é crucial para compreendermos o processo de globalização e, desmistificarmos os argumentos comuns sobre as benesses dos processos de integração regional e global.

Volta ao debate centro x periferia

Discutir as especificidades locais da cidadania brasileira nos remete ao debate, originado na ciência econômica e política sobre o papel do Brasil (e da América Latina) na ordem global. Este pensamento se desenvolve principalmente na CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe – que se tornou uma escola de pensamento. A escola da CEPAL identifica que a existência de dois tipos de países, os centrais e os periféricos, sendo que, o segundo tipo de país somente existe em decorrência de uma relação de dependência econômica com os países centrais.

O pensamento da CEPAL, capitaneado pelo argentino Raúl Prebisch e pelo brasileiro Celso Furtado, cria o método estruturalista ou, histórico-estrutural. Este método ressalta a necessidade do contexto histórico na compreensão do funcionamento da economia e da sociedade. Nesse contexto, argumenta-se que, embora a ciência econômica e social deva buscar estabelecer leis gerais, também é necessário reconhecer que a universalidade tem sérios obstáculos ao tentar explicar circunstâncias históricas em constante evolução, existindo em verdade, teorias locais da economia.

Este método considera que os aspectos sociais e políticos desempenham um papel determinante para o funcionamento da economia, o que leva a enfoques que hoje seriam denominados de multidisciplinares, incluindo também a carga de subjetividade do próprio pesquisador, o que exige um esforço ainda maior em termos de análise crítica.

Tanto Prebisch, como os demais pensadores da CEPAL, abordaram um tipo privilegiado de estrutura – o da economia internacional1,

1 “No Brasil, também o fortalecimento da Nação vai ser atrelado à questão econômica. Em sua raiz, o conceito de Nação é entendido como uma estrutura dotada de autodeterminação,

devendo possuir um elevado grau de autonomia, o que passa, necessariamente, pelo controle

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 117

caracterizada pelas relações entre o centro e a periferia, com distintos papéis, níveis de desenvolvimento relativo e configurações sociais, econômicas e culturais distintos.

Não se trata apenas de captar as diferenças entre dois tipos de economia, mas sim de encará-las como parte de um todo interdependente que tem sua própria dinâmica.

A ênfase nas estruturas internacionais, contudo, não diminui a importância do estudo e da consideração das estruturas nacionais, cujo

de sua inserção econômica no mercado mundial. Um país “forte” não pode estar à mercê das

decisões externas, como historicamente esteve no período colonial, tanto pela submissão à

metrópole (dependência política strictu senso), como pela subseqüente submissão às oscilações de mercado, que tão duramente influenciavam o sistema nacional. Cabe lembrar

que o modelo colonial é marcado pela aguda dependência do mercado internacional,

característica da economia agrárioexportadora. É no mercado internacional que a produção brasileira se realiza, portanto, onde se formam os preços dos produtos e o estímulo ou não a

produzir localmente. A alta especialização do modelo nos faz simultaneamente exportadores

de poucos gêneros e importadores de tudo aquilo que não fabricamos aqui (envolvendo não só manufaturas, mas principalmente bens de produção e bens de capital). Ao obedecer ao

padrão de inserção na divisão internacional do comércio, herdado da colônia, impede-se a

autonomia decisória e, em última instância, os princípios básicos da Nação. Embora Furtado não chegue a enunciar a ruptura real existente entre a lógica mercadológica e a lógica

societária, reconhece que a dimensão social deve se sobrepor à cega obediência aos padrões

de ganho. É a partir dos interesses gerais que as conseqüências perversas do mercado podem ser dominadas. A mais cabal prova dessa percepção é a crítica da teoria das vantagens

comparativas (ou desvantagens reiterativas, como assinalado por Francisco de Oliveira). Sob

este aspecto, a defesa exclusiva da dinâmica econômica (de curto prazo) acaba por estrangular as possibilidades de desenvolvimento (de longo prazo), e é por esse motivo que

Furtado condena com tanto vigor a tese da vocação rural. Ganhar com a atividade mercantil-

exportadora pode ser mais fácil, mas, sem a industrialização e modernização da economia, esta opção pode reapresentar os velhos problemas dos ciclos econômicos da colônia –

expandir, lucrar, não disseminar dinâmica, entrar em crise e deixar como legado uma massa

de economia de subsistência. Porém, a industrialização sem controle e planejamento pode oferecer riscos, se não semelhantes, pelo menos tão graves. A alocação de recursos e

investimentos, ao obedecer à busca de lucros rápidos, mesmo no contexto industrial, é

geradora de desequilíbrios que levam a economia a crises inflacionárias [5]. Como em Keynes, Furtado admite que o capitalista pode ser um bom juiz de seu interesse privado, mas é

incapaz de vislumbrar a economia em termos dinâmicos, afetando suas oportunidades

futuras. O capitalista obedece à relação custo-benefício, mas essa autonomia decisória (tão cara ao pensamento liberal) representa perigo para um modelo econômico sujeito a crises de

superprodução/subconsumo. Pior ainda no quadro de economias com defasagens estruturais

sérias. Como alternativa, entra em cena a capacidade coordenadora do Estado, que, não sendo um agente econômico, é capaz de pensar todos os setores e projetar alternativas de longo

prazo, pois não se submete ao mesmo princípio racional do capitalista” (CEPÊDA, 2013, p.

222).

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118 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

nível de desenvolvimento impacta na relação centro x periferia. Portanto, a proposta da CEPAL analisara a estrutura agrária, a composição do sistema produtivo interno, as formas particulares dos mercados de fatores e de bens, as capacidades do Estado e a sua burocracia, e as estruturas demográficas, entre tantos outros aspectos.

Podemos dizer que:

A relação que se estabelece entre centro e a periferia depende, basicamente, das condições estruturais do país periférico e do seu funcionamento, sendo que, este tipo de relação condiciona, em grande medida, a inserção do país periférico dentro do sistema global, que é o do centro encarregar-se de produzir transformações nestes países e que são aqueles ligados à heterogeneidade aos níveis de produtividade e renda, o que provocaria a entrada irregular do progresso técnico e a especialização produtiva que deixa uma grande marca na estrutura econômica e social dos países periféricos. (HAFFNER, 1996, p. 60)

Com isso, a globalização que fala a CEPAL é na verdade uma relação de aumento de dependência dos países periféricos em relação aos países centrais. O centro de decisão econômico passa a ser o país central, eliminando a soberania do país periférico em decidir, ou até mesmo produzir, os bens e serviços necessários para o seu desenvolvimento e bem-estar de sua população. As decisões econômicas dos países periféricos são tomadas em decorrência de necessidades ou imposições dos países centrais, formando uma clara relação de exploração.

Uma década após o pensamento da CEPAL, em especial de Celso Furtado, surge no Brasil, uma corrente de pensamento que amplia o pensamento da CEPAL. Nas décadas de 50 e 60, surge uma nova geração de sociólogos, filósofos e ciências sociais, a maioria vinculado à Universidade de São Paulo, que tentam criar um pensamento social brasileiro. Entre estes pensadores das questões nacionais, encontramos Hélio Jaguaribe.

O pensamento de Hélio Jaguaribe

Hélio Jaguaribe parte do método estruturalista desenvolvido na CEPAL dez anos antes e, amplia a relação de dependência centro periferia das relações econômicas para, todas as relações sociais e políticas, criando diferentes graus de dependência entre os países, algo inédito no pensamento brasileiro até então.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 119

Na proposta de Hélio Jaguaribe (1976, p. 31), existe sete graus de dependência, quais sejam:

1) DESENVOLVIMENTO AUTÔNOMO – Este modelo desenvolvimento ocorre por meio de transações econômicas, sociais e políticas que garantam a longo prazo a viabilidade do sistema, sendo o exemplo atual o Japão;

2) DESENVOLVIMENTO AUTÔNOMO REVOLUCIONÁRIO – Contudo, este modelo de desenvolvimento deve ser protegido de intervenções estrangeiras que no médio ou longo prazo, sufoquem ou alterem a transformação do sistema, como ocorreu com a Revolução da China e 1949;

3) DESENVOLVIMENTO POR INCORPORAÇÃO IGUALITÁRIA – Ocorre a incorporação de sistemas inviáveis a um outro macro sistema capaz de suportar um sistema anexo, como é o caso dos antigos satélites soviéticos (Letônia, Estônia, Lituânia) e, de Porto Rico em relação aos Estados Unidos;

4) DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE EQUILIBRADO E CONTÍNUO – Há uma relação de dependência ao um país central, mas, o sistema periférico é viável não necessitando uma incorporação explícita e total ao sistema central, semelhante ao que ocorre na relação entre Canadá e Estados Unidos;

5) DEPENDÊNCIA SATELIZANTE OU NEOCOLONIAL – Situação que ocorre em quadros de estagnação ou desenvolvimento de setores limitados e de modo que se garanta alguns privilégios para a elite dominante, cujos quadros são encontrados na América Latina e parte da África;

6) DEPENDÊNCIA ENTREGUISTA – apoio a minorias nacionais privilegiadas que garantam o funcionamento de um sistema voltado integralmente ao atendimento de necessidades estrangeiros, como ocorre nos países do Sudeste Asiático;

7) DEPENDÊNCIA COERCITIVA – ocupação militar da potência dominante, sendo o exemplo atual, o Iraque.

A posição da América Latina – e o Brasil por questões óbvias – é justificada por Hélio Jaguaribe ao defender que a região possui três características básicas que a colocando dentro da hipótese cinco, acima indicada.

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120 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Jaguaribe (1976, p. 11) traz como aspectos principais da região:

1. A estagnação econômica, política, social e cultural da região2;

2. A marginalidade entendida em seu tríplice aspecto de: 2.1. marginalidade crescente, dentro da região, dos países menos avançados em relação aos mais avançados, e do conjunto das sub-regiões em relação a uma sub-região mais dinâmica; 2.2. marginalidade crescente de toda a região em relação às regiões e países mais desenvolvidos do mundo; e 2.3. marginalidade, em todos os países da região, dos setores primários e, em grande parte, terciário, – abrangendo cerca de dois terços da população latino-americana total – em comparação com um setor secundário relativamente crescente e uma elite terciária um tanto expansiva; e

2 “Jaguaribe atribui as razões dessa inautenticidade cultural ao passado colonial do país. A

ausência de condições materiais e estímulos espirituais – necessários ao desenvolvimento de

uma autêntica reflexão filosófica – deviam-se à presença lusitana. O país teria ficado tempo

demais sob a influência de Portugal, que não experimentou de modo fecundo a situação de crise que a Europa viveu a partir do Renascimento e que foi o fator essencial para o advento

de respostas culturais novas naquela parte do mundo. A crise estrutural que colocou em

dúvida a crença no cristianismo teria sido o grande motor das mudanças experimentadas a partir do século XV: crenças antigas foram colocadas à prova, dando lugar a novas crenças.

Excluído dessa dialética das crenças, por sua situação colonial, o Brasil não teria

experimentado uma situação de crise, ficando privado das condições de desenvolver uma cultura própria e original. Para Jaguaribe esse teria sido o divisor de águas entre países que se

constituíram como nações e aqueles que ficaram impossibilitados de construir sua

nacionalidade. O movimento verificado a partir do Renascimento – que foi provocando lentamente unificações nacionais no território europeu – deu origem a uma cultura ocidental

autêntica e original, fruto das respostas que os homens deram frente à crise estrutural das

crenças acalentadas na Idade Média. O Brasil teria, portanto, que perseguir a conquista de sua inserção nesta cultura ocidental, sem assimilar acriticamente o que viesse dela, mas

construindo sua própria originalidade cultural de acordo com aqueles parâmetros. Este fato

não ocorreu e o Brasil, ainda no século XX, se via diante de dois fenômenos bastante comprometedores para sua ocidentalização. O país estaria paralisado entre dois extremos: a

assimilação acrítica de outras culturas, que resultava numa alienação cultural; e a valorização

excessiva de suas raízes culturais mais primitivas, a despeito de com isso estar preservando sua originalidade – o nativismo primário. A mediação perseguida por Jaguaribe teria que se

pautar pela construção de novas crenças, vale dizer, de uma nova cultura de caráter ocidental,

que demandaria, por sua vez, a construção de uma ideologia nacional. Aqui se localiza o centro de sua proposta, haja vista que a eficácia histórica dessa ideologia seria a objetivação

do nacionalismo enquanto programa de desenvolvimento para o país. O conteúdo desta nova

ideologia surgida a partir da crise do cristianismo foi, segundo o autor, a democracia burguesa e a economia capitalista. Sendo assim, seriam esses os moldes ocidentais nos quais o Brasil

precisaria trabalhar e se ajustar. Caso contrário, suas possibilidades de desenvolvimento

estariam comprometidas” (LOVATTO, 1997, p. 63).

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3. a desnacionalização, entendida em três aspectos básicos: 3.1. desnacionalização dos setores estratégicos da economia, mediante várias formas, diretas e indiretas, de transferência do controle desses setores para grandes empresas multinacionais, principalmente norte-americanas; 3.2. desnacionalização cultural, mediante o estabelecimento de um dependência científico-tecnológica com caráter crescente e acumulativo, em relação a países mais avançados como os Estados Unidos; e 3.3. desnacionalização político-militar, mediante o crescente controle dos países da região por dispositivos políticos-militares, cuja concepção do mundo e interesses corporativos se fundam na liderança hegemônica dos Estados Unidos, que implica na dicotomia entre suposto “mundo livre” – de que formam parte os países latino-americanos – e o “bloco comunista”, que estaria tentando destruir o primeiro, conjugando o emprego ou a ameaça da agressão externa com a subversão interna.

Estas características da América Latina, identificadas no texto de 1976 permanecem – ou até mesmo se agravaram – quarenta anos depois. Isto torna o Brasil e a América Latina, colônias dos países centrais, especialmente Estados Unidos e, agora, a China que avança fortemente na região.

As características de dependência da América Latina se justificam por vários motivos como a incapacidade de geração de recursos para investimentos sem sacrifícios intoleráveis da população abrindo as portas do país ao capital estrangeiro no desenvolvimento econômico, ficando por isso, os governos da região, condicionados às determinações dos governos centrais, as quais, em regra geral, são garantias de ordem pública que traga segurança aos investimentos estrangeiros, criando o que Hélio Jaguaribe (1976, p. 37) denomina “dialética de dependência”3.

3 “Na realidade, o modelo de dependência na presente década se caracteriza, como vimos,

pela desnacionalização, pela estagnação e pela marginalidade. Tal fato significa que apenas

uma decisão política fundada em motivos nacionalistas e orientada para a conquista

autônoma da viabilidade nacional permite assumir sacrifícios e empreender esforços necessários para incorporar e educar as massas marginais de regiões como a América Latina,

para conseguir formas mais amplas e responsáveis de participação. E apenas a mobilização e

incorporação das massas libera capacidade de produção e consumo na escala requerida para o desenvolvimento industrial auto-sustentado, em condições de crescente produtividade.

Acontece, portanto, que o modelo da dependência resulta de – e ao mesmo tempo causa, em

relação circular de causação – alienação das elites e marginalização das massas. Através de

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122 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

A partir deste reconhecimento são apontadas duas saídas: a estabilização da dependência ou, a revolução.

De um lado temos a possibilidade de assumir a inviabilidade do Brasil como uma nação e, assumir nossa total dependência externa, possuindo, no máximo, alguns pontos isolados de excelência. Este ponto vista teórico pode ser encontrado na obra “Dependência e Desenvolvimento na América Latina” (CARDOSO; FALETTO, 1970), coloca em prática na década de 1990 quando seu autor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a colocou em prática.

Para o ex-presidente, tanto a burguesia nacional como o operariado, no Brasil, se encontram em uma situação de dependência tal que não se reconhecem como classe, restando impossível a formação de uma nação independente (social, política e economicamente) dos centros de decisão. Como consta em sua obra:

Considerando-se o que foi denominado de efeito de amortecimento provocado pelo engajamento contínuo de camadas não proletárias ao sistema industrial de produção (...), considerando-se ainda a efetiva multiplicação dos canais de melhoria de status dentro das empresas (...), e levando-se em conta, finalmente, a existência de meios institucionais para a expressão das insatisfações e inconformidades, é pouco provável que o comportamento do operariado brasileiro, a curto prazo, se caracterize pelo ímpeto revolucionário. (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 22)

Além desta postura acima defendida, que só não foi levada às últimas consequências graças ao texto progressistas da Constituição Federal de 1988, há outra, a postura revolucionária.

certas condições de caráter cultural, político e econômico – originadas basicamente no sistema de colonização – o sistema social mantém o próprio equilíbrio pela repressão

coercitiva dos anelos das massas, cuja satisfação só seria aceitável para as elites, se conseguida

mediante aumento da produtividade que a estagnação do sistema não permite. De outro lado, tanto a estagnação econômica como a repressão social fazem com que o equilíbrio do sistema

dependa sempre mais de fatores externos. O sistema – exportador de produtos agrominerais,

sujeitos à deterioração de preços, e incapacitado para ultimar o próprio processo de industrialização – tende ao desequilíbrio da balança de pagamentos, corrigível apenas pelos

financiamentos externos que aumentam a dependência e perpetuam o “déficit” exterior”

(JAGUARIBE, 1976, p. 35).

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A alternativa

Diferentemente de Fernando Henrique Cardoso, Hélio Jaguaribe (1976, p. 46) entende que tanto a elite nacional como a classe operária possuem sim identidade e organização capaz de levar a uma revolução. Contudo, a América Latina perdeu o momento histórico de realizar a sua Revolução, devendo buscar uma nova alternativa até que outra “janela” de possibilidade se abra.

Além disso, a inexistência de homogeneidade na região impede que processos revolucionários ocorram simultaneamente em todos os países, permitindo uma contrarrevolução por parte dos Estados Unidos.

Contudo, ainda há a alternativa da construção de um modelo de autonomia, muito mais amplo daquele proposto por Celso Furtado durante sua passagem pela CEPAL.

Trata-se de um processo de desenvolvimento caracterizado, de um lado, pelo desenvolvimento cultural, social, econômico e político dos países latino-americanos como sociedades nacionais e, de outro lado; pela integração dessas nações, sem prejuízo de sua identidade nacional, em um sistema coerente e coeso que multiplique a base de recursos e mercados dos países membros, garantindo uma viabilidade ao processo.

A proposta é que seja um processo e não um projeto vez que, não haveria a adesão de todos os países ao projeto de autonomia latino-americana. Isso leva a um processo de integração progressiva dos países a este projeto, o que permite o respeito às peculiaridades locais (soberania nacional em outras palavras).

Hélio Jaguaribe (1976, p. 51), coloca que são três as características gerais deste processo de desenvolvimento. A primeira é o desenvolvimento do país como membro de uma coletividade internacional4. A segunda

4 “Tal característica implica dois aspectos: 1. O encaminhamento de cada país membro em um

processo geral de desenvolvimento cultural, social, econômico e político; 2. A realização de

cada um desses países como sociedade nacional. O desenvolvimento geral exige algo mais que simples crescimento econômico. Nas condições do nosso tempo, esse desenvolvimento

implica: a) o despregar-se de uma cultura racional, técnica-científica, fundada em uma ética

de liberdade e em um humanismo social; b) o estabelecimento de um regime de participação, em que sejam funcionais e meritocráticas as relações entre massas e elite; c) os requisitos

usuais de formação de recursos e fatores; d) a instauração e preservação de um regime

político dotado de efetiva representatividade e eficiente utilidade” (JAGUARIBE 1976, p. 52) .

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124 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

característica é a autonomia5 nacional e regional das decisões. A terceira e última característica, se refere à viabilidade regional baseada no estabelecimento de um sistema regional integrado.

A partir destas características são colocadas algumas condições para o processo ter sucesso.

1. Grau de intempestividade da iniciativa; 2. Viabilidade nacional dos países a que se destina o modelo; 3. Adaptação do modelo político escolhido às condições estruturais da sociedade em questão; 4. Adequação nacional e social dos países em questão à deflagração e sustentação do modelo; 5. Mobilização dos quadros apropriados;

6. Surgimento das lideranças convenientes; 7. Inexistência da intervenção estrangeira. (JAGUARIBE, 1976, p. 55)

Além disso, Jaguaribe coloca em um texto de 1979, a ideologia6 como

fator determinante para que as mudanças sociais aconteçam. Para ele:

Uma ideologia consiste, essencialmente, na formulação de uma pauta de valores e de sua articulação num projeto social dotado de eficácia histórica. Este é um caráter que só se pode comprovar a posteriori. Mas, a priori, pode-se determinar, formalmente, as condições de que se devem revestir os valores e seu projeto de realização para que uma ideologia logre eficácia histórica. (JAGUARIBE, 1979, p. 148)

5 “Autonomia, neste caso, significa tanto a existência de condições que permitam a livre

tomada de decisões como a resolução deliberada de exercitar tais condições. Essas condições são: possibilidades culturais de racionalidade finalista e operativa, as suas aplicações práticas,

a existência de um regime social propício a tal autonomia. Sobressai aqui, a possibilidade de

crescimento científico-tecnológico e econômico do sistema. (...) Com efeito, as relações de dependência em relação aos Estados Unidos – mesmo que expressas em formas

intergovernamentais ou institucionais, ostentando, no caso dos pequenos países, um sentido

pré-consular – contudo são relações de dependência privadas. É a dependência científico-tecnológica, econômico-financeira e administrativa através das grandes empresas

multinacionais norte-americanas. A superação desse tipo de dependência abrange a adoção

de novas políticas e normas, entre as quais destacam as concernentes a: 1. Invenções e patentes; 2. Capitais estrangeiros” (JAGUARIBE, 1976, p. 52). 6 “Ideologia, genericamente, é o conjunto de valores e de idéias que apresentam como

razoável e desejável um determinado projeto ou estatuto convivencial para a comunidade, a

partir dos interesses situacionais de uma determinada classe ou grupo social” (JAGUARIBE,

1979, p. 139).

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Para isso, fica destacado o papel do intelectual na construção deste projeto nacional. Como o Brasil não tem grupos sociais capaz de se reconhecerem como classe ideológica, caberia à intelectualidade formar toda uma nova geração capaz de conduzir o que ele denomina Brasil-projeto. Isto justifica, a sua participação ativa no ISEB.

Considerações finais

O caminho colocado ao longo do texto, baseado no pensamento de Hélio Jaguaribe é longo e tortuoso e, coloca uma questão que não há resposta imediata sobre qual o caminho que o Brasil quer seguir.

Inicialmente é necessário desmistificar a concepção clássica que a globalização é um processo único, sem volta, que somente traz vantagens para todos os países. Em verdade, o processo de globalização como o conhecemos distancia os países (centro X periferia) ao invés de aproximá-los.

O caminho passa pelo reconhecimento de uma identidade nacional que leve ao auto reconhecimento do Brasil como uma nação independente. Este reconhecimento implica na necessidade de conhecer os limites e falhas estruturais do país perante os países do centro e, outros países subdesenvolvidos.

Com este reconhecimento é possível falar na construção de um projeto nacional que resulte na integração com os demais países subdesenvolvidos para se libertarem, conjuntamente, do jugo dos países centrais.

Referências

CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e Desenvolvimento na América Latina: Ensaio de Interpretação Sociológica. 7º ed. Rio de Janeiro: Editora LTC, 1970.

CEPÊDA, Vera Alves. O Brasil em movimento. In: Cadernos do Desenvolvimento, v. 7, Rio de Janeiro, 2013. p. 221-225.

HAFFNER, Jacqueline Angélica Hernández. CEPAL: uma perspectiva sobre o desenvolvimento latino-americano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

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126 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

JAGUARIBE, Hélio. A crise brasileira. In: SCHWARTZMAN, Simon (sel. e introd.). O pensamento nacionalista e os “Cadernos de Nosso Tempo”. Brasília: UNB/Câmara dos Deputados, 1979. p. 131-170.

JAGUARIBE, Hélio. Dependência e Autonomia na América Latina. In: _____. A Dependência Político-Econômica da América Latina. São Paulo: Loyola, 1976. p. 9-64.

LOVATTO, Angélica. A utopia nacionalista de Hélio Jaguaribe – os tempos do Iseb. Revista Lutas Sociais. São Paulo, Volume 3, p. 59-88, 1997.

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DERECHOS Y GARANTÍAS DE LAS MINORÍAS NACIONALES EN EUROPA

María Luz Martínez Alarcón*

Una aproximación conceptual: minorías y derecho de las minorías

La concreción del término “minorías” no ha resultado posible a nivel normativo, al menos no de momento, ni el ámbito de Naciones Unidas, ni en el ámbito del derecho regional europeo, y ello da cuenta de que estamos ante una cuestión extraordinariamente sensible para los Estados. En el seno de Naciones Unidas, ni los trabajos de la Subcomisión para la Prevención de la Discriminación y Protección de las Minorías en su día1, ni los trabajos del Comité de Derechos Humanos que fiscaliza el cumplimiento del Pacto internacional de Derechos Civiles y Políticos de 1966 (Pacto político)2, ni la Declaración de los Derechos de las Personas

* Profesora Titular de Derecho Constitucional (UCLM).

1 La Subcomisión para la Prevención de la Discriminación y Protección de las Minorías(que se creó en el seno de la Comisión de Derechos Humanos del Consejo Económico y Social de

Naciones Unidas, hoy ya desaparecida) realizó un esfuerzo para acuñar una definición del

término. En concreto, la Subcomisión, tras la aprobación del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (1966), nombró a Francesco Capotorti Relator Especial con el objeto de

realizar un estudio sobre la situación de las personas pertenecientes a minorías étnicas,

lingüísticas o religiosas a las que se refiere en artículo 27 del Pacto. Caportoti definió, en 1977, el término “minoría” como aquel “grupo numéricamente inferior al resto de la población de

un Estado, en una posición dominante, cuyos miembros, siendo nacionales del Estado,

poseen características étnicas, religiosas o lingüísticas diferentes de las del resto de la población y muestran, aun de forma implícita, un sentido de solidaridad dirigido a preservar

su cultura, tradiciones, religión o idioma”. 2 El Comentario General número 23 del año 1994 sobre la interpretación del artículo 27 de

Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos que realiza el Comité de Derechos

Humanos no incluye una definición del término “minoría”. En todo caso, este Comentario General señaló que la existencia de una minoría étnica, religiosa o lingüística en un Estado

determinado no depende de la apreciación de dicho Estado, sino de la existencia de una serie

de criterios objetivos que deben concurrir para identificar los grupos minoritarios. Esta observación se produce a raíz de la posición del Estado francés que, en su ratificación del

Pacto, había declarado que su artículo 27 no podía resultar aplicable en su territorio puesto

que el principio de igualdad que preside la legislación francesa eliminaba, supuestamente, la

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128 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

pertenecientes a Minorías Étnicas o Nacionales, Lingüísticas o Religiosas de 1992, aunque incorpore el término “minorías nacionales” ausente del artículo 27 del Pacto político, han permitido concretar normativamente una definición de dicho término. Y tampoco ha sido posible, por otro lado, en el marco del derecho regional europeo. Así, la Convención Marco para la Protección de las Minorías (1995), aprobada en el seno del Consejo de Europa, no incluye una definición de término, y, como resultado, muchos Estados han añadido aclaraciones oficiales para su firma en las que enumeran las minorías de su país

3.

Sin embargo, los debates generados en torno al concepto han permitido a algún autor especializado en la materia identificar una noción consuetudinaria más o menos consolidada del término en virtud de la cual las minorías europeas vendrían constituidas por aquellos grupos de población de los países europeos que comparten unos rasgos de identidad propios – religión, lengua, etnia, hábitos o manifestaciones culturales tradicionales… – diferentes a los dominantes en el Estado de asentamiento del que son nacionales o con el que, sin ser nacionales, mantienen un relación especialmente estrecha, y que pretenden conducirse y actuar

existencia de minorías entre sus nacionales. El Comitéobservó en 1998 a la República francesa

que la existencia de minorías en el territorio de un Estado no depende de la apreciación del mismo y que consideraba al Estado francés obligado por dicho precepto en la medida en que

constataba una situación de hecho en Francia relativa a la existencia en su territorio de

minorías tanto étnicas, como lingüísticas, como religiosas. 3 En Dinamarca la “minoría alemana del sur de Jutlandia”; en Alemania “daneses de

nacionalidad alemana y los sorabos de Lusacia … los grupos étnicos que residen tradicionalmente en Alemania, los frisones y los gitanos”; en Eslovenia “las minorías italianas

y húngaras”; en el Reino Unido “la minoría córnicos de Cormualles”; en Austria “las minorías

croatas, eslovenas, húngaras, checas, eslovacas y gitanas”; en Rumanía el país reconoce 20 minorías nacionales y su ley electoral les garantiza representación parlamentaria. Otros

muchos firmantes simplemente declararon que no tienen minorías nacionales. Estas

declaraciones dan cuenta de lo sensible que el tema resulta. Las minorías nacionales tradicionales representan el 8% de la población de la Unión Europea y las lenguas regionales

o minoritarias son habladas por casi 50 millones de personas, lo que equivale al 10% de la

población de la Unión. En todo caso, se llegó a un consenso (por un grupo de expertos jurídicos) de que esta Convención se refiere a cualquier grupo étnico, lingüístico o religioso

de personas que se define a sí misma como un grupo distintivo, en una zona bien definida, y

que mantiene estables las relaciones de amistad con el Estado en que vive. Algunos expertos y países pretendieron llegar más lejos pero, sin embargo, las recientes minorías, como los

inmigrantes, no han sido enumeradas por los países firmantes entre las minorías afectadas

por esta Convención.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 129

conforme a dichos rasgos de identidad propios4. Obsérvese que no resulta absolutamente preciso que concurra la nacionalidad del Estado de asentamiento para considerar que se está en presencia de un miembro perteneciente a una minoría; basta con ser autóctono del mismo para concluir, si concurren el resto de elementos que identifican el grupo minoritario, que se está en presencia de un miembro que forma parte de una minoría.

Éste es el ámbito de protección del Derecho de las minorías. Podemos afirmar, por consiguiente, que este sector específico del ordenamiento jurídico tiene por objeto preservar y garantizar un determinado bien jurídico consistente en la identidad nacional de las personas integradas en los grupos de población minoritarios de los países europeos que pretenden mantener su idiosincracia en un sentido cultural

5.

A su través no solo se pretende preservar dicha idiosincracia – en la

4 En este sentido Björn Arp (2008, p. 405): la “minoría nacional” es aquel “Grupo de personas,

caracterizados por una identidad nacional común que no es la constitutiva de su Estado de asentamiento, que tienen por regla general la ciudadanía de este Estado y que en cualquier

caso han estado asentados en él desde hace mucho tiempo, de manera que se trata de una

comunidad nacional autóctona en ese Estado. “Los criterios distintivos usados en la práctica estudiada para identificar los colectivos nacionales que pueden beneficiarse de esta

protección jurídica internacional son, fundamentalmente, la ciudadanía del Estado de

asentamiento, la autoctonía en dicho Estado, el carácter nacional de la minoría, su carácter no dominante en la sociedad del Estado de asentamiento y la voluntad de sus miembros de

preservar su identidad nacional. De ahí también que la función promocional y compensadora

de las culturas y nacionalidades tradicionales o históricas europeas, que cumple este Derecho de minorías en el subsistema regional europeo, no pueda confundirse con la función

integradora de las normas sobre las nuevas minorías formadas por grupos de inm igrantes” (

JIMÉNEZ PIERNAS, 2008, p. XVII). 5 “… el derecho humano que se protege a través del Derecho de minorías es el derecho a la

identidad nacional de cada persona, entendiéndose esta “nacionalidad” en sentido cultural, y no como vínculo jurídico de una persona con un Estado, que se ha denominado

preferentemente ‘ciudadanía’”. El derecho a la autodeterminación queda excluido del Derecho

de minorías nacionales. “La razón de dicha exclusión radica en que son totalmente diferentes las consecuencias del reconocimiento de la posibilidad jurídica de ejercicio de derechos

colectivos y la posibilidad de que un determinado grupo de personas se constituya en Estado.

Mientras que, en el primer caso, se compatibiliza el principio general de la protección de los derechos humanos con el principio de la igualdad soberana de los Estados, el reconocimiento

de un derecho de autodeterminación externa no sería compatible con la igualdad soberana de

los Estados, que en el actual estado de desarrollo del DI es uno de sus principios constitucionales inamovibles. Además, conviene subrayar que la constitución de un Estado

propio rompería los propios fundamentos de la aplicación del Derecho de minorías”; (BJÖRN,

2008, p. 402).

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130 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

medida en que sus titulares así lo reclaman (pues ningún individuo puede verse obligado a actuar conforme a determinados rasgos identitarios contra su voluntad) –, sino que, asimismo, y en la medida en que dichos colectivos gozan de protección jurídica, se allana el camino para garantizar una convivencia pacífica entre las distintas nacionalidades

6 del Estado de

asentamiento, cada una de ellas con diferente grado de relevancia o peso social.

Por otro lado, el tránsito del Estado liberal de Derecho al Estado social y democrático de Derecho, y el consiguiente reconocimiento de un principio de igualdad material frente al más clásico principio de igualdad formal, ha terminado por reflejarse, como podía ser de otra forma, en este sector del ordenamiento jurídico. En efecto, en la actualidad, las concreciones normativas en materia de minorías no se limitan a reconocer el principio de igualdad ante la Ley y no discriminación de los sujetos que integran los colectivos minoritarios (igualdad formal), sino que, además, complementan esta vertiente del principio de igualdad con el principio de igualdad en la Ley (igualdad material), en virtud del cual los Estados no deben limitarse a desempeñar una función tuitiva de los colectivos minoritarios frente a situaciones de discriminación contrarias al principio de igualdad formal, sino que, además, deben intervenir de forma activa para promover el ejercicio de la identidad nacional de estos colectivos, incluso, si así se justifica, a través de la adopción de medidas de acción positiva7.

La historia de la protección de las minorías en Europa

La historia del reconocimiento normativo y protección de los derechos de las minorías en Europa se puede articular, siguiendo a Eduardo Ruiz (1998), en torno a cinco grandes etapas: i) Primera etapa: desde la firma de los Tratados de Westfalia (1648) hasta el Congreso de Viena (1814); ii) Segunda etapa: desde el Congreso de Viena (1814) hasta la Paz de Versalles (1919); iii) Tercera etapa: desde la Paz de Versalles (1919) hasta la Conferencia de Postdam (1945); iv) Cuarta etapa: desde la

6 En el sentido cultural del término.

7 Sobre el paradigma decimonónico del principio de igualdad material formal y su

complemento (y justificación), en la actualidad, a través del principio de igualdad material,

con las consecuencias que ello conlleva, puede verse Martínez Alarcón, Mª L. (2006, p. 104ss).

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Conferencia de Postdam (1945) hasta la caída del muro de Berlín (1989), y; v) Quinta etapa: desde la caída de muro de Berlín en adelante.

El desarrollo del Derecho de las minorías en Europa ha pretendido dar respuesta, con distintas finalidades, a la situación política de cada momento histórico concreto, y, aunque el proceso de construcción de este Derecho no se ha desarrollado de forma lineal sino que ha conocido alguna etapa de crisis (además relativamente reciente), sí que podemos concluir que si en su origen los tratados internacionales que aludían a esta materia se limitaban a incorporar unas cláusulas de mínimos, en la actualidad, nos encontramos con un sistema de reconocimiento y protección de las minorías que ha alcanzado un cierto nivel de complejidad y sofisticación.

Los desarrollos jurídicos de la protección de las minorías de las dos primeras etapas se concretan con la firma de tratados internacionales bilaterales y/o multilaterales que tienen como protagonistas a aquellos Estados que pretenden solventar el conflicto que los enfrenta. Estos tratados incorporan, en ocasiones, alguna cláusula de reconocimiento de las minorías.

El elemento de identidad de las minorías a las que aluden los tratados de la primera etapa (1648-1814) va a ser el elemento religioso. Los conflictos religiosos de esta fase van a dejar un legado de minorías religiosas de base territorial que se ampliará con las contiendas de las potencias europeas y las correspondientes modificaciones de fronteras8. Y, aunque en ocasiones la opción consistió en perseguir la disidencia religiosa, en aquellas otras en que ello resultaba imposible, o incluso inconveniente (pensemos que, por razones estratégicas, las potencias vencedoras podían reconocer a las minorías con el fin de garantizar la estabilidad en la anexión de un determinado territorio), se optó por incorporar alguna cláusula en el tratado correspondiente de reconocimiento de la minoría religiosa. Estas cláusulas siempre presentaban un contenido mínimo que se solía traducir, exclusivamente, en una aceptación de la libertad de cultos y en la interdicción de imponer

8 En la Edad Moderna, el elemento de identidad de las minorías nacionales era la religión, no

la lengua. “Antes cohesionaba un gremio, un estamento, una villa o cualquier otra institución

con soporte representativo en el complejo entramado del Antiguo Régimen que la

participación en una unidad lingüística o cultural…”; “…la diversidad lingüística era un hecho que, a pesar de los incipientes esfuerzos por estandarizar el idioma del Estado, se concebía

por el poder político como una realidad inherente a la extensión territorial del Estado…”

(RUIZ VIEYTEZ, 1998, p. 21s; también HERMET, 1996, p. 53).

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132 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

la religión dominante (a veces también se permitía la manifestación externa de la religión del grupo minoritario)9.

Sin embargo, el elemento de identidad de las minorías a las que aluden los tratados de la segunda etapa (1814-1919) ya no va a ser, o no va a ser solo, el elemento religioso. El elemento fundamental de identidad de las minorías durante esta fase será el elemento racial y/o cultural pues los tratados en este momento buscan, fundamentalmente, poner fin a conflictos de naturaleza étnica introduciendo referencias protectoras a nacionalidades carentes de Estado.

Recordemos que el Estado liberal de Derecho que comienza su desarrollo en Europa a finales del siglo XVIII de la mano de las revoluciones liberales se articula, entre otras cosas, en torno al concepto de nación, y, a su través, se produce la consolidación de antiguas y nuevas realidades de base regional (podemos mencionar los procesos unificadores de Alemania e Italia; la independencia adquirida durante este periodo por Bélgica, Noruega, Grecia, Bulgaria, Serbia, Montenegro, Albania y Rumanía; la posición particular de Hungría en el Imperio austriaco durante este periodo; o los diferentes grados de autonomía con los que se beneficiarían Finlandia y Polonia dentro del Imperio ruso). El resultado de este proceso de reconfiguración del mapa político europeo se traducirá, en la Europa central y oriental, donde los Estados presentarán estructuras más débiles, en una consolidación de minorías de base identitaria racional o cultural y los tratados que intentan resolver los conflictos de esta región incluyen referencias de respeto a estas nacionalidades10. Por el contrario, en Europa occidental solo logran su consolidación como minoría, además de forma tardía, irlandeses, vascos y catalanes.

9 Así se hizo en la Paz de Westfalia de 1648, en el Tratado de Oliva de 1660, en los Tratados de

Nimega de 1678, en el Tratado de Ryswick de 1697, en la Paz de Carlowitz de 1699, en el

Tratado de Breslau de 1742, o en el Tratado de Kütschük-Kainardschi de 1774.La única nota

discordante en este panorama tan homogéneo la introduce el Tratado de Kütschük-Kainardschi, pues su artículo III se refiere al otorgamiento por la Sublime Puerta de una

autonomía total a los pueblos tártaros y turcos del Sur de Ucrania y de Crimea, con lo que

dicho precepto parece apuntar hacia la protección de las minorías con un sentido más nacional que religioso, anticipando así lo iba a suceder en la etapa posterior (RUIZ VIEYTEZ,

1998, p. 24-27). Véase, asimismo, H. Kamen (1987). 10

Sintomáticos, al respecto, son el l Congreso de Viena (1815), la Paz de Adrianópolis de 1829, la Conferencia de Londres de 1830, el Tratado de Londres de 1864, el Tratado de Paz de París

en 1856, el Tratado de San Estéfano de 1878, o el Tratado de Berlín de 1878.

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De cualquier forma, en ambos periodos, la protección jurídica de las minorías presenta un contenido mínimo (únicamente se consagra el principio del respeto de las minorías y muy pocas veces la previsión va más allá de la proclamación de dicho principio), asistemático y parcial (porque la protección solo busca solventar un conflicto particular, potencial o real). Se trataba, pues, de instrumentos de protección de las minorías muy rudimentarios, y, se ha afirmado, con un grado de eficacia discutible.

Los tratados internacionales posteriores a la I Guerra Mundial traen consigo una reestructuración sustancial del mapa político europeo central y oriental. El miedo, entonces, fue que las minorías de dicho territorio pudieran poder en peligro la estabilidad y paz europeas y la seguridad de los nuevos Estados

11. Las potencias vencedoras pretendieron poner freno a

dicho riesgo imponiendo a los nuevos Estados europeos centrales y orientales la aceptación de un sistema de protección internacional de las minorías (las minorías de Europa occidental fueron neutralizadas con políticas de asimilación indirecta a través del desarrollo de la educación, de los transportes y de los medios de comunicación de masas, en particular la radio, y solo Irlanda consiguió su independencia en este periodo. País Vasco y Cataluña son las únicas minorías occidentales que asisten a la consolidación de fuertes movimientos políticos nacionalistas).

En esta tercer etapa (1919-1945), frente a un desarrollo del Derecho de las minorías en Europa de mínimos, asistemático y parcial, propio de las dos primeras etapas, se produce un desarrollo normativo sobre la materia más completo (al reconocimiento de derechos se añade la creación de instrumentos destinados a su protección), más sistemático y menos parcial (pues se pretende aportar una respuesta común a un problema que trascendía las fronteras de los Estados particulares de la Europa central y oriental).

El contenido, pues, de los textos internacionales de esta etapa que aludían a las minorías respondía a un modelo común que incorporaba expresamente el derecho de sus miembros a adoptar la nacionalidad del

11 Aunque hay que señalar que la modificación de las fronteras de la Europa central y oriental

que trajo consigo el fin de la Gran Guerra se tradujo en una importante reducción de los

grupos minoritarios nacionales. Si en 1914 uno de cada dos habitantes de dicho espacio se

podía considerar miembro de una minoría lingüística, nacional o religiosa, en 1920 solamente uno de cada cuatro habitantes se hallaba en tal situación; aun así la presencia de minorías

seguía siendo numéricamente importante, especialmente en determinados Estados como

Checoslovaquia, Rumania o Yugoslavia (RUIZ VIEYTEZ, 1988, p. 36).

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134 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Estado en el que residían, la plena equiparación en materia de derechos civiles y políticos, incluyendo la libertad de acceso a los cargos públicos, así como la plena igualdad ante la ley. En materia cultural, las minorías debían disponer de enseñanza elemental en su respectivo idioma, libertad de enseñanza en la lengua de las minorías, así como de ayudas económicas del Estado cuando fueran necesarias para el mantenimiento de su propia lengua y cultura

12. Además, los tratados incluyeron garantías para la

protección de estos derechos (normativas, institucionales y jurisdiccionales).

Entre las primeras (garantías normativas) habría que mencionar que su modificación requería de la aprobación del Consejo de la Sociedad de Naciones.

Entre las segundas (garantías institucionales) habría que destacar el papel central como órgano de protección que se atribuye precisamente al Consejo de la Sociedad de Naciones, habilitado para recibir quejas o reclamaciones presentadas por los Estados miembros o personas pertenecientes a minorías o sus representantes frente a los incumplimientos por parte de un Estado de las disposiciones protectoras previstas en los tratados (se trataba de un mecanismo de resolución de conflictos de naturaleza política).

12

Eduardo Ruiz Vieytez (1998, p. 39s) clasifica estos Tratados en los siguientes grupos: 1)

Tratados de Paz: cuatro de los cinco tratados de paz incluían cláusulas por las que las potencias vencidas se obligan al respeto de los derechos de las minorías existentes en sus

respectivos territorios. Se trata de los tratados de paz firmados con Austria (Tratado de Saint

Germain-in-Laye), Bulgaria (Tratado de Neully), Hungría (Tratado de Trianon) y Turquía (Tratado de Sévres). 2) Tratados paralelos: al mismo tiempo, se firmaron cinco tratados

internacionales entre las potencias aliadas y asociadas, por una parte, y los nuevos Estados

independientes (Checoslovaquía, Polonia y Yugoslavia) o engrandecidos territorialmente tras la rectificación de fronteras (Rumanía y Grecia). En virtud de dichos documentos, estos 5

Estados se obligaban al respeto de los derechos de las minorías existentes en sus territorios. 3)

Tratados específicos: se firmaron también 4 tratados internacionales entre diversos países, que incorporaban cláusulas de protección de minorías específicas. Estos tratados hacían

referencia a las minorías de la Ciudad Libre de Danzig, las Islas Aaland en Finlandia, Alta

Silesia y el territorio de Memel en Prusia Oriental. 4) Declaraciones unilaterales: finalmente, otros 5 Estados se vieron compelidos por la Sociedad de Naciones a emitir declaraciones

unilaterales en las que se obligaban al respeto de los derechos de sus minorías internas como

condición previa para su ingreso en la organización. Así lo hicieron, en consecuencia, los gobiernos de Albania en 1921, Lituania en 1922, Estonia y Letonia en 1923 y finalmente Irak en

1932. Este mismo autor cita asimismo algunos tratados que contenían previsiones específicas

referentes a minorías particulares (RUIZ VIEYTEZ, 1998, p. 40-42).

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Entre las terceras (jurisdiccionales o contenciosas), la Corte Permanente Internacional de Justicia conocía las reclamaciones estatales por el incumplimiento de otro Estado de las normas protectoras de las minorías. En todo caso, la resolución de este tipo de conflictos se planteó, las más de las veces, en términos políticos (la Corte solo dictó una sentencia al respecto en el año 1925 sobre los derechos de las minorías de Silesia Superior; otras tres reclamaciones judiciales fueron retiradas antes de llegar a la fase final del procedimiento judicial). De cualquier forma, la actividad de la Corte no se limitaba al desempeño de una competencia de naturaleza contenciosa en este ámbito; asimismo, podía emitir dictámenes consultivos sobre las cuestiones relacionadas con el cumplimiento de las disposiciones referentes a las minorías, y, de hecho, llegó a emitir varias opiniones consultivas sobre el asunto durante su periodo de vigencia

13.

Ahora bien, y a pesar de un desarrollo más articulado de un Derecho de las minorías, el periodo de entreguerras no fue, ni mucho menos, ejemplar con relación al respeto de los derechos humanos. El progresivo desprestigio de la Sociedad de Naciones terminó minando la efectividad del sistema de protección de las minorías.

Las dos últimas etapas de la protección de los derechos en Europa (1945-1989 y 1989 en adelante) vienen protagonizadas por el desarrollo de mecanismos de protección regional de los derechos humanos. Entre ambas, sin embargo, existen diferencias sustanciales: mientras que la etapa que se prolonga desde la Conferencia de Postdam (1945) hasta la caída del muro de Berlín (1989) se observa un freno en el desarrollo de un específico Derecho de las minorías, la segunda, tras las caída del muro de Berlín, y en particular en los años inmediatamente posteriores a la caída del muro, viene caracterizada por su reactivación.

La finalización de la II Guerra Mundial no trajo consigo grandes cambios territoriales en el mapa político europeo (en este momento se optó por un desplazamiento forzado de las poblaciones respecto de sus zonas de asentamiento con el objeto de garantizar el mayor grado posible

13

Caso de los pobladores alemanes en territorios polacos en 1923, caso de las comunidades

greco-búlgaras en 1930 – la Corte avanzó aquí una primera definición jurídica de minoría-, caso de las escuelas en las Silesia Superior en 1931, caso de los pobladores polacos en Danzig

en 1932, caso de la adquisición de la nacionalidad polaca en 1933 y caso de las escuelas

minoritarias de Albania en 1935.

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136 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

de homogeneidad demográfica en los Estados14). Asimismo, las desastrosas consecuencias de esta contienda provocó una intensa reacción ideológica que puso el acento en la necesidad de garantizar la libertad del ser humano considerado individualmente – con independencia de su pertenencia a un colectivo concreto – a través del reconocimiento de sus derechos y del diseño de mecanismos de protección de los mismos. Se trató de una reacción ideológica de corte marcadamente individualista que generó un recelo generalizado hacia todo aquello que hiciera referencia a colectivos, por muy minoritarios que éstos fueran y que, como consecuencia, eludió el desarrollo de un Derecho específicamente dirigido al tratamiento de esta problemática. El panorama general rechazaba un tratamiento específico de estas cuestiones considerando que el reconocimiento individual de los derechos, en particular del principio de igualdad y no discriminación, y el diseño de mecanismos dispuestos para su protección, resultaban suficientes para proteger los derechos de las personas integradas en grupos minoritarios.

Tras la II Guerra Mundial, los desarrollos jurídicos alcanzados sobre la materia en el marco de la Sociedad de Naciones se considerarán, argumentando la existencia de un contexto absolutamente distinto, superados, sin vigor15, y no serán sustituidos por nuevos desarrollos jurídicos. Las cuestiones nacionales y minoritarias, muchos años después del término de la II Guerra Mundial, abandonan casi completamente la agenda política16. Y, como corolario, los principales instrumentos internacionales de la protección de los derechos humanos que se aprobaron en esta época no prestaron una atención específica a la

14

Si en 1920 se produjo una reestructuración sustancial del mapa político europeo, en 1945, sin

embargo, van a ser las poblaciones las que van a ser desplazadas por la fuerza de sus zonas de residencia con el objeto de conseguir mayores cotas de homogeneidad nacional en los

diferentes Estados europeos (tras la II Guerra Mundial no surgen nuevos Estados en Europa ni

desaparecen los ya existentes salvo para el caso de los tres Estados bálticos integrados en la URSS). Lo que se desplaza, tras esta contienda mundial, son las personas (no las fronteras). 15

Únicamente Finlandia se sigue considerando obligada por el tratado de 1920 relativo al régimen de las Islas Aaland. 16

Habría que mencionar la excepción de Tirol del Sur y las soluciones ensayadas en la Yugoslavia federal de Tito y el Estado regional italiano. Además, la comunidad internacional

presta escasa atención a la represión que sufren las minorías en el bloque europeo que queda bajo la órbita de la URSS o aquéllas otras instaladas en el sur de Europa occidental mientras

se prolongan los regímenes dictatoriales que protagonizan buena parte de su historia en la

segunda mitad del siglo XX.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 137

protección de las minorías. No lo hizo la Carta de Naciones Unidas (1945), ni la Declaración Universal de los Derechos Humanos (1948), ni el Convenio Europeo para la Protección de los Derechos Humanos (1950), ni, ya más adelante, los Pactos político y social (1966). Ninguno de estos textos se refiere a la situación de las minorías, sino que su contenido es relativo, en general, a la tutela de los derechos humanos considerados individualmente. En realidad, la protección de las minorías en este periodo, especialmente durante sus primeras dos décadas, queda circunscrita a lo que pudiera establecerse por tratados bilaterales o multilaterales firmados entre los Estados con interés al respecto, aunque finalmente serán muy pocos los que incluyan cláusulas de protección de los derechos de las minorías territoriales específicas

17.

En todo caso, Naciones Unidas (en el ámbito de la protección universal de los derechos), y el Consejo de Europa (en el ámbito de la protección regional europea de los derechos), dieron algún paso, muy tímido eso sí, atinente a la protección jurídica de las minorías durante dicho periodo.

Finalmente, la última etapa de la historia de la protección de las minorías en Europa se inaugura con la caía del muro de Berlín (1989) y se prolonga hasta nuestros días. Tras largas décadas de olvido de la cuestión minoritaria, el derrumbe del muro de Berlín y una nueva y sustancial alteración del mapa político europeo, permite visualizar numerosas nacionalidades en la Europa central y oriental que habían permanecido silenciadas bajo el dominio soviético y que pretenden aprovechar este contexto para intentar conseguir sus aspiraciones políticas. El proceso de reorganización territorial en esta zona europea va a provocar violentos conflictos armados de graves consecuencias. En especial, el conflicto yugoslavo va a recabar la atención de la comunidad internacional y provocará un fuerte impacto en la conciencia colectiva europea. Se teme su posible extensión y una revitalización de las rivalidades nacionales en Europa central y oriental.

17

Se ha afirmado que su cadencia nos recuerda a la que se produce entre los siglos XVII y XIX en el continente europeo. En este sentido Ruiz Vieytez (1998, p. 46). El autor destaca,

asimismo, que siendo Europa centro-oriental la zona del continente tradicionalmente más afectada por las cuestiones minoritarias y la que había prácticamente monopolizado los

desarrollos jurídicos internacionales hasta la fecha, los tratados que se firman son todos

relativos a minorías existentes en los Estados de la zona occidental de Europa.

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138 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Con este contexto como telón de fondo, la cuestión de las minorías de la Europa central y oriental (pues la cuestión relativa a las minorías de la Europa occidental se consideran un problema interno que puede recibir respuestas internas de orden constitucional) vuelve a la agenda política, es más, pasa a ocupar una posición fundamental en la agenda política europea. El resultado será la concreción de nuevos desarrollos jurídicos sobre la específica cuestión de las minorías (desarrollos en el sistema universal de protección de Naciones Unidas y en el ámbito regional europeo, en particular en el seno del Consejo de Europa, y desarrollos a través de la firma de numerosos tratados bilaterales que servirán de complemento a los convenios multilaterales sobre esta materia

18).

En todo caso, el resurgimiento de un Derecho específico sobre las minorías no ha supuesto, en realidad, el reconocimiento ideológico de la existencia de derechos colectivos (en el ordenamiento jurídico atinente a esta materia resulta evidente el protagonismo de la dimensión individual – no colectiva – de los derechos). El debate sobre el reconocimiento de derechos colectivos continúa y son todavía hoy muchos los autores que consideran que los derechos presentan una naturaleza individual aunque se puedan ejercer colectivamente. En este sentido, el Derecho internacional y los ordenamientos internos permiten, por lo general, tanto al individuo como a los grupos de manera colectiva, reclamar la protección de sus derechos fundamentales.

18

Estos tratados, con indudables afinidades, pueden ser englobados en la categoría de Convenios de Buena Vecindad y Relaciones Amistosas. Su conclusión, abiertamente

fomentada por el Consejo de Europa, la OSCE y la propia UE, tiene por finalidad garantizar

recíprocamente el reconocimiento de las fronteras existentes así como proteger a las minorías nacionales que muchas veces con carácter simétrico habitan en los diferentes Estados de la

Europa central y oriental (RUIZ VIEYTEZ, 1998, p. 65-67). El autor enumera y explica dichos

Tratados.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 139

La protección de las minorías en Europa tras la Segunda Guerra Mundial

La protección de las minorías en el sistema universal de Naciones Unidas.

Reconocimiento jurídico de las minorías

La Organización de Naciones Unidas (ONU) constituye el organismo internacional de ámbito universal creado para la defensa de los derechos humanos tras la II Guerra Mundial

19. Sustituye a la Sociedad de

Naciones que, fundada en 1919 tras la finalización de la I Guerra Mundial, había representado hasta el momento el mecanismo multilateral más relevante para la protección de las minorías.

Pues bien, a pesar de los esfuerzos iniciales de la ONU para afrontar el problema de las minorías étnicas y nacionales (el Secretario General de la Organización encargó un estudio para abordar este problema), lo cierto es que los instrumentos internacionales en materia de derechos humanos que se aprobaron de forma inmediatamente posterior a la conclusión de la II Guerra Mundial en su seno no reflejaron en su articulado la cuestión de las minorías étnicas y nacionales. Pese a algunas reticencias en el seno de la propia organización al respecto20 se abandonaron, en aquel momento,

19

La Organización Internacional de Naciones Unidas (ONU) se funda en el año 1945 tras la Segunda

Guerra Mundial con la firma de la Carta de las Naciones Unidas en la ciudad de San Francisco el día

26 de junio de 1945 y su entrada en vigor el día 14 de octubre de 1945. La Carta, documento

fundador de la organización, no recoge con detalle qué derechos deben proteger las naciones

civilizadas, y, sin embargo, es evidente que entre los principales objetivos de la organización se

cuenta la tutela de los derechos humanos en el ámbito internacional. Su sistema de protección de los

derechos humanos es muy complejo. Está basado en numerosos instrumentos internacionales,

algunos de ellos sectoriales (además de los Pactos, Nacionales Unidas ha suscrito otros instrumentos

destinados a las protección de grupos específicos), y son diversos los órganos y procedimientos a

través de los cuales se produce dicha tutela (en todo caso, uno de los principales defectos de estos

instrumentos estriba en la debilidad de los mecanismos dispuestos para su supervisión, aunque sea

cierto que tienen una indudable influencia en la creación de Derecho a nivel nacional y son invocados

ante los tribunales nacionales de los Estados que los han ratificado). 20

Algunos delegados de Europa del Este propusieron incluir alguna cláusula sobre protección específica de las minorías en la Declaración Universal de Derechos Humanos, y lo hicieron

nuevamente con relación a los Pactos del año sesenta y seis. EE.UU. y los delegados occidentales se opusieron frontalmente. En la redacción final de la Declaración se impuso la

tesis individualista frente a la comunitarista y ello se proyectó en la actividad normativa

posterior de Naciones Unidas.

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140 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

los problemas de las minorías como tales y se centró la atención en la necesidad de garantizar los derechos del ser humano considerado individualmente y con independencia de que el mismo pudiera ser adscrito a algún grupo minoritario (se reconocieron los derechos humanos independientemente de la raza, el color o la nacionalidad a la que perteneciese el sujeto). Finalmente, se concluyó que la forma efectiva de enfrentar cualquier violación de los derechos humanos por pertenecer a un grupo minoritario se haría en lo sucesivo a través de la protección individual basada en el principio de no discriminación (recogido en la Carta de Naciones Unidas, en la Declaración Universal de los Derechos Humanos y en el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos

21).

Algunos autores han denunciado que la ausencia de una política específica de protección de las minorías durante este primer periodo de funcionamiento de la Naciones Unidas, permitió a muchos Estados europeos desarrollar políticas estatales contra las minorías étnicas presentes en sus territorios.

De cualquier forma, a pesar de la escasa atención prestada durante muchos años en el sistema de protección universal de derechos humanos a la cuestión específica de las minorías en Europa, sí que se produjo algún desarrollo jurídico en dicho ámbito aplicable a los grupos minoritarios

21

Dentro del gran acervo de normas y declaraciones internacionales de derechos producidas en el

seno de Naciones Unidas destacan el Pacto Internacional de Derechos Políticos y Civiles y el Pacto

Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales. En virtud del Preámbulo de la

Declaración Universal de los Derechos Humanos, suscrita en París el 10 de diciembre de 1948, se

pretende establecer un “estándar común de garantía de todos los pueblos y naciones (…) en la

promoción del respeto de esos Derechos y Libertades”. La yuxtaposición de derechos civiles y

políticos junto a económicos, sociales y culturales, fue posible solo porque la Declaración no se

redactó como un instrumento normativo vinculante. A pesar de ello, o quizás a causa de ello, el texto

de 1948 ha sido una importantísima fuente de inspiración para la redacción de otros instrumentos

sobre Derechos Humanos, a nivel regional o universal, y también a nivel nacional. La disputa entre

derechos civiles y políticos, por un lado, y económicos y sociales, de otro, se saldó con la creación de

dos Tratados Internacionales, ya sí instrumentos jurídicos vinculantes: el Pacto Internacional de

Derechos Civiles y Políticos y el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y

Culturales, que comparten el mismo Preámbulo. Ambos fueron aprobados por la Asamblea General

de Naciones Unidas el 16 de diciembre de 1966. El Pacto político entró en vigor el 23 de marzo de

1976 y el Pacto social el 3 de enero de 1976, tras alcanzar, en ambos casos, el número de

ratificaciones necesario. En todo caso, los derechos de carácter social o de segunda generación se

consagran también, de forma similar a lo que sucede en el nivel nacional, acompañados de un nivel

de protección menor que aquél del que disfrutan los derechos civiles o políticos. Y, en todo caso,

cuando su nivel de protección se amplía, los Estados se muestran reticentes a asumir los

compromisos que derivan de dicha ampliación.

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propiamente dichos (bien de forma directa, bien de forma indirecta). Así se aprobaron los siguientes textos internacionales: el Convenio para la Represión y Sanción del Crimen de Genocidio (1948), la Convención relativa a la Lucha contra las Discriminaciones en la Esfera de la Enseñanza (1960), que incluye referencias expresas a los derechos de las minorías nacionales en el ámbito educativo, y el Convenio para la Eliminación de todas las formas de Discriminación Racial (1964), que incluye en su objeto de protección la prohibición de cualquier discriminación basada en la condición nacional o étnica de las personas. No obstante ello, resultará particularmente interesante lo dispuesto por el artículo 27 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (1966) cuando establece que “En aquellos Estados en los que existen minorías étnicas, lingüísticas o religiosas, no se negará a las personas pertenecientes a tales minorías, en comunidad con otros miembros de su grupo, el derecho a disfrutar de su propia cultura, a profesar y practicar su propia religión o a usar su propio idioma”. Este precepto, en todo caso, no reconoce los derechos a las minorías como tales sino a las personas que pertenecen a las mismas22.

Ahora bien, la caída del muro de Berlín en el año ochenta y nueve trajo consigo la visibilidad del problema de las minorías nacionales, con sus consiguientes tensiones, en la Europa central y oriental y Naciones Unidas, entre otras instituciones, comenzó a prestar una atención específica hacia estas cuestiones con el objetivo de garantizar la convivencia y estabilidad de este territorio europeo. La ONU, a partir de ese momento, desarrollo líneas de trabajo de naturaleza específica atinentes a estas minorías.

Especialmente relevante en este sentido fue la aprobación, por parte de su Asamblea General, de la Declaración sobre los derechos de las personas pertenecientes a minorías nacionales o étnicas, religiosas y

22

El profesor Ruiz Vieytez (1998, p. 50) apunta que la redacción de este precepto constituye un fiel reflejo de los numerosos recelos que en 1966 seguía provocando la protección

específica de las minorías. Señala que la perspectiva individualista es la predominante (aunque las corrientes favorables a la protección de derechos colectivos lograron introducir

“en comunidad con otros miembros de su grupo” en el artículo); que el precepto está

redactado de forma negativa manifestando una intención más bien dirigida a la conservación de los hechos minoritarios que a la protección activa de las mismas, y, finalmente, hace notar

que el artículo hace solo referencia a las minorías lingüísticas, étnicas o religiosas (no habla de

minorías nacionales) y que no define en ningún momento dichas categorías.

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lingüísticas el 18 de diciembre de 199223, que constituye, por el momento, el mayor intento de la organización en la búsqueda de una concreción de los derechos de las personas pertenecientes a estos colectivos, precisando las obligaciones que los Estados deben asumir al respecto. A diferencia del Pacto político de 1966, se trata de un documento internacional de soft law y ello ha llevado a relativizar su importancia. De hecho, la Declaración no incluye mecanismos específicos de implementación y control que todavía están pendientes de desarrollar y para cuyo desarrollo se constituyó, en 1995, por Resolución del ECOSOC, un Grupo de Trabajo sobre Minorías que no tuvo éxito en su empeño. En todo caso, su artículo 9 establece que “Los organismos especializados y demás organizaciones del sistema de las Naciones Unidas contribuirán a la plena realización de los derechos y principios enunciados en la presente Declaración, en sus respectivas esferas de competencia”.

La Declaración, en efecto, se limita a concretar los derechos de las minorías y sus miembros. Comienza su artículo primero estableciendo que los Estados protegerán la existencia y la identidad nacional o étnica, cultural, religiosa y lingüística de las minorías dentro de sus territorios respectivos y fomentarán las condiciones para la promoción de esa identidad; y que adoptarán medidas apropiadas, legislativas o de otro tipo, para lograr dichos objetivos.

En el artículo 2 y siguientes concretan los derechos de las personas pertenecientes a las minorías nacionales o étnicas, religiosas y lingüísticas: derecho a disfrutar de su propia cultura, a profesar y practicar su propia religión y a utilizar su propio idioma, en privado y en público, libremente y sin injerencia ni discriminación de ningún tipo; derecho a participar efectivamente en la vida cultural, religiosa, social, económica y pública; derecho a participar efectivamente en las decisiones que se adopten a nivel nacional y, cuando proceda, a nivel regional respecto de la minoría a la que pertenezcan o de las regiones en que vivan, de manera que no sea incompatible con la legislación nacional; derecho a establecer y mantener sus propias asociaciones; derecho a establecer y mantener, sin discriminación de ningún tipo, contactos libres y pacíficos con otros miembros de su grupo y con personas pertenecientes a otras minorías, así

23

En 1978, el representante de Yugoslavia sometió a consideración un Proyecto de Declaración sobre los Derechos de las Personas pertenecientes a Minorías, dando así

comienzo a un largo y polémico proceso que no tendría un resultado hasta 1992.

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como contactos transfronterizos con otros Estados con los que estén relacionados por vínculos nacionales o étnicos, religiosos o lingüísticos.

Las personas pertenecientes a minorías podrán ejercer los derechos incluidos en la Declaración individualmente o en comunidad con los demás miembros de su grupo, sin discriminación. No sufrirán ninguna desventaja como resultado del ejercicio o de la falta de ejercicio de los derechos enunciados en la Declaración.

Los Estados adoptarán las medidas necesarias para garantizar que las personas pertenecientes a minorías puedan ejercer plena y eficazmente todos sus derechos humanos y libertades fundamentales sin discriminación alguna y en plena igualdad ante la ley; adoptarán las medidas necesarias para crear condiciones favorables a fin de que las personas pertenecientes a minorías puedan expresar sus características y desarrollar su cultura, idioma, religión, tradiciones y costumbres, salvo en los casos en que determinadas prácticas violen la legislación nacional y sean contrarias a las normas internacionales; adoptarán medidas apropiados de modo que, siempre que sea posible, las personas pertenecientes a minorías puedan tener oportunidades adecuadas de aprender su idioma materno o de recibir instrucción en su idioma materno; deben adoptar, cuando sea apropiado, medidas en la esfera de la educación a fin de promover el conocimiento de la historia, las tradiciones, el idioma y la cultura de las minorías que existen en su territorio (las personas pertenecientes a minorías deberán tener las oportunidades adecuadas de adquirir conocimientos sobre la sociedad en su conjunto); deberán examinar las medidas apropiadas de modo que las personas pertenecientes a minorías puedan participar plenamente en el progreso y el desarrollo económico de su país.

La Declaración establece que las políticas y programas nacionales y los programas de cooperación y asistencia entre Estados se planificarán y ejecutarán teniendo debidamente en cuenta los intereses legítimos de las personas pertenecientes a minorías.

Mecanismos de protección de las minorías

La importancia de prever declaraciones de derechos al más alto nivel normativo es un asunto incontrovertible. Pero tampoco se discute que la proclamación de derechos, sin sus correspondientes garantías, los convierte en meras declaraciones de principios o propósitos bienintencionados que colocan al ciudadano en una situación de absoluta

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indefensión frente a un posible abuso del poder24. Por ello resulta absolutamente necesario, para garantizar su efectividad, establecer mecanismos para su defensa y protección (que sirven para denunciar hechos que constituyen violación de las normas jurídicas y para presionar al Estado infractor para que corrija su actuación contraria al ordenamiento jurídico y que contribuyen a la interpretación y desarrollo progresivo de las normas). De hecho, el análisis de los mecanismos dispuestos para su protección da cuenta del grado de reconocimiento de las obligaciones internacionales asumidas por los Estados en esta materia.

Pues bien, el sistema internacional de protección de los derechos humanos, tanto en el nivel universal como en el nivel regional, ha alcanzado un alto nivel de complejidad. En la actualidad, son muchos, y de distinta naturaleza, los mecanismos dispuestos para su protección y es habitual que cada norma recoja su particular mecanismo de fiscalización y aplicación

25.

24

En este sentido, se ha advertido que una amplia y exhaustiva codificación de derechos, la última tendencia de la última fase de expansión del constitucionalismo, no la convierte per se en efectiva ya que su efectividad depende de la presencia de otras elecciones constitucionales

siendo especialmente determinante, al respecto, la previsión de remedios procesales específicos

que resuelvan órganos de tutela dotados de un status de autonomía frente al poder. 25

Los mecanismos de control y aplicación en el Derecho internacional de los derechos

humanos pueden clasificarse de acuerdo con diversos criterios. Se puede distinguir entre mecanismos descentralizados (los Estados asumen directamente el control de las normas así

como la garantía de su aplicación) y los institucionalizados (los Estados ceden el ejercicio de

las competencias de control a una organización supranacional). Unos mecanismos tienen naturaleza política (operan en el nivel eminentemente político) y otros tienen naturaleza

judicial. Además, dichos mecanismos se pueden también clasificar en función de los sujetos o

actores que protagonizan su funcionamiento: unos funcionan exclusivamente a través de la actividad de los sujetos de Derecho internacional (organizaciones internacionales y Estados) y

otros permiten a las propias minorías presentar quejas para obtener la reparación de una

violación. Finalmente, los mecanismos de control pueden diferenciarse, a su vez, entre los específicamente diseñados para resolver las cuestiones relativas a minorías y otros, de

carácter general, pero que también pueden invocarse para lograr el cumplimiento del

Derecho de minorías. De acuerdo con el Derecho internacional, no existe ninguna jerarquía entre los mecanismos internacionales de solución de controversias y por ello puede emplearse

cualquiera de los existentes, paralela o sucesivamente, siempre que su utilización esté

respaldada por la voluntad de las partes (cuando solo una parte ha aceptado el mecanismo es preciso recurrir a los medios tradicionales de resolución de controversias en el Derecho

internacional como las negociaciones diplomáticas, mediación o conciliación) (BJÖRN, 2008,

p. 54s).

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En el seno de Naciones Unidas, debemos destacar ciertos institutos dispuestos, en general, para la defensa de los derechos humanos que también proyectan su actuación a la defensa los derechos de las personas integradas en colectivos minoritarios. Nos referiremos a continuación al Comité de Derechos Humanos (institución de fiscalización del cumplimiento del Pacto Internacional de los Derechos Civiles y Políticos – Pacto político), al Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales(institución de fiscalización del cumplimiento del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales – Pacto social), al Comité para la Eliminación de la Discriminación Racial, al Consejo de Derechos Humanos y al Alto Comisionado para los Derechos Humanos.

Los artículos 28 a 45, ambos inclusive, del Pacto Internacional de los Derechos Civiles y Políticos, desarrollan el mecanismo de supervisión del cumplimiento de las obligaciones derivadas del mismo. En concreto, crea el Comité de Derechos Humanos y desarrolla su composición, el proceso para la elección de sus miembros, la permanencia en el cargo y las funciones del órgano. El Comité presenta a la Asamblea General de Naciones Unidas, por conducto del Consejo Económico y Social, un informe anual sobre sus actividades (art. 45). Especialmente relevantes con respecto a sus funciones de supervisión son los artículos 40 y 41 y 42 del Pacto.

El artículo 40 recoge la obligación de los Estados miembros del Pacto de presentar informes sobre las disposiciones que hayan adoptado y que den efecto a los derechos reconocidos en el Pacto y sobre el progreso que hayan realizado en cuanto al goce de esos derechos cada vez que el Comité lo pida. El Comité estudiará dichos informes y transmitirá los comentarios generales que estime oportunos a los Estados Partes. También podrá transmitir al Consejo Económico y Social esos comentarios, junto con copia de los informes recibidos de los Estados Partes en el Pacto (los Estados pueden presentar al Comité observaciones sobre cualquier comentario que éste haya realizado).

El artículo 41 regula la competencia del Comité para recibir y examinar las comunicaciones (quejas) en las que un Estado Parte alegue que otro Estado Parte no cumple las obligaciones que impone el Pacto Político. Ahora bien, las comunicaciones solo se podrán admitir y examinar si los Estados implicados han admitido la competencia del Comité para desempeñar dicha tarea (el Pacto Político solo permite a un Estado presentar una queja contra otro Estado cuando ambos hayan aceptado la

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competencia del Comité de Derechos Humanos para considerar tales quejas)26.

Por su parte, el artículo 42 prevé que si el asunto remitido al Comité con arreglo al artículo 41 no se resuelve con satisfacción para los Estados Partes interesados, el Comité, previo su consentimiento, podrá designar una Comisión Especial de Conciliación, que debe buscar una solución amistosa del asunto. Este precepto regula la composición, funcionamiento y tareas de dicho órgano.

Es importantísimo hacer referencia al Protocolo Facultativo que acompañó a la aprobación del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, que entró en vigor al mismo tiempo que el Pacto, el día 23 de marzo de 1976. El Protocolo previó la posibilidad de plantear quejas individuales contra los Estados Partes del Pacto por violación del mismo desarrollando el procedimiento dispuesto al efecto. En la actualidad, son ya muchos los Estados que lo han ratificado admitiendo así la competencia del Comité para pronunciarse sobre quejas individuales contra los Estados Partes. Con este Tratado, por tanto, se modificó la regla básica según la cual solo los Estados eran sujetos de Derecho internacional; a partir de este momento las personas, físicas o jurídicas, son también consideradas sujetos de Derecho internacional de tal forma que, en ciertos supuestos, pueden acudir directamente ante los organismos internacionales. De

26

El procedimiento se desarrolla, a grandes rasgos, como sigue: a) Si un Estado Parte del

Pacto considera que otro Estado Parte no cumple las disposiciones del Pacto, podrá señalar el asunto a la atención de dicho Estado mediante una comunicación escrita. Dentro del plazo de

tres meses desde la recepción de la comunicación, el Estado destinatario proporcionará al

Estado que haya enviado la comunicación una explicación o cualquier otra declaración por escrito que aclare el asunto; b) Si el asunto no se resuelve con satisfacción para los dos

Estados Partes interesados en un plazo de seis meses desde la fecha en que el Estado

destinatario haya recibido la primera comunicación, cualquiera de ambos Estados Partes interesados tendrá derecho a someterlo al Comité, mediante notificación dirigida al Comité y

al otro Estado; c) El Comité conocerá del asunto que se le someta después de haberse

cerciorado de que se han interpuesto y agotado en tal asunto todos los recursos de la jurisdicción interna de que se pueda disponer. Intentará que los Estados Partes alcancen una

solución amistosa, fundada en el respeto de los derechos humanos y de las libertades

fundamentales reconocidas en el Pacto Político. El Comité deberá resolver en el plazo de doce meses desde que recibió la notificación mencionada en el apartado b) a través de un informe.

El contenido de dicho informe puede ser el siguiente: i) recoger una breve exposición de los

hechos y la solución alcanzada si se ha alcanzado una solución amistosa entre los Estados Partes; ii) recoger una breve exposición de los hechos agregando las exposiciones escritas y las

actas de las exposiciones verbales que hayan hecho los Estados Partes interesados si no se ha

alcanzado una solución amistosa entre los mismos.

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momento, las reclamaciones estatales o particulares contra Estado incumplidores del Pacto de las que ha conocido el Comité de Derechos Humanos en aplicación del artículo 27 del mismo han sido pocas27.

Pese a todo, hay que reconocer que la aplicación práctica de este artículo 27 del Pacto político ha generado algún logro interesante, en particular, con relación a la libertad religiosa de las minorías étnicas y religiosas, en el ámbito educativo, con respecto a la promoción del uso de las lenguas minoritarias en las Administraciones públicas, así como en lo relativo al acceso de las minorías a los medios de comunicación. El Comité de Derechos Humanos ha realizado una interpretación amplia del precepto que ha permitido ensanchar sus posibilidades (especialmente importante al respecto fue su Comentario General sobre el artículo 17 del Pacto del año 1994 en el que critica la postura de algunos Estados que se negaban a reconocer a sus minorías y consideraban que la garantía de la no discriminación resultaba suficiente para su protección. El Comité, por el contrario, defiende la necesidad de consensuar medidas de acción positiva con el objeto de garantizar la igualdad real o material de los sujetos parte de dichos colectivos minoritarios).

Por otro lado, los artículos 16 a 15, ambos inclusive, del Pacto Internacional de los Derechos Sociales, Económicos y Culturales, desarrollan el sistema de supervisión dispuesto para garantizar el cumplimiento de las obligaciones contenidas en el Pacto.

La diferencia fundamental con respecto al mecanismo de supervisión dispuesto en el Pacto Político consistió en que el mecanismo de supervisión inicialmente previsto en el Pacto Social pivotaba exclusivamente en la presentación, por parte de los Estados Parte, de informes periódicos sobre las medidas adoptadas y los progresos realizados con relación a los derechos contenidos en el mismo. No preveía ningún mecanismo para presentar quejas o denuncias por violación de derechos contenidos en el mismo (obsérvese que el Pacto Político preveía los informes, pero también las comunicaciones o quejas entre Estados – y en su Protocolo Facultativo las quejas de particulares contra Estados). Además, estos informes de los que hablaba el Pacto Social se presentaban ante el Secretario General de Naciones Unidas que transmitía copias al Consejo Económico y Social para que los examinara conforme a lo

27

El primer supuesto en el que se constata una violación estatal del artículo 27 del Pacto es el

caso Sandra Lovelace vs. Canadá (1981). Otro es el caso Kitok vs. Suecia (1985).

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dispuesto en el Pacto (también enviaba copia de los informes a organismos especializados en la materia que se discutía con los que, además, el Consejo Económico y Social podía concluir acuerdos de colaboración). El Consejo Económico y Social podía transmitir los informes presentados por los Estados Partes o los que pudieran haber presentado los organismos especializados a la Comisión de Derechos Humanos, para su estudio y recomendación de carácter general, o simplemente a nivel informativo. Los Estados Partes o los organismos especializados interesados podían presentar al Consejo Económico y Social observaciones sobre toda recomendación de carácter general que hubiera podido hacer la Comisión de Derechos Humanos. Por otro lado, el Consejo Económico y Social podía – no resultaba preceptivo – presentar a la Asamblea General informes con recomendaciones de carácter general o con un resumen de la información recibida por los Estados Partes y los organismos especializados y de los progresos realizados en la materia.

Este mecanismo inicial suscitó muchísimas críticas que subrayaban la politización de su funcionamiento. Por ello, dicha fórmula se modificó a partir del año 1985 a través de la creación de un Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, formado por expertos independientes de todo el mundo. El Comité asumió las competencias de supervisión a través de los informes del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, hasta ese momento asignadas al Consejo Económico y Social de las Naciones Unidas.

Sin embargo, el cambio más importante en cuanto a la supervisión de dicho Pacto lo encontramos en la introducción de la posibilidad de plantear quejas o denuncias (individuales o entre Estados). La Asamblea General de Naciones Unidas aprobó, el 10 de diciembre de 2008, el Protocolo Facultativo del Pacto Internacional de Derechos Sociales, Económicos y Culturales, abierto a votación el 24 de septiembre de 2009 y que en el año 2013 consiguió la ratificación de diez Estados, las necesarias para entrar en vigor. El Protocolo Facultativo entró en vigor el día 5 de mayo de 2013. Cuando se escriben estas líneas (enero de 2015) han ratificado el Protocolo los siguientes países: Argentina, Bolivia, Bosnia y Herzegovina, Ecuador, El Salvador, Eslovaquia, España, Mongolia, Portugal, Uruguay, Montenegro, Finlandia, Gabón, Bélgica, Cabo Verde, Costa Rica y Nigeria.

Dicho Protocolo recoge la posibilidad de plantear comunicaciones (quejas, denuncias) entre Estados o comunicaciones (quejas, denuncias) presentadas por personas o grupos de personas que se hallen bajo la

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jurisdicción de un Estado Parte y en las que se alegue la violación de alguno o algunos de los derechos contenidos en el Pacto. El Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales conoce dichas quejas (es decir, a partir de la entrada en vigor del Protocolo, se amplían las competencias del Comité; ya no consistirán solo en recibir y trabajar sobre informes sino que también debe resolver denuncias e incluso desarrollar investigaciones – el procedimiento para efectuar dichas investigaciones se regula también en el Protocolo)

28.

28

El artículo 10 del Protocolo regula el procedimiento para resolver las comunicaciones entre Estados (muy similar al recogido en el Pacto político). Las comunicaciones solo se podrán

admitir y examinar, como ya sucediera con el Pacto político, si los Estados implicados han admitido la competencia del Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales para

desempeñar dicha tarea (el Protocolo solo permite a un Estado Parte presentar queja contra

otro Estado Parte cuando ambos hayan aceptado la competencia del Comité para presentar tales quejas). Y lo cierto es que de los diecisiete Estados que han ratificado el Protocolo hasta

enero de 2015, únicamente cuatro de ellos (El Salvador, Portugal, Finlandia y Bélgica) han

aceptado la competencia del Comité. Por lo tanto, podemos afirmar que, de momento, este procedimiento de quejas entre Estados revestirá escasa importancia. Se ponen además de

manifiesto las reticencias de los Estados a ampliar el nivel de protección de los derechos

sociales. El artículo 2 del Protocolo regula las comunicaciones entre particulares. El precepto dispone que “Las comunicaciones podrán ser presentadas por personas o grupos de personas

que se hallen bajo la jurisdicción de un Estado Parte y que aleguen ser víctimas de una

violación por ese Estado Parte de cualquiera de los derechos económicos, sociales y culturales enunciados en el Pacto. Para presentar una comunicación en nombre de personas o grupos de

personas se requerirá su consentimiento, a menos que el autor pueda justificar que actúa en

su nombre sin tal consentimiento”. En este supuesto, la mera ratificación del Protocolo conllevará el reconocimiento de la competencia del Comité de Derechos Económicos, Sociales

y Culturales para conocer de las quejas de origen privado por violación de las obligaciones del

Pacto (art. 1). El procedimiento de tramitación de dichas comunicaciones se desarrolla en el artículo 3 y siguientes del Protocolo Facultativo. Destacaremos que el Comité no examinará

una comunicación sin antes haberse cerciorado de que se han agotado todos los recursos

disponibles en la jurisdicción interna (salvo cuando la tramitación de esos recursos se prolongue injustificadamente). Entre otras razones, no se permiten las quejas planteadas si ha

transcurrido, como regla general, más de un año desde que se agotaron los recursos internos,

ni las quejas anónimas o las que se refieran a hechos ocurridos antes de que el país en cuestión ratifique el Protocolo. Salvo que el Comité considere que una comunicación es

inadmisible sin remisión al Estado Parte interesado, la pondrá en conocimiento del Estado

Parte, de forma confidencial. En el plazo de seis meses, el Estado Parte receptor presentará al Comité por escrito explicaciones o declaraciones en que se aclare la cuestión y se indiquen, en

su caso, las medidas correctivas que haya adoptado. En todo caso, el Comité buscará, en

primer lugar, una solución amistosa entre las partes interesadas. El acuerdo de solución amigable, en caso de alcanzarse, pondrá fin al examen de la comunicación. Pero si el Comité

tiene que examinar la queja hará llegar su dictamen a las partes interesadas junto con sus

recomendaciones, si las hubiere. El Estado Parte enviará al Comité, en un plazo de seis meses,

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150 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Por otro lado, debemos mencionar la actividad desarrollada por el Comité para la Eliminación de la Discriminación Racial, especialmente intensa tras la caída del muro de Berlín en el año ochenta y nueve que, como ya se ha señalado, hizo visibles las tensiones derivadas de la existencia de diferentes grupos étnicos en Europa central y oriental. Este órgano ha emitido numerosos pronunciamientos sobre la limpieza étnica y otras violaciones de derechos humanos en la antigua Yugoslavia o que ha afrontado el problema de la discriminación racional de la minoría gitana en Rumania o Bulgaria o las dificultades de la minoría rusa para obtener la ciudadanía en Estonia.

Se trata del órgano de expertos independientes que supervisa la aplicación de la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial (artículos 8 a 16 de la Convención). Su actividad de fiscalización del cumplimiento de la Convención se realiza a través del análisis de los informes que los Estados Partes tienen la obligación de remitir periódicamente o cuando el Comité lo solicite sobre las medidas adoptadas para hacer efectivas las disposiciones de la Convención, y a través de sus facultades de naturaleza contenciosa.

Con respecto a estas últimas, la Convención prevé la posibilidad, por parte del Estado parte que considera que otro Estado parte no cumple las disposiciones de la Convención, de remitir el asunto al Comité29.

una respuesta por escrito que incluya información sobre toda medida que haya adoptado a la

luz del dictamen y las recomendaciones del Comité. Y el Comité puede invitar al Estado a

presentar más información sobre cualesquiera medidas que el Estado haya adoptado. 29

El Comité transmite la comunicación correspondiente al Estado interesado, y, en el plazo

de tres meses desde su recepción, éste presentará al Comité explicaciones o declaraciones por escrito para aclarar la cuestión y describir la medida que, en su caso, hubiera adoptado. Si el

asunto no se resuelve satisfactoriamente para ambas partes en un plazo de seis meses

computado desde el momento en el que el Estado destinatario recibió la comunicación inicial, cualquiera de los dos Estados tendrá derecho a someter nuevamente el asunto al

Comité mediante la notificación al mismo y al otro Estado. El Comité examinará el asunto

cuando se haya cerciorado de que se han interpuesto y agotado todos los recursos de jurisdicción interna (naturaleza subsidiaria de su intervención contenciosa). En todo caso, no

se aplicará dicha regla cuando la substanciación de los mencionados recursos se prolongue de

forma injustificada. Una vez que el Comité haya obtenido y estudiado toda la información que estime necesaria, el Presidente nombrará una Comisión Especial de Conciliación integrada

por cinco personas que podrán o no ser miembros del Comité. Los miembros de la Comisión

serán designados con el consentimiento pleno y unánime de las partes en la controversia y sus buenos oficios se pondrán a disposición de los Estados interesados a fin de llegar a una

solución amistosa del asunto, basada en el respeto de la Convención. Si, transcurridos tres

meses, los Estados partes en la controversia no llegan a un acuerdo sobre la totalidad o parte

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Asimismo, el Comité recibe y examina comunicaciones/denuncias de particulares frente a un Estado cuando éste haya reconocido la competencia del Comité para recibir y examinar las comunicaciones enviadas por personas sometidas a su jurisdicción

30.

de los miembros de la Comisión, los miembros sobre los que no haya habido acuerdo entre

los Estados partes en la controversia serán elegidos por el Comité, de entre sus propios

miembros, por voto secreto y mayoría de dos tercios. Los miembros de la comisión ejercerán sus funciones a título personal y no serán nacionales de los Estados partes en la controversia,

ni tampoco de un Estado que no sea parte de la Convención. Cuando la Comisión haya

examinado detenidamente el asunto, preparará y presentará al Presidente del Comité un informe en el que figuren sus conclusiones y sus recomendaciones para la solución amistosa

de la controversia. El Presidente del Comité transmitirá el informe de la Comisión a cada uno

de los Estados partes en la controversia. Dentro de tres meses, dichos Estados notificarán al Presidente del Comité si aceptan o no las recomendaciones contenidas en el informe de la

Comisión. Transcurrido dicho plazo, el Presidente del Comité comunicará el informe de la

Comisión y las declaraciones de los Estados partes interesados a los demás Estados partes de la Convención. 30

Todo Estado parte podrá declarar en cualquier momento que reconoce la competencia del Comité para recibir y examinar comunicaciones de personas o grupos de personas

comprendidas dentro de su jurisdicción, que alegaren ser víctimas de violaciones, por parte

de ese Estado, de cualquiera de los derechos estipulados en la Convención (el Comité no recibirá ninguna comunicación referente a un Estado parte que no hubiere hecho tal

declaración).Todo Estado parte que haya aceptado esta competencia del Comité podrá

designar un órgano interno que será competente para recibir y examinar peticiones de personas o grupos de personas comprendidas en su jurisdicción, que aleguen ser víctimas de

violaciones de cualquiera de los derechos estipulados en la Convención y hubieran agotado

los demás recursos locales disponibles (naturaleza subsidiaria). Este órgano llevará un registro de las peticiones y depositará anualmente, por los conductos pertinentes, copias certificadas

del registro en poder del Secretario General, en el entendimiento de que el contenido de las

mismas no se dará a conocer públicamente. En caso de que se obtuviere reparación satisfactoria de este órgano, el peticionario tendrá derecho a comunicar el asunto al Comité

dentro de los seis meses. El Comité señalará oficialmente toda comunicación que se le remita

a la atención del Estado parte contra quien se alegue una violación de cualquier disposición de la Convención pero la identidad de las personas o grupos de personas interesadas no se

revelarán sin su consentimiento expreso. El Comité no aceptará comunicaciones anónimas.

Dentro de los tres meses, el Estado que reciba la comunicación presentará al Comité explicaciones o declaraciones por escrito para aclarar la cuestión y exponer qué medida

correctiva, si la hubiere, ha adoptado. El Comité no examinará ninguna comunicación de un

peticionario sin antes cerciorarse de que dicho peticionario ha agotado todos los recursos internos disponibles. Sin embargo, no se aplicará esta regla cuando la substanciación de los

mencionados recursos se prolongue injustificadamente. El Comité presentará al Estado parte

interesado y al peticionario sus sugerencias y recomendaciones, si las hubiere. Incluirá en su informe anual un resumen de tales comunicaciones, y, cuando proceda, un resumen de las

explicaciones y declaraciones de los Estados partes interesados, así como de sus propias

sugerencias y recomendaciones.

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152 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Debemos destacar, también en el seno de Naciones Unidas, la existencia del Consejo de Derechos Humanos31. Se trata de un organismo intergubernamental de las Naciones Unidas encargado de fortalecer la promoción y protección de los derechos humanos en todo el mundo, de hacer frente a vulneraciones de los mismos y de formular recomendaciones sobre la materia. Se reúne en la Oficina de Naciones Unidas en Ginebra. Está compuesto por 47 Estados miembros de las Naciones Unidas que son elegidos por su Asamblea General.

El Consejo adoptó, el 18 de junio de 2007, lo que denominó su “construcción institucional”. En ella proporciona los elementos que guiarán su trabajo futuro (por cierto, en este documento desaparece cualquier referencia a grupos indígenas o minorías y se habla, en general, de derechos humanos). Es de particular interés su intención de asegurar, a partir de este momento, un trato igual de todos los países cuando se está ante situaciones relacionadas con la situación de los derechos humanos.

Entre los mecanismos de trabajo del Consejo destaca el nuevo mecanismo de examen periódico universal (Universal Periodic Review –

31

En 1947 se creó, en el seno de Naciones Unidas, la Subcomisión para la Prevención de la Discriminación y la Protección de las Minoríasintegrada en la denominada Comisión de

Derechos Humanos.Originariamente compuesta por doce miembros, se trataba de un grupo

de expertos que tenía como principal cometido la prevención de la discriminación y la protección de las minorías elevando sus recomendaciones al respecto a la Comisión (a ella se

debió, por ejemplo, la actual redacción del artículo 27 del Pacto Internacional de Derechos

Civiles y Políticos). Sin embargo, su principal cometido durante sus primeros años de existencia se centró en la lucha contra el apartheid y el racismo dentro del proceso de

descolonización que acaparó la atención mundial entre los años 1950 y 1999. En 1999, este

órgano cambió su denominación para pasar a denominarse Subcomisión de las Naciones Unidas de Promoción y Protección de los Derechos Humanos. Aunque entonces desapareció

de su denominación la referencia a las minorías, lo cierto es que la protección de los pueblos

indígenas y las minorías continuó constituyendo un ámbito fundamental de su actuación. La Resolución 60/251 de la Asamblea General intitulada Consejo de Derechos Humanos, adoptada

el 15 de marzo de 2006, estableció que todos los mandatos, mecanismos, funciones y

responsabilidades de la Comisión de Derechos Humanos(incluida la Subcomisión de Promoción y Protección de los Derechos Humanos), fueran asumidas por el Consejo de

Derechos Humanosel 19 de junio de 2006 (aunque en su Decisión 1/102, de 30 de junio de

2006, el Consejo de Derechos Humanos decidió prorrogar excepcionalmente por un año, los mandatos y los titulares de mandatos de la Subcomisión de Promoción y Protección de los

Derechos Humanos). En el seno del Consejo resulta de particular relevancia la función que

desempeña su Comité asesor.

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UPR)32. A su través se examina la situación de los derechos humanos en todos los Estados miembros de las Naciones Unidas. Consiste en un proceso conducido por los Estados bajo los auspicios del Consejo de Derechos Humanos que da la oportunidad a cada Estado de declarar qué acciones están llevando a cabo para mejorar la situación de los derechos humanos en su país y cumplir así con sus obligaciones en materia de derechos humanos. Este proceso, de naturaleza cooperativa, permitió, en octubre de 2011, el examen de los informes presentados por los 193 Estados miembros de Naciones Unidas. Se trata de uno de los elementos claves del Consejo cuando elabora sus recomendaciones a los Estados en materia de derechos humanos y libertades fundamentales.

Y, para terminar, se debe hacer referencia al Alto Comisionado para los Derechos Humanos, una figura que la Asamblea General creó en el año 1993 y que es el principal funcionario de derechos humanos de las Naciones Unidas dirigiendo los esfuerzos de la organización respecto de sus actividades en dicha materia, bajo la supervisión del Secretario General de la Organización, de quien depende. Su tarea consiste en promover y proteger el goce y la plena realización, para todas las personas, de todos los derechos contemplados en la Carta de las Naciones Unidas y en las leyes y tratados internacionales en materia de derechos humanos. De particular interés por lo que hace a esta exposición es el hecho de que entre sus funciones está la de trabajar por una correcta aplicación de la Declaración sobre los derechos de las personas pertenecientes a minorías nacionales o étnicas, religiosas y lingüísticas. Puede iniciar su actuación de oficio o por una recomendación del Consejo de Derechos Humanos, cuando resulte, a partir de un amplio conjunto de quejas individuales, que en un determinado Estado exista una situación de violaciones masivas o graves de los derechos humanos. Entre sus facultades, además de su relevante papel diplomático en la materia, se cuenta la posibilidad de presentar informes, con sus correspondientes recomendaciones a otras instituciones de Naciones Unidas.

32

Este mecanismo se creó por la Asamblea General de Naciones Unidas el 15 de marzo de 2006 por la Resolución 60/251, que estableció igualmente el propio Consejo de Derechos

Humanos.

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154 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

La protección de las minorías en el ámbito regional europeo33

Reconocimiento jurídico de las minorías

En el ámbito regional europeo, también durante mucho tiempo (como sucediera con carácter general en el ámbito de las Naciones Unidas), las cuestiones relativas a las minorías van a permanecer fundamentalmente ausentes.

No obstante ello, el artículo 14 del Convenio Europeo de Derechos Humanos impide la discriminación de personas pertenecientes a una minoría nacional. El Convenio instituyó, como el Pacto, órganos técnicos para fiscalizar su cumplimiento por parte de los Estados miembros pero, en todo caso, se puede observar, en la escasa jurisprudencia inicial de la Comisión Europea de Derechos Humanos y del Tribunal de Justicia de Derechos Humanos sobre la materia, una estrecha vinculación del análisis de la problemática de los derechos de los individuos integrados en minorías con el principio de igualdad34.

Sin embargo, la caída del muro de Berlín, también en el ámbito regional europeo, supondrá una reactivación de la atención específica a la

33

Por otra parte, aunque no lo vamos a desarrollar en este texto, debe tenerse en cuenta la labor desempeñada por la Organización para la Seguridad y Cooperación en Europa(OSCE), en la que destaca la presencia del Alto Comisionado para las Minorías Nacionales. La

Organización para la Seguridad y Cooperación en Europa tiene su origen en la Conferencia

sobre la Seguridad y la Cooperación en Europa celebrada en Helsinki en 1975 y está conformada en la actualidad por 57 Estados: todos los países de Europa (Federación Rusa y

Unión Europea) más los de Asia central y América del Norte (EE.UU. y Canadá). Se trata de

una organización de carácter regional que mantiene contactos, en particular, con las Naciones Unidas, la Unión Europea, la OTAN, la CEI y el Consejo de Europa. Esta organización ha

desempeñado un papel decisivo en la solución de numerosas controversias y situaciones de

conflicto latente que con frecuencia han tenido sus raíces en tensiones de etnias y nacionalidades. A diferencia de los procedimientos existentes en otros ámbitos como las

Naciones Unidas o el Consejo de Europa, aquí no existen tratados directamente vinculantes

para los Estados ni se crean órganos con competencias jurisdiccionales o cuasi jurisdiccionales (salvo la Corte de Conciliación y Arbitraje). Los mecanismos de control sobre

la aplicación de los derechos enunciados en sus documentos tienen un carácter político y se

pretende, con ellos, sobre todo, prevenir conflictos. Sobre la tarea de esta organización en el ámbito de la protección de los derechos de las minorías, Arp Björn (2008, p. 265-309). 34

Así los casos de la legislación lingüística en Bélgica de 1868 y el caso Mathiew-Mohin y Clerfayt vs. Bélgica en 1987. Por su parte, la Comisión rechazó las demandas presentadas por

miembros de la minoría bretona que reclamaban el derecho a ser juzgados en su lengua y no

en francés, único idioma oficial del Estado.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 155

problemática de las minorías. En este sentido habría que destacar importantes desarrollos producidos en el seno del Consejo de Europa directamente relacionados con esta materia: la Carta Europea de las Lenguas Regionales y Minoritarias (1992) y la Convención Marco para la Protección de las Minorías (1995). En la actualidad, la mayor parte de los Estados europeos están obligados por ambos textos y sus consiguientes mecanismos de protección.

La finalidad de la Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias es proteger las lenguas minoritarias históricas de Europa como riqueza cultural pero puede, de forma indirecta, servir como soporte al ejercicio de determinados derechos lingüísticos como, por ejemplo, el derecho a relacionarse con las autoridades administrativas en la lengua minoritaria o a recibir la enseñanza en una lengua regional o minoritaria, así como a emplear dichas lenguas, con ciertas condiciones, en la Administración de Justicia. Se excluyen en todo caso de su ámbito de aplicación los dialectos de las lenguas oficiales y los idiomas de los inmigrantes.

El Convenio Marco para la Protección de las Minorías constituye el primer instrumento internacional jurídicamente vinculante dedicado, específicamente, a la protección de las minorías nacionales. Aunque algunas de sus disposiciones están redactadas de forma débil, imprecisa, reconoce, de forma aceptable, los derechos lingüísticos y culturales de las minorías, la protección contra toda forma de discriminación en cuanto miembro de dichas minorías, y, en menor medida, el derecho de participación de las minorías nacionales en los derechos que les afectan.

Por otro lado, en la Unión Europea no existen normas, en la actualidad, que concreten los derechos de las minorías de la zona, aunque ello no quiere decir que se haga mención a las mismas como un valor a proteger tanto en el Tratado de Lisboa como en la Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea. No obstante continuar estos textos con la tradición vinculada a los derechos individuales que se consolidó tras la II Guerra Mundial, lo cierto es que el respeto a la identidad nacional está presente en dichos textos. El artículo 2 del Tratado de la Unión Europea establece que “La Unión se fundamenta en los valores de respeto a la dignidad humana, libertad, democracia, igualdad, Estado de Derecho y respeto de los derechos humanos, incluidos los derechos de las personas pertenecientes a minorías. Estos valores son comunes a los Estados miembros de una sociedad caracterizada por el pluralismo, la no discriminación, la tolerancia, la justicia, la solidaridad y la igualdad entre

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156 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

mujeres y hombres”. La Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea consagra la interdicción de la discriminación, en particular, entre otras, aquélla que tiene como base la pertenencia una minoría nacional (artículo 21.1). Asimismo, su artículo 22 establece que la Unión respeta la diversidad cultural, religiosa y lingüística. Además, la garantía de los derechos de las minorías en un requisito esencial que deben cumplir los países candidatos a la adhesión contemplado en los criterios de Copenhague

35.

Mecanismos de protección de las minorías

Los mecanismos de protección de las minorías en el sistema regional europeo son también variados en cuanto a su número y de distinto tipo o naturaleza.

En el ámbito del Consejo de Europa podemos diferenciar entre un control extraconvencional que se atribuye al Comisario para los Derechos Humanos y la Comisión Europea contra al Racismo y la Intolerancia y de un control convencional que se ejerce por el Comité Consultivo sobre Minorías Nacionales y el Comité de Expertos para la Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias. También en el seno del Consejo de Europa, resulta de particular importancia el control judicial del Convenio Europeo de Derechos Humanos que compete al Tribunal Europeo de Derechos Humanos.

El nacimiento del Consejo de Europa se explica como una respuesta a los desastres acaecidos en Europa durante la primera mitad del siglo XX y, particularmente, durante la II Guerra Mundial. En el Congreso de La Haya, celebrado el día 7 de mayo de 1948, donde se reunieron más de mil delegados de una veintena de países, además de numerosos observadores, se adoptaron una serie de resoluciones, entre otras, las relativas a la creación de una unión económica y política con el fin de garantizar la seguridad, la independencia económica y el progreso social, la convocatoria de una asamblea consultiva elegida por los Parlamentos, la

35

Los criterios de Copenhague (1993) es la denominación convencional de las condiciones previas para la consideración de un Estado como posible candidato a su incorporación como

miembro de la Unión Europea. Entre los criterios políticos estaría “el respeto y la protección de las minorías”. Se afirma que los miembros de las minorías nacionales tienen que ser

capaces de mantener su cultura y prácticas tradicionales, incluyendo su idioma sin sufrir

ningún tipo de discriminación.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 157

elaboración de una carta europea de derechos humanos y la creación de un tribunal para aplicar sus decisiones.

La creación del Consejo de Europa se produce con la firma de su Estatuto el día 5 de mayo de 1949 (inicialmente estamparon su firma Bélgica, Francia, Luxemburgo, Países Bajos, Reino Unido, Irlanda, Italia, Dinamarca, Noruega y Suecia, si bien, en la actualidad, lo integran cuarenta y siete países). Por cierto, no hay que confundir el Consejo de Europa con el Consejo de la Unión Europea (institución de la Unión Europea que reúne a los ministros nacionales en distintas formaciones), ni con el Consejo Europeo (institución que reúne a los Jefes de Estado y de Gobierno de los Estados miembros de la Unión Europea).

El Consejo de Europa, con sede en Estrasburgo, es una organización internacional de ámbito regional destinada a promover, conforme a lo dispuesto en el Capítulo I de su Estatuto, “una unión más estrecha entre sus miembros para salvaguardar y promover los ideales y los principios que constituyen su patrimonio común y favorecer su progreso económico y social” (entre dichos ideales se contarían la democracia, los derechos humanos y el imperio de la ley). Entre sus primeros pasos destacaríamos la redacción del Convenio para la Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales (o Convenio Europeo de Derechos Humanos), firmado en Roma el día 4 de noviembre de 1950 y en vigor desde el día 3 de septiembre de 1953.

Una de las notas distintivas del Convenio de 1950 respecto de la Declaración de 1948 consistió en la creación de un sistema de protección jurisdiccional supranacional de los derechos. Este mecanismo ha sufrido modificaciones de relevancia en dos ocasiones. La primera, a través del conocido Protocolo núm. 11, de 11 de mayo de 1994, y, la segunda, a través del más Protocolo núm. 14, de 13 de mayo de 2004.

El Protocolo núm. 11 modificó significativamente el Convenio con el objeto de superar la complejidad del mecanismo de protección existente y diseñar un proceso para la protección de los derechos del Convenio con todas las garantías. Se pretendía así responder al gran impacto que la caída del muro de Berlín supuso para el sistema de protección de los derechos del Convenio en tanto en cuanto ello complicó cuantitativa y cualitativamente el modelo. No olvidemos que se duplicó el número de Estados con el que había venido operando el Convenio durante sus primeros cuarenta años de existencia, pero tampoco que muchos de los

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158 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

nuevos Estados se encontraban entonces en fase de transición en lo que a su ordenamiento judicial y garantía para los derechos se refería.

En concreto, se puso en marcha un nuevo, único y permanente Tribunal Europeo de Derechos Humanos que asumió las competencias en materia de protección de derechos que hasta ese momento habían venido desempeñando el Tribunal Europeo de Derechos Humanos, la Comisión y – aunque solo parcialmente – el Comité de Ministros del Consejo de Europa, y se optó por la doble instancia (principio del reexamen) para la protección de los derechos del Convenio en determinados asuntos.

Por su parte, la reforma introducida en la Convención por el Protocolo nº 14 ha tenido por objeto superar los problemas de dilación del trabajo del órgano. El avance del Protocolo nº 11, que convirtió la demanda individual en una pieza fundamental del sistema, también trajo consigo un incremento considerable del número de demandas presentadas y el Protocolo nº 14 introdujo, fundamentalmente, modificaciones de naturaleza organizativa y procesal – atinentes a cuestiones orgánicas y procedimentales – con el fin de agilizar el procedimiento y garantizar el derecho a un juicio justo sin dilaciones indebidas.

El Tribunal, al que no puede acudirse hasta no haber agotado sin éxito los recursos nacionales (se trata por tanto de una instancia de naturaleza subsidiaria) y únicamente una vez transcurridos seis meses desde la fecha de la resolución interna definitiva, conoce los asuntos interestatales (artículo 33), las demandas individuales presentadas por cualquier persona física, organización no gubernamental o grupo de particulares que se considere víctima de la violación de alguno de los derechos del Convenio (artículo 34), y emite opiniones consultivas, a solicitud del Comité de Ministros, acerca de cuestiones jurídicas relativas a la interpretación del Convenio y de sus Protocolos (artículo 47).

La pretensión de amparo internacional consiste en el recurso frente a la lesión producida por parte de los poderes públicos de un Estado miembro contra alguno de los derechos o libertades contenidos en el Título I del Convenio o en cualquiera de sus Protocolos y a través del cual se solicita al Tribunal el reconocimiento de dicho derecho o libertad, así como su restablecimiento, o en caso de que esto último no resulte posible sino de una manera imperfecta, la obtención de una satisfacción equitativa.

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Los procedimientos en orden a la admisibilidad de la demanda difieren en función de que se trate de una demanda individual o procedente del Estado.

Así, sobre la inadmisión o archivo de las demandas individuales se pronuncia, con carácter general, el juez único, siempre que tal decisión se pueda adoptar sin tener que proceder a un examen complementario (se trataría, por tanto, de demandas manifiestamente inadmisibles). Su decisión será definitiva.

Ahora bien, si el juez único no declara inadmisible una demanda ni la archiva, la remitirá a un Comité o a una Sala para su examen complementario.

Los Comités, respecto de las demandas individuales, podrán: a) Declararla inadmisible o archivarla, cuando pueda adoptarse tal decisión sin tener que proceder a un examen complementario, o; b) declararla admisible y dictar al mismo tiempo sentencia sobre el fondo, si la cuestión subyacente al caso, relativa a la interpretación o la aplicación del Convenio o de sus Protocolos, ya ha dado lugar a jurisprudencia consolidada del Tribunal. Todas estas decisiones y sentencias serán definitivas.

Si, ni el juez único, ni el Comité correspondiente, han dictado decisión o sentencia alguna respecto de la demanda individual, entonces será una Sala la que se pronunciará sobre su admisibilidad y su fondo. En este caso, la decisión sobre la admisibilidad se podrá adoptar por separado. Además, la Sala será también el órgano competente para pronunciarse sobre la admisibilidad y el fondo de las demandas interestatales (salvo decisión en contrario del Tribunal en casos excepcionales, la decisión sobre la admisibilidad se tomará por separado). Sus sentencias son definitivas cuando: a) las partes declaren que no solicitarán la remisión del asunto a la Gran Sala; b) no haya sido solicitada la remisión del asunto ante la Gran Sala tres meses después de la fecha de la sentencia; c) el colegio de cinco jueces de la Gran Sala rechace la solicitud de remisión.

Ahora bien, si el asunto pendiente ante una Sala – bien lo haya presentado un particular, bien un Estado – plantea una cuestión grave relativa a la interpretación del Convenio o de sus Protocolos, o si la solución dada a una cuestión pudiera ser contradictoria con una sentencia dictada anteriormente por el Tribunal, la Sala podrá inhibirse en favor de la Gran Sala mientras no haya dictado sentencia, salvo que una de las partes se oponga a ello. La Gran Sala, por otra parte, también resulta competente cuando, en el plazo de tres meses a partir de la fecha de la

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sentencia de una Sala, cualquier parte en el asunto solicita su remisión a la misma. Eso sí, un colegio de cinco jueces de la Gran Sala aceptará la solicitud únicamente cuando el asunto plantea una cuestión grave relativa a la interpretación o a la aplicación del Convenio o de sus Protocolos o una cuestión grave de carácter general. Si el colegio acepta la demanda, la Gran Sala se pronunciará acerca del asunto mediante sentencia. Es la Gran Sala, por otro lado, la que emite las opiniones consultivas solicitadas por la vía del artículo 47 del Convenio.

Son causas de inadmisibilidad, comunes a las demandas estatales e individuales, el no haber agotado los recursos internos y el no haber agotado el plazo de seis meses para interponer la demanda a partir de la fecha de la resolución interna definitiva. Además, el Tribunal no admitirá ninguna demanda individual cuando: a) sea anónima; b) sea esencialmente la misma que una demanda examinada anteriormente por el Tribunal o ya sometida a otra instancia internacional de investigación o de arreglo y no contenga hechos nuevos; c) la estime incompatible con las disposiciones del Convenio o de sus Protocolos, manifiestamente mal fundada o abusiva; d) el demandante no haya sufrido un perjuicio importante, a menos que el respeto de los derechos humanos garantizados por el Convenio y por sus Protocolos exija un examen del fondo de la demanda, y con la condición de que no podrá rechazarse por este motivo ningún asunto que no haya sido debidamente examinado por un Tribunal nacional. El Tribunal Europeo de Derechos Humanos rechazará cualquier demanda que considere inamisible en virtud de dichos supuestos y podrá decidirlo así en cualquier fase del procedimiento.

Si el Tribunal declara admisible una demanda, procederá al examen contradictorio del caso con los representantes de las partes y, si procede, a una indagación (los Estados deben colaborar y proporcionar en este caso todas las facilidades necesarias). En cualquier asunto que se suscite ante una Sala o ante la Gran Sala, la Alta Parte Contratante cuyo nacional sea demandante tendrá derecho a presentar observaciones por escrito y a participar en la vista. Y, en interés de la buena administración de la justicia, el Presidente del Tribunal podrá invitar a cualquier Alta Parte Contratante que no sea parte en el asunto o a cualquier persona interesada distinta del demandante, a que presente observaciones por escrito o a participar en la vista.

Por otra parte, en cualquier momento del procedimiento podrá el Tribunal archivar una demanda cuando las circunstancias permitan comprobar: a) que el demandante ya no está dispuesto a mantenerla; b)

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que el litigio ha sido ya resuelto; c) que, por cualquier otro motivo verificado por el Tribunal, ya no esté justificada la continuación del examen de la demanda. No obstante, el Tribunal proseguirá el examen de la demanda si así lo exige el respeto de los derechos humanos garantizados por el Convenio y sus Protocolos. Además, el Tribunal podrá decidir que se reinscriba una demanda en el registro cuando estime que las circunstancias lo justifican. Por otro lado y en cualquier fase del procedimiento, el Tribunal podrá ponerse a disposición de las partes interesadas a fin de llegar a un arreglo amistoso del caso. El procedimiento seguido para ello será confidencial. En caso de arreglo amistoso, el Tribunal archivará el asunto mediante una decisión que se limitará a una breve exposición de los hechos y de la solución adoptada. Esta decisión se transmitirá al Comité de Ministros, que supervisará la ejecución de los términos del acuerdo amistoso tal como se recojan en la decisión.

La vista es pública, a menos que el Tribunal decida otra cosa por circunstancias excepcionales. Los documentos depositados en la Secretaría serán accesibles al público, a menos que el Presidente del Tribunal decida de otro modo. Si el Tribunal declara que ha habido violación del Convenio o de sus Protocolos y el derecho interno de la Alta Parte Contratante solo permite de manera imperfecta reparar las consecuencias de dicha violación, el Tribunal concederá a la parte perjudicada, si así procede, una satisfacción equitativa.

Las sentencias del Tribunal presentan una naturaleza esencialmente declarativa y no pueden, por sí mismas, anular ni modificar un acto o una disposición interna (el Convenio no atribuye al Tribunal competencia para anular una sentencia de un Tribunal nacional). La sentencia del Tribunal Constitucional 245/1991 señaló en su día que las sentencias del Tribunal Europeo de Derechos Humanos son resoluciones meramente declarativas sin efecto directo anulatorio interno ni ejecutoriedad a cargo de los Tribunales españoles. Aunque son obligatorias para los Estados Parte, se deja que éstos decidan los medios a utilizar en su ordenamiento jurídico interno para adaptarse a lo establecido en el art. 46.1 del Convenio, y, en definitiva, la efectividad de las resoluciones del Tribunal es otro de los problemas – junto al de la sobrecarga de trabajo del órgano – de este mecanismo de tutela internacional de derechos. Pero, de cualquier forma, y tal y como ha señalado nuestro Tribunal Constitucional en esta misma sentencia 245/1991, cuando el Tribunal Europeo de Derechos Humanos constata una vulneración de derechos en nuestro país, se debe proceder a su reparación en el ámbito interno.

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Por otra parte, y en relación con esta cuestión, el Protocolo nº 14 ha modificado el sistema fiscalización de la ejecución de las sentencias definitivas del Tribunal que dispusiera en su día el Protocolo nº 11. En concreto, este último establecía que las sentencias definitivas del Tribunal se debían transmitir al Comité de Ministros, el órgano encargado de velar por su ejecución. Tras la entrada en vigor del Protocolo nº 14 esta cuestión se regula de forma diferente en el artículo 31 b) en conexión con el artículo 46.4) del Convenio (se ha dado parte al Tribunal en cuanto al control de la ejecución de sus sentencias). El Comité sigue siendo el órgano del Consejo de Europa que vela por la ejecución, el cumplimiento, de las sentencias definitivas del Tribunal. Pero ya no tiene por qué tener la última palabra al respecto. Y es que si considera que una Alta Parte Contratante se niega a acatar una sentencia definitiva sobre un asunto en que es parte, podrá, tras notificarlo formalmente a esa Parte y por decisión adoptada por mayoría de dos tercios de los votos de los representantes que tengan derecho a formar parte del Comité, plantear al Tribunal la cuestión de si esa Parte ha incumplido su obligación de acatamiento de las sentencias definitivas del Tribunal.

Debemos terminar señalando que la jurisprudencia del Tribunal Europeo de Derechos Humanos no solo permite la tutela supranacional de la mayor parte de nuestros derechos fundamentales, sino que constituye un criterio hermenéutico preferente en su aplicación (art. 10.2 CE y STC 50/1989). Y no hay que olvidar la ingente e importante doctrina que este Tribunal ha ido elaborando desde su puesta en funcionamiento sobre el contenido y la efectividad de los derechos y que incluso ha trascendido los ordenamientos de los Estados miembros sirviendo como referencia a otras instancias internacionales (por ejemplo, a la Corte Interamericana de Derechos Humanos) e incluso a órganos jurisdiccionales de muchos Estados que no son miembros del Consejo de Europa (LÓPEZ-BARAJAS PEREA se refiere a un caso en el que un Tribunal de Israel rechazó, utilizando la jurisprudencia del Tribunal Europeo de Derechos Humanos, determinadas prácticas utilizadas por la Agencia Interna de Seguridad Israelí para llevar a cabo interrogatorios por considerarlas contrarias a la prohibición de la tortura y de los tratos inhumanos o degradantes). Por otra parte, al artículo 53 del Convenio prevé que ninguna de las disposiciones del texto se podrá interpretar en el sentido de limitar o perjudicar aquellos derechos humanos y libertades fundamentales que podrían ser reconocidos conforme a las leyes de cualquier Alta Parte Contratante o en cualquier otro Convenio en el que ésta sea parte.

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Pero además de la función jurisdiccional del Tribunal Europeo de Derechos Humanos de protección de los derechos contenidos a la Convención, también de los derechos de las personas miembros de colectivos minoritarios, hay que destacar la labor que desempeñan, en la actualidad, y desde no hace mucho tiempo, el Comité de Ministros y el Comité Consultivo sobre Minorías Nacionales y el Comité de Expertos para la Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias.

El Comité de Ministros y el Comité Consultivo sobre Minorías Nacionales son los órganos encargados de velar por el respeto y cumplimiento del Convenio marco para la protección de las minorías nacionales. El Comité consultivo está integrado por expertos independientes que ejercen su función sobre la base de presentación de informes estatales. Los Estados tienen la obligación de presentar un primer informe un año después de la entrada en vigor del Convenio, y, después, de presentar informes adicionales cada cinco años o cuando el Comité de Ministros lo solicite. La elaboración de informes por parte de los Estados conlleva, en muchas ocasiones, un proceso de consulta con organizaciones minoritarias y no gubernamentales a las que también se anima a presentar información o informes alternativos. El Comité examina estos informes y utiliza, asimismo, una gran variedad de fuentes de informaciones escritas de agentes estatales y no estatales. El Comité ha establecido la práctica de realizar visitas al país interesado y reunirse allí con funcionarios gubernamentales parlamentarios, representantes de minorías, ONGs, organismos gubernamentales y otros interlocutores que considere pertinentes. Tras examinar el informe del Estado, el Comité consultivo adopta una opinión que transmite al Estado interesado que tiene la oportunidad de formular comentarios sobre dicha opinión (para ello pueden consultar, de nuevo, con organizaciones minoritarias y no gubernamentales). A continuación, el Comité de Ministros debe adoptar una resolución que contenga conclusiones y recomendaciones dirigidas al Estado sobre la aplicación del Convenio marco. La resolución se hace pública junto con los comentarios del Estado afectado y la opinión del Comité consultivo si es que ésta no se ha hecho pública en una fase anterior.

Por otro lado, el Comité de Ministros y el Comité de expertos para la Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias son los órganos encargados de velar por el respeto y cumplimiento de la Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias. Las Partes presentarán periódicamente al Secretario General del Consejo de Europa informes

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acerca de las medidas adoptadas para dar cumplimiento a las disposiciones de la Carta. El primer informe se presentará en el año siguiente a la entrada en vigor de la Carta; los siguientes a intervalos de tres años después el primer informe. Las Partes harán públicos sus informes. Estos informes se examinarán por el Comité de Expertos para la Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias y con esta base, más la consulta en su caso a otros organismos o asociaciones legalmente establecidos, el Comité de expertos preparará un informe que remitirá al Comité de Ministros y éste lo podrá hacer público. El informe incluirá, en particular, las propuestas del Comité de expertos al Comité de Ministros para la preparación, en su caso, de cualquier recomendación que este último pueda hacer a una o a varias Partes. Asimismo, el Secretario General del Consejo de Europa hará un informe bienal detallado que presentará a la Asamblea parlamentaria acerca de la aplicación de la Carta.

Para ir concluyendo, señalaremos que la Unión Europea dispone de diversos mecanismos de control para garantizar la correcta aplicación de su Derecho. En este ámbito, se puede distinguir entre los mecanismos generales de garantía de dicho Derecho, destacando la labor desempeñada al efecto por el hoy denominado Tribunal de Justicia de la Unión Europea, y aquellos otros mecanismos dispuestos específicamente para controlar el cumplimiento del Derecho de minorías (la necesidad de respetar los derechos humanos como condición en las relaciones de la Unión con terceros Estados; la necesidad de respetar las minorías en las negociaciones de adhesión con los Estados del centro y este de Europa; la Oficina Europea para las Lenguas Menos Utilizadas; la Agencia de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea; y la solución de controversias sobre el Derecho de minorías a través de tribunales arbitrales: la Comisión Bandinter).

A modo de conclusión

El panorama actual sobre los desarrollos jurídicos relativos al reconocimiento de derechos y protección de las minorías ha alcanzado un cierto nivel de complejidad y sofisticación que contrasta con la época posterior a la Gran Guerra en la que se intentó centralizar dicha protección en el seno de la Liga de Naciones, en particular, en el Consejo y en la Corte Permanente de Justicia Internacional. Si la Sociedad de Naciones, tras la I Guerra Mundial, fue la institución encargada de atender la cuestión minoritaria con el objeto de garantizar, fundamentalmente, la estabilidad

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 165

de la Europa central y oriental, hoy día esta tarea compete a distintos organismos.

La doctrina ha denunciado algunas deficiencias en el desarrollo del régimen jurídico específicamente dirigido a la protección de las minorías que se inicia con la caída del muro de Berlín. Se lo ha tildado de irregular y desorganizado (no responder a un plan articulado); de una falta de estrategias de coordinación entre los distintos organismos que se ocupan de estas cuestiones; del posicionamiento de las minorías, fundamentalmente, como meros sujetos pasivos de dichos desarrollos normativos con pocas posibilidades por tanto de intervenir, de asumir el papel de sujeto activo, en su conformación que por ello en ocasiones se distancia de los auténticos intereses de las mismas; de la práctica ausencia de coerción internacional que asegure el cumplimiento de las obligaciones asumidas por los Estados miembros en dicho ámbito.

Los mecanismos dirigidos a la protección de las minorías, amplios en número, presentan, asimismo, distinta naturaleza y así es posible distinguir entre los cauces políticos-diplomáticos36 y los cauces de naturaleza propiamente jurídica de resolución de conflictos y de garantía de la aplicación de las normas protectoras de las minorías. En todo caso, se ha señalado que los diversos mecanismos dispuestos al efecto se comportan de forma más bien complementaria y no competitiva en la resolución de estos asuntos y que ello dificulta, cuando no impide, su evaluación por separado37.

36

La acción diplomática-política al respecto puede a su vez presentar diverso alcance. Arp Björn señala que la acción bilateral es especialmente intensa cuando una minoría nacional tiene un Estado matriz que asume su protección respecto al Estado de asentamiento (Estados

matrices han sido Alemania, Grecia, Hungría y la Federación rusa). Se trata de una protección

eminentemente política y no jurídica y su éxito depende de la capacidad de influencia del Estado matriz. Por el contrario, cuando las minorías carecen de Estado matriz, las

controversias se materializan como suele ser habitual en el campo de los derechos humanos,

es decir, en forma de quejas o demandan individuales contra el Estado (reivindicaciones de minorías como los sami, los sorabos, los kurdos y muy particularmente, los romaníes). Estas

minorías tienen que hacer uso de los mecanismos institucionalizados de proteccion de los

derechos humanos, ya sea recurriendo a UN, al Consejo de Europa, a la OSCE o a otros OOII, cuya eficacia no es la misma que en el caso de una acción directa bilateral entre el Estado

matriz y el de asentamiento, que suele ir acompañada de una generosa financiación por el

Estado matriz. 37

Así lo afirma Arp Björn que toma como referencia los conflictos de Rumania con la minoría

húngara de finales de los años ochenta, el de Albania con la minoría griega de principios de

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166 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Referencias

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HERMET, G., Histoire des nations et du nationalisme en Europe. París: Seuil, 1996.

JIMÉNEZ PIERNAS, C. Prólogo a la obra de ARP. In: BJÖRN, Arp. Las minorías nacionales y su protección en Europa. Madrid: CEPC, 2008. p. XVII.

KAMEN, H. Nacimiento y desarrollo de la tolerancia en la Europa moderna. Madrid: traducción de M.J. del Río, 1987.

MARTÍNEZ ALARCÓN, Mª L. Cuota electoral de mujeres y Derecho Constitucional. Congreso de los Diputados, 2006.

RUIZ VIEYTEZ, Eduardo. La protección jurídica de las minorías en la Historia Europea, Instituto de Derechos Humanos. Bilbao: Universidad de Deusto, 1998.

los noventa y el de las Repúblicas bálticas con Rusia. El autor concluye que esta red tejida

desde la caída del muro de Berlín hasta nuestros días, ha resultado más eficaz que el

mecanismo centralizado de la Sociedad de Naciones para la garantía de los tratados de las minorías”. En todo caso, este autor considera que las vías de resolución políticas o

diplomáticas de conflictos con minorías son muy eficaces, sobre todo cuando son bilaterales y

hay un Estado matriz que se interesa por sus dependientes en el Estado de asentamiento. Es más, el autor afirma que los mecanismos jurisdiccionales no tienen la misma relevancia que

los mecanismos políticos y diplomáticos para la protección o promoción de los derechos de

las minorías.

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS E A EXCLUSÃO DE GÊNERO OS DIREITOS

HUMANOS DAS MULHERES EM QUESTÃO

Odete Maria de Oliveira*

“O feminismo é um processo crítico de pesquisa, que tem o potencial de transformar a

disciplina de Relações Internacionais e o mundo que estudamos”.

(Ackerly e True, 2011, p. 231)

Introdução

O presente ensaio aborda o tema do conhecimento das Relações Internacionais como disciplina, concentrando-se no estudo de seus paradigmas, indagando por que o modelo do realismo político excluiu a questão de gênero de seus desenhos, focalizando sua difícil e árdua conquista de inserção nesse âmbito, quando incluído como categoria relacional de análise no final do século passado.

Para tal conquista, nos anos 80 e 90 do século 20, autoras feministas dedicaram-se de forma concentrada na construção de sólido acervo teórico e específica metodologia, denominada feminist informed1.

Além de abordar aspectos de marginalização das mulheres nesse campo de conhecimento – entendida aqui como minoria – o trabalho relata a grande luta de emancipação, ocupando-se também com a incessante busca de garantias e reconhecimentos de seus direitos humanos, vale dizer, os direitos humanos dessa minoria.

* Professora Titular de Relações Internacionais da UFSC (aposentada) e dos Programas de Graduação

e Mestrado em Direito da Unochapecó. Pesquisadora do Núcleo Stricto Sensu dessa Universidade e

líder do Grupo de Pesquisa – Relações Internacionais, Direito e Poder: cenários e protagonismos dos

atores estatais e não estatais. 1 Trata-se de uma pesquisa que apresenta e conta com reflexões teóricas e metodologias empíricas de

um corpo diverso de teorias feministas e pesquisa feminista (ACKERLY; TRUE, 2011, p. 228).

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168 – Reflexões sobre cidadania e direitos humanos na nova ordem mundial

Ao objeto de conhecimento deste ensaio, pontuam-se as seguintes indagações de pesquisa: Por que homens e mulheres não atuam em conjunto no campo da disciplina das Relações Internacionais? Como agem entre si? Por que tal conhecimento privilegiou o masculino em detrimento do feminino?

Ilustrado o assunto, utilizando-se o método indutivo, na terceira e última parte passa-se a focalizar a questão dos direitos humanos das mulheres, considerados específicos à defesa e proteção de suas necessidades, valores, dignidade e no reconhecimento do ser humano que é, com direito à vida, liberdade, segurança, acesso ao trabalho, educação e a saúde, apresentando-se, por derradeiro, instrumentos internacionais firmados nesse sentido, indagando: Esses direitos existem? São eficazes e respeitados? Seguindo-se finalmente as considerações finais do ensaio.

A nova disciplina das relações internacionais

O antigo fenômeno das relações internacionais – interações entre povos e impérios – então evoluindo em fluxos relacionais entre Estados e posteriormente entre múltiplos atores (MERLE, 1981), desenvolveu-se durante muitos séculos, para finalmente se tornar conhecimento próprio após a Primeira Guerra Mundial, consolidando-se depois do segundo grande conflito, na segunda metade do século 20 (OLIVEIRA, 2004, p. 29-67).

A partir daí grandes mudanças foram alterando a conformação dos cenários e protagonismos das Relações Internacionais, como a aproximação de gênero e a posterior inserção de suas teorias e métodos no âmbito de sua disciplina, passando a ali ocupar-se com estudos e evidências, pesquisas empíricas da realidade contemporânea internacional e seus desmembramentos, vinculando-se a assuntos internacionais sociais e culturais, políticos e econômicos das mulheres e homens, nas esferas públicas e privadas e sua vasta cadeia de interações – relações dos mais diversos tipos – conectadas por uma multiplicidade de canais e atores, constituindo poderosa rede, dos quais atualmente gênero constitui um desses importantes agentes (OLIVEIRA, 2011).

Historicamente, no século 20, tendo como marco o ano de 1919, surgia a disciplina das Relações Internacionais no Reino Unido, com a criação da primeira cátedra denominada Woodrow Wilson, logo após a Primeira Guerra Mundial (ARENAL, 1979). Na sequência, evoluindo, foi abrindo espaço à formação de necessário acervo teórico, passando a

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 169

apresentar surpreendente desenvolvimento, tendo adotado a realidade social internacional como objeto de estudo e de investigação e a sociedade internacional como critério de sua definição (TRUYOL; SERRA, 1973), amadurecendo e ampliando-se, se tornou reconhecida como importante conhecimento próprio e autônomo (BARBÉ, 1995).

Nos dias atuais, esse relevante âmbito de conhecimento dispõe de rico arcabouço teórico, conjunto coerente de categorias, conceitos estruturais e operacionais, teorias e paradigmas (CALDUCH CERVERA, 1991), assentando sua abordagem na realidade de fenômenos internacionais e globais, formando um quadro sistemático de proposições gerais, utilizado na interpretação da natureza e especificidade fenomenológica relacional de seus atores e de seu processo cognitivo (MESA, 1980).

Nesse objetivo de construção teórico-epistemológico das Relações Internacionais, cronologicamente foram constituindo-se modelos paradigmáticos com destacados e evidentes desenhos de suas respectivas realidades: paradigmas do idealismo, realismo político, dependência e interdependência (BEDIN et al., 2011), dos quais e nesse momento serão abordados somente os dois primeiros, pela importância de seus elementos como a temática aqui tratada.

Paradigmas das relações internacionais

Idealismo ou Parâmetro Utópico – vigente entre as duas guerras mundiais, ostentando características inspiradas em princípios éticos e morais, buscava transforma-los em normas jurídicas, em uma sociedade integrada. Proscrevendo a guerra e o conflito, proclamava a paz entre os povos e suas nações, revelando-se assim nitidamente na premissa do dever ser, como deveria ser o mundo – logo, não exatamente como é –, por isso pacífico, altruísta e equitativo, legalista e humanista, instaurando e mantendo o equilíbrio entre os homens (OLIVEIRA, 2004, p. 73-77).

O idealismo pode ser entendido como “um conjunto de princípios universais que defende a necessidade de estruturar o mundo, buscando o entendimento por meio de condutas pacifista, em que a confiança e a boa vontade sejam os motores que movimentam a História” (MIYAMOTO, 2011, p. 15). Entende o autor, que não só entre os indivíduos, mas também entre os Estados e demais agentes da sociedade como um todo, tais procedimentos deveriam ser os orientadores dos seus relacionamentos, no lugar das políticas que sempre têm vigorado, privilegiando o poder e o uso

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da força, culminando na disputa pela sua conquista – aquisição e manutenção – (MAQUIAVEL, 1973), entre os atores internacionais.

No decurso dos tempos, o mundo sempre vivenciou longos e constantes períodos de guerras e conflitos, então se entendendo a paz como aqueles espaços mediados entre os fins de combates e os atos de preparo de novas guerras, os tempos de ausência pelo preparo. Assim, a paz era concebida apenas como uma consequência do final de uma guerra e o inicio de outra, ou seja, uma simples passagem do tempo. Logo e sempre colocada em segundo plano, a paz passou a ser concebida e a constituir questão meramente circunstancial e temporária, podendo ser aqui denominada de um período de entre as guerras.

Projetos ideários da paz e suas concepções pacifistas, entretanto foram assinalados desde tempos mais antigos (OLIVEIRA, 2012, p. 614), por meio de diferentes pensadores e filósofos, entre eles, antes de Cristo, Platão e Aristóteles, em suas obras, A República (1973) e A Política (1998). O movimento pacifista foi evoluindo depois de Cristo em momentos significativos, por exemplo, com o trabalho do humanista Marsílio de Pádua (1968), reitor da Universidade de Paris – Defensor Pacis – publicado em 1324, pregando a paz civil mediante três redefinições – pax, civitas e lex – tecendo nessa obra rígido ataque ao poder papal, principalmente na forma como exercido no século 13.

Também no século 14, junto ao ideário da unificação do mundo pela paz, com base na Filosofia escolástica e políticas monárquicas, destacou-se Dante Alighière, no livro Tratato de Monarchie (1994), versando sobre os fins temporais e espirituais dos homens e na edificação de uma Polis Christiana, imortalizando-se com o extraordinário poema épico-lírico, A Divina Comédia (1913), de sensível beleza, elaborado por meio de tocante realismo fantástico, revestido de profundas emoções. Trata-se de uma imaginária viagem pelos reinos de outro mundo: inferno, purgatório e paraíso, utilizando símbolos e alegorias de uma pura arte estética.

Já o século 16 foi marcado pelas destacadas obras humanistas de Erasmo de Rotterdam, O Elogio da Loucura (1968), de Thomas Morus, A Utopia (1973) e de Hugo Grotius, Direito da Guerra e da Paz (2004). Esses trabalhos expressam profundos desejos de construção de uma sociedade fundada em sólidos alicerces de justiça, igualdade e paz, formando importante escola do pensamento pacifista desses tempos.

As ideias de paz retornaram no século 17, com a notável obra do pensador francês, Abade de Saint-Pierre, ao apresentar seu Projeto de Paz

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Perpétua, ali propondo um conselho europeu para evitar guerras e arbitrar nos casos de disputas, um tratado de união e a criação de um congresso permanente, projetos dessa grandeza, entendia esse autor, levariam a solidificar uma liga segura, ensejando ao mundo uma paz permanente, sem guerras, conflitos, violências, inseguranças e temores. Sua densa obra foi publicada em 1756, Projeto para Tornar Perpétua a Paz na Europa (2002), entretanto encontrou sérias dificuldades de execução, pois na Europa a persistência pelas guerras, disputas, divergências, rivalidades e anexações constituía forte e secular mandamento.

Em 1795, a denominada pequena e grande obra – À Paz Perpétua – de Immanuel Kant (1980), marcou profundamente o século 18, evoluindo em discussões até os dias atuais. Trata-se de ensaio filosófico-político sobre o Estado, o homem, o poder e as possibilidades de uma paz perpétua, em confronto com as guerras, conflitos e os impasses no mundo. Com suas ideias republicanas – separação dos poderes – o conhecido pensador admitia apenas o Estado soberano como único ator político e a soberania constituiria sua alavanca de força. A expressão maior da unidade estatal – o Estado Supremo – seria fundada em um contrato social, argumentando que a constituição civil em cada Estado deveria ser republicana e o direito das gentes fundado em um federalismo de Estados livres.

A obra ocupa-se da paz duradoura entre os Estados e seus cidadãos, vinculando a necessidade de construir um Direito cosmopolita e uma cidadania universal, mediante a criação de um paradigma humanista e pluralista: o paradigma da paz (MIYAMOTO, 2011, p. 20-37).

Em suma, os ideários da paz foram proclamados ao longo dos séculos, por meio de várias propostas e projetos, tendo continuidade no século 19, com as obras de Hans Kelsen, Derecho y Paz en las Relaciones Internacionales (1964), e a conhecida Carta Encíclica, A Paz dos Povos, do Papa João XXIII (1984). No século 20 são destaques as obras de Johan Galtung, entre elas, Investigación sobre la Paz (1987) e Direitos Humanos (1997), somando-se o trabalho do humanista autor transpessoal, Pierre Weil, evidenciado na A Arte de Viver em Paz (1993), além do destacado ensaio, Holística: uma nova abordagem do real (1992).

A História tem mostrado, que ao longo dos tempos, como anotado acima, propostas e projetos de paz mundial – os mais diversos – além de tentativas de construção de um mundo ideal e sem conflitos, sempre foram expostos em diferentes obras pelos seus autores, vistos como utópicos, mas infelizmente em termos reais muito pouco – nesse sentido – foi

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concretizado. Por outro lado, não conseguindo impedir o advento da Segunda Guerra Mundial, um dos grandes objetivos do idealismo, operou-se o seu fracasso, sendo sucedido por outro modelo, abordado a seguir.

O Realismo Político ou Paradigma Clássico, surgido após a Segunda Guerra Mundial como reação ao idealismo, apresentou antecedentes nos pensamentos de Nicolau Maquiavel, em sua obra, O Príncipe (1977) e de Thomas Hobbes, O Leviatã (1974). A polêmica obra do autor inglês (1968), Edward Hallet Carr, Vinte anos de crise: 1919-1939, marcou bases iniciais desse modelo da realpolitk, como posteriormente o movimento do neo-realismo teria marcas na doutrina de Kenneth Walts (1977), The Theory of International Politics, obra também publicada na Argentina (1988).

Concentrando-se fortemente na premissa estatocêntrica, o Estado como unidade suprema e soberana, única e ímpar, transformou-se, desse modo, em ator exclusivo e privilegiado das Relações Internacionais.

O parâmetro realista conduziu-se por desenhos e conceitos do poder político e seus desmembramentos, além das próprias relações de poder entre as unidades estatais, onde a força bruta e o estado de natureza hobbesiano caracterizam-se pela não-integração, anarquia e o conflito.

Vivendo então o homem sem regras e leis, sem igualdade e justiça imparcial, nesse sentido e consequentemente tornando-se a sociedade uma guerra de todos os homens contra todos os homens – o homem é o lobo do homem – só os mais fortes teriam possibilidades de sobreviver. Contudo acreditando-se, que por força de um pacto social finalmente reinaria a ordem, a lei, a justiça e a paz (BEDIN, 2011, p. 57ss.).

O paradigma realista cimentou bases em três grandes pilares: a) a política interna e a política internacional são consideradas duas áreas distintas e independentes entre si. Os princípios morais e democráticos não podem ser aplicados às Relações Internacionais. Na política internacional prevalecem questões de poder e segurança – denominadas alta política – em detrimento da baixa política, compreendida como os temas sociais e de economia; b) na definição de ator internacional reconhece-se apenas os Estados, os verdadeiros agentes nacionais, de conduta lógica, racional, despidos de paixões de seus governantes. Ainda que os demais atores não estatais tenham um poder de fato, mas porque despidos de soberania, não podem apresentar relevância para a escola realista; c) o poder e o uso da força são seus desenhos dominantes, logo as relações internacionais são conflitivas e anárquicas, encontrando-se em lutas constantes pelo domínio e manutenção do poder. Assim, o Estado

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atua sob o domínio do poder e da força, onde a ameaça e o conflito, os choques e as disputas são constantes desse meio hostil e militarizado2.

Para os realistas – sob a égide do desenho do status quo – a cooperação é problemática, a ordem uma posição hegemônica entre as potências, por isso a distribuição do poder se torna fundamental, logo, a emergências de novas potências perturbariam a ordem estabelecida. Por outro lado, a categoria do realismo político, com sua visão pessimista e pragmática, inscreve-se no universo do ser (RODRIGUES, 1994, p.22), da realidade do mundo exatamente como ele é, por isso, vai buscar na análise histórica as razões de sua sustentação. Ao contrário o idealismo, que estabelece sua argumentação no mundo do dever ser, nos elementos da racionalidade, imanência do ser humano, o mundo como deveria ser, de condutas solidárias dos atores internacionais e da paz entre os Estados.

Tão pesadas características – realismo político – ao serem adotadas pelo conhecimento nascente das Relações Internacionais, por sua vez tornaram fechado e masculinizado o seu universo, impedindo o acesso da inserção e contribuições das autoras feministas junto ao âmbito de sua disciplina, como abordado a seguir.

A exclusão de gênero no âmbito da disciplina

Historicamente, observa-se que gênero – participação e função, experiência e contribuição da mulher no campo das Relações Internacionais – foi ignorado ao longo de décadas, quando autoras pioneiras e visionárias – entre outras, Cynthia Enloe, J. Ann Tickner, Jean Bertke Elshtain, ousaram romper tão pesado silêncio, buscando acesso de inclusão nesse campo restrito – então vigente o paradigma do realismo político – tentando abrir espaços de igualdade e reconhecimento por meio de aproximação e do diálogo (GRIFFITHS, 2004, p. 313).

Adotando esse entendimento, nos anos 80 do século 20, feministas passaram a examinar criticamente os estudos e pesquisas da disciplina e

2 Ver para esse estudo, a obra de Morghentau (1986). Considerado o papa ou o pai fundador

do realismo politico, baseou seu pensamento em seis princípios, conhecidos como os

polêmicos princípios sobre a política internacional, alicerçados em três mandamentos de seu

pensamento: o estatocentrismo, a natureza conflitiva das Relações Internacionais e a centralidade do poder. A feminista J. Ann Tickner (2000), sob a perspectiva de gênero, fez

uma interpretação feminista desses seis princípios, com o propósito de formular uma

epistemologia para as Relações Internacionais.

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então começaram a indagar: Por que as Relações Internacionais omitem a questão de gênero? Por que o paradigma do realismo excluem as mulheres de seus desenhos? Que papel desempenham no cenário internacional? Que possibilidades foram a elas abertas e que cenários impedidos de conquista? Como as concepções do feminino e masculino se expressar nessa esfera?

Enfim, o que é o poder? Como se expressa no campo fechado e complexo das Relações Internacionais? Quem o exerce? Quem controla quem e em que condições? Por que as relações de poder entre o feminino e o masculino são tão desiguais? Na disciplina das Relações Internacionais onde ficaram as mulheres? Ainda permanecem assim marginalizadas?

Dessa forma concluindo: O que fazer frente a tanta exclusão? Como impedir que os silêncios das mulheres permaneçam?

Nos anos 90 continuavam a questionar: Quais os direitos e necessidades das mulheres? Que papéis e funções podem desempenhar no cenário internacional? Como suas contribuições e conhecimentos são recebidos por essa disciplina? Finalmente, como masculino e feminino agem entre si?

Em suma, as autoras feministas – ao se certificarem, de que ao longo dos anos a questão de gênero fora totalmente ignorada e excluída – na realidade banida – pela disciplina das Relações Internacionais – ponderaram em suas conclusões: há que se fazer-se a sua urgente inclusão no campo desse conhecimento.

Para tanto, seria preciso abrir caminhos à transcendência de igualdade entre o masculino e o feminino e não mais aceitar a realidade de privilegiar o masculino, relegando o feminino. Para isso acontecer, com certeza, fazia-se necessário virar escadas, invertendo a ordem de seu topo (ENLOE, 2011).

Esse movimento e seus objetivos foram tornando-se públicos, conquistando dinâmicas simpatizantes – vencendo degrau por degrau – quando no século 21 registrou-se a almejada vitória da tão esperada inclusão. Solidamente e com firmeza gênero adentrava no âmbito internacional, evoluindo de tal forma, que atualmente vem sendo considerado importante ator das Relações Internacionais, mostrando capacidade e habilidade, independência e poder de influência junto aos demais atores não estatais (OLIVEIRA; DA SILVA, 2011, p. 76).

Como ocorreu e inclusão? Só após conhecer a verdadeira história de exclusão das mulheres da disciplina das Relações Internacionais e

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 175

principalmente saber muito mais – a verdadeira realidade sobre a questão do poder desse fechado, complexo e masculinizado conhecimento – valendo perquirir: Por quem e de que forma era exercido?

Gênero trata de fenômeno recente no campo da disciplina das Relações Internacionais, já reunindo em torno de si consistente acervo de estudos e pesquisas empíricas, tendo como objeto de conhecimento a investigação da própria realidade fenomenológica da sociedade internacional contemporânea de um lado e, de outro, a construção epistemológica de teorias interpretativas de seus fenômenos, por meio da própria visão e da metodologia feminista, configuradas em valores universais, filosofias humanistas, construção de uma cultura global de aproximando e diálogo, valorização de seu conhecimento e contribuição, firmadas em políticas comuns de unidade e identidade feminina e masculina.

Em sentido mais restrito, o objetivo de gênero encontra-se firmado na luta feminista, buscando assegurar o reconhecimento da emancipação e valorização da mulher no âmbito das Relações Internacionais e a garantia de seus direitos humanos.

Por meio de seus instrumentos teóricos de trabalho, as feministas buscam distinguir entre o fato e a opinião, tornar visível o invisível, fazer ouvir o que foi silenciado, revelar o oculto, ver e apontar as injustiças com clareza, rejeitar padrões aceitos e dogmatizados. Por exemplo, nesse sentido buscam saber: Como identificar as múltiplas facetas do poder no campo das Relações Internacionais? Como fazer para mitigar os seus efeitos de abusos no mundo real? Então considerando que para tal finalidade, deve-se impedir que as marginalizações permaneçam margens e também impedir que mudos permaneçam os silêncios (ENLOE, 2011, p. 261-262).

Nesse sentido, as autoras feministas passaram a investigar: quem constrói o conhecimento no campo das Relações Internacionais? Como concebido e de que forma aplicado? Esses questionamentos auxiliaram na tomada da seguinte resolução: a teoria de gênero deveria aproximar-se e se inserir, formando parte da disciplina, podendo ali dialogar e contribuir sobre assuntos específicos da realidade contemporânea, passando atualmente a identificar-se, sem dúvida, como importante categoria teórica de análise relacional desse conhecimento.

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A conquista de inserção de gênero

O método de pesquisa feminista

Segundo Halliday (1999, p. 162), enquanto a questão de gênero alcançava o maior destaque – durante as décadas de 70 e 80 – nos estudos de História, Antropologia, Ciências Política e Social, na esfera das Relações Internacionais registravam-se outros interesses, mais de cunho estatocêntrico e desenhos realistas, como o poder do Estado, militarismo, segurança nacional, soberania, estratégia nuclear, entre outros.

Já na década de 70, essas caraterísticas do modelo do poder político passaram a ser desafiadas por um conjunto de trabalhos amplamente pluralistas e liberais, impulsionados pela evolução e desenvolvimento da tecnologia da informação, motivando mudanças expressivas na disciplina e o tema da alta política deixou de ser central, somando-se o impacto e a influência de uma diversidade de outros e emergentes agentes não estatais ao lado do Estado, até então considerado o único e privilegiado ator das Relações Internacionais (OLIVEIRA, 2015, p. 15). Desse modo, foram-se impulsionando outras áreas de investigação dentro da disciplina, além de questionar-se a validade científica de seu método, dando origem ao denominado Terceiro Debate (STEANS, 1998).

Nas Relações Internacionais, os grandes debates – em número de quatro – constituem discussões registradas ao logo de cinco décadas, tratando buscar formas adequadas para conduzir as análises referentes à política mundial3. Tais debates ocorreram no campo das Relações Internacionais e suas origens são subjacentes aos períodos históricos dos movimentos feministas, suas reivindicações, conceitos, categorias de análises, entre outras variáveis. Tais debates tiveram forte influência das abordagens teóricas das Ciências Sociais e da identificação de elementos que pudessem levar à compreensão do estudo de gênero e sua inserção nessas discussões, que então foram ocorrendo no cerne dessa disciplina (DA SILVA, 2013).

Surgiram inicialmente contendas idealistas, apresentando seu foco no uso da normatividade e legalidade, substituídas logo após pelo realismo, considerado capaz de dar respostas às questões do poder político

3 Ver Baumann, Mayer e Zangl (2011), obra específica sobre esse tema, em 3 volumes, organizada

por três professores alemães.

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e a guerra, Estado e a soberania, a segurança nacional e o militarismo, elementos esses desenhados pelos teóricos do denominado gender-neutral. O olhar e a compreensão do mundo das autoras feministas ajudariam na interpretação e transformação desse cenário de arena e do status quo, adoção do poder da força bruta e do estado de natureza hobbesiano, consolidando um jogo de poder, no qual vence sempre o jogador mais forte e hábil. As autoras Enloe (1983) e Sylvester (1994), em suas obras, passaram a desconstruir o mito do gender-neutral, demonstrando que as mulheres desempenham papel fundamental no campo da política internacional.

O Terceiro Debate4, dessa forma, abriu possibilidades a amplas

discussões sobre o método de pesquisa e a forma de conhecimento da disciplina, questionando ainda várias de suas vertentes ontológicas e epistemológicas, indagando por que as mulheres não faziam parte dos chamados policy makers, vale dizer, tomadores de decisão. Foi exatamente nesse período do Terceiro Debate que a questão de gênero adentrou no campo de estudos das Relações Internacionais.

Se o estudo do paradigma principal – mainstream – das Relações Internacionais constituía-se na questão realista do poder político do Estado, único, supremo e soberano ator, o desafio das autoras feministas seria desenvolver teorias e metodologias que respondessem indagações complexas, por exemplo do tipo – de que forma gênero poderá auxiliar na solução de problemas relacionados com a segurança nacional e os conflitos mundiais? Como gênero poderá contribuir na análise dos comportamentos conflitantes entre os Estados? Por que a disciplina das Relações Internacionais mostrava-se decididamente neutra em relação à questão de gênero (TICKNER, 1992, p. 612)?

Para que gênero fosse aceito nesse campo, como conhecimento próprio que atualmente é, deveria desenvolver teorias com base metodológica autônoma e assim ser reconhecido pelas demais disciplinas, desafiando os desenhos e pressupostos do clássico paradigma realista das Relações Internacionais. A luta de várias autoras feministas passou a ser a construção de uma importante e abrangente abordagem metodológica, direcionada à inserção de gênero nos estudos dessa disciplina. Ou seja, uma perspectiva diferente e prática – feminista – constituindo-se em outra forma de ver e sentir a sociedade e seus problemas e, a partir daí, analisar a

4 Ultimamente ganha destaque a construção do Quarto Debate, ensaiando-se a emergência de um

quinto.

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complexidade das interações e fluxos internacionais e globais, utilizando o método do empirismo feminino. Esse período de intensa elaboração pode ser entendido como um momento de destacada efervescência.

As pesquisas empíricas feministas passaram a revelar aspectos e situações até então ocultas nas estruturas de poder da política internacional: como a falta de acesso às minorias, por exemplo, o caso da luta das mulheres em busca de seus direitos humanos, além das suas opressões e violências. Tais revelações surgiram com o uso da epistemologia feminista e o emprego do método denominado feminist informed – abrangendo um conjunto de perguntas, indagando por relacionamentos e seus limites, entre outras variáveis.

As teorias de gênero, constituídas por críticas feministas positivas e suas análises desconstrutivas, utilizando ferramentas da auto-reflexividade, ocupam-se em transformar as estruturas realistas do poder, buscando mudar o que deve ser mudado e transformar o hierarquizado paradigma realista dominante, por meio de seus conceitos abertos e humanizados, tentando dessa forma contribuir com o avanço e aprofundamento das Relações Internacionais contemporâneas, atuando ao lado dos atores estais e não estatais, demais instituições, organizações e entidades.

As autoras Brooke Ackerly, Maria Stern e Jacqui True (2006), em sua obra Feminist Methodologies for International Relations, anotam informações importantes sobre a questão do método para a apreensão, compreensão e interpretação dos fenômenos de conhecimento das Relações Internacionais, afirmando que as pesquisadoras feministas, além de desenvolver um conjunto de ferramentas em metodologia, também usam formas de reflexões ontológicas e epistemológicas nas seleções de métodos, os quais conduzem a repensar os limites dessa disciplina.

Nesse sentido conceitual, a epistemologia – compreensão do conhecimento – no entendimento feminista poderá constituir uma pesquisa interrogativa, enquanto que a ontologia – conhecimento do mundo – significar o que constituí unidades relevantes sobre as suas análises (gênero, classes, etnias, indivíduos, o próprio Estado) e se o mundo e essas dinâmicas são constantes e passíveis de serem mudadas por meio da pesquisa e outras alternativas (ACKERLY; STERN; TRUE, 2006, p. 7).

Para as citadas autoras, o método é visto como um indicador, em outras palavras – o fio condutor – o tipo de instrumento empregado na investigação, ou o tipo de análise que o pesquisador irá adotar (observação participativa, coleção qualitativa de dados, análises de discurso, história

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oral, entre outras alternativas). A ética serve para destacar os direitos e responsabilidades inerentes à relação entre o tema de pesquisa e o pesquisador. A metodologia e seus métodos teóricos de pesquisa, anotam as autoras, referem-se enfim ao processo de conhecimento que conduzirá à reflexão sobre a relação entre a autoconsciência nas suposições epistemológicas, perspectivas ontológicas, responsabilidades éticas e nas escolhas dos métodos adequados (ACKERLY; STERN; TRUE, 2006, p. 6).

Como se percebe, a metodologia, os estudos e as abordagens feministas não são somente inovadoras. Evocam dilemas éticos e políticos e que expandem as investigações da disciplina. Logo, é importante observar o resultado da nova metodologia e conceitos utilizados pelas pesquisadoras de gênero na disciplina das Relações Internacionais (OLIVEIRA; DA SILVA, 2011, p. 23ss).

Se o objeto de conhecimento, por si só, seleciona o seu adequado método de pesquisa, as reflexões metodológicas, por sua vez, conduzem à consideração entre ontologia e epistemologia, indagando, por exemplo: Como nosso entendimento do mundo afeta nossa compreensão sobre o conhecimento? O que constituí uma questão de Relações Internacionais e o que significa responder a essa questão? A metodologia implica refletir sobre a epistemologia e também sobre a relação entre a ontologia e o método? Entre epistemologia e o método, qual o melhor modo de delinear o projeto de pesquisa, de forma a responder a questão principal? Como a visão potencial para mudar o mundo afetará a maneira do pesquisador fazer a pesquisa? (ACKERLY, STERN, TRUE, 2006, p. 7).

Segundo as citadas autoras feministas, esses instrumentos metodológicos possibilitam ajudar na construção do objeto de estudo, para só então se poder realizar a pesquisa, que se ocupará em responder a questão e suas perguntas de investigação (hipótese) feitas pelo pesquisador, por exemplo, no caso em que objetiva responder e mostrar sobre a importância e a necessidade da participação da mulher enquanto formadora e tomadora de decisões no âmbito das Relações Internacionais (ACKERLY; STERN; TRUE, 2006, p. 7ss).

Entender como a relação de gênero ocorre nas Relações Internacionais não é tarefa fácil, principalmente porque construir nova teoria significa desenvolver aportes teóricos que irão dar sustentação a uma emergente disciplina e que no caso irá questionar a marginalização da mulher da alta política do Estado e como consequência mais ampla dessa exclusão, simultaneamente o impedimento da possibilidade de exercer o

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seu empoderamento. Esse fato motivou a várias autoras feministas a estudar as diferentes escolas das Relações Internacionais, em profundidade a teoria realista tradicional, cujo centro de investigação concerne aos temas do poder político e da segurança nacional, concentrando-se na ausência e exclusão da mulher na participação do citado modelo estatocêntrico.

Em suma, Ackerly e True (2006, p. 241) tornam explícito em seus trabalhos, um método teórico já implícito nos pensamentos feministas das Relações Internacionais. Tal método implica na observação das investigações feministas, identificando dessa forma quatro práxis: as práticas comuns do exame cético minucioso, o inquérito de inclusão, o momento deliberativo da escolha explícita e a conceituação do campo de estudo como um universo coletivo, o que consequentemente contribui para a formação e sustentação de novas abordagens teóricas (ACKERLY; TRUE, 2006, p. 242).

Essas práticas reunidas, esclarecem as autoras, constituem um método teórico feminista – feminist informed – para estudar e pesquisar as interações internacionais dos atores dentro da disciplina, correspondendo exatamente às quatro práxis acima citadas. Abordado o assunto metodológico, a seguir será focalizada a questão do entendimento conceitual de gênero.

A dimensão conceitual

A perspectiva de construção do conceito de gênero no campo das Relações Internacionais mostrou-se complexa. Nessa tarefa, de um lado, não há como omitir as políticas de poder e empoderamento que cercam intimamente esse conhecimento e dele afastar e excluir o universo do saber, as experiências e os valores, a sensibilidade da contribuição feminina e, de outro, desconhecer que a lutas das mulheres são conformadas por seculares movimentos, com antecedentes antigos e marcas definitivas no século 19, com diferentes referenciais emancipatórias, voltados tanto às elaborações teóricas quanto de suas práxis.

Na construção conceitual de gênero, elementos culturais e sociais, políticos e econômicos não limitaram tal elaboração, na qual não só configuraram as mulheres no centro do denso núcleo desse conceito, também os homens fazem parte do critério dessa definição.

Nessa conceituação, autores procuram fazer a distinção entre gênero e feminismo. Nesse caso, pontua Passos (2011, p. 99), que enquanto a noção

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de gênero constitui “uma categoria cultural, socialmente construída, sujeita à mudança histórica, que se refere inicialmente a um corpo sexuado”, não se tratando, porém, de questão biológica e tampouco psicológica entre mulheres e homens ou de sexo diferenciando homens e mulheres; já o feminismo, por outro lado, apresenta-se como fenômeno antigo, compreendendo diversos momentos históricos, com ênfase no século 19, compreendendo o movimento de luta das mulheres na busca de emancipação e reconhecimento de seus direitos.

Diferentemente de gênero, o feminismo apresenta sua evolução em outros tempos e em diferentes e específicos elementos, além de referenciais próprios. Por si só, gênero abrange contexto fenomenológico mais amplo, não sendo sinônimo de feminismo ou de movimento de luta das mulheres, não devendo, de outro modo, ser confundido com aspectos biológicos ou psicológicos de masculino e feminino, não se encontrando ligado somente à identidade das mulheres, abrange a dos homens também, guardando um conjunto de variáveis em sua constituição conceitual.

Pontua Tickner (2002, p. 336), nesse sentido, gênero “não é, como frequentemente reivindicado, sinônimo de mulher, também trata de homens e identidades masculinas e, mais importante, trata de homens e de mulheres”.

Somam-se, nessa construção conceitual, a contribuição de Santos Junior (2011, p. 214), ao anotar que as “questões de gênero não envolvem somente diferenças de ordem anatômica, dado que expressa, antes, construções sociais”, já que as noções de homem e mulher e de masculino e feminino, se constroem também a partir da atribuição de seus papéis, os quais definem relações de poder.

A divisão dual entre feminino e masculino não abrange somente corpos sexualmente diferenciados, mas em seu evidente modelo de oposição, gênero surge como necessidade de dar sentido social às diferenças anatômicas entre homens e mulheres, criando-se a partir daí uma realidade sexual. Nesse sentido, a desconstrução e a reversão binária desse estruturado e cimentado preconceito ao longo dos tempos, constituí verdadeira prova de fogo às autoras de gênero.

De forma ampla, o conceito de gênero conforma-se por meio de uma soma de variáveis, vale dizer, de construções sociais, culturais, políticas, econômicas, morais, éticas e de valores, atribuídas tanto ao sexo feminino quanto ao masculino, perpassando as diferenças biológicas e psicológicas de homem e mulher, abrindo espaço ao seu importante papel

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no campo de conhecimento das Relações Internacionais, em especial no âmbito de políticas públicas, diplomacia, questão de segurança, entre outros, espaços sempre dominados pelo viés masculino.

Tal entendimento e suas práticas tendem a ser desconstruídas por diversas autoras como Jean Behke Elshtain (1987), que em sua destacada obra Women and War, ao analisar a questão militar, afirma que as mulheres, pelo seu espírito ativo, de grande mobilidade e singular organização, apresentam habilidades a capacidades importantes para poderem participar de táticas e articulações de guerras.

Por sua vez, Cynthia Enloe (1989), autora visionária e pioneira em estudos de gênero – teóricos e práticos – destaca em sua clássica obra, publicada na década de 80, dentro do cenário marcado pela Guerra Fria, Bananas, Beaches and Bases, a tese da importância do papel da mulher na economia e na política internacional e global, lançando mão de fatos e elementos mundiais para promover reflexões em relação ao assunto, no seu entendimento como a figura deslumbrante da brasileira Carmen Miranda, usada como símbolo sexual, tornando-se conhecida nos Estados Unidos como chiquita banana e, nesse sentido, afirmando de que a fruta banana passa a ter uma história de gênero, quando ainda noções de masculinidade e feminilidade têm sido empregadas para dar forma à economia internacional da banana (ENLOE, 2011, p. 285-332).

Academicamente conhecida pelo seu talento e produção, J. Ann Tickner (1992), já citada neste ensaio, em sua obra, Gender in International Relations: feminist perspective on achieving global security, concerne atenção ao estudo da segurança nacional, observando que as abordagens sobre esse assunto se estabelecem bem além de estatísticas e desenhos do paradigma realista, construídos a partir de discursos masculinizados e hierarquizados, apresentando visão parcial dos problemas como se fossem universais, enquanto que na visão e conceitos das mulheres, ter segurança significa ausência de violência, seja militar, econômica ou sexual.

Com foco na segurança nacional, política internacional e no meio ambiente, essa professora da Universidade do Sul de Califórnia-Los Angeles, objetiva mostrar, que a questão de gênero permeia e categoriza-se por trás desses conceitos e na prática das políticas mundiais, extensão na qual todos os sistemas de dominação estão interligados e inter-relacionados.

A destacada professora inglesa, Jill Steans (1998), em seu estudo, Gender and International Relations: an introduction, discute gênero a partir

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das políticas de identidade, Estado, natureza do poder, economia global, segurança e paz, entendendo de que nossa realidade é constituída por elementos intersubjetivo de um mundo complexo, social e político, encontrando-se o poder profundamente implicado na construção do conhecimento, categorias e conceitos usados na arquitetura de nossa realidade.

Na concepção de Steans, as críticas e conceitos feministas são especialmente importantes, especialmente ao expor bases de gênero além dos desenhos centrais do realismo, caracterizando o Estado como único ator das Relações Internacionais – o Estado e seu absoluto poder soberano – identificando-o a partir de parâmetros e definições masculinizadas e dessa forma impostas à sociedade.

Em síntese, o conceito de gênero apresenta-se em dimensão ampla, configurando-se como elemento social e cultural que constrói as diferenças entre homens e mulheres e as significações que se dá para as diferenças biológicas entre os corpos humanos, cuja interpretação poderá implicar também em diferenças sexuais, entre outras.

Muito mais do que primária, biologicamente macho e fêmea, a diferença entre masculino e feminino encontra-se inscrita no monopólio do exercício e manutenção do poder, evoluindo com virilidade ao longo dos anos e evolução das sociedades – sociedade sucedendo sociedade – formando um conjunto de predicados e solidariedades viris, um processo histórico que veio alicerçando raízes masculinizadas profundas, mantendo-se estável e cimentado através dos tempos, integrando-se igualmente dessa forma na esfera do conhecimento das Relações Internacionais, vale dizer: compreender o mundo configurado anarquicamente e por meio de hierarquias estatocêntricas, onde apenas o masculino participa e domina com total exclusão e marginalização do feminino.

Um conjunto de variáveis contribuiu para mudanças históricas nesse sentido, principalmente introduzidas no final da Guerra Fria, culminando com a inversão da denominada alta política – realpolitik – em favor da baixa política, somando-se a emergência de novos paradigmas como a interdependência e dos emergentes atores não estatais globais, seus novos cenários transnacionais e surpreendentes protagonismos, levando as mulheres a ocupar espaços e cargos até então destinados exclusivamente aos homens, reconhecidos como os únicos sujeitos de direitos nas sociedades por eles criadas.

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Nesse sentido, começaram-se a virar as escadas e a ordem de seus topos, invertendo-se os papéis. Os tempos são outros e a realidade é outra também. As mulheres passaram a conquistar mais espaços e protagonismos, demonstrando capacidade, habilidade e avanço no poder de influência – empoderamento – adentrando no âmbito fechado do conhecimento das Relações Internacionais.

A emergência dos direitos humanos das mulheres

Existem os denominados direitos humanos das mulheres? São respeitados em sua eficácia e conteúdo? Historicamente, por meio de seus movimentos e diferentes formas de lutas, de ações comuns e individuais, as mulheres vêm congregando esforços em torno do reconhecimento desses almejados e específicos direitos humanos internacionais.

Em rápida observação retrospectiva, entretanto pode-se observar que nos âmbitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Direito Internacional, Direitos Fundamentais, Direitos Humanitários e mesmo entre os conhecidos novos Direitos ocorre a ausência dos direitos humanos das mulheres, melhor dizendo, relativos especificamente a gênero, dispondo sobre as necessidades femininas, defendendo suas dignidades como pessoa humana, sendo reconhecidas como verdadeiros sujeitos de seus direitos, concebendo-os a partir das próprias perspectivas feministas, usando gênero como categoria e instrumento de análise.

Os direitos humanos das mulheres como um todo, vistos sob um olhar disciplinar e pluralista, compreendem desmembramentos estendidos às minorias, como as mulheres campesinas, indígenas, dos campos de refugiados, portadoras de doenças como a Aids, vítimas de violências domésticas e diferentes modalidades de tráfico.

Na defesa desses direitos humanos das mulheres inclui-se, além de seus valores e legitimidades, o reconhecimento de acesso à vida, liberdade, segurança, educação, e a saúde.

Em importante pesquisa dissertativa, A Construção de Gênero no Âmbito das Relações Internacionais: direitos humanos das mulheres e a necessidade de instrumentos eficazes a sua consolidação, Da Silva (2013, p. 15) responde a indagação inicial, anotando de que os direitos humanos das mulheres tratam de um novo direito, podendo-se dizer recente e em construção, sob as perspectivas do Direito Internacional contemporâneo e dos Direitos Humanos Universais, além do destacado empenho das Nações

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Unidas (ONU) nessa direção, propulsora de foros internacionais e de importantes discussões no reconhecimento desses citados direitos humanos das mulheres.

Nesse sentido, o objetivo de gênero e dos direitos humanos das mulheres requer um constate e incansável trabalho – buscar e fazer acontecer – não só a mudança, mas igualmente a transformação social do pensamento e da cultura sedimentada no secular pensamento patriarcal, ainda vigentes e arraigadas em nossa sociedade contemporânea, consagrando o modelo da dominação e subordinação, desigualdade e supremacia masculina, em detrimento de uma sofrida minoria – a minoria de nossas mulheres – de um lado, nossas próprias mães e, de outro, nossas filhas.

Completa Teles (2006), em sua notável obra, O Que São os Direitos Humanos das Mulheres, a construção desses importantes direitos busca erradicar a violência e a opressão, a discriminação e a exploração. Nesse sentido, internacionalmente vários documentos formais foram firmados e ratificados por muitos países interessados sobre a questão de gênero, a seguir apontados.

Instrumentos dos direitos humanos das mulheres

Na década de 90 do século 20, entre outros, podem ser assinalados os seguintes documentos internacionais, versando sobre os direitos humanos das mulheres: a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela ONU em 19675. Trata-se do primeiro instrumento voltado aos direitos e a proteção das mulheres, tornando-se histórico e ontológico, reconhecido como a carta dos direitos das mulheres, porém não explicitando e tampouco dispondo sobre as violências domésticas e sexuais contra elas cometidas.

Durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1999, em caráter de natureza facultativa aos Estados-partes que firmaram a Convenção de 1967, acima citada, foi apresentado o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

6.

5 Ver: <http://www.un.org> Acesso em: 2 maio 2015.

6 Ver: <http://www.senado.gov.br> Acesso em: 2 maio 2015.

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A Conferência de Viena, ou II Conferência Mundial dos Direitos Humanos7, de 1993, efetuada sob os auspícios da ONU e presidida pelo Brasil, contou expressivamente com 171 delegações, 2000 ONGs e um total de dez mil participantes, dando especial relevo à questão das minorias e ao entendimento de que os direitos das mulheres são também direitos humanos.

No rol desses documentos internacionais, merece destaque a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

8, também conhecida como Convenção do Pará, porque

firmada em 1994, no Brasil, na cidade do Belém do Pará, ampliando a visão de violência contra a mulher, assevera de que tal violência encontra-se em todos os setores da sociedade, independente de classe, raça, religião, idade, renda, atingindo, dessa forma, a sua própria estrutura.

Na sequência, destaca-se a conhecida Conferência de Beijing9 ou a

IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, ocorrida na China, em 1995, tendo causado grande impacto com seus 50 mil participantes, na qual dois terços eram mulheres, registrando-se dificuldades de consenso em determinados temas, por parte do Vaticano e de países fundamentalistas.

O século 21, por outro lado, vem sendo palco de um movimento emblemático (REYNALDO, 2015, p. 186), conhecido como segundo momento de transnacionalização do feminismo, surgido na virada do ano 2000 e organizado em rede, encontrando-se presente em 164 países, contando com 60 coordenações nacionais. Trata-se da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), representando nova e emergente força popular feminina, marcante em suas ações, alianças, encontros, atividades e mobilidades, tanto nos níveis local, nacional, regional como internacional e global, expandindo-se e influenciando com seus diversos fluxos as vidas das mulheres e homens em todo o mundo, tendo como objetivo lutar contra a pobreza e a violência.

Em 2005, a MMM lançou sua Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, nela reivindicando direitos e criticando veementemente o

7 Ver: <http://www.cedin.com.br> Acesso em: 2 maio 2015.

8 Ver: <http://www.tjrj.jus.br> Acesso em: 2 maio 2015.

9 Ver: <http://www.sepm.gov.br> Acesso em: 2 maio 2015.

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patriarcalismo e o capitalismo, apontando-os como causas de opressão e exploração, violência e exclusão das mulheres.

Em 8 de maio de 2005 foi iniciada a viajem da Carta pelo mundo, passando por vilas, regiões, cidades e territórios, em um total de 53 países, entre ocidentais e orientais, cruzando fronteiras de diferentes culturas e tradições, religiões e idiomas, faixas etárias e etnias, sendo acompanhada por uma enorme colcha de retalhos, anexados pelas mulheres dos locais aonde ia passando, ilustrando suas visões de mundo (REYNALDO, 2015, p. 206).

Desde o seu surgimento, a Marcha já realizou nove encontros internacionais, no ano de 2013 esteve em São Paulo – Brasil, no Memorial da América Latina, ali presentes 70 delegadas, de 48 países (REYNALDO, 2015, p. 207).

Atualmente, a MMM encontra-se representado formalmente em 60 países e informalmente em 104 (REYNALDO, 2015, p. 206), o que o caracteriza com um movimento em expansão transnacional e de força global, influenciando a vida de milhares de mulheres no mundo, reafirmando a necessidade de atuação conjunta, a construção de solidariedade e principalmente de união entre todas as mulheres: enfim – uma grande unidade.

Conclusão

Como resultado de insistentes e consistentes estudos e pesquisas de autoras feministas – ocorridos durante os anos de 80 e 90 do século 20 – emergiu a delicada questão da inclusão de gênero no âmbito fechado das Relações Internacionais, então já reconhecidas como conhecimento próprio, autônomo e já consolidado.

Nesse sentido, a exclusão das mulheres – minoria – do âmbito desse conhecimento e da tomada de decisão na política internacional, as conduziram a investigar as causas dessa marginalização, iniciando-se ali o marco histórico e de evolução da futura inserção de gênero nessa disciplina, consolidada no século 21.

Entende-se gênero, neste ensaio, além de sua construção social e cultural, também política e econômica, moral e de valores comuns, atribuída a ambos os sexos – feminino e masculino – perpassando diferenças biológicas e psicológicas entre homens e mulheres.

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Considera-se, dessa forma, que gênero não trata de divisões binárias, tampouco primárias, em torno dos sexos masculinos e femininos, mas de suas mútuas relações e construções comuns.

A inclusão de gênero na disciplina, por outro lado, abriu espaços ao importante papel da mulher no campo das Relações Internacionais, em especial junto às políticas públicas, diplomacia, questão militar e de segurança, até então dominadas pelo viés masculino, enraizado no monopólio do seu exercício e manutenção do poder. Trata-se, na realidade, de um antigo processo histórico patriarcal, estável e fortemente alicerçado através dos tempos, por isso bem difícil de ser desconstituído.

Enfim, compreender a necessária interação entre gênero e Relações Internacionais, sua aproximação e diálogo, pontos de contatos e identidades, leva a aceitá-lo, pois trata-se ainda de oportuna, importante e autêntica categoria relacional de análise, tanto às demandas teóricas quanto às de ordem práticas, decorrentes de seus efeitos fenomenológicos.

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MINORIAS ÉTNICAS TRABALHADORAS EM AGROINDÚSTRIAS NO

OESTE CATARINENSE

Arlene Renk*

Introdução

Não se pode sequer tangenciar a temática do desenvolvimento regional sem abordar a do meio ambiente do trabalho. Neste texto, tomamos uma das particularidades presentes na região oeste catarinense: a presença de trabalhadores indígenas e de imigrantes haitianos no complexo agroindustrial do setor de carnes e derivados. O viés étnico permitirá tratar de histórias e culturas diferenciadas que contrastam com aquelas até então predominantes.

Inicialmente, recorremos à categoria trabalho para repertoriar os diferentes momentos da agroindustrialização da região, mais intensamente a partir dos anos oitenta do século passado. Enfocamos como realidade empírica o oeste catarinense, que, à revelia das delimitações geográficas estatuídas pelos órgãos oficiais, resulta da naturalização decorrente do processo de colonização em torno do município de Chapecó, tal como foi criado em 19171. A organização socioespacial resultou da ação de companhias colonizadoras e de estratégia de reprodução social camponesa de colonos oriundos do Rio Grande do Sul para assegurar terra à geração seguinte, valendo-se da policultura e do autoabastecimento (RENK, 2000).

A categoria colono compreende imigrantes e descendentes de italianos, alemães e poloneses que, de modo geral, passaram a ser chamados como os de origem, em oposição à população nativa. A categoria trabalho marcava a distintividade étnica em relação a outros grupos, por

* Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Professora dos programas de pós-graduação em Direito e Ciências Ambientais da

Unochapecó. 1 O município de Chapecó, à época, se estendia de Vargeão a Dionísio Cerqueira, na fronteira

com a Argentina (RENK, 2006).

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exemplo, caboclos e indígenas Guarani e Kaingang, ocupantes originários desta região. Se esse foi o quadro inicialmente desenhado para a agricultura, nas décadas seguintes, repete-se para os trabalhadores do polo agroindustrial.

Os descendentes de europeus marcaram sua distintividade com metáforas práticas (BOURDIEU, 1979) expressas em um etos de trabalho, na estilização de vida, na economia familiar da pequena propriedade, além de na naturalização das virtudes étnicas (RENK, 2000). Dentre estas, estava a do trabalho, que foi um dos idiomas da etnicidade, e mediante o qual se distinguiam e afastavam dos brasileiros (caboclos) e indígenas locais e daqueles do centro de poder distante, isto é, da capital do Estado.

Em que consistia esse trabalho? Era, por excelência, a categoria empregada para se representarem e enaltecerem: avançaram no espaço geográfico, venceram as matas, plantaram colônias e cidades. Respaldava as trajetórias ascendentes (fruto do trabalho), num deslocamento transversal. Esse seria o trabalho duro “que adoça a vida”, no ditado alemão, executado de sol a sol, marcado pela autoexploração, tomado na sua positividade (RENK, 2000).

A agroindustrialização

Os primeiros frigoríficos do oeste catarinense, instalados para abate de suínos, surgiram no Vale do Rio do Peixe (Perdigão em 1934; Sadia em 1944) e posteriormente avançaram para outras localidades (S/A Chapecó em 1954; Seara em 1956; Cooperativa Central Aurora, que, em 1969, sucedeu o Frigorífico Marafon) (FONTANA, 1980; ESPÍNDOLA, 1999; DALLA COSTA, 1997). Para além do aporte de capital privado, os conglomerados agroindustriais, em diferentes momentos, contaram com financiamento estatal na sua organização, sob a forma de programas e projetos para a implantação das agroindústrias. São exemplos a criação do Fundo Geral para Indústria e Agricultura (FUNAGRI), a implantação de Fundos de Financiamentos às Indústrias, como o Financiamento a Pequenas e Médias Empresas (FIPEME), o Programa Agroindústria (PAGRI), o Fundo de Democratização do Capital das Empresas (FUNDECE), FUNDESC, PROCAPE, PRODEC Agroindustrial (GIESE, 1991; BEN, 2007), além daqueles do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – este banco financiou a fusão da Sadia S/A e Perdigão S/A, que resultou na formação da empresa Brasil Foods S/A (BRF), em 2011.

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Silvana Winckler, Reginaldo Pereira, Arlene Renk (Orgs.) – 195

O trabalho no chão de fábrica

Implantadas as indústrias processadoras de carnes, inicialmente de suíno e mais tarde de aves, passa-se ao processo de arregimentação de mão de obra para as atividades fabris. Nos tempos iniciais, o estrato patronal, por sua vinculação com o campesinato, elegia os filhos de agricultores como os braços preferenciais para o trabalho no chão de fábrica, com amparo na representação de etos de trabalho, obediência à hierarquia – transportada do âmbito familiar camponês ao da empresa – e autoexploração, valores inerentes ao mundo camponês (BEN, 2007; DAL MAGRO, 2012).

Para esses filhos de agricultores, por sua vez, as atividades fabris eram avaliadas como demandantes de menor esforço físico comparativamente às do mundo rural, realizadas em espaço protegido das intempéries, com jornada determinada, folga semanal e férias remuneradas. Ao contrário do trabalho da lavoura, no fabril o tempo livre era pago, o que representava algo desconhecido e avaliado positivamente.

A crescente complexificação da indústria e o relativo excedente de mão de obra regional tornaram o recrutamento mais seletivo. Dentre as exigências, aumentou a expectativa de formação escolar, o que também era uma imposição das normas do mercado. É indispensável mencionar o critério da boa saúde, que, em muitos casos, poderia ser sinônimo de força física, apontado pelo serviço de seleção e recursos humanos. Nos anos noventa, ocorreu a abertura de escolas nas agroindústrias (CRUZ, 2001), para a qualificação de seus quadros.

Mas, nem todos os que aderiam ao chão de fábrica eram filhos de agricultores. Desde o início, verificou-se um significativo contingente oriundo do campesinato expropriado, os chamados caboclos. Nos anos iniciais, do ponto de vista dos agricultores, o recrutamento pelas agroindústrias poderia ser lido como uma estratégia de reprodução social, com a formação de bairros operários nas cidades com frigoríficos, principalmente em Chapecó. Nas gerações seguintes, mudou o panorama. Exceto nesse município, nos demais, a possibilidade de trabalhar na agroindústria leva fração desse segmento a aderir à pluriatividade, isto é, a praticar a agricultura ou outra atividade econômica não agrícola, na propriedade, em tempo parcial.

A diluição das fronteiras entre o rural e o urbano encontra aqui espaço privilegiado de análise. Essa é a realidade das agroindústrias situadas em municípios próximos a Chapecó, circundados por minifúndios,

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nos quais o agricultor não consegue sobreviver exclusivamente da agricultura e tem a renda complementada pela atividade fabril. Nesses municípios, os pluriativos passam a ser considerados os trabalhadores com perfil desejado pela agroindústria, pois necessitam do vínculo empregatício e a cada dia cresce o número de braços desse segmento.

A logística desse arranjo compreende o transporte, muitas vezes subsidiado pelas agroindústrias ou pelos municípios, da residência na área rural ao local de trabalho. Quando o poder público municipal, diretamente ou por meio de associação comercial, financia esse deslocamento, o faz como contrapartida à permanência dessa população no município de origem e contando com os salários dos trabalhadores como renda que será investida no comércio municipal (BAGNARA; RENK, 2013). Neste caso, temos a autoexploração potencializada pelo esforço de compatibilização da jornada de trabalho na empresa com aquela executada no âmbito da propriedade rural. Quando ocorrem lesões por esforço repetitivo (LER) e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT), os empregadores usualmente tentam atribuir as patologias às atividades extrafrigorífico, de modo a isentar as empresas frigoríficas da responsabilidade pela doença laboral.

Meio ambiente do trabalho

O meio ambiente do trabalho está inserido na proteção ambiental assegurada pela Constituição Brasileira no artigo 225. No entanto, o estrito cumprimento tem sido matéria de vigilância por parte de sindicatos e do Ministério Público do Trabalho. Nas décadas iniciais da implantação das agroindústrias, na atividade fabril, os operários podiam controlar, em certa medida, o ritmo do trabalho. Os novos procedimentos informatizados e impessoalizados mudaram esse panorama. Santos, escrevendo a respeito do cotidiano de uma agroindústria, afirma que

(...) [até] praticamente a metade da década de 1990 (...) o processo de trabalho era em sua maioria organizado de forma manual, ao comando apenas das nórias. (...) O que se tinha então era um trabalho com muito mais força física, mas o trabalhador não estava submetido à cadência das máquinas (...). (SANTOS, 2011, p. 264s)

O aumento da produção implicou o aumento do número de funcionários, de turnos de trabalho, a impessoalização, as pressões externas tais como adequação ao sistema ISO, Qualidade Total, produção e remuneração por metas, toyotismo, repercutindo na rapidez da nória – o

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que representou um acréscimo percentual excessivamente elevado de esforço físico em relação aos procedimentos anteriores. Paralelamente a isso, ocorrem a modernização microeletrônica e a introdução de parâmetros de produção coletiva, substituindo a data-base por data de produção coletiva, principalmente na indústria de aves. Esse quadro leva a reclamações por sofrimento psíquico, especialmente depressão, normalmente associada a LER e DORT, enfermidades laborais nem sempre reconhecidas como dessa origem (SANTOS, 2011; DAL MAGRO, 2012).

A rapidez da nória e a pressão para cumprir as metas de produtividade são apontadas como as grandes responsáveis pelo adoecimento, não só físico como também psíquico, nos frigoríficos. O rol de malefícios à saúde contempla mutilações, DORT LER, tendinites, bursites, afastamentos por quadros de dores agudas ou crônicas, os rituais de recorrer à Previdência Social em busca do auxílio-doença, o enfrentamento ao campo médico nas perícias da Previdência Social, a disputa pela atribuição do código internacional de doenças (CID) que assegure o afastamento do trabalho para tratamento, reabilitação, readaptação etc. É frequente a judicialização dessas disputas.

As lesões por esforço repetitivo e as doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho, bem como as doenças de cunho psicossomático, levam a mutilações. A LER, a DORT seriam causadas pelo número excessivo de movimentos, em torno de 120 por minuto (como na desossa do frango) quando o razoável seria em torno de 30 movimentos.

De outro lado, tem sido observada a judicialização em torno do trabalho nas empresas agroalimentares, por parte de trabalhadores e da própria Previdência Social. A ação dos sindicatos torna-se mais vigilante nesse sentido; eles se munem de profissionais especializados, que participam de programas de mestrado e doutorado renomados para assessorá-los. A Previdência Social, ante a estatística das comunicações de acidente de trabalho (CATs) apresentadas pelas empresas, passa a propor ações regressivas no intento de ressarcir recursos investidos no que considera desídia ou não observância da legislação e das condições de saúde e segurança por parte das empresas.

No dia 19 de abril de 2013, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria MTE n. 555, de 18 de abril de 2013, referente à Norma Regulamentadora n. 36. Esta NR do Ministério do Trabalho e Emprego estabelece condições indispensáveis para segurança e saúde dos trabalhadores que trabalham em frigoríficos – é conhecida como NR dos

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frigoríficos2. Por sua vez, o Ministério Público, por meio do projeto “Adequação das condições de trabalho nos frigoríficos”, pretende reduzir as doenças ocupacionais e acidentes laborais no setor de abate e processamento de carne.

Povos indígenas, haitianos e senegaleses entram nos frigoríficos

Com o aumento da velocidade da nória e do número de casos de LER e DORT entre os trabalhadores, atuar em frigoríficos deixou de ser uma profissão prestigiosa. Embora houvesse um contingente de trabalhadores com disponibilidade para o trabalho, a população urbana de Chapecó deslocava-se a outros postos de serviços, deixando vagos os dos frigoríficos. O setor patronal ressentia-se da carência de mão de obra. Exemplo pode ser observado na matéria jornalística da TV Record, de 13 de maio de 2013, que estampava a seguinte manchete: “Agroindústria sofre com a falta de mão-de-obra no oeste. O problema atravanca o desenvolvimento da região.” Em 2013, ante a carência de mão de obra, houve momento em que uma das empresas decidiu pelo fechamento do terceiro turno de trabalho.

Se para os frigoríficos situados em municípios ao redor de Chapecó ainda há estoque de mão de obra disponível, em Chapecó, que é a maior cidade da região, ocorre o contrário, haja vista a condição desprestigiosa da ocupação, a baixa remuneração em relação a outras profissões e o espalhamento das notícias acerca das lesões dos operários, ora “encostados” (trabalhadores em auxílio-doença) pela Previdência, ora aposentados por invalidez, ora demitidos e sem encontrar empregos pelo handicap laboral. A proximidade de vizinhança permite a circulação de informações e dos desconfortos. A exemplificação pode ser observada no documentário de ampla circulação intitulado Carne e Osso3, que retrata o sofrimento das vítimas do trabalho em frigoríficos no Brasil.

2 “O objetivo desta Norma é estabelecer os requisitos mínimos para a avaliação, controle e

monitoramento dos riscos existentes nas atividades desenvolvidas na indústria de abate e

processamento de carnes e derivados destinados ao consumo humano, de forma a garantir permanentemente a segurança, a saúde e a qualidade de vida no trabalho, sem prejuízo da

observância do disposto nas demais Normas Regulamentadoras – NR do Ministério do

Trabalho e Emprego” (BRASIL, 2013, grifo nosso). 3 Documentário produzido pela ONG Repórter Brasil (2011), com direção de Caio Cavechini e

Carlos Juliano Barros.

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Não encontrando mão de obra, o recrutamento de trabalhadores passou a ser feito entre as minorias étnicas, como os haitianos, refugiados ambientais, e indígenas Kaingang e Guarani – estes grupos constituem, neste momento, a reserva de mercado de trabalho. Inicialmente, a partir de 2010, foram contratados Kaingang e Guarani de Terras Indígenas e de Reservas Indígenas em Santa Catarina e no Estado do Rio Grande do Sul. Em muitos casos, os prefeitos dessas localidades apoiam a iniciativa, uma vez que, ao final do mês, o rendimento entra no mercado local, estimulando a movimentação financeira. Diariamente, dezenas de ônibus (geralmente são veículos em estado precário de conservação), em turnos alternados, da madrugada à tarde, deslocam-se a Chapecó transportando os trabalhadores indígenas. O que chama a atenção é a presença significativa de população indígena, que antes não figurava como trabalhadora desse segmento.

A presença indígena não se centra somente em Chapecó: em toda a região oeste, são sete os frigoríficos que se valem do trabalho indígena. Os Kaingang saem de suas aldeias e vão atuar no processamento de carnes. Neste caso, as mediações para o recrutamento são feitas pelas lideranças tradicionais, isto é, via cacique da aldeia. O setor empresarial legitima a autoridade tradicional para a contratação e, à medida do possível, vale-se de indígenas para postos hierárquicos no trabalho, evitando conflitos étnicos nesse espaço.

Embora os Kaingang sejam reconhecidos como bons trabalhadores, seus caciques parecem não partilhar da ideia de que seus empregadores possam ser qualificados como bons patrões. O descompasso entre o habitus indígena e a nória gera tensões e relações conflitivas. O arranjo da organização trabalhista sofre alteração. Matéria estampada no portal do Ministério Público do Trabalho, em 2013, dava notícia de reunião de caciques dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, demandando diante daquele órgão providências acerca da violação dos direitos dos indígenas empregados nas agroindústrias: oferecer comida estragada, não respeitá-los, não aceitar atestado médico, oferecer transporte precário. Essa avaliação é referendada por matéria da ONG supramencionada:

Além disso, o trabalho em frigoríficos é considerado um dos mais desgastantes, com recordes de depressão e lesões entre os trabalhadores. Umas das características do setor que favorece o alto índice de enfermidades é a elevada carga de movimentos repetitivos, que tendem a causar lesões definitivas se realizados por um tempo

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considerável e que se agrava com a exposição a baixas temperaturas, comum nos frigoríficos. (Repórter Brasil, 2012)

Em etnografia realizada em terra indígena por Stefanuto (2015), observa-se que o cacique se manifesta contrário ao trabalho nos frigoríficos, porque afeta a saúde dos trabalhadores: “não vão ‘prestar pra fazer mais nada’, e só são recrutados por ser um trabalho que ‘ninguém mais quer’” (STEFANUTO, 2015, p. 6, grifo nosso).

Por ocasião do I Congresso Sul Brasileiro de Promoção do Direito Indígena (CONSUDI), em outubro de 2012, uma das tomadas de decisão foi a respeito da constituição de Sindicato de Trabalhadores Indígenas, para garantia de seus direitos trabalhistas nas agroindústrias. O apoio, além de outras entidades, mais substancialmente veio da Rede de Atenção aos Povos Indígenas (RAPI), constituída por entidades estatais, civis, Ministério Público do Trabalho. As decisões respaldavam-se na necessidade de uma organização interna, étnica, que possa representar e na qual possam sentir-se efetivamente representados os trabalhadores indígenas. Outro item que entrou na pauta de reivindicação foi a remuneração do deslocamento como horas in itinere, que pode chegar a mais de três horas diárias, conforme o caso.

Novas configurações étnicas ganham visibilidade. A presença dos haitianos no espaço fabril do oeste catarinense, em especial em Chapecó, conduz-nos às formulações de Sayad (2000) quando afirma que no processo de imigração deve-se, em primeiro lugar, levar em conta as condições por que passa o país exportador. Os estudos de Cotinguiba (2014), Mejía e colaboradores (2015), dentre outros, apontam que a condição pós-terremoto de 2010, a falta de perspectivas de reorganização do Haiti e a grave crise social contribuíram para a emigração em grande contingente de trabalhadores, principalmente de homens jovens. Entraram no Brasil por Tabatinga, no Amazonas, e Brasiléia, no Acre. Os haitianos, ao entrarem no Brasil, na qualidade de refugiados do ambiente e da crise social haitiana, formulam solicitação de refúgio, que passa à análise do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Com a abertura de protocolo, conseguem carteira de trabalho e CPF provisórios.

Em 2013, uma agroindústria local deslocou equipe de recrutamento ao Acre para realizar o processo de seleção de trabalhadores, e contratou 80 haitianos. Posteriormente, as demais agroindústrias passaram a contratá-los, e em número crescente. Confirma-se a observação de Sayad:

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Afinal, o que é um imigrante? Um imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito. Em virtude desse princípio, um trabalhador imigrante (sendo que trabalhador e imigrante são, neste caso, quase um pleonasmo), mesmo se nasce para a vida (e para a imigração) na imigração, mesmo se é chamado a trabalhar (como imigrante) durante toda sua vida no país, mesmo se está destinado a morrer (na imigração) como imigrante, continua sendo tratado como um trabalhador definido e provisório, ou seja, revogável a qualquer momento. A estadia autorizada ao imigrante está inteiramente sujeita ao trabalho, única razão de ser que lhe é reconhecida: ser como imigrante, primeiro, mas também como homem – sua qualidade de homem estando subordinada à condição de imigrante (...). Como o trabalho (definido para imigrantes) é a própria justificativa do imigrante, essa justificativa, ou seja, em última instância, o próprio imigrante, desaparece no momento em que desaparece o trabalho que os cria a ambos. (SAYAD, 2000, p. 55s)

A condição de empregabilidade é favorável aos imigrantes, mediante a carência de mão de obra no setor da indústria de carnes. No entanto, no recrutamento, a qualificação do candidato não é levada em conta. Na constituição da subalternização, muitos desses trabalhadores que são poliglotas e com formação superior em seus países de origem submetem-se a condições adversas de trabalho.

Outro fato que concorre para a subalternização do trabalhador imigrante é a despossessão linguística, que consiste no desconhecimento ou no domínio insuficiente do código linguístico, de modo que o falante sinta-se cerceado do poder de comunicação. Em ambiente de trabalho como esse ao qual estamos nos referindo, com a presença de indígenas, haitianos que se expressam em francês ou creole e senegaleses francófonos, fatalmente a incomunicabilidade se estabelece. Uma das agroindústrias muniu-se de um falante de língua francesa e creole e com domínio parcial da língua portuguesa, uma vez que fez um curso de dois meses, para servir de intérprete entre o setor administrativo e o chão de fábrica. Forçosamente, o intérprete torna-se um mediador entre os mundos culturais no interior da fábrica.

Os imigrantes e trabalhadores haitianos constituíram uma associação para defesa de direitos e espaço de sociabilidade: Associação dos Haitianos de Chapecó. A exemplo desta, foram formadas outras nas diversas regiões do estado em que figuram imigrantes.

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Etnicamente, modifica-se o perfil dos trabalhadores do chão de fábrica. Nos últimos anos, tem ocorrido a migração africana com a introdução de senegaleses. A trajetória dos senegaleses consiste em sair da África, chegar ao Equador, entrar no Brasil via Acre e depois deslocar-se aos locais onde há postos de trabalho.

Se, do ponto de vista da fenotipia, as diferenças não são muito perceptíveis aos nativos brasileiros, faccionalmente estabelecem-se antagonismos. Os senegaleses são muçulmanos, o que os afasta em hábitos e valores dos haitianos, inclusive em questões de rivalidades em grupos no trabalho.

Breves considerações finais

Aqueles que eram considerados os construtores da região, da agroindústria na região, seus braços preferenciais pelo etos de trabalho, são, em parte, os que se negam a permanecer nessa atividade dado o ambiente nefasto construído e vivenciado nas agroindústrias. Se para uma geração esse era o horizonte possível, para as futuras vislumbram-se novas atividades com menor insalubridade, nas quais não haja a intensidade da nória girando, em que a pressão não seja tão intensa, em que não haja lesões marcadas no corpo. O trabalho fabril torna-se um “não trabalho”. Aqueles que eram os trabalhadores não pretendem trabalhar.

Quem passa a vislumbrá-lo como trabalho são aqueles que estiveram à margem do mercado, seja efetivo, seja simbólico, como os Kaingang, os refugiados haitianos e senegaleses. A força de trabalho passa a ser buscada no último recurso, naqueles que jamais contaram como força de reserva.

Na condição de minoria, na necessidade imperiosa de entrar no mercado da monetarização, jogam com as forças vitais e viris na execução das atividades. É ainda um capítulo recente na história do trabalho local.

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DIREITO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO E AOS SABERES TRADICIONAIS A

ELE ASSOCIADOS: AVANÇOS LEGISLATIVOS NO BRASIL

Silvana Winckler*

Introdução

Ainda que as discussões éticas em torno da biossegurança e do valor da biodiversidade para o futuro do planeta sejam anteriores à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92, o tema passou a integrar as pautas de ambientalistas e de movimentos sociais especialmente a partir dos debates ocorridos durante esse evento.

Tamanha foi a relevância reconhecida à matéria que a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) (ONU, 1992) foi um dos documentos fundamentais resultantes da Cúpula da Terra naquele final de milênio. Nesse importante documento do Direito Internacional Ambiental, as partes contratantes, dentre elas as nações mais poderosas do mundo e também as mais ricas em patrimônio genético, reconhecem valor intrínseco à biodiversidade, consignando, expressamente, a relevância das dimensões ecológica, genética, social, econômica, científica, educacional, cultural, recreativa e estética da diversidade biológica e de seus componentes.

De patrimônio da humanidade, a biodiversidade passou a ser considerada “direito” dos Estados, detentores soberanos dos seus elementos constitutivos, quer dizer, dos recursos naturais. Essa compreensão foi referendada nas conferências das partes que deram seguimento aos debates das temáticas da CDB.

A propagação da preocupação com a proteção da biodiversidade e dos saberes tradicionais a ela associados é uma das consequências da crise

* Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona. Docente dos programas de Pós-

Graduação em Direito e em Ciências Ambientais da Unochapecó.

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ambiental contemporânea. A aprovação da convenção introduziu um marco jurídico e político internacional para a gestão do patrimônio genético e dos saberes de povos e comunidades tradicionais.

A CDB resultou de mobilizações sociais e de articulações governamentais e não governamentais no intuito de frear a devastação de biomas, a simplificação genética de ecossistemas e a extinção de espécies, assim como de prevenir a biopirataria. Visa, ainda, ao uso sustentável da biodiversidade e à repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos e dos saberes tradicionais a eles associados. Dentre os assuntos que merecem atenção na CDB, é objeto de estudo neste trabalho o direito ao patrimônio genético e aos saberes tradicionais a ele associados que deverá ser assegurado a “comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais” (ONU, 1992), conforme critérios de justiça ambiental. Tal direito recebeu ênfase no Protocolo de Nagoia (ONU, 2010b) e na Lei da Biodiversidade (Lei n. 13.123, de 20 de maio de 2015).

Convenção sobre diversidade biológica

A crise ambiental vivenciada na sociedade contemporânea é, sobretudo, resultado da tomada de consciência acerca dos conflitos socioambientais desencadeados pelos padrões vigentes de exploração de recursos naturais e de intervenção humana nos ecossistemas. A crise se instaura quando os níveis de informação levam à perda de confiança nos sistemas peritos (GIDDENS, 1991)1 que sustentaram a sociedade industrial e tecnológica até as últimas décadas do século XX. A percepção dos riscos relacionados à tecnociência é, para alguns (BECK; GIDDENS; LASH, 2001), a principal característica da modernidade reflexiva, capaz de voltar-se sobre o passado e analisar as consequências das ações humanas. Nesta perspectiva, crise e reflexão formam um binômio fértil que possibilita diferentes aproximações aos problemas da atualidade, quer digam respeito a povos, comunidades ou sociedades nacionais e internacionais.

A perda da diversidade biológica foi percebida por cientistas, governos e organizações ambientalistas como uma temática relevante a ser

1 Para Giddens (1991), sistemas peritos são sistemas de primazia técnica ou competência profissional atuantes na sociedade (como, por exemplo, engenheiros, advogados, médicos,

cientistas, piloto de avião, etc.). Esses mecanismos estão intimamente ligados ao conceito de

“confiança” em sentido amplo.

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discutida na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. Um dos resultados desse importante encontro foi a aprovação da Convenção sobre Diversidade Biológica (ONU, 1992)

2. Esse documento

expressou o desejo e a disposição dos governos signatários de atuar na defesa da preservação dos ecossistemas, de fauna e flora, das formas de vida, culturas e valores representativos da biodiversidade em todo o planeta. Povos e comunidades tradicionais foram reconhecidos formalmente como guardiões desses valores expressos na fórmula “patrimônio genético e saberes tradicionais a ele associados”, em seguida reconhecidos pela sociedade internacional como direitos humanos

3. O art.

8º, alínea “j” dispõe que as partes contratantes na convenção devem,

Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas. (ONU, 1992)

A definição de saberes tradicionais é objeto de disputas teóricas4. Em termos gerais, o conhecimento tradicional é aquele construído por um

2 Diversidade biológica foi definida no art. 2º da CDB como “(...) a variabilidade de organismos

vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres,

marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte;

compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.” (ONU, 1992). 3 Ver, p. ex., a Carta do I Congresso Internacional de Direitos dos Povos e Comunidades

Tradicionais (COMISSÃO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE POVOS

E COMUNIDADES TRADICIONAIS, 2012). 4 “O estudo dos saberes tradicionais é foco da Antropologia desde sua concepção como

ciência, entretanto, ainda hoje, não há algo como uma Teoria Geral sobre esses saberes, mas sim um debate em torno das suas características, modos de produção e reprodução. O debate

ganhou importância a partir da segunda metade do século XX, quando antropólogos como

Claude Lévi-Strauss passaram a focar os aspectos cognitivos das populações tradicionais, trazendo à tona algumas especificidades de seus saberes empíricos sobre a natureza. À época

da publicação de seu trabalho sobre o chamado pensamento selvagem, Lévi-Strauss (1962)

inseriu-se no debate sobre a distinção entre conhecimento científico e o que ele denominou ‘ciência do concreto’, desmitificado a idéia hegemônica, até então, da inferioridade epistêmica

dessa última em relação à primeira: o que ele denominou ‘paradoxo do neolítico’” (REZENDE;

BANDEIRA, 2010, p. 392s).

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grupo ou comunidade de pessoas mediante vivências compartilhadas em estreita interação com a natureza, geração após geração. Tem como fundamento a observação empírica; como objetivo, a subsistência.

A CDB preconiza o uso sustentável da biodiversidade, com vistas a atender as necessidades humanas de bens e serviços ambientais, condicionado à preservação desses recursos para as futuras gerações. De outra parte, reconhece às comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, consideradas guardiães de grande parte do patrimônio genético do planeta, o direito à repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos e dos saberes tradicionais a eles associados.

Nesse aspecto, referenda-se a preocupação de Sparemberger e Colaço (2011, p. 694) quanto à necessidade de proteção dos territórios e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre os conhecimentos de que são detentores:

Pode-se reconhecer nas comunidades tradicionais uma capacidade de auto-organização, que só foi possível graças à riqueza da biodiversidade presente em seus territórios. Quando essa biodiversidade é vista como um objeto, fonte de matéria-prima para as multinacionais, além da ameaça à biodiversidade, ocorre a ameaça à auto-organização das comunidades e, conseqüentemente, uma dependência maior da intervenção estatal, tanto no desenvolvimento de políticas em benefício dessas comunidades, quanto na necessidade de proteção jurídica, uma vez que as relações sociais, econômicas e culturais são alteradas e podem modificar o modo de vida tradicionalmente desenvolvido. (SPAREMBERGER; COLAÇO, 2011, p. 694)

Não obstante reconheça a importância da conservação da biodiversidade para o futuro do planeta como um todo, a CDB reafirma o direito soberano dos Estados sobre os recursos biológicos existentes em seus territórios, atrelando a esse direito a responsabilidade pela sua conservação e utilização sustentável. A essa responsabilidade corresponde o desafio de desenvolver as capacidades científica, técnica e institucional necessárias ao planejamento e execução de medidas protetoras dos ecossistemas representativos da biosfera, bem como de promover a “cooperação internacional, regional e mundial entre os Estados e as organizações intergovernamentais e o setor não-governamental” (ONU, 1992). Tal cooperação se dará, fundamentalmente, com base em transferência tecnológica e aporte de recursos financeiros para pesquisas

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científicas e projetos de conservação, in situ ou ex situ, de espécies ameaçadas.

A proteção do patrimônio genético e dos saberes a ele associados interessa à sociedade planetária. Trata-se de recursos para suprir as demandas por alimentos em qualidade e quantidade suficientes para atender parâmetros de segurança alimentar dos povos e de soberania alimentar das populações camponesas (capacidade de decidir o que, como e quando plantar, mediante a detenção das sementes e mudas de cultivares). Indústrias de alimentos, cosméticos, medicamentos, entre outras, são igualmente dependentes da biodiversidade como fonte de riquezas. Os desafios cruciais cingem-se aos temas proteção do patrimônio genético (isto é, formas de acesso) e repartição de benefícios sobre sua utilização, que, em última instância, remetem a critérios de justiça ambiental, os quais foram tema do Protocolo de Nagoia

5.

No quesito “informação ambiental”, mereceu destaque na CDB o desafio de conhecer e mensurar as principais ameaças à biodiversidade. Trata-se, notadamente, de desflorestamentos para retirada da madeira, exploração indevida de recursos florestais, queimadas que visam à ampliação das fronteiras agropecuárias, queimadas acidentais, introdução de espécies exógenas de fauna e flora, extinção de espécies, simplificação genética de espécies, contaminação do solo e da água, aterramento de banhados e manguezais, entre outras ameaças.

A CDB adota explicitamente o princípio 15 da Convenção sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ONU, 1992), que trata da precaução ante qualquer ameaça de redução ou perda de diversidade biológica, ao mencionar que “a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça” (ONU, 1992, Preâmbulo).

Reportando-se à inigualável eficiência da conservação e recuperação in situ dos ecossistemas, a Convenção menciona a

(...) estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que é desejável repartir equitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da diversidade

5 Ver Santilli e Emperaire (2006).

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biológica e à utilização sustentável de seus componentes. (ONU, 1992, Preâmbulo)

Em consonância com as experiências de etnodesenvolvimento implementadas no hemisfério Sul, sobretudo no continente asiático, a CDB reconhece papel fundamental às mulheres na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica. Ao gênero feminino está assegurado o direito à participação na formulação e execução de políticas públicas, em todos os níveis, em defesa da biodiversidade.

A invenção de políticas públicas de desenvolvimento sustentável, nos moldes preconizados pela CDB, foi confiada aos governos nacionais e às instituições internacionais como fórmula privilegiada para o enfrentamento das desigualdades regionais e intrarregionais – escassez e má distribuição de alimentos, baixa transferência tecnológica dos países centrais para as regiões periféricas, insuficiência, senão ausência, de representatividade de povos e comunidades tradicionais nos círculos de discussão e deliberação acerca de investimentos em ciência, tecnologia e inovação voltados ao etnodesenvolvimento. Faltam políticas, investimentos e espaços democráticos de participação que correspondam às necessidades dos segmentos não inseridos na economia capitalista predadora de recursos naturais escassos e finitos.

A CDB aposta na redução das desigualdades econômicas e tecnológicas entre os Estados como mecanismo de enfrentamento da perda de diversidade biológica. A pobreza é apontada como uma das principais causas dos danos ambientais; sua erradicação viria, pois, a contribuir para a conservação e utilização sustentável dos recursos da biodiversidade, fonte de alimento e de saúde para as gerações futuras.

A CDB foi aprovada, no Brasil, pelo Decreto Legislativo n. 2, de 3 de fevereiro de 19946. Desde a aprovação dessa convenção, o Brasil foi um dos países que mais avançou na discussão e implementação das políticas de defesa da biodiversidade (SANTOS; MAZZARO; TAVEIRA, 2013).

No âmbito internacional, seguiram-se tratativas para tornar efetiva a convenção mediante a adoção de medidas protetivas dos biomas,

6 “O Congresso Nacional decreta: Art. 1º É aprovado o texto da Convenção sobre Diversidade

Biológica, assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro, no período de 5 a 14 de junho de

1992”.

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notadamente em face da circulação internacional de organismos vivos geneticamente modificados. Finalmente, em Montreal, em 29 de janeiro de 2000, foi firmado o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (ONU, 2000). O governo brasileiro depositou o instrumento de adesão ao Protocolo junto à Secretaria Geral da ONU em 24 de novembro de 2003. O Protocolo de Cartagena entrou em vigor em 11 de setembro de 2003. No Brasil, passou a viger em 22 de fevereiro de 2004, mediante decreto que dispõe que o documento “será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”.

Questão polêmica suscitada pelos “considerandos” do Protocolo de Cartagena são as implicações dos organismos vivos modificados para a segurança alimentar. De um lado, permitem o aumento da produtividade das cultivares com base na padronização genética. De outro, levam à perda de biodiversidade, decorrente da crescente homogeneização das sementes e do desaparecimento de espécies. Centenas de milhares de variedades de cultivares se perdem como consequência da produção e comércio de sementes produzidas em laboratórios, às quais o acesso é facilitado por políticas públicas e privadas de acesso financiado (SANTILLI, 2009, p. 100-105).

Mesmo quando se dispõe de centros de conservação da biodiversidade para a conservação da diversidade genética de cultivares, esses recursos naturais não cumprem a função de proporcionar aos agricultores autonomia e segurança alimentar em situações de crise, como inadaptações climáticas, ataques de pragas e outros eventos que podem afetar as lavouras homogêneas de forma devastadora. Além de insuficientes, essas reservas (sementes, por exemplo) não coevoluem com outras plantas e com o ambiente, perdendo capacidade de adaptação in situ.

Outro aspecto não contemplado é a dependência gerada pelo acesso a organismos vivos modificados (cultivares) em relação aos agroquímicos necessários em larga escala para corrigir o solo e prevenir o ataque de pragas.

Relatórios da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) apontam que a maioria das populações mais pobres do mundo vive em áreas rurais em países em desenvolvimento. Nesses casos, a modernização das lavouras pelos organismos vivos modificados é apresentada como um imperativo para superar a condição de pobreza. Mas esse ponto de vista vem sendo contestado com fundamento em diferentes lógicas de argumentação.

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A adoção das lavouras geneticamente homogêneas, por meio de sementes padronizadas em laboratório, produz um incremento de produtividade. Não obstante, torna os agricultores dependentes de créditos para correção do solo, aquisição das sementes e das tecnologias a elas associadas. Ocorre perda de autonomia, à medida que as comunidades abandonam as sementes crioulas e os saberes tradicionais sobre os cultivos; ocorre perda de biodiversidade, que acarreta maior exposição a riscos de perdas das safras pela incidência de eventos climáticos e de pragas (para o que as variedades crioulas poderiam apresentar características de resistência diferenciadas); ocorrem o endividamento e a dependência do crédito para cada nova safra.

Também se apontam fatores nutricionais como desvantagens da opção pela padronização genética voltada à produção de commodities. O número de cultivares utilizados na alimentação humana e animal vêm se restringindo a cada ano; e isso tem impactos sobre a saúde. Como aponta Santilli,

Os alimentos são feitos com um número cada vez menor de espécies e variedades de plantas, e os derivados de milho e soja, por exemplo, estão presentes na maioria dos produtos alimentícios industrializados. Para que se tenha uma idéia, estima-se que existam entre 250 mil e 420 mil espécies de plantas superiores, das quais apenas trinta corresponderiam a 95% da nutrição humana, e apenas sete delas (trigo, arroz, batata, mandioca, batata-doce e cevada) responderiam por 75% desse total. (SANTILLI, 2009, p. 103)

Nesta matéria, a legislação brasileira em vigor (Lei de Sementes, n. 10.711/03, e Lei de Cultivares, n. 9.456, de 25 de abril de 1997), em lugar de assegurar o acesso das variedades adequadas também aos agricultores familiares, tradicionais e agroecológicos, acaba privilegiando somente os sistemas formais e os interesses privados (mercados para as sementes comerciais, produtoras de commodities). Esta e outras dificuldades são impedimentos para que se estabeleça, no Brasil, um sistema de produção e comércio de sementes que realmente atenda às necessidades da maioria dos agricultores.

A Conferência sobre Diversidade Biológica, na terceira edição do Panorama da Biodiversidade Global (ONU, 2010a), apontou claramente a redução da taxa de perda de biodiversidade como uma contribuição para a mitigação da pobreza e para o benefício de todas as formas de vida na

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Terra. Por isso o ano de 2010 foi considerado o Ano Internacional da Biodiversidade7.

Protocolo de Nagoia

Em outubro de 2010, foi realizada na cidade de Nagoia, no Japão, a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP 10. Passados, naquele momento, dez anos da assinatura do Protocolo de Cartagena, a preocupação das partes (193 países) era produzir um acordo sobre ações a serem implementadas para conservar a biodiversidade do planeta. Três aspectos foram contemplados: plano estratégico para enfrentar a perda de biodiversidade (2011-2020), protocolo de acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade, e estratégia de mobilização de recursos financeiros para implementar ações de conservação. O objetivo do protocolo foi assim definido no art. 1º do documento:

O objetivo do presente Protocolo é a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e à transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado, contribuindo desse modo para a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes.

No preâmbulo do protocolo, alguns valores são reiterados: a soberania dos Estados sobre seus recursos naturais, a relevante contribuição da transferência de tecnologia e a da cooperação ao desenvolvimento sustentável, o valor econômico dos ecossistemas e o papel das comunidades locais e populações8 indígenas como guardiães da

7 A maioria das partes confirmou que as cinco principais pressões continuam a afetar a

biodiversidade dentro de suas fronteiras: a perda de hábitat, o uso não sustentável e a sobrexplotação de recursos, as mudanças climáticas, as espécies exóticas invasoras, e a

poluição. 8 Observa-se que tanto a CDB quanto o Protocolo de Nagoia adotam a designação

“populações indígenas”, em lugar de “povos indígenas”. Há, no entanto, fortes argumentos no

sentido de que se deva utilizar a segunda alternativa, porquanto se trata, efetivamente, de povos com identidade étnica, cultural e linguística. Veja-se o entendimento de Távora et al.

(2015, p. 31): “A Constituição Federal de 1988 fala em ‘populações’, ‘comunidades’ e ‘grupos’

indígenas. Contudo, ao longo de mais de vinte anos de discussão sobre a condição dos

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biodiversidade. A estas é reconhecido o direito de identificar, em suas comunidades, os detentores legítimos de seu conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos.

Quanto à distribuição justa e equitativa de benefícios, o documento define que os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos e as aplicações comerciais derivadas serão repartidos com a parte provedora – no caso, o país de origem desses recursos ou aquele que tenha adquirido os recursos em conformidade com a CDB.

Às partes caberá adotar medidas legislativas, administrativas e políticas visando assegurar que os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos detidos por comunidades indígenas e locais sejam repartidos de maneira justa e equitativa com as comunidades relacionadas, com base em termos mutuamente acordados e em conformidade com a legislação nacional. Os benefícios poderão ser monetários ou não monetários.

Igualmente, às partes compete assegurar que os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional associado a recursos genéticos sejam repartidos de maneira justa e equitativa com as comunidades indígenas e locais que detenham tal conhecimento, com base em termos mutuamente acordados e em instrumentos jurídicos que assegurem clareza e transparência.

O acesso aos recursos da diversidade biológica e a repartição dos benefícios derivados de sua utilização merecem destaque, com ênfase na necessidade de proporcionar segurança jurídica nas relações com os detentores de conhecimentos tradicionais. Outro aspecto destacado é a importância de promover a equidade e a justiça na negociação de termos mutuamente acordados entre provedores e usuários de recursos genéticos.

Nacionalmente, a proteção do conhecimento tradicional associado foi instituída após a criação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), no âmbito da Diretoria de Patrimônio Genético (DPG) do Ministério do Meio Ambiente (MMA). No entanto, ainda resta muita insegurança jurídica no que diz respeito ao acesso ao patrimônio genético

indígenas no Brasil e no mundo, foi estabelecido um forte consenso técnico e acadêmico de

que o mais correto é designá-los como povos, expressando o reconhecimento de sua identidade étnica e cultural e de sua autonomia como sujeitos de direitos coletivos, bem

como sua relevância, no nosso caso, por serem eles uma das três principais matrizes (a

ameríndia, a europeia e a africana) dos povos formadores da nacionalidade brasileira” .

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e à repartição dos benefícios dos conhecimentos tradicionais a ele associados.

A matéria foi tratada por medida provisória (MP n. 2.186/2001), que dispunha sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização.

O art. 2º dessa MP estabelecia que

O acesso ao patrimônio genético existente no País somente será feito mediante autorização da União e terá o seu uso, comercialização e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento.

A MP protegia o conhecimento tradicional das comunidades indígenas e locais, associado ao patrimônio genético, contra a investida para exploração ilícita de agentes nacionais ou internacionais. O acesso aos bens protegidos deveria ser liberado pelas autoridades competentes (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) e pelos povos e comunidades detentores dos elementos da biodiversidade e dos bens culturais (conhecimentos) associados. Igualmente, protegia o conhecimento tradicional associado como integrante do patrimônio cultural brasileiro, podendo este ser objeto de cadastro.

O Decreto n. 3.551/2000, do governo federal, regulamenta os artigos 215 e 216 da Constituição, ao instituir o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro. Dentre os bens tutelados, estão os “conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades”. Estes podem ser inscritos no Livro de Registro dos Saberes, considerada a sua continuidade histórica e relevância para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira (BRASIL, 2000).

No entendimento de movimentos de povos e comunidades tradicionais, a proteção assegurada pela MP 2.186/2000 era insuficiente, havendo necessidade de discussão e aprovação de uma lei que tratasse da matéria, em consonância com a compreensão das partes interessadas. Neste sentido, em janeiro de 2013, representantes da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) entregaram à então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, propostas para a nova regulamentação do uso do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado. As propostas partiram

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de debates da CNPCT com o setor industrial interessado (sobretudo das áreas farmacológica e cosmética). Os povos e comunidades tradicionais esperavam do governo federal dispositivo legal que salvaguardasse seus direitos e instrumentos de promoção econômica e social. Nesta lógica, almejavam ver definidos parâmetros para a distribuição justa e equitativa dos benefícios do uso do patrimônio genético de que são detentores (guardiões) e dos conhecimentos associados. São muitos os fatores em jogo; e a igualdade nas condições do debate era, naquele momento, a meta almejada.

O Ministério do Meio Ambiente recolheu contribuições de outros ministérios para ampliar o debate. A CNPCT, por sua vez, trabalhou na capacitação das comunidades para a participação qualificada no processo de formulação da nova lei

9.

Lei da Biodiversidade (Lei n. 13.123, de 20 de maio de 2015)

Finalmente, em 2015, foi aprovada a Lei da Biodiversidade, suscitando novos esforços interpretativos acerca da constitucionalidade de alguns de seus dispositivos, de sua coerência com a CDB e com o Protocolo de Nagoia e da compatibilidade com outros diplomas jurídicos vigentes, a exemplo da Lei de Biossegurança e da Lei de Sementes. Suscita, da mesma maneira, discussões sobre a viabilidade de sua aplicação nos termos em que está redigida e do modo como foi regulamentada.

Antes da edição do Decreto n. 8.772/2016, houve a manifestação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em documento dirigido ao Ministério do Meio Ambiente, sinalizando para a necessidade de rever aspectos da lei que a tornam impraticável, seja por questões técnicas, seja por implicações econômicas, políticas e jurídicas (SBPC, 2016).

Dentre os inúmeros dispositivos trazidos pela nova lei brasileira, destacam-se, nesse item, aqueles que afetam diretamente o reconhecimento do direito ao patrimônio genético e aos saberes tradicionais a ele associados. A análise é preliminar, haja vista que a matéria foi regulamentada recentemente10 e será submetida à prova de

9 Ver <http://www.gta.org.br>.

10 Decreto n. 8.772, de 11 de maio de 2016. Regulamenta a Lei n. 13.123, de 20 de maio de 2015,

que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao

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realidade, quer dizer, terá sua efetividade avaliada a partir da incidência em casos concretos11.

A Lei da Biodiversidade atribui ao patrimônio genético a mesma natureza jurídica que a Constituição Federal atribuiu ao meio ambiente, ou seja, a de bem de uso comum do povo. O patrimônio genético compartilha, portanto, com o meio ambiente a natureza de interesse metaindividual tutelado pela ordem jurídica, conceituado como “informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo destes seres

vivos”12

.

Na interpretação de Távora et al.,

(...) o conceito de patrimônio genético adotado na Lei como “informação” parece ser o mais adequado e atual, pois a biotecnologia é capaz de sintetizar ativos a partir de informação disponível em base de dados, prescindindo do material genético para concluir seu processo de desenvolvimento tecnológico. Daí a desnecessidade de regulamentar a coleta e de dirigir o foco da norma para a proteção da informação de origem genética. (TÁVORA et al., 2015, p. 12)

Esses autores adotam o entendimento de que a natureza jurídica do patrimônio genético é pública, recorrendo à classificação dos bens públicos trazida pelo art. 99 do Código Civil brasileiro. A definição da natureza jurídica (bem público ou interesse metaindividual) tem repercussões na forma de cobrança sobre o uso desse bem, haja vista sua classificação como receita originária (na primeira hipótese) ou receita derivada (na segunda). A controvérsia deverá ser resolvida por meio de legislação ou, ante a inércia legislativa, por decisão judicial.

conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso

sustentável da biodiversidade. 11 Antes da edição do decreto que regulamentou a lei, a SBPC enviou carta ao Ministério do

Meio Ambiente com questionamentos e sugestões de adequações necessárias sob o ponto de

vista dos pesquisadores. Veja-se a íntegra da correspondência no site

<http://www.sbpcnet.org.br>. 12

“Art. 2º Além dos conceitos e das definições constantes da Convenção sobre Diversidade

Biológica - CDB, promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de março de 1998, consideram-se para os fins desta Lei: I - patrimônio genético - informação de origem genética de espécies

vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas

do metabolismo destes seres vivos; (...)”.

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Ao designar os segmentos sociais tutelados como guardiões de patrimônio genético e provedores de conhecimentos tradicionais associados a esses bens, a nova lei menciona “população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional”. Ressalta-se, novamente, o fato de que a nova legislação não adota a designação “povos indígenas”, que estaria em consonância com o uso acadêmico predominante da expressão e com o texto da Convenção 169/1989 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada internamente em 2004

13.

“Comunidade tradicional” designa, de acordo com a lei (art. 2º, IV),

(...) grupo culturalmente diferenciado que se reconhece como tal, possui forma própria de organização social e ocupa e usa territórios e recursos naturais como condição para a sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição.

O agricultor tradicional é definido como “pessoa natural que utiliza variedades tradicionais locais ou crioulas ou raças localmente adaptadas ou crioulas e mantém e conserva a diversidade genética, incluído o agricultor familiar” (art. 2º, XXXI). Poderá beneficiar-se da nova proteção legal para assegurar a preservação de sua forma de vida, dos recursos naturais, do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais acumulados. Tais conhecimentos consistem em informações ou práticas de comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores tradicionais relativas às propriedades e usos do patrimônio genético (art. 2º, II).

A Lei da Biodiversidade determina que o acesso ao patrimônio genético existente no Brasil e ao conhecimento tradicional a ele associado para fins de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico, bem como sua utilização para fins econômicos na forma de produto acabado ou material reprodutivo, estará sujeito às regras brasileiras de fiscalização, restrições e repartição de benefícios. O consentimento prévio informado passa a ser requisito para o acesso ao conhecimento

13

Távora et al. (2015, p. 31) esclarecem os usos dos termos: “O conceito de população aproxima-se da simples somatória de indivíduos que se encontram em um território. Não

obstante a pluralidade semântica do conceito de povo, ele aponta para uma multiplicidade de relações culturais, étnicas e históricas que identifica um grupo de pessoas, diferenciando-o

dos demais. É por essa razão que diversos atos internacionais utilizam a expressão ‘povos

indígenas’ e não apenas ‘população indígena’”.

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tradicional, resguardando o direito dos povos e comunidades tradicionais à repartição de benefícios14.

Pairam dúvidas sobre alguns aspectos da nova lei, a exemplo de sobre a qualificação de produto acabado, o qual é definido como

(...) produto cuja natureza não requer nenhum tipo de processo produtivo adicional, oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, no qual o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado seja um dos elementos principais de agregação de valor ao produto, estando apto à utilização pelo consumidor final, seja este pessoa natural ou jurídica. (BRASIL, 2015, art. 2º, XVI)

Não há critérios, na lei ou no regulamento, que permitam identificar com precisão os “elementos principais de agregação de valor ao produto”. Este certamente será um foco de disputas e de desacordos no momento da aplicação dos instrumentos legais.

Outro aspecto que suscita preocupação é o direito dos povos e comunidades tradicionais de participar da tomada de decisões sobre assuntos relacionados à conservação e ao uso sustentável de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético, amplamente contemplado nos documentos internacionais e no texto da nova lei. Távora et al. (2015) chamam a atenção para o fato de que a própria elaboração dessa lei não foi tema de consulta; os autores apresentam evidências de que esse direito não foi adequadamente resguardado15.

A Lei da Biodiversidade retirou inúmeras barreiras que dificultavam o acesso ao patrimônio genético para atividades de pesquisa e bioprospecção, tornando mais ágeis os procedimentos de autorização, que passam a ser feitos mediante cadastro eletrônico. O foco da regulação recai sobre os resultados dessas atividades e seus usos; o acordo sobre repartição de benefícios somente será elaborado nessa etapa do processo,

14

O consentimento prévio informado deve ser comprovado mediante assinatura de termo, registro audiovisual, parecer do órgão oficial competente ou adesão na forma de protocolo

comunitário. 15

Notícia publicada na página do MMA informa que foram realizados debates sobre a regulamentação da lei com a participação de representantes dos povos e comunidades

tradicionais. O processo participativo finalizou com seis oficinas realizadas entre os dias 19 e 21 de outubro de 2015, na sede do MMA, em Brasília. “Durante as seis ofic inas, pelo menos 120

pessoas apresentaram contribuições de debate sobre a regulamentação do movo marco legal

da Biodiversidade” (BRASIL, MMA, 2015).

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considerando o potencial econômico dos resultados obtidos (produto ou material reprodutivo). O conhecimento tradicional associado é reconhecido mediante sua identificação em publicações científicas, seu registro em cadastros ou em bancos de dados, ou sua presença em inventários culturais (TÁVORA et al., 2015).

A nova lei cria o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB), em que poderão ser depositados benefícios monetários, como alternativa ao acordo de repartição de benefícios, e institui o Programa Nacional de Repartição de Benefícios (PNRB), com o objetivo de promover o fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado.

Em suma, a Lei da Biodiversidade buscou superar dificuldades encontradas na medida provisória que regulava a matéria. No entanto, dadas a complexidade do tema e a amplitude de situações às quais se aplica, ainda suscita dúvidas que demandarão diálogos permanentes entre as partes interessadas – Estado, comunidade científica, setores produtivos, povos e comunidades tradicionais.

Considerações finais

A autonomia dos povos e comunidades tradicionais tem como condicionante o reconhecimento dos direitos a que se refere este texto. O direito ao desenvolvimento, neste caso, tem como referência a diversidade cultural de usos, costumes, valores e práticas. São múltiplas formas de organizações societárias que requerem as noções de respeito à diversidade e ao etnodesenvolvimento, temas que merecem ser insistentemente retomados em contextos de homogeneização desenvolvimentista.

O uso dos instrumentos constantes da Lei da Biodiversidade assegurará, ou não, a efetividade dos direitos. Sem uma interpretação adequada, a lei seguirá sendo uma carta de intenções, uma promessa para um futuro mais justo e igualitário, uma aposta na pluralidade das formas de organização social e produtiva, uma quimera de justiça ambiental.

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