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SER PROFESSOR GEÓGRAFO NA SOCIEDADE TECNOLOGIZADA: O QUE PODE MUDAR NA PRÁTICA? Ana Isabel Leite Oliveira 1 [email protected] UNEB GT6: Educação: formação, ensino e prática docente RESUMO Tema amplamente discutido e vivenciado na contemporaneidade, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) também se tornaram importante objeto de estudo para o sistema educacional. Neste artigo de revisão de literatura, nosso objetivo foi proporcionar ao leitor uma reflexão sobre as práticas de ensino do professor de Geografia na sociedade tecnologizada, as quais foram desafiadas para uma revista diante das possibilidades abertas pelas tecnologias específicas desta área. Concebemos tecnologia como um processo histórico- cultural intrínseco ao desenvolvimento humano individual e coletivo, que complexizou a vida. Nesta circunstância, produzir conhecimento e gerenciá-lo de forma criativa e crítica é um grande desafio. Para a Geografia, as novas tecnologias iniciou um novo debate sobre a relação tempo-espaço, fez emergir uma transformação de forma e conteúdo, o que respalda o pensar novos rumos para a pesquisa e o ensino. Com o foco na construção do conhecimento, na geografia do aluno, na seleção de conceitos básicos e definição de conteúdos procedimentais, vemos que as Geotecnologias podem figurar como meio de construção para o saber 1 Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Geografia da UNEB Campus XI. Doutoranda do Programa de História, Geografia e História da Arte da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha USC.

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SER PROFESSOR GEÓGRAFO NA SOCIEDADE TECNOLOGIZADA: O QUE

PODE MUDAR NA PRÁTICA?

Ana Isabel Leite Oliveira1

[email protected] – UNEB

GT6: Educação: formação, ensino e prática docente

RESUMO

Tema amplamente discutido e vivenciado na contemporaneidade, as Tecnologias da

Informação e Comunicação (TIC) também se tornaram importante objeto de estudo para o

sistema educacional. Neste artigo de revisão de literatura, nosso objetivo foi proporcionar ao

leitor uma reflexão sobre as práticas de ensino do professor de Geografia na sociedade

tecnologizada, as quais foram desafiadas para uma revista diante das possibilidades abertas

pelas tecnologias específicas desta área. Concebemos tecnologia como um processo histórico-

cultural intrínseco ao desenvolvimento humano individual e coletivo, que complexizou a vida.

Nesta circunstância, produzir conhecimento e gerenciá-lo de forma criativa e crítica é um

grande desafio. Para a Geografia, as novas tecnologias iniciou um novo debate sobre a relação

tempo-espaço, fez emergir uma transformação de forma e conteúdo, o que respalda o pensar

novos rumos para a pesquisa e o ensino. Com o foco na construção do conhecimento, na

geografia do aluno, na seleção de conceitos básicos e definição de conteúdos procedimentais,

vemos que as Geotecnologias podem figurar como meio de construção para o saber

1 Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Geografia da UNEB – Campus XI.

Doutoranda do Programa de História, Geografia e História da Arte da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha – USC.

geográfico, passível de potencializar análises e sínteses das diversas dimensões sociais,

conduzidas pelo olhar complexo e metodologia interdisciplinar.

PALAVRAS-CHAVE: Tecnologia. Geotecnologias. Ensino de Geografia.

INTRODUÇÃO

Educação, política, economia, cultura são dimensões sociais inseparáveis. A adaptação

do homem ao ambiente, a busca da satisfação das suas necessidades, construíram o caminho

para a constituição da complexa sociedade que nos inserimos. Estabeleceram relações de

ensino-aprendizagem que possibilitaram a transmissão e o aperfeiçoamento de técnicas e

linguagens, assim como de relações de poder, firmadas pelo domínio dessas duas

intermediações, pelas trocas/ganhos/perdas que proporcionaram, resultando grupos sociais

com especificidades geradas por essas combinações.

Desta perspectiva, o que e como educamos, traçamos diretrizes, erigimos relações

financeiras, interpessoais, ambientais, desenvolvemos a técnica e a tecnologia são, ao mesmo

tempo, elementos condicionados pelas realidades materiais e imateriais do espaço geográfico

e elementos condicionantes deste mesmo espaço. Estão intrinsecamente vinculados ao

desenvolvimento individual e coletivo da humanidade, consequentemente, não podem ser

desconsiderados nas discussões sobre a inserção das novas tecnologias nas práticas de ensino

do professor de Geografia.

Para Mercado (1999), novas tecnologias são:

recursos tecnológicos que envolvem o uso de computadores e redes

telemáticas (internet), que são o conjunto de processos e produtos derivados

da informática, suportes de informação e canais de comunicação

relacionados com o armazenamento, processamento e transmissão

digitalizada de informação. (MERCADO, 1999, p. 11).

Percebe-se que o qualitativo novas para tecnologia advém exatamente do contexto

informacional. Novos são os recursos, novos são os usos, resultados e processos deles

decorrentes. A dinâmica das diversas dimensões sociais foi rápida e profundamente alterada.

Na área da construção do saber, instrumentos e métodos foram criados. Na Geografia as

tecnologias geográficas ampliaram possibilidades de pesquisa e de intervenção na realidade.

Assim, concordamos com Brito (2011), quando este diz que a presença da tecnologia

em todos os setores da sociedade constitui um dos argumentos que comprovam a necessidade

de sua presença na escola e, principalmente, na formação de um cidadão competente quanto

ao seu instrumental técnico, mas, principalmente, no que se refere à interação humana e aos

valores éticos.

Para Brito (2011) somos membros de uma sociedade tecnologizada. Nesta

circunstância, produzir conhecimento e gerenciá-lo de forma criativa e crítica é um grande

desafio. A repetição de velhos erros e vícios pode encontrar na informática ou em outro

recurso tecnológico aplicado à educação um favorável instrumento, a depender do ponto de

vista teórico/metodológico/filosófico do profissional.

Compreendendo que o ser humano não pode estar fora do contexto histórico-social;

que humanismo2 e tecnologia não se excluem; que o homem não é mero objeto da técnica e

que esta não é neutra; que a educação é um processo permanente, em uma relação

estabelecida entre o sujeito consigo mesmo e o sujeito com os outros, em dependência da

comunicação, voltada para um compromisso com a sociedade (FREIRE, 1979) não se pode

ignorar, como afirma Brito (2011, p. 22), que novos hábitos são requeridos pelo cenário

tecnológico dos dias de hoje.

Adentrando na escola, o termo tecnologia educacional comumente nos remeta à

inserção de equipamentos informacionais no ensino. Uma visão reducionista, visto que

somente os instrumentos não garantem a execução da ação. As mãos apenas ganham

habilidades diante da motivação, do querer fazer, do preparar-se para atingir o objetivo.

Podemos então dizer que para o profissional da educação tal inserção na formação se faz

importante, mas a autonomia no formar-se, no traçar objetivos, no pensar no processo ensino-

aprendizagem como socialmente transformador é que agrega a essência da tecnologia,

enquanto meio de ação e reflexão.

Diante deste contexto, nosso objetivo foi proporcionar ao leitor uma reflexão sobre as

práticas de ensino do professor de Geografia na sociedade tecnologizada, as quais foram

desafiadas para uma revisão diante das possibilidades abertas pelas tecnologias específicas

desta área. Para tanto, realizou-se revisão de literatura com intuito de melhor compreender o

que se entende por tecnologia, tecnologia geográfica e suas possíveis implicações/desafios

para o trabalho docente.

2 Para Freire (1979) humanismo se refere ao compromisso com o homem concreto, um ser da práxis, que existe

em uma situação concreta.

1 Tecnologia: dos diversos discursos para uma única palavra

Se quisermos saber o quão as tecnologias são relevantes para nossa época, uma noção

poderá ser dada pelo surgimento de denominações como era digital, sociedade da

informação/digital/virtual/tecnologizada, ciberespaço, cibercultura, dentre outras que

referenciam um período iniciado na década de 1990 até os presentes dias, diante dos avanços

das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

Como nos diz Bates (2016), estamos imersos em tecnologia, contexto diferente do

surgimento das instituições educacionais, ocorrido no período industrial. Mudanças foram

sentidas no modo da prática, da comunicação, do acesso à informação. Consequentemente,

essas relações repercutiram diretamente no processo de aprendizagem, o que requer repensar

o ensino na lógica da sociedade digital.

Para tanto, compreender o significado de tecnologia se torna um ponto chave, pelo

fato desta ter proporcionado veloz transformação. Em uma revisão bibliográfica histórica

Veraszto et. al., (2008) afirmam a ausência de um conceito que seja norteador. Defendem a

concepção de que tecnologia e ciência integram dois distintos ramos do saber humano; de que

tecnologia vincula-se a história do homem a qual se iniciou com a história da técnica.

OLIVEIRA (2002), discordando da superação ou abandono de estratégias cognitivas

mais antigas, elenca que as abordagens para a história das técnicas, visto que a tecnologia é

geralmente considerada como resultado da evolução da técnica, são registros mais materiais

que procedimentais, centrados na evolução dos artefatos/instrumentos e organizados por

temas ou paradigmas tecnológicos.

Como exceção encontra-se considerações sobre mudanças de atitude em relação às

técnicas, integração entre abordagens históricas e culturais e historiadores

socioconstrutivistas. Mas, destaca que um ponto de convergência entre todos os historiadores

é o surgimento da tecnologia em função das mudanças na organização social, na cultura,

impressas pelos avanços no modo de produzir.

Assim, partindo de uma visão ampla, Oliveira (2002) compreende a história da técnica

como sendo a história das ideias, do trabalho, do progresso, do tempo, o que lhe confere em

diferentes períodos diversidade de significados, funções e desdobramentos. Supõe que o

processo de racionalização da sociedade moderna influenciou a técnica, levando à

organização, a sistematização dos aperfeiçoamentos deste conhecimento para a transmissão.

De modo que, para o referido autor tecnologia é um estilo de conhecimento, coadunando com

Veraszto et. al (2008) quanto à sua distinção com a ciência.

Retornando para Veraszto et. al., (2008), deparamo-nos com uma tentativa de

categorização para definições de tecnologia por parte desses autores: (1) concepção

intelectualista: conhecimento prático, acumulativo, derivado da ciência ou ciência aplicada;

(2) concepção utilitarista: sinônimo de técnica, conhecimentos eficientes para determinados

usos; (3) sinônimo de ciência: tecnologia como ciência Natural e Matemática; (4) concepção

instrumentalista: predominante no senso comum, limita-se a equipamentos; (5) como

sociosistema: novo conceito que relaciona demanda social, produção tecnológica com a

política e economia.

Assumindo definição própria Veraszto et. al., (2008) definem tecnologia somo sendo:

um conjunto de saberes inerentes ao desenvolvimento e concepção dos

instrumentos (artefatos, sistemas, processos e ambientes) criados pelo

homem através da história para satisfazer suas necessidades e requerimentos

pessoais e coletivos. (VERASZTO et. al., 2008, p. 78).

Este nos parece ser um ponto de vista bastante adequado para o nosso propósito. A

tecnologia assim concebida não se volta para a entrega de um produto, mas para a

constituição de um processo histórico-cultural. Integra o desenvolvimento humano, desde o

surgimento dos primeiros artefatos, agregando seus aprimoramentos, originando um

conhecimento prático que sistematizado reeditou o homem, a sociedade, no sentido de

dinamizar não apenas o seu fazer, mas suas relações com o ambiente e com o próprio homem,

complexizando a vida.

Exatamente nesta direção, Burke e Ornstein (2010) atribuem ao artefato o início da

evolução artificial ou não biológica. A origem dos instrumentos, abordada desde a criação do

machado, provoca no homem mudanças no funcionamento da mente, no comportamento, no

mundo físico e na forma de armazenar e transmitir conhecimento. De mudanças e adaptações

aleatórias, passa-se para mudanças e adaptações previstas, da seleção natural instaura-se uma

seleção não natural, instituindo inclusive relações de poder conferidas pelo domínio das

técnicas e da linguagem.

É neste ponto que dos diversos discursos sobre o significado da tecnologia para nós

esta se traduz em uma única palavra: humanização. Desta forma vista, a tecnologia é interna e

externa ao ser humano. Modificou a estrutura e o funcionamento físico-mental, originou um

conhecimento artificial, que ao codificar a natureza permitiu o domínio do mundo, dividindo-

o entre os que promovem a mudança e os que a ela se submetem (BURKE; ORNSTEIN,

2010). A transmissão do conhecimento e obtenção de tal conhecimento torna-se instrumento

de poder, de dominação, diretamente dependente da capacidade cognitiva, de um processo de

ensino-aprendizagem. Daí, compreendermos a inter-relação estabelecida inicialmente, entre

educação, política, economia, cultura.

Por isso falar de tecnologia e Geografia. O ensino da Geografia agrega todos esses

fatores com o compromisso de ir além do uso dos equipamentos e programas. Afinal, a

Geografia “se preocupa mais com os laços que dão origem ao complexo geográfico, do que

com os fatos isolados que o compõem” (MONBEIG, 2010). Tais laços dão sentido ao

conjunto dos fenômenos. São relações, redes, fluxos, que se objetivam na realidade concreta e

abarcam todo o avanço tecnológico-informacional que re(constrói) essas ligações

re(configuram) o espaço geográfico.

Criado pelo homem para atender ao homem, seus interesses e as hegemonias por ele

estabelecidas, oportunamente seleciona quem produz e quem consome, seja produtos seja

informação. Destarte, compreendemos que a tecnologia enquanto processo torna-se

instrumento de libertação, de autonomia freiriana, pois se amplia para além do reducionismo

material, alcançando a aquisição de postura crítica e motor de ação, visando uma construção

individual e coletiva. É nessa tecnologia que acreditamos para a educação, uma matriz

humana mediada por recursos/materiais/processos para a promoção da transformação social.

1.1 As tecnologias geográficas

Na Geografia surgiram sistemas específicos para a captura, armazenamento,

organização, análise, visualização e comunicação de dados que guardam referências espaciais,

já presentes tanto no cotidiano dos especialistas como do cidadão comum. Isto impõe novos

desafios para o ensino da Geografia, assim como amplia as suas possibilidades.

Tecnologias Geográficas, também denominadas Geotecnologias, podem ser definidas

como a “arte e a técnica de estudar a superfície da terra e adaptar as informações às

necessidades dos meios físicos, químicos e biológicos” (SILVA, 2002, p. 35). Acrescentemos

a esta definição: principalmente, às necessidades sociais. Enquanto arte envolve a

sensibilidade humana, sua capacidade perceptiva, interpretativa, de comunicar. Enquanto

técnica pauta-se na capacidade de obter, processar, apresentar e representar o espaço

geográfico, assim como de um saber fazer amparado pelos princípios científicos da área de

investigação para o alcance de objetivos pré-elaborados.

Com o desenvolvimento das tecnologias geográficas pode-se dizer que a Geografia

ganhou mais um ramo: a Geografia Automatizada, vista como uma disciplina particular que

utiliza sistemas cibernéticos, humanos e eletrônicos para a análise de sistemas físicos e

sociais, integrada pela Cartografia Computacional, Computação Gráfica, Processamento

Digital de Imagens de Sensores Remotos, Modelos Digitais de Elevação e Sistemas de

Informações Geográficas (SIG), conforme primeiro debate formal realizado por Dobson, em

1983 (BUZAI, 2004).

Para SILVA (2003), dentre essas tecnologias, o “SIG está para as análises geográficas,

assim como o microscópio, o telescópio e os computadores estão para outras ciências” (p. 27).

A possibilidade de manuseio dos dados espaciais, os quais se encontram referenciados à

superfície terrestre, coadunado com a consideração dos ambientes como sistema nos estudos

geográficos para a elaboração de sínteses do espaço é que lhe confere esta importância

prática. A integração entre os fatores biofísicos, socioculturais, político-econômicos constitue

uma visão de conjunto que caracteriza essa síntese. (XAVIER, 2002). Promove, assim, a

leitura complexa da realidade, o não desvencilhamento da interdisciplinaridade, a promoção

da valorização do sujeito para a interpretação dos fenômenos.

Entretanto, precisa-se compreender que os computadores, além de alterarem as

relações econômicas, sociais, são dispositivos passíveis de representar a realidade. Como

consequência, a representação computacional dos fenômenos geográficos sofre interferência

do nível de evolução tecnológica, de modo que existem limitações e tais representações não

devem ser vistas como correspondência fiel do real. (CÂMARA, MONTEIRO E

MEDEIROS, 2003, p. 84). Acrescente-se a funcionalidade da representação do espaço para a

tomada de decisão, gestão do território, figurado as tecnologias também como mediadoras de

processo de dominação.

Quanto as potencialidade de soluções das tecnologias geográficas no universo das

TIC, estas possibilitam o trabalho corporativo, a exploração da capacidade de conexão das

redes para a formação de grupos de profissionais localizados nas mais diversas partes do

globo, os quais podem desenvolver pesquisa em prol de um objetivo em comum, trocar

informações, atualizar e acessar dados, dentre tantas outras variáveis.

É importante frisar que as geotecnologias apenas por si mesmas não representam os

reais ganhos para esta área do conhecimento. A evolução tecnológica que conduziu para

outras formas de manipulação dos dados geográficos surge da necessidade humana de melhor

compreender o mundo concreto e, ao mesmo tempo, o compele para o enfrentamento de

novos desafios cognitivos e procedimentais. Assim, as tecnologias geográficas também

contribuem para que a sociedade continue seu processo adaptativo e intervencionista em

relação ao ambiente.

2 Práticas de ensino em Geografia e Geotecnologias

Por que e para que é necessário discutirmos a inserção das tecnologias geográficas nas

práticas de ensino do professor de Geografia? Nos afirma Buzai (2004) que novos desafios e

interesses surgiram com as novas TIC para a ciência geográfica, na década de 1990,

constituindo o início de um debate sobre a relação tempo-espaço, sobre como a realidade é

abordada e se desenvolveu historicamente. Assim pensando, constatamos que emergiu na

Geografia uma transformação de forma e conteúdo, o que respalda o pensar novos rumos para

a pesquisa e o seu ensino.

A tradicional prática de transmissão, memorização e reprodução do conhecimento

apoiada em princípios comportamentalistas, não se adequada às necessidades da sociedade

contemporânea, fluida, holística, complexa, que admite subjetividade. De modo que ao

profissional da educação compete se tecnologizar em sua prática docente, pois esta envolve o

seu cotidiano, o cotidiano dos discentes e de todos que a ela têm acesso. Trata-se de uma

nova cultura, caracterizada pela comunicação, informação e interação.

É inevitável uma reflexão do profissional de educação diante do cenário social que se

desvela. Um processo dolorido, pois reveste-se de desconstrução de certezas cimentadas ao

longo de um processo de f[ô]rma-ação, ou seja, da elaboração de uma moldura padronizada

da ação. Cabe salientar que ao sair da zona de conforto do conhecimento conceitual,

procedimental e atitudinal, as atividades didático-pedagógicas podem não ser facilitadas com

a inserção das novas tecnologias na prática docente, o que demanda mais tempo para

aprendizado, planejamento, execução, além de requererem espaços educacionais adequados

para sua realização.

Importantíssimo não esquecer que apenas a inserção das tecnologias geográficas não

será suficiente para um processo de ensino-aprendizagem que saia das amarras tradicionais

para novas perspectivas e o quão difícil é esse processo. Não se trata de sugerir uma ênfase

em tecnologia, concebida instrumentalmente, vista como solução para os problemas

educacionais. Antes, o que se propõe é uma mudança de postura, de visão do processo

educativo, no qual as tecnologias geográficas conduzam para a construção do conhecimento

pela (re)elaboração dos conceitos, procedimentos práticos que possibilitem a compreensão,

interpretação, conexão com a realidade imediata e outras realidades, atitude criativa e

valorativa de percepções e inclinações individuais e coletivas.

Também sabemos que apenas o professor não promoverá as necessárias mudanças no

campo educacional. Seria inclusive injusto e demasiado responsabilizá-lo por tal. A

transformação é social, e o social reveste-se de múltiplas dimensões, logo, este é um projeto

de execução conjunta. Mas, a partida precisa ser dada e o plano individual estabelece esse

início, pois o pensamento linear, progressista, matemático, analítico, objetivo, não mais cabe

na caixa para a qual foi criado. Está se rompendo em decorrência da sua própria dinâmica,

que extraiu o ser humano daquilo que é sua essência: a natureza, e mesmo da própria natureza

humana.

De tal modo, pensando nas orientações práticas para o ensino na presente época, além

dos conteúdos propriamente ditos, os procedimentos e desenvolvimento de valores sociais

devem compor o planejamento dos professores, inclusive como orientado pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN), os quais traçam as diretrizes para o ensino escolar brasileiro.

Neste intento, Cavalcanti (2002), destaca quatro “ideias motrizes” que parecem estar

despontando para o ensino de Geografia voltado para a formação de cidadãos críticos e

participativos:

1) O construtivismo como atitude, também presente nas orientações dos PCN, pode ser

visto, genericamente, segundo “ensino como processo de construção de conhecimento e o

aluno como sujeito ativo desse processo e, em consequência, a ênfase em atividades de ensino

que permitam a construção de conhecimento como resultado da interação do aluno com o

objeto de conhecimento” (p. 30).

2) A “geografia do aluno” como referência do conhecimento geográfico construído em

sala de aula, considerando que “a prática cotidiana do aluno é [...] plena de espacialidade e de

conhecimentos dessa espacialidade”. Cabe, portanto, a escola trabalhar esse conhecimento,

discutido e ampliado, alterando a qualidade da prática do aluno, tornando-a reflexiva e crítica.

Ou, estruturar o trabalho docente a partir da prática do aluno, como recomendado pelos PCN,

por exemplo.

3) A seleção de conceitos geográficos básicos para estrutura os conteúdos de ensino,

vistos enquanto instrumentos que possibilitam a categorização, classificação e generalização

da realidade. Nos PCN lugar, paisagem, território e região são conceitos norteadores.

4) A definição de conteúdos procedimentais (ex. cartografia) e valorativos para a

orientação de ações, atitudes e comportamentos socioespaciais. Os conteúdos procedimentais

voltam-se para questões operacionais sobre o espaço geográfico, os quais requerem

observação, individualização de elementos da natureza, manipulação de dados estatísticos e

cartográficos, numa atitude de mapear e ler a realidade, não mais apenas reproduzir. E os

conteúdos atitudinais e valorativos encontram-se no campo da ética, da moral, do

comportamento.

Os conteúdos procedimentais na geografia, por muito tempo e mesmo nos dias

hodiernos, limitaram-se à reproduções que em nada contribuem, ou contribuem muito pouco,

para o desenvolvimento integral do discentes, para o estabelecimento das teias necessárias

para a leitura do espaço geográfico. Decalcar mapas, pintar regiões etc., mimeografa um

roteiro que afasta a utilidade dos saberes geográficos, assim, como por exemplo, abrir o

Google Earth para ver o globo, sobrevoar continentes, países cidades; utilizar o SIG para

visualizar e editar mapas não significa um efetivo uso pedagógico das novas tecnologias

geográficas.

As propostas pedagógicas recentes mostram a tendência de enfatizar o aluno enquanto

construtor no processo e não reprodutor de conhecimento, de levar em consideração seus

conhecimentos prévios, de buscar a geografia do cotidiano, sendo o professor mediador no

processo, a exemplo da proposta pedagógica socioconstrutivista. O encaminhamento de

atividade segundo esse pressuposto não indica abandono das práticas tradicionais, a exemplo

das aulas expositivas, da pintura dos mapas, mas considerando, segundo Cavalcanti (2002),

a permanência dessas formas, potencializar as oportunidades de um trabalho

que possibilite um envolvimento real dos alunos com as atividades de

ensino. Recomenda-se, então, para as salas de aula, procedimentos que

propiciem maior motivação e a atividade intelectual dos alunos, que levem a

uma interação ativa e problematizadora dos objetos de conhecimento, a

atitudes democráticas, solidárias e de cooperação entre os alunos e deles com

a sociedade e com o ambiente em que vivem, enfim, que contribuam para

um desenvolvimento pessoal e interpessoal do aluno. (CAVALCANTI,

2002, p. 20).

Exatamente neste ponto é que o professor pode se apropriar das novas tecnologias

geográficas e atribuir maior significado, dinamicidade, criatividade, criticidade, colaboração

ao processo de ensino-aprendizagem. A exploração das possibilidades não deve estar na mão,

unicamente, do professor. Os protagonistas passam a ser os alunos diante do potencial de

extração de informações, manipulação de dados, sobreposição de informações, visualização

sintética e histórica do espaço geográfico, apresentação de resultados pela produção

cartográfica, textual, midiático etc. Vendo a apresentação como meio de comunicação,

produto e processo das atividades desenvolvidas, quando assim requisitada.

Para nós parece claro que as novas orientações de ensino e pesquisa se humanizaram.

Queremos dizer que, do distanciamento estabelecido entre o objeto de estudo e o sujeito

cognoscente, o objeto deixa de assumir foco privilegiado e único. O sujeito como um ser

social e sensorial passa a se torna visível aos olhos da ciência, mesmo que ainda de forma

incipiente. Na educação, humanização seria o pensar nos princípios, nos valores que orientam

as práticas do profissional desta área. Tomar tecnologia como processos de humanização

pressupõe a adoção de nova postura, de ação-reflexão sobre a realidade concreta. E nos dias

de hoje, a realidade não é só material é também virtual, o espaço geográfico também

encontra-se codificado, digitalizado.

Em tudo se convive com a Geografia e suas novas representações. De uma previsão do

tempo em rede televisiva à localização de um hotel no momento de uma reserva ou ao

estabelecimento de um trajeto pelo celular. O mundo e as pessoas hoje cabem na palma da

mão, mas apenas a articulação dos dedos não oferece bases suficientes para seu entendimento.

É preciso ir além, ver-se como parte desta construção e se tornar sujeito de transformação, não

apenas expectador de um roteiro pré-determinado. Isto cabe para professores que aprendem e

alunos que ensinam.

A inversão proposital objetiva condução para o repensar quem é o professor e o aluno

contemporâneo. Não eximimos o professor que ensina e o aluno que aprende, mas a troca

entre professor e aluno, aluno e aluno, professor e professor em tempos de colaboração já não

vê barreiras para que se traga a vida real e seus apetrechos sociais para a sala de aula.

As possibilidades do uso pedagógico das geotecnologias podem romper com os

métodos tradicionais da leitura do espaço geográfico, interligar a Geografia a outros campos

do saber, promover o olhar da interconexão entre natureza e sociedade, nas mais variadas

escala e dos mais variados ponto de vista. As Geotecnologias podem figurar como meio de

construção para o saber geográfico, de análises e sínteses das diversas dimensões sociais,

conduzidas pelo olhar complexo e metodologia interdisciplinar (Figura 1).

Figura 1 – Interligações contemporâneas no ensino de Geografia.

Fonte: Elaborado pela autora.

Trabalhar com dados geográficos digitais pode despertar o interesse por esta disciplina

a anos marginalizada. Nossas crianças e jovens nasceram em um período da história de virtual

encurtamento de distâncias e de tempo. Operar os equipamentos que permitem rápida

comunicação e acesso à informação é para eles rotina diária. O espaço geográfico encontra-se

amplamente representado no ambiente computacional, a apropriação desta tecnologia,

maneiras de extrair informação e realizar a sua transposição didática já não podem ser vista como

mais uma proposta, assim como tecnologia nos chama para a transposição da leitura do

visível, do concreto, engendrando novos laços na busca da realização do verdadeiro papel da

Geografia: conectar o ser humano com o mundo e com si mesmo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como a educação faz parte do desenvolvimento do homem, estabelecendo uma

relação dialética, a humanidade molda a tecnologia e a tecnologia molda a humanidade. Se

estamos imersos em uma sociedade tecnologizada, na qual os meios telemáticos são

fundamentais para nossas relações, a educação precisa estar consoante com o seu tempo. E

não apenas instrumentalmente, mas sofrendo e gerando mudança de atitude, de hábitos, de

postura perante a realidade concreta.

E o que está fazendo o professor de Geografia na sala de aula? Suas práticas estão

adequadas a esta nova cultura? A Geografia é uma área do conhecimento humano cujo

desenvolvimento de aparato tecnológico próprio ampliou exponencialmente suas

possibilidades de compreensão e intervenção na realidade. Explorar esses meios, perscrutar a

natureza sensível e racional dos indivíduos, produzir e gerenciar conhecimento de forma

crítica e criativa relaciona-se com o entender tecnologia como processo de humanização.

No entanto, é essencial que se tenha clareza de que a inserção das Geotecnologias no

ensino de Geografia, assim como das TIC no ensino em geral, das novas tecnologias na vida

social, não implica eficiência, renovação ou inovação. No processo de ensino-aprendizagem o

utilitarismo e instrumentalismo que limita a tentativa de sua introdução como novidade, de

nada contribuirá para a formação de sujeitos completos caso tenha por base velhas concepções

e práticas.

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