shalom belém shalom · santo5, os grupos de oração e acampamento, conhecido como acamp’s. o...
TRANSCRIPT
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
1
Ser Jovem para a Comunidade Católica Shalom: Análise da Página Juventude
Shalom Belém1
Leonardo Santana dos Santos RODRIGUES2
Jessé Santa BRÍGIDA3
Universidade Federal do Pará, Belém, PA
RESUMO
Neste artigo, buscamos perceber quais as visões da comunidade católica Shalom, em
Belém do Pará, sobre o público jovem e como se manifestam na página Juventude
Shalom Belém, no Facebook. Fazemos uma análise enunciativa (VERÓN, 2004) das
publicações de setembro de 2017 a fevereiro de 2018, tendo como suporte entrevistas
com membros do grupo de comunicação da comunidade e as reflexões de Margulis e
Urresti (2008) sobre a juventude. A página serve principalmente para fins de divulgação
e os sentidos associados aos jovens são a energia, a inconstância e a busca por
experiências intensas, características que a Shalom tenta acomodar dentro de suas
vivências oferecendo a alegria, o lazer e a descontração.
PALAVRAS-CHAVE: religião; jovens; midiatização; Shalom Belém.
Introdução
Por estar em formação e ser responsável por renovar e dar continuidade os
quadros religiosos, o público jovem parece ser estratégico nas ações de comunicação
das denominações religiosas, ainda mais considerando as mudanças na configuração do
campo religioso brasileiro: a Igreja Católica era a religião de 91,8% da população em
1970 e caiu para 64,6% em 2010, enquanto que os evangélicos passaram de 15,4% para
22,2% entre 2000 e 2010 (CENSO DEMOGRÁFICO, 2010), o que deixa o cenário
religioso mais competitivo. Os contornos dessas disputas também chegam ao ambiente
midiático, levando em conta que a mídia tem uma importância cada vez maior nas
relações entre a instituição religiosa e os fiéis (CUNHA, 2016).
1 Trabalho apresentado no GP Mídia e Religião, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
2 Graduado do Curso de Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Pará. Integrante do grupo de
pesquisa Comunicação, Linguagens, Discursos e Memórias na Amazônia. E-mail: [email protected].
3 Orientador do trabalho. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia. Bolsista
Capes. Jornalista. Integrante do grupo de pesquisa Comunicação, Linguagens, Discursos e Memórias na Amazônia e
do projeto de pesquisa “A trajetória da imprensa no Pará: do impresso à internet”. E-mail: [email protected].
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
2
Considerando que algumas denominações religiosas têm ações específicas para
os jovens, o objetivo deste artigo é compreender qual a visão da comunidade católica
Shalom4 sobre esse público e como essa visão orienta e se manifesta em seus produtos
midiáticos. Nossa análise, enunciativa (VÉRON, 2004), centra-se nas publicações da
página Juventude Shalom Belém, no Facebook, num período de seis meses, de setembro
de 2017 a outubro de 2018, tendo como suporte as reflexões de Margulis e Urresti
(2008) sobre juventude e entrevistas com a coordenadora e um membro do grupo de
comunicação da comunidade Shalom em Belém.
Decidimos trabalhar com a Shalom porque a comunidade dedica atenção
especial aos jovens em seu trabalho evangelizador e por possuir uma variedade de
empreendimentos – editora de livro, revistas, sites, rádio, DVDs, CDs, programas de
televisão – que mostram o esforço da comunidade para estar presente na mídia. Para
pensar a relação entre religião e mídia, nossos autores de referência são Hjarvard (2008,
2016) e Thomas (2016) que discutem sobre a midiatização da religião.
Shalom: evangelização, lazer e jovens
A Shalom foi fundada em junho de 1982 em Fortaleza (CE) e atualmente tem
atualmente missões espalhadas por todo o Brasil, com exceção do estado de Rondônia, e
atua em vinte países, como Estados Unidos, Inglaterra e França (SHALOM, s.d.a.), o
que indica um crescimento significativo. Em 2012, a comunidade recebeu o
reconhecimento oficial do Vaticano ao ter os seus estatutos aprovados (AZEVEDO
FILHO, 2012). O primeiro centro de evangelização funcionava junto com uma
lanchonete e uma livraria da comunidade, um modelo que foi pensado para atrair os
jovens e está presente em outras missões, como a de Belém do Pará (AZEVEDO
FILHO, 2012).
A missão da Shalom na capital paraense começou em 2006 e administra dois
centros de evangelização, um no bairro de São Brás, outro no bairro da Cidade Nova,
4 Para melhor compreensão, sempre que usarmos o termo “comunidade” ou “Shalom” estaremos nos referindo à
comunidade de forma geral, considerando que a Shalom tem missões espalhadas por todo o Brasil e está presente em
alguns países, possuindo características em comum. Também será uma forma de nos referirmos ao centro de
evangelização. Quando for necessário falar especificamente sobre a comunidade Shalom em Belém, usaremos
expressões como “a missão de Belém”, “a Shalom de Belém”, a “comunidade de Belém”.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
3
em Ananindeua, e possui atualmente cerca de 600 membros, sendo 385 jovens
(SANTOS, 2017).
As chamadas novas comunidades católicas, como a Shalom, surgiram por volta
da década de 1970, derivadas da Renovação Carismática Católica, movimento que
surgiu em 1967 nos Estados Unidos (CARRANZA; MARIZ, 2009). Essas comunidades
se estruturam com base nos grupos de oração e nas comunidades de vida e de aliança.
Nas comunidades de vida, os membros se dedicam integralmente à missão, dividindo a
mesma renda e o mesmo alojamento. Nas comunidades de aliança, o fiel mantém uma
vida profissional e familiar à parte, mas deve assumir compromissos com a comunidade
e fazer votos de pobreza, castidade e obediência (CARRANZA; MARIZ, 2009). Na
Shalom, são aceitos tanto celibatários quanto casais.
Dentre as ações voltadas para os jovens na Shalom, destacam-se o Projeto
Juventude para Jesus, os encontros vocacionais, os Seminários de Vida no Espírito
Santo5, os grupos de oração e acampamento, conhecido como Acamp’s. O primeiro
acampamento de jovens da Shalom ocorreu em 1989 Fortaleza (AZEVEDO FILHO,
2012) e passou a fazer parte do calendário de eventos de outras missões no Brasil. Na
missão de Belém, o Acamp’s é realizado duas vezes ao ano, em janeiro e julho,
geralmente fora da cidade. A comunidade também promove eventos que envolvem
dança, música, teatro e outras expressões artísticas.
Religião e midiatização: transformações no campo religioso brasileiro
Entendemos que não é possível compreender a religião atualmente sem
considerar a articulação de instituições religiosas e fiéis com o ambiente midiático,
movimento que é pensando pela teoria da midiatização. Pensar essa articulação é tida
como uma das contribuições que o campo comunicacional pode oferecer ao campo
religioso, como propõem Regiani e Borelli (2016)
[...] na atualidade o que há de propriamente comunicacional na
religião são as transformações e adequações pelas quais adota como
referência, em seus processos de interação, as lógicas, os modos de
dar significado e de fazer que são próprios do campo midiático.
(REGIANI; BORELLI, 2016, p. 81-82).
5 O Seminário de Vida no Espírito Santo é um retiro espiritual que “visa proporcionar uma experiência com o
Espírito Santo e um momento para conhecer, recuperar ou aprofundar o relacionamento com Deus” (SHALOM,
2018).
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
4
Um dos pontos centrais da teoria da midiatização, conforme propõe Hjarvard
(2008b), é a ideia de que a mídia se torna uma instituição independente, descolando-se
de instituições religiosas e políticas, por exemplo, e passa a operar sobre lógicas
próprias, passando a influenciar o funcionamento de outras instituições e sendo afetada
por elas. A midiatização da religião vai além do simples uso de formas de comunicação
mediadas, como as redes sociais e a televisão, por organizações religiosas, mas refere-se
ao modo pelo qual são afetadas pela mídia (noticiosa, de entretenimento, das redes
sociais), que opera no geral com enquadramentos, prioridades e formatos sem o
compromisso com o discurso religioso (HJARVARD, 2016).
A mídia é responsável por agenciar representações, sejam elas favoráveis ou não
ao discurso das instituições religiosas, alinhados ou não com a visão religiosa de
mundo. Como a mídia passa a ser um das mais importantes fontes de informação sobre
a religião, isso implica numa relativa perda de controle das instituições religiosas sobre
os discursos produzidos sobre si próprias e suas doutrinas, assim como a
desestabilização de relações de autoridade (HJARVARD, 2016), considerando que a
mídia pode dar visibilidade a pessoas que não tem tanto reconhecimento internamente.
As instituições religiosas precisam dispor dos próprios meios de comunicação
para contrapor-se ao discurso da mídia secular, mas também usá-lo a seu favor em
busca de visibilidade agindo de acordo com as expectativas midiáticas (THOMAS,
2016). A midiatização não se trata, portanto, de um processo unilateral. No caso do
campo religioso, a midiatização envolve o modo como as instituições religiosas
refletem e assimilam as lógicas midiáticas, como se posicionam em relação à mídia e
como os fiéis se relacionam entre si (THOMAS, 2016; HJARVARD, 2016).
Análise da página juventude Shalom Belém
Margulis e Urresti (2008) consideram que a categoria jovem não se limita à
idade, nem é uniforme, mas fruto de uma série de variáveis como tempo, classe social,
fatores socioculturais, institucionais, históricos e de gênero (MARGULIS; URRESTI,
2008). Ser jovem também não é unicamente uma condição social ou uma etapa da vida,
mas uma categoria a qual se atribuem valores simbólicos e estéticos que podem ser
comercializados, “multiplicando a variedade de mercadorias – bens e serviços – que
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
5
impactam direta ou indiretamente sobre os discursos sociais que a aludem e a
identifica”6 (MARGULIS; URRESTI, 2008, p. 01, tradução nossa).
Nesse sentido, podemos entender que as enunciações sobre o jovem da página
Juventude Shalom Belém também são “comercializadas” porque se dirigem
principalmente a potenciais membros, divulgando eventos e atividades. Consideramos
que a Shalom possuí uma imagem do público jovem e que essa imagem orienta sua
criação de conteúdos para o ambiente midiático. Conforme afirma Verón (2004), todo
discurso pressupõe um enunciador (a imagem de quem fala) e um destinatário (a
imagem daquele a quem o discurso se destina). A análise das publicações da página
Juventude Shalom Belém é uma forma de observar a relação que a comunidade propõe
ao seu público.
Fazemos dois movimentos nesta análise: em primeiro lugar, observamos alguns
indicadores quantitativos – o número de publicações, os recursos utilizados e uma
categorização dessas publicações de acordo com sua finalidade. Acreditamos que esses
indicadores sejam importantes porque nos oferecem uma visão geral da página e lançam
um olhar para as estratégias enunciativas da Shalom.
Observar qual a frequência das postagens, quais os recursos mais utilizados e
qual a finalidade das publicações é, também, uma forma de perceber a ideia que a
comunidade tem sobre o jovem porque envolve as expectativas que a Shalom imagina
que seu público tenha, considerando que as estratégias de comunicação comportam a
relação que o enunciador (a Shalom) busca estabelecer com o público (os jovens) e a
ideia que tem sobre ele.
Em seguida, selecionamos algumas publicações para uma análise qualitativa,
relacionando-as com uma entrevista com a coordenadora do grupo de comunicação da
Shalom Belém, Karen Favacho, e um integrante, à época, desse grupo, Jonnes Barbosa.
As entrevistas seguiram um roteiro pré-definido no qual buscamos entender, dentre
outros pontos, como eram criados os conteúdos para o público jovem, qual a concepção
da Shalom sobre esse público e qual o papel da comunicação para a comunidade.
A missão de Belém tem contas no Facebook, Instagram, Twitter e Whatsapp. O
Facebook é considerado o principal meio de divulgação e interação com o público
6 Original: “multiplicando la variedad de mercancías -bienes y servicios- que impactan directa o indirectamente
sobre los discursos sociales que la aluden y la identifican” (MARGULIS; URRESTI, 2008, p. 01).
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
6
externo, contando com as páginas Shalom Belém, com 9089 curtidas, e Juventude
Shalom Belém, com 3725 curtidas7.
Analisamos as publicações da página Juventude Shalom Belém numa amostra de
seis meses, de setembro de 2017 a fevereiro de 2018. No total, contabilizamos 84
publicações. O período analisado compreende o Círio de Nazaré (outubro), que é uma
das celebrações católicas mais importantes de Belém, mobilizando cerca de dois
milhões de fiéis (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
NACIONAL, s.d), e uma edição do Acamp’s (janeiro). Para completar os seis meses,
decidimos incluir o mês anterior ao Círio (setembro) e o mês posterior ao Acamp’s
(fevereiro).
O quadro abaixo traz o total de publicações por mês, divididas de acordo com o
recurso utilizado: texto, imagem, vídeo ou links para outros sites. Consideramos “texto”
a mensagem que é digitada dentro de uma caixa no local destinado às publicações,
excluindo da contagem, portanto, as imagens que tenham informação verbal, mas não
venham acompanhadas de um texto. Consideramos “imagem” fotos, álbuns ou qualquer
material gráfico. Consideramos “link” tanto o endereço eletrônico digitado por extenso
quanto ícones que contenham um link e levam a outros sites. Por fim, consideramos
“vídeo” o produto audiovisual que é carregado no próprio Facebook. Para construir o
quadro, combinamos dois ou mais desses recursos, imaginando que as publicações
seriam “multimídia”.
Tabela 1 – Total de publicações por recurso utilizado e por mês
Fonte: Dados da pesquisa (2018)
7 Os números referem-se à 04 de abril de 2018.
TextoTexto e
imagem
Texto e
link
Texto e
vídeo
Texto,
imagem
e link
Texto,
vídeo e
link
Imagem Vídeo
Setembro 1 2 1 X 2 X 7 X 13
Outubro X 4 X X 1 X 3 X 8
Novembro X 5 X X 2 X 1 X 8
Dezembro X 7 X X X X X X 7
Janeiro 1 14 1 4 9 2 10 X 41
Fevereiro X 6 X X 1 X 2 X 9
Total 2 38 2 4 15 2 23 X 86
Mês
Recursos utilizados
Total
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
7
O mês de janeiro registrou o maior número de publicações, 39. E dezembro, o
menor, com sete postagens. É possível observar que o volume de publicações cresce
consideravelmente em janeiro, quando é realizado o Acamp’s, mantendo-se com
números próximos nos outros meses. Janeiro também é o mês em que a comunidade
mobilizou mais recursos nas publicações, até mesmo pelo baixo número de postagens
em outros meses. É o único mês em que foi publicado vídeos, por exemplo. Alguns
vídeos são de curta duração e apresentam animações e prévias do acampamento. Pelo
esforço empreendido na produção e edição – não são apenas registros de uma tomada só
–, mostram a ênfase que a comunidade dá ao Acamp’s, buscando ser atrativa de diversos
modos.
A coordenadora do grupo de comunicação considera que o jovem de hoje é bem-
informado, o que, de certo modo, se reflete nas estratégias de comunicação da página,
que utiliza diferentes ferramentas para interpelá-lo. “Nós falamos para um jovem zoeiro,
para um jovem que sempre tá antenado, mas um jovem que principalmente é indeciso.
Ele é indeciso, mas nessa decisão ele vai buscando aquilo que vai atrair o coração dele”
(FAVACHO, 2017).
Para também ter uma visão dos principais finalidades das publicações, elas
foram categorizadas em Divulgação, Informação e Atualização. A primeira categoria
refere-se aos conteúdos voltados para divulgar eventos, com informações sobre preços,
serviços, locais, programação, elementos que buscam criar expectativa e antecipação no
público, com uso de hashtags, memes, contagem regressiva, lembretes e uma linguagem
fática.
A segunda categoria, Informação, abarca as publicações que fazem registro e
cobertura das atividades da comunidade Shalom, incluindo álbuns de fotos, vídeos e
transmissões ao vivo, e também apresentam novidades ao público, como uma postagem
que informa a mudança no local de celebração da missa da comunidade e um vídeo que
informa os jovens sobre como fazer o pagamento para participar do Acamp’s. Por fim, a
última categoria, Atualização, registra as mudanças nas fotos de perfil e de capa da
página Juventude Shalom Belém8. O quadro abaixo traz o número de publicações por
mês de acordo com a categoria.
8 Prevíamos outra categoria, Evangelização, mas não encontramos nenhuma publicação que correspondesse aos
critérios que estabelecemos: o de ser uma postagem em que há predominância de mensagens de conteúdo religioso, o
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
8
Tabela 2 – Total de publicações por categoria
Fonte: Dados da Pesquisa (2018)
Mais da metade das publicações está na categoria Divulgação (60,5%), o que
mostra que a fanpage serve principalmente para mobilizar os seguidores e o público
para participar de eventos e atividades da comunidade, não tanto para refletir sobre
questões religiosas, o que deve ficar restrito somente às ações presencias. Observamos
que a página parece usar uma estratégia parecida com a de grupos evangélicos
pentecostais. Ricardo Mariano (2008) aponta que nos programas radiofônicos religiosos
desses grupos não há tanto espaço para o ensino doutrinário, sermões ou discussões
teológicas, os testemunhos é que recebem o maior destaque. Por mais que haja essa
semelhança, na página da Shalom, em vez dos testemunhos, o que se enfatiza é o lazer,
como evidenciado no destaque à divulgação do Acamp’s e na programação de algumas
atividades, como uma missa que era seguida de jogos e brincadeiras.
A campanha de divulgação do acampamento de jovens (Acamp’s) revela um
trabalho cuidadoso e bem construído, mostrando a importância que a comunidade
Shalom dá à comunicação. Embora o Acamp’s, no período analisado, tenha ocorrido
somente em janeiro de 2018, desde outubro já havia publicações a seu respeito.
Observamos a utilização de vários recursos: linguagem informal e bem-humorada,
como a simular uma conversa entre amigos; uso de expressões do falar local; vídeos
mostrando edições passadas do acampamento; dicas sobre o que levar na viagem;
publicações agradecendo patrocinadores; contagem regressiva e postagens lembrando
aqueles que ainda não haviam se inscrito que ainda dava tempo de participar, criando
um clima de urgência e expectativa.
que pode incluir citações de santos, autoridades religiosas, depoimentos de membros da Shalom contado suas
experiências com a comunidade.
Informação Divulgação Atualização
Setembro 3 4 6 13
Outubro 1 4 3 8
Novembro X 7 1 8
Dezembro 1 6 X 7
Janeiro 13 27 1 41
Fevereiro 3 4 2 9
Total 21 52 13 86
TotalMêsCategoria
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
9
A campanha de divulgação do Acamp’s buscou destacar o caráter único e
aventureiro da experiência, convidando os jovens a aproveitar as “melhores férias” da
vida deles. A linguagem brinca até mesmo com os nomes de Deus e Jesus, utilizados
como interjeições para expressar nervosismo e ansiedade (“Senhor Jesus, já é depois de
amanhã”, “Meu Deus do Céu”). Essa estratégia enunciativa indica um tom de
informalidade e descontração à mensagem, aproximando-a do jovem.
O título de alguns eventos da comunidade (Só tenho hoje, Tudo o que eu sempre
quis) constroem a ideia do jovem como alguém impulsivo, que busca experiências
intensas, características que a Shalom busca tanto estimular quanto ordenar, conduzindo
o jovem para suas atividades. Essa concepção aparece nas falas de Karen e Jonnes, para
quem o jovem na atualidade é indeciso, inconstante, questionador e dinâmico. O
catolicismo funcionaria como um alicerce para suas identidades e lhes mostraria um
caminho mais seguro:
Nós temos, dentro da comunidade, esse papel formativo de olhar
para os jovens e dizer isso não está certo, mas não está certo por
isso aqui. Não é por algo da nossa cabeça, não foi algo que nós
da comunidade inventamos, mas é algo que nós defendemos por
esse documento aqui, por essa vertente, porque Deus diz isso
(FAVACHO, 2017).
Uma das representações recorrentes nas publicações da página Juventude
Shalom Belém é do jovem Ronaldo Pereira. Segundo conta a comunidade, ele tinha
atração pela ideologia marxista, mas resolveu tornar-se missionário da Shalom aos 18
anos após ser levado pela mãe a um encontro de oração. Aos 24 anos, morreu em um
acidente de carro, e é lembrado pela comunidade por dedicar a vida pela evangelização
dos jovens (SHALOM, s.d.c.). Em uma das fotos publicadas na página Juventude
Shalom Belém, vemos Ronaldo segurando uma prancha de surf, tendo acabado de sair
do mar. Sua camisa está colada ao corpo e molhada. Ele dá um sorriso largo.
Figura 1 – Publicação da página Juventude Shalom Belém, 17 de fevereiro de 2018
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
10
Fonte: Facebook
A memória dele sempre é trazida à tona pela comunidade, servindo de exemplo
aos outros jovens e mostrando o que poderão desfrutar na comunidade. Saudável,
descontraído, feliz, mas comprometido com a Igreja. Suas possibilidades de escolha não
se reduziram tanto assim. Ainda há espaço para novas experiências. O modelo de jovem
do início da década de 90, como é o caso dele, não parece ser tão diferente do jovem dos
anos 2010, pelo menos dentro da construção enunciativa da comunidade. Afinal, de
acordo com os membros da Shalom, a experiência com Deus é imutável e para alcançar
uma vida plena basta seguir os preceitos da Igreja:
Hoje, a gente tem muita dificuldade com os jovens porque eles não
querem saber da radicalidade do evangelho. Eles são muito dinâmicos,
então acabam mudando de opinião muito fácil, vai mudando, vai
mudando... E a gente tem que ir trabalhando essa consciência de que
algumas coisas são imutáveis, algumas coisas são eternas, então acho
que esse é um pouco da imagem que a gente tem... O mundo oferece
tantas coisas, de tantas maneiras, e o jovem quer experimentar às
vezes todas elas, que ele acaba se perdendo, nessa busca. (BARBOSA,
2017).
Isso não significa que a Shalom não considere diferenças geracionais, mas essas
diferenças parecem estar em um nível mais superficial, relativo à forma de se dirigir ao
público, enquanto que os ensinamentos da religião permanecem os mesmos. A
comunidade busca estar atenta para o que está em circulação no momento e perceber o
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
11
que poderia ser atraente para os jovens, ao mesmo tempo em que tenta conduzi-los
pouco a pouco para o ensino doutrinário. Há um cuidado de se diferenciar de outras
comunidades e da linguagem laica:
Nós usamos memes nas nossas redes sociais, mas não são todos que a
gente usa. Então, por exemplo, nós usamos aquilo que é necessário
para evangelizar os jovens. Nós usamos a linguagem dos jovens à luz
do evangelho. O que indica que não é porque nós estamos falando do
evangelho que vamos ser extremamente rebuscados, e não é porque
nós estamos falando da linguagem dos jovens que vamos usar todos os
tipos necessários que o jovem usa (BARBOSA, 2017).
No material de divulgação, há poucas imagens que remetem a símbolos da Igreja
Católica ou figuras religiosas, o destaque maior é dado sempre aos jovens e às suas
experiências, buscando criar identificação. O caráter religioso dos eventos nem sempre
é sublinhado nas imagens, como se estivesse diluído e fosse apenas uma parte das
experiências que o jovem pode ter. É o que é possível perceber na imagem abaixo:
Figura 2 – Publicação da página Juventude Shalom Belém, 09 de setembro de 2017
Fonte: Facebook
Para apresentar a programação de um evento chamado Sabadão Jovem, que teve
um grupo de oração e uma missa, uma publicação de 09 de setembro de 2017 traz em
destaque a imagem de uma jovem sob um filtro de cores quentes. Ela usa óculos escuros
e boné e tem o cabelo solto. Ela não está posando para a foto, mas é como se tivesse
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
12
sido capturada em um momento de descontração – como é possível perceber pelo
sorriso – enquanto estava se movimentando, como sugere a sua posição.
A programação aparece no lado superior direito e, embaixo, com mais destaque,
o nome do evento. A marca da comunidade aparece um pouco abaixo do nome, quase
imperceptível e confundindo-se com o tom de amarelo do filtro. O interesse parece ser
projetar a imagem de uma jovem alegre, descontraída e que tem estilo próprio, como
evidencia seu vestuário, e que não abandonou esse estilo por causa da Igreja. A imagem
da jovem, combinada com as cores e o nome do evento (“sabadão”, no aumentativo)
sugerem a ideia de agitação, de algo festivo.
Em outros momentos, as publicações centram-se no lazer, no tempo livre e nas
experiências agradáveis que os jovens podem ter, evocando as ideias de moratória social
e da moratória vital propostas por Margulis e Urresti (2008). De acordo com os autores,
alguns jovens contam com um certo crédito social e um ambiente protetivo que lhe
permitem adiar responsabilidades, dedicando mais tempo aos estudos, a atividades de
seu interesse ou a experimentar possibilidades. Por sua condição física e pela relação
com pessoas de gerações mais velhas, também compartilham uma sensação de
invulnerabilidade, têm menos medo da morte (MARGULIS; URRESTI, 2008). As
publicações da comunidade contemplam essas duas dimensões ao enfatizar a energia, o
dinamismo e ação dos jovens, assim como os momentos de lazer e experimentação. A
programação do Acamp’s evidencia isso, contando com festa a fantasia, festa com luzes
neon, festa das cores, competição de videogames.
No entanto, ao mesmo tempo em que dá destaque ao lazer e à diversão, a
comunidade não se esquece da centralidade dos compromissos religiosos. Ao publicar o
álbum de fotos da missa do Acamp’s em 25 de janeiro de 2018, a legenda que
acompanha a publicação lembra, numa frase, que este é o momento mais importante do
acampamento. A ênfase que a página Juventude Shalom Belém dá à divulgação do
Acamp’s, além do fato de este ser uma das principais vitrines e portas de entrada para a
comunidade, também revela que é pelo lazer que a comunidade buscar atrair os jovens,
mostrando-lhes que esses momentos podem comportar diversas experiências, desde as
brincadeiras até os compromissos religiosos.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
13
Considerações finais
Entender a forma como as denominações religiosas, como a comunidade católica
Shalom, se comunicam com os jovens é entender como se posicionam em relação às
transformações sociais que redefinem o panorama religioso no Brasil e modificam a
forma como nos relacionamos com a religião.
Como Margulis e Urresti (2008) apontam, a juventude não é apenas uma
condição social, mas é um valor simbólico que atende a interesses diversos. As
instituições religiosas, como a Shalom, “vendem” imagens de jovens para outros jovens,
o que ocorre tanto enfatizando e demarcando a condição deles (o Projeto Juventude para
Jesus e a página Juventude Shalom Belém são exemplos claros) quanto pelo modo como
se dirigem a esse público, buscando ir ao encontro de suas expectativas e criando
representações sobre modos de ser jovem.
Percebemos que a página Juventude Shalom Belém é usada prioritariamente para
fins de divulgação, não como uma extensão das práticas religiosas que ocorrem
presencialmente nem oferece um ensino doutrinário. É um espaço no qual a comunidade
se apresenta de forma descontraída, alegre, leve, utilizando uma linguagem bem-
humorada.
A comunidade Shalom trabalha com algumas características que acredita que
podem fazer parte das vivências dos jovens – a indefinição, o dinamismo, o
questionamento, o excesso de informações, a intensidade de experiências – e que
poderiam levar a um afastamento da Igreja, mas tem o cuidado de acomodá-las dentro
de suas vivências e de conduzir o jovem para a comunidade. Como parte das
experiências que a Shalom pode oferecer, também há o lazer, a descontração, a
informalidade e alegria. A comunidade trabalha no sentido de equilibrar esses dois
polos, não deixando que o primeiro supere o segundo, o que poderia levar a uma ruptura
com a comunidade.
O jovem tem protagonismo nas publicações, sua imagem está sempre sendo
“vendida”. É símbolo da energia, da ação, da inquietação, o que é expresso no colorido
das publicações, na composição visual e na programação do acampamento, que oferece
atrações novas, festas e não priva os jovens das experiências que poderiam ter em outros
lugares.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
14
A fórmula que alia evangelização e lazer esteve presente na Shalom desde o seu
início, quando houve a ideia de instalar uma lanchonete no centro de evangelização. Se
há dúvidas, a comunidade oferece respostas. Se há indecisão, a comunidade mostra o
“caminho”. Se há receio de que o envolvimento com a comunidade possa limitar as
experiências do jovem, há o lazer e o conforto.
Novas pesquisas, ampliando a análise para outras comunidades católicas e
ouvindo o que os jovens têm a dizer sobre os conteúdos dirigidos a eles e qual sua
relação com a religião, são necessárias para dar conta das dinâmicas presentes hoje no
campo religioso brasileiro que têm a mídia como uma das principais articuladoras.
REFERÊNCIAS AZEVEDO FILHO, Moysés Louro de. Escritos: comunidade católica Shalom. Aquiraz (CE):
Edições Shalom, 2012.
BARBOSA, Jonnes. Entrevista concedida ao autor. Belém-PA, 18 mar. 2017.
CARRANZA, Brenda. MARIZ, Cecília. Novas comunidades católicas: por que crescem?. In:
CARRANZA, Brenda; MARIZ, Cecília; CAMURÇA, Marcelo (orgs.). Novas comunidades
católicas: em busca do espaço pós-moderno. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2009, p. 139-170.
CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características gerais da população, religião e pessoas
com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: <
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=794>. Acesso
em: 14 set. 2017.
CUNHA, Magali Nascimento. Elucidações contemporâneas nos estudos brasileiros em mídia e
religião: a perspectiva das mediações culturais e comunicacionais. Revista FAMECOS
(Online), v. 23, n.2, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/hcdYgw >. Acesso em: 02 set. 2017.
HJARVARD, Stig. Mediatization and the changing authority of religion. In: Media, culture
and society, v. 38, n. 1, p. 08-17, 2016. Disponível: <
http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0163443715615412>. Acesso em: 04 set. 2017.
______.The mediatization of religion: A theory of the media as agents of religious change. In:
Northern Lights, v. 6, n. 01, 2008, p. 1-21. Disponível em: <
https://www.intellectbooks.co.uk/journals/view-Article,id=7250/>. Acesso em: 10 out. 2017.
FAVACHO, Karen. Entrevista concedida ao autor. Belém-PA, 22 mar. 2017.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Círio de Nossa
Senhora de Nazaré, s/d. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/55>.
Acesso: 18 jan. 2018.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
15
MARIANO, Ricardo. Crescimento Pentecostal no Brasil: fatores internos. REVER (PUCSP.
Online), v. 4, p. 68-95, 2008. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv4_2008/t_mariano.htm>. Acesso em: 15 mar. 2018.
MARIZ, Cecília; AGUILAR, Luciana. Shalom: construção social da experiência vocacional. In:
CARRANZA, Brenda; MARIZ, Cecília; CAMURÇA, Marcelo (orgs.). Novas comunidades
católicas: em busca do espaço pós-moderno. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2009, p. 241-266.
MARGULIS, Mario; URRESTI, Marcelo. La juventude es más que una palabra. In:
Faculdade de Peridoismo y Comunicación Social de la Universidad de la Plata,
2008. Disponível em: https://goo.gl/w1aiYo. Acesso em: 15 mar. 2018.
SANTOS, Maycon. Entrevista concedida ao autor. Belém-PA, 26 out. 2017.
SHALOM. Onde Estamos, s.d.a. Disponível em: < https://www.comshalom.org/onde/>. Acesso
em: 18 dez. 2017.
______. Plano Evangelizador, s.d.b. Disponível em: < http://www.comshalom.org/page-obra-
shalom/plano-evangelizador/>. Acesso em: 10 de set. de 2017.
______. Museu Virtual Ronaldo Pereira, s.d.c. Disponível em:
<https://www.comshalom.org/ronaldopereira/>. Acesso em: 04 de abr. de 2017.
_____. Por que fazer um Seminário de Vida no Espírito Santo, 2018. Disponível em:
<https://www.comshalom.org/por-que-participar-de-um-seminario-de-vida-no-espirito-santo/>.
Acesso em: 07 jul. 2018.
THOMAS, Günter. The mediatization of religion – as temptation, seduction, and illusion.
Media, Culture and Society, v.38, p. 37-47, 2015.
VERÓN, Eliseo. Quando ler é fazer: a enunciação no discurso da imprensa escrita. In: ______.
Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004, p. 215-238