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Política Macroeconômica, Crescimento e Distribuição de Renda

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  • UNICAMP / INSTITUTO DE ECONOMIA

    CENTRO DE ESTUDOS DE CONJUNTURA E POLTICA ECONMICA (CECON)

    -1-

    Textos Avulsos n

    o

    6 Maro, 2011

    POLTICA MACROECONMICA, CRESCIMENTO E DISTRIBUIO

    DE RENDA NA ECONOMIA BRASILEIRA DOS ANOS 2000

    *

    Franklin Serrano

    **

    Ricardo Summa

    ***

    Introduo

    O arcabouo de poltica macroeconmica no Brasil basicamente o mesmo

    desde 1999.

    1

    Esse arcabouo, chamado de trip de poltica econmica, consiste de

    uma poltica de metas explcitas de inflao, um regime de cmbio flutuante (bem

    sujo), e metas especficas (e razoavelmente altas) para a relao supervit primrio

    sobre o PIB. Porm, a despeito dos elementos de continuidade do arcabouo de

    polticas macroeconmicas, o desempenho da economia brasileira na primeira

    metade da dcada no foi muito impressionante (para dizer o mnimo), mas

    melhorou consideravelmente a partir de 2006.

    *

    Essas notas foram baseadas em diferentes apresentaes feitas por um ou ambos os autores na Itlia

    em 2010: no Centro Sraffa da Uniroma3 em junho e Fundazione Italianieuropei em Roma e na

    Faculdade de Cincias Polticas de Siena em Dezembro. Os autores gostariam de agradecer, porm

    sem implicar, todos os organizadores e participantes desses eventos e tambm Luiz Eduardo Melin

    pelas discusses proveitosas.

    **

    Professor Associado, Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pesquisador

    associado do CECON/IE/UNICAMP

    ***

    Professor Adjunto, Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, .

    1

    Isso ocorreu na administrao do Fernando Henrique Cardoso. O Presidente Lula tomou posse de

    seu primeiro mandato em Janeiro de 2003 e seu segundo mandato iniciou em Janeiro de 2007. Seu

    Ministro da Fazenda foi substitudo no fim de maro de 2006, mas no houve nenhuma mudana no

    Banco Central durante os dois mandatos. A Presidenta Dilma Rouseff tomou posse em Janeiro de

    2010, tendo sido Ministra Chefe da Casa Civil desde final de junho de 2005.

    Observatrio

    da economia global

    da economia global

  • Observatrio da Economia Global n

    o.

    6 Maro, 2011

    -2-

    O propsito deste artigo mostrar que a interao entre grandes mudanas

    nas condies externas com as quais a economia brasileira se defrontava (desde 2003)

    e pequenas mudanas na orientao da poltica econmica domstica (desde 2005)

    explica a melhora no controle inflacionrio, a recuperao de taxas de crescimento do

    PIB mais satisfatrias e a forte melhora na distribuio de renda e reduo de

    pobreza na segunda metade da dcada. A mudana na orientao de poltica

    econmica explica a contrao relativamente moderada e a forte e rpida

    recuperao da economia depois que a crise mundial atingiu o Brasil no fim de 2008.

    Nas prximas trs sees discutiremos brevemente e respectivamente, a

    performance do sistema de metas de inflao brasileiro (seo 1); o crescimento da

    economia (seo 2); e mudanas na distribuio funcional e pessoal da renda e

    reduo da pobreza (seo 3). Uma discusso sobre as dificuldades que a economia

    brasileira enfrentar em 2010 feita na seo 4, seguida por uma rpida discusso de

    alternativas de poltica (seo 5) e consideraes finais.

    1 Taxa de juros, taxa de cmbio e o Sistema de Metas de Inflao no Brasil

    O Sistema de Metas de Inflao no Brasil foi institudo em meados de 1999 e

    estabelece que a Autoridade Monetria deva perseguir um nico objetivo, o controle

    da inflao, que deve permanecer dentro de um intervalo pr-definido no ano

    calendrio. No Brasil, a meta de inflao no foi atingida nos anos de 2001 to 2003,

    como mostrado na Figura 1 abaixo, (e foi atingida em 1999 e 2004 apenas depois de

    haver uma reviso da meta durante o ano). Mas desde 2004 o governo tem mantido a

    inflao dentro da meta com sucesso (mesmo no ano turbulento de 2008, quando a

    inflao chegou bem prxima do limite superior da banda aceitvel).

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    Figura 1

    Taxa de inflao e meta de inflao

    Fonte: IBGE; BCB.

    Para analisar o desempenho do Sistema de Metas Inflacionarias brasileiro

    necessrio entender que, por uma srie de razes, a taxa de inflao no Brasil no

    parece ter uma relao regular e definida com presses da demanda agregada e a

    tendncia da inflao parece estar ligada a fatores de custo.

    2

    Para ser breve, iremos

    expor rapidamente quatro motivos complementares para tal. Primeiro, existe um

    grande nmero de preos monitorados para servios pblicos e servios privados

    de utilidade pblica, muitos dos quais, apesar de serem non-tradables, so indexados

    contratualmente por um ndice de preos em particular que fortemente afetado pela

    2

    importante notar que estamos falando que o nvel de inflao no muito afetado pelas presses

    de demanda, e no da acelerao da inflao. Durante esse perodo no Brasil a inrcia estimada e/ou

    os coeficientes de expectativas inflacionrios no somam um (desde que no sejam forados), logo,

    mesmo que as presses de demanda tenha algum efeito particular, deve ser sobre o nvel de preos ao

    invs da taxa de variao destes, como requerido pelas hipteses de neutralidade. Ver Serrano(2007)

    para uma analise terica simples das principais propriedades da curva de Phillips e a resenha crtica

    de Summa(2010b) para a evidencia de no-neutralidade na literatura economtrica brasileira. Novas

    evidencias de no-neutralidade foram encontradas em Macrini e Summa(2011).

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    taxa de cmbio. Segundo, no caso dos bens tradables, o Brasil uma economia cada

    vez mais aberta na qual os produtores so na grande maioria price takers em relao

    ao preo mundial em dlares, que so exgenos em relao ao nvel de atividade da

    economia brasileira.

    Terceiro, a taxa de crescimento dos salrios nominais mdios e dos

    trabalhadores da indstria foi bem moderada desde 1999 e parecem ser levemente

    pr-cclica, enquanto o crescimento da produtividade parece ser fortemente pr-

    cclico. Isso significa que o custo unitrio do trabalho tende a no ser pr-cclico e sua

    tendncia geralmente tem crescido menos que a inflao, pelo menos no setor

    industrial.

    O quarto e ltimo motivo que existe evidncia de markups anti-cclicos, que

    aumentam quando a taxa de juros sobe, uma vez que aumentam os custos

    financeiros e de oportunidade do capital.

    3

    Por todos esses motivos a taxa de inflao

    no muito afetada pelo grau de utilizao da capacidade instalada ou pela taxa de

    desemprego, pelo menos de maneira sistemtica.

    4

    3

    Essa interpretao e evidncia est resumida em Serrano (2010) e Serrano e Ferreira(2010). O modelo

    terico formal encontrado em Summa (2010a). Braga (2010) confirmou esses resultados

    econometricamente para o perodo at meados de 2008. Macrini e Summa (2011) com uma amostra

    maior at o fim de 2010 e utilizando o mtodo de estimao das redes neurais encontraram a presena

    de no-linearidades. Eles confirmaram os resultados do modelo e mostraram sua robustez. Braga

    (2010) e Bastos e Braga (2010), entretanto, curiosamente negaram seus prprios resultados de um

    efeito significante da taxa de juros sobre as margens de lucro e argumentaram que a demanda tem um

    efeito pequeno e significante na inflao brasileira, quando estes no encontraram nenhum. Isso

    parece ter confundido Amico e Fiorito (2010), que em um excelente artigo afirmaram incorretamente

    que no existe nenhum efeito da taxa de juros sobre as margens de lucro no Brasil.

    4

    Uma das possveis razes para a no significncia das presses de demanda sobre a inflao pode ser

    que nos anos 2000 no houve nenhum episdio de graus de utilizao da capacidade instalada

    extremamente altos ou baixos (e/ou da taxa de desemprego). Pode haver no-linearidades no sentido

    que o grau de utilizao da capacidade instalada, quando se torna permanentemente muito alto (i.e.

    persistentemente acima do intervalo recentemente observado), os markups eventualmente se tornam

    pr-cclicos acima desse ponto. Da mesma maneira, taxas de desemprego muito altas (ou muito

    baixas) podem mudar o poder de barganha dos trabalhadores e aumentar (diminuir) a taxa de

    crescimento dos salrios nominais em uma velocidade muito maior do que foi observada

    recentemente e isso pode tornar o custo unitrio do trabalho pr-cclico.

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    Isso significa, portanto, a despeito do tipo de teoria que os analistas ou mesmo

    os policy makers acreditam, e mesmo que haja um (discutvel) sucesso em prever e

    controlar o crescimento da demanda agregada relativo ao da capacidade produtiva,

    no fim das contas a tendncia efetiva da inflao no Brasil depende bastante das

    presses de custo dos preos dos bens importados e exportveis em dlares e da taxa

    de cmbio nominal, das mudanas nas regras dos preos monitorados, do impacto

    do rpido crescimento do salrio mnimo (em termos nominais e reais) sobre alguns

    setores non tradables e intensivos em trabalho e no muito mais do que isso.

    5

    Quando olhamos para a evoluo da taxa de cmbio nominal no Brasil (Figura

    2), podemos ver que existe uma tendncia de desvalorizao para os anos de 1999 a

    2003 e desde ento uma tendncia para uma apreciao quase contnua at 2011. Essa

    tendncia foi subitamente interrompida pela forte desvalorizao no ano turbulento

    de 2008, porm foi logo rapidamente e mais do que revertida logo em seguida.

    Figura 2

    Taxa de Cmbio Nominal

    5

    Para o ultimo efeito ver Martinez e Cerqueira (2010) e Serrano (2010).

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    Comparando as duas primeiras figuras podemos notar que em quase todos os

    anos em que a meta inflacionria foi atingida (2000, 2005, 2006, 2007, 2009 e 2010)

    houve uma apreciao nominal do Real.

    6

    Os nveis de preos dos produtos brasileiros importados e exportveis em

    dlares so bastante afetados pela evoluo dos preos internacionais das

    commodities em dlares, uma vez que o Brasil um grande importador e exportador

    de commodities. Dessa maneira, preos dos produtos brasileiros importados e dos

    exportveis em dlares caram de 1999 a 2003, quando passaram a crescer de maneira

    rpida at o pico em 2008. Esses preos caram rapidamente at inicio de 2009,

    quando passam a crescer novamente. Parece que a forte queda dos preos

    internacionais das commodities ps-meados de 2008 segurou o aumento dos preos

    em Reais das importaes e exportaes apesar da forte desvalorizao e ajudaram

    inflao a permanecer dentro do intervalo da meta estabelecida naquele ano.

    Durante todo o perodo de rpido crescimento dos preos internacionais das

    commodities aps 2003, parece claro que a tendncia de contnua apreciao da taxa

    de cmbio nominal foi crucial para o funcionamento do Sistema de Metas de Inflao

    no Brasil. Como pode ser visto na Figura 3 abaixo, que mostra a evoluo da inflao

    dos bens importados e exportveis medidos em dlares e reais, a apreciao nominal

    do Real transforma uma srie de choques negativos de oferta depois de 2003 em uma

    seqncia de choques de certa forma positivos em moeda local at 2008. importante

    notar que os choques de custos negativos, seja devido a uma desvalorizao nominal

    ou aumentos nos preos em dlares dos importados e exportveis aconteceram

    justamente nos anos em que a meta de inflao no foi atingida (ou mal atingida

    como em 1999 e 2008).

    6

    Gostaramos de chamar essa proposio de lei de Barbosa (ver Barbosa-Filho, 2007). A exceo lei

    de Barbosa foram os anos de 1999 (em que o sistema comeou a operar apenas no meio do ano que

    iniciou com uma grande desvalorizao cambial) e o turbulento 2008.

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    Figura 3

    Inflao dos bens importados e exportveis em US$ e R$

    Na Figura 4 abaixo possvel ver a evoluo do nvel de trs ndices de preos

    desde o comeo de 1999: o IPCA, que o ndice de preo utilizado para a meta

    inflacionria perseguida pelo BC; o ndice de Preos Monitorados e o IGP-M, que

    utilizado na maioria dos contratos de reajuste dos preos monitorados. No grfico

    nota-se que at meados de 2005 o ndice de Preos Monitorados parecia, no

    agregado, acompanhar bem de perto o IGP-M (esse ndice afetado pelos preos do

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    atacado e dos produtores, e assim por preos tradables) e mais rpido que o IPCA,

    amplificando os efeitos inflacionrios das flutuaes dos preos internacionais das

    commodities em dlares e da taxa de cmbio nominal.

    No grfico possvel notar tambm que, aps meados de 2005, existe um

    descolamento entre os dois ltimos ndices e o primeiro. Alm disso, o ndice de

    Preos Monitorados cresce mais rpido que o IGP-M por um momento (at metade

    de 2006) e aps isso o ndice de Preos dos Monitorados passa a crescer, em geral,

    mais devagar do que o IGP-M. Essa tendncia parece ser o resultado de uma srie de

    mudanas ocorridas em 2005 e 2006 nos mecanismos de indexao de alguns preos

    administrados ou monitorados. Por outro lado, a Petrobras assegurou uma poltica

    de manuteno de preos nominais domsticos estveis da Gasolina e do Diesel

    inicialmente por conta prpria, mas depois quando no era mais possvel manter os

    preos estveis devido ao rpido aumento do preo internacional do petrleo em

    2008 o Tesouro ajudou a moderar o aumento do preo domestico ao diminuir

    temporariamente os impostos indiretos sobre os combustveis.

    7

    Houve tambm uma

    grande mudana no arcabouo regulatrio do setor de gerao e distribuio de

    energia eltrica em 2004. Os efeitos de longo prazo destas mudanas foram de baixar

    o markup de geradoras e distribuidoras de energia eltrica e uma mudana, desde o

    fim de 2004, para troca da indexao dos reajustes do IGP-M para o IPCA. Ambas as

    mudanas contriburam para diminuir o ritmo dos aumentos nos preos de energia

    eltrica.

    8

    Em 2006, novos contratos que regulavam o preo das chamadas do telefone

    de companhias privadas comearam a ser indexados por um novo ndice relacionado

    ao custo do setor (com uma varivel x por cento de fator de reduo para levar em

    conta os ganhos com aumentos da produtividade).

    9

    7

    Ver Ferreira e Serrano (2010). Barbosa-Filho e Souza (2010) tambm mencionam que durante 2008 o

    Tesouro reduziu os impostos indiretos do trigo e seus produtos derivados, para aliviar o impacto do

    aumento dos preos internacionais em dlares dos alimentos em 2008.

    8

    Por acaso, a Ministra brasileira de Minas e Energia em 2004 era Dilma Roussef.

    9

    Sobre o impacto dessas mudanas sobre os preos monitorados, ver Martinez e Cerqueira (2010).

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    Todas essas mudanas inicialmente levaram infortunadamente ao efeito

    temporrio de prevenir uma queda ainda maior dos preos monitorados junto com o

    IGP-M quando a taxa de cmbio comeou a apreciar rapidamente, porm, no longo

    prazo, isso deve ser mais do que compensado pelo menor crescimento dos preos

    monitorados durante o ano turbulento de 2008, que combinou um crescimento dos

    preos internacionais dos importados em dlar no primeiro semestre com uma

    desvalorizao massiva da taxa de cmbio nominal no segundo semestre do ano.

    Dessa maneira, claro que aps 2006 o grau de indexao dos preos monitorados

    em geral, e com relao aos preos importados, em particular, reduziram, e as

    margens de lucro de monoplio desses setores parecem ter decrescido (ou pelo

    menos pararam de crescer).

    Figura 4

    ndices de Preos Brasileiros

    O comportamento tanto dos preos em dlar dos importados e exportveis e

    da taxa de cmbio nominal do Brasil foram bastante afetados pela volta do rpido

    crescimento da economia mundial aps 2003. A rpida expanso do comrcio

    internacional subseqente, a recuperao do preo internacional das commodities em

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    dlares, o aumento dos fluxos de capitais para os pases emergentes e uma

    diminuio dos spreads das taxas de juros de dvida soberana dos pases emergentes

    contriburam para uma substancial melhora no Balano de Pagamentos de um

    grande nmero de pases em desenvolvimento, sobretudo em relao aos perodos

    difceis das repetidas crises e instabilidades de meados dos 90 at 2002.

    10

    No caso do Brasil, em 2002 as polticas internas interagiram com a situao

    internacional na determinao da taxa de cmbio nominal. Em 2002, logo aps o

    default argentino, que reduziu as linhas de credito e aumentou os spreads para todos

    os pases emergentes que tinham dvidas externas em montante relevante, o Brazil

    foi mais afetado proporcionalmente, em que a maioria dos analistas atribua

    exclusivamente ao medo do mercado de defaults externos e internos no caso do

    candidato Lula vencer as eleies em outubro, apesar da repetida afirmao do

    contrrio. Mas o BCB deveria receber algum crdito para o clima de instabilidade e

    por induzir uma fuga de capitais quando introduziu uma mark to market rule para

    fundos que tratavam previamente dvida pblica como capital certo, gerando

    perdas aos investidores. O BC tambm de maneira surpreendente no tentou evitar a

    fuga de capitais e a abrupta desvalorizao da moeda aumentando a taxa de juros

    nominal at que o segundo turno das eleies tivesse terminado.

    11

    De qualquer forma, o efeito combinado da restaurao de um diferencial de

    juros positivo e significativo e uma forte contrao fiscal, que levou a uma recesso

    no incio de 2003, e o efeito defasado positivo desta desvalorizao sobre as

    10

    Sobre essas mudanas ver Serrano (2008), Frenkel (2010).

    11

    Lula no fim das contas ganhou a eleio, porm em 22 de junho de 2002 foi publicada a famigerada

    letter to the Brazilian people na qual no apenas ele assegura aos mercados que iria honrar os

    contratos e as propriedades, manteria polticas fiscal e monetrias restritivas e tambm implementaria

    reformas neoliberais da previdncia e das leis trabalhistas (por sorte, a primeira reforma foi bastante

    limitada e a segunda nunca aconteceu). importante notar que nessa carta o candidato Lula menciona

    que central bank made a series of mistakes that caused financial losses para os investidores e ajudou os

    especuladores. Alm disso, na Figura 8 pode-se observar que esse foi o nico perodo em que o Banco

    Central manteve um diferencial de juros negativo. Por fim, percebe-se que uma vez que houve uma

    forte alta na taxa de juros logo aps o Segundo turno das eleies, a taxa de cmbio parou de

    desvalorizar.

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    exportaes lquidas melhoraram rapidamente as contas externas brasileiras (ainda

    que com um grande custo em termos de produto e salrios reais). Essas polticas em

    conjunto com a acelerao do crescimento da economia mundial, do comrcio

    mundial e da diminuio das taxas de juros internacionais e dos spreads dos pases

    emergentes melhoraram consideravelmente as condies de solvncia e liquidez das

    obrigaes externas da economia brasileira. Na Figura 5 abaixo podemos ver que o

    dficit em conta corrente que alcanou um pico de quase 100% das receitas de

    exportaes no incio da crise cambial de 1999 rapidamente se transformaram em

    supervits em conta corrente nos fins de 2003 e esses supervits foram erodindo

    apenas aps alguns anos pelo efeito combinado do rpido crescimento domstico

    com uma apreciao continua do Real.

    12

    Figura 5

    Relao Conta Corrente/Exportaes

    12

    Aqui ns no utilizamos a relao usual Conta Corrente sobre o PIB por duas razes. Primeiro,

    devido ao fato que esta relao afetada pela taxa de cmbio real e pode levar a interpretao errada

    de que a relao est baixa quando na verdade o que ocorre que o cmbio est apreciado, uma vez

    que torna o PIB alto quando medido em dlares. Segundo, porque a sustentabilidade do Balano de

    Pagamentos diz respeito dvida externa em relao s exportaes, e no dvida externa sobre PIB,

    uma vez que as divisas estrangeiras para pagar as obrigaes externas so obtidas pelas exportaes e

    no pelo nvel de produo domstica (ver Medeiros; Serrano, 2004).

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    As melhores condies da conta corrente e a volta dos fluxos de capitais

    permitiram com que o governo rapidamente pagasse em sua totalidade e se tornasse

    livre dos emprstimos junto ao FMI e suas exigncias no fim de 2005, que reduzisse a

    dvida externa total e acumulasse uma quantidade massiva de reservas

    internacionais logo depois.

    Figura 6

    Reservas Internacionais (Mi US$)

    A poltica de acumulao de reservas permitiu que as autoridades, mesmo em

    um contexto de atrao de influxos de capital especulativo de curto prazo em grande

    montante, melhorassem a posio de liquidez internacional do pas. De fato, houve

    uma diminuio drstica da relao entre dvida externa de curto prazo e as reservas

    internacionais, que havia alcanado a marca de mais de 90% na crise cambial de 1999,

    e que caiu para cerca de 20% em 2008.

    13

    13

    Outros analistas como Prates (2010) usam outros ndices de liquidez dos passivos externos que

    incluem, alm da dvida externa de curto prazo, todos os outros tipos de influxos de capitais de curto

    prazo, como ttulos e aes de no residentes. Esses indicadores no melhoraram muito e contam uma

    histria bem diferente. Entretanto, importante frisar que em um regime de cmbio flutuante, faz

    uma grande diferena se os influxos de capitais tm que ser pagos na divisa estrangeira (dvida) ou

    no (fluxos de portflio). No ultimo caso, so os no residentes que ficam com o risco cambial, logo o

    valor desses passivos podem ser erodidos por uma desvalorizao cambial. Mais alm, no parece

    correto para ns pensar que o estoque de passivos externos de portflio um bom indicador de

    quanto dinheiro poderia querer sair do pas e pressionar a taxa de cmbio (ou as reservas) uma vez

    que com livre mobilidade de capitais nada previne a fuga de capitais por residentes. Nesse tipo de

    regime, bancos locais e agentes podem facilmente (criar se for preciso e) enviar dinheiro para o

    exterior sempre que parecer lucrativo faz-lo.

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    Figura 7

    Dvida de curto prazo/Reservas

    Figura 8

    Diferencial da taxa de juros

    Embora oficialmente o Brasil opere um sistema de cmbio flutuante, mais

    que bvio ao olhar para a acumulao massiva de reservas internacionais e tambm

    para a poltica de juros do Banco Central que a flutuao cambial extremamente

    suja e que o processo de apreciao cambial quase contnuo foi afetado

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    -14-

    sobremaneira pelos altos diferenciais de juros

    14

    praticados pelo Banco Central do

    Brasil.

    15

    Assim, o SMI no Brasil funciona da seguinte maneira: se a inflao esperada

    subir acima do limite superior da meta, devido, por exemplo, a um aumento dos

    preos internacionais das commodities que gere uma presso de custo nos preos

    domsticos, o BC aumenta a taxa de juros declarando haver evidncias de excesso

    de demanda e/ou deteriorao das expectativas inflacionrias. Se de fato o BC

    est realmente vendo isso ou acredita nisso, ou no, algo imaterial. O que importa

    que o BC aumenta a taxa de juros nominal. A taxa de juros nominal mais alta

    aumenta o diferencial de juros e aumenta a velocidade de apreciao da taxa de

    cmbio, e assim transforma o que era um choque negativo em dlares americanos em

    um choque positivo em Reais.

    De maneira ainda mais geral, qualquer que seja a causa do aumento inicial da

    inflao, como ms colheitas domsticas ou algum aumento em impostos indiretos,

    um aumento nos juros levar rapidamente a uma apreciao cambial,

    contrabalanceando com um choque antiinflacionrio.

    importante notar que, ao contrario da evidncia emprica, existe um vasto

    consenso no Brasil que acredita que o que de fato acontece que um aumento dos

    juros aps um choque de oferta inflacionrio, domstico ou internacional, gera um

    choque de demanda negativo que previne as firmas de repassarem o aumento nos

    custos para seus preos. Esta interpretao comum no pode ser correta por trs

    razes. Primeiro, no caso de um choque externo, o impacto da taxa de juros sobre o

    14

    Comparando a figura do diferencial de juros com a evoluo da taxa de cmbio nominal fica claro

    que um diferencial de juros positivo tende a causar uma taxa de variao positiva da taxa de cmbio

    nominal, i.e., uma continua apreciao ao invs de uma apreciao do tipo once and for all (Para uma

    discusso terica desse efeito ver Summa, 2010a).

    15

    Em Dib (2010) encontramos evidncia economtrica de que, de maneira no surpreendente, as

    intervenes do governo no mercado de cmbio para moderar a apreciao tendem a ser muito mais

    fracas e esparsas quando a inflao est saindo do controle, acima do intervalo da meta.

  • Observatrio da Economia Global n

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    6 Maro, 2011

    -15-

    cmbio geralmente reverte o choque, ento no fim da contas no h nenhum choque

    negativo para ser repassado para os preos. Em segundo lugar, no caso de um

    choque domstico, como uma m colheita ou aumento de impostos indiretos,

    novamente a apreciao cambial aps a alta na taxa de juros produzir um choque

    positivo simultneo e diminuir o preo dos bens tradables na moeda domstica.

    Novamente, no haver nenhum choque liquido para ser moderado pela contrao

    da demanda. Por fim, mesmo quando por algum motivo exgeno a taxa de juros

    mais alta no cause uma apreciao cambial, a idia de moderar o passtrough dos

    choques de oferta requer o funcionamento de um canal crucial. Para que o repasse

    dos custos seja contido, bvio que o custo unitrio do trabalho e/ou as margens de

    lucro devem ser suficientemente pr-cclicas, exatamente a condio que ns no

    encontramos nos dados brasileiros. Talvez no seja uma coincidncia que quando,

    devido, por exemplo, a uma forte reduo no fluxo internacional de capitais para os

    pases emergentes, o aumento na taxa de juros brasileira no vem junto com uma

    apreciao nominal do cambio, no possvel atingir a meta estabelecida de inflao.

    Assim, o SMI brasileiro, no qual a taxa de juros usada para controlar a

    inflao, funciona de fato diretamente pela via do canal de custo da taxa de cmbio.

    16

    2 Poltica Macroeconmica e crescimento econmico

    Quando observamos o crescimento econmico dos anos 2000, notamos

    claramente que at (e incluindo) o ano de 2003 as taxas de crescimento eram muito

    baixas, e logo depois elas comearam a crescer. Inicialmente, a expanso foi liderada

    16

    Nota-se com relao ao canal de demanda da taxa de cmbio da poltica monetria que uma taxa de

    juros mais alto levaria a uma apreciao cambial, e diminuiria as exportaes lquidas e a demanda

    agregada. No Brasil esse canal especfico no funciona uma vez que os efeitos distributivos de uma

    taxa de cmbio apreciada tem sido de aumentar os salrios reais e consumo em montante superior

    reduo das exportaes lquidas, tanto que a demanda agregada aumenta quando a taxa de cmbio

    se aprecia.

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    6 Maro, 2011

    -16-

    pelo boom de exportaes e as taxas de crescimento do PIB no aumentaram tanto

    17

    ,

    mas a partir de 2006 o crescimento das exportaes perde influncia e o mercado

    interno comea a crescer mais rpido, devido a uma poltica macroeconmica mais

    expansionista. A economia atingida pela crise mundial de 2008 e passa trs

    trimestres com crescimento negativo, mas se recupera rapidamente no fim de 2009, o

    que leva a uma queda de apenas 0.65 por cento do PIB nesse ano. O rpido

    crescimento do PIB em 2010 deve ficar em torno de 7.6%. Isso resulta em uma mdia

    de crescimento do PIB de 4,4% no perodo 2004-2010, mais que o dobro dos meros 1,9

    % em mdia para o perodo 1999-2003. Logo, percebe-se que no apenas as metas de

    inflao foram atingidas em todos os anos a partir de 2004 como tambm, e apesar da

    forte contrao devido a crise mundial de 2008, o PIB cresceu muito mais rpido no

    segundo perodo.

    Figura 9

    Crescimento do PIB e tendncia

    17

    A impossibilidade da economia brasileira crescer mais rpido quando liderada apenas pelo rpido

    crescimento das exportaes est bem documentada em Freitas e Dweck (2010) e Carneiro (2010).

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    6 Maro, 2011

    -17-

    Na Figura 9 acima podemos ver, entretanto, que o crescimento caiu

    drasticamente em 2005. Nesse momento o Banco Central, com medo da acelerao da

    inflao, aumentou as taxas de juros novamente. Em 2005, muitos analistas dentro e

    for a do governo defendiam a ideia de que o produto potencial ou a capacidade

    produtiva brasileira era basicamente exgena e no poderia crescer mais do que 3-

    3.5% por ano.

    18

    Dada essa crena alguns policy makers e analistas sugeriram que a

    situao externa mais confortvel deveria ser usada no para acelerar o crescimento

    mas sim para reduzir progressivamente as metas inflacionrias.

    Argumentava-se que o que era necessrio para um crescimento mais rpido de

    longo prazo era um aumento drstico da relao supervit primrio sobre o PIB de

    pelo menos mais 3 pontos percentuais do PIB.

    19

    Isso levaria presumivelmente, ao

    diminuir consideravelmente a relao Dvida/PIB, a uma reduo permanente dos

    spreads da dvida externa e a taxas de juros menores no longo prazo, o que levaria a

    um aumento considervel do investimento privado.

    20

    Com relao ao contra-

    argumento imediato de que era necessrio aumentar o nvel de investimento pblico,

    18

    O recente debate sobre o produto potencial iniciou com Barbosa-Filho (2005). Ver tambm Summa e

    Lucas (2010)

    19

    Essa proposta que ficou conhecida como dficit nominal zero foi encampada por Antonio Delfim

    Netto (um antigo Ministro da Fazenda dos tempos da ditadura militar) em 2005. Essa proposta de

    grandes cortes nos gastos do governo foi apoiada pelo ento Ministro da Fazenda Antonio Pallocci

    (agora Ministro Chefe da Casa Civil da presidenta Dilma Rouseff). Dilma Rouseff (naquele tempo

    Ministra Chefe da Casa Civil do presidente Lula) foi uma das principais crticas e ajudou a derrubar

    essa proposta. Ela at se referiu proposta como rudimentar em uma entrevista imprensa.

    20

    Existem muitos problemas tericos e empricos com essa popular cadeia de raciocnio. Para tornar

    curta uma histria longa, vamos mencionar duas: 1) no mundo real os spreads da dvida externa de um

    pas esto relacionados com a sustentabilidade e liquidez da dvida externa total da economia em

    divisas estrangeiras e no dvida interna do governo denominada em moeda local. Assim, a nica

    maneira que um alto supervit primrio poderia realmente ajudar a diminuir os spreads seria

    causando uma recesso, e, assim, diminuindo o ritmo de crescimento das importaes; 2) uma forte

    contrao fiscal poderia reduzir o investimento privado uma vez que a demanda agregada e a

    utilizao da capacidade cairiam expressivamente, e as firmas no constroem novas fbricas quando a

    demanda pelas j existentes est caindo. A queda do investimento privado significaria uma taxa de

    crescimento menor da capacidade produtiva no longo prazo, o oposto do que foi (e ainda ) defendido

    pelos apoiadores dos cortes.

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    -18-

    que havia cado para o embaraoso nvel de 0,3% do PIB em 2003 para os

    investimentos do governo federal, defendia-se que a nica maneira de atingir isso

    seria via vultuosos cortes no consumo do governo e nas transferncias sociais

    (incluindo aposentadorias).

    21

    Assim, embora o aumento da inflao domstica no tenha sido resultado do

    excesso de demanda agregada domstica, mas sim devido ao aumento no ritmo de

    crescimento dos preos internacionais das commodities em dlares, o aumento na taxa

    de juros diminuiu a inflao ao apreciar a taxa de cmbio de maneira mais rpida do

    que antes. A taxa de juros mais alta tambm diminuiu o crescimento do crdito ao

    consumidor e do PIB, mas por sorte as propostas mais radicais de ajuste fiscal no

    foram implementadas. Dessa maneira, a viso de que algo deveria ser feito para

    restaurar o crescimento do mercado domstico finalmente prevaleceu.

    22

    Devido ao forte efeito de graus de utilizao da capacidade elevados e

    crescimento recente da demanda final sobre o investimento privado

    23

    apenas uma

    expanso sustentada do mercado interno brasileiro pode aumentar tanto as taxas de

    crescimento do produto efetivo e do produto potencial.

    24

    Com relao ao

    investimento publico, na prtica uma reduo progressiva das metas de supervit

    21

    Ver Barbosa-Filho e Souza (2010) para um resumo do debate poltico em 2005.

    22

    Uma grave crise poltica aps ficar provado que houve contribuies ilegais campanha do partido

    governista e a alegao de um esquema de pagamentos em troca de apoio no congresso acabou por

    sorte ajudando o grupo da acelerao do crescimento. Aps uma complicada seqncia de eventos, a

    crise poltica levou Dilma Rouseff a se tornar Ministra Chefe da Casa Civil do Governo Lula em junho

    de 2005, e Lula demitiu o Ministro da Fazenda Antonio Pallocci, em maro de 2006.

    23

    Ver Inhudes e Bora (2008), Freitas e Dweck (2010).

    24

    Essa uma interpretao heterodoxa para o fenmeno conhecido como histerese do produto. Ver

    Serrano (2007) para uma discusso terica. Em 2005, um de ns (Serrano) estava presente em um

    debate publico sobre produto potencial e histerese quando Nelson Barbosa apresentou seu artigo

    pioneiro (Barbosa-Filho, 2005) no IPEA, um centro de Pesquisa Econmica do governo que naquele

    perodo era um bastio do pense unique neoliberal e neoclssico. No fim da discusso acalorada um

    pesquisador senior do IPEA aparentemente teve um lampejo e disse Nelson, o que voc est

    propondo give growth a chance!(a citao foi dita em Ingls, John-Lennon-style). Barbosa mais tarde

    foi trabalhar no Ministrio da Fazenda, onde agora ocupa o cargo de Secretrio Executivo.

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    -19-

    primrio acabaram por acontecer e conseguiram abrir espao no oramento para uma

    recuperao inicialmente modesta do investimento publico pelo governo e pelas

    empresas estatais (sobretudo a Petrobras) aps 2007

    .25

    Essa nova prioridade em

    promover o crescimento econmico estava obviamente em contradio com a

    manuteno de um regime de metas de inflao em um perodo de rpido

    crescimento dos preos internacionais das commodities mas, por sorte, as melhores

    condies externas resolveram as contradies para o governo.

    A melhora nas condies externas aps 2003, em termos tanto de fluxos

    comerciais quanto de capitais veio juntamente com uma taxa de juros muito menor

    nos EUA e spreads significativamente menores para os mercados emergentes em

    geral, e tambm para o Brasil. Dessa maneira, podemos verificar que um diferencial

    de juros extremamente alto foi mantido mesmo com a queda progressiva da taxa real

    de juros ao longo do tempo, especialmente aps 2006 (Figura 10 abaixo-ver tambm

    Figura 8 acima).

    Figura 10

    Taxa de juros bsica real ex-post e tendncia

    25

    A recuperao do investimento pblico foi o principal objetivo do PAC (Programa de Acelerao do

    Crescimento) lanado no incio de 2007.

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    -20-

    Alm da menor taxa bsica de juros, diversas medidas foram tomadas para

    aumentar a disponibilidade de crdito para o consumo e mais tarde para a compra

    de residncias. Deve-se mencionar tambm o importante papel dos bancos pblicos

    aumentando a disponibilidade de crdito para consumo, para o setor imobilirio e

    tambm para o investimento em geral e especialmente por evitar uma contrao de

    crdito mais sria e uma possvel crise bancria no fim e aps 2008.

    Em termos de poltica fiscal, o governo perseguiu altos supervits primrios

    para a maior parte do perodo. Aps 2007 houve uma reduo das metas com o

    objetivo de permitir uma recuperao do investimento do governo federal e das

    empresas estatais, porm o rpido crescimento da economia e das receitas de

    impostos nos trs primeiros trimestres de 2008 fez com que o supervit primrio

    voltasse a crescer novamente. Os efeitos da crise internacional finalmente fez com

    que o governo mudasse para uma poltica fortemente anti-cclica e permitisse com

    que o supervit primrio casse drasticamente nos trimestres subseqentes at que se

    recuperasse parcialmente no final de 2009.

    Figura 11

    Supervit Primrio/PIB

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    -21-

    Por outro lado, o supervit primrio efetivo no um bom indicador da

    poltica fiscal em termos de impacto dos gastos e impostos do governo sobre a

    demanda agregada. Ainda que muitos economistas acreditem que uma relao

    positiva do supervit primrio/PIB reduz necessariamente a demanda agregada

    porque o governo gasta menos do que arrecada, o fato que mesmo que o governo

    tenha um supervit primrio positivo, o efeito sobre a demanda agregada e produto

    pode ser positivo se o nvel dos gastos do governo cresce suficientemente e o

    supervit primrio no muito alto. Isso ocorre porque qualquer aumento do gasto

    do governo tem um impacto direto e total sobre a demanda agregada e aumenta a

    renda agregada. O aumento nos impostos, por sua vez, simplesmente previne uma

    nova expanso via efeito multiplicador do consumo privado. Se houve um supervit

    primrio positivo, isso significa que os impostos foram maiores que o aumento inicial

    da renda causado pelo gasto extra do governo. Isso ento reduzir a renda

    disponvel do setor privado e o consumo privado em um montante que ser maior

    quanto mais alta for a propenso marginal a consumir e o supervit primrio. O

    impacto total na demanda agregada depender da medida em que o efeito

    expansionista do aumento primrio dos gastos maior ou menor que a queda do

    consumo privado. Estimativas recentes para o caso brasileiro mostram que o impacto

    do setor publico sobre a demanda agregada foi geralmente negativo ou zero at 2005,

    quando se torna positivo aps 2006, apesar dos supervits primrios positivos,

    devido ao rpido aumento dos gastos e transferncias do governo.

    26

    Um fator chave

    para o rpido crescimento dos gastos e das transferncias governamentais foi o

    aumento na taxa de crescimento dos salrios mnimos reais, que teve um forte efeito

    nos salrios do setor pblico e especialmente nos benefcios de penses para

    aposentados no sistema de repartio brasileiro.

    26

    Ver Rodrigues e Pinkusfeld (2010).

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    -22-

    A combinao desses altos supervits primrios com a tendncia de

    diminuio da taxa real de juros e um crescimento mais rpido do PIB ao longo do

    tempo levou a uma reduo continua da relao dvida liquida do setor pblico

    (interna mais externa) sobre o PIB. importante notar que a reduo aconteceu

    mesmo com a acumulao de reservas com um alto custo fiscal devido ao

    significante diferencial de juros praticados no Brasil e nos EUA (pois a maioria das

    reservas em dlares e tem rendimentos baixos).

    Outro ponto importante a ser observado que desde meados de 2006 o Brasil

    passou a ter uma dvida externa pblica liquida negativa, na medida em que as

    reservas internacionais acumuladas passaram a exceder o montante de dvida

    externa pblica. Assim, podemos ver dois efeitos diferentes (e fortes) de uma

    desvalorizao cambial: em 2001-2003, a desvalorizao cambial leva a um aumento

    na relao dvida pblica lquida/PIB; mas em 2008 uma desvalorizao cambial leva

    a uma reduo na relao Dvida/PIB. Desse modo, o rpido crescimento da relao

    dvida/PIB em 2009 em parte devido subseqente apreciao do cmbio.

    Figura 12

    Dvida Pblica Lquida/PIB

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    -23-

    Alm do impacto do aumento nos gastos do governo e das transferncias

    sobre a demanda agregada, houve uma recuperao modesta, porm extremamente

    necessria do investimento publico, particularmente em infra-estrutura, tanto pelo

    governo federal quanto pelas empresas estatais (principalmente pela Petrobras)

    desde 2007 (Figura 14).

    Figura 14

    Taxa de investimento pblica e privada (%)

    Fonte: Carneiro (2010).

    Essas mudanas moderadas na poltica macroeconmica explicam porque a taxa de

    crescimento da economia brasileira finalmente comeou a crescer durante a metade dos 2000

    aps quase duas dcadas de crescimento rastejante. Inicialmente, a taxa de crescimento

    aumentou em 2004, liderada pelo rpido crescimento das exportaes, que com alguma

    defasagem levaram a uma recuperao do consumo induzido e mais trade do investimento

    privado induzido, a maior parte conectada ao setor exportador. Aps alguma hesitao, o

    governo finalmente decidiu implementar uma poltica fiscal mais expansionista a partir de

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    -24-

    2006. Isso permitiu um rpido crescimento da demanda em geral e do consumo privado em

    particular, que aps um tempo induziu um boom do investimento privado mais rpido e

    sustentvel.

    27

    Figura 14

    Taxa de crescimento do Consumo Privado e Tendncia

    Essa nova orientao tambm apareceu como uma resposta atrasada, porm

    decididamente pr-cclica, crise mundial no fim dos 2008.

    28

    Essa orientao da

    poltica ajudou o Brasil a contrair a economia relativamente menos em 2009 e se

    recuperar mais rapidamente que muitos pases que seguiram estritamente o mesmo

    regime geral de poltica. importante notar que a expanso no foi abortada pelo

    27

    Ver Carneiro(2010).

    28

    Isso ocorreu aps alguma hesitao inicial, uma vez que o Banco Central novamente comeou a

    aumentar as taxas de juros em meados de 2008, mais uma vez dizendo que a inflao era resultado do

    excesso de demanda e no do maior boom de preos das commodities ao redor do mundo de toda a

    dcada (Araujo; Gentil, 2009). O efeito relevante na inflao foi que o aumento da taxa de juros

    aumentou ainda mais o diferencial de juros, permitindo uma forte e rpida apreciao cambial no

    perodo em que os spreads dos mercados emergentes comearam a subir. Aps uma forte e sbita

    desvalorizao cambial durante a crise, as taxas de juros foram diminudas, mas o diferencial de juros

    aumentou e ajudou o processo posterior de valorizao cambial.

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    -25-

    Banco Central do Brasil no por mudana de orientao poltica, mas principalmente

    devido ao fato que uma queda nas taxas de juros internacionais e nos spreads

    permitiram ao BC atingir a meta de inflao anual com uma baixa taxa de juros

    nominal e real, uma vez que a taxa de juros em queda foi compatvel com, e a maior

    causadora, da continua apreciao do Real brasileiro em relao ao dlar.

    Na mesma linha, durante o perodo de crise de 2008, a poltica fiscal anti-

    cclica apenas foi possvel devido forte e sbita desvalorizao cambial que ocorreu

    no meio da crise (e era necessrio evitar a fuga de capitais) que foi primeiramente

    contrabalanceada em termos de inflao domstica pelo colapso simultneo dos

    preos internacionais em dlares das commodities. A desvalorizao depois foi

    rapidamente revertida quando os spreads dos mercados emergentes voltaram a cair

    aos seus nveis pr-crise.

    3 Distribuio de renda e reduo da pobreza

    Em termos de distribuio de renda, podemos notar uma queda continua do

    ndice de gini (ainda que este tenha iniciado de um nvel bem alto) durante todo o

    perodo. Essa aparente reduo da desigualdade, entretanto, at 2004 deve ser

    diferenciada do que aconteceu no perodo seguinte. Em primeiro lugar, enquanto o

    ndice de gini caa continuamente, a parcela salarial na renda caiu at 2004 e se

    recuperou lentamente a partir de 2005. Para entender esse aparente paradoxo,

    devemos notar que o ndice de gini calculado por pesquisas famlias que capturam

    praticamente apenas as rendas do trabalho (tanto formal quanto informal) e

    subestimam drasticamente a renda recebida da propriedade e ignoram a renda retida

    dentro do setor empresarial.

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    -26-

    Figura 15

    Parcela salarial e ndice de gini

    Assim, pelo menos uma parte da reduo do ndice de gini at 2004 deve ser

    explicada pelo fato que, devido ao baixo crescimento da economia e das

    oportunidades de emprego e da queda da parcela salarial, a renda mdia absoluta do

    trabalho, medida pela renda familiar estava caindo. Por outro lado, o salrio minimo

    real estava subindo. Dessa forma, parece que at 2004 a reduo da desigualdade

    vinha em grande medida de uma queda dos salrios mais altos do que do aumento

    dos salrios dos trabalhadores mais pobres. Aps 2005 a renda familiar mdia

    comea a crescer devido a salrios reais mdios mais altos e o crescimento mais

    rpido da economia e aumento dos empregos formais, e o salrio mnimo real cresce

    de maneira ainda mais rpida, com crescimento tambm da parcela salarial na renda.

    O ndice de gini continua caindo, mas no de se surpreender que a taxa de pobreza

    tenha cado mais rapidamente no segundo perodo.

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    -27-

    Figura 16

    Renda real media das famlias (azul) x e salrio mnimo real (vermelho)

    Aqui podemos ver tambm o papel crucial da melhora nas condies

    financeiras e de comrcio internacional para a recuperao dos salrios reais e da

    parcela salarial na renda, que parecem ser bastante influenciadas pela apreciao da

    taxa real de cmbio (o aumento dos salrios reais em termos de bens tradables) e pelas

    taxas reais de juros mais baixas (que parecem afetar as margens de lucro ao

    estabelecer os custos financeiros e de oportunidade do capital para as firmas).

    O resultado em termos de reduo de pobreza podem ser vistos na Figura 17

    abaixo, onde os dados disponveis mostram que tanto a parcela dos pobres quanto

    dos extremamente pobres na populao eram estveis, inclusive crescendo um pouco

    na recesso de 2003 . A partir de 2004 as duas parcelas comeam a cair, mesmo na

    recesso de 2009.

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    -28-

    Figura 17

    Taxa de pobreza

    4 O retorno da restrio externa?

    Apesar dos resultados muito melhores em termos de crescimento do produto

    e da distribuio da renda desde 2006, o arcabouo de poltica econmica atual

    parece se defrontar com problemas estruturais. Como foi visto, a melhora no

    desempenho da economia brasileira foi resultado de uma combinao de uma boa

    melhora nas condies externas com que a economia se defrontava com uma

    mudana pequena, porm til, em direo de uma orientao de poltica

    macroeconmica expansionista mais pragmtica. Agora ambos os aspectos esto em

    risco.

    Com relao restrio externa, o principal problema reside no fato de que a

    taxa de cmbio o nico instrumento de controle inflacionrio, via apreciao

    sistemtica, e isso comea a afetar a conta corrente e a competitividade da indstria,

    especialmente nos setores de tecnologia mais sofisticadas. A Figura 18 mostra a

    apreciao real da taxa de cmbio, que desde 2007 (excluindo o perodo de crise) est

    abaixo do nvel de meados de 1994, quando o plano Real foi implementado e a alta

    inflao foi finalmente controlada.

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    Figura 18

    Taxa de cmbio efetiva real

    Como resultados do processo de apreciao da taxa de cmbio real podemos

    citar a diminuio do saldo da Balana Comercial (crescimento das exportaes

    menor que seria e o as importaes vem crescendo rapidamente) assim como o

    aumento das remessas de lucros, juros e ganhos de capital, que esto levando a uma

    rpida deteriorao da conta corrente brasileira.

    Com relao competitividade externa, estimativas mostram que o coeficiente

    importado aumentou na indstria manufatureira em 8.1 pontos percentuais de 1996

    a 2008. O caso ainda mais drstico o das indstrias tecnologicamente mais

    avanadas, como os setores Equipamentos de Comunicao e Eletrnicos e

    Equipamentos Mdicos e de Hospital, Automao Industrial e Preciso, os quais

    tiveram um aumento no coeficiente importado no mesmo perodo de 32.7 pp e 35.1

    pp respectivamente. O ultimo, por exemplo, alcanou um coeficiente importado de

    65% em 2008. Isso mostra que a indstria brasileira est substituindo a produo

    domestica de insumos por importados de maneira rpida.

    29

    29

    Ver Carneiro (2010).

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    -30-

    Apesar destas tendncias, a indstria brasileira no enfrentou conseqncias

    ainda mais severas porque o mercado interno cresceu muito rpido, assim como as

    exportaes de bens manufaturados (inclusive bens de capital) para mercados

    emergentes como os pases membros do Mercosul e de bens da industria extrativa e

    minerao (que reduziram o coeficiente importado) para o mercado mundial.

    Alguns analistas minimizam os riscos do aumento do dficit em conta corrente

    devido prvia acumulao de reservas internacionais e a esperana disseminada

    que o Brasil em poucos anos se tornar um grande exportador de petrleo

    (explorando as reservas recentemente descobertas das camadas profundas do Pr-

    sal). Mas o fato que desde o fim de 2009 o influxo de investimento estrangeiro

    direto no tem sido suficiente para contrabalancear o dficit em conta corrente, e a

    continua acumulao de reservas vem dependendo da entrada de fluxos de capitais

    de curto prazo.

    Figura 19

    Investimento Estrangeiro Direto, Conta Corrente e Necessidade de Financiamento Externo

    (US mi, acumulados em 12 meses)

    Fonte: SOBEET (2010).

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    5 Politicas Alternativas

    Alguns (mas certamente nem todos) desses problemas de competitividade

    poderiam ser mitigados por uma forte desvalorizao cambial. Isso provavelmente

    traria um impacto inflacionrio, pelo menos de curto prazo, e poderia levar a uma

    queda permanente no salrio real.

    30

    Esse efeito distributivo negativo traria ainda

    conseqncias negativas para o crescimento do consumo e da demanda efetiva como

    um todo apesar de seus possveis efeitos em reduzir substancialmente o ritmo das

    importaes, assim como levar a uma melhora do desempenho exportador de alguns

    setores.

    As condies objetivas da piora da situao externa so agravadas pelo estado

    corrente do debate de polticas pblicas no Brasil, tanto dentro quanto fora do

    governo. A maioria dos economistas brasileiros (incluindo a maioria daqueles que se

    dizem heterodoxos, Keynesianos ou at progressistas) no apenas esto

    prescrevendo uma grande desvalorizao cambial sem preocupao com os impactos

    distributivos como tambm insistem no caminho de diminuir a taxa de juros real

    domstica, que necessria para pelo menos frear a tendncia de continua apreciao

    cambial, (novamente) com uma grande contrao fiscal. Isso presumivelmente

    poderia permitir o controle do governo sobre a taxa de crescimento da demanda

    agregada apesar de manter uma taxa real de juros mais baixa e controlar a inflao.

    Um problema com essa percepo popular que, como foi visto, a inflao

    brasileira causada essencialmente pelos fatores de presso de custo e, em particular,

    pelo aumento dos preos das commodities importadas e exportveis. Uma contrao

    fiscal certamente diminuiria o ritmo de crescimento da demanda agregada, mas

    30

    Outra caracterstica da economia brasileira nos anos 2000 a quase ausncia de resistncia do salrio

    real, tanto que existe uma forte correlao inversa entre o nvel de taxa de cmbio nominal (R$ por

    US$) e salrio real mdio (ver Serrano, 2010a).

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    precisamente porque isso no gera uma apreciao cambial no h, devemos repetir,

    nenhum impacto direto e sistemtico na tendncia inflacionria.

    Apesar disso, para controlar o crescimento da demanda agregada seria muito

    mais eficiente e socialmente mais desejvel controlar o crescimento dos gastos

    privados ao invs dos pblicos. Afinal, no difcil mudar rapidamente a

    disponibilidade do credito ao consumidor no Brasil ao modificar os spreads dos

    bancos estatais comerciais, aumentando os depsitos compulsrios de reserva (que

    agem como um imposto sobre os bancos e aumentam seus spreads e suas taxas de

    emprstimos), e especialmente reduzindo o nmero de prestaes de certos tipos de

    operao de crdito (tipicamente o financiamento de bens durveis). Essas medidas

    so socialmente mais aceitveis que o corte de investimento pblico, de penses de

    aposentadoria, outras transferncias sociais ou salrio mnimo (ou salrios dos

    servidores pblicos em geral). E o controle do crdito de fato muito mais direto e

    efetivo em termos de controle do crescimento da demanda do que o aumento da taxa

    bsica de juros, ainda que a ltima seja muito mais efetiva no controle da inflao

    precisamente devido aos seus efeitos sobre o cmbio nominal.

    A maneira mais segura de tentar diminuir a tendncia de apreciao da taxa

    de cmbio diminuindo a taxa bsica de juros e/ou taxando a entrada de fluxos de

    capitais, sendo que a primeira muito mais simples e eficiente que a ltima. E ainda

    por cima um diferencial de juros igual a zero eliminaria tambm o custo fiscal de

    acumular uma grande quantidade de reservas.

    Se o governo quiser realmente no depender tanto da taxa de cmbio para

    controlar a inflao, poderia ser mais sensvel em fazer mais progressos diminuindo

    o grau de indexao e/ou margens de lucros excessivas dos servios de utilidade

    pblica privatizados, bem como fazer mais uso de instrumentos fiscais para enfrentar

    a inflao de custo das commodities importadas e exportveis. Essa ltima proposta

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    poderia ser feita ao diminuir temporariamente os impostos de importaes dos bens

    bsicos cujos preos so muito volteis e que estejam visivelmente crescendo demais,

    como o Brasil j fez com a gasolina, o leo diesel e com os preos do trigo em 2008.

    Ao mesmo tempo, as exportaes de alguns bens bsicos poderiam ser taxadas

    quando seu preo em dlares aumentasse muito em um perodo curto de tempo,

    para prevenir com que esses aumentos fossem repassados para os produtos

    domsticos.

    Se for necessria uma forte desvalorizao cambial para restaurar a

    competitividade externa, a diminuio seletiva de impostos de importao e

    aumentos nos de exportao mencionados acima devem ser altos. Isso teria o efeito

    positivo de mitigar o impacto negativo da desvalorizao cambial sobre os salrios

    reais. Idealmente poderia ocorrer junto com uma reduo das margens de lucros e da

    indexao dos preos monitorados mencionados acima, assim mesmo que os salrios

    reais caiam um pouco em termos dos bens tradables isso poderia ser compensado com

    um aumento em relao a alguns servios non tradables.

    Um imposto alto para a exportao de algumas commodities tambm poderia

    prevenir a desvalorizao cambial de aumentar ainda mais a lucratividade relativa

    do setor exportador de commodities. Isso poderia ajudar na mudana da pauta de

    exportaes para longe da dependncia excessiva das commodities e ao mesmo tempo

    proteger o setor industrial das importaes excessivamente baratas.

    31

    31

    Um imposto geral sobre todas as exportaes e um subsdio igual para todas as importaes seria

    igual a uma apreciao cambial. A vantagem de desvalorizar o cmbio e depois taxar e subsidiar de

    maneira seletiva produtos bsicos especficos em que o Brasil tomador de preos no mercado

    internacional que isso equivalente a uma poltica de taxas de cmbio mltiplas. Essa poderia ser

    uma maneira de lidar com a doena holandesa sem diminuir o salrio real, que Bresser Pereira

    (2010) parece considerar artificialmente alto apesar da forte tendncia de declnio das parcelas

    salariais na renda no Brasil desde a dcada de 90at meados dos 2000. Administrativamente, esse tipo

    de esquema poderia ser gerenciado pelo Fundo Soberano Brasileiro, de forma com que uma rpida

    mudana nas receitas e gastos dessas operaes no interferisse nas deliberaes normais do

    oramento pblico.

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    Uma desvalorizao real da taxa de cmbio, entretanto, ainda que til,

    certamente no suficiente para restaurar a competitividade industrial. O Brasil

    necessita de mais investimento publico em infra-estrutura para melhorar sua

    logstica e reduzir os custos de exportao e praticar uma poltica industrial de

    avano tecnolgico em alguns setores, de preferncia usando o poder de compra do

    governo para garantir esses resultados, uma vez que a indstria brasileira precisa

    bastante fazer alguma substituio de importaes nos setores industriais

    tecnologicamente mais avanados de maneira a reduzir a tendncia de crescimento

    do coeficiente de penetrao. Essas polticas parecem ter mais externalidades

    positivas em termos de melhora da competitividade e da produtividade da economia

    do que um mero incentivo fiscal ou reduo da carga tributria para firmas que so

    favorecidas por aqueles que propem grandes cortes fiscais.

    Essas questes de poltica obviamente so controversas e complexas na

    prtica, mas uma meno simples de alternativas aqui tem apenas o propsito

    limitado de mostrar que implcitas nas diferentes propostas de poltica econmica

    existem no apenas vises diferentes de como a economia funciona, mas tambm

    claras distines em questes que dizem respeito distribuio da renda.

    Consideraes Finais

    Como foi visto, as condies externas com que a economia brasileira se

    defrontava melhorou subitamente e consideravelmente desde 2004. As autoridades

    brasileiras foram um pouco lentas para perceber isso e comear a usar o considervel

    espao poltico que foi aberto para o crescimento por essas mudanas mesmo nos

    pases em que o governo no estava preparado para alterar o livre movimento dos

    fluxos de capitais de curto prazo e queria manter o trip convencional de poltica

    macroeconmica de metas de inflao, cmbio flutuante e altas metas de supervit

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    primrio. Mas no fim das contas o pragmatismo prevaleceu e, aps 2006, a economia

    se moveu para uma tendncia de crescimento econmico mais elevado.

    A manuteno desse ritmo mais rpido de crescimento dentro do contexto de

    uma rpida deteriorao da conta corrente demandar uma orientao de poltica

    ainda mais pragmtica. O retorno ao debate brasileiro recente de propostas de

    poltica de forte contrao fiscal, proposto originalmente em 2005 e cuja derrota

    finalmente permitiu ao Brasil retomar o crescimento aps 2006, certamente um

    terrvel pressgio.

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