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  • 7/22/2019 SEV FILHO, A. Oswaldo. Tenot-m. Alertas sobre as consequncias dos projetos hidreltricos no rio Xingu

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    Alertas sobre as conseqncias dos

    projetos hidreltricos no rio XinguOrganizadorA. Oswa ldo Sev Filho

    TENOT-M

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    PauloJares

    No dia em que o engenheiro Muniz comps a mesadiretora dos trabalhos no ginsio coberto de

    Altamira, vrios ndios vieram se manifestar alimesmo em frente mesa, alguns falando em sualngua ao microfone e sendo traduzidos. Tu-Ira,prima de Paiakan, se aproximou gritando em lnguakaiap gesticulando forte com o seu terado (tipode faco com lmina bem larga, muito usado namata e na roa). Mirou o engenheiro, seu rosto

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    TENOT - M

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    TENOT - M

    OswaldoSev

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    Ficha TcnicaorganizaoA. O swald o Sev Filho

    edioGlenn Switkes

    projeto grficoIrms de Criao

    d fi

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    APRESENTAO ....................................................... 07Resumos tcnicos e histricos das tentativas debarramento d o rio XinguGlenn Swi tkes e Oswaldo Sev

    MENSAG EM DE ABERTU RA ................................... 09Dom Erwin Krut ler, bispo do Xingu

    RESUMO EXEC U TIVO ............................................. 13Glenn Swi tkes e Oswaldo Sev

    PARTE I OS X ING U ANO S E O D IREITO

    CAP TU LO

    CAP TU LO 5 ............................................................ 114An lise do projeto Belo Monte e de sua red ede tra nsmisso associada frente s polticasenergticas do Br asilAndre Sarai va de Paula

    5.1. A eletricida de g erad a em Tucuru :para ond e? pa ra q u? ............................................... 135Rubens Milagre Arajo, Andre Saraiva de PaulaeOswaldo Sev

    5.2. Dado s de vazo do rio Xingu durante o perodo1931-1999; estimat ivas d a potncia , sob a hip tese

    d i h id l i i l 5

    Sumrio

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    PARTE IV O ANTI-EXEMPLO ALI PERTO,O PO VO AMEAADO E CO NFU NDID O

    CAPTU LO 9 ............................................................245

    Poltica e sociedade na construo de efeitosda s grand es barragen s: o caso TucuruSnia Barbosa Magal hes

    CAPTU LO 10 .......................................................... 255ndios e barragens: a complexidad e tnica eterritorial na regio d o Mdio XinguAntoni o Carl os Magalhes

    CAPTU LO

    CAP TU LO 13 ..........................................................296Contra-ataq ue! Ch oq ue da Comisso Mundialde Ba rragens estimula a indstria de gra ndesbarragens aoPatrick McCul ly

    13.1. Barragens e desenvolvimento: um novomod elo para toma da de d ecises............................301Comisso Mundial de Bar ragens

    ANEXOSManifestos e cartas aberta s das entidades da

    i d i Xi ( )

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    Este um livro feito d e captulos e not as tcnicas ind itas, e de algun s trecho s extrad os de trabalh os jpublicados, que foram assinados por 20 pessoas que acompanham de perto o problema dos projetoshidreltricos no rio Xingu e na regio ama znica. uma o bra d e militantes de entidad es, de jornalistas,

    e de pesquisadores de vrias reas acad micas, participantes de um Pa inel de especialistas e de entida despor ns organizado. Esperamos que seja uma ferramenta fundamental para ampliar e aprofundar odebate sobre a proposta da con struo do Complexo H idreltrico do Xingu.

    Nosso livro pa ra a tualizar um emb ate d e mais de vinte an os.

    Nosso co mpromisso com as pessoas que vivem e vivero no vale do Xingu , especialmen te os q ue estoamea ad os por esses projetos. Estes milha res de m ora dores urbano s e rurais, os ribeirinhos, beirad eirosde todo tipo, as muitas aldeias indgenas e seus muitos descendentes, desaldeiados, soltos pelo mundo,

    Apresentao:Resumos tcnicos e histricos das

    tentativas de barramento do rio Xingu

    Glenn Switkes e Oswaldo Sev

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    implcitas, a s razes assumida s e as finalidad es escon dida s, as declara es retumbantes e a s vazias. Tenta -mos separar os dados corretos dos incorretos, discernir algo de razovel em meio ao sem propsito esurreal, mistificao q ue tais mega-projetos desencadeiam.

    Reconh ecemos tamb m com o pred ecessor d este livro, o volume As Hidre-ltricas do Xing u e os Povos Indgen as, publicad o em 1988 pela Co missoPr -nd io de So P aulo. Vrios auto res dos textos nesta publicao pa rticipa-ram n a tenta tiva h istrica para elucidar a problemtica das propostas parahidreltricas no Xingu na quela poca.

    Passados dezessete anos, a idia de barrar o Xingu, duas vezes derrotada,tenta se concretizar a inda uma vez. No estamos nos opond o fron talmente a

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    Ao ver, com profunda gratido, concludo este trabalho, vem-me, de repente, a lembrana do Xingu dosanos 60, poca em q ue aq ui cheguei. Jamais se apagam em minh a mem ria a s primeiras impresses que tivedestas plagas. Esto gravadas, de modo indelvel, em meu corao. Vindo da Europa fiquei extasiado con-

    templando um dos mais espetaculares espaos que D eus criou. Ser um ltimo resto do pa raso perdido?

    Este rio caudaloso com suas guas verdes-esmeralda, ora calmas e misteriosas, ora indmitas e violentas,este vale com suas selvas exuberantes, igaraps e igaps, vrzeas e imensos campos naturais mudaria aminha vida e d ar um rumo todo especial minha vocao missionria. Encon trei neste mund o verde umpovo q ue aind a estava convivendo pacificamente com a natureza e hauriu seu vigor do s divinos mananciaisda Amaznia. Mas j naquele tempo pairou a lgo como uma Espada de Dmocles em cima da famlia xinguara .As ameaas de expulso do paraso e de destruio do lar (em grego: oikos) j se anunciavam num

    h d b d d d f l

    Mensagem de Abertura

    Do m Erwin Krutler - Bispo do X ingu

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    sudeste, centro e sul com pouca terra disponvel e rumarem para a Amaznia onde vastas terras esta-vam ag uarda ndo sua chegad a e gara ntindo melhores cond ies de vida do que n os estado s de origem.Reportagens sobre o sucesso da empreitada governamental se multiplicaram e tiraram as dvidas dequem a inda ficou reticente.

    Nada , porm, se falou d os povos que h abitavam a s terras que a Tran samaznica cortou d e leste a o este. Aliso Presidente Medici j no quis saber deles. Simplesmente os ignorou, chamando a regio de terra semhomen s a ser povoad a por homens sem terra. Na cabea d o general no existiam ndios no trecho, por-que n o po diam existir e se, porventura , existissem, sua existncia teria q ue ser ignorada . A nova ro doviapassou a 3 quilmetros da aldeia do s Arara n o igarap P enetecaua. Os ndios fugiram com medo do chumbodas espingardas. Foram perseguidos at por cachorros. A brusca e forada convivncia com os brancostrouxe a morte a ldeia. Sucumbiram fata lmente a surtos de gripe, tuberculose, malria, a t de conjuntivite.

    O mundo l fora nada soube desta desgraa q ue desabou sobre um povo e continuava a aplaudir a conq uis-ta deste gigantesco mundo verde. A que preo? O pior estava ainda por acontecer. Jamais me esqueo dodia em que pelas ruas de Altamira corria a notcia de que, finalmente, os terrveis Araras haviam sidodominados. Como prova d e q ue o contato com os Arara tinha sido amistoso e um sucesso tota l, trouxe-ram un s representantes daq uele povo, at en to vivendo livre na selva xinguara. Nus, tremend o de medo emcima de uma ca rroa , como se fossem alguma s rara s espcies zoolgicas, foram expostos curiosidade popu-lar na rua principal da cidade. O que na realidade aconteceu no corao e na alma do povo Ugorogmo,quem ser capaz de descrever? Os poucos sobreviventes continuam apavorados, na insegurana, como es-trangeiros em sua prpria terra. A demarcao de sua rea sempre de novo protelada.

    A rod ovia Tran sama znica fo i inaugur ad a. Mais uma vez o presidente d a Repb lica vem a Altamira. Ma isuma vez se descerra um a placa de bro nze, desta vez incrustada num feio paredo de cimento que seergue d o d escamp ad o. A paisagem est mud ad a. A selva sucumbiu. As palavras contin uam bom bsticas:Retornando, depois de vinte meses, s paragens histricas do Rio Xingu, onde assistiu ao incio daconstruo desta imensa via d e integrao Nacional, o Presidente Emlio G arrastazu Medici entregouho je ao trfeg o, o p rimeiro gr an de segmen to da TRANSAMAZNICA, en tre o Tocan tins e o Tapa js,

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    Assim a Igreja do Xingu tomou a iniciativa de denunciar as ameaas que pairavam sobre a regio doXingu e seus povos. Digo povos, n o plural, pois esta a realidad e do Xingu. Co locamos em pauta nasreunies das comunidades a verdadeira histria da hidreltrica projetada. Elaboramos cartilhas comdados obtidos algumas vezes at de forma ilcita (pelo menos do ponto de vista dos rgos governa-

    mentais). O s trabalhad ores locais traziam informa es que ouviam nos acampa mentos do s engenheiros.Pessoas que tinham acesso a informaes, no-las passavam de forma secreta com medo de retaliao.Colaboramos com a Comisso Pr-ndio de So Paulo e passamos a buscar ajuda com especialistas liga-dos a U niversida des Brasileiras e do exterior.

    Con fesso q ue nem imag invamos poder contar com um apoio to do especial. A expresso apoio nossacausa nem apropriad a n este caso, pois os ndios Kayap do Alto Xingu, a ssumiram a sua causa q uetambm no ssa, a defesa d e sua terra e de seus direitos q ue so a terra e os direitos dos demais povos do

    Xingu. Soube d as intenes dos Kayap apen as algumas seman as antes de acontecer aq uilo q ue eles mes-mos denomina ram d e I Encon tro d as Naes Ind genas do X ingu, marcad o pa ra fevereiro de 1989. Algu-mas lideran as Kayap vieram a Altamira e m e con vidaram para uma reunio. C omunicaram-me sem ro-deios que estavam decididos de vir a Altamira para um grande encontro e marcaram a data. Dei-lhes aentender que um encontro deste porte exigia uma intensa preparao e o tempo para isso era muitopouco. Pedi, por isso, que adiassem o evento por alguns meses. No havia jeito de convencer os lderesKayap. Sem meias palavras me disseram: O encontro est ma rcado! Queremos que no s ceda a Beth nia!S isso! A Beth nia, o Cen tro de Formao da P relazia do X ingu, h o ito quilmetros de Altamira, tornou-se de 20 a 25 de fevereiro de 1989 a aldeia principal dos Kayap. O evento que reunia em torno de 600ndios, pintad os para guerra , teve enorm e repercusso em tod o o Brasil e no exterior. A foto que retratoua cena em q ue a n dia Tura esfregou um faco na cara d e Jos Antn io Muniz Lopes, ento d iretor deengenh aria da Eletrono rte, percorreu o mund o, torn and o-se smbolo e uma espcie de logotipo d a h ostili-dad e tota l dos ndios em relao s projetadas barragen s. Enq uanto os Kayap estavam reunidos na B ethniaas comunidades de Altamira se organizaram num ato pblico no bairro de Braslia. Levantaram sua vozcontra os rgos do governo q ue operam n a surdina e excluem deliberadamen te a sociedad e civil da dis-

    b A

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    Agradeo, de corao, ao Professor Oswaldo Sev da UNICAMP e ao Jornalista Glenn Switkes da IRNpelo trabalho incansvel na o rganizao desta o bra e a to das as pessoas que participaram deste projetoem d efesa d o Xin gu e d e seus povos.

    Altamira, 30 de novembro de 2004.

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    1 . Resumo do projeto de aproveitamento hidreltrico integral do rio XinguUm a o bsesso da engenha ria mund ial esta idia fixa de ba rrar to dos os rios, aproveitand o-se q uedasd gua existentes, ou co nstruindo -as em rocha, terra e em concreto a rmado , para instalar grupos turbo -

    gerado res e produzir energia eltrica.

    Estas entidades geogrficas, hidro - geolgicas e biolgicas, os rios, a um s tempo so vazes vivas degua se deslocando pelo planeta, e so meios bio-qumicos da vida estvel de cada local, e da vida dosan imais migrat rios. Numa viso mutilant e da realidade, rios e suas terras ribeirinh as passam a ser olha-do s apen as atravs de uma ca lculador a, como se existissem apen as para serem bloquea do s por um par e-do e para terem a sua energia em parte aproveitada.

    b t i l

    Resumo Executivo

    Glenn Switkes e Oswaldo Sev

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    Segundo o documento Estudos de Inventrio hidreltr ico da Bacia hidrogrfi ca do Rio Xingu,elabora do pelaempresa d e consultoria CNEC Ca margo Corra, em 1980, a melhor alternativa d e aproveitamentointegra l da ba cia do X ingu (a lterna tiva A do s estudo s feitos) seria:

    entre a al t itude prxima dos 281 metros, no norte d e Mato G rosso, prximo d a ro dovia B R 080, prova-

    velmente localizada na Terra Ind gena Kapoto-Jarina e/ou na faixa Norte do P arq ue Indgena do Xin-gu e - a a ltitude prxima d os 6 metros, num ponto rio abaixo da vila de Belo Monte do P onta l e, pelamargem esquerda, perto da foz do igarap Santo Anton io, rio acima de Vitria do Xingu, no P ar:

    fa zer cinco barramentos no rio Xingu (eixos Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Ba baq uara e Karara ) e umbarramento no rio Iriri, seu afluente esquerdo, o maior d eles (eixo Cach oeira Seca).

    As represas destas seis usinas hipo tticas alaga riam ilhas e terra s florestad as, muitas a inda virgens, con for-

    me aquele estudo de inventrio mencionado, somariam quase 20 mil km quadrados, o equivalente aq uase metad e das rea s j inun da da s por represas de tod os os tipos no pas, at ho je. Nestes 2 milhes dehecta res, uma b oa p arte so gleba s ribeirinhas includas em vrias Terras Indg ena s j ho molog ad as,algumas delimitadas mas invadida s, outras ainda no homo logada s.

    Somente a represa d e Bab aq uara, pod endo atingir um alagamento de ma is de 6.500 km2, seria a pr imeiramais extensa n o pa s e a segunda no Mundo . A maior represa a de Akosomb o, n o rio Volta em seu trechobaixo-mdio, um lago d e ma is de 8 mil km2, dividindo a o meio o pob re e conflituoso G hana, n a frica

    Ocidental. A mais extensa represa brasileira a de Sob rad inho, rio So Fran cisco, na Bahia, com 4.200km2na cota mxima ; a segund a m aior a de Tucuru, no rio Tocan tins, Par com 2.800 km2(SP-MS).

    Mas a repercusso conjunta dessas obras iria muito alm de terras alagadas. As conseqncias de tipodestrutivo e co nflitivo d evero crescer muito por ca usa dos impactos:

    das estrada s inteiramente no vas a abrir, e de o utras existentes a ampliar,

    das faixas das Linhas de Transmisso;14

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    A primeira proposta para represar o rio Xingu d espertou uma forte oposio dos povos indgenas e um amplogrupo de ambientalistas e movimentos sociais. As movimentaes das lideran as ind gena s, incluindo viagensinternaciona is e aud incias com ONG s e Ban cos multilaterais, culminando no Encontro dos Povos Indgenas emAltamiraem fevereiro de 1989, tiveram grand e repercusso, enterrando por um tempo o projeto Karara , a

    primeira etapa d o plano da Eletronorte para o aproveitamento h idreltrico do rio Xingu.

    2. A segunda tentativa frustrada de barrar o rio XinguAt 1999, a empresa foi, em gera l discretam ente, inten sificando a implan ta o d o pro jeto: fez mod ifica-es geogr ficas e tcnicas relevan tes no pro jeto, rebat izou-o pela 2 vez, agora seria o CHBM - Comple-xo Hidreltrico de Belo Monte, somente com as obras da 1 usina na Volta G rand e. Passou a chama r deU sina ou Aproveitam ento Altamiraa a nterior usina Babaquara, ma s desmentia q ue iria fa ze-la, insistind o

    que B elo Monte tinha viabilidade mesmo q ue fosse um barra mento isolado n o rio Xingu.

    Por volta d e 1999, a Eletron orte, d errota da dez an os antes, parecia se recompo r. Torn ara -se um entepoltico regiona l em Altamira, na Tran samazn ica, o qu est devidam ente registrado n os depo imento se info rmes apresentado s nesse livro pelas lidera na s loca is Antonia M elo e Tarcsio Feitosa da Silva.

    Mas, havia o desgaste provocado pelos sucessivos erros na conduo dos problemas e das providnciasnecessrias em Tucuru, sua obra exemplar e anti-exemplar. Ao longo destas duas dcadas, muito se

    escreveu e mu ito se falou sobre a usina de Tucuru e o s problemas no ento rno de sua rep resa co m 2.400km2, e rio ab aixo da barragem. Os desdobramento s sociais do investimento hidreltrico vo ga nha ndoamplitude e abran gncia, seja po rque n ovos fatos no cessam d e surgir, como a cha mad a etapa II, commais uma Casa de fo ra e com a sobre-elevao d o n vel da rep resa e o aum ento de m ais 400 km2na reaalagad a; seja po rque o m ovimento social - como no mito grego de Ssifo recria a atualidade em cad aconjuntura. A antro ploga Sonia Magalhesexplica, em seu capitulo desse livro, co m ba se em um a lon gavivncia de pesquisa in loco, como a dinmica social e a vida poltica do pas e da regio determinam adimen so d os efeitos sociais da s grand es barr agen s.

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    misrias desse Pa r exportad or de minrios e de energia, e pela engenh eira e antrop loga Diana Antonaz,que entrevistou figuras proeminentes da intelectualidad e eltrica e petrolfera, an alisand o qua is osdiscursos e as lgicas daq ueles q ue ho je ocupam posies centra is no setor d e energia d o governo . Con s-tatou, alis, que a idia de desenvolvimento defendida por estes tcnicos volta-se para uma populao

    ab strat a, um a ma ssa sem identid ad es e culturas, em vez de con sidera r as necessidad es con cretas de pesso-as de carn e e osso.

    Em fins de 2000 a Eletronorte firmou contra to com uma fund ao chama da Fadesp, ligada U niversida-de Federal do Pa r, atravs da qua l foram formad as equipes de pesquisadores para elabora o d o Estudode Im pacto Ambiental. As condies desse contra to e a ten tativa d e obter a licena amb iental apenas nom bito pa raen se, da Secretaria estad ual d e Tecnologia e Meio Ambiente, mot ivara m a iniciativa em 2001,do Ministrio Pblico Federal em Belm, de peticionar uma Ao Civil Pblica, e um dos pontos fortes

    de q uestionamento era a obrigatoriedad e de consultar o s indgena s das Terras Indgenas q ue fossemafetada s, e obter auto rizao do Con gresso Nacional (ar ti go 231 da Consti tu io Federal).

    A Eletronorte tento u contorn ar esta exigncia q uand o redesenho u o projeto Belo Monte, colocand o obarram ento principal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 km rio acima d a posio anterior , ab aixo daprimeira gra nde cachoeira, Jerico. E restringiu a condio de a fetadas pelas obras apena s as terras quefosse alaga da s. Assim, geog raficam ente, a rea d a T.I. Paq uissamb a, d os ndios Juruna , deixaria d e ficarsubmersa para ficar no trecho seco da Volta Grande, onde as vazes seriam sempre bem inferiores s

    mdias historicamente observadas.

    Quan to a os indgena s da regio que seriam atingidos, so muitos mais do que os 50 e poucos Jurunaresiden tes na T.I. P aq uissamb a. Alguns dos auto res desse livro pud eram compr ovar q ue algun s milha resde beiradeiros mantm contato cotidiano co m Altamira, mesmo residindo 50 km ou mais rio a baixo ourio acima da cidade. Publicamos no livro, como um anexo, os dados cadastrais coletados pelo CIMI -Conselho Indigenista Missionrio, que apontam mais de 400 moradores indgenas das etnias Xipaia,Kuruaia, Arara, Juruna e Kaiap mo rand o no trecho da s barrancas do rio Xingu q ue seriam afetada s pela

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    nos rios brasileiros do h emisfrio Sul. No se trata po rtanto de a firmar q uanto da sua po tncia instalada ,tais usinas pod eriam no futuro a ciona r, e sim, trata -se de ded uzir como elas teriam fun ciona do n o passa-do, se existissem nesses pontos desses rios que apresentaram essas vazes. Neste item apenas resumimosos nmero s das simulaes feitas para trs tipos de situa es hipotticas.

    A)BELO MONTE COMO APROVEITAMENTO NICO NA BACIA DO XINGU:se apen as uma usina h ipot-tica, Belo Monte funcionou abastecendo a rede bsica nacional entre 1931 e 1996

    A potncia mxima asseguradateria sido 1.356 MW

    (ou seja: se naq uele perodo , dura nte a lguns dias a dema nd a ultrapassou 1.356 MW, a vazo turbin velpela usina n o assegurou mais do que esta potncia, e a dema nda teria que ser atendida por o utra central

    na mesma rede)

    B) BELO MONTE COM BABAQUARA (ALTAM IRA) REGULARIZANDO O RIO XINGU:se apenas duas usi-nas hipotticas, Belo Mon te e B aba qua ra fun cionaram conjuntamente entre 1931 e 1996

    Apotncia mxima asseguradana s duas usina s teria sido 7.950 MW

    Fazendo-se a repartio desta potn cia entre a s duas usinas, supondo o a proveitamento to tal da gua nasdua s usinas (sem vertimento turbin vel), teramos:

    31% da potncia tota l seria fornecida pela usina Bab aq uara 3.078 MW

    69% da potn cia tota l seria forn ecida pela usina Belo Mon te 4.872 MW

    Para compara o: era previsto como potncia instalada nas duas usinas 17.772 MW

    Sendo B elo Monte, na verso mais recente, com uma Casa de Fora com plementar,17

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    4. Resumo das dimenses do projeto da usina Belo Monte verso 2004A potncia total prevista na 2 verso do projeto, que vigorou desde 1998 at meados de 2003, era de11.182 Megawatts, dos qua is 182 MW num a Ca sa d e Fora co mplement ar, situad a n o par edo principal daIlha Pimen tal, e 11.000 MW na Casa d e Fora principal ( Belo Mon te); esta a mesma pot ncia prevista

    na verso an terior do projeto, Karara , d e 1988, mas maior d o q ue a pot ncia d e 8.400 MW indicad a noInventrio Hidreltrico do Xingu (CNEC, Eletronorte, 1980).

    A amplitude da s variaes da vazodo rio Xing u muito gra nd e, e as dua s meias represas previstas teriampequena capacidade de armazenamento de gua. Esta Casa de Fora principal trabalharia com a capacidademxima o u prxima d ela duran te trs meses por ano no mximo; e muitas vezes, nem isto. Somente nosmeses de Maro, Abril e Maio, o rio Xingu costuma ter uma vazo mdia mensal superiorao engolimentomximo das turbinas de 13.900 m3/s. O Estudo de Viabilidade entregue Agncia ANEEL aponta uma

    energia fi rmeda ordem de 4.700 MWmdios (correspondend o a 42 % da potncia n ominal prevista, umndice perto d os ndices comuns a outras usinas no pa s), como q ue sugerindo ao leitor q ue a usina gerariapelo menos nesta fa ixa de potn cia, sempre, mesmo no s meses mais crticos do a no . Os clculos que pude-mos fazer indicam q ue esta energia firme somente teria a lguma chan ce de ser mant ida, sefosse de fatoconstruda a outra represa rio acima, chama da a ntes de U sina Babaq uara, rebat izada Usina Altamira, comum gran de reservatrio d e acumulao, e prevista para alagar uma rea d e mais de6 mil km2..

    A instalao de d ez grupos turbo-gerad ores (TG s) com 550 MW cad a, n uma p rimeira etap a, to talizand o

    5.500 MW, ou de q uato rze TG s, tot alizand o 7.700 MW n o resolve o prob lema d ecorren te d a a mplitudedas vazes do rio. Embora, com uma potncia menor, a usina possa funcionar perto da capacidademxima por um perodo de tempo maior a cada ano; por exemplo, instalando-se dez TGs, a vazodgua turbinada cairia para a faixa d e 6.950 m3/ s, o q u seria em gera l factvel por um perod o d e at seismeses, de Janeiro a Junho , se considera rmos as vazes mensais mdias j reg istrad as no passad o.

    As superfcies totaisocupada s pela gua represada e pelos cana is seriam da ordem d e 440 km2a 590 km2,uma q uarta pa rte dessa rea estaria na represa do s quatro igaraps, criada em terra firme e trs qua rtos

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    O volume d gua armazenadoseria da ord em de 3,8 bilhes de m3de gua, com uma profundidad e mdiadas duas represas e do sistema de ca na is entre 6 e 8 metros. (v. q uad ro 2.3-1 do Estudo de Viabilidad e).Pela concepo ad otad a para a obra , no seria obtida alguma regularizao d a vazo do rio. A corrente-za do Xingu estaria sendo con duzida por trs canais principais e alagad os rasos, at uma ba rragem a lta

    (em relao cota on de ficam as mquina s gerado ras e o canal de fuga) ma s com pouca profund idade epouco volume acumulad o. As mq uinas turbo-geradoras engoliriam a vazo q ue estiver chegand o com orio Xingu na primeira represa; no jargo da en genha ria eltrica, a usina tra balharia n a mo dalidade a fiod gua. Na hiptese de realizar a obra em duas grand es etapas, cortando a potn cia inicialmente insta-lada pela metade, foi dito que seria construdo apenas um canal de aduo, retificando um dos doisigaraps, de Maria e Gaioso, e que seria construda a metade da Casa de Fora principal. Construir oprojeto em duas fases no diminuir os impactos ambientais ou sociais daquele conjunto de obras; detodo mod o os trs grand es paredes de rocha e concreto teriam q ue ser feitos: 1) n a Ilha Pimental, abarragem d o vertedouro principal , tranca ndo o rio para forar o d esvio da Volta G rand e e abrigand o acasa de fora auxiliar de 182 MW; 2) a barragem do vertedouro complementar abaixo da CachoeiraJerico, na margem esquerda do Xingu; 3) o pared o final da segunda represa on de ficaria o prdio daCasa de Fora principal, onde hoje passa a rodo via Transamaznica, entre a balsa d e Belo Monte doPon tal e Altamira, e o canal de fuga d as guas turbinada s at a ma rgem esquerd a do Xingu, prximo doigarap Santo Anton io.

    5. Rotas possveis para a eletricidade de Belo Monte e a (ir)racionalidade eltricaA destinao da eletricidade que seria gerada no est clara nem compromissada, at fins de 2004.

    Pela lg ica, so apen as duas possibilidades:

    1. atend er o consumo de outras regies e/ou

    2. atend er a regio Norte; e a os fluxos de energia podem se bifurcar em para a tender os mercados convencionais urbano s e rurais da regio e / ou

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    Os mercados locais convencionais, as maiores cidades dos Estado s do Pa r, do Maranh o e d o Tocantinsesto abastecidos, sem q ualquer ra zo para crise ou dficit, e mesmo q ue avance a carga requisitada pelaeletrificao rura l, o fato q ue so modestos nestes Estado s o taman ho populacional e a d imenso eco-nm ica. Comunida des na rea rural e isolada s na mata , na s beiras dos rios tm mais chan ces de serem

    aten dida s por eletricidade obtida por m eio de placas foto-voltaicas, micro-hidr eltricas, e de m oto -gera-dores queimando leo diesel, e eventualemnte leo vegetal.

    J os grandes clientes (indstrias metalrgicas e a mineradora CVRD) esto por enquanto garantidoscom o acrscimo de gerao na etapa II da usina de Tucuru, quase pronta, e com o s contrato s (assinadospela 1 vez em 1984) recentemente refeitos ou substitudos.

    A outra nica o po , qu e explique a d eciso de construir e instalar um a usina desse porte n esse local -alm do intercmbio regional - a eletricidad e ad iciona l a ser despachad a po r Belo Mon te servindo paraviabilizar novas ou futuras ampliaes das atividades de minerao e metalurgiana regio.

    Por exemplo, ma is um o u do is mil Megawatts garantidos seriam um b om reforo na transmisso paraVila d o C ond e, PA e para Pon ta d a Mad eira, So Luis, MA, on de ficam a s fundies de a lumnio; ouent o pa ra uso em Aailnd ia, MA (ferro -gusas ou ferro -ligas) ou na Serra Norte, PA, na amp liao d asminas de ferro e de m anga ns e nas novas instalaes de con centrao e de fund io de cob re da CVRD,inaug urad as em 2004 pelo Pr esidente Lula e o D iretor P residen te da CVRD, Rog er Agnelli.

    De quebra, eventualmente os guseiros e fundies eltricas de ferro-ligas podem se ampliar, e podemtam bm ser con strudas novas instalaes na reg io, alm d a sempre falada hipott ica usina siderrgicamara nhense. A empresa n orteamericana Alcoa est a valiando a implantao de uma mina d e bauxita erefinaria de alumina em Juriti Velho, na regio de Santarm, PA, e j manifestou seu interesse em serscia do meg a-projeto Belo Mon te.

    Esta opo pelo uso da eletricidade futura do Xingu no suprimento da minerao e da metalurgiaaparece oficialmente como uma dentre outras alternativas, sempre de modo diludo numa cesta de

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    servios pblicos mnimos, e ficaro bem melhor aps serem indenizados ou nos novos assentamentosque a empresa generosamente lhes oferece.

    O artigo do Robert Goodland, apresenta um padro internacional de anlise dos impactos das grandesbarragen s e reconhecimento d os direitos dos atingidos por ba rragens que pod eria indicar procedimen-

    tos mais adeq uado s para o plan ejamento de gran des obras no futuro.

    O uso de avaliao estratgica am bienta l possibilitaria a avaliao comp ara tiva do s impacto s e benefciosde vrias opes de pro jetos de d esenvolvimento region al.

    O reconhecimento do di rei to de consentimento anteri or e informado (Prior Informed Consent) talvez anica maneira conhecida de garantir que os atingidos por projetos do setor eltrico possam ser sujeitosparticipantes e ativos na determinao do seu prprio futuro.

    Resumind o-se osefeitos hipotticos da represa de Belo Monte em Altamira:

    Pod e-se d eduzir da s cartografias que a rea construda de Altamira ficaria entrecortad a pelos remansosdos igaraps, q ue estariam represado s ao longo de a lguns km correnteza acima de sua foz na m argemesquerda do Xingu.

    Igarap Amb.Seriam a lagado s os terrenos e fornos dos oleiros e a rea do balnerio So Francisco, aolado d a pon te do acesso rod ovirio q ue liga a cida de Tran samazn ica. Vrias residncias de um lado e

    outro desta ligao viria teriam q ue ser retirad as, ou teriam seu terreno dimin udo ; talvez a prpria pistateria que ser elevada e uma nova ponte construda. Na boca do igarap no Xingu, tambm haveriareman ejam ento s a fazer, e talvez a serraria e a cermica a ntiga s sejam a tingida s; o ba irro do s pescad orese carroceiros talvez ficassem cercad os de gua do igarap e do rio.

    Igarap Altamira.Seriam alagad as as margens atuais, on de ficam a s palafitas, na altura do cruzamentocom a rua Comandante Castilho, e todo o espraiamento do igarap no bairro Braslia, interrompendoruas, e em a lguns casos, ten do q ue elevar as pistas, as pon tes de tra vessia e as pinguelas qu e o povo usa

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    fluxo d gua represado em d ireo represa dos cinco igaraps. O s pequenos afluentes dos igaraps deG aioso e d e Maria seriam contidos do lado de fora d os diques, e formariam alagad ios interminveis noInverno e barreiros esquisitos no vero, problema alis j pressentidos pelos moradores das comunida-des rura is nos tr avesses 27 e 45.

    Tod a a faixa dos dois igaraps e dos morrinh os que dividem suas bacias fluviais, seria a travessad a pela maiorestrada de servio da ob ra (b arragem P imental e um grand e alojamen to), e tam bm seria atravessada porlinha s de transmisso de eletricidade em tenso d e 69 kV para suprir o can teiro de obra; e qua ndo comeas-se a opera r, atr avessariam a li as faixas das linhas de 230 kV vindo da Casa d e Fora com plementa r.

    A maio r parte d a vazo q ue chega e pa ssa pela represa acima d a Ilha P imenta l, seria desviada pelos can aisde d erivao para a represa e s seria devolvida ao rio Xingu depo is de turbinad a n a casa de fora prin-cipal em Santo Anton io do B elo Monte.

    A descida encachoeirada da Volta Grande tem uns 150 km de comprimento; grosso modo, a primeiratera parte ficar sob a gua da represa; n os dois teros finais, a calha do rio ser a mesma, m as a vazoser sempre men or d o q ue as menores vazes histricas observad as no rio a ca da m s.

    As vazes liberad as pelo operad or d a usina para jusan te, em 2/3 da Volta G ran de sero sempre meno resq ue os piores meses em t ermos de vazo.

    Supond o-se q ue o opera do r seria a Eletron orte e q ue ela cumprissse daq ui a tan tos anos a sua promessaatual, os nmeros tirados do EIA apon tam a situao seguinte:

    no I nverno a maznico, as mnimas mensais mais baixas foram em Maro, com 9.561 m3/segundo e emAbril, 9.817 m3/s, e conforme o EIA, seriam liberados um mnimo de 15,7 % e 20, 4 % destas vazes;respectivam ent e -1.500 m3/ sem Maroe 2.000 m3/ sem Abril

    em pleno Vero, as mnimas mensais do rio X ingu ali foram de 908 m3/s em Agosto - e a liberao seriade apena s 250 m3/ s, uns 27%;e 477 m3/s em Setembro - q uan do a liberao seria d e apen as 225 m3/ s.

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    vrias casas e comunidad es que usam gua d e poo. Isto porq ue o lenol fretico no vero fica em g eralno nvel de 6 a 8 metros abaixo do solo, conta ndo -se a partir das barran cas altas do rio, ond e ficam ascasas. Se o rio estiver barr ad o com a vazo bem ma is baixa q ue o usual, estes lenis pod em ba ixar metrose metros, e algun s pod em secar de vez.

    Na confluncia do rio Bacaj com o Xingu, o en contro d as vazes dos dois rios produz atualmente algotipicamente a maznico: no vero, o rio Baca j vindo com pouca gua pela margem d ireita, escorre len-tamente para d entro do X ingu tambm com pouca gua ; no inverno, o Xingu pode vir com tan ta foraque a o invs do B acaj despejar a sua g ua ali naq uele ponto, o X ingu que invade o a fluente e forma ruma ba rreira hidrodinm ica, uma espcie de freio, q ue o povo e os engenheiros cham am d e remanso.Este remanso poderia nunca mais existir, se de fato forem liberadas no Xingu as tais vazes nfimas. OBacaj chega ria com a sua vazo usual, e escorreria direto n o X ingu, sem q ualquer resistncia ou amor-

    tecimento; no trecho final do Ba caj, duran te o Inverno, ha veria no lugar do rema nso que atualmente seforma, uma correnteza mais veloz e um aumento na eroso das barran cas.

    Toda s as grandes cachoeiras, a comear pela Jerico, secariam muito, ficariam com qua se uma qua rtaparte de gua que deveriam ter, p.ex. em Agosto, ou meno s da metad e do que deveriam ter, p.ex. emOutubro. Aumentariam muito as extenses de praias e ilhas de areia. A vegetao de restinga e algunsmang uezais na parte b aixa tend em a morrer, pois podem ficar uma ou ma is estaes sem ser afog ada spela gu a q ue as fertiliza. O u, porq ue suas razes ficariam d istan tes dos lenis subterr neos da r egio d a

    cachoeira, q ue tend eriam a baixar, em relao aos nveis de h oje.Rio Xingu a baixo da pra ia da Jerico, comeam a desaguar pela margem esquerda , os qua tro igarapsq ue nascem l perto do s lotes da Tran sam azn ica e do s travesses 45 e 55, e que vm at a q ui na zon a d ascachoeiras: o Paquiamba, depo is o Ticaruca, o Cajueiro, e o igarap Cobal.

    Estes q uatro igara ps fora m escolhido s para compo r uma pa rte do p rojeto Belo Monte - a represa emterra firme, que serviria para encurtar o trajeto das guas at o desnvel final em Santo Antonio doBelo Monte.

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    evapora o da lmina d gua , evapora o nos vertedouros construdos e no turbilho d os canais defuga d a usina; evapotran spirao d as plantas aqu ticas;

    seleo forada das espcies da microfauna , do s bichinhos que vivem no s sedimentos e dos peixes,crustceos, moluscos e batr q uios que sobrevivem no lago ;

    bloqueio ou dificuldad es nas rotas migratrias de espcies aq uticas; novos pontos de parad a em rota smigratrias de aves e de animais peri - aquticos; proliferao de insetos dos tipos de guas paradas(nos remansos) e dos tipos de guas revoltas (nos vertedouros da barragem).

    Em cada novo ecossistema, as populaes destas espcies podero se reproduzir enquanto as condiesbiogoqumicas no se alterarem muito, enquanto no houver descontinuidades grandes na cadeia alimen-tar, na oxigenao da gua do rio. Podero se reproduzir enquanto estiverem dentro de um rio e de umarepresa com con dies hidrodinmicas e bioqumicas suportveis, den tro d e extremos delimitados (p.ex. de

    renovao e velocidade ou estagn ao d a gua , de sua acidez e temperatura , da concen trao d e ons metli-cos e ou de compostos orgnicos txicos) por parte das espcies que ali vivem, e das que por ali passam.

    As represas sempr e ficam sujeitas s possibilidades de degradao provocadas por eventos e atividades nabacia de montante, nos rios e igaraps q ue as formam, e na s terras em tod a a sua or la: os mais comun s soo a umento da sedimentao por causa de ero so e do acmulo de esgotos e de efluentes industriais no tratados; contamina o d ecorrente do uso d e agro-qumicos; fermentao do m aterial orgnico exce-dente com consumo de uma parte do oxignio dissolvido na gua.

    Como a a tividade a grcola e agropecuria vm se intensificand o n a rea dren ada pelos mesmos igarapsque hipoteticamente desembocariam nas represas, haver sempre o risco de acmulo de excesso denutrientes (nitratos, fosfatos) e de amnia dissolvidos na gua e nos sedimentos. Como os esgotos dacidad e de Altamira ta mbm po dem se acumular em trecho s da rep resa, deve-se conta r com a oco rrnciade pro liferao de a lgas e de plncton s de determinad as espcies, por exemplo, d e cianoba ctrias e deoutra s q ue provocam intoxica es nos peixes e nos humanos. O processo conh ecido com oeutrofizaodo corpo dgua, e poten cializa vrios do s efeitos j descritos.

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    ocorrer o processo d e bio-metilao de metais pesados e em seguida, o processo de bioacumulaodesses metais, ao longo da cadeia alimentar, aa contaminao atingindo, com taxas de concentraoexponenciais, os animais aquticos e peri-aquticos (sndrome de Minamata).

    Grandes estruturas e represas tambm costumam provocar eventos ssmicos, ou tremores de terra; e no

    caso d as duas represas Belo Monte e B aba qua ra, q ue se formariam sobre leito ro choso cristalino, comfraturas naturais e cavernas, aumenta tambm orisco de extravazamento da gua acumuladapara terre-nos localizados em bacias vizinhas que usualmente o corre tambm (cham ado de percolao) atravsdos paredes das barragens e dos diques laterais dessas represas, trinta deles na represa Belo Monte emuitos mais, com dezenas de km de comprimento na represa B abaq uara.

    Enfim, trata -se da d estruio d e um dos mon ument os fluviais do P as e do Mund o, a Volta G ran de d o rioXingu , algo pa ra o q u impossvel de se estab elecer compensaes, ou mesmo mitiga es. Isto o que

    est sintet izad o, na forma de uma teoria ger al sobr e estas mega-hidreltricas, no ultimo capt ulo do livro,de auto ria do professor Oswaldo Sev.

    8. A terceira tentativa dos barrageiros e dos eletrointensivos, desde 2003.

    Durante os anos 1990 e no comeo da dcada atual, a polarizao poltica e partidria que se formou emAltamira e no Par a propsito desse mega-projeto, indicava quase sempre os parlamentares e candidatos dos

    partidos ento con siderad os de esquerda , o PT, PCd oB, PSB, como sendo opositores do B elo Monte, e- porsimetria, eram a favor da obra os partidrios locais e regionais dos governos estad uais do P MDB (J. Barba lho) edepois do PSDB(A . Gabriel e S. Jatene), alinhados, neste caso, com o governo federal na era Cardoso-Maciel.

    Em 2001 e 2002, tod os que acom panh avam o caso tinham a sensao de q ue uma vitria do cand idatoLula poderia sepultar o projeto Belo Monte e os demais que eram mantidos na berlinda exatamentepelos polticos e militantes da antiga o posio.

    Mas no! U ma d as razes qu e, dura nte os primeiros meses do n ovo governo , em 2003, o senado r Jos

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    Notas

    1Em 2001: o ento Presiden te da Ele-trono rte, Jos Muniz Lopes, em entre-

    vista com a jorna l O Liberal (Belo Mon -te entusiasma a Eletrono rte por SniaZaghetto, 15/07/2001), afirmou Nstnhamos, no planejamento do setor eltricopara o in tervalo 2010/ 2020, trs novas usi-nas: a de Marab, a de Al tami ra (anti gaBabaquara) e a usina de I taituba (So Lusdo Tapajs).Alguns jornali stas dizem que

    para apr imorar esses estudos. Ora, vocima-gina que pedao de Brasil poderemos ter se,

    em seqncia s obras de Belo M onte, pu -dssemos dar incio logo s obras de Marab,mai s na f rente s obras de Altami ra e de-pois Itai tuba.

    2 h t tp :/ / www.p l an o br as i l . go v.br /arquivos_down/relatorio_avaliacao.pdf em 01.04.05

    no falo dessas usinas porque quero escond-las. Apenas elas no estavam na ordem do

    dia. Como brasi lei ro, com compromissos his-tricos com a regio, no poderia deixar decolocar para apreciao das enti dades su-peri ores a necessidade que ns avancemosos estudos relacionados a essas usinas. Elasforam anali sadas num primeiro momento,mas no ti veram seus estudos aprofunda-dos. O que estou pedindo agora autorizao

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    Xingu o nome de um ente mtico no Brasil. J oera para muitos povos indgenas que viviam nasmargens do grande rio e de seus afluentes h s-culos, talvez mais de mil anos.

    Captulo 1Povos indgenas, as cidades, e os beiradeiros do rio Xingu

    que a empresa de eletricidade insiste em barrarOswaldo Sev

    Tenot M, a ao inauguradorada mulher Kaiap Tu-Ira contrao engenheiro Muniz

    (Primeiro resumo histrico, at 1989)

    governo federal que decretasse, na dcada de1960, a demarcao de um conjunto de terras in-dgenas, o PIX - Parque Indgena do Xingu, noquadrante nordeste do territrio de Mato Gros-

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    ainda hoje, que enfrentar palmo a palmo, hectarepor hectare, os invasores, garimpeiros, madeirei-ros, grandes grileiros, e at...brasileiros miserveisabrindo roas e montando barracos nas barrancas

    e nas capoeiras.Ou ento, como j se v em vrios casos, caciquesse pem (ou so postos?) a negociar acordos e com-pensaes, pelo uso das riquezas localizadas pertode suas aldeias, no interior de suas terras legaliza-das; alguns em uma tribo podem se envolver comalguns madeireiros e garimpeiros. Isto suficien-

    te para, depois, explodir alguma violncia de umou de outro lado. Por deciso da FUNAI (Funda-o Nacional do ndio, subordinada ao Ministrioda Justia) ou, ento, por iniciativa deles mesmos,abriram pistas de pouso, compraram motores depopa, camionetes. Fizeram tambm parcerias comas celebridades, as igrejas, as ONGs, receberammuitos pesquisadores e reprteres.

    Difundiu-se nosanos 1980 uma forteimagem dos ndiosdo Xingu freqen-tando as pequenas emdias cidades doMato Grosso e do

    palafitas e em bairros da cidade; se houvesse umarepresa no nvel projetado para Belo Monte, nascotas 97 a 98 metros, os trs igaraps principais darea urbana seriam represados por vrios km, ul-

    trapassando inclusive a faixa da rodovia Transama-znica, que contorna a cidade pelo lado Norte eSo Flix do Xingu: prevista para ser inteiramentecoberta por uma das seis represas projetadas,Ipixuna, que atingiria tambm terras ao longo dorio Fresco, inclusive a T. I. Caiap; e na faixa darodovia ligando com Cumaru e Redeno.

    No final da dcada de 1970, tcnicos da empresade consultoria CNEC, de SP haviam calculado ochamado potencial hidrulico do rio Xingu.Governantes da poca e tecnocratas das empresasde eletricidade repetiam o nmero estrondoso: ashidreltricas somariam mais de 22 milhes dekilowatts, num tempo em que a potncia total ins-talada no pas mal passava dos 50 milhes de kW.

    A comea a entrarna histria a Eletro-norte, que haviasido criada pelosmilitares do gover-no federal, em 1973por recomendao

    Beira rio, AltamiraOswaldo Sev

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    Corra Metais, em associao com o grupo euro-peu Brown Boveri) e de fundio de alumnio emBarcarena ao sul de Belm, (Albrs, associao dogrupo CVRD, a Vale com metalrgicas japone-

    sas) e outra similar na Ponta da Madeira, Ilha deSo Lus (Alumar, associao da Alcoa, outrasmetalrgicas, o grupo Camargo Corra).

    2) antes mesmo de Tucuru operar, j estavaenergizada a Linha de Transmisso Nordeste Norte, que saia da usina de Boa Esperana (rioParnaba, PI-MA) at So Lus, passando por Pre-

    sidente Dutra, no centro do Maranho...com aenergia eltrica proveniente da Chesf!

    3) somente no final da dcada de 1990, esta LTNorte Nordeste foi interligada com a malha el-trica Centro Oeste e Sudeste do sistema interliga-do nacional (por meio das LTs Norte-Sul I e II, en-tre Imperatriz e Aailndia/MA - e Serra da Mesa/

    GO e Braslia/DF.No final dos 1980,quando foram anun-ciadas e logo questi-onadas as obras doXingu, estvamossob o governo Jos

    O evento teve durao de vrios dias, e foi promo-vido e organizado pelas entidades dos ndios e porpesquisadores, liderados pela Comisso Pr-ndiode So Paulo, que havia editado tambm o primei-

    ro e importantssimo livro sobre o assunto, com oapoio da Prelazia do Xingu e de seu bispo, domErwin Krautler.3

    Com grande destaque nas imagens e nas notcias,pudemos conhecer as lideranas indgenas regio-nais e suas falas s vezes suaves, s vezes raivosas,sempre firmes, srias: os caciques caiaps Kube-I

    e Paulo Paiakan, e o cacique Megaron, hoje chefedo posto da Funai na complicada regio da rodo-via BR 163, norte de MT e sul do Par.

    E mais o Ailton Krenak, da entidade UNI - Uniodas Naes Indgenas, o Davi Kopenawa, dosIanomami de Roraima, os irmos Terena, o coro-nel Tutu Pombo, e o famoso cacique Raoni, que

    ento fazia parceriasmusicais com o can-tor ingls Sting; etambm algumas li-deranas dos ndiosdos Andes e da Am-rica do Norte. Ali es-tavam os ndios com

    RaoniAguirre/ Switkes/ AMAZNIA

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    de Altamira, vrios ndios vieram se manifestar alimesmo em frente mesa, alguns falando em sualngua ao microfone e sendo traduzidos. Tu-Ira,prima de Paiakan, se aproximou gesticulando for-

    te com o seu terado (tipo de faco com lminabem larga, muito usado na mata e na roa, gritan-do em lngua kaiap). Mirou o engenheiro, seurosto redondo de mas salientes, traos de algumantepassado indgena, e pressionou uma e outrabochecha do homem com a lmina do terado,para espanto geral. Um gesto inaugurador.4

    Situao que merece uma palavra-chave dos ndi-os Arawet da Terra Ipixuna, no mdio Xingu, re-colhida pelo antroplogo Eduardo Viveiros deCastro5:

    Tenot Msignifica o que segue frente, o que comea.

    Essa palavra designa o termo inicial de uma srie: o

    primognito de um grupo de irmos, o pai em relao ao

    fi lho, o homem que encabea uma fi la indiana na mata,

    a famlia que primeiro sai da aldeia para uma excurso

    na estao chuvosa. O lder arawetassim o que come-

    a, no o que comanda; o que segue na frente, no o

    que fi ca no meio.

    Toda e qualquer empresa coleti va supe um Tenot m.

    No sentido da largura, o vale do Xingu fica apro-ximadamente entre os meridianos 52 graus e 55graus Oeste. Comea em uma generosa bacia denascentes de numerosos rios, em forma de uma

    pra no Norte de MT. Entrando no Par, a larguradas terras banhadas pelos rios da bacia do Xinguse amplia bastante incorporando a Oeste as terrasdo rio Iriri, seu maior afluente.

    O sentido geral da descida das guas do Xingu edo Iriri para o Norte, dos altos cerrados doschapades e de suas grotas florestadas do Planalto

    Central, at a calha baixa do Amazonas, exatamen-te como fazem os seus grandes rios vizinhos e qua-se paralelos, os rios Araguaia e o Tocantins, do ladoLeste, e o rio Tapajs, do lado Oeste. O Xingu repleto de meandros, com algumas esquinas bemangulosas, corredeiras quase retas cavadas em fa-lhas rochosas de bom tamanho, todo coalhado deilhas pedregosas e s vezes, de ilhas com morros, o

    Xingu faz vrias voltas bem amplas, e at uma Vol-ta Grande.

    Uma ala de mais de duzentos km de comprimen-to, fazendo quase 360 graus, com a cidade deAltamira, PAbem na primeira esquina do rio. Umgrafismo forte, vai virando smbolo regional, nasfotos areas e de satlite, um ponto de interro-

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    cidade se tornou importante na dcada de 1970,durante a poca da abertura da rodovia e do esta-belecimento dos colonos assentados pelo Incra epor empresas de colonizao e cooperativas agr-

    colas vindas do Sul e do Sudeste do pas. Nestamesma poca eclodem os surtos de garimpagemde ouro e as frentes de extrao de madeiras delei, algumas perduram at hoje, outras novas fren-tes surgem, parecendo inexorveis, pois ainda seacha ouro e muita madeira valiosa. Ao longo dafamosa rodovia Transamaznica, Altamira sin-nimo de Rua; o povo vai para a Rua, quando

    vai aos bancos, lojas, hospitais, nas sedes das re-parties estaduais e federais, e para as aulas nasfaculdades (um campus da universidade federalUFPA, outro da estadual, UEPA).

    E assim, a cidade vai polarizando a vida da regio,incluindo os portos fluviais das cidades de Vitriado Xingue de Senador Porfrio; umas trs dezenas

    de agrovilas e vilarejos, mais algumas cidades pr-ximas que cresceram rapidamente, como Anapu ePacaj, ao longo da Transamaznica (sentidoMarab), e no sentido inverso, Brasi l Novo,Medicilndia, Uruar, se formos pela rodovia norumo de Rurpolis, Itaitubae Santarm, que ver-dadeira capital do Oeste paraense, e ponto de li-gao fluvial permanente e de grande porte entre

    A combinao de todas as reas na bacia do Xingunas quais a cobertura vegetal original de mata ede cerrados foi arrasada ou est sendo bem adul-terada, visvel, de forma destacada numa ima-

    gem fotografada pelos satlites ou num mosaicode imagens vistas a partir dos avies.

    O arranjo cartogrfico peculiar que resultou podeser sucintamente interpretado do seguinte modo:

    estratgias territoriais resultam das decises deEstado e de alguns agentes econmicos, incluin-do-se as levas de garimpeiros, posseiros e traba-

    lhadores volantes, que vo junto nestes surtos deocupao pioneira das reas antes habitada porindgenas e por ribeirinhos, e das reas antes ra-refeitas ou intocadas;

    esta expanso geo-econmica se d a partir dametade Norte das bacias do Tocantins e do Ara-guaia, j ocupada, e pressiona para o Oeste, en-

    grossando as faixas alteradas que aparecem nasfotos como espinhas de peixe na Transamaz-nica e nos seus travesses, tpicos do trechoparaense Marab - Altamira Itai tuba;

    as duas rodovias de ligao do vale do Xingu como Sul so corredores que abraam o formato Nor-te-Sul desse vale; so grandes extenses contnu-

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    Menino Kayap,Gesellschaf t fr kologische Forschung, Pabst/ Wi lczek

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    Festival do Kuarup, o ritual mais conhecido dos povos do Parque Indgena do Xingu, aldeia dos Yaualapiti.Marcell o Casal Jr./ ABr

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    1980 pelos barrageiros da Eletronorte, do escrit-rio CNEC e da empreiteira Camargo Correa, parano final retomarmos o resumo histrico das tenta-tivas de implantao de tais projetos.

    O comeo do rio Xingu, em Mato Grosso.O Parque Indgena e a TI CapotoJarinaseriam afetados pelo primeiro barramento- Jarina - projetado no Sul do Par.

    Comecemos a percorrer o rio como ele mesmo o

    faz, pelo comeo, pela parte alta.L onde o rio ainda pequeno, no d para fazergrandes barragens; mais abaixo, l onde o rio co-mea a ficar maior, dos ndios h muito tempo.

    A cento e poucos km a nordeste de Cuiab, capi-tal de MT, fica a cidade de Nova Brasi lndi a e dalio espigo do Planalto central se divide em dois; a

    quase 1000 metros de altitude, vai se abrir o valedos formadores do Xingu, os rios Culuene,Curisevo, Batovi, Ranuro, todos escorrendo rpi-do na direo Norte e Nordeste.

    As cidades prximas do incio do Xingu soParanatinga, perto do divisor entre os formado-res do Culuene e os formadores do rio Teles Pi-

    Pimentel Barbosa (parte desta TI fica na bacia dorio das Mortes, parte da bacia do Araguaia).

    A ocupao no-ndia das terras das cabeceirasprovocam efeitos cada vez mais no interior do PIX.

    Os desmatamentos no poupam as matas ciliaresdos rios e s vezes nem as grotas e nascentes, aexposio de terra nua, o uso de tratores, tudo istorepercute no assoreamento dos rios, na perda deprofundidade e mudanas de praias e bancos deareia, na mudana at de turbidez e colorao dasguas, tornando mais difcil a pesca com flecha,

    atividade fundamental nas aldeias. Conforme aentrevista de Andr Villas Boas, relatada no volu-me Povos Indgenas do Brasi l, 1996 2000, ISA:

    Em 1998, as queimadas em fazendas pecuri as local izadas a nor-

    deste do Parque ameaaram ati ngi-lo, o que provocou a mobil izao

    dos rgos pbl icos responsveis. Tambm nesta poca o avano das

    madeireiras in staladas a Oeste do PIX comeou a chegar perto dos

    limi tes fsicos defi nidos pela demarcao. Assim os ndi os do PIX

    esto dian te de sinai s concretos de perigo, mais graves do que aspr imeiras invases e pescadores e caadores, ai nda na dcada de

    1980. Entre os moradores do PIX, fortaleceu-se a percepo de que

    est a cami nho um incmodo abrao: o parque vem sendo cercado

    pelo processo de ocupao no seu entorno e j se evidencia como uma

    i lha de florestas na regio do Xingu . (p.631)

    Ao Norte do PIX, fica a nica cidade encostadanos seus limites, So Josdo Xingu. Ali, o permetro

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    na margem direita do Xingu, e todas estas ter-ras esto dentro da TI Menkragnoti.

    Mais para o Sul, a represa poderia entrar tambmUsinahidreltricainvent

    ariadaJarina

    Capacidadeinstalada600MWdepois620MW

    14

    Perfil longitudinal rio Xingu, no Par, com seis barragens projetadas

    Fonte: Dados do Inventrio Hidreltrico do Xingu, CNEC/Eletronorte, 1980 adaptado por O. Sev, 2003.

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    UHEinventariadaKokraimoro

    Capacidadeinstalada:1.900MW,depois1.490MW

    17

    10turbo-geradores(TGs)comcapacidad

    e

    paraturbinar4.020m3/s

    Coordenadas:7graus26m30sSul,

    52graus40m30sOeste,a1.009kmdafoz

    Alturamdiadaquedaprojetada:42,9m

    Reservatrio:reasestimadasnascotasmnima

    emxima940km2(nacota245m)

    a1.770km2

    (cota257m)

    Volume:12.450hm3(cota245m)

    a28.500hm3(cota257m)

    O segundo barramento, Kokraimoro, outrausurpao de nomes e terras kaiap

    A regio a ser afetada por essa hipottica grandeusina ficaria rio acima, no muito distante da ci-dade de So Flix do Xingu. O rio Xingu neste pon-to ainda se parece com o da barragem previstaJa-rina: uma vazo extrema na seca, menor do que400 m3/s (mensal) e, na cheia, o valor extremomensal pode passar de 10.600 m3/s.

    A terceira barragem - Ipixuna: mais Paraka-n atingidos? a cidade de So Felix do Xingudesaparecida?

    UHEinventariadaIpixuna

    Capacidadeinstalada:2.300MW

    depois1.904MW20

    (16TGde119MWcadacom

    capacidadedeturbinar5744m3/s)

    Coordenadas:5graus39m30sSul;52graus

    40m30sOeste,a710kmdafozdoXingu

    Alturamdiadaquedaprojetada:38,3m

    Reservatrio:reasestimadas2.020km2

    a3.270km2(nacotamxima208m)

    Volume:25km3(cota195m)at60km3nacota208m

    avanando rio acima, na margem direita cobrindoterras e afogando rios da TI Kaiap, na esquerda osda TI Menkragnoti, e mais ao Sul ainda, poderiaatingir at as terras identificadas, mas no

    demarcadas dos Kaiap grupo Kuben Kran Ken, queeram 82pessoas em 1998.

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    uma represa maior do que Tucuru, que ficou commais de 2.800 km2).

    A terra indgena dos Parakan chamada Apyterewa,no est ainda homologada, e sim sob a mira de

    madeireiros e de garimpeiros; talvez esses ndios notivessem sua terra alagada, mas ficariam cercadospor estradas de acesso ao canteiro de obras; oigarap Bom Jardim, que garante o acesso a aldeia,partindo da margem direita do Xingu, ficaria aolado do canteiro de obras e logo abaixo do pare-do, o que teria reflexos em sua hidrologia. A re-

    presa Ipixunaalagaria o igarap do Pombal, as lo-calidades de So Sebastio, So Francisco, e Triun-fo; e provocaria algo desconhecido, inaceitvel:

    I nundaria a cidade de So Fli x do Xi ngu, um

    loteamento de propriedade do Insti tu to de Terras do Par,

    ITERPA, local izado junto a esta cidade, e uma sri e de

    povoados ri beiri nhos.21

    Anfrisio foram abertos s custas da difcil navega-o rio acima pelo Xingu e pelo Iriri, numa reasempre visitada e roada pelos ndios Xipaia,Curuaia e pelos Kaiap que eram temidos por to-

    dos. Os resultados foram muitos mortos e feridosde ambos os lados. 23Isto tudo na poca dos ameri-canos, quando se tentava implementar o projetoFordlndia no Tapajs, e quando atuava naintermediao do ltex a empresa RubberDevelopment Company, RDC, em vrias reas ex-trativistas do Par.

    A principal cachoeira do rio, no muito alta, compoucos metros de desnvel, porm de difcil trans-posio, fica logo abaixo da foz do Riozinho, e sechama Cachoeira Seca. O nome talvez se expliquepor causa das vazes mnimas do Iriri, que so bembaixas para um rio amaznico bem comprido, poisficam na faixa de 60 m3/s. Mas as vazes mximas

    vo a mais de 9.500 m3/s.

    Diante deste desafio em termos de tamanho daamplitude das vazes (a mxima mais de cento ecinqenta vezes a mnima), os engenheiros quecriaram este inventrio hidreltrico da bacia deci-diram projetar o seguinte: barrar a prpria Cacho-eira Seca com um degrau de 29 metros e uma reainundada imensa, e com uma oscilao tambm

    UHEinventariadaIriri

    Capacidadeinstalada900MWdepois

    770MW,potnciafirme380MW,

    7TGsde110MWcada,comcapacidade

    deturbinar3.070m3/s

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    Sul. Pode-se supor que a represa no chegaria aatingir diretamente a Flona Altamira nem a TI

    vizinha, chamada Ba, onde viviam em 1994, 128Kaiap grupo Mekragnoti.

    Ali se forma um dos grandes conflitos fundirios etnicos - sociais, na regio ao Sul da cidade deNovoProgresso, justamente onde esta TI fica prxima daFloresta Nacional de Altamira, e do eixo da rodo-

    via Cuiab a San tarm.25

    No longe desta confuso, milhares de km qua-drados de glebas pblicas antigas, de algum modo

    passaram esto sendo tomadas por grandes emprei-teiras, p.ex., a CR Almeida, do Paran, e por gru-pos madeireiros poderosos de So Flix do Xinguede Altamira. O resultado hipottico desta represaIriri, calculada em alguma prancheta h mais de

    vinte anos, que o rio Curu tambm ficaria, comoo seu irmo maior, Iriri, metade represado. Paraquem mora rio acima, isto influiria bastante napesca. De todo modo, como nas demais represashipotticas aqui mencionadas, exigiria dos mora-dores uma convivncia hoje desconhecida, com aproximidade de uma nova massa dgua muitoextensa, cuja rea superficial e cujas profundida-des seriam bem variveis ao longo do ano, e con-forme o modo de operao da projetada usina.

    Xingu e seu irmo Iriri, construindo seis obrasenormes - seria obtida num trecho a partir daconfluncia do Iriri, da para baixo. Isto, prova-

    velmente por duas razes: primeira, o acrscimo

    de vazo do Xingu pela contribuio do Iriri deveser, no perodo em que o rio enche, de Dezem-bro a Maio, da ordem de 40% da sua vazo antesde receber o afluente; segunda, o desnvel dacorrenteza inicialmente pequeno, abaixo destaconfluncia, passa por Altamira, e se acelera abai-xo da cidade, onde o rio faz uma manobra radi-cal, vinha no rumo Nordeste, se vira para o Sul,

    se retorce de novo e termina rumando para oNorte, a Volta Grande.

    Eis o atrativo (!) para os calculistas do setor eltri-co: uma queda natural em vrias etapas, ao longode uns 400 km de rio, com desnvel natural de unscem metros, e que seria, ampliada para uma quedaar ti fi cial de 150 metros, em duas etapas, por meio de

    dois paredes:

    o 1 paredo vencendo um desnvel natural de 90metros (Usina Karara, depois Belo Monte);

    o 2 paredo mais acima, e neste caso, seria um des-nvel completamente criado, de 60 metros (eixo eusina Babaquara, hoje chamada usinaAltamira)26.

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    extenso arquiplago com ilhas de aluvio eentrecortado de pedrais, que seria alagado daat a foz do Iriri.

    Ali a represa abriria dois longos e amplos braos,

    um prosseguindo pelo Xingu para o Sul, e outropelo Iriri para Oeste. No ramo Sul, as guas re-presadas entrariam pelo igarap Ipiaava no in-terior da TI Terra Indgena Koatinemo, onde vi-

    vem os Assurini, 91deles em 1999. A represa ala-garia tambm terras ribeirinhas na TI dos Arawetdo Ipixuna, com 269moradores no ano de 2000,

    a gua cobrindo sua aldeia e entrando peloigarap Ipixuna. A represa iria pelo Xingu aci-ma, at a foz do rio Pardo, ao sul do paralelo 5graus, perto da terceira barragem prevista(Ipixuna, a montante).

    A hipottica megarepresa amaznica teria tam-bm um outro brao de mesma dimenso para

    Oeste, subindo pelo rio Iriri desde sua foz, ala-gando terras da TI Karara (28pessoas deste gru-po cf Funai Altamira, em 1998) na margem di-reita, e atingindo terras ribeirinhas na margemesquerda do Iriri nas duas TI Arara, (num totalde 200 moradores), provavelmente inundandototalmente ou inviabilizando trs aldeias, e indoat perto do meridiano 56 graus, na Cachoeira

    E tudo isto resultou nos nmeros recordes de Ba-baquara:seria o maior alagamento do pas, e aomesmo tempo, teria um ndice de custo muito ele-

    vado, estimado ento em 916 dlares por kilowatt

    instalado (custo sem os juros aps a construo esem investimento em transmisso), portanto, uminvestimento de6 bilhes de dlares.

    Entretanto, as razes explicadas sempre comaquele jargo tcnico de engenharia ou de eco-nomia, s vezes no passam pela lgica elemen-tar da dinmica dos fatos fsicos, nem resistem a

    qualquer comentrio fundamento sobre as incer-tezas sempre presentes, nem sempre sabidas...esobre a maior ou menor confiabilidade das m-quinas e dos humanos.

    Para o leigo, se 70 % do aproveitamento estari-am nestas duas obras, nesta Volta Grande transfi-gurada em dois imensos paredes, uma grande

    represa e outra enorme, seria correta faz-las an-tes das demais. Errado, pois em muitas regies,comeou-se pela usina mais alta, e em seguida,as outras que foram sendo feitas rio abaixo, tive-ram melhor aproveitamento, cada uma delas, etambm em sua produo conjunta de energia, esob condies operacionais previstas econcatenadas para tanto.

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    Belo Monte, ex-Karara: Kaiap em guerra, Juru-na ameaados, e os desaldeiados

    Nos anos de 1915 a 20, quando um estudioso pio-neiro, o antroplogo austraco Curt Nimuendajuestabeleceu contato com os grupos indgenas

    Xipaia do baixo e mdio Xingu, ele desenhou emum mapa o seu percurso, a regio entorno, e ogrande meandro do rio (que ainda no se chama-

    va Volta Grande ) em cujo trecho final, onde ofluxo da correnteza aponta novamente para oNorte, ele escreveu Salto I tamarac.28Assinalouas nicas localidades urbanas da poca, na conflu-ncia do Xingu com o Amazonas: Porto de Moz, rio

    trecho encachoeirado, Vitria do Xingu, e o primei-ro porto no trecho acima das cachoeiras, a vila deAltamira.

    Em um recanto da margem esquerda, cercada de

    morros e plats baixos, em frente a uma das gran-des ilhas do Xingu, a Arapuj, a cidade fica no pri-meiro cotovelo onde o traado do rio que vinhadescendo no rumo quase Nordeste quebra para oLeste e depois para o Sul, como se estivesse voltan-do em direo s suas nascentes. Rio abaixo umlongo trecho de ilhas aluvionais, depois morros e

    rochedos no meio e na barranca do rio, a larguraaumenta e a profundidade diminui, comeam ospedrais interminveis, e vo se preparando as que-das. Uma esquina abrupta e um novo rumo da ca-lha do rio, para o Nordeste, o piso de lajes ro-chosas que cruzam quase toda a largura do rio; um trecho com grandes ilhas algumas tambm ro-chosas, prximo da Terra Indgena Paquiamba,

    abaixo da foz do rio Bacaj; descendo mais vm asgrandes cachoeiras, a primeira delas a Cachoeirado Jerico, altura relativamente pequena, 12 a 15metros, mas uma largura extraordinria, mais de5 km. apenas a primeira de uma srie de cincoou seis. Talvez o Salto Itamarac assinalado porNimuendaju seja um outro nome para alguma das

    UHEprojetada:Karara,depoisBeloMonte

    Capacidadeinstalada:8.400MW,depois

    11.000MW,depois11.181MW,

    depois5.681MW

    Reservatrio:reasestimadas897km2

    nacota90m,a1225km2nacota96

    (projetoinicialKarara),depoisdaalterao

    daconfiguraofeitaem1997:470km2

    Volume:3,8bilhesdem3

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    ria do Xingu: a gua j fica abaixo da cota 10metros de altitude, o rio se prepara para escorrermais lentamente at confluir, mas tem dezenas demetros de profundidade.

    Foi este desnvel de oitenta e cinco a noventametros entre Altamirae o final da Volta Grande,abaixo de Belo Monte do Pontal, que despertou ompeto dos engenheiros calculistas, tratava-se, semdvida, de um belo potencial hidrulico.

    Todos ali sabem, e os instrumentos tambm me-dem e acusam, uma respeitvel diferena entre seu

    volume de gua em Outubro (bem pequeno parao tamanho do rio, dos arquiplagos e corredeiras,que ficam algumas secas) - e em Maro, Abril, quan-do o nvel do Xingu sobe vrios metros, a gua seesparrama, entra pelos igaraps, o rio fica cauda-loso no canal central e torrencial, violento nosboqueires das lajes e nos estreitos formados pormorrotes das ilhas e das margens.

    Imaginando que o Xingu fosse barrado e, de al-guma forma fosse obtida uma queda com esta al-tura, (a represa na cota 97 ou 98 metros, e a sa-da da gua turbinada, no baixo Xingu, na cota 6a 10 metros), turbinando a vazo portentosa demais de 10 mil m3/segundo (um pouco acima dasmdias anuais das vazes mensais), os primeiros

    clculos apontaram uma potncia de 8.400 MWa instalar. Depois, engenheiros e financistasdimensionaram a capacidade total em 11.000 MW.Esta potncia exigiria uma vazo de 14.000 m3/s,

    que em geral s atingida durante 3 a 4 mesesdo ano.

    A represa que seria formada com o barramentoKarara, (que foi ento escolhido bem em cimado trecho encachoeirado abaixo da 1 grande ca-choeira, a Jerico) ocuparia quando cheia at uns1200 km2, afetando bastante toda a faixa ribeiri-nha no lado de dentro da Volta Grande, a mar-gem esquerda do Xingu, desde os igaraps deMaria e Gaioso, abaixo de Altamira - at a aldeiaPaquiamba e da em diante at se completar a

    volta do rio.

    Na margem direita, a represa projetada avanariadezenas de km adentro pelos rios afluentes, inclu-

    indo o maior deles, o Bacaj. Pelas duas margens,a gua ficaria represada em toda a calha do Xin-gu, transbordadas, segurando os igaraps l emcima bem antes de suas barras atuais, inclusive narea urbana de Altamira, onde teriam que ser re-movidos os pontes, palafitas e passarelas que fi-cam abaixo ou prximo da cota mxima, anuncia-da como 98 metros, s vezes 97 metros.

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    Esta lmina dgua, que nas beiradas seria bemrasa, quase um manguezal, um pantanal, se esten-deria ainda muitos km e muitas ilhas e praias rioacima at bem perto do paredo seguinte, a usina

    projetada Babaquara.Aps a primeira derrota dos seus projetos, em 1989,a Eletronorte continuou trabalhando em cima desua cria predileta, o mega-projeto Belo Monte.Reapresentou-o em 1997 com uma modificao noarranjo: deslocou o eixo do principal paredo paraum trecho mais alto, na Ilha do Pimental, e alte-

    rou bastante os canais de ligao da represa com aCasa de Fora que continuaria sendo l em baixo,na margem esquerda, entre as localidades de BeloMonte do Pontale de Vitria do Xingu.

    As mudana feitas pelos engenheiros subtraiu defato, mais de 700 km2da rea inicial a ser inunda-da, e ao invs de quase afogar os Juruna, deixaria

    a aldeia no trecho do rio abaixo do paredo dabarragem Pimental. No trecho fluvial que ficariapor muitos meses bastante baixo, por causa dareteno da gua na represa e do seu desvio pe-los canais. A mesma mudana de represa noaltera a potncia prevista para instalar na casa defora principal, vai alm, e cria uma usina secun-dria com mais 181 MW, pela qual seria turbina-

    primeiro projeto de usina, em 1988, estimava a po-pulao indgena da regio da Volta Grande em100pessoas incluindo as que esto dentro da terraPaquiamba, e as que vivem ali perto em ilhas e na

    margem direita do Xingu, e alguns grupos que seurbanizaram, morando na Vila So Sebastio, bair-ro Recreio, em Altamira, junto com grupos de n-dios Xipaia e Curuaia.29

    O CIMI Conselho Indigenista Missionrio, deAltamiraregistra, em 2003, um total de quase 400pessoas, agrupadas em dezenas de famlias Xipaia,

    Curuaia, Caiap, e em um aldeamento de ndiosArara do Par, um povo que se espalha nas duasbeiras do Xingu e nas ilhas da Volta Grande, espe-cialmente nas localidades I lha da Fazendae Maias,- os quais seriam certamente atingidos pela forma-o daquela represa do primeiro projeto, pois osseus locais atuais seriam alagados mesmo, ou fica-riam beira do futuro lago. Ou ento, poderi-

    am ser prejudicados tambm pela interrupo deacessos e percursos, por causa da proximidade comcanteiros de obras, vias de acesso e com a monta-gem de torres e linhas de transmisso, e pelo ala-gamento de igaraps.

    Mesmo mudando o nome da usina para Belo Mon-tee mudando o eixo do barramento para a Ilha

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    dinmica fluvial (p.ex. escoando mais rpido,erodindo mais as barrancas, no preenchendo la-goas e vrzeas marginais).

    O histrico continua: at a segunda derrota da Ele-tronorte (1989-2002)

    Uma das miragens tecnocrticas dos anos 1980:duas mega-hidreltricas Karara e Babaquara,previstas para instalar mais de 17 milhes de kW,duas grandes represas somando mais de sete milkm quadrados de alagamento, centenas de km

    de barrancas de grandes rios alagados naforquilha formada pela confluncia do rio Iririno Xingu, dali at o final da Volta Grande. Apsiniciado e tornado irreversvel o grande e longocanteiro de obras de Tucuru,esta nova miragemtornou-se o carro-chefe da investida dosbarrageiros na Amaznia: barrado o Tocanti ns, que

    seja agora o Xi ngu!Este complexo hidreltrico de Altamira (ocodinome prestigiando a cidade beira rio queficaria praticamente espremida entre a represade Karara e o paredo de quase 70 metros deBabaquara), foi o primeiro projeto da empre-sa Eletronorte a ser fortemente questionado por

    direita (Belo Monte do Pontal) e a margem esquer-da (Santo Antonio do Belo Monte).32

    No vivamos mais, formalmente, numa ditaduramilitar. J havamos sado s ruas, numerosos e por

    vrias vezes; em 1988, uma nova Constituio ha-via sido costurada sob a maestria do deputadoUlysses Guimares (PMDB), e em Outubro de 1989

    votaramos, aps um jejum de 29 anos, para presi-dente da Repblica! Na Constituio foram ins-critos artigos especficos a respeito do meio ambi-ente (artigo 225) e dos povos indgenas (artigo

    231), comentados em seguida.No fique a impresso de que nada foi feito pelaempresa e pelo lobby barrageiro desde a pri-meira derrota, at o seu primeiro ressurgimen-to, em 1998-99, na campanha eleitoral de 1998e nos primeiros meses do segundo mandato Car-doso-Maciel.

    A empresa gastou muitas homens-Hora de traba-lho tcnico, teve despesas de todo tipo, salrios,contratos e subcontratos, acampamentos e missesterritoriais variadas, alm de certa dose de gastosem publicidade, propaganda e relaes pblicasna regio, em Belm, em SP e outras capitais, e noexterior. Conforme pudemos deduzir da leitura do

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    hidreltricas em Terras Indgenas fossem auto-rizadas pelos prprios ndios ameaados pelasobras e pelo Congresso Nacional - a Eletronortetentou contorn-lo quando redesenhou o pro-jeto Belo Monte

    , colocando o barramento prin-cipal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 kmrio acima da posio anterior, abaixo da grandecachoeira, Jerico.

    Geograficamente, a rea da T.I. Paquissamba, dosndios Juruna, deixaria de ficar submersa para fi-car no trecho seco da Volta Grande, onde as va-

    zes seriam sempre bem inferiores s mdias his-toricamente observadas.

    Assim a empresa pode, at hoje, esgrimir o argu-mento de que no h Terras Indgenas atingidaspelas obras de Belo Monte.34Quanto aos indge-nas da regio que seriam atingidos, muitos maisdo que os 40 ou 50 Juruna que a Eletronorte reco-

    nhece como residentes na T.I. Paquissamba e dizno estarem ameaados pelas obras, a empresamesmo sabia, graas aos estudos do CNEC no fi-nal dos anos 1970, dessas populaes debeiradeiros em toda a Volta Grande. Aps essamanobra de re-localizao do eixo do barramentoe do by-pass geogrfico na nica T.I. homologa-da daquele trecho de rio, a empresa passou a ten-

    fortes na movimentao em Altamira em 1989 ti-nha como lema L inho sim, barragem no!

    Como acontece em toda empresa de eletricidade,foi a partir da derrota de 1989, que os dirigentes e

    gerentes da Eletronorte passaram a fazer polticanos municpios, a interferir bastante; mandaramseus assessores e contratados percorrer a rea, sehospedar nos hotis, alugar barcos e avies. Emmeados dos anos 1990, decidiram marcar presen-a, comearam a promover excurses para os es-colares, professores, pescadores, ndios, em roma-

    ria de visitao usina e ao lago de Tucuru.Organizavam reunies com vereadores e prefei-tos e os estimulavam com promessas de royaltiesque engordariam os oramentos das prefeituras,e de oportunidades de negcios e servios paraquando os canteiros de obra se instalassem. Agin-do em vrias frentes, a empresa e seus contratados

    intensificam o mapeamento das lideranas locais,para em seguida passar a assediar algumas delasem prol de um cooptao, de uma mudana depostura pblica, passando das posies divergen-tes ou contrrias obra para uma posio de ne-gociao, de apoio, e talvez at de parceria comos empreendedores! Por volta de 1998, 1999, aEletronorte, derrotada dez anos antes, se recom-

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    que reagrupam assentados, pequenos fazendeiros,comunidades rurais: o assassinato de seu lder

    Ademir Federici, o Dema. Mesmo que tenha sidopor encomenda de madeireiros por ele denuncia-

    dos, e no por encomenda do lobby barrageiro,o fato conhecido que Dema criticava os projetosde barragens e inclua este ponto na sua luta pol-tica, em seus discursos.

    Em Novembro, aps ser confirmada a deciso ju-dicial pelo Tribunal Regional Federal da 1 Regio,em Braslia, a mesma liminar foi mantida na ulti-

    ma instncia no Supremo Tribunal Federal.Era a segunda derrota do projeto Belo Monte, emfins de 2002.40

    A finalidade da obra em si continuava obscura,fugidia, sobretudo porque eram intensas as crti-cas em cima da usina de Tucuru, por causa tam-bm do prejuzo que o pas estava tendo com os

    contratos de preos obtidos pelas industrias de alu-mnio que se instalaram em Belme em So Lus.

    Ficava sempre mal definida, nos informes oficiaise nos discursos de palanque, a destinao da ele-tricidade prometida peloprojeto Belo Monte,compreviso de instalar 11.182 Megawatts na verso que

    vigorou entre 1998 e outubro de 2003.

    internet para uso dos excludos digitais; enquan-to no calado em frente, erigeu um quiosque,onde instalou uma maquete grande, vrios metrosquadrados, do seu projeto alagando boa parte da

    Volta Grande...que era, certamente, para o povoir se acostumando quela futura paisagem.

    Noutro prdio em rua mais comercial, prximade prdios pblicos, instalou a sede de um Con-srcio Belo Monte, formado pelos prefeitos dosmunicpios de uma regio fictcia definida comode influncia da mega-obra, os quais teriam di-

    reito, no futuro aos royaltiesque a lei obriga ashidreltricas a pagar s prefeituras que tiveramterras ocupadas pelas obras e pela represa.

    toda uma construo ideolgica e institucionalque vai avanando, se enredando nas foras locaise fazendo l inkscom as foras de fora; at na pre-

    viso meteorolgica numa TV aberta estadual apa-

    rece a temperatura e a chuva na localidade BeloMonte, omitidas algumas cidades importantes doPar. Algo que nos faz recordar o percurso feitonas ultimas dcadas para se tentar criar uma re-gio do Carajs, cujo ncleo seria o imprioterritorial da CVRD englobando tambm as reasindustriais e porturias ao Sul de Belm e na Ilhade So Lus. Conforme o veredicto do antroplo-

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    Monte: lideranas indgenas, entidades de extrati-vistas, de trabalhadores e de moradores de assenta-mentos rurais, algumas delas ligadas Igreja Cat-lica atravs da CPT e de outras aes pastorais, ou-tras com a presena forte ou dominante de militan-tes dos Partido dos Trabalhadores, outras ligadasaos movimentos de atingidos de barragens de ou-tros regies, Contag e CUT.

    Por um momento, durante o ano de 2002, osparaenses e os que de longe acompanham o casotiveram a sensao de que uma vitria do candida-

    to Lula em 2002 poderia sepultar oprojeto Belo

    Monte e os demais, de vez. Seria um alvio paratanta gente, que pudessem cuidar dos projetos quelhes interessam de perto, no dia a dia, viver, pre-servar, produzir, e no ser infernizado por essemeteoro cado sobre suas cabeas. Mas no!43

    Uma das razes que, vinte anos depois, o agora

    senador Sarney e aliado do governo Lula, pareceter persuadido a cpula federal da importncia eda excelente oportunidade do projeto Belo Mon-te. No mnimo, mostrou que ainda comandava oseu feudo, tendo recentemente conduzido a trocade presidente da empresa holding Eletrobrs,que a acionista principal da Eletronorte.44

    fez com o seu Carajs - um Estado dentro do Esta-do do Par.

    A novidade nesta terceira tentativa no tanto queos polticos do Partido dos Trabalhadores estejam

    se tornando favorveis aos projetos no rio Xingu etambm aos anunciados para o rio Madeira, emRondnia. A novidade agora algo bem mais es-tratgico, pois podemos ter mais certeza de quemiria operar a usina no seria a Eletronorte sozi-nha, nem majoritria - e de quem vai usar a eletri-cidade dessa obra, se acaso um dia ela chegar a serfeita no ser o resto do pas, nem o Nordeste beira da crise, muito menos a malha eltricaCentro Oeste Sudeste. E sim as indstrias eletro-intensivas que j comandam esse mesmo espet-culo pelo mundo afora h um sculo.

    As razes da primeira discordncia continuam dep, desde 1988, 89, quando o antroplogo DarrellPosey levou os caciques Kube I e Paiakan a NewYorkpara audincia junto ao Banco Mundial e sONGs, e desde quando o mundo viu Tu Ira comseu terado nas bochechas do engenheiro Muniz.47

    Os conflitos provocados pelas empresas de eletri-cidade ao anunciar obras que alagam ou afetamdiretamente Terras Indgenas vo pipocando,muito alm da regio amaznica, por exemplo nas

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    O fato de tais projetos no Xingu representaremmais uma frente de ameaas Amaznia poderiaquestionar os seus anunciadores e defensores, masno! A Amaznia como reserva de biodiversidade,de biomassa e de vida aqutica vai cedendo espa-o e vitalidade para a Amaznia supridora de me-tal e de eletricidade contida em metais e minriospara o mundo rico da Europa, EUA, Japo e ago-ra, tambm para a China.

    No resta mais dvida tambm de que o Par vaise transformando num enclave como os que exis-

    tem na Austrlia, no Chile, na frica do Sul, gran-des supridores da industria pesada mundial. Ohistoriador Pere Petit, ao correlacionar as elitespolticas com os novos negcios dos recursos mi-nerais e hidreltricos:

    H relaes econmicas entre algumas regies com o merca-do internacional que, num determinado momento histricopodem ser de maior importncia que as estabelecidas com

    outras regies ou estados do mesmo pas em decorrncia daexpanso espacialmente desigual do sistema capitalista; veja-se por exemplo, a Amaznia brasileira durante o ciclo da bor-racha, e o atual `ciclo do minrio no estado do Par.49

    A imagem da Amaznia brasileira como pulmodo planeta no se justifica tecnicamente, pois aregio j contribui razoavelmente para aumentar

    das queimadas anuais, vinte mil km quadrados, oumais, a cada ano incluindo-se na conta as queima-das nas matas de terra firme e na transio para oscerrados do Planalto central.

    Aumentou tambm o desmatamento conformese ampliaram as reas mineradas e garimpadas,as aberturas das estradas e de uma longa ferroviaconstruda para o escoamento da produo mi-neral, a abertura de pistas de pouso e das faixaspara a passagem de Linhas de Transmisso de ele-tricidade para essas atividades. E, com a forma-

    o de mais represas artificiais, vai aumentar bas-tante e durante prazos longos, trinta anos, oumais, a emisso de gases carbnicos e cidos or-gnicos tpicos da putrefao da massa orgnicano fundo das represas50.

    A atitude dos barrageiros que escolheram desde1980 o rio Xingu como seu alvo, vai se tornando umtanto esquizofrnica, cada vez mais dissociada da re-alidade. S o que lhes interessa no momento :

    vencer a resistncia de organizaes ambientais e das co-munidades locais do Par, para poder levar adiante a cons-truo da hidreltrica 51

    Mas para isto, para levar adiante, eles tm que tor-nar atrativo e irreversvel o seu negcio. Ou ento,quem sabe? Estaria agora o governo se adaptando

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    s exigncias de alguma entidade financeira, a qual- j tendo avaliado os dados disponveis, a maioriadeles j vencidos, trazidos de 1980 ou de 1988 parahoje, - poderia ter concludo que a obra muitocara e que o retorno pouco garantido. Por isto, oslobbistas insistem em atrair mai s parceiros pri vados,por isto avisam que ficar mais barato, pois ser fei-to apenas um canal de aduo,e que sero encomen-dadas somente dez das enormes mquinas de 550MW cada, alm claro, de divulgar uma obscuradiminuio do sistema de transmisso.52

    O qu de fato temos pela frente, so projetos dis-tintos, que competem ou at conflitam entre si.So vises e propostas de distintos grupos de inte-resse e de distintas classes sociais para o mesmoespao territorial, so demandas de utilizaesdistintas para os mesmos bens coletivos, e para osmesmos recursos pblicos. No Vale do Xingu as-sim revisto, l mesmo onde se pretende promo-

    ver novas e grandes alteraes, vive-se em um tipode guerra social, eclodindo em todos os conflitoso direito aos recursos naturais, e em vrios deles,atuando tambm causa de fundo tnico, bastan-te acirrado. A Natureza e as pessoas as que alise reproduzem h muito tempo e as recm chega-das - esto merc de aes nefastas e de ameaas

    empresas muito poderosas. Na essncia, uma guer-ra de desiguais: aventureiros e empresas, livres paraagir, acobertados em seus desmandos, muito bemrepresentados na mquina pblica em todas esfe-

    ras e instncias de poder...enquanto o povo e osndios s contam praticamente com eles mesmos,uns poucos abnegados que os ajudam, e partes damquina pblica, raras, que conseguem cumprirsua funo. Defendemos e brigamos pela nicasada honrosa, no criminosa diante da responsa-bilidade pela histria humana e do planeta, que * interromper a idia de barrar o Xingu e demais

    rios na Amaznia.

    Sob a ditadura e diante do poderio dos cartis in-ternacionais, no pudemos evitar que na Amaz-nia paraense fosse instalado um reduto da inds-tria eletrointensiva mundial.

    Que possamos ento limitar este avano, e no fu-

    turo, rever