sÉrie fotogrÁfica - o prazer afetivo da resignação (2012)

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Page 1: SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)
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O corpo humano possui um complexo funcionamento biológico, no entanto, mais

complexo ainda são as relações sociais a partir dele. Somos nosso veículo de comunicação, por

onde expressamos a nossa identidade. As expressões faciais, o ato de gesticular, falar e olhar são

elementos universais que caracterizam a personalidade em determinados momentos. Outro meio

de diálogo está presente na forma como nos vestimos, intensificando conotações positivas ou

negativas sobre si. É através destas representações que adentramos o imaginário cognitivo e

emocional dos círculos sociais. Conforme Shilder (1981) apud Galhordas e Lima (2004, p.38),

[...] O corpo tem uma série de funções, essenciais para a saúde emocional e para

a vida relacional, considerando o corpo um objeto de relação e comunicação da

pessoa com o mundo e consigo própria. Neste sentido, o corpo constitui uma via

para a impressão dos comportamentos sociais, dos sentimentos físicos e

emocionais. [...][Em sua obra Shilder] salienta a importância do rosto, a

principal parte do corpo aberta à comunicação, destacando também a

importância da marcha para a descoberta do mundo e para a autonomia e

independência do ser humano. [1]

A ausência de saúde é um indicativo de estranheza, beirando do desconforto a

compaixão. Não obstante, quem é detentor desta chaga, merecedores de tal castigo divino, como

costumam sugerir muitos religiosos que tem o prazer em visitar quartos hospitalares, a doença

não é somente uma condição, mas uma presença contínua que determina a fragilidade e

incapacidade. Neste contexto, não existe nada mais sublime que ser minuciosamente analisada

por uma criança em um ambiente público, alheia a qualquer tipo de etiqueta social ou norma

educativa. É clara a estranheza dela a partir dos seus olhos atentos aos resquícios de um

procedimento médico, como esparadrapos e gaze. Isto só é rompido quando, geralmente a mãe,

toma a decisão de suprimir o ato chamando a atenção da criança. Ainda que fosse mais cômodo

para ela reprimir, eu não me incomodaria em permanecer como objeto de uma análise sincera

perante aqueles olhos, longe da compaixão depreciativa que os seres humanos costumam

cultivar. Quem dera fossem os humanos seres que pudessem manter esse olhar sincero e curioso

sobre a vida e a sua naturalidade. Em Ética e Moral : A busca dos fundamentos, Boff (2003,

p.55) discorre sobre o ethos que compadece,

Mas precisamos, antes, fazer uma terapia da linguagem, pois compaixão possui,

na compreensão comum, conotações negativas que lhe roubam o conteúdo

altamente positivo. Consoante essa compreensão comum, ter compaixão

significa ter peninha do outro, sentimento que o rebaixa a condição de

desamparado, sem energia interior para erguer-se. Então nos com-padecemos

dele e nos com-doemos de sua situação. Assim, por exemplo, no faminto (e são

bilhões na sociedade) vê apenas a fome de pão. Não se vê que simultaneamente

existe nele a fome de beleza que grita por se realizar e que com nossa

solidariedade poderia ser saciada. [2]

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Quando é dada a validação de uma enfermidade incurável, todos os elementos

básicos para a manutenção da vida passam a ser prioridade, aparecendo como um marcador, com

o poder de revogar qualquer precedente expressivo. Nascer com uma doença crônica, é a

condição de afirmar a ininterrupta luta pela existência, na busca por uma melhor adequação sobre

ser diferente ou estranho, e assim, na melhor das hipóteses transformar-se em alguém semelhante

e comum. É através das tentativas de executar os rituais sociais estabelecidos, que serão

fornecidos subsídios para a formação do indivíduo, no entanto, este é um processo doloroso e

continuamente repetitivo, pois este corpo nunca será compatível com um humano considerado

normal. A minha produtividade não é equivalente, não poderei gerar filhos sem o risco de

contaminá-los, de tal modo, devo provar a minha capacidade em dobro não importando as

inúmeras e ultrapassadas vezes que já a efetuai. Uma vez que minha identidade é transitória,

estou em plena transformação. Na série fotográfica, Composto Químico Deficiente (2012), cito

no artigo que escrevi um trecho pertinente a esta visão,

Naturalmente a deficiência faz parte da condição humana, em dado momento

todos serão descapacitados, ao tempo que reconhecer que grande parte da

população experimenta a deficiência, implica dizer que a incapacidade da

sociedade em se ajustar a diversidade resulta na exclusão de muitas pessoas da

vida social cotidiana. Por mais que haja a necessidade de admitir a deficiência

como parte integrante da transformação do sujeito, superando as idéias

hegemônicas relacionadas ao fardo, desvio, aberração ou anormalidade. [3]

O mais irônico é a forma precisa como muitas pessoas se referem a quem possui

uma doença deste nível como guerreiro, vencedor, herói e heroína, mas, as cobranças não são

anuladas ou minimizadas por estar habilitada com estes títulos. O processo de migração da

infância para a vida adulta constitui a luta consigo e a luta por espaço na sociedade. Sim, porque

socialmente sou uma pessoa que deveriam esta morta, dada a artificialidade de tratamentos

químicos e intervenções cirúrgicas como ingestão de medicamentos, hemodiálise e transplante

renal. Que não é cura! A finalidade de um transplante como terapia é adequar um melhoramento

expressivo na saúde do paciente, aumentando a sua produtividade, melhorando a sua autoestima,

fortalecendo em geral o seu nível de ajustamento e reduzindo a tensão na família.

A minha existência só é possível porque estou enganando meu próprio corpo e

este permanece em uma infinda batalha na tentativa de sabotagem biológica, enquanto

socialmente estou habilitada como subcategoria. Em contrapartida a todas estas implicações, o

amadurecimento é o sumo dos tumultos gerados. É através deste enfrentamento diário, no âmbito

social e íntimo, que marco a minha presença e neutralizo aspectos negativos que cultivei a

medida que experimentei diferentes responsabilidades. Fazendo alusão ao texto, convém

observar sobre a ótica de Tavares (2004, p.769) a seguinte ponto de vista,

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No fundo é a ideia de morte que não desaparece nunca. Ela veste roupagens

diferentes, mas aparece a cada etapa. [...]Isto faz da pessoa transplantada um

sobrevivente, tal como todos os que escaparam a uma morte prometida. Porém é

um sobrevivente particular. Para os sobreviventes em geral, o tempo que passa

afasta-os da ideia de morte, afasta-os do perigo que pertence cada vez mais ao

passado. Mas para a pessoa transplantada, a morte permanece possível a cada

etapa, fazendo dela um eterno sobrevivente [4]

A resignação é uma constante sobre a aceitação, existindo momentos de

insatisfação, tristeza e contestação, necessários para a reafirmação de si ao longo da vida, a

única forma de manter a própria essência. Embora seja um processo violento, é através dela que

existe o reconhecimento do prazer mais legitimo que se possa encontrar. Respirar, caminhar na

rua, ver o movimento da cidade, alimentar-se, tomar água e até mesmo constituir o domínio

sobre a própria mente é provar das necessidades básicas em busca de autonomia. O prazer em

manter-se vivo depende da estabilidade e independência sobre o corpo. Pouco engana ou só

engana a si, quem tece conselhos sobre “poderia ser pior” a quem menos precisa. Até porque,

sim, poderia ser pior e mesmo assim eu nunca deixaria de lutar se eu não pudesse andar ou

respirar por si. Este é um momento meu e uma vivência minha. Neste universo eu me reconheço,

portanto, se as regras e normas sociais não me favorecem nunca ou quase nunca, de fato eu não

tenho compromisso algum de ouvir suposições. A grande batalha encontra-se em estar em

contato contínuo com a morte, fazendo de si um eterno sobrevivente. Morte e vida estão

indissoluvelmente associadas no plano simbólico, ainda em sua pesquisa, Tavares (2004, p.769)

compõe,

[...] A grande alquimia, e por isso a mais difícil de construir, será a

transformação desse frágil existir, num sentimento pleno e profundo de direito à

vida, onde se deixam cair os marcadores do tempo, e onde interessa unicamente

a plenitude de cada dia. Cada dia será então uma vida. É a qualidade dessa vida,

[...]que fará a magia que transformará o sobrevivente num vivente pleno. [5]

Na tentativa de externar tais sentimentos, surgiu a série fotográfica “O Prazer

Afetivo Da Resignação”. Conceptualmente as imagens deste trabalho apresentam diferentes

representações em relação aos elementos atribuídos dentro a narrativa. A utilização dos rins

suínos é pautada na semelhança anatômica com os rins humanos, investindo em uma carga

dramática expressiva, como evidência do ponto de vista psicológico da personagem. A relação

entre o objeto de desejo expresso pelo órgão mantenedor da vida denota a necessidade de apego

a sobrevivência. Este desejo permanente é categórico na presença dos objetos, agulha e linha,

unindo rim e corpo como prova de seu manifesto. A atmosfera cenográfica e o figurino destacam

um conflito atribuído à cor branca, pois ao tempo que emana sentimentos de paz e tranquilidade,

considera ainda um padrão encontrado em instituições de saúde pelo seu caráter neutro e frio.

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REFERÊNCIAS

[1] GALHORDAS, João Gonçalo; LIMA, Paula Alexandra Teixeira. Aspectos Psicológicos Na

Reabilitação. Portugal: nº 0, 2004. (Disponível em: http://migre.me/d9odE ) Acesso em: 30 jan. 2013.

[2] BOFF, Leonardo. Etica e Moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis – RJ: Vozes, 2003.

[3] BIRTH, Sarita. Composto Químico Deficiente. Joinville – SC, 2012.

(Disponível em: http://migre.me/d9og0 ) Acesso em: 30 jan. 2013.

[4] TAVARES, Edite. A vida depois da vida: Reabilitação psicológica e social na transplantação de órgãos.

Portugal: nº 04, 2004. (Disponível em: http://migre.me/d9oiu ) Acesso em: 30 jan. 2013.

[5] Id. Ibid., p. 769.

[6] COTTON, Charlotte. A Fotografia Como Arte Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

[7] ECO, Umberto. História Da Feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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––Sarita Birth vive na cidade de

Joinville-SC e concluiu a sua

graduação em Publicidade &

Propaganda no ano de 2011, onde

teve seus primeiros contatos com

a fotografia. Em março de 2009

iniciou seu estágio em

Comunicação & Marketing na

Fundação Pró-Rim.

Durante dois anos realizou

diferentes trabalhos na instituição,

destacando-se na fotografia de

eventos. Embora gostasse do

cargo sentia que poderia explorar

mais o seu potencial.

Ainda em 2008, Sarita Birth,

havia realizado seu transplante

renal. Este fato foi relevante para

a sua contratação dentro da organi-

zação e também para definir o seu futuro como fotógrafa. Em 2011 produziu seu pri -

meiro ensaio intitulado Domingo no Parque

Este trabalho foi um momento de ruptura, pois deixou de lado seus medos,

provenientes das suas características físicas e psicológicas, influenciados por uma

“Sarita pré -transplante”, que deveria ser extinta para libertar a sua capacidade

criativa.