seu deca: "há 25 anos escolhi voltar para o nordeste..."

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 9 • nº1675 Janeiro/2015 Passa e Fica Realização Apoio Seu Deca: “Há 25 anos escolhi voltar para o Nordeste...” A vida de seu Deca, 62 anos, nunca foi fácil: como o mais velho dos dez filhos de seu Francisco Cláudio Sobrinho e de dona Maria Lino da Costa Claúdio, Francisco José Cláudio (seu nome de batismo) era desde menino o responsável pelo abastecimento de água para a família. Apontando as serras lá longe, no horizonte, recorda: “A cada dois dias, eu andava em um jumento umas quatro légua pra buscar uma carga d'água para beber numa nascente entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba, que trazia em quatro barril”. É com imenso orgulho que seu Deca, sempre sorridente, mostra o que planta: caju, cana-de-açúcar, acerola, goiaba, coco, couve-folha, coentro, cebolinha, rúcula, alface, pimentão, pimenta, tomate, quiabo, capim santo, macaxeira e mandioca, que é vendida para as casas de farinha da região. Para ele, que ama a vida no campo, “as cisternas melhoraram muito a nossa vida: a primeira, de beber, acabou com o sofrimento e a preocupação que havia antigamente; essa segunda cisterna, a calçadão, vai dar um passo a mais pra gente desenvolver outras culturas”, diz, fazendo referência a uma das tecnologias de convivência com o Semiárido, implantada pela ASA-Articulação do Semiárido. “Me sinto abençoado em viver em minha terra. A gente vai embora, mas o coração fica aqui”, diz seu Deca, enquanto lista uma série de novas culturas que pretende cultivar no sítio no próximo ano: mamão e maracujá, aumentar a produção de tomate e até experimentar plantar morango, pra vê no que vai dá.

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A vida de seu Deca, 62 anos, nunca foi fácil: como o mais velho dos dez filhos de seu Francisco Cláudio Sobrinho e de dona Maria Lino da Costa Claúdio, era desde menino o responsável pelo abastecimento de água de beber para a família. "Era uma vida muito dura, as dificuldades eram muito grandes e o Nordeste vivia um abandono só".Após 18 anos em São Paulo, retornou à sua terra natal e é com imenso orgulho que seu Deca, sempre sorridente.

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Page 1: Seu Deca: "Há 25 anos escolhi voltar para o Nordeste..."

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9 • nº1675

Janeiro/2015

Passa e Fica

Realização Apoio

Seu Deca:“Há 25 anos escolhi voltar para o Nordeste...”

A vida de seu Deca, 62 anos, nunca foi fácil: como o mais velho dos dez filhos de seu

Francisco Cláudio Sobrinho e de dona Maria Lino da Costa Claúdio, Francisco José Cláudio

(seu nome de batismo) era desde menino o responsável pelo abastecimento de água para a

família. Apontando as serras lá longe, no horizonte, recorda: “A cada dois dias, eu andava em

um jumento umas quatro légua pra buscar uma carga d'água para beber numa nascente entre

o R io Grande do Nor te e a Pa ra íba , que t raz ia em qua t ro ba r r i l ” .

É c o m i m e n s o o r g u l h o q u e s e u

Deca, sempre sorridente, mostra o que

planta: caju, cana-de-açúcar, acerola,

goiaba, coco, couve-folha, coentro,

cebolinha, rúcula, alface, pimentão,

pimenta, tomate, quiabo, capim santo,

macaxeira e mandioca, que é vendida

para as casas de farinha da região. Para

ele, que ama a vida no campo, “as

cisternas melhoraram muito a nossa vida: a primeira, de beber, acabou

com o sofrimento e a preocupação que havia antigamente; essa segunda

cisterna, a calçadão, vai dar um passo a mais pra gente desenvolver

outras culturas”, diz, fazendo referência a uma das tecnologias de

convivência com o Semiárido, implantada pela ASA-Articulação do

Semiárido.

“Me sinto abençoado em viver em

minha terra. A gente vai embora, mas o

coração fica aqui”, diz seu Deca,

enquanto lista uma série de novas

culturas que pretende cultivar no sítio

no próximo ano: mamão e maracujá,

aumentar a produção de tomate e até

experimentar plantar morango, pra vê

no que vai dá.

Page 2: Seu Deca: "Há 25 anos escolhi voltar para o Nordeste..."

Articulação Semiárido Brasileiro – Rio Grande do NorteBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Com tanta dificuldade e vendo tanta

gente indo embora, ele começou a alimentar

o sonho de ir para São Paulo e foi assim que,

em 1971, aos 19 anos, parte em busca de um

trabalho mais digno, fugindo da sina dos que

só tinham como trabalho as frentes de

emergência, em troca de uma cesta básica que

mal alimentava e muito humilhava.

Como a família de doze pessoas não

precisava somente da água para beber,

todo dia ele fazia de três a quatro viagens

até um riacho na Paraíba para pegar água

para os bichos e para o serviço da casa:

cozinhar, lavar, tomar banho. “Era uma

vida muito dura, as dificuldades eram muito

grandes e o Nordeste vivia um abandono

só. Quando o inverno era fraco, na época

da farinhada (colheita e beneficiamento

da mandioca) meu pai ia trabalhar nas

casas de farinha para poder comprar a feira

para alimentar as crianças. Nesse tempo, eu ficava tomando conta dos bichos e de outras

responsabilidades que ele me dava”.

Freqüentar a escola também não era fácil, pois ficava muito distante do sítio onde morava

e assim o menino Deca aprendeu a ler e a contar apenas o básico.

Mesmo aprendendo uma prof issão

(trabalhava em restaurantes e lanchonetes)

e tendo encontrado o amor na paulista

Iracema Luque, com quem casou e teve dois

filhos (Viviane, 37 anos, e Valdir, 31 anos),

após 18 anos na capital paulista Deca decide

voltar para ver como andavam as coisas por

aqui. Mesmo com as dificuldades que ainda

havia, ele decide ficar ajudando o pai na lida.

Após a morte de seu Francisco, herda um

pedaço de terra e finca de vez suas raízes em

terras de Passa e Fica/RN, sua terra natal.

Dona Iracema não pensou duas vezes antes

de acompanhar seu marido quando ele sugeriu

passar uma temporada no Nordeste: “Ele

trabalhava no período da tarde para a noite,

chegando em casa de madrugada. Após ser

assaltado mais de uma vez, resolvemos vir pra

cá. Mesmo tendo se passado 25 anos desde

que viemos morar aqui, ainda sinto saudades

de São Paulo e de minha família, que lá ficou”,

diz Iracema, que ainda mantém um forte sotaque

paulista.