ser em tempos de nao ser

80
Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

Upload: fabio-teixeira

Post on 03-Jul-2015

1.898 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

livreto_01.indd 1 2/1/2011 16:19:03

Page 2: Ser Em Tempos de Nao Ser

Produção Gráfica:Marcelo BelchiorRevisão:Evilmerodac Domingos da SilvaImpressão e Acabamento:Gráfica e Editora Visuana RJ

©2010, Fabio Teixeira Rebôla1º EdiçãoTodos os direitos reservados pelo autorwww.menteiluminada.blogspot.com | [email protected]ção e vendas: (21) 3457.6074 Teixeira, FabioSer em tempos de não ser - Evangelicalismo e pós-modernidadeRio de Janeiro, 2010 - Edição do autor - 80pISBN: 978-85-911667-0-1Inclui bibliografia

Proibida a reprodução por quaisquer meios,salvo em breve citações, com indicação de fonte.

livreto_01.indd 2 2/1/2011 16:19:03

Page 3: Ser Em Tempos de Nao Ser

À minha esposa,

grande incentivadora de tudo que faço.

Aos meus filhos,

que são sempre um novo motivo para continuar.

Aos meus pais,

por tudo que representam.

A todos os que lutam pela edificação do

Reino de Deus e não pelo seu próprio reino.

Aos meus irmãos que se encontraram

um dia no Espaço Betel,

o amor de vocês também me constrange,

vocês acreditaram.

Aos manos queridos Marcelo e Mero pela correção.

A todos, meu muito obrigado.

livreto_01.indd 3 2/1/2011 16:19:03

Page 4: Ser Em Tempos de Nao Ser

livreto_01.indd 4 2/1/2011 16:19:03

Page 5: Ser Em Tempos de Nao Ser

5

Vivemos um momento onde verdades, até então abso-

lutas, se esvaem pelos dedos e se transformam em mais

uma opinião em meio a uma infinidade de pensamen-

tos à disposição do homem que busca respostas. Como

alguém que entra em um supermercado em busca de

um bem de consumo, e leva para casa aquele que mais

lhe agradar e que couber no orçamento – cônscio de

que se não ficar satisfeito, poderá trocar de fornecedor

em uma próxima compra –, tornamos o evangelho em

mais uma opção, mais um caminho junto a tantos ou-

tros, e cada dia mais outros surgem, trazendo mais con-

fusão que efetivamente gerando respostas ao coração

do ser humano.

A cultura capitalista, do lucro a qualquer preço, do

“cada um na sua”, do olhar somente “para o próprio

umbigo”, do egoísmo mascarado sob a desculpa de

estar priorizando o que é seu, rege o mundo dos negó-

cios, todavia, quando observamos atentamente, conclu-

ímos que o “mundo dos negócios” é o próprio viver

do ser humano, e que, tendo em vista só termos uma

vida, a filosofia do capital se infiltrou por completo no

caminhar do homem, da família, das escolas, igrejas

ou qualquer outro tipo de instituição ou grupo, que

prefácio

livreto_01.indd 5 2/1/2011 16:19:03

Page 6: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

6

vivem loucamente na alta velocidade das transforma-

ções de um mundo globalizado.

A instituição que comumente denominamos “igre-

ja”, e que teoricamente possuía a missão de trazer ao

mundo a mensagem da boa nova, o evangelho, que

tinha como tarefa anunciar a graça de Deus frente a

um mundo sem boas notícias, não somente se cala,

mas torna-se mais um algoz a se aproveitar do fraco e

a ferir quem já entrou pela porta desfalecendo. O líder

eclesiástico, que recebeu a missão de tratar feridas,

ajudar o necessitado, abraçar ao rejeitado, passou a

ser intocável, digno de honras e méritos, inquestioná-

vel, transformando o amor do trabalho ministerial em

um pífio e mesquinho “plano de carreira” espiritual. A

igreja se distanciou da Igreja.

Deus, tão citado pela teologia como imutável, como

aquele que jamais volta atrás e que possui amor in-

condicional, hoje é apresentado em várias faces. Sim,

dependendo da denominação em que você entrar,

alguém lhe mostrará um deus exclusivo, moldado

por pensamentos humanos, por gente que acha que

“descobriu a pólvora” e que ensinará a forma correta

de ver o Pai. Pensando em Pai, amor paternal quase

já não se encontra mais, afinal, pai ama seus filhos

pelo simples fato de serem seus filhos. Ele corrige,

sim, quando necessário, todavia, seu olhar, seu co-

Prefácio

livreto_01.indd 6 2/1/2011 16:19:03

Page 7: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

7

ração, é sempre daquele que anseia por ver o filho

bem, é aquele que vê o filho cair e imediatamente

toma a postura do “socorro bem presente”. Jamais um

pai de verdade assumiria a posição do acusador, do

que aguarda pelo erro, só pelo prazer da correção. A

função de acusação é de outra pessoa, não do Deus

imutável citado nas páginas bíblicas.

Mudanças não ocorrem de um dia para o outro, o pro-

cesso é lento, nos envolvemos dia a dia; gerações vão

se desviando sem mesmo notarem o que está ocorren-

do nos bastidores. É fato que a intenção de todo ar-

queiro é acertar o alvo, todavia, um olhar errado, um

vento diferente, um simples deslocamento do arco,

faz desviar o trajeto da fecha, que acaba fincando dis-

tante de seu objetivo.

‘Ser em tempos de não ser’ é uma simples, no entanto,

fantástica visão destas mudanças que ocorreram nos últi-

mos séculos. Alterações que moldaram o homem, trans-

formaram nossas vidas, modelaram a forma com que o

ser humano vê o mundo e os mistérios do Universo, nos

ajudando a compreender que, aquilo que achamos ser

pensamento exclusivo nosso, muitas vezes pode ter sido

empurrado “goela abaixo” por pressões culturais e mu-

danças na sociedade, sem que tenhamos notado.

Fábio é um grande amigo. Há anos venho acompa-

nhando o trabalho que Deus tem feito através de sua

Prefácio

livreto_01.indd 7 2/1/2011 16:19:03

Page 8: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

8

vida. Quando o conheci, ele me parecia humanamen-

te inacessível, um grande líder na hierarquia em que

vivíamos. Acompanhei toda sua descida nos degraus

da fama e, enquanto ele descia, enquanto ele desapa-

recia, enquanto o som dos aplausos ficava cada vez

mais distantes, vi nascer um homem espetacular, vi

alguém se tornar grande, não aos homens, mas em um

contexto onde maior é aquele que mais serve. Vi sur-

gir alguém que cada dia mais compreende que nossa

maior recompensa já foi cravada na Cruz do Calvário.

Hoje, tenho a honra de compor a apresentação desta

obra, e maior honra ainda tenho de hoje ter o Fábio

não mais como um líder hierárquico, mas, sim, um

melhor amigo, alguém com quem aprendi a caminhar,

que procura tornar o evangelho de Cristo Jesus cada

vez mais em prática, deixando para traz, dia após dia,

o “evangelicalismo” teórico no qual vivíamos.

Leonardo Mendes

livreto_01.indd 8 2/1/2011 16:19:03

Page 9: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

Agradecimento ................................................................... 3Prefácio .............................................................................. 5

Prólogo ............................................................................ 11

Introdução ....................................................................... 13

Capítulo 1

Modernidades - uma rápida visão histórica ..................... 17O renascimento – o início da era moderna .................... 20O iluminismo – a idade da razão ................................... 21A modernidade – esperança e desilusão ........................ 23

Capítulo 2

A pós-modernidade .......................................................... 27Os pilares da pós-modernidade ...................................... 29Pluralização ................................................................... 30Privatização ................................................................... 31Desconstrução de identidades ........................................ 36A secularização .............................................................. 38Mundanismo pós-moderno – sutil e venenoso ............... 40

Capítulo 3

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade ......... 43O homem no centro do universo ................................... 44O culto dos sentidos ...................................................... 48Hedonismo cristão ......................................................... 51

Capítulo 4

A ética cristã e a pós–modernidade ................................. 55Crescimento numérico – parâmetro para o sucesso ......... 57Mercantilismo da fé ......................................................... 60O culto evangélico na pós-modernidade ......................... 62

Conclusão ........................................................................ 65Referências bibliográficas ................................................ 77

sumário

livreto_01.indd 9 2/1/2011 16:19:03

Page 10: Ser Em Tempos de Nao Ser

livreto_01.indd 10 2/1/2011 16:19:03

Page 11: Ser Em Tempos de Nao Ser

11

Escrevi este trabalho entre o meio de 2005 e o primei-

ro semestre de 2006. Na verdade o que você lerá nas-

ceu como uma dissertação de mestrado e depois pas-

sou por um processo de adaptação de linguagem, de

uma forma acadêmica para um formato mais popular.

Talvez alguma característica da linguagem original da

monografia ainda persista em “incomodar”, mas, ape-

sar disso, vejo aqui um conteúdo acessível a todos.

Quando citei a data original em que este pequeno li-

vro foi composto foi para dizer que de lá pra cá muitas

coisas mudaram, não só nele, mas principalmente em

mim. Verdade é que esta pesquisa, enquanto acontecia,

me ajudou muito a mudar, e essa mudança contínua

alterou muita coisa no meu trabalho também. Mudei.

Já não sou quem eu era. Descobri que é melhor ser o

Fabio – pastor, do que o Pastor – Fabio, por exemplo.

Percebi que igreja não é Igreja. Que pessoas são livres

para estarem onde quiserem e que esta liberdade deve

ser respeitada e defendida. Vi no Evangelho a beleza

da vida bem vivida e santa. Que esta vida passa num

flash e que, em Jesus, podemos ser felizes de verdade,

como bons amigos que se fazem irmãos pela fé igua-

litária, e que não são apenas irmãos de igreja. Irmãos

assim só servem enquanto estão na igreja, a bênção

prólogo

livreto_01.indd 11 2/1/2011 16:19:03

Page 12: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

12

foi descobrir que o na pouco representa, o que impor-

ta é viver com a Igreja de Jesus. Antes de você dizer

que estou reinventando a pólvora, sugiro reler os evan-

gelhos, ler este livro e pensar. Pensar é uma bênção. Só

é possível reter o que é bom pensando.

Muito deste processo de releitura da vida com Jesus está

registrado no meu blog (www.menteiluminada.blogs-

pot.com) e também no site do Espaço Betel (www.ebetel.

com.br). Aliás o blog foi, por muito tempo, meu singe-

lo megafone, meu lugar de desabafo. Hoje já não há

tanta necessidade disso, porém, volta e meia, ainda grito

por lá. Hoje meus gritos viraram sussurros diante do

que se escreve na web.

E por falar em Espaço Betel, este foi um presente do

Pai, no meio de um período turbulento de mudanças.

Um lugar para gente se reunir com liberdade e paz,

apenas um lugar, um meio. O presente mesmo, e o

que importa, foram, e são, as pessoas que encontra-

mos nessa caminhada.

Convido você a visitar o blog e o site, neles há muito

esforço e trabalho para que o Evangelho seja anuncia-

do e que a vida seja revista sem a institucionalidade

religiosa, mas apenas através de Jesus.

Leia, reflita, compare e, acima de tudo, pense. Analise

tudo e só retenha para si o que for julgado bom, porém

não tenha medo de mudar.

livreto_01.indd 12 2/1/2011 16:19:03

Page 13: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

13

Não é preciso conhecer a fundo a Teologia Bíblica

ou a História dos Hebreus para saber que Saul é

persona non grata nas rodas dos debates cristãos.

Basta observar os pregadores. No último domingo,

com certeza, em algum lugar do mundo, algum pre-

gador falou mal do primeiro rei de Israel. E bem

falado, já que Saul é um vilão na história bíblica.

E para piorar é o inimigo número 1 do segundo

maior herói das Escrituras: Davi. Só isto já basta!

Eu também não gosto dele; Saul não me agrada em

nada; ele é o inverso de tudo que quero que meus

filhos sejam. Quanto à vida e à ética, Saul é meu

antiprojeto.

Há uma questão na vida deste líder israelita que se

torna bizarra quando analisada friamente. É que Saul

tem algumas características que hoje são atributos

diferenciais entre alguém considerado um “homem

de Deus de sucesso” e um “homem de Deus inex-

pressivo”. Estranhamente, encontro motivos para

afirmar que o abominável Saul, em nossos dias, se-

ria admirado e, por que não dizer, também consi-

derado um líder de sucesso. Veja estes dados: Saul

foi uma escolha do povo (teria vivido por volta de

1095 a. C. e reinado por quarenta anos). O critério

introdução

livreto_01.indd 13 2/1/2011 16:19:03

Page 14: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

14

de seleção foi a sua aparência e força. Sua eleição

foi baseada em seu marketing pessoal; Saul era al-

guém popular (I Sam 9.2e3). O Rei Saul foi ungido

por Samuel. A unção marcava a capacitação vinda

de Deus para o desempenho de alguma tarefa, logo

o filho de Quis fora capacitado para a execução da

tarefa de governar Israel e inaugurar a monarquia

judaica. (I Sam 10.1). Outro detalhe interessante é

que o texto bíblico mostra que Saul era um homem

que alcançava objetivos, como guerreiro que era

vencia as batalhas que participava (I Sam 14.47);

Saul era um vencedor.

Pense comigo, qualquer pessoa que se encaixe nes-

sas características - popular, ungido e vencedor -

será facilmente denominado um “homem de Deus

de sucesso”.

Certamente as questões aqui são profundas e con-

frontam-se com o que se pensa hoje sobre sucesso.

A sociedade pós-moderna entende que populari-

dade, fama, reconhecimento e qualquer coisa que

comprove que alguém é visto em meio a multidão

é igual a sucesso. De nada adianta, na pós-moderni-

dade, ser um ilustre desconhecido. “Falem mal, mas

falem de mim” é hoje mais que um dito popular, é

uma máxima. Ser ungido é um ideal evangélico. Ser

carismático, comunicar chamando atenção para a

Introdução

livreto_01.indd 14 2/1/2011 16:19:03

Page 15: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

15

forma mais do que para o conteúdo. Fazer milagres

e profetizar, cada dia se torna o grande alvo dos lí-

deres evangélicos modernos, pelo menos é isso que

se pode ler nos “cultos espetáculos” da nossa Era.

Há muito que o carisma já fala bem mais alto do

que o caráter. Estou certo que não vale a pena ter

a unção sem santidade. É desta estirpe que fazem

parte aqueles que ouvirão no Dia do Senhor que

não eram conhecidos de Jesus mesmo operando,

em Seu nome, sinais e prodígios. Este será o futuro

dos modernos “sauls”.

Quanto às vitórias alcançadas pelo primeiro rei dos

judeus, sempre que penso nelas lembro-me de Je-

sus dizendo: “Do que vale ganhar o mundo inteiro

e perder a sua alma.” (Mt 16.26). Números, resul-

tados, crescimento, arrecadações, são palavras tão

presentes hoje no vocabulário evangélico que pa-

recem bastar quando o assunto é igreja. Basta cres-

cer que é bênção; basta alcançar objetivos a curto,

médio e longo prazos, que já é certa a aprovação

de Deus. Será?

Como seria bom se estas coisas que coloco neste

texto introdutório tivessem morrido com Saul, fi-

lho de Quis, rei de Israel. Infelizmente, Saul vive

na vida daqueles que optam pelo ter e não pelo

ser, que escolhem o carisma, desprezam o caráter,

Introdução

livreto_01.indd 15 2/1/2011 16:19:03

Page 16: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

16

e que pensam nos resultados como termômetro da

aprovação divina.

Ah Saul! Como eu sonho com um dia em que se-

rás apenas um personagem da história, apenas um

exemplo de como não ser um líder aprovado por

Deus. Desejo profundamente o dia de tua morte, e

minha oração é que as linhas que se seguem contri-

buam para isso.

livreto_01.indd 16 2/1/2011 16:19:03

Page 17: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

17

Capítulo1Modernidades Uma rápida visão histórica

Como o homem chegou à consciência moderna? Este

questionamento nos leva a um processo histórico de

amplas mudanças que resultaram na cosmovisão1

contemporânea, ou seja, na forma como o homem

de hoje vê e interpreta seu mundo. Essas mudanças

se deram nos principais pontos da existência e do

conhecimento humano, como a religião, a filosofia,

a ciência e a política.

Para Kronfly, citado por Salinas e Escobar, o desenvol-

vimento da consciência do chamado homem moder-

no é descrito da seguinte forma:

“Um processo global, de natureza econômica (o nas-

cimento do capitalismo e a consolidação progressiva

do princípio de individualização, capaz de fundar um

novo tipo de mentalidade coletiva não holística, mas

individualista); de natureza filosófica (Descarte e o racio-

nalismo); de natureza científica (Galileu, Copérnico

e Bruno, fundadores do heliocentrismo e da possi-

1 O termo cosmovisão literalmente significa visão de Mundo e designaa forma como um indivíduo e/ou grupo social interpreta os fenômenosque formam a sua realidade.

livreto_01.indd 17 2/1/2011 16:19:03

Page 18: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

18

bilidade de matematizar o céu e romper com as ve-

lhas tradições geocentristas); de natureza política

(Maquiavel e o processo de dar autonomia política

diante do sagrado, assim como o começo dos es-

tados nacionais); de natureza até mesmo artística”.

(começo da perspectiva nas artes plásticas, com Ra-

fael e Leonardo). (2002, p. 14)

A modernidade também pode ser vista como sendo a

soma de todos os fenômenos sociais que resultam do

acesso das pessoas aos avanços da ciência e da tecno-

logia. Desta forma, a modernidade está relacionada

com progresso científico, com avanços tecnológicos

que mudam e/ou facilitam a vida. Na verdade, o pro-

cesso histórico que gerou o pensamento moderno foi

acompanhado pelo avanço tecnológico e, ao mesmo

tempo, fez o desenvolvimento das grandes descober-

tas tecnológicas, ou seja, o homem mudou, cresceu,

ampliou horizontes pela tecnologia e esta mudança o

motiva a ser mais produtor de avanços tecnológicos.

Um bom exemplo disso foi o advento da WWW (World

Wide Web), em 1993, que produziu mudanças no ce-

nário mundial contemporâneo e que desafia a ciência a

produzir mais tecnologia para ampliar os horizontes da

utilização da “Grande Rede” pelo cidadão comum.

O. Guinness, profundo estudioso dos impactos sofri-

dos pela fé cristã moderna, define a modernidade sob

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 18 2/1/2011 16:19:03

Page 19: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

19

uma perspectiva teológica. Para este teólogo europeu,

modernidade “é uma terminologia que define um sis-

tema oriundo das forças da modernização e desenvol-

vimento, centrado, sobretudo, na premissa de que toda

causa ‘de cima para baixo’ vinda de Deus ou do sobre-

natural foi substituída, definitivamente por causas ‘de

baixo para cima’, frutos dos desígnios e produtividade

humana” (1992, p. 160). Falando sobre questões de fé,

o homem moderno desligou-se de Deus. Todo avanço

tecnológico, as respostas da ciência, da medicina, etc,

parecem suprir a ausência de algo maior, mais profun-

do. O homem moderno foi levado pelo humanismo a

ver um fim em si mesmo.

Concluímos, então, que a modernidade, ou a mente

moderna, é fruto de um processo de mudanças no

homem que, portanto, transformaram o seu ambien-

te, ou seja, o mundo.

A partir de agora, veremos os principais eventos (ou

movimentos) históricos que formaram este processo

transformador.

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 19 2/1/2011 16:19:03

Page 20: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

20

Renascimento - O início da era moderna

Para que haja uma compreensão maior das mudanças

ocorridas na humanidade a partir do período renascen-

tista, é importante conhecer, ao menos um pouco, o

homem da pré-renascença. Naqueles dias, o Universo

era visto sob uma ótica teocêntrica2 e o homem pré-

renascentista, ou medieval, buscava soluções divinas

para as questões da vida. Houve, então, uma reação

intelectual contra o teocentrismo que a religião cató-

lica impusera sobre o homem por mais de mil anos.

O movimento chamado de Renascimento (séculos XV

e XVI) marcou essa transformação de mentalidade na

sociedade européia. E assim surge um novo quadro fi-

losófico na humanidade, uma nova cosmovisão nasce

com seu centro na razão humana contrapondo-se à

mentalidade medieval. Isto não representou a ruptura

total com valores cristãos. Para Cotrim “o que ocorreu

foi uma renovação dessas questões a partir de uma

nova perspectiva humana, de uma humanização do

divino”. (2005)

O homem medieval olhava para os fenômenos natu-

rais em busca de Deus; o homem renascentista passou

a olhar para a natureza em busca de respostas cien-

tíficas que mostrassem a razão, a causa destes fenô-

menos. Esta nova forma de ver o mundo se reflete na

2 Teocentrismo – Cosmovisão que interpreta tudo na vida como sendo causa da ação divina ou sobrenatural.

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 20 2/1/2011 16:19:03

Page 21: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

21

crença do homem em Deus. Segundo Donner, “já não

havia mais a necessidade de se ter poderes invisíveis

para explicar o movimento do universo”. A Renascen-

ça colocou o homem no centro de sua própria vida.

O Iluminismo – A idade da razão

O mundo já racionalizado pelo renascentismo deu

lugar a um outro movimento cultural europeu conhe-

cido como Iluminismo (Século XVIII) pelo seu projeto

de iluminação e libertação do homem através do de-

senvolvimento da razão. Cotrim opina que naquele

momento da história “havia a crença de que a razão,

a ciência e a tecnologia tinham condições de impul-

sionar o trem da história numa marcha contínua em

direção à verdade e à melhoria da vida humana”.

Como foi dito por Alister McGrath, “a característica

primária do movimento (o Iluminismo) poderia ser

vista na sua afirmação quanto à total competência da

razão humana. A Razão, dizia-se, era capaz de ex-

pressar tudo o que o homem necessitava saber sobre

Deus e a moral”. Immanuel Kant (1724) foi um dos

maiores filósofos do iluminismo alemão, também foi

a base do denominado idealismo transcendental, no

qual todos nós trazemos formas e conceitos a priori

para a experiência concreta do mundo. Em seu livro

“Crítica da Razão Pura” propõe que a moral huma-

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 21 2/1/2011 16:19:03

Page 22: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

22

na está fundamentada em sua própria autonomia,

ou seja, que as normas morais devem surgir da ra-

zão humana, mostrando que para o conhecimento

universal ser possível, é preciso que os objetos do

conhecimento se determinem na natureza do sujei-

to pensante, e não ao contrário. É importante dizer

que Kant pressupõe um agnosticismo, cujas bases

filosóficas foram assentadas no Século XVIII, já que

para ele a verdade absoluta é inascível pela mente

humana, assim a razão padroniza a moral. O agir

de acordo com o dever é fazê-lo de acordo com os

princípios racionais. A ética kantiana baseia-se em

uma humanidade racional e livre, capaz de escolher

livremente o que é melhor para si.

Refletindo a cosmovisão do homem iluminista, Ale-

xander relata que “a gente estava começando a ser

capaz de expressar o que cria e, ao mesmo tempo,

fazer o que queria, e não tinha que tomar cuidado

com respeito a se Deus, ou um gato preto, ou um

espião estaria observando-nos”. (1996, p. 163)

Durante os anos da Era Iluminista, o capitalismo se

consolidou e a burguesia, motivadora dos ideais da

iluminação, se destacou como classe dominante da

sociedade europeia.

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 22 2/1/2011 16:19:03

Page 23: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

23

A Modernidade – esperança e desilusão

O projeto iluminista de esperança na razão gerou uma

atitude otimista no homem moderno em relação ao

progresso como fonte de bem-estar e qualidade de

vida. A possibilidade do domínio da ciência repre-

sentava o aceno de uma ambicionada segurança, que

afastaria o homem dos infortúnios ligados à imprevi-

sibilidade do mundo natural, desde doenças até as

condições climáticas: a natureza deveria ser domada

pela razão humana. Isto representou a esperança em

um mundo melhor, mais justo e seguro.

O período compreendido entre os Séculos XIX e XX

recebe o título de Modernidade e o homem moderno

se tornou bem diferente do homem iluminista visto

que as coisas que o cercam adquirem nova conota-

ção, sempre impregnadas de qualidades familiares ou

sobrenaturais, atraentes ou ameaçadoras. Para Haber-

mas, “o conjunto de ideias e perspectivas que carac-

terizam a modernidade parece constituir um grande

sonho que a humanidade elaborou para si mesma”.

Nomes como Karl Marx (1818) e seu homem-social,

que acha na religião uma forma de adormecer as do-

res; Friedrich Nietzsche (1844) e sua filosofia niilista

amoral, que pressupôs a “morte de Deus” como ex-

pressão de liberdade para o homem tão reprimido

pela religião; Sigmund Freud (1856) e seu homem-

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 23 2/1/2011 16:19:03

Page 24: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

24

psicológico, com seus conflitos entre os impulsos

humanos e as regras que regem a sociedade, que só

precisa conhecer a si mesmo para ser feliz; Jean Paul

Sartre (1905) e o seu existencialismo exposto em O

Ser e o Nada, que postula a necessidade do homem

voltar-se para seus próprios interesses, são exemplos

de pensadores e pensamentos que corroboraram na

formação da maneira como o homem moderno vê a

vida. No início do Século XX, Max Weber já caracte-

rizava o advento da modernidade como um processo

crescente de “racionalização intelectualista”, intima-

mente ligada ao progresso científico, mas que levaria

ao “desencanto do mundo”. Esta expectativa de de-

sesperança se confirmou historicamente. As catástro-

fes das Guerras Mundiais, a insuportável lembrança

de acontecimentos como Auschwitz e Hiroshima e,

ainda, a Guerra Fria, tudo isso deixou a humanidade

cética em relação à possibilidade de uma igualdade

comunitária de alcance global, como propunham tec-

nocratas e políticos. Desta forma, principalmente, a

partir dos anos 50, deixamos de acreditar num futuro

de paz e segurança. A expectativa do amanhã torna-se

em incerteza. A dúvida - será que o “fim do mundo”

está próximo? - passa a ser uma fonte inspiratória tan-

to para ciência quanto para as artes.

O comunismo gerou ditaduras vorazes; o existencia-

lismo, uma libertinagem moral sem respostas que sa-

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 24 2/1/2011 16:19:03

Page 25: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

25

tisfaçam os questionamentos mais profundos da vida.

O homem moderno viu cair o que poderia ser a es-

perança de uma sociedade mais igualitária e menos

capitalista: o comunismo. Restou o capitalismo do

ocidente, já desesperançoso de si mesmo. A ciência,

com todo seu avanço tecnológico, não resolveu as

questões mais simples das origens da vida e dos mo-

tivos dela. A tecnologia de guerra, a violência urbana

crescente, as diferenças sociais, a fome, a má distri-

buição de riquezas, etc, fizeram do homem moderno

alguém desencantado com seu tempo. É este legado

histórico que faz nascer a pós-modernidade.

O pós-modernismo surge do vazio de esperança dei-

xado pela modernidade ao desmoronar-se.

Modernidades - uma rápida visão histórica

livreto_01.indd 25 2/1/2011 16:19:03

Page 26: Ser Em Tempos de Nao Ser

livreto_01.indd 26 2/1/2011 16:19:03

Page 27: Ser Em Tempos de Nao Ser

27

Capítulo2A pós-modernidade

Não é seguro eleger um conceito de pós-modernismo

como sendo uma definição absoluta dos nossos dias. Fi-

lósofos, historiadores, economistas, teólogos e todas as

mentes pensantes que se propõem a entender o pós-mo-

dernismo não encontram uma forma de defini-lo. Pen-

sando na pós-modernidade como cosmovisão, o filósofo

norte-americano Frederic Jameson, crítico literário e po-

lítico marxista, a conceitua como a “lógica cultural do

capitalismo tardio”. De acordo com Habermas, a pós-

modernidade estaria relacionada a tendências política e

cultural neoconservadoras, determinadas a combater os

ideais iluministas e os de esquerda. Já o francês François

Lyotard prestigia a pós-modernidade como verdadeiro

rompimento com as antigas verdades absolutas, como o

marxismo e o liberalismo, típicas da Era Moderna.

O texto transcrito, a seguir, é de O. Guiness e descreve as

mudanças que marcam a Pós-modernidade: “Ao passo

que a modernidade era um manifesto de auto-suficiên-

cia humana e de autogratificação, o pós-modernismo

é uma confissão de modéstia e até de desesperança.

Não há “verdade”, há apenas verdades. Não existe a

livreto_01.indd 27 2/1/2011 16:19:03

Page 28: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

28

razão suprema, somente há razões. Não há uma civili-

zação privilegiada (nem cultura, crença, norma e esti-

lo), há somente uma multidão de culturas, de crenças,

de normas e de estilos. Não há uma justiça univer-

sal, há apenas interesses de grupos. Não existe uma

grande narrativa do progresso humano, há apenas inte-

resses de grupos. Não existe uma grande narrativa de

progresso humano, há apenas histórias incontáveis, nas

quais as culturas e os povos se encontram hoje. Não

existe a realidade simples nem uma grande realidade de

um conhecimento universal e objetivo, existe apenas

uma incessante representação de todas as coisas em

função de tudo o mais.” (MCGRATH, 1996, p. 180)

Surgem, então, novos fundamentos filosóficos e cul-

turais. Veremos a partir de agora as principais bases

do pensamento pós-moderno. É importante dizer que

estes fundamentos, ou pilares (como serão tratados a

seguir) podem não ser notados por nós, homens da

pós-modernidade, porém existem. Talvez você não os

conheça pelos nomes aqui descritos, mas eles estão

presentes no dia a dia de nosso mundo, nos filmes,

novelas, jornais, etc. Mais importante aqui é perce-

bermos que o pensamento pós-moderno se encontra

nas músicas, pregações, pensamento teológico e no

comportamento da chamada igreja evangélica.

A pós-modernidade

livreto_01.indd 28 2/1/2011 16:19:03

Page 29: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

29

Os pilares da pós-modernidade

A cosmovisão do homem pós-moderno está firmada

sobre pensamentos que constroem sua forma de ver

a vida, o mundo, a religião, etc. Ainda que o homem

comum não perceba que sua mente é formada por pen-

samentos que podem ser induzidos por um todo social,

ele sofre esta influência externa, formadora e sutil de

elementos massificadores.

Os filósofos alemães Horkeimer e Adorno difundiram o

termo “indústria cultural” para designar todo o aparato

da diversão popular, veiculada pela televisão, revistas,

rádio, propagandas, músicas, jornais, etc. Através da

indústria cultural e da diversão se obtém a homogenei-

zação dos comportamentos das massas; a massificação

das pessoas. Através deste fenômeno, o rebanho global

se torna muito similar quanto à cosmovisão, pois, ainda

que haja diferenças culturais e de tradições nacionais

entre os povos, as ideias capitalistas são transmitidas e

absorvidas em quase todo o globo terrestre, o que faz

do planeta quase uma só sociedade. O consumismo dá

o tom da música que embala os sonhos de sucesso e os

pesadelos de insucesso para o homem pós-moderno.

As bases do pensamento pós-moderno são as seguintes:

A pós-modernidade

livreto_01.indd 29 2/1/2011 16:19:04

Page 30: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

30

Pluralização

Pluralismo é a negação dos absolutos. O homem con-

temporâneo passou a viver com a diversidade das op-

ções. Analisando este fenômeno, Amorese diz que o

homem pós-moderno se sente revoltado com a simples

falta de escolhas, portanto, ele passa a evitar as verda-

des absolutas. É a “sociedade-supermercado”. Quanto

a questões de natureza moral, por exemplo, qualquer

não aceitação da prática do outro passa a ser inter-

pretada como preconceito, intolerância e não como

sendo uma visão de certo e errado. Não aceitar é que

é pecado em uma sociedade pluralizada. A “socieda-

de-supermercado” precisa abolir de sua cosmovisão

qualquer verdade que se torne um ponto fixo, para

não correr o risco de ser limitada ou castrada em

suas opções.

A sociedade pluralista vê a religião como “uma” ver-

dade e não “a” verdade. A sexualidade é apenas mais

uma opção. Ser heterossexual não é o padrão, é ape-

nas uma escolha, só mais um “produto na prateleira”.

Cada um escolhe e “compra” o que quiser e ninguém

pode dizer que o outro errou, já que todos podem es-

colher. Ao abordar o pluralismo como um dos pilares

da vida pós-moderna, Gondin conclui que “essa plu-

ralização faz com que as pessoas passem a viver com

a assustadora cosmovisão de que todas as questões

A pós-modernidade

livreto_01.indd 30 2/1/2011 16:19:04

Page 31: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

31

éticas, morais e religiosas não vão além de uma mera

opção. Nada mais é mandatório, nada mais é compul-

sório, nada mais é obrigatório.” (2002, p. 41)

No pensamento pluralista, somente faz sentido que as

mesmas questões tenham respostas diferentes já que

se tudo depende do modo que o indivíduo enxerga o

mundo, e, na sociedade pós-moderna, tudo depende

do ponto de vista de cada um.

O pluralismo é a conclusão lógica de uma visão rela-

tivista do mundo. Em uma sociedade mundial em que

toda verdade é verdade, todas as verdades se tornam

relativas. Não há um ponto fixo, uma moral correta,

tudo é relativo e universalmente aceito se não causar

prejuízos a ninguém. Esta visão utilitarista3 da vida

fundamenta o pluralismo que se desenvolve a partir

da relativização da verdade.

Privatização

A segunda coluna de sustentação da cosmovisão pós-

moderna é a privatização. Compreende-se por priva-

tização o abismo gerado pela modernidade entre a

esfera pública e a privada do homem. Não é errado

dizer que este fundamento é consequência do an-

terior porque não é possível a privatização sem plu-

3 Utilitarismo – pensamento que diz que tudo é bom se nãoprejudica a outro.

A pós-modernidade

livreto_01.indd 31 2/1/2011 16:19:04

Page 32: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

32

ralização. Para compreender esta relação, Amorese

propõe o seguinte exemplo:

“Veja o conhecido anúncio do cigarro Free: ele sem-

pre termina dizendo que “pelo menos nós temos algu-

ma coisa em comum”. Essa coisa em comum é liber-

dade para concordar ou discordar. Cada um na sua.

Trata-se dizer que se você fez tal escolha, ninguém

tem nada com isso, mesmo que o Ministério da Saúde

diga que fumar é prejudicial à saúde. Você vive em

uma sociedade plural, e, portanto, quanto mais mo-

derna for, mais consciência terá de que suas escolhas

são um assunto privado, de sua exclusiva responsabi-

lidade. E as pessoas modernas têm isto em comum:

respeitam as opções das outras”. (1998, p. 61)

A privatização tem fatores positivos como o respeito à

individualidade e à liberdade de escolha do indivíduo,

que nada mais é do que o ideal para uma sociedade

livre e respeitosa quanto às diferenças. Os regimes to-

talitários feriram diretamente o direito à privacidade

do cidadão, excluindo opções, oprimindo e uniformi-

zando o pensamento do indivíduo comum, enquan-

to as burguesias mantêm o seu elitismo, escolhendo,

optando e sendo o que querem. Por outro lado, a pri-

vatização gera a fragmentação entre o homem público

e o homem privado. O primeiro faz negócios, vende,

compra, pensa, vence e cresce economicamente, po-

A pós-modernidade

livreto_01.indd 32 2/1/2011 16:19:04

Page 33: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

33

liticamente, etc. O segundo vive em família, tem re-

ligião, tem um hobby, possui princípios morais, so-

nha, projeta e deseja ver seus netos crescerem, mas

também tem desejos pessoais. As consequências da

separação destes dois universos pessoais podem ser

terríveis, já que o homem público não sofrerá as in-

fluências da ética e dos valores do homem privado.

Um exemplo disso é o homem que vive entre a anta-

gônica realidade de seus valores familiares/religiosos

e uma vida corrupta nos negócios, ou o pai de família

que é exigente com seus filhos e mantém uma relação

adúltera, sem perceber claramente que está traindo

sua própria consciência e moral. Para este homem

pós-moderno não há nada de errado nisto, já que sua

vida pessoal ou privada não é, apenas, aquela vivida

no lar, mas aquela vivida em si mesmo. O mundo de

hoje é bombardeado por notícias de padres pedófilos,

políticos corruptos, empresários desonestos, empresas

fantasmas, etc. O conflito do homem-público (o padre,

o político, o empresário) com o homem-privado (o

pedófilo, o corrupto, o desonesto) se ilustra nestes

casos. O indivíduo público é visível, o privado é o

grande desconhecido livre, ele pode ser o que quiser,

o que escolher, ninguém pode impedi-lo, já que tudo

são apenas escolhas.

Ao analisar as consequências do processo pós-moderno

de privatização Gondin conclui que “o pós-modernismo

A pós-modernidade

livreto_01.indd 33 2/1/2011 16:19:04

Page 34: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

34

prometeu a liberdade, contudo, homens e mulheres que

acreditaram nesta promessa encontram-se presos na pior

das escravidões: a solidão”. (2002, p. 46)

Portanto, a privatização destrói a ideia da sociabilidade,

cada indivíduo é responsável apenas por si mesmo e

por seu bem-estar, suas escolhas quanto à vida dizem

respeito somente a si mesmo e a mais ninguém.

Será que isto influencia a vida cristã hoje? Seria a

privatização uma questão presente apenas na socie-

dade secular? Cristãos podem viver desassociando

sua vida privada de sua vida pública? Não é preciso

muito esforço para que cheguemos à conclusão que

a privatização não está tão longe das igrejas como

se pode pensar; ela não é uma ilusão filosófica, mas

uma realidade concreta. Infelizmente, não é raro ou-

virmos de líderes evangélicos que vivem uma vida

dupla, entre o pecado e sua posição religiosa, e, mui-

tas vezes, o talento vale mais do que o caráter. Não

posso deixar de lembrar de Saul quando penso nisto.

Um rei para o seu povo, e um amargurado, um louco

enciumado, sedento por matar Davi. Esta realidade

só era conhecida por aqueles que conviviam com ele

na intimidade.

Em seus debates com os fariseus, religosos conserva-

dores das tradições judaicas, Jesus jamais entrou em ques-

tões teológicas, seus questionamentos sempre eram na

A pós-modernidade

livreto_01.indd 34 2/1/2011 16:19:04

Page 35: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

35

área do comportamento transparente que faltava na

vida daqueles líderes religiosos. A hipocrisia farisáica

era, na verdade, o fato de serem alguém em público e

outro alguém em particular.

Transparência e coerência são palavras-chaves para

quem quer viver o Evangelho e não apenas levar o

título de evangélico. Transparência como a dos quatro

seres viventes que diante do Trono de Deus vivem

em adoração incessante. Apocalipse capítulo 4 relata

a visão que João tem destes seres e eles são cheios de

olhos, por fora e por dentro. Como era possível ver

que tinham olhos para dentro? Apenas a transparência

responde a essa pergunta. Ser transparente não é falar

tudo que se quer, na hora que se desejar, para quem

quiser ouvir, isso pode ser sinal de arrogância! Ser

transparente é, antes te tudo, enxergar a si mesmo, ter

olhos voltados para si, enxergar-se. Coerência como a

de Paulo que é capaz de dizer: “olhem pra mim, sou

imitador de Cristo”. Nossas vidas são a maior mensa-

gem evangelística que o mundo pode ouvir! Devemos

pregar com a vida, não apenas com as palavras.

Sempre devemos preservar a intimidade, a privacida-

de, a individualidade de cada um, estes são valores

fundamentais para a saúde emocional e espiritual do

ser humano, porém não vivamos “duas vidas”, não

tenhamos dois valores. Sejamos acima de tudo e an-

A pós-modernidade

livreto_01.indd 35 2/1/2011 16:19:04

Page 36: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

36

tes de tudo o que a Bíblia diz que somos em Cristo:

santos. Esta verdade simples, se vivida em plenitude, é

uma arma poderosa contra os escândalos.

Desconstrução de identidades

Outro fundamento do pós-modernismo é um fenôme-

no sofrido por instituições normalmente tradicionali-

zadas na cultura humana, que passam a conviver com

a relativização de tudo, um processo de perda, ou des-

construção, de sua identidade ou características mais

naturais. Um grande exemplo disso é o casamento ou

a própria instituição familiar, outrora vistos como sa-

grados e agora como mais uma opção de vida. Basta a

observação, para notarmos que o concubinato é prá-

tica cada dia mais comum. A severa discussão sobre

a legalidade da união matrimonial de homossexuais

demonstra a nova face da família pós-moderna, capaz

de ver a possibilidade de existir uma família sem a dis-

tinção dos elementos pai e mãe, marido e mulher. A

geração de filhos se torna uma total impossibilidade,

mas aqui surge outra quebra de identidade, já que na

pós-modernidade ter um filho pode ser uma experi-

ência independente da família. Criança pode ser uma

“produção independente”.

Ao desenvolver a ideia das identidades deslocadas ou

desconstruídas no pós-moderno, Stuart Hall postula

A pós-modernidade

livreto_01.indd 36 2/1/2011 16:19:04

Page 37: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

37

que na modernidade tardia a globalização teve um

grande impacto quanto às mudanças das identidades

sociais no mundo, fazendo com que as sociedades

modernas sejam, por definição, sociedades de mu-

dança constante, rápida e permanente.

Com a força das mudanças na sociedade mundial, o

indivíduo e as instituições, dentre elas a igreja evangé-

lica e os seus fiéis, sofrem a perda ou a corrupção de

sua imagem original ou essencial, gerando então uma

crise, um choque, entre a identidade entendida como

verdadeira, original e primordial e a nova identidade

assumida devido às influências forte e sutil da cosmo-

visão pós-moderna e sua filosofia de desconstrução.

O que isto significa em termos práticos para o uni-

verso cristão? Significa que muitos crentes são bem

diferentes daquilo que a Bíbila diz de um crente, que

igrejas estão em um processo de distanciamento do

padrão bíblico, que as vidas alcançadas são confundi-

das com resultados de um marketing eficiente e que o

Corpo está no caminho de se tornar corporação. Este

fenômeno de “desvio” nada mais é do que a descons-

trução da identidade da igreja cristã.

O temor de Paulo em relação à Igreja, em Corinto,

cai bem nestas linhas e deve virar um apelo ao nosso

espírito - não percamos a simplicidade do Evangelho

e a pureza de Cristo -.

A pós-modernidade

livreto_01.indd 37 2/1/2011 16:19:04

Page 38: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

38

“Mas receio que, assim como a serpente enganou a

Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida

a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza

devidas a Cristo”. (I Co 11.3)

A secularização

A secularização é o resultado da presença dos três

pilares citados na sociedade de hoje. Guinness con-

ceitua a secularização como o processo através do

qual as ideias e as instituições religiosas estão per-

dendo seu significado social. Obviamente, isto é um

resultado do pluralismo unido à privatização em um

tempo de distorções de identidades, pois o sagrado

perdeu seu valor, já que qualquer credo nada mais

é do que uma outra opção e isso cabe ao indivíduo

escolher o que melhor lhe agradar. No “mercado

religioso” não é mais Deus quem nos escolhe, nós o

escolhemos na prateleira, diz Amorese. Em uma so-

ciedade secularizada, toda ideia de transcendência,

ou seja, toda questão que não envolva o material, se

torna secundária, pois o que realmente importa é o

agora, o hoje, o prazer, o bem-estar, o ter, o consu-

mir, o resultado.

Dom Aluísio Lorscheider, indagado sobre as razões

das pessoas não mais aceitarem os conselhos da Igre-

ja sobre temas atuais como aborto, pena de morte,

A pós-modernidade

livreto_01.indd 38 2/1/2011 16:19:04

Page 39: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

39

eutanásia, ecologia, respondeu assim: “Não é que a

Igreja perdeu o poder de aconselhar as pessoas. Ela

aconselha, mas as pessoas não aceitam mais esses

conselhos, porque não aceitam mais a transcendên-

cia. Elas praticamente não aceitam mais Deus, que

é quem nos dá normas a partir da própria criação.

Deus fez o mundo com sabedoria, mas as pessoas

deixaram de fazer esta leitura do mundo. O mundo

é visto como uma razão matemática e não mais filo-

sófica, muito menos teológica. Esta é a tendência do

mundo de hoje”.

Em uma sociedade secularizada não há tempo para

Deus e muito menos para Seus preceitos, tão exi-

gentes e retrógrados, a não ser que tanto Deus como

Seus preceitos resultem em benefício para o homem:

um milagre, uma bênção, uma porta aberta, um sa-

lário melhor, etc.

É neste tom pluralista, privatizado, sem identidade de-

finida e secularizado que toca a música que embala o

crescimento dos evangélicos no Brasil, uma igreja pós-

moderna, uma igreja com a forma de nosso tempo.

A pós-modernidade

livreto_01.indd 39 2/1/2011 16:19:04

Page 40: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

40

Mundanismo pós-moderno – Sutil e venenoso

Pouco tempo atrás o debate teológico evangélico

quanto ao mundanismo e a santidade girava em torno

de temas que hoje, para a maioria dos crentes e das

organizações religiosas, estão resolvidos. Se recuar-

mos alguns anos, lembraremos que discutíamos sobre

roupas, brincos, batons, cortes de cabelo, terno, gra-

vata, certos ritmos e instrumentos musicais. Até mes-

mo certa versão da Bíblia já fora considerada como a

“verdadeira”.

Sem dúvida hoje muitos destes debates são parte de

um passado recente. De forma geral, já estabeleceu

suas soluções para estas cismas, entendendo que são

questões locais, usos e costumes e, por isso, mutáveis

quanto ao tempo e o lugar. Parece que as palavras de

Paulo, pelo menos nestas questões comportamentais,

finalmente, foram compreendidas.

“Quem come não despreze o que não come; e o que

não come não julgue o que come, porque Deus o aco-

lheu...” (Rom 14. 3)

Portanto, a igreja evengélica mostra-se hoje muito mais

aberta a aceitação das diferenças denominacionais,

enxergando que a fé é o ponto de convergência que

elimina todas as possíveis discordâncias, sejam doutru-

nárias ou comportamentais.

A pós-modernidade

livreto_01.indd 40 2/1/2011 16:19:04

Page 41: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

41

Entretanto, o debate sobre mundanismo e santidade

algumas vezes parece esquecido ou, quando lembra-

do, volta-se a questões de usos e costumes . A impres-

são é que tudo foi solucionado quanto a estes temas

e que cada segmento evengélico define seus limites

éticos. Puro engano. A pós-modernidade, em seus

fundamentos já vistos anteriormente, manifesta uma

forma muito mais sutil de mundanização das estrutu-

ras e das pessoas.

O desejo de alcançar a fama, a competição por núme-

ros, o sucesso financeiro como medida de espiritualida-

de, a transformação de igrejas em mega-corporações,

a visão do ministério como uma boa fonte de renda,

a vontade de ter mais do que ser, as mensagens que

garantem a solução mágica de problemas, a compra e

venda de bênçãos, a transformação do culto em espe-

táculo, a ideia de líderes como semideuses infalíveis, o

triunfalismo barato, o carisma em detrimento ao caráter

e coisas como estas, comuns nestes dias, são profundas

influências da secularização, ou mundanização, sutil,

mas progressiva sofrida pela igreja evangélica de hoje.

A sutilieza está no fato de estas coisas virem maquiadas

de sucesso, de portas abertas ou de bênçãos, mas nada

mais são que distorções da verdade, egocentrismo e

engano. Este veneno maligno tem matado pessoas e

instituições, transformando o Corpo em corporação e

o organismo em simples organização.

A pós-modernidade

livreto_01.indd 41 2/1/2011 16:19:04

Page 42: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

42

Deus não divide sua glória com ninguém. Qualquer su-

cesso que não resulte em glorificação do Seu Nome,

qualquer sucesso que não tenha a adoração com mo-

tivação primordial, qualquer sucesso que não Seu pri-

meiro princípio não seja o de fazer o Nome do Senhor

grande, não é promovido por Ele. No mínimo, é ape-

nas realização humana. No mínimo!

livreto_01.indd 42 2/1/2011 16:19:04

Page 43: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

43

Capítulo3Teologia e pregaçãoevangélica na pós-modernidade

Já vimos que as igreja evangélicas sofrem a influên-

cia da pós-modernidade na condição de instituição

presente neste tempo, na história e na sociedade. O

pensamento evangélico revela esta influência. A pre-

gação nada mais é do que produto deste pensar te-

ológico, se a teologia for distorcida, a pregação tam-

bém o será, pois o que se prega é apenas a expressão

daquilo que se pensa.

É importante notarmos que o ato de pregar não se dá

apenas através da exposição pública das mensagens

bíblicas feitas nos púlpitos. A igreja expõe seu pensa-

mento, ou seja, prega de diversas formas, e uma das

mais comuns é a música. Isto quer dizer que o que

cantamos também reflete o que pensamos. Agora,

esta é uma estrada de mão-dupla! A maioria das pes-

soas, membros das igrejas, não formam opinião, mas

tem sua forma de pensar formatada por aquilo que

absorve. O que quero dizer é que, se a maneira de

alguém ver o Evangelho for formada através de distor-

ções aprendidas por pregaçõas, músicas, literaturas,

livreto_01.indd 43 2/1/2011 16:19:04

Page 44: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

44

ou qualquer outro veículo propagador de ideias, essa

pessoa vai ter uma visão errada da verdade, sendo ela

então vítima de um sistema de engano. Mesmo que

não seja uma “grande heresia” (se é que existem here-

sias pequenas), devemos lembrar que “um pouco de

fermento leveda a massa toda”, isto é, um pouco de

mentira compromete toda uma verdade.

Ao menos três pensamentos teológicos podem de-

monstrar esta sutil realidade. Isto é o que veremos a

partir de agora.

O homem no centro do universo

O Iluminismo transformou Deus em uma experiên-

cia humana, um Deus organizador, interior e neces-

sária ao bem-estar social. O mundo moderno pas-

sou a tolerar a religiosidade desde que esta lhe seja

socialmente útil e fruto de uma opção pessoal. Ao

dar ao homem o status de centro do Universo, o

Iluminismo fez de Deus um instrumento da felici-

dade humana.

Esta cosmovisão antropocêntrica4 tomou o pensamento

ocidental como um todo, incluindo o próprio cristianis-

mo como parte deste universo. Segundo Gondin “a par-

tir daí o relacionamento com Deus se daria numa pers-

pectiva humanista e não teocêntrica”. (2002, p. 118)

4 Antropocentrismo – Homem visto como centro do Universo.

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 44 2/1/2011 16:19:04

Page 45: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

45

A teologia do início do Século XX foi marcada pela

controvérsia entre o liberalismo e o conservadorismo.

O primeiro buscava alternativas mais lógicas e condi-

zentes com o homem moderno para a interpretação

bíblica e para a moral cristã, o conservadorismo, por

sua vez, continuou batalhando pela inerrância das Es-

crituras e pela firmeza dos alicerces da fé. Com total

sutileza, ambos os grupos foram contaminados pela

mentalidade humanista e secularizada da modernida-

de. Assim, surge no ocidente o que pode ser chamado

de pseudo-evangelho, que afirma a felicidade huma-

na como principal ação da vontade divina; a solução

de problemas como prioridade e prova do poder so-

brenatural do Evangelho e o sucesso pessoal como

projeto de Deus para o ser humano, manifestando-se,

principalmente, nas questões financeiras. Um evange-

lho assim é conveniente e convincente, porém nem

sempre coerente com a verdade bíblica.

Ao colocar o homem no centro da mensagem evangé-

lica, a pregação torna-se autoajuda, o culto se transfor-

ma em show ou entretenimento, o evangelismo vira

alcance de metas numéricas, a adoração muda-se em

“música de trabalho”, os líderes passam à condição de es-

trelas e ditadores, os dízimos e ofertas são vistos como

investimentos rentáveis e o Corpo não passa de uma

corporação.

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 45 2/1/2011 16:19:04

Page 46: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

46

Um dos maiores fundamentos deste evangelho huma-

nista é a teologia da prosperidade, negada pela maioria

e pregada por este mesmo quantitativo. Este pensamen-

to, totalmente presente na teologia evangélica pós-mo-

derna, baseia-se na visão de que a prosperidade finan-

ceira, a saúde e o sucesso pessoal são direitos dados

por Deus, como herança terrena, a todos os crentes, as-

sim sendo, a pobreza e a vida cristã são incondizentes,

se um crente é pobre ou está enfermo há algo errado

com sua fé: ou não crê ou está em pecado.

É notável que a maioria dos movimentos evangélicos

não se declaram publicamente adeptos de teologias,

como a da prosperidade, a do movimento da fé ou a

da confissão positiva, contudo estas ideias estão ativas

na teologia cristã hodierna, gerando relacionamentos

interesseiros com um Deus frágil que cede às deter-

minações de seus fiéis.

O texto citado, a seguir, descreve o risco e o nível de

influência destas ideias sobre o pensamento evangé-

lico pós-moderno, a ponto de estar transformando a

esperança do porvir em um simples sonho terrenal.

Citado por Bettencourt, M. Lenz analisa o atual cená-

rio protestante desta forma:

“Até bem pouco tempo uma respeitável fatia da igreja

cristã empurrava todas as bem-aventuranças para o

céu e para a eternidade. Dizia-se então que era ne-

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 46 2/1/2011 16:19:04

Page 47: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

47

cessário suportar pacientemente o sofrimento pre-

sente, inclusive a injustiça social, porque “a nossa

pátria está nos céus, de onde também aguardamos

o Salvador” (Fp 3, 20-21). Esta posição extremada

fechou a boca da igreja, deixou inteiramente à von-

tade os corruptos e os opressores deste mundo e

deu oportunidade e espaço à teoria marxista de que

a religião é o ópio do povo. Graças à ênfase socia-

lista e à redescoberta do evangelho integral, a fase

do chamado “celeste porvir” viveu seus derradeiros

dias. Mal se livra de um grotesco extremismo, outro

se estende célere e com força total. Neste final de

século, estamos passando do celeste porvir para o

“aqui e agora”. Ao invés de empurrar todas as bem-

aventuranças para o céu e a eternidade, a Teologia

da Prosperidade está trazendo o celeste porvir para

o terrestre presente. Para comermos a melhor comi-

da, para vestirmos as melhores roupas, para dirigir-

mos os melhores carros, para adquirirmos muitas

riquezas, para não adoecermos nunca, para mor-

rermos entre 70 e 80 anos - basta crer no coração e

decretar em voz alta a posse de tudo isso. Basta usar

o nome de Jesus com a mesma liberdade com que

usamos nosso talão de cheques. Ora, tudo isso pa-

rece uma loucura, já espalhada por todo o mundo,

que precisa ser corrigida. Antes que haja um con-

luio da fé cristã com o secularismo, o materialismo,

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 47 2/1/2011 16:19:04

Page 48: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

48

o consumismo, a Ciência Cristã e a neurolinguísti-

ca. Antes que não sobre nada para o dia das bodas

do Cordeiro. Antes que não haja mais nenhuma

surpresa guardada para o crente no celeste porvir.

Antes que a esperança cristã se torne desnecessária

e se aposente”. (BETTENCOURT, 2004)

Sob o peso da cosmovisão pós-moderna a igreja evan-

gélica tem humanizado e secularizado sua teologia e,

como consequência, sua pregação, já que esta propa-

ga tão-somente o que aquela conclui.

O culto dos sentidos

O Culto dos Sentidos é uma contradição ao “culto

racional” referido por Paulo em Romanos 12.2. Este

fenômeno do presente é fruto da ênfase pós-moder-

na em tudo que desperta sensações, no imediato, no

aqui e agora, no entretenimento e na busca por emo-

ções. “Jesus e o Espírito Santo converteram-se nos

produtores mais eficazes dos bens de consumo reli-

gioso. Deus está aí para solucionar os meus proble-

mas, está à minha disposição para modificar o uni-

verso de acordo com meu capricho. Podemos acres-

centar que Deus está aí para fazer-me sentir “bem”,

para fazer-me “vibrar de alegria”, para provocar em

mim emoções mais fortes, para encher-me de paz.”

(SALINAS & ESCOBAR, 2002, p. 53)

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 48 2/1/2011 16:19:04

Page 49: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

49

Uma análise das músicas cristãs contemporâneas re-

vela a veracidade do seguinte fato: há hoje uma su-

pervalorização da sensação, do sentimento humano.

Muitas mencionam o sentir, o ver, o tocar e outras

formas de experiência dos sentidos. Contrastando

com isto a hinologia evangélica se esvazia, dia a dia,

de termos como arrependimento, conversão, cruz, e

outros tão presentes na mensagem de Cristo.

A música é apenas um exemplo, pois as mensagens

nos púlpitos também se encaixam no Culto dos Sen-

tidos. Muitos temas pregados hoje se direcionam ao

bem-estar e não ao arrependimento; à autoestima e

não à conversão; para levantar a plateia e não para

confrontar pecadores com a santidade de Deus. O

uso de frases de efeito e a manipulação das emoções

são elementos tão comuns ao culto evangélico que já

se tornaram parte da vida de pregadores e ouvintes.

Creio que a frase “você nasceu pra vencer” seja hoje

bem mais comum em diversos púlpitos do que a ver-

dade: “Jesus morreu por você”.

Desta forma, a igreja não fica com aquilo que é bom

da pós-modernidade, mas antes se abre para a entrada

daquilo que é negativo, deixando de ser contracultu-

ra para ser fenômeno cultural. A proposta de Cristo

é a de ser diferente e não igual. Se a igreja perde a

identidade de contracultura, ela perde sua própria

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 49 2/1/2011 16:19:04

Page 50: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

50

identidade essencial: ser luz e sal. Não podemos vi-

ver mudando o conteúdo pelo estilo, a verdade pelas

impressões, a base da fé por emoções, o compromisso

pelo espetáculo, a vocação pela manipulação psicoló-

gica, o arrependimento pela decisão sem mudança de

vida, a centralidade da Palavra pela valorização dos

números.

O que vemos acontecer hoje nos remete aos tempos

de Jeremias. Ressoava naqueles dias entre os judeus

uma mensagem de paz. Os profetas diziam que tudo

estava bem, porém esta era uma palavra mentirosa.

“Curam superficialmente a ferida do meu povo, di-

zendo: Paz, paz; quando não há paz. Serão envergo-

nhados, porque cometem abominação sem sentir por

isso vergonha; nem sabem que coisa é envergonhar-

se. Portanto, cairão com os que caem; quando eu os

castigar, tropeçarão, diz o SENHOR.” (Jer 8.11e12)

A história se repete. O triunfalismo, o discurso capita-

lista, o crescimento numérico, parece indicar que tudo

vai muito bem nos arraiais evangélicos e que a igreja

vive o ápice de sua história. Analisemos com clare-

za, de forma sábia e racional e perceberemos que há

uma crise ampla instalada. Há competições, demons-

trações públicas de sucesso, programas de televisão

evangélicos que são verdadeiras vitrines do sucesso

ministerial, considera-se infeliz o ministério que não

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 50 2/1/2011 16:19:04

Page 51: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

51

está na mídia. Chegamos a uma profunda crise de po-

der. O discurso de unidade está em moda, mas todo

caminhar em unidade se dissipa quando se discute

quem vai liderar a comunhão. Muitos querem ser os

manda-chuvas, poucos querem servir aos irmãos.

Se o Mestre, o Senhor, o Rei disse: ”Eu vim para servir,

não para ser servido” (Mc 10.49), que diremos nós? Lide-

rança é serviço. O pastor trabalha pelas ovelhas, logo as

serve. O bom pastor serviu-nos com sua própria vida.

Temos que lutar pela verdade com a verdade. É preci-

so um grito contra a hipocrisia, dos que não suportam

a realidade desnudada diante de si. Cumpre-se a Pala-

vra, mas que esse texto transcrito abaixo não esteja se

tornando fato em nós.

“Pois haverá tempo em que não suportarão a sã dou-

trina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo

as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira

nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade,

entregando-se às fábulas.”(II Tim 4.3e4)

Hedonismo cristão

Para a filosofia, hedonismo é a busca pelo prazer como

razão da vida. Sua aplicação quanto à teologia cristã in-

fluenciada pelo pós-moderno é uma consequência dos

fenômenos anteriores, ou seja, em função da humani-

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 51 2/1/2011 16:19:04

Page 52: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

52

zação da teologia e da hipervalorização dos sentidos

nasce uma visão hedonista do cristianismo, centrada

nas realizações imediatas, na prosperidade financeira,

nos sonhos humanos, no estar “feliz da vida”. Hoje,

parece que a vida cristã já não é renúncia, mas sim

prazer; já não é cruz, mas tão-somente vitória. É bíbli-

co entender que a vida em Cristo não são somente lu-

tas e provações, porém o verdadeiro cristianismo ini-

cia-se com a proposta de Cristo, “quem quer vir após

mim negue-se a si mesmo, tome sua cruz e venha”.

A mensagem cristã não é contra a vida, mas também

não é uma celebração ao prazer, já que apela para

o ato de renunciar, de morrer para si mesmo como

testemunho de fé. O simbolismo do ato de iniciação

da fé cristã, o batismo, não é outro senão este, a morte

para o eu e a ressurreição para Deus. Continuar uma

vida de fidelidade a Deus nada mais é que o abrir mão

de vontades e desejos para agradá-lo em amor. Tanto

no Antigo Testamento como no Novo, há declarações

bíblicas que condenam o pensamento do hedonismo

imediatista, que diz: “comamos e bebamos que ama-

nhã morreremos”.

Este imediatismo do prazer, da vitória, da bênção

aqui e agora, rouba uma das bases da esperança

cristã, que é a certeza de um porvir de paz, a vida

eterna. Para que aguardar que um dia Deus enxugue

dos olhos do crente todas as lágrimas se o verdadei-

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 52 2/1/2011 16:19:04

Page 53: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

53

ro cristão só chora de alegria? Se aqui na terra todo

crente tem que ser rico, que nível de esperança futu-

ra resta? É fundamental destacar que Cristo promete

vida abundante, paz no presente e no futuro, mas

o triunfalismo gera uma utopia hedonista distancia-

da da realidade humana de lutas e tempestades que

atingem a todos, crentes e não crentes. O cristianis-

mo verdadeiro prega a esperança futura e fortalece

a segurança no presente, mas sem jamais garantir

que o crente só viverá nesta vida terrena, deleites,

prazeres e vitórias. Se Cristo não viveu assim, quem

poderá reivindicar este estilo de vida?

Teologia e pregação evangélica na pós-modernidade

livreto_01.indd 53 2/1/2011 16:19:04

Page 54: Ser Em Tempos de Nao Ser

livreto_01.indd 54 2/1/2011 16:19:04

Page 55: Ser Em Tempos de Nao Ser

55

Capítulo4A ética cristãe a pós-modernidade

Ao absorver a ausência de absolutos como verdade,

o homem da pós-modernidade se depara com uma

contradição, já que o relativismo passa a ser sua ver-

dade absoluta. Entretanto, a sociedade pós-moderna

não contempla sua própria contradição filosófica,

restando ao homem pós-moderno a relativização da

moral como única opção (o que é outra contradição

filosófica, já que o pluralismo defende a necessidade

de escolhas múltiplas). Segundo Gueisler “todos têm

um ponto fixo (ou um absoluto), até os relativistas.

De outra forma, não poderiam afirmar que têm uma

visão correta da realidade. Os defensores do relativis-

mo podem expressar suas convicções de modos sutis

e velados. Entretanto, quando expressos em português

claro, seus absolutos ficam óbvios”. (2001, p. 45)

O niilismo, termo filosófico que afeta as mais diferen-

tes esferas do mundo contemporâneo, é a desvalori-

zação e a morte do sentido, a ausência de finalidade.

A amoralidade de Nietzsche se faz presente de forma

maciça, porém sutil, na mente pós-moderna. Nada é

livreto_01.indd 55 2/1/2011 16:19:04

Page 56: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

56

proibido, nada é errado, sendo assim, nada é absoluta-

mente certo, toda moral é uma questão de escolha.

A ética pós-moderna quer demolir a ideia de um ponto

fixo, da existência de um nomos5 um modelo moral quanto

ao juízo de valores. A religião, como um produto, não dita

regras gerais, mas apenas para aqueles que “a compram”,

demonstra aquilo que se deve e que não se deve fazer. Sem

um nomos resta a escolha, a opção, a vontade. Aqui está

o perfil do super-homem nietzscheniano, sem regras, sem

limites morais. Ao invocar este homem superior, Nietzsche

proclama a morte de Deus, não uma morte mitológica, mas

antes uma morte da moral. O nomos sagrado, castrador de

desejos, tem que morrer para que surja um homem livre,

sem ter nada que o acuse, sem pecados ou pecado6. A mor-

te de Deus, para este filósofo alemão, não era uma questão

de lucidez intelectual, mas uma questão existencial. Deus

tem que estar morto para que o homem se sinta livre, por

isso, Nietzsche não afirma que Deus não existe, mas, sim,

o querer que Deus não exista. Para Nietzsche o homem é

individualidade irredutível, que despreza qualquer verdade

estabelecida, estando sempre pronto para se exprimir na

vida, superando as formas da tradição nos seus atos, e este

é o resultado desta cosmovisão aética, é a ausência de

valores definidos.

5 A palavra grega nomos (lei) aplica-se aqui a ideia de uma ordem moral maior, regente de valores totalitários. 6 Pecados – falhas, erros; Pecado – natureza originalmente pecaminosa que leva o homem a cometer pecados.

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 56 2/1/2011 16:19:04

Page 57: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

57

A questão que surge, diante desta realidade moral ho-

dierna, é se a igreja evangélica tem sofrido influên-

cia destes fatores da pós-modernidade no campo da

ética. Um dos maiores perigos à verdadeira fé cristã

é o crescimento simplesmente numérico das igrejas

evangélicas no Brasil. Esse fenômeno de transforma-

ção da fé cristã de alternativa para pop7 compromete

a qualidade do cristianismo vivido e isso se reflete na

prática desta fé, e o que é a ética cristã senão a fé

praticada? Assim o relativismo, intrínseco ao homem

contemporâneo, é levado para os arraiais evangélicos

sem que se perceba o quão distante está o verdadeiro

Evangelho de Cristo.

Nos pontos seguintes, veremos áreas em que a ética

cristã é substituída pela ética secularizada, pela Lei

dos resultados, onde o método substitui o conteúdo.

Crescimento numérico – parâmetro para o sucesso

O crescimento do povo evangélico é fato inegável na

sociedade contemporânea. Nos últimos vinte anos,

a população evangélica cresceu cerca de 5,18% ao

ano, contra 2,5% do restante da população. Vários fa-

tores contribuem para este fenômeno que não vão aqui

ser demonstrados, porém vale ressaltar que há alguma

positividade no crescimento das igrejas, mesmo que

7 populismo

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 57 2/1/2011 16:19:05

Page 58: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

58

contenham elementos desfocados teologicamente. O

que se mantém poderoso e eficaz é o Evangelho de

Cristo, a mensagem da salvação, esta não volta vazia,

cumpre o propósito divino de buscar e salvar o que se

havia perdido, sem limites de tempo e lugar e, ainda

mais, sem os limites das instituições e dos pensamen-

tos humanos. O Evangelho sobrevive à calamidade

ética da pós-modernidade. O Evangelho sobrevive ao

caos humanista da teologia contemporânea, mesmo

que pareça esquecido no canto dos auditórios lotados

de pessoas sedentas por respostas mágicas, terrenas e

rápidas, o Evangelho sobrevive. Por ser sobrenatural,

o poder de Deus para a salvação dos que creem, o

Evangelho, mantém-se vivo.

O que se torna questionável é a medida numérica

como parâmetro de “sucesso ministerial”. Números

se igualam ao sucesso na mente de muitos líderes

cristãos de hoje, o que faz com que a “bênção” seja

medida através de conquistas, propriedades, bens,

membresia, etc., restando uma única opção para a

não frustração ministerial: uma igreja grande numeri-

camente, onde , muitas vezes, a quantidade vive inde-

pendente da qualidade.

A sociedade pós-moderna, movida pela indústria do

entretenimento, tem na fama o seu padrão de sucesso.

Uma sociedade sintetizada em reality shows como o

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 58 2/1/2011 16:19:05

Page 59: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

59

“Big Brother”, onde a moral foi substituida pela noto-

riedade. Não importa o meio para se vencer, o impor-

tante é vencer; e neste caso ser vitorioso não é apenas

ganhar o prêmio final é, acima de tudo, ser famoso.

Aplicando este espírito à realidade evangélica asso-

cia-se números com fama; uma grande quantidade de

adeptos gera notoriedade. Os meios para a conquista

deste destaque que vem dos números, muitas vezes,

são verdadeiramente obscuros e questionáveis sob a

ótica da ética cristã.

Esta mentalidade pós-moderna, aficionada por resul-

tados, tem causado um enfraquecimento da moral

transformando-a em força numérica e tem mudado

a conversão em adesão, quando se trata de salvação

e do início da caminhada cristã. Segundo Yancey,

“pelo sistema bíblico da conversão e não da adesão,

a colheita de almas é difícil, pois a porta é estreita e o

caminho é apertado (Mt 7.13 e 14). O pecador preci-

sa ter consciência do pecado, arrepender-se e negar

a si mesmo (isto é, impedir que o eu seja o centro de

seus atos), tomar a sua cruz (isto é, estar disposto a

sofrer e morrer por amor ao Senhor) e seguir a Jesus

até o último dia (Mc 8.34)”. (Ultimato, p. 34, julho-

agosto 2005)

Com o objetivo de atrair as multidões, o marketing

dos milagres é o cartão de visita de muitas institui-

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 59 2/1/2011 16:19:05

Page 60: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

60

ções evangélicas hoje. O que esse tipo de marketing

produz? Uma tentativa de se enquadrar os milagres

na lei do mercado, se há procura deve haver uma

mercadoria oferecida para supri-la. Desta forma, se há

problemas difíceis demais, tristes demais e complexos

demais, devem haver milagres, então se monta uma

banca de ações sobrenaturais e o nome de Deus é

usado inescrupulosamente. Não penso que as igrejas

não deva pregar milagres, eles são reais e bíblicos,

porém jamais poderão ser instrumentos de marketing,

como têm sido utilizados nestes últimos anos, de for-

ma sensacionalista, popularesca e mercantil.

Mercantilismo da fé

A sociedade pós-moderna é extremamente mercantil,

todo e qualquer segmento se torna um filão comercial.

Há mercados especializados para todos os meios. A

partir da década de 90 a igreja evangélica começou

a ser vista como um mercado promissor. Nada mais

normal e lógico para as sociedades capitalistas. Os

produtos evangélicos tomaram uma parte do merca-

do devido à força do crescimento dos crentes, que

formam um grupo de consumidores com tendências

exclusivistas, ou seja, que prioriza os produtos com

características do seu meio. Pergunta-se: onde está

o risco deste crescimento do mercado evangélico?

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 60 2/1/2011 16:19:05

Page 61: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

61

Segundo o Pr. Ariovaldo Ramos: “Essa coisa do con-

sumismo é contra a pregação do Evangelho. Quando

isso acontece dentro do arraial cristão é mais perigoso

ainda, porque tudo o que é transformado em mercado

acaba sendo desviado dos princípios de fé, virando

um fim em si mesmo”. (www.geocities.com/realida-

debr/rn/protestante/p260700.htm; 2005)

O risco de se ver a igreja como um mercado está

na descaracterização do propósito desta, que é a

pregação do Evangelho e não o comércio. Um bom

exemplo disso é o mercado fonográfico que exige

padrões artísticos e transforma ministros em popstars

para atender a esta demanda do mercado. Cantores

e pregadores são idolatrados como qualquer artista.

Isto pode ser chamado de inovação ou contempora-

nização, mas no cerne desta questão está a seculari-

zação da fé com objetivos comerciais.

Tudo isto é mais uma consequência da grande presen-

ça dos ideais de prosperidade na mentalidade cristã

contemporânea. Ocorre hoje um processo de defor-

mação da verdade cristã original. A pregação evan-

gélica de nosso tempo se detém, em grande escala,

aos temas que tratam de sucesso material. De forma

analítica, podemos dizer que, para muitos cristãos do

Terceiro Milênio, a conquista de bens é a terra prome-

tida. Nada parecido com o ensino de Cristo e de seus

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 61 2/1/2011 16:19:05

Page 62: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

62

apóstolos sobre a esperança vindoura e sobre o não

acúmulo de riquezas.

Tudo isto alimenta o mercado evangélico. Se alguém

precisa aprender sobre como prosperar, deverá adqui-

rir tudo que possa lhe ensinar sobre a fórmula da pros-

peridade. Mensagens, literaturas, objetos ungidos, etc.,

são vendidos como a fonte da juventude, a varinha de

condão, a palavra mágica. Comprou, mudou. Será?

O culto evangélico na pós-modernidade

Relacionar o culto evangélico com ética é uma ques-

tão lógica. O culto nada mais é que a exteriorização da

teologia, do pensamento, do credo, e tudo isto resulta

em comportamento religioso, que tem no culto sua ex-

pressão pública. A ética e o culto jamais se separam.

O princípio fundamentalmente ético está na conduta

de cada indivíduo, na maneira de interagir na socieda-

de através do comportamento, atitudes e pensamen-

tos julgados como corretos moralmente. A ética cristã

tem seu fundamento na Bíblia, em relação ao certo e

o errado.

O Novo Testamento é o livro texto da moral cristã, e

Jesus é o seu exemplo prático.

Os cultos revelam no que creem os evangélicos. O

que se nota hoje é uma conotação competitiva e mer-

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 62 2/1/2011 16:19:05

Page 63: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

63

cantil nessas celebrações, com a oferta de “produtos”

de acordo com a necessidade da clientela, além da

busca pelo inovador, o inédito, como meio de con-

quistar uma maior parte do “mercado”. Toda esta dis-

tância em relação ao texto bíblico, que denota culto

como adoração sincera, se dá por influência da cos-

movisão secularizada da contemporaneidade. Deus é

apenas um mero coadjuvante, não o centro do culto,

pois as atenções estão voltadas para o que é humano.

Ora é o cantor convidado, ora é o pregador de reno-

me; outras vezes, o público com suas necessidades,

que está ocupando o centro das atenções nas reuniões

evangélicas, ainda chamadas de culto.

Tudo isto revela uma ética questionável e negociada

pela competição mercadológica que transforma o tal

culto e a devoção em show e entretenimento. A Igre-

ja existe para ser luz e sal em um mundo em trevas.

Se falhar nisso, a Igreja fracassa em sua missão.

A presença constante de temas de autoajuda nos cul-

tos evangélicos é outro elemento notório quando o

assunto é a ética cristã. Muitas mensagens evangélicas

se tornam mais próximas dos textos de Lair Ribeiro8

do que do texto Sagrado. Deste segundo restam frag-

mentos que, alheios ao seu contexto, fortalecem as

ideias triunfalistas, fantasiosas, daqueles que afirmam

8 Escritor, conferencista e palestrante motivacional brasileiro.

A ética cristã e a pós-modernidade

livreto_01.indd 63 2/1/2011 16:19:05

Page 64: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

64

e reafirmam que o Evangelho resulta na solução de

todos os problemas do homem, e que o crente, por

ser “mais do que vencedor” e por “poder todas as coi-

sas”, está acima da realidade humana, ele é quase um

invencível ou um semideus.

Nossa força e vitória não são propriamente nossas. A

fraqueza humana fortalece a dependência de Deus.

Jamais podemos negar que o Evangelho nos levanta

do pó, nos tira do monturo, alegra o triste e renova as

forças do cansado, todavia, a mesma mensagem que

conforta também confronta. Será que devemos sair

de todas as reuniões jubilantes? Não seria saudável

também que saíssemos das reuniões reflexivos quan-

to à nossa condição espiritual?

O Reino de Deus é alegria no Espírito Santo (Rm 14.17).

A alegria é “no” e não “do” Espirito Santo. Isto é uma

tremenda verdade quanto à maturidade na vida com

Jesus. Nossa alegria não apenas vem Dele, mas é Ele.

Devemos nos alegrar Nele. Não é uma alegria que

emana de Deus pra nós, mas que está em Deus e é para

nós. Para vivermos esta alegria precisamos nos achegar

a Ele. A alegria do salvo é o Senhor. Seu caráter e Sua

vida são motivos para nos alegrarmos. A felicidade do

cristão é fruto de sua vida de Comunhão com a Palavra,

em santidade, justiça e amor.

livreto_01.indd 64 2/1/2011 16:19:05

Page 65: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

65

Há uma grande responsabilidade em versar sobre pro-

blemas de alguém ou de algum grupo, já que se corre

o risco de partir para uma crítica barata, o que, em se

tratando de uma postura responsável, não faz o menor

sentido. Meu desejo é contribuir para o crescimento

da saúde espiritual, moral e emocional dos que se di-

zem seguidores de Cristo, ou seja, meu compromisso

aqui é com pessoas e não com organizações comu-

mente chamadas cristãs, mas que se distanciam cada

vez mais de Cristo em um processo de secularização

de si, por causa de suas próprias metas e propósitos.

Para isso, nesta conclusão, coloco posicionamentos

claros e diretos que, penso, serem úteis para que o lei-

tor visualize o quão graves são os fatos que envolvem

os efeitos da corrupção da essência cristã de muitas

instituições evangélicas.

Há uma tênue linha divisória entre o que é positivo na

modernidade tardia e o que é negativo em seus pos-

tulados filosóficos. A sociedade como um todo não

consegue separar estes aspectos antagônicos da era

pós-moderna, já que está participando de seu aconte-

cimento contínuo e presente in loco. Como parte des-

te tempo, as igrejas, assim como todas as instituições e

pessoas, também tendem a não notarem as influências

conclusão

livreto_01.indd 65 2/1/2011 16:19:05

Page 66: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

66

da pós-modernidade em seus pensamentos, prega-

ções e atos. Portanto, a única solução é que pessoas,

repito, pessoas despertem para estas sutis influências

do pensamento relativista e secularizado resultantes da

cosmovisão pós-moderna e, despertados, não fechem

os olhos para questões tão óbvias diante de si: há uma

distância gigantesca entre o espírito do Evangelho e

os movimentos evangélicos, desta distância advém

muitos abusos e muita gente ferida achando que está

amaldiçoada porque resolveu ver o que muitos líderes

religiosos não querem que ninguém veja. Acredito,

sim, que muitos pastores também não conseguem en-

xergar os fatos do jeito que são, mas que há também

uma boa parte que não deseja ver.

Assim sendo, proponho algumas reflexões:

• Quanto aos fins e aos meios

A inversão entre estes dois pólos indica uma mudança

de essência e propósito. O fim da Igreja de Jesus é ser

o meio para que o evangelho seja visível através da

vida dos discípulos do Mestre de Nazaré. Esta visi-

bilidade do Evangelho deve estar tanto nas relações

da coletividade quanto na vida pessoal. Qualquer

organização, instituição cristã, igreja, associação etc,

é, apenas, um meio para que a Igreja alcance o seu

fim. Há, nestes dias uma clara inversão destes valores.

Conclusão

livreto_01.indd 66 2/1/2011 16:19:05

Page 67: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

67

Muitas igrejas se portam como fim, fazendo com que

as pessoas as sirvam como quem serve a Deus. Servir

a uma organização não representa servir ao Senhor,

ao menos não por si só. As igrejas deveriam existir

para servir a Igreja, com meios para que esta alcance

o seu fim: o Evangelho de Jesus na vida. O que acon-

tece não é isso, já que muitas instituições se mostram

como um fim em si mesmo, fazendo com que as pes-

soas as sirvam e não servindo a ninguém que esteja

fora do seu raio de interesse.

• Quanto à centralidade de Cristo

Para que o verdadeiro objetivo do Evangelho não seja

perdido, é necessário um retorno ao sentido bíblico

para a vida, onde Cristo é o centro e a razão de tudo,

incluindo qualquer teologia, mensagem e modelo

ético. O que vemos hoje é que o antropocentrismo

impera e não o cristocentrismo na mentalidade e nas

ações de muitos movimentos evangélicos, principalmen-

te nos que são tangidos pelas idéias de prosperidade.

Cabe dizer que a Teologia da Prosperidade, nascida

nos EUA no início dos anos 80 e trazida para o Bra-

sil nos anos 90, é hoje, praticamente, censo comum

entre os evangélicos, sendo adotada até por quem diz

repudiá-la, mas que, porém, não nega partes interes-

santes a si desta distorção do evangelho. Como parte

interessante, destaca-se a ideia das bênçãos advindas

Conclusão

livreto_01.indd 67 2/1/2011 16:19:05

Page 68: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

68

das doações de dízimos e ofertas e estes como único

meio estabelecido por Deus para que a pessoa usu-

frua da prosperidade conquistada na cruz por Jesus

Cristo. Dizimistas e ofertantes possuem o direito de

decretar a bênção e de cobrar de Deus que cumpra

suas promessas. Se Cristo é o centro da vida, o que

menos importa é o que se recebe em troca do que se

faz, e o que na verdade importa é servi-Lo no serviço

ao outro. O que se vê hoje, é uma grande valoriza-

ção ao ato do crente dar dinheiro para que as organi-

zações, confundidas com a Igreja de Jesus, cresçam

e verdadeiros impérios humanistas sejam edificados.

Reino de Deus? A humanização do pensamento faz

do ser humano a razão de ser. No Reino, o homem é

o alvo não o centro. Se a teologia e a pregação cristã

não forem cristocêntricas, resta o antropocentrismo.

A cada dia, portanto, se pregará mais sobre as reali-

zações humanas e sobre os sonhos pessoais. Isso é o

que já tem ocorrido, basta assistir os tele-evangelis-

tas e constatar que, com raras exceções, a mensagem

não é outra senão um humanismo barato e cheio de

promessas mágicas, distantes do Evangelho, mesmo

que se fale em nome de Jesus.

• Quanto à ética

É preciso um forte referencial ético em meio ao relati-

vismo moral da pós-modernidade. Se diante da cons-

Conclusão

livreto_01.indd 68 2/1/2011 16:19:05

Page 69: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

69

tante desmoralização por conta de escândalos financei-

ros, políticos e morais de quem, supostamente, carrega

a imagem de ética e moralidade, como são os líderes

religiosos, não reafirmarmos a verdade de que Deus

não os “encobre” em seus erros e que, ao contrário dis-

to, são pecadores como qualquer um outro, passíveis

de colher o que plantaram e também alvos da graça

de Deus, como qualquer pecador que se arrepende,

o discurso e a prática de uma moral bíblica vai cain-

do no desuso. As teologias que reafirmam a diferença

de status entre líderes e liderados no mundo espiritu-

al, onde liderados dão conta a homens e líderes são

corrigidos diretamente por Deus, criam um ambiente

de medo aos que, desavisadamente, passam os abusos

cometidos por sua “Autoridades Espirituais”. Relações

muito doentias são criadas neste âmbito. Dominadores

e dependentes se retroalimentam , pessoas perdem a

sua identidade, o tempo para a família, e até a vida,

em nome do serviço dedicado a uma liderança espiri-

tual. Quando não concordam, são rapidamente trata-

dos como traidores, já que esta relação de princípios

doentios se baseia na gratidão cega que, na verdade, é

o eterno débito do liderado para o seu líder. “Quando

você chegou aqui não era nada”, frases assim são repe-

tidas para fortalecer este paradigma da dominação: o

débito. Em Jesus, o referencial de vida e fé, não vemos

nem domínio, nem débito. Ele veio para servir, e levou

Conclusão

livreto_01.indd 69 2/1/2011 16:19:05

Page 70: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

70

sobre si o que nós devíamos a Ele. A ética de Jesus é

a ética do certo pelo certo, o sim é sim e o não é não.

Impossível negociar com Ele.

• Quanto às igrejas e à Igreja

Estes são dois valores completamente diferentes que

podem, ou não, se encontrar na mesma realidade. As

igrejas são organizações religiosas regidas por seus es-

tatutos e geridas de acordo com a forma de governo

eleitos como sendo melhores para si. As igrejas, como

qualquer outra organização, vivem no universo dos

homens, portanto são humanas. A Igreja é um organis-

mo composto por gente que encontrou-se com Jesus e

por Ele foi encontrada. Gente que, em nome dEle, se

encontra uma com as outras e reúne-se. A Igreja de Je-

sus são pessoas, independendo de quantidade e pos-

tos hierárquicos. As hierarquias são realidades organi-

zacionais. O problema está na confusão entre igrejas

e Igreja, aliás, confusão muito comum nestes dias em

que tudo toma moldes institucionais para existir . As

igrejas propõem a espiritualização do que é humano

e humaniza o que espiritual. Espiritualiza-se os cargos

e títulos como se fossem parte de uma realidade ce-

lestial, portanto, crescer dentro de uma organização

é visto como crescer espiritualmente. Quem já viveu

isto sabe bem que não há nada de espiritual na corrida

pelos títulos e no status das hierarquias. Tudo isso é

Conclusão

livreto_01.indd 70 2/1/2011 16:19:05

Page 71: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

71

extremamente humano. Por outro lado, os ministérios

são regidos por estes títulos e cargos, e dessa forma

não se enxerga o exercício ministerial fora dos padrões

organizacionais, assim, as igrejas regem os ministérios

de acordo com o seu formato e interesse. Ministério

é serviço, é coisa da Igreja, é função no Corpo e não

requer título ou posição hierárquica, é apenas servir.

Aqui temos apenas um exemplo de humanização do

que é espiritual. As igrejas podem ou não congregar a

Igreja, e isso é coisa que ninguém pode julgar. Quem

é Igreja, simplesmente é. Seus frutos de amor pelo Se-

nhor é que testemunham isso. A Igreja pode reunir-se

em qualquer lugar, não precisa de um lugar sagrado,

já que o lugar santo é ela mesma: gente feita santa

pela graça de Jesus. As igrejas defendem seus ideais e

interesses; a Igreja só tem um ideal e interesse: Jesus.

As igrejas levantam suas bandeiras, dogmas e slogans;

a Igreja só levanta o Evangelho. As igrejas persegui-

ram e perseguem seus inimigos; a Igreja aprende que

é preciso amar os inimigos e orar por eles, fazendo

assim com que o vulto da inimizade termine.

• Quanto aos números

Seria muito bom se os ministros esquecessem da fama

e se voltassem para Deus, que é quem estabelece ou

abate. Uma vida de oração e compromisso com a Pa-

lavra é o segredo para um ministério frutífero, o que

Conclusão

livreto_01.indd 71 2/1/2011 16:19:05

Page 72: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

72

nem sempre significa vultosos números. Como já dito,

ministério é simplesmente servir. As multidões pouco

representam. Ministério de sucesso é preocupação de

quem quer ser o primeiro no Reino. Quem discute

isso pouco sabe de Quem nos ensinou que o maior é

quem serve, e este, por ser servo, nem se importa em

ser o maior. Que os líderes se convertam em servos,

e que alguns, não sei quantos nem quais, realmente

se convertam.

• Quanto aos meus e aos seus

Pronomes possessivos não combinam com relações

saudáveis. No evangelicalismo eles estão muito pre-

sentes. É o meu pastor, a minha igreja, a sua igreja, a

sua ovelha, a minha ovelha e, tudo isso, é uma grande

ilusão. Ninguém é dono de ninguém senão o que é

Senhor de todos. Estas relações de posse já machu-

caram muita gente. Pessoas que entraram livres em

uma comunidade de fé, se tornaram um bem de seus

líderes e quando quiseram sair se feriram profunda-

mente. A entrada é larga e com “bem-vindos”, a saída

é um corredor de navalhas. A ilustração, infelizmente,

é real. As possessividades estão na origem das feridas

mais doloridas deste universo.

Conclusão

livreto_01.indd 72 2/1/2011 16:19:05

Page 73: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

73

Uma última palavra

Alguns leitores podem ter sentido a falta de longos

textos bíblicos ou de listas de referências para funda-

mentar alguns argumentos aqui expostos. A ausência

deles foi proposital, primeiramente pelo fato de alguns

não estarem familiarizado com tal prática; segundo,

porque este não é um trabalho de estudo bíblico e,

terceiro, a mensagem bíblica, no espírito da verdade

nela descrita, está presente em muitas linhas aqui es-

critas, mesmo sem a citação direta do texto sagrado.

Para finalizar, entretanto, quero te propor uma visão

rápida sobre um dos versículos mais conhecidos do

Novo Testamento. Romanos 12.2 possui, em seu tex-

to original, duas expressões que revelam profundas

verdades que se encaixam muito bem em tudo que foi

descrito aqui e, principalmente, nesta parte conclusi-

va. As expressões são as seguintes: mé siskematízeste

e metamorfúste. A primeira traduz-se por “não sejais

amoldados” e a segunda por “sede transformados”. O

interessante é que os dois verbos aqui utilizados estão

na voz passiva, logo, o sujeito sofre a ação, por isso o

uso do verbo auxiliar “ser” nas duas traduções (sejais

e sede). Como a voz dos verbos é passiva, outra opção

é a inclusão do verbo “deixar” nas expressões. Neste

caso, tal verbo destaca ainda mais a passividade do

sujeito na ação. Dessa forma teríamos: não se deixem

Conclusão

livreto_01.indd 73 2/1/2011 16:19:05

Page 74: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

74

amoldar ou conformar e se deixem transformar. Com

qualquer uma das opções de tradução, no sentido do

texto original, destacam-se as seguintes verdades:

• Para se amoldar, conformar ou tomar a forma deste

sistema sutil e dominador, basta não fazer nada . O

não agir faz com que o indivíduo conforme-se aos pa-

drões deste século, sendo apenas mais um em meio a

um todo dominado;

• Algo então precisa ser feito, este algo é se deixar

transformar pela renovação da mente. A proposta da

Palavra é de uma rendição de si ao evangelho, é se

deixar transformar. Não há invasão, há um Deus que,

por amor, transforma aqueles que se deixam mudar,

e, mudados, não se tornam perfeitos, mas, sim, livres

para ser luz do mundo e sal da Terra. O instrumento

desta transformação é a Palavra de Deus.

O que seria a transformação da mente senão a mudan-

ça de paradigmas e da cosmovisão?

Só há duas possibilidades: ou o indivíduo se confor-

ma ao mundo, ou se deixa transformar pela Palavra

de Deus.

O desafio lançado é o de ser discípulo de Jesus de

verdade, em tempos em que o não ser é a ordem

do dia. Não adianta dizer-se cristão, não adianta ser

membro de uma igreja, não adianta ter todos os dons

Conclusão

livreto_01.indd 74 2/1/2011 16:19:05

Page 75: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

75

e talentos, não adianta frequentar reuniões, construir

templos e nem qualquer outra coisa feita em nome

do Evangelho, diante de uma realidade tão sutil e ao,

mesmo tempo, agressiva que é capaz de engolir to-

das estas coisas de forma que elas, mesmo com jeito

de santidade, se corrompam a tal ponto que se tor-

nem expressões de um secularismo absoluto. O que

fará a diferença é mudança de mente, de essência,

de vida. Jesus inicia o seu ensino, segundo Marcos,

dizendo: “Arrependei-vos”. Mudança não de práti-

ca religiosa e nem somente de hábitos cotidianos.

É mudança de direção de vida, onde a vida deixa

de ter seu sentido próprio para ir no sentido Dele,

na direção Dele e de Sua Palavra. Só assim a mente

muda, fazendo com que vejamos a vida, o outro e a

nós mesmos, como Ele vê. Conversão ao evangelho

é isso, o resto é mudança de religião e de hábitos.

Deus guarde o Seu povo, e Ele sempre guarda os que

são Seus.

Venha o Teu Reino!

Conclusão

livreto_01.indd 75 2/1/2011 16:19:05

Page 76: Ser Em Tempos de Nao Ser

livreto_01.indd 76 2/1/2011 16:19:05

Page 77: Ser Em Tempos de Nao Ser

77

ALMEIDA, Marcos; VITA, Rachel. A fé que move milhões. Em: http://www.geocities.com/realidadebr/rn/protestante/p260700.htm; 28/12/2005.

AMORESE, Rubem. Icabode: da mente de Cristo a

consciência moderna. Viçosa: Ultimato Editora. 1998.

ALEXANDER, John F. The secular squeeze: reclaiming christian

depth in a shallow world. Downers Grove: IVP, 1996.

ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada Revista e

Corrigida no Brasil. 87ª Edição. São Paulo: IBB, 1997

BETTENCOURT, D. Estevão. Teologia da prosperidade. Disponível em: www.livrepensamento.hpg.ig.com.br/ateismo/teologiadaprosperidade.htm; 12/12/2005.

CHAMPLIN, R.N, Bentes, J.M. Enciclopédia de Bíblia,

teologia e filosofia . 4 Ed. São Paulo: 1997.

CHEVITARESE, L. As razões da pós–modernidade. Disponível em: www.saude.inf.br/filosofia/posmodernidade.pdf; 05/09/2005.

COTRIN, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e

grandes temas. 15 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

GEISLER, Norman. Fundamentos inabaláveis. São Paulo: Editora Vida, 2001.

GONDIN, Ricardo. Fim de milênio: os perigos e desafios da

pos-modernidade na Igreja. 3 Ed. São Paulo: Abba Press, 2002.

GUINNESS, Os. Cuidado com la boca! In: NEIGBOUR, Ralph W. La Iglesia del futuro. Rio de janeiro: Casa Bauptista de Publicaciones, 1983.

referências

livreto_01.indd 77 2/1/2011 16:19:05

Page 78: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

78

HALL, Stuart . A identidade cultural na pós-modernidade.

São Paulo: DP&A. 2001.

JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo - A lógica cultural do

capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002.

JOHNSTON, Graham. Preaching to a postmodern world. 2 Ed. Grand Rapids: Baker Books, 2002.

LIMA, Marcos Antunes de. Pós-modernidade e teoria da

história. Disponível em: www.klepsidra.net/klepsidra16/posmodernismo.htm; 04/10/2005.

MCGRATH, Alister. A passion for truth: the intellectual

coherence of evangelicalisms. Downers Grove: IVP, 1996.

Modernidade e pós-modernidade: em direção a uma

compreensão paradigmática. Disponível em: www.unb.br/fac/ncint/site/parte13.htm ; 02/05/2005.

MORELAND, J.P., CRAIG, William Lane. Filosofia e

cosmovisão cristã. São Paulo: Edições Vida Nova. 2005.

Pós-Modernidade. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pós-Modernidade; 01/09/2005

SALINAS, Daniel, ESCOBAR, Samuel. Pós-Modernidade:

novos desafios à fé cristã. 2 Ed. São Paulo: ABU editora, 2002.

SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento interlinear: grego –

português. Barueri: SBB. 2004

WEBER, Ciência e política, duas vocações. São Paulo: Cutrix, 1968.

YANCEY, Philip. O que está acontecendo com a Igreja

gloriosa? Ultimato. Viçosa, julho-agosto, 2005.

ZILLES, Urbano. Filosofia da Religião. 4 Ed. São Paulo: Paulus, 2002 .

livreto_01.indd 78 2/1/2011 16:19:05

Page 79: Ser Em Tempos de Nao Ser

Ser em tempos de não ser . Fábio Teixeira

livreto_01.indd 79 2/1/2011 16:19:05

Page 80: Ser Em Tempos de Nao Ser

Impresso em Janeiro de 2011Cg Omega 9,2/16,4

Formato 100X180mm . Papel Off-set 75g/m2 (miolo);Cartão Supremo 250g/m2 (capa)

Tiragem: 300 exemplares

livreto_01.indd 80 2/1/2011 16:19:05