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SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE Ana Elisa Coda Ferrão Orientadora: Prof. Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira RESUMO Este trabalho tem por objetivo o estudo de aspectos jurídicos que envolvem o serviço público de abastecimento de água, realizado pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos, autarquia do Município de Porto Alegre. A partir da análise da água como um bem público, essencial à vida de todos os seres, que deve ser protegida para que se possa preservar e conservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, passando pela caracterização do abastecimento de água como um serviço público de natureza econômica, essencial à coletividade, pela competência municipal para a sua prestação e pela forma de remuneração em virtude do serviço prestado, chega-se à sua contraprestação por meio de tarifas, inclusive à fixação de tarifas mínimas de água, e à prescrição da ação para a sua cobrança regida pelo Código Civil, por tratar-se de dívida não- tributária. Palavras-chave: Água. Bem público. Serviço Público. Tarifa. Tarifa mínima. Prescrição. SUMÁRIO Introdução; 1 Água: bem público essencial à vida; 2 O serviço público de abastecimento de água; 3 A remuneração do serviço público de abastecimento de água; 4 A tarifa do serviço de abastecimento de água no Município de Porto Alegre; Conclusão; Referências. INTRODUÇÃO O presente trabalho trata dos aspectos que envolvem o serviço público de abastecimento de água no Município de Porto Alegre. Para tanto, inicia-se com a análise da água como um bem público, essencial à vida de todos os seres humanos, animais e vegetais, que faz parte do patrimônio do planeta, devendo ser protegida para que se possa preservar e conservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

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Page 1: SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO

SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO MUNICÍPIO DE PORTO

ALEGRE

Ana Elisa Coda Ferrão Orientadora: Prof. Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo o estudo de aspectos jurídicos que envolvem o serviço público de abastecimento de água, realizado pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos, autarquia do Município de Porto Alegre. A partir da análise da água como um bem público, essencial à vida de todos os seres, que deve ser protegida para que se possa preservar e conservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, passando pela caracterização do abastecimento de água como um serviço público de natureza econômica, essencial à coletividade, pela competência municipal para a sua prestação e pela forma de remuneração em virtude do serviço prestado, chega-se à sua contraprestação por meio de tarifas, inclusive à fixação de tarifas mínimas de água, e à prescrição da ação para a sua cobrança regida pelo Código Civil, por tratar-se de dívida não-tributária. Palavras-chave: Água. Bem público. Serviço Público. Tarifa. Tarifa mínima. Prescrição.

SUMÁRIO

Introdução; 1 Água: bem público essencial à vida; 2 O serviço público de abastecimento de água; 3 A remuneração do serviço público de abastecimento de água; 4 A tarifa do serviço de abastecimento de água no Município de Porto Alegre; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata dos aspectos que envolvem o serviço público de

abastecimento de água no Município de Porto Alegre. Para tanto, inicia-se com a análise da

água como um bem público, essencial à vida de todos os seres humanos, animais e

vegetais, que faz parte do patrimônio do planeta, devendo ser protegida para que se possa

preservar e conservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e

futuras gerações.

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Em seguida, busca-se determinar a competência do Município de Porto Alegre para

a prestação do serviço de abastecimento de água. Isso, a partir da Constituição Federal, da

Lei Orgânica do Município e da análise do conceito e das características dos serviços

públicos, como meios de atuação do Poder Público para a realização de seus fins, desde o

seu surgimento, passando pelas transformações sofridas ao longo dos anos.

Logo após, procura-se identificar a forma de contraprestação do serviço público de

abastecimento de água. Tal identificação se dá através do estudo das fontes de rendas

públicas, quais sejam, os tributos e os preços públicos, conceituando-os e distinguindo-os,

bem como pela caracterização do serviço público em questão.

Por último, estabelecida a forma de remuneração do serviço de abastecimento de

água, pretende-se definir a possibilidade de cobrança de tarifas mínimas e os prazos de

prescrição da ação para a cobrança de tarifas de água. Para isso, utilizam-se,

preponderantemente, as construções jurisprudenciais acerca da matéria e a legislação em

vigor no âmbito federal e municipal.

1 ÁGUA: BEM PÚBLICO ESSENCIAL À VIDA

A água é um bem cultural e social indispensável à sobrevivência e à qualidade de

vida da população. Como tal, a água possui um valor inestimável pois, além de ser

indispensável para a produção e para o desenvolvimento econômico, constitui-se em um

fator determinante na manutenção dos ciclos biológicos, geológicos e químicos que

garantem equilíbrio aos ecossistemas e em regulador essencial do clima de toda a Terra.1

É difícil imaginar a vida sem água no estado líquido. A importância da água passou a

ser realmente percebida quando esse recurso ambiental já não vinha mais sendo encontrado

em abundância naqueles locais onde a sua falta nunca fora antes sentida.

Apesar de cobrir dois terços da superfície da Terra e aparentar ser infinita para a

vida, a água, atualmente, é um grande fator de preocupação em toda a sociedade. O volume

1 GRAF, Ana Cláudia Bento. Água, bem mais precioso do milênio: o papel dos Estados. Revista CEJ, Brasília, n. 12, set./dez. 2000. p.31.

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de água doce disponível é insignificante, por estar, em sua maior parte, nas geleiras e nas

águas subterrâneas, restando um percentual muito baixo do volume de água doce existente,

o qual está nos rios e lagos.2

Devido ao aumento da população mundial, à degradação dos mananciais provocada

pela poluição resultante de atividades humanas, ao desequilíbrio natural na distribuição das

águas e ao consumo excessivo, com alto grau de desperdício, seja por falhas operacionais

dos sistemas de abastecimento, seja pelo uso descontrolado por parte dos usuários, a água

está se tornando um bem escasso em curto prazo. Isto ocorre até em áreas bem providas de

água doce.3

Vida e água estão diretamente relacionadas, sendo a água indispensável não só

para o homem, como também para os animais e vegetais. O direito à vida é um direito

fundamental de primeira geração, de acordo com o artigo 5º, caput, da Constituição Federal,

devendo ser assegurado um nível mínimo de vida, compatível com a dignidade humana,

incluindo-se o direito à saúde, direito social fundamental do ser humano, expresso no artigo

6º da Carta Magna.

A água é utilizada para as mais diversas finalidades. As mais importantes são o

consumo humano, o saneamento e o abastecimento doméstico e público, a irrigação

agrícola, a produção industrial, a produção de energia elétrica, a navegação e a recreação.

A proteção e a preocupação com os recursos hídricos no Brasil vêm de longo tempo.

O Código Civil de 1916 já dedicava uma de suas seções à água, dispondo sobre o direito de

utilização das águas, sem referir-se diretamente ao seu domínio. Em 1934, o Decreto federal

nº 24.643, Código das Águas, foi editado com a preocupação de regulamentar o

aproveitamento das águas para fins de geração e distribuição de energia elétrica. Em 1981, a

Lei federal nº 6.938 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente que, conforme disposto

em seu artigo 2º, “tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade

ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-

2 BARROS, Wellington Pacheco. A Água na Visão do Direito. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2005. p. 9-10. 3 Ibidem, p. 42-43.

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econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida

humana”.

A partir da Constituição Federal de 1988, por força de seu artigo 225, todos os

cidadãos têm o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, incluindo-se os

recursos hídricos, sendo-lhe atribuído um caráter de bem público. Reza o caput do artigo

mencionado:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua os bens públicos. Para ele,

são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público (estas últimas, aliás, não passam de autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público. O conjunto de bens públicos forma o “domínio público”, [...].4

De acordo com Odete Medauar, “bens públicos é expressão que designa os bens

pertencentes a entes estatais, para que sirvam de meios ao atendimento imediato e mediato

do interesse público e sobre os quais incidem normas especiais, diferentes das normas que

regem os bens privados”. Os bens públicos têm importância à medida que são meios

utilizados para atendimento dos fins do Estado e por serem elementos fundamentais para a

vida em coletividade.5

Os bens públicos, conforme o artigo 99 do Código Civil, são classificados em: de uso

comum do povo, de uso especial e dominiais. Os primeiros se caracterizam pela serventia

pública e são destinados, indistintamente, ao uso de todos. Os segundos são destinados à

realização da atividade pública ou ao estabelecimento das repartições públicas que colocam

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 837. 5 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 273 e 276.

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um serviço público à disposição da população. Os terceiros são os próprios que compõem o

patrimônio do Estado e não são aplicados nem ao uso comum, nem ao uso especial.6

Quanto à sua natureza física, os bens públicos se classificam em: bens do domínio

hídrico e bens do domínio terrestre. Os bens do domínio hídrico compreendem as águas

doces e salgadas correntes, como os mares, rios e riachos, as águas dormentes, como os

lagos, lagoas e açudes, e os potenciais de energia hidráulica.7

Como recurso ambiental e elemento do meio ambiente, conforme previsto no inciso

V do artigo 3º da Lei federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, a água deve ser considerada

como um bem público do domínio hídrico, de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, a fim de ser preservada e conservada para as gerações presentes e

futuras. E como bem de domínio público, a água se caracteriza por ser inalienável. Ao se

considerar a água como bem de uso comum do povo, enumeram-se algumas conseqüências

dessa conceituação:

[...] o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não pode significar a poluição ou a agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado e a concessão ou a autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público.8

Quanto à titularidade, existem os bens públicos federais, estaduais e municipais. A

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, inciso III, dispõe que os lagos, rios e

quaisquer correntes de água em terrenos de domínio da Nação ou que banhem mais de um

Estado são considerados bens da União. O inciso I do seu artigo 26 inclui entre os bens dos

Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósitos, salvo

as decorrentes de obras da União.

Em princípio, “os bens situados dentro dos limites de um Município e que não

pertencem à União e ao Estado, são bens municipais, como as ruas, praças, jardins, edifícios

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Op.cit., p. 838. 7 Ibidem, p. 842-843. 8 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 352.

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de repartições e órgãos municipais”9. Em edição anterior de sua obra Direito Ambiental

Brasileiro, Paulo Affonso Leme Machado considera a existência de águas municipais, na

hipótese de uma corrente de água nascer em um Município e ter a sua foz, junto ao mar, no

território do mesmo Município.10 Por outro lado,

[...] A respeito do domínio hídrico municipal cabe observar que, por estarem os Municípios excluídos da partilha hídrica, só se caracterizarão como águas públicas municipais as que forem captadas, canalizadas e depositadas para atender a um interesse público local, mais precisamente, a fins urbanísticos, e a serviços públicos de interesse local (art. 30, V, da Constituição). Os Municípios não têm constitucionalmente partilhados rios, nem lagos, nem lagoas, mas podem ter sob seu domínio hídrico canais, dutos, reservatórios, lagos artificiais e açudes que venham a construir ou tenham construído, com as finalidades mencionadas.11

Os Municípios têm competência executiva comum à União, Estados e Distrito

Federal de proteção do meio ambiente, ditada pelo artigo 23, inciso VI, da Constituição

Federal. Apesar da competência privativa da União de legislar sobre águas, de acordo com o

inciso IV do artigo 22 da Carta Magna, os Municípios têm competência legislativa sobre

assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e a estadual, conforme

incisos I e II do artigo 30, também da Carta Magna. Desta forma, “o Município não pode

legislar sobre águas, mas pode, e deve, aplicar a legislação federal de águas no

ordenamento do território municipal”, além de poder estabelecer regras sobre a sua utilização

ou medidas para a sua proteção.12

Paulo de Bessa Antunes e Celso Antônio Pacheco Fiorillo referem-se ao mesmo

tema. Nesse sentido,

Está claro que o meio ambiente está incluído dentre o conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema.

9 MEDAUAR, Odete. Op.cit., p. 277. 10 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

p. 329. 11 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral,

parte especial. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 364. 12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op.cit., 7. ed., p. 303.

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É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, [...]13.

Além disso, a competência concorrente dos Estados e supletiva dos Municípios revela-se importante, porquanto aqueles e estes, em especial estes, encontram-se mais atentos e próximos aos interesses e peculiaridades de uma determinada região, estando mais aptos a efetivar a proteção ambiental reclamada pelo Texto Constitucional14.

Hely Lopes Meirelles se manifesta com relação à proteção das águas pelos

Municípios. Nessa linha de entendimento,

[...] Cabe, assim, ao Município, dentro de seu território e nos limites de sua competência institucional, policiar as águas que abastecem a cidade para uso doméstico e as demais cujo uso possa propiciar contaminação à população (águas de irrigação, águas de piscinas públicas, águas das praias), não só tratando aquelas e estas, como protegendo os mananciais contra a poluição, geralmente produzida por efluentes de esgotos urbanos e resíduos de indústrias lançados ‘in natura’ e clandestinamente nos rios e lagos de suas proximidades15.

Portanto, os Municípios podem exercer o poder de polícia para evitar a degradação

das águas em benefício da coletividade, em virtude de que dispõem de competência

legislativa em matéria relacionada a assuntos de interesse local. Além disso, tem a

competência comum com os demais entes da Federação de proteção ao meio ambiente.16

2 O SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

A Constituição Federal estabelece os objetivos fundamentais do Estado. O artigo 3º,

inciso IV, assim dispõe:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É finalidade do Estado a promoção do bem comum das pessoas que vivem em

sociedades, para que tenham uma vida humana digna, sem distinções ou preconceitos, e 13 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 90.

14 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

p. 78. 15 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 470.

16 BRUNONI, Nivaldo. A Tutela das Águas pelo Município. In: FREITAS, Vladimir Passos de. Águas: aspectos

jurídicos e ambientais. Curitiba: Juruá, 2000. p. 95.

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suas exigências básicas respeitadas, proporcionando as condições necessárias ao convívio

social e os benefícios específicos a regiões ou grupos internos ao próprio Estado, como os

Municípios, com eficácia e justiça, através de instrumentos aptos a atingir seus fins. De

acordo com o disposto no mencionado artigo da Constituição Federal,

[...] a razão de ser do Estado é a realização integral da Pessoa Humana. [...] O que o Estado pode e, mais, deve fazer é proporcionar às Pessoas condições (meios, oportunidades, recursos...) para que elas próprias desenvolvam integralmente suas personalidades. O conjunto dessas condições que o Estado deve proporcionar às pessoas para que elas próprias se realizem é designado pelo termo bem comum. Em resumo: a finalidade do Estado é servir à Pessoa, isto é, voltar-se totalmente (absolutamente) à realização de sua dignidade e de seus direitos fundamentais (fim último ou mediato), proporcionando as condições sociais necessárias - o bem comum (fim próximo ou imediato)17.

Para que sejam atingidos os objetivos de uma sociedade, “é preciso muito mais do

que a simples reunião de pessoas, num certo lugar e em determinado momento, [...].

Relativamente à sociedade humana é preciso ter-se em conta que sua finalidade, o bem

comum, é um objetivo permanente, pois em cada momento e em cada lugar surgem novos

fatores que influem na própria noção de bem comum”18.

O Estado tem um fim geral, que é a busca do bem comum de uma sociedade,

através de condições genéricas que atendam indistintamente a todos os membros da

comunidade, constituindo-se em meio para que as pessoas possam atingir seus fins

particulares. Para a execução desse objetivo geral, é preciso identificar as necessidades

preponderantes do povo, as quais devem ser atendidas de acordo com os meios à

disposição do Estado, além de conciliar as necessidades particulares dos indivíduos com as

da coletividade. Por isso, a finalidade do Estado de realização do bem comum relaciona-se

com a idéia de serviço público para que haja a satisfação concreta e justa das necessidades

coletivas.

À medida que a vida social foi se tornando mais complexa, pela evolução das

comunidades, surgiram os serviços públicos. As primeiras noções de serviço público

formaram-se na França com a chamada Escola do Serviço Público, defendida por Duguit e

17 SOUZA JÚNIOR, Cezar Saldanha. A Crise da Democracia no Brasil: aspectos políticos. Rio de Janeiro:

Forense, 1978. p. 19. 18 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 25-

26.

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Bonnard, que teve sua importância pelo fato de o Estado assumir vários encargos que eram

atribuídos aos particulares, sendo o serviço público considerado como atividade em sentido

amplo, abrangendo todas as suas funções, sem distinção de regime jurídico a que se sujeita

essa atividade. Já Jèze, outro defensor dessa Escola, considerava o serviço público como

atividade em sentido estrito, abrangendo a atividade material exercida pelo Estado para

satisfação das necessidades coletivas, submetida a regime de direito público.19

Essas noções adotavam três elementos para a definição de serviço público. O

elemento subjetivo considerava a pessoa jurídica prestadora da atividade, isto é, o Estado

era o prestador do serviço público; o material considerava a atividade exercida, ou seja, o

serviço público era a atividade que tinha por objeto a satisfação das necessidades coletivas;

e, o formal considerava o regime jurídico adotado, o que quer dizer que o serviço público era

aquele exercido sob o regime de direito público.20

Atualmente, esses elementos sofreram algumas modificações. O Estado ampliou o

seu rol de atividades, passando a exercer determinadas atividades comerciais e industriais

que antes eram reservadas à iniciativa privada, e, conseqüentemente, delegou a sua

execução a particulares, através de concessão de serviços públicos, pois não dispunha de

meios adequados e especializados para a realização desse tipo de atividade. O Estado não é

mais a única pessoa jurídica que presta serviço público; o particular também pode prestá-lo,

desde que por delegação do Poder Público.21

Muitos doutrinadores definem o que seja serviço público. Celso Antônio Bandeira de

Mello entende que

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo22.

19 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 48. 20 Ibidem, p. 97.

21 Ibidem, p. 98. 22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Op.cit., p. 628.

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Hely Lopes Meirelles conceitua serviço público como sendo “todo aquele prestado

pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer

necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do

Estado”. Para ele, não se pode indicar as atividades que constituem serviço público, porque

estas variam de acordo com as exigências de cada povo e de cada época.23

Como leciona Celso Ribeiro Bastos, os serviços públicos consistem no conjunto de

atividades que a Administração Pública presta visando o atendimento de necessidades

coletivas que surgem em decorrência da vida social, embora também atendam interesses

individuais. Em continuidade aos ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos,

[...] algumas atividades têm que ser prestadas pelo Poder Público, porque somente este tem condições de, monopolizando-as, satisfazer por inteiro as demandas necessárias. [...] Acontece, entretanto, que o serviço público não se cifrou nestas atividades que têm necessariamente a predisposição para adaptarem-se à prestação monopolista do Estado. [...] o serviço público visa a atender necessidades materiais, consubstanciadas em comodidades ou serviços postos à disposição dos usuários que podem fazer uso dele na qualidade individual de cidadão, ou como membro da coletividade, [...]. Mas, inequivocadamente, mesmo que seja o indivíduo que dela se beneficie, sempre fica presente a nota caracterizadora do serviço público: o atendimento de uma necessidade coletiva. Entendendo-se por necessidade coletiva aquela que é genérica, ampla, pertinente, portanto, ao povo, que emerge da convivência em sociedade. Portanto, serviço público não é só aquele que atende à somatória dos interesses particulares; é na verdade o resultante do atendimento de um interesse que, embora possa ter fruído individualmente, transcende à satisfação individual porque brota realmente da vida em coletividade24.

Assim, chega-se a um consenso quanto à sua definição. Serviço público é toda a

atividade exercida pelo Estado, direta ou indiretamente, por meio de seus delegados,

mediante normas de Direito Público, para o atendimento dos interesses e necessidades

essenciais da coletividade, bem como para a satisfação de utilidades e conveniências,

podendo ser usufruídas individualmente pelos seus usuários.

Pode-se dizer que a identificação de uma determinada atividade como serviço

público está no seu regime jurídico. Definida como serviço público, tal atividade passa a ser

desenvolvida sob um regime jurídico total ou parcialmente de direito público e, portanto,

23 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p.

320. 24 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 254-256.

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diferente daquele que rege o exercício das atividades econômicas. O regime de direito

público é ínsito à natureza do serviço público, mesmo quando sua execução é delegada a

particulares.

Hely Lopes Meirelles classifica os serviços públicos, levando em conta a

essencialidade, como públicos propriamente ditos e de utilidade pública. Os serviços públicos

propriamente ditos visam a satisfação das necessidades gerais e essenciais da coletividade

e são prestados diretamente pelo Poder Público, sem delegação a terceiros. Os serviços de

utilidade pública têm a finalidade de facilitar a vida dos membros da coletividade, pondo à

sua disposição utilidades que proporcionem bem-estar e atendam as conveniências de seus

membros individualmente, e são prestados diretamente pelo Poder Público ou por intermédio

de terceiros, sob seu controle.25

Outro critério utilizado para a classificação dos serviços públicos é a sua destinação,

podendo ser uti universi e uti singuli. Serviços uti universi são aqueles que a Administração

presta sem ter usuários definidos, para atender à coletividade no seu todo, satisfazendo a

população indiscriminadamente, assim como os de polícia e iluminação pública, enquanto

que serviços uti singuli são os que têm usuários determinados e são sempre de utilização

individual, facultativa e mensurável por cada destinatário, como telefone, água e energia

elétrica.26 No mesmo sentido, os serviços públicos são atividades que propiciam diretamente

benefícios, abrangendo prestações específicas a determinados indivíduos, como água,

telefone, e prestações genéricas, como iluminação pública, limpeza de ruas.27

Os serviços públicos podem ser prestados de forma direta, por meio dos órgãos da

Administração Pública centralizada, ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão,

ou de pessoas jurídicas criadas pelo Estado para essa finalidade28, isto é, mediante

organismos administrativos descentralizados, alheios à Administração central, mas com esta

vinculada através de controle administrativo. Dispõe o caput do artigo 175 da Constituição

Federal:

25 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Op.cit., p. 321-322. 26 Ibidem, p. 323.

27 MEDAUAR, Odete. Op.cit., p. 369.

28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op.cit., p. 100.

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Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. [...]

Na prestação de serviços públicos de forma indireta, o Poder Público descentraliza

suas atividades, distribuindo competências para outra pessoa, física ou jurídica, através da

outorga de capacidade, com a real transferência de encargos e com o intuito de desonerar a

Administração central de suas funções. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello,

seja qual for o motivo determinante da descentralização: imprimir maior eficiência técnica, lograr celeridade nos serviços, promover atuação mais racional e menos dispendiosa, geri-los superiormente e de forma democrática, atribuindo sua gestão aos próprios destinatários da ação administrativa, em qualquer hipótese, o que a Administração Pública realiza através dela é o efetivo descongestionamento de funções que lhe cabem, na suposição de que este é procedimento hábil para colimar os fins acenados”29.

O Estado, para a prestação indireta, pode constituir pessoas jurídicas de direito

público, isto é, autarquias e fundações públicas, ou de direito privado, como as sociedades

de economia mista e as empresas públicas para, mediante lei, atribuir a tais entes a

prestação do serviço público, com a finalidade de atingir determinado interesse público.

Pode, ainda, delegar à iniciativa privada, mediante concessão ou permissão, a prestação do

serviço, continuando a Administração Pública a ser seu titular.

As pessoas jurídicas de direito público têm as mesmas prerrogativas e as mesmas

restrições que os órgãos da Administração direta. Essas se caracterizam por ter

personalidade própria, origem na vontade do Estado e finalidade não lucrativa, de interesse

coletivo, além de sujeitarem-se ao controle positivo do Estado e não poderem ser extintas

pela própria vontade.30

O Decreto-lei federal nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, dispõe sobre a organização

da Administração Federal. O seu artigo 4º, caput, reza:

29 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e Regime Jurídico das Autarquias. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1968. p. 68. 30 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op.cit., p. 362-363.

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Art. 4º. A Administração Federal compreende: I - a Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; II - a Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) Fundação Públicas.

O artigo 5º da mesma norma considera a Autarquia como sendo “o serviço

autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para

executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor

funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”, e apenas ela como

entidade que presta serviço público típico do Estado.

José Cretella Júnior ensina que autarquia é “a pessoa jurídica de direito público

interno criada por lei da União, do Estado ou do Município para a consecução de

determinados serviços públicos específicos, delegados pelo Estado, com capacidade de

auto-governar-se e com orçamento próprio, sujeita à tutela da entidade criadora”. É pessoa

jurídica de direito público, primeiro porque suas finalidades são os fins do Estado; depois

pelo ato que as cria e as institui e pela delegação de funções que as caracteriza.31

De acordo com o artigo 247, §§ 1º e 2º, da Constituição do Estado do Rio Grande do

Sul e com o artigo 224 da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, o serviço público de

abastecimento de água está inserido na definição de saneamento, que compreende a

captação, o tratamento e a distribuição de água potável, a coleta, o tratamento e a disposição

de esgotos cloacais e do lixo, e a drenagem urbana. É serviço público essencial, que se

constitui em uma das condições necessárias ao bem comum da sociedade.

O serviço de abastecimento de água possui uma natureza mista. Por um lado,

caracteriza-se por ser essencial à sociedade e aos indivíduos que a compõe, dando-lhe uma

nota de compulsoriedade na sua utilização, como medida de saneamento e preservação da

saúde coletiva. No entanto, pode ser reconhecido o seu caráter de utilidade e conveniência

ao usuário, pois atende diretamente ao cidadão e reflexamente à comunidade, visando

31 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 44-

45.

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14

facilitar a vida dos indivíduos que compõem a coletividade, estando à sua disposição

utilidades que lhe proporcionarão mais conforto e bem-estar. Ainda, é inegável o seu caráter

industrial e comercial, uma vez que, por sua própria natureza, produz renda para quem o

presta, mediante remuneração da utilidade usada ou consumida, seja por taxa ou por tarifa,

porque a sua prestação envolve custos de produção e estrutura especializada.

A água, como um bem do domínio público, deve ser administrada pelo próprio ente

público a quem a Constituição Federal legitimou competência para administrá-la. Prevê a

Carta Magna, em seu artigo 30, inciso V, que compete aos Municípios, diretamente ou

através de regime de concessão ou permissão, a organização e a prestação dos serviços

públicos de interesse local.

Seguindo a mesma orientação, a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre

estabelece as competências municipais privativas. Dispõe o inciso III do artigo 8º:

Art. 8º. Ao Município compete, privativamente: [...] III - organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, os serviços públicos de interesse local e os que possuem caráter essencial, bem como dispor sobre eles; [...]

A prestação dos serviços públicos relativos à água, sobretudo a sua distribuição,

saneamento básico, vigilância sanitária, os quais estão associados à saúde humana e à

preservação e proteção do meio ambiente, é competência dos Municípios. Isto ocorre por ser

o serviço de abastecimento de água, predominantemente, de interesse local.

No que diz respeito ao consumo de água fornecida pelo ente público ou pelo

prestador de serviço público terceirizado, há, inegavelmente, um controle sobre a saúde

coletiva da população beneficiada com a rede pública. A qualidade da água destinada ao

consumo humano guarda relação direta com a saúde e com a vida, sendo comuns os casos

de doenças e mortes em decorrência da falta de água ou do uso de água poluída. Se o

controle de qualidade da água é feito na base de distribuição da água que chega a todas as

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15

economias alcançadas pela rede pública, torna-se possível evitar um grande número de

doenças.32

O serviço de abastecimento de água no Município de Porto Alegre é realizado pelo

Departamento Municipal de Água e Esgotos - DMAE, que é uma autarquia municipal, criada

pela Lei nº 2.312, de 15 de dezembro de 1961, pessoa jurídica de direito público, integrante

da administração descentralizada, com capacidade determinada por lei, dotada de patrimônio

e recursos próprios, e com competências específicas. Rezam os artigos 2º e 3º da referida

Lei:

Art. 2º. O D.M.A.E. tem autonomia administrativa, financeira e contábil, além de personalidade jurídica própria, e funciona dentro dos limites que lhe são traçados por esta lei.

Art. 3º. Compete ao D.M.A.E.: a) planejar, executar e fiscalizar todas as atividades concernentes à construção, melhoramento, ampliação, exploração e conservação dos serviços de água e esgoto; b) administrar seus bens, efetuar desapropriações mediante prévia declaração de utilidade pública e alienar materiais inutilizados ou inaproveitáveis através de concorrência pública; c) defender os cursos de água do Município contra poluição; d) exercer quaisquer outras atividades compatíveis com as leis e tendentes ao desenvolvimento dos sistemas de esgoto e abastecimento de água.

O DMAE é o órgão responsável pela prestação, fiscalização e manutenção dos

serviços públicos de saneamento ambiental, pela captação, tratamento e distribuição de

água, bem como pela coleta e tratamento do esgoto sanitário no Município de Porto Alegre.

O abastecimento de água potável é constituído pelas atividades, infra-estrutura e instalações

necessárias ao abastecimento público, desde a captação até as ligações prediais e os

respectivos instrumentos de medição.

3 A REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Como outras entidades estatais, o Município necessita de recursos financeiros para a

execução de obras e a prestação de serviços públicos. Tais recursos são obtidos através da

instituição de tributos ou pela exploração de bens ou serviços, mediante o pagamento de

preços. As rendas municipais são constituídas somente pelos recursos financeiros advindos

32 VIEGAS, Eduardo Coral. Visão Jurídica da Água. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 117-118.

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do seu poder impositivo, isto é, pelos tributos, ou da utilização de seus bens e serviços

remunerada pelos usuários, através de preços.33

Os tributos são imposições legais e compulsórias da Administração para auferir

recursos financeiros. Conforme o artigo 5º do Código Tributário Nacional, “os tributos são

impostos, taxas e contribuições de melhoria”. A Constituição Federal determina a instituição

dos tributos, dispondo em seu artigo 145:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

Dentre os tributos, as taxas são a espécie própria para a remuneração de serviços

públicos prestados à coletividade. Os artigos 77 e 79 do Código Tributário Nacional dispõem:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se: I - utilizados pelo contribuinte: a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título; b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento; II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas; III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

Necessariamente, é a utilização efetiva ou potencial do serviço que gera a

remuneração através de taxas, sendo irrelevante que o contribuinte usufrua efetivamente do

serviço prestado, bastando que possa fazê-lo, desde que seja de utilização compulsória, pois

os serviços de fruição facultativa são remunerados por tarifas. É requisito essencial para a

instituição de taxa a existência do serviço público e que este esteja em condições de ser

usufruído por seus destinatários, mesmo que não seja utilizado de forma efetiva. Deve-se

33 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. Op.cit., p. 150.

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17

entender por específicos os serviços destinados a determinadas categorias de usuários e por

divisíveis os serviços uti singuli, ou seja, aqueles de utilização individual e mensurável,

separadamente, por parte de cada um de seus usuários.34

Para Roque Antônio Carrazza, a lei pode e deve obrigar os administrados a fruírem,

dentre outros, dos serviços públicos de coleta de esgotos, de coleta domiciliar de lixo, de

fornecimento domiciliar de água potável. Isso, porque está em jogo a saúde pública, que é

um dos valores prestigiados pela Constituição Federal.35

Os preços são pagamentos feitos pelos usuários ao Poder Público quando facultativa

e espontaneamente adquirem bens, auferem vantagens ou utilizam serviços públicos ou de

utilidade pública. Os bens ou serviços são remunerados de acordo com a tarifa fixada pela

Administração ou pelo valor disputado em livre concorrência entre os interessados na

aquisição dos bens públicos ou na fruição de certas utilidades, sem prévia fixação legal

estatal. A tarifa é o preço público que a Administração fixa, prévia e unilateralmente, por ato

do Poder Executivo, para a remuneração de atividades de natureza econômica, utilidades e

serviços industriais, em caráter facultativo para os usuários, beneficiando e onerando

somente aqueles que efetivamente utilizam tais serviços.36

Várias teorias foram formuladas, ao longo do tempo, para estabelecer critérios para a

distinção entre as taxas e os preços públicos. Pela teoria da natureza da atividade estatal, o

preço público era caracterizado pela natureza do serviço estatal dispensado ao particular.

Pela teoria da índole da entidade estatal que oferece o serviço, se este fosse oferecido por

empresa pública, a remuneração se daria por preço público; se oferecido pelo próprio Poder

Público, a remuneração se daria sob a forma de taxa. Outra teoria é a do interesse

predominante da atividade estatal, pela qual o preço público estaria ligado a uma atividade

cujo interesse predominante é particular, enquanto que a taxa estaria ligada à predominância

do interesse público. A teoria das funções do Estado baseia-se nos tipos de atividades

exercidas pelo Estado. Na teoria do papel desempenhado pela vontade humana, o essencial

34 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. Op.cit., p. 156-157. 35 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2001. p. 453. 36 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. Op.cit., p. 152 e 161-163.

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18

é o exame da relação jurídica que se estabelece entre o Estado e o particular no momento

da exigência da taxa ou do preço público.37

É importante, também, saber qual o regime jurídico adotado pelo legislador para o

custeio da atividade estatal, pois uma mesma atividade pode ser remunerada tanto por preço

público como por tributo. O exame da lei ordinária é que determinará se a remuneração será

por preço público ou por taxa.38

Então, outro aspecto a se considerar é o de que a Constituição Federal, em seu

artigo 175, dispôs que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o

regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação dos serviços

públicos”. Tal norma regula tanto os serviços públicos prestados diretamente pelo Poder

Público quanto os serviços concedidos, consagrando a possibilidade de opção sobre o

regime jurídico a ser adotado pelo legislador, além de que o inciso III do parágrafo único do

mencionado artigo 175 estabelece que a lei reguladora do serviço público prestado trate da

política tarifária, permitindo a escolha da forma de remuneração, se por meio de taxas ou de

preços públicos. Sacha Calmon Navarro Coêlho, defendendo a possibilidade de opção sobre

o regime jurídico a ser adotado pelo legislador, explana que

[...] A realidade está em que os serviços públicos de utilidade, específicos e divisíveis, podem ser remunerados por preços (regime contratual) ou por taxas (regime de Direito Público). O dilema resolve-se pela opção do legislador. Se escolher o regime tributário das taxas, ganha a compulsoriedade do tributo, inclusive pela mera disponibilidade do serviço, se prevista a sua utilização compulsória (CTN, art. 79, I, b), mas fica manietado pelas regras de contenção do poder de tributar. A fixação e o aumento da taxa só podem ser feitos por lei e só têm eficácia para o ano seguinte. Se escolher o regime contratual, perde a compulsoriedade da paga pela mera disponibilidade do serviço, mas ganha elasticidade e imediatez na fixação das tarifas, sistema aceito previamente pelo usuário ao subscrever o contrato de adesão, liberando, assim, o controle congressual e a incidência das regras constitucionais de contenção ao poder de tributar. Ao jurista, cujo objeto primordial é o Direito posto, cabe distinguir a taxa do preço exatamente pelo regime jurídico de cada qual.[...]39

As taxas só podem ser criadas e aumentadas por lei, e arrecadadas se esta lei

estiver em vigor antes do início do exercício financeiro em que devam ser recolhidas. As

37 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Prática das Taxas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p.

97-98. 38 Ibidem, p. 103. 39 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Serviços Públicos e Tributação. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).

Serviços Públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2005. p. 251-252.

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tarifas, que não estão sujeitas a essas exigências, podem ser fixadas e alteradas por decreto

do Poder Executivo, em qualquer época do ano, inclusive dentro do mesmo exercício

financeiro, mas vinculadas às normas legais regulamentares específicas do órgão público,

que disciplinam a execução e a remuneração do serviço.40

Enquanto a taxa é obrigatória para os contribuintes, por ser uma imposição legal, a

tarifa é facultativa para os usuários, sendo um preço tabelado pela Administração.41 Observe-

se, no mesmo sentido, a Súmula nº 545 do Supremo Tribunal Federal:

Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.

Celso Ribeiro Bastos caracteriza a taxa e a tarifa. Para ele,

Taxa é uma modalidade tributária, conseqüentemente, submetida às prerrogativas e às restrições que são próprias dos tributos. Só pode ser utilizada quando o Poder Público exerce o poder de polícia ou quando presta ao contribuinte um serviço público específico e divisível ou, ao menos, o coloca à sua disposição. Daí se segue que pode haver cobrança de taxa sem fruição efetiva do serviço. É o que a Constituição chama de “utilização potencial” (art. 145, II). O preço público ou tarifa, por sua vez, é toda cobrança de um serviço efetivamente prestado, portanto fruído pelo particular que o contratou por um ato de vontade. Não pode haver, em conseqüência, preços públicos obrigatórios, é dizer, advindos de qualquer fator ou de qualquer consumo de serviços que não sejam decorrentes de uma manifestação voluntária do usuário. Não há possibilidade, pois, de cobrança de preço por serviço público potencial. A mera colocação em disponibilidade por ato de iniciativa do Poder Público não gera o direito da cobrança de tarifa. Se, contudo, o particular solicita o serviço, ingressa na relação jurídica, ainda que não venha a consumir propriamente a utilidade posta à sua disposição, é óbvio que a mera instalação do serviço já pode gerar o direito à cobrança de uma tarifa correspondente e compatível42. [...]

Na realidade, pode-se dizer que facultativo é o serviço público, porém sua

contraprestação é obrigatória. A tarifa se caracteriza por ser remuneração de serviço público

utilizado de forma concreta, ou seja, é preciso que os usuários usufruam efetivamente de tal

serviço. A mera colocação do serviço em disponibilidade não gera a cobrança de tarifas, mas

se o usuário vier a fazer uso deste serviço, é gerado o direito de cobrar a tarifa

correspondente. 40 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. Op.cit., p. 158.

41 Ibidem, p. 162. 42 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Celso

Bastos Editor, 2002. p.97.

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20

Hugo de Brito Machado ensina que a compulsoriedade está sempre presente em

relação à taxa e ausente em relação ao preço, que é facultativo. Remunera-se por taxa as

atividades privativas, próprias, do Estado e por preço público o serviço não especificamente

estatal, ou seja, atividades de natureza comercial ou industrial. Admite, também, que a lei

estabeleça a distinção entre a taxa e o preço. Se a lei denominou a receita como taxa,

vinculou-a ao regime tributário, ficando sujeita aos princípios constitucionais da tributação,

como o da legalidade e o da anterioridade da lei ao exercício financeiro da sua cobrança.

Desta forma,

a) se a atividade estatal situa-se no terreno próprio, específico, do Estado, a receita que a ela se liga é uma taxa; b) se a atividade estatal situa-se no âmbito privado, a receita a ela vinculada deve ser um preço; c) havendo dúvida, pode a lei definir a receita como taxa ou como preço43.

Para Sacha Calmon Navarro Coêlho, a vontade do contribuinte é irrelevante, pois

todo o tributo surge da lei, e qualquer contribuinte pode abster-se de praticar seu fato

gerador. As taxas devidas pela prestação de serviços públicos de utilidades, tais como a

coleta de lixo e o fornecimento de água, podem ser cobradas por estarem esses serviços à

disposição do contribuinte, desde que a lei os declare de utilização compulsória. Quanto à

adoção do regime jurídico tributário,

[...] embora menos elástico e sob certos aspectos desvantajosos, porquanto aumentos reais teriam que ser autorizados pelo Legislativo (legalidade) e cobrados somente no ano seguinte (anterioridade), teria a compulsoriedade típica dos tributos (1ª vantagem) e a possibilidade de cobrar um mínimo inarredável de cada morador servido por rede pública de água através da mera disponibilidade do serviço (2ª vantagem). Na prática, universalização dos pagamentos. Os serviços públicos coletivos (em tese energia, água e esgoto, telefonia, transporte) se prestam a ser cobrados tributariamente, quando adotado o regime jurídico das taxas, pela mera disponibilidade do serviço, desde que regular e em funcionamento. [...]44

Para fins de remuneração, pode-se caracterizar o serviço de abastecimento de água

como específico e divisível, pois cada imóvel possui sua ligação à rede pública. Cabe

mencionar que a rede pública de abastecimento de água e coleta de esgoto está à

disposição, porém a ligação de água ou esgoto depende da iniciativa do usuário, que se

43 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 427-428. 44 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. 9. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005. p. 154 e 156-157.

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dirige ao órgão competente e solicita a ligação para o seu imóvel, depreendendo-se

claramente a existência de um elemento volitivo sem o qual não se consuma a prestação do

serviço.

Daí, decorre o caráter facultativo do serviço de abastecimento de água, não se

podendo afirmar que o serviço está à disposição pelo simples fato de haver rede pública no

local, ou seja, para que se caracterize o serviço à disposição deve haver o imóvel fruindo de

água encanada e coleta de esgoto. Enquanto não há ligação do ramal domiciliar à rede

pública não há prestação do serviço, nem efetiva, nem potencial.45

A remuneração do serviço de abastecimento de água poderá ser feita por taxas ou

por tarifas, dependendo das peculiaridades do serviço em cada Município. Leciona Hely

Lopes Meirelles que

A remuneração dos serviços de água e esgotos normalmente é feita por taxa, em face da obrigatoriedade da ligação domiciliar à rede pública. Tem-se insistido na remuneração por tarifa, com a colocação de medidor (hidrômetro), mas isto só será possível se se cobrar separadamente a taxa de esgoto e a tarifa de água, aquela compulsória e esta facultativa, segundo o consumo do usuário. O só fato de se estabelecer uma taxa medida não a descaracteriza como tributo, transformando-a em preço, pois persistirão ainda a compulsoriedade da ligação e o consumo mínimo tipificando a taxa. [...] Dificilmente se poderá cobrar o serviço de água mediante tarifa, porque sua ligação domiciliar é de interesse sanitário e por isso deve ser compulsória para todos os moradores da cidade. Ora, como uma das características da tarifa (preço público) é a facultatividade na utilização do serviço, torna-se incompatível a liberdade de seu pagamento com a obrigatoriedade da sua utilização. Somente nas cidades em que seja facultativa a ligação domiciliar de água à rede urbana - o que não é aconselhável - poder-se-á adotar a remuneração por tarifa46.

Hugo de Brito Machado também se manifesta sobre a remuneração do serviço em

questão. Diz ele que

[...] Se há norma proibindo o atendimento da necessidade de água e de esgoto por outro meio que não seja o serviço público, a remuneração correspondente é taxa. Se a ordem jurídica não proíbe o fornecimento de água em pipas, nem o uso de fossas, nem o transporte de dejetos em veículos de empresas especializadas, nem o depósito destes em locais para esse fim destinados pelo Poder Público, ou adequadamente construídos pela iniciativa privada, então a remuneração cobrada

45 SILVA, Carla Adriana Basseto da. A Natureza Jurídica da Remuneração dos Serviços Públicos de

Abastecimento de Água e Coleta de Esgoto-Taxa ou Preço Público? Disponível em <http://semasa.sp.gov.br/Documentos/ASSEMAE/Trab_50/pdf>. Acesso em: 09 set. 2006. 46 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. Op.cit., p. 420.

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pelo serviço público de fornecimento de água e esgoto é preço público. Se, pelo contrário, existem tais proibições, de sorte a tornar o serviço público o único meio de que se dispõe para o atendimento da necessidade de água e esgoto, então a remuneração respectiva será taxa.[...]47

No Município de Porto Alegre, o usuário remunera o serviço de saneamento básico,

isto é, o custo do serviço de captação, do tratamento e da distribuição da água, sendo seu

valor correspondente ao consumo de água durante determinado período e mensurado

através do hidrômetro. A Lei Complementar nº 170, de 31 de dezembro de 1987, da

Prefeitura Municipal de Porto Alegre, que estabelece as normas para instalações

hidrossanitárias e serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário

prestados pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos, em seu artigo 34, caput,

alterado pela Lei Complementar nº 206, de 28 de dezembro de 1989, trata da forma de

remuneração desses serviços:

Art. 34. A prestação dos serviços de distribuição de água e captação de esgotos sanitários serão remunerados sob a forma de tarifa, de modo que atenda aos custos de operação, manutenção e expansão do sistema de abastecimento de água e remoção de esgotos de Porto Alegre. [...]

A remuneração sob a forma de tarifas segue o regime jurídico escolhido pelo Poder

Público Municipal. Isto, conforme estabelecido no artigo 175, parágrafo único, inciso III, da

Constituição Federal, observando-se a competência dos Municípios, atribuída pelo artigo 30,

incisos I e V, também da Carta Magna.

O Município pode obter a remuneração dos seus serviços por tarifas quando presta

atividades próprias, facultativas, individualizáveis e de natureza econômica. No caso do

serviço de abastecimento de água, essa receita caracteriza-se como preço público,

justamente porque proveniente da prestação de um serviço de natureza comercial e

industrial.

Pode-se verificar a inexistência de compulsoriedade quanto à utilização do serviço

disponibilizado pelo Município de Porto Alegre. Como dispõe o caput do artigo 35 da Lei

Complementar nº 170, de 31 de dezembro de 1987, “as tarifas de água e esgoto incidirão

47 MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit., p. 429-430.

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23

sobre toda a economia predial ligada à rede pública”, o que demonstra a exigência de

remuneração somente quando há a ligação domiciliar à rede pública.

4 A TARIFA DO SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO MUNICÍPIO DE

PORTO ALEGRE

Os recursos destinados à construção e manutenção de uma rede pública de

abastecimento de água são dinheiro proveniente de toda a população. Além disso, os

recursos são limitados, enquanto que as necessidades são infinitas, pelo que o desperdício

de dinheiro público pode comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos, que são

tipicamente coletivos. Tendo-se em vista que o custo da implantação de rede pública de

fornecimento de água é extremamente elevado, tanto que a sua falta é constante em muitas

localidades habitadas, e que a sua manutenção somente é viável se houver consumo de

água tratada por aqueles que a tem à sua disposição, é prudente que a lei estabeleça esse

uso como uma imposição coletiva, para beneficiar o próprio usuário.48

Os valores cobrados para a remuneração dos serviços públicos de saneamento

básico devem ser administrados de modo a atender às exigências e à capacidade econômica

de seus usuários. Será em razão de sua observância que se proporcionará o mais amplo

acesso ao serviço a todos que dele tenham necessidade.

Na medida em que se trata de atividades desenvolvidas para atender necessidades

coletivas essenciais, as tarifas cobradas devem ser módicas, pois o atendimento dessas

necessidades deve implicar o mínimo sacrifício para seus usuários. A tarifa cobrada dos

usuários pela utilização do serviço público deve ser a menor possível para a adequada

remuneração do ente público, estipulada pela determinação da intensidade de fruição que o

usuário faz do serviço, mas suficiente para os objetivos pretendidos pelo Poder Público,

sendo fixado um valor mínimo para cobrir integralmente os custos e para possibilitar a sua

manutenção, melhoramento e expansão, garantindo o equilíbrio econômico-financeiro do

órgão prestador do serviço público.49

48 VIEGAS, Eduardo Coral. Op.cit., p. 119.

49 MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro. Op.cit., p. 163.

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A Lei federal nº 6.528, de 11 de maio de 1978, estabelece regras para a fixação de

tarifas. Assim, rege o seu artigo 4º:

Art. 4º. A fixação tarifária levará em conta a viabilidade do equilíbrio econômico-financeiro das companhias estaduais de saneamento básico e a preservação dos aspectos sociais dos respectivos serviços, de forma a assegurar o adequado atendimento dos usuários de menor consumo, com base em tarifa mínima.

Pode ser cobrada uma tarifa mínima de água, quando o usuário solicita, por ato

voluntário, a ligação do ramal predial de sua residência à rede pública de abastecimento de

água. Neste caso, ser-lhe-á imputada uma parcela dos custos do serviço a ser usufruído,

pois, havendo ou não consumo real, a água estará sendo mantida nos reservatórios,

mediante tratamento adequado, gerando custos de forma permanente.

O caput do artigo 34 da Lei Complementar nº 170, de 31 de dezembro de 1987, do

Município de Porto Alegre, trata da remuneração dos serviços sob a forma de tarifa. O

parágrafo único do mencionado artigo, acrescentado pela Lei Complementar nº 180, de 18

de agosto de 1988, estabelece a cobrança de tarifa mínima para atender aos custos de

manutenção do serviço público:

Art. 34. [...] Parágrafo único. Em atendimento ao disposto no caput deste artigo, não será emitida conta de valor inferior àquele necessário para atender aos custos de manutenção dos serviços, até um máximo de 4m³, assim compostos: a) custo de processamento; b) custo de entrega; c) custo de leitura; d) custo de manutenção da rede; e) custo de reposição do hidrômetro.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do

Superior Tribunal de Justiça tem se mantido no sentido de que há legalidade na cobrança de

tarifa mínima de água, seja sua remuneração feita por meio de taxas ou de tarifas. É o que

se pode ver das decisões que seguem:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ABASTECIMENTO DE ÁGUA REALIZADO POR POÇO ARTESIANO. NÃO-OBRIGATORIEDADE DE UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DA REDE PÚBLICA. LEGALIDADE DE COBRANÇA DE “TARIFA MÍNIMAS” MESMO QUANDO NÃO UTILIZADO O SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA PRESTADO PELA CORSAN. MANUTENÇÃO DA REDE QUE É PÚBLICA. PRECEDENTES DESTA CORTE.

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25

Em que pese não ser ilegal a manutenção de poço artesiano no fornecimento de água, pois tal vedação não encontra paradigma no Código de Águas, a tarifa mínima é devida, modo manter o sistema que é público e não onerar indevidamente os demais usuários. A cobrança de que se fala, outrossim, tem fundamento legal no art. 4º da Lei Federal 6.528/78. Precedentes desta Corte. Apelo improvido.50

ADMINISTRATIVO. PREÇO PÚBLICO. DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA. TARIFA MÍNIMA. O preço público tem natureza diversa do preço privado, podendo servir para a implementação de políticas governamentais no âmbito social. Nesse regime, a tarifa mínima, a um tempo, favorece os usuários mais pobres, que podem consumir expressivo volume de água a preço menores, e garante a viabilidade econômico-financeira do sistema, pelo ingresso indiscriminado dessa receita prefixada, independentemente de o consumo ter, ou não, atingido o limite autorizado. Recurso especial não conhecido.51

Pode-se concluir que a tarifa mínima, prevista no artigo 4º da Lei federal nº 6.528, de

11 de maio de 1978, é devida como forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro

do sistema de abastecimento de água e para que o fornecimento de água potável possa

ocorrer no interesse da saúde pública, que está acima do interesse privado. De outro modo,

estar-se-ia prejudicando as camadas sociais mais pobres, em face de que tal serviço se

tornaria caríssimo aos seus usuários.

Quanto ao direito de cobrança de débitos relativos ao serviço de abastecimento de

água, este deve ser exercido pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos. Entretanto,

tal direito deve ser exercido dentro de um determinado período de tempo, pois, caso

contrário, ocasionará ao Poder Público a perda da vantagem de fazer valer seu direito, ou

seja, ocorrerá a prescrição desse direito de ação.

Para a teoria geral do direito civil, o decurso do tempo deve dar fim à relação jurídica

cujo direito não foi exercido. “O direito exige que o devedor cumpra sua obrigação e permite

ao credor valer-se dos meios necessários para receber seu crédito. Se o credor, porém,

50 Apelação Cível nº 70006131692, Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul, Relator: Des. Roberto Caníbal, julgado em 25 de junho de 2003. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/>. Acesso em: 17 set. 2006. 51 Recurso Especial nº 20.741 - DF, Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator: Min. Ari

Pargendler, julgado em 09 de maio de 1996. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/>. Acesso em: 20 set. 2006.

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mantém-se inerte por determinado tempo, deixando estabelecer situação jurídica contrária a

seu direito, este será extinto”52.

A influência do elemento tempo é substancial, interferindo nas relações jurídicas,

pois existe um interesse da sociedade em atribuir juridicidade às situações que se prolongam

no tempo, determinando que as pessoas que deixem, longamente, de exercer uma ação que

resguarde um direito seu percam o privilégio de utilizá-la.53 A prescrição leva o titular

negligente à perda do direito de agir para obtenção do cumprimento de uma obrigação a ele

devida, ao fim de certo tempo, fazendo desaparecer direitos em face da sua inércia.

O atual Código Civil dispõe sobre a prescrição. Assim, estabelece o artigo 189:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

A prescrição extingue diretamente a ação, atingindo, indiretamente, o direito

protegido por ela, e inicia-se a partir da violação do direito. É nesse momento que nasce a

ação contra a qual se volta a prescrição, ou seja, a ação nasce posteriormente, quando o

direito já existia e vem a ser violado.54 Como a prescrição consiste na perda da ação pelo

não-exercício de um direito em um certo espaço de tempo, não pode começar a fluir o prazo

antes de deferido o direito de ajuizar a ação.55

No caso da prestação do serviço de abastecimento de água, se o usuário não paga o

seu débito, o ordenamento jurídico confere ao órgão público credor ação judicial para cobrá-

lo. Se não o faz, mantendo-se inerte, perde tal direito, ficando o usuário devedor liberado da

obrigação, a qual não pode mais ser exigida.

Violado o direito, surge a pretensão de ação, sendo que, tão logo surge o direito de

ação, começa a correr o prazo de prescrição. A ação prescreverá se o interessado não

promovê-la, permanecendo inerte por um prazo que é determinado por lei.56

52 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 1. p. 593-594.

53 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1. p. 323.

54 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.cit., p. 600-601.

55 RODRIGUES, Sílvio. Op.cit., p. 329.

56 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.cit., p. 598.

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Os artigos 205 e 206 do Código Civil determinam os prazos de prescrição. O artigo

206 fixa prazos para pretensões específicas, enquanto que o artigo 205 fixa um prazo geral

de prescrição:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Se fossem cobradas taxas para a remuneração do serviço de abastecimento de água

no Município de Porto Alegre, a ação para a Fazenda Pública cobrá-las judicialmente

prescreveria em cinco anos. Esse prazo iniciaria a contar da data da constituição definitiva do

crédito tributário, conforme o artigo 174 do Código Tributário Nacional.

Como a remuneração do serviço de abastecimento de água em Porto Alegre é feita

por meio de tarifas e a Lei Complementar nº 170, de 31 de dezembro de 1987, é omissa

quanto à prescrição, a ação para a sua cobrança, quando não são pagas, rege-se pelas

disposições do Código Civil, por se tratar de dívida não-tributária. Assim, a ação para a

cobrança das tarifas prescreve em dez anos, nos termos de seu artigo 205, e não pelas

normas do Código Tributário Nacional. Porém, a norma do artigo 2.028 do Código Civil é

aplicada como regra de transição entre o Código Civil de 1916 e o Código Civil atual:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Dessa forma, o Código Civil de 1916, no artigo 177, estabelecia o prazo geral de

prescrição de vinte anos para as ações pessoais e o Código atual diminuiu este prazo para

dez anos, sendo que o artigo 2.028 tratou de conciliar os prazos de prescrição que estavam

em andamento. Em regra, se aplica o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 205

do Código Civil, mas, para os débitos vencidos há mais de dez anos na data da entrada em

vigor do atual Código, o prazo prescricional continua sendo de vinte anos, se já houver

transcorrido mais da metade desse prazo.

Para ilustração, algumas decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a

remuneração do serviço de abastecimento de água tem natureza de preço público.

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Conseqüentemente, aplica-se o Código Civil para a determinação dos prazos de prescrição

da ação para a sua cobrança:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA OU NÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELO DMAE DE PORTO ALEGRE. SERVIÇOS SEM CARÁTER DE TRIBUTO. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. Inexistência de compulsoriedade quanto ao uso ou pagamento dos serviços postos à disposição do particular pelo DMAE, pois a lei exige a remuneração do serviço apenas nos casos em que o prédio esteja ligado à rede pública. Natureza não tributária. Tratando-se de dívida não tributária, inadmissível a incidência da prescrição qüinqüenal prevista no art. 174 do CTN, que, se restasse configurada, não poderia ser declarada ex oficio, por tratar de direito patrimonial da parte. Aplica-se, subsidiariamente, a prescrição vintenária, haja vista a Lei Complementar nº 170/87 não abordar questões referentes à prescrição de ações de cobrança de crédito. AGRAVO PROVIDO.57

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - SERVIÇOS PÚBLICOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO - NATUREZA DO “PREÇO PÚBLICO” - COMPETÊNCIA DA Eg. PRIMEIRA SEÇÃO (1ª E 2ª TURMA) - IUJ JULGADO NA CORTE ESPECIAL, EM 05.05.2004 - PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA - ART. 177 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - PRECEDENTES DO STJ E STF. - Os serviços públicos de fornecimento de água e esgoto, essenciais à cidadania, se caracterizam pela facultatividade e não pela compulsoriedade, prestado diretamente pelo Estado ou por terceiro, mediante concessão, submetendo-se à fiscalização, princípios e regras condicionadores impostos pelo ente público, e por isso remunerados por tarifas ou preços públicos, regendo-se pelas normas de direito privado. - Competência da Primeira Seção do STJ. - A prescrição da ação para cobrança de preços públicos rege-se pelo art. 177, “caput”, do Código Civil de 1916, sendo portanto vintenária. - Precedentes do STJ. - Recurso especial conhecido, mas desprovido.58

[...] Esta Corte já firmou o entendimento de que a contraprestação cobrada, pelo Estado, dos usuários das redes de água e esgoto, é preço público. Precedentes RE 54.194, Rel. Luís Gallotti, DJ 28.11.77, RE 54.491, Rel. Hermes Lima, DJ 17.12.63 e RE 77.162, Rel. Leitão de Abreu, DJ 24.05.77. No mesmo sentido, monocraticamente, RE 207.609, Rel. Néri da Silveira, DJ 19.05.99, AgRRE 201.630, Rel. Ellen Gracie, DJ 02.08.02 e AI 480.559, Rel. Cezar Peluso, DJ 19.05.04. Assim, conheço do agravo, converto-o em recurso extraordinário (art. 544, §§ 3º e 4º, do CPC) e dou-lhe provimento (art. 557, § 1º-A, do CPC).59

57 Agravo de Instrumento nº 70010885390, Vigésima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio Grande do Sul, Relatora: Des. Rejane Maria Dias de Castro Bins, julgado em 07 de abril de 2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/>. Acesso em: 10 jul. 2006. 58 Recurso Especial nº 149.654 - SP, Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator: Min. Francisco

Peçanha Martins, julgado em 06 de setembro de 2005. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/>. Acesso em: 05 ago. 2006. 59 Agravo de Instrumento nº 491.179 - RS, Decisão Monocrática do Supremo Tribunal Federal, Relator: Min.

Gilmar Mendes, julgado em 29 de junho de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/>. Acesso em: 05 ago. 2006.

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Como observação, somente o Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacífico

de que a contraprestação pelo serviço público de abastecimento de água tem natureza de

preço público. No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul não há consenso

entre os Desembargadores das Câmaras Cíveis, apesar de dominar o entendimento nesse

mesmo sentido. Já no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento dominante é de que a

contraprestação pelos serviços de abastecimento de água deve ser por meio de taxas,

apesar de haver decisões em contrário, inclusive a do citado Recurso Especial nº 149.654,

em que foi proposto à Corte Especial um incidente de uniformização de jurisprudência, em

face da divergência de entendimento entre as Turmas, ficando definido por essa Corte que a

natureza jurídica da remuneração dos serviços de fornecimento de água é de preço público.

CONCLUSÃO

A água, como elemento indispensável não só para os seres humanos como também

para os seres animais e vegetais, é um bem público, de uso comum do povo. Além disso, é

considerada como um direito fundamental, em face da sua estreita relação com os direitos

básicos como a vida e a saúde.

Portanto, há a necessidade de constante proteção e preocupação com os recursos

hídricos, em vista de que a água está se tornando um recurso escasso, em conseqüência

dos fenômenos naturais ou por efeito da ação predatória do homem sobre o meio ambiente.

Todos esses fatos estão ocasionando sérios problemas que atingem a humanidade,

principalmente com relação à saúde.

Como recurso ambiental, a água pode ser considerada um bem do domínio público

municipal, objetivando o atendimento a interesses públicos locais, neste caso, aos do

Município de Porto Alegre. Tal finalidade pode ser alcançada através da prestação de

serviços públicos.

O serviço de abastecimento de água caracteriza-se por ser essencial para toda a

coletividade, como medida de saneamento e preservação da saúde. Pode ser reconhecido o

seu caráter de conveniência para os usuários, no sentido de que coloca à sua disposição

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utilidades que proporcionarão mais conforto e bem-estar. Porém, não se pode negar a sua

natureza econômica, uma vez que produz renda para quem o presta, mediante remuneração.

O Município de Porto Alegre, através do Departamento Municipal de Água e Esgotos,

autarquia municipal, criada e com capacidade jurídica determinada por lei, é competente

para a prestação do serviço público de abastecimento de água, de acordo com as

disposições contidas na Constituição Federal. O saneamento básico, sobretudo o

abastecimento e o tratamento da água, é predominantemente, de interesse público local,

pois, em relação à União e aos Estados, os Municípios encontram-se mais próximos de sua

população e têm melhores condições de identificar e conhecer os problemas de cada um de

seus bairros e regiões.

A contraprestação do serviço público de abastecimento de água no Município de

Porto Alegre é obtida por meio da cobrança de tarifas, caracterizando-se essa receita como

preço público, por ser proveniente da prestação de um serviço de natureza comercial e

industrial e pela inexistência de compulsoriedade quanto à utilização do serviço

disponibilizado aos usuários. No entanto, tal atividade poderia ser remunerada através da

cobrança de taxas, em virtude da possibilidade de escolha da forma de custeio pelo Poder

Público Municipal consagrada pela Constituição Federal.

Por fim, o Município de Porto Alegre pode cobrar tarifas mínimas de água, como

forma de manutenção e expansão do sistema de abastecimento de água, garantindo o

equilíbrio econômico-financeiro do órgão prestador do serviço, e para que o fornecimento de

água potável possa ocorrer no interesse da coletividade municipal. Salienta-se que a ação

para a cobrança das tarifas, quando não são pagas pelos usuários, rege-se pelo Código

Civil, por tratar-se de dívida não-tributária, sendo este Código aplicado para a determinação

dos prazos de prescrição da ação para a sua cobrança.

REFERÊNCIAS

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