serie outlander e o mito de demeter e persefone

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Um paralelo entre a série Outlander e o mito de Perséfone e Hades por Caio Costa O trabalho tem como objetivo analisar a série Outlander, baseada no livro Outlander A Viajante do Tempo de Diana Cabaldon. A proposta é uma leitura da série com suas referências e similaridades com o mito de Deméter, Perséfone e Hades. O foco será na relação entre Hades e Perséfone, na série representados por Claire e Jamie. A história de Hades e Perséfone encontrase no Hino a Deméter, que é um dos hinos atribuídos a Homero. “Deméter, deusa do grão e da colheita, cuidando de cobrir a terra de verdura, flores e frutos, não estava junto à filha, a linda Perséfone também chamada de Core. Naquele dia, esta brincava com as ninfas no campo de Nísia. Teciam coroas e guirlandas ‘misturando violetas e íris, rosas, jacintos e lírios’. Atraída pelo perfume e pela exuberância do narciso ‘de cem ramos’, Core afastase das companheiras e debruçase para colher um botão que floria na borda de um penhasco. Nesse momento a terra se abre e surge da fenda o deus da morte e do mundo subterrâneo, Hades, que a carrega apesar de seus gritos, em seu carro puxado por ‘imortais cavalos’”. (Seabra, Zelita. p.48). Em Outlander a enfermeira Claire Randall, após o final da segunda guerra mundial, volta aos braços do marido, com quem desfruta uma segunda lua de mel em Inverness, nas ilhas Britânicas. Durante a viagem, ela é atraída para um antigo círculo de pedras, localizado no topo de um morro no qual testemunha um ritual misterioso. Claire, que tem um grande interesse por plantas e botânica, fica encantada com uma espécie que nunca tinha visto antes e resolve voltar ao local do ritual para pegala. Chegando la algo inexplicável acontece quando ela toca em uma das pedras antigas presentes no topo do morro, e, de

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Outlander - Demeter e Perséfone

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  • UmparaleloentreasrieOutlandereomitodePersfoneeHades

    porCaioCosta

    O trabalho tem como objetivo analisar a srie Outlander, baseada no livro Outlander

    A Viajante do Tempo de Diana Cabaldon. A proposta uma leitura da srie com suas

    refernciasesimilaridadescomomitodeDemter,PersfoneeHades.

    O foco ser na relao entre Hades e Persfone, na srie representados por Claire e

    Jamie. A histria de Hades e Persfone encontrase no Hino a Demter, que um dos

    hinosatribudosaHomero.

    Demter, deusa do gro e da colheita, cuidando de cobrir a terra de verdura, flores

    e frutos, no estava junto filha, a linda Persfone tambm chamada de Core. Naquele dia,

    esta brincava com as ninfas no campo de Nsia. Teciam coroas e guirlandas misturando

    violetas e ris, rosas, jacintos e lrios. Atrada pelo perfume e pela exuberncia do narciso

    de cem ramos, Core afastase das companheiras e debruase para colher um boto que

    floria na borda de um penhasco. Nesse momento a terra se abre e surge da fenda o deus

    da morte e do mundo subterrneo, Hades, que a carrega apesar de seus gritos, em seu

    carropuxadoporimortaiscavalos.(Seabra,Zelita.p.48).

    Em Outlander a enfermeira Claire Randall, aps o final da segunda guerra mundial,

    volta aos braos do marido, com quem desfruta uma segunda lua de mel em Inverness, nas

    ilhas Britnicas. Durante a viagem, ela atrada para um antigo crculo de pedras,

    localizado no topo de um morro no qual testemunha um ritual misterioso. Claire, que tem um

    grande interesse por plantas e botnica, fica encantada com uma espcie que nunca tinha

    visto antes e resolve voltar ao local do ritual para pegala. Chegando la algo inexplicvel

    acontece quando ela toca em uma das pedras antigas presentes no topo do morro, e, de

  • repente, a jovem encontrase no ano de 1743, numa Esccia violenta e dominada por cls

    guerreiros.

    No mito a deusa Demter (meterra, deusa das colheitas) a procurou por vrios

    dias at que ameaou lanar a infertilidade sobre a terra se a filha no fosse encontrada. No

    livro, a figura materna inexistente, porm, Frank, marido de Claire, a procura

    incessantemente aps seu subto desaparecimento, ele que era um homem feliz, bem

    sucedido, se torna uma pessoa amarga com a perda da esposa, at a fotografia da srie,

    antes cheia de cores fortes, onde os dois viviam em um eterno clima ameno e agradvel,

    agora em tons cinzas, escuros, como as luzes do inverno, os dias so chuvosos e o

    ambiente sombrio na terra dos vivos. Terra dos vivos porque no existe exemplo melhor

    paraomundodosmortosqueopassado.

    Claire se v agora em um tempo distante. Perdida em terras desconhecidas

    capturada por um Escocs, que, em meio a lutas e resistncias, a golpeia na cabea e a

    carrega para seu esconderijo em seu cavalo preto. No mito, Hades raptoua, opusessese

    embora, em seu carro dourado / E conquanto chorasse e gritasse com gritos agudos /

    Invocando o pai Crnida altssimo e forte. Ningum,/ Nem da estirpe imortal nem da estirpe

    doshomensdaterra,/Escutousuavoz,nemasarvresdoadorasdeolivas.(Hh.D.,1922)

    Ambas so levadas para o subterrneo, para as profundezas, para uma terra

    impura. Claire quando chega no esconderijo percebe que encontrase em um casebre

    escuro, mal iluminado. O seu sequestrador Jamie, jovem belo de cabelos ruivos e forte.

    Por enquanto ela ainda sente revolta, sua vontade voltar para os braos do marido.

    Persfone raptada por Hades e levada para o mundo dos mortos, nada mais sombrio e

    subterrneoqueisso.

    Ou seja, como coloca Zelita Seabra o homem irrompe na histria como elemento de

    violncia e profanao. O encontro com o masculino apresentado como um sequestro e

    um estupro. (...) Encenam, como no mito, a experincia profunda da mulher de ser

  • violentada na sua maneira de ser, de perder o ritmo de vida que conhecera at ento.

    (Seabra,Zelitap.63).

    Isso fica muito claro na srie, Claire no mais vive em um mundo ps segunda

    guerra, onde respeitada, onde sua voz tem valor e escutada e acatada em muito bom

    som. Ela agora faz parte de uma poca antiga, bruta, onde as mulheres assumem um lugar

    de submisso ao(s) homem(s). Core morre, no sentido de que no sera mais a mesma.

    Algo morre para que algo possa comear. Seduo, apronta Nor Hall, tem o mesmo radical

    de educao. Significa desviar, conduzir numa outra direo. E essa alterao, essa

    interfernciaeraenecessria(Seabra,Zelitap.6465).

    Aps o rapto, Claire se v obrigada a morar em um castelo chamado Castle Leoch.

    Como descobrem que ela tem dons para enfermagem, a colocam em um calabouo onde

    agora ela viver no por vontade prpria, mas sim porque est sendo obrigada e cuidara

    dos doentes e dos mortos, apesar de uma primeira relutncia, percebemos no olhar de

    Claire uma afeio por seu sequestrador, tudo em sua volta desperta sua curiosidade,

    algo novo, algo remoto, percebese que sua cabea pensa em voltar, porm a jornada em

    queseencontraacomovedecertamaneira.

    Com Persfone igual, Sentimos Persfone plena de vida, sofrendo ao ser levada

    para longe de tudo o que conhecera e amara at ento, mas consciente de estar sendo

    arrebatada numa grande aventura. A experincia tremenda em que lanada conduz

    descoberta da sexualidade, ao encontro com o masculino e ao incio de conhecimento dela

    mesma.(Seabra,Zelitap.67)

    Aps o desaparecimento de Claire, o marido fica desolado, perdido em terras

    estrangeiras ele busca incessavelmente, os policiais ja o conhecem, ele no consegue mais

    dormir,notomamaisbanho,nodorme.Seudesesperoinconsolavel.

    O sofrimento de Demter descrito por Helen Luke: Errante pela terra, com medo e

    dor, ela busca a filha sem entender. Est totalmente identificada com seu sofrimento,

    engolida por ele at seu corpo esquecido j que no come nem se lava. o comeo da

  • luta indizivelmente dolorosa da mulher para separarse de suas emoes possessivas, luta

    daqualunicamentepodenasceroamor.(Seabra,Zelitap.66)

    Enquanto isso, Claire mantida como prisioneira e obrigada a trabalhar como

    enfermeira, ao longo dos episdios ela desenvolve uma afeio por Jamie, mais a frente na

    histria, por estar sendo procurada pelo exrcito Ingls, Claire forada a se casar com

    Jamie para manter sua liberdade. Ao longo de toda a narrativa ela queria voltar para o seu

    tempo, para ficar com seu verdadeiro marido, agora percebemos uma mudana. Claire se

    libertadeseupassadoeagoracomeaaseverpertencendoquelelugar.

    Como, em nome de Deus, isso veio a acontecer? Perguntei a mim mesma algum

    tempo depois. Havia seis semanas, eu estava inocentemente colhendo flores silvestres

    numa colina da Esccia para levar para casa para o meu marido. Agora, estava trancada

    num quarto de uma hospedaria rural. Aguardando um marido completamente diferente, que

    eu mal conhecia, com ordens rgidas de consumar um casamento forado, sob o risco de

    minhaprpriavidaeliberdade.(DianaGabaldonp.256)

    Persfone, por outro lado, vive um casamento simblico. Hades coage a jovem a

    comer uma rom: Hades colocou dissimuladamente em minha mo/ Um alimento doce e

    aucarado, uma semente de rom,/ e, contra a minha vontade, usando de fora,/ ele me

    obrigouacomla.(Hh.D.,411413)

    De acordo com Junito Brando, o simbolismo da rom trata essencialmente, de um

    smbolo de fecundidade, de posteridade numerosa. (...) comendo a semente da rom, ela

    quebrou o jejum, que era a grande lei do Hades. Quem ali comesse fosse o que fosse no

    maispoderiaregressaraomundodosvivos.(Brando,Junito.p.323)

    De acordo com Junito a semente de rom que condenou Persfone s trevas, por

    uma contradio aparente do smbolo, condenoua tambm esterilidade. Paradoxo

    realmente aparente, porque a lei permanente do Hades prevalece sobre o prazer efmero

    dehaverelasaboreadoumadocesementederom.(Brando,Junito.p.323)

  • Claire tambm diz que estril para Jamie na sua noite de npcias. O casamento

    celebrado com um grande banquete e de acordo com tradies locais, a unio s se torna

    reconhecida depois que todos os convidados e os noivos se saciarem no banquete. Aps o

    casamento simblico, Claire e Jamie tm relaes sexuais, e agora, de fato, a jovem se

    sente atrada pelo rapaz. No mito a rom simboliza a unio, um determinado retorno

    obrigatrio,jnolivrotemosobanquete,eaconsumaodaunionoquarto.

    Claire agora se v apaixonada e cada vez menos pensa em seu antigo marido.

    Porm, ainda usa ambas os aneis de casamento, simbolizando um passado, uma ligao

    que no se apagou. Algo ainda prende Claire ao mundo dos mortos. Mais a frente na srie

    Claire volta a terra dos vivos e reencontra seu marido Frank. Essa transio se mantm. Ela

    horaseencontranopassado,horanopresente.

    Persfone tambm retorna para os braos da me. Zeus, deus supremo do Olimpo,

    curvase diante da dor e perda de Demter e envia Hermes ao Hades com a misso de

    convenceloacederPersfoneparaquefiquecomsuame.

    Tornamse claras as referncias ao longo de toda a histria, esse trabalho no tem

    como objetivo mostrar a inspirao da obra de Diana Gabaldon no mito de Demter, mas

    sim mostrar como os mitos gregos ainda permeiam todo o nosso cotidiano, nossos filmes e

    nossa cultura. revigorante perceber que contos do sculo V a.C. ainda so to relevantes

    enotriosnasociedadecontempornea.

    Bibliografia

    1. Seabra,Zelita,DeuseseHeris.Record,RiodeJaneiro,2002.

    2. Brando,Junito,MitologiaGregaVol.1.EditoraVozes,25Edio,Petrpolis2013.

  • 3. Lourax, Nicole, Maneiras Trgicas de Matar uma Mulher. Jorge Zahar Editor Ltda,

    RiodeJaneiro,1988.