senso comum, representações sociais e representações...

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Nildo Viana

SENSO COMUM, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E

REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS

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VIANA, Nildo. Senso comum, representações sociais e

representações cotidianas. Baúru: Edusc, 2008.

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ÍNDICE

Introdução...............................................................................................................................3

A Idéia de Senso Comum.......................................................................................................5

A Abordagem das Representações Sociais..........................................................................17

Teoria das Representações Cotidianas.................................................................................39

Considerações Finais............................................................................................................82

Referências Bibliográficas...................................................................................................84

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INTRODUÇÃO

O presente livro aborda a temática das representações cotidianas. A emergência,

desenvolvimento e abordagem de determinados termos (científicos, filosóficos, teóricos, etc.) são

produtos sociais e envolvidos nas lutas sociais, bem como as opções que os indivíduos assumem no

uso ou determinado tipo de uso destes termos. Os termos senso comum e representações sociais se

referem a uma determinada realidade, que, no entanto, como em toda ideologia, é invertida,

aparece, como já dizia Marx, de “cabeça para baixo”. É por este motivo que preferimos trabalhar

com o conceito de representações cotidianas. Mas a escolha de um conceito ao invés de trabalhar

com outros pretensos conceitos existentes e dominantes requer uma justificativa. É por isto que

iremos seguir a seguinte forma de exposição: iniciaremos com uma crítica do termo senso comum,

passando posteriormente para uma crítica do termo representações sociais e finalizaremos com uma

exposição e defesa do conceito de representações cotidianas.

Assim, no capítulo 01, iremos apresentar uma discussão histórica e teórica a respeito do

termo senso comum. Suas raízes sociais serão explicitadas, bem como das mudanças de enfoque e

abordagem que recebeu, e seus limites serão expostos. O mesmo procedimento será realizado no

capítulo 02, dedicado à abordagem das representações sociais. Após mostrar que ambos os termos

são produtos de um discurso ideológico, que expressam interesses de classe e revelam os valores

dominantes, além de, devido a isto, não dar conta da realidade, iremos buscar resgatar em Marx e

alguns pensadores que se inspiraram nele, uma concepção de representações cotidianas, isto é, um

conceito que apresente a realidade do que se chama “cultura popular”, “saber comum”, “saber

popular”, “conhecimento comum”, “senso comum”, “representações sociais”, etc., sem deformá-la,

sem colocá-la “de cabeça para baixo”, tal como no mundo ideológico.

A referência fundamental aqui é Marx. A sua contribuição teórica e metodológica é

fundamental. Além disso, ele mesmo fez referências ao problema das representações e apresentou

um esboço de análise das representações que denominamos cotidianas, por motivos que mais

adiante serão explicitados e que o próprio Marx apontou. Marx ao tratar das representações, das

representações ilusórias ou reais, bem como ao colocar a questão das “concepções cotidianas”,

abriu o caminho para a elaboração de uma teoria das representações cotidianas. Bloch, Gramsci,

Sorel, Korsch, entre outros, ao lado daqueles que contribuem com a discussão de termos como os

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de cotidiano, são aqui resgatados para elaborarmos uma teoria marxista das representações

cotidianas.

Assim, após uma reflexão crítica sobre os termos senso comum e representações sociais,

iremos apresentar um esboço de uma teoria das representações cotidianas a partir da contribuição

de Marx e outros pensadores. Obviamente que este estudo poderá servir de ponto de partida para

diversas pesquisas sobre as mais variadas formas de representações cotidianas e contribuir para

uma análise mais crítica da cultura e de algumas abordagens existentes. Um ponto de partida que

poderá ser enriquecido com novas contribuições que posteriormente poderão surgir.

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A IDÉIA DE SENSO COMUM

O presente capítulo apresenta uma análise crítica do termo senso comum. Iremos realizar

uma contextualização histórica e social do surgimento das diversas concepções de senso comum e

representações sociais e realizar uma análise crítica de seu conteúdo. Este é o ponto de partida para

recuperarmos, no capítulo seguinte, a concepção que irá orientar o desenvolvimento de nossa

pesquisa, a idéia de representações cotidianas.

Por qual motivo a idéia de senso comum está sempre presente no discurso científico? A

resposta mais comum, que refutaremos mais adiante, está na necessidade de separar o “saber

popular”, “o conhecimento vulgar”, ou qualquer outro nome que se lhe dê, do pensamento

científico, pois o primeiro está cheio de equívocos, contradições, preconceitos etc. e o segundo é

um pensamento é fundamentado, verdadeiro.

Burguesia e Gênese do Termo Senso Comum

Na história das idéias veremos sempre uma oposição entre as idéias daqueles que se dedicam

exclusivamente ao trabalho intelectual e as daqueles que se dedicam ao trabalho manual, que, como

todo ser humano, também desenvolvem idéias. Esta oposição é realizada pelos trabalhadores

intelectuais. Estes, irão valorar, sobremaneira, o mundo das idéias, considerando este mundo

“superior” em contraposição ao mundo do trabalho manual e das idéias comuns como “inferior”.

Ao lado e impulsionado por estes valores. Eles produzirão um conjunto de idéias que justificam,

legitima e fundamentam estes mesmos valores. Uma das formas de se fazer isto se encontra na

separação entre idéia e realidade. Marx e Engels (1991) colocaram que com o surgimento da

divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual se tornou possível se pensar em um

desenvolvimento autônomo das idéias e assim nasce a ideologia.

Os trabalhadores intelectuais, por se dedicarem exclusivamente à atividade intelectual, irão

produzir um conjunto de idéias sobre os mais variados fenômenos, tanto naturais quanto sociais.

Também se defrontarão com a questão do saber produzido fora de sua esfera e assim irão opor o

seu saber, “superior”, “privilegiado”, ao saber popular, “inferior”, “desprezado”. O exemplo

clássico na antiguidade reside na distinção feita por Platão (1970) entre doxa e logos, isto é, entre o

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mundo da opinião (das “trevas”) e o mundo da razão (das “luzes”), magistralmente exposta em sua

Alegoria da Caverna (Viana, 2000).

Assim, a partir do momento em que surge a divisão social do trabalho na sociedade de

classes, surge a oposição entre o saber dos trabalhadores intelectuais, intimamente ligados ao

poder, e, por conseguinte, fazendo destes representantes intelectuais da classe dominante, e o saber

do resto da população, que se torna, a partir da concepção fornecida pela primeira forma de saber,

“inferior”, “carregado de preconceitos”, “equivocado” etc.

A formação da sociedade capitalista ocorreu em meio a um amplo debate e luta cultural. A

burguesia nascente e os seus representantes intelectuais realizavam um amplo combate contra a

nobreza e, posteriormente, contra o proletariado. Assim, no caldeirão fervilhando da luta de classes,

as idéias são armas de combate e na luta cultural em que elas são usadas vence aqueles que

conseguem a supremacia na sociedade e não a verdade.

Os representantes intelectuais da burguesia irão buscar construir uma forma de saber

adequada aos interesses desta classe. Esta forma de saber deveria romper com as anteriores

(filosofia, teologia) e possuir uma especificidade que a legitimasse e, ao mesmo tempo, estivesse

em consonância com as novas relações sociais da sociedade moderna em formação. Em outras

palavras, precisa ser um saber ao mesmo tempo funcional às novas relações sociais, possuindo,

pois, eficácia prática, e legitimador, o que lhe faz ocultar o verdadeiro caráter destas mesmas

relações sociais. Esta forma de saber é a ciência.

Na sua luta contra o mundo feudal, os representantes intelectuais da burguesia encontraram

nas ciências naturais nascentes, o recurso ideológico que precisavam. A ciência, enquanto ideologia

burguesa, não podia assumir o seu caráter burguês, pois desta forma não conseguiria se legitimar.

Isto ocorre devido ao fato de que o saber está intimamente ligado à dominação de classe mas não

pode assumir-se como tal.

Assim, a filosofia antiga, a teologia medieval e a ciência moderna não assumem seu caráter

de classe, mas dizem ser expressão da razão, de Deus ou da verdade, sendo, portanto, formas de

saber “verdadeiras” e “neutras”. Através deste recurso também se realiza a oposição ao saber das

demais classes sociais. A luta cultural da burguesia se centra, num primeiro momento, numa

oposição radical ao saber da nobreza, tal como se vê na filosofia iluminista com seu

anticlericalismo. As primeiras tentativas de se criar uma “ciência social” ainda estarão submetidas a

esta lógica:

“O cientificismo positivista é aqui (...) um instrumento de luta

contra o obscurantismo clerical, as doutrinas teológicas, os argumentos

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de autoridade, os axiomas a priori da Igreja, os dogmas imutáveis da

doutrina social e política feudal” (Löwy, 1987, p. 20).

Assim, um conjunto de pensadores (Condorcet, Saint-Simon, etc.), num momento histórico

em que se prioriza a luta contra a nobreza e que a ruptura do pensamento científico como

pensamento filosófico ainda não havia ocorrido, buscava romper com o saber teológico e

tradicional.

Mas, uma vez derrotada a nobreza e com a consolidação das relações de produção

capitalistas, o que pressupõe a existência de uma classe operária, o discurso científico passa a

priorizar sua oposição em relação à outra forma de saber. Augusto Comte (e não apenas ele) será

um dos arquitetos desta transformação:

Não é por acaso que Augusto Comte – e não Condorcet ou Saint-

Simon – seja considerado o fundador do positivismo. De fato, é ele que

inaugura a transmutação da visão de mundo positivista em ideologia,

quer dizer, em sistema conceitual e axiológico que tende à defesa da

ordem estabelecida. Primeiramente, discípulo de Condorcet e Saint-

Simon, Comte irá romper com um discurso cuja carga crítica e

‘negativa’ lhe parece ultrapassada e perigosa. Considerar, como alguns

autores o fazem, a obra de Comte simplesmente como a continuação da

metafísica naturalista da filosofia do Iluminismo e de Saint-Simon, como

‘coroamento sistemático’ de um movimento que remonta ao século 18,

significa passar ao largo da novidade e da especificidade do positivismo

comtiano, que representa precisamente o ponto de vista reconhecido da

escola positivista moderna nas ciências sociais. Conforme a feliz

expressão de George Lichteim, em Comte ‘o otimismo generoso do

Iluminismo congelara-se numa inquietude ansiosa para com a

estabilidade social’ (Löwy, 1987, p. 22).

Comte irá criticar os seus antecessores (que tão-somente anunciaram uma ciência da

sociedade, mas continuaram no campo filosófico), principalmente Condorcet e Saint-Simon,

devido ao caráter crítico e negativo presente em suas concepções, que poderiam ser apropriadas –

tal como efetivamente ocorreu – pela classe operária e seus representantes intelectuais. O

socialismo utópico, e posteriormente o marxismo e o anarquismo, demonstravam a necessidade de

legitimação do pensamento científico, que não podia mais apelar para a palavra de deus ou para a

tradição e por isso deveria criar uma nova fonte de legitimação.

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Assim, o pensamento científico tinha a dupla tarefa de combater as idéias socialistas e da

classe operária, por um lado, e se legitimar, por outro. Isto é realizado através das teses da

neutralidade e objetividade, sendo que a primeira é tomada como condição necessária da segunda.

A ciência se apresenta como saber neutro e objetivo. O pressuposto da neutralidade significa que o

cientista deve estar livre dos preconceitos, valores, crenças. Este pressuposto a distingue

radicalmente tanto do saber popular quanto do pensamento socialista (marxismo, anarquismo, etc.)

e lhe garante a objetividade e esta, por sua vez, lhe fornece a possibilidade de se colocar como um

pensamento verdadeiro, oposto ao pensamento falso, no caso o saber popular e o socialismo. A

objetividade garante a veracidade e permite ao saber científico elevar o seu status diante das outras

formas de consciência.

O termo senso comum surge com um panfleto de Thomas Paine (1979), escrito em 1776,

embora ele tivesse um significado positivo, contrário ao pensamento preconceituoso da nobreza.

Segundo Santos,

“O senso comum, enquanto conceito filosófico, surge no século 18

e representa o combate ideológico da burguesia emergente contra o

irracionalismo do ancien regime. Trata-se, pois, de um senso que se

pretende natural, razoável, prudente, um senso que é burguês e que, por

uma dupla implicação, se converte em senso médio e em senso universal.

A valorização filosófica do senso comum esteve, pois, ligada ao projeto

político de ascensão ao poder da burguesia, pelo que não surpreende

que, uma vez ganho o poder, o conceito filosófico de senso comum tenha

sido correspondentemente desvalorizado como significando um

conhecimento superficial e ilusório. É contra ele que as ciências sociais

nascem no século 19” (Santos, 1995, p. 39-40).

Desta forma, observamos que o iluminismo irá combater os preconceitos, os valores, as pré-

noções (da nobreza) e alguns filósofos irão utilizar o termo senso comum como significando “bom

senso”, tal como colocou Voltaire1. No entanto, com o surgimento das ciências sociais, o termo

senso comum assume o significado atual: saber espontâneo e imediato da coletividade, e, por

conseguinte, perpassado por preconceitos, crenças, valores, o que lhe caracteriza como falso,

imediatista, tradicional, conservador2.

1 “Senso comum significa apenas o bom senso, razão grosseira, razão começada, primeira noção das coisas

ordinárias” (Voltaire, apud. Cuvillier, 1969, p. 146). 2 (Vários termos semelhantes serão utilizados com o mesmo significado: saber popular, conhecimento vulgar,

opinião pública, etc.).

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A Ruptura entre Ciência e Senso Comum

O nascimento do positivismo, isto é, das ciências sociais, marca a busca de ruptura da

ciência com o senso comum. Augusto Comte, tal como colocou Löwy em várias oportunidades

(1987; 1987b; 1985), seria o primeiro a declarar a necessidade desta ruptura e Durkheim o

primeiro, na esfera das ciências sociais, a sistematizar isto em uma ideologia científica. Segundo

Durkheim:

“Com efeito, noções ou conceitos, seja qual for o nome que

queiramos dar, não são substitutos legítimos para as coisas. Produtos da

experiência vulgar, têm eles por objeto, antes de tudo, harmonizar nossas

ações com o mundo que nos cerca; são formados pela prática e para a

prática. Ora, uma representação, mesmo teoricamente falsa, pode estar

em estado de desempenhar utilmente esse papel” (Durkheim, 1974, p.

14).

Durkheim acrescenta que:

“Esta maneira de proceder está tão de acordo com a inclinação

natural do nosso espírito que a encontramos de novo na própria origem

das ciências físicas. É ela que diferencia a alquimia da química, a

astrologia da astronomia. Foi por ela que Bacon caracterizou o método

que combatia e que seguiam os sábios de seu tempo. As noções que

acabamos de citar são as notiones vulgares ou praenotioes, cuja

existência aquele autor assinala na base de todas as ciências, nas quais

tomam o lugar dos fatos. Constituem os idola, espécie de fantasmas que

desfiguram os verdadeiros aspectos das coisas e que consideramos, no

entanto, como sendo as próprias coisas” (p. 15).

Para Durkheim, “é preciso afastar sistematicamente todas as prenoções” (1974, p. 27). Desta

forma, Durkheim é o primeiro cientista social a sistematizar a questão da ruptura entre ciência e

senso comum. Mas ele não o único, pois toda uma tradição científica presente nas ciências sociais e

também nas ciências naturais reproduziu tal oposição3. A fonte de Durkheim, e não somente dele, é

3 Este é o caso do psicólogo social Gustave Le Bon, que realizou toda sua obra – produzida entre o final do

século 19 e início do século 20 - se dedicando ao “perigo” das multidões e realizou a distinção entre “crenças” e “opiniões”, por um lado, e o conhecimento (ciência), por outro (Le Bon, 1957) e sempre tomando como exemplos de crenças as idéias socialistas.

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Comte e o positivismo clássico. Este é o caso, por exemplo, do epistemólogo Gaston Bachelard, o

mais renomado arquiteto do que ele denominou “ruptura epistemológica”, que consiste na

superação do senso comum pela ciência.

Bachelard defende a necessidade dessa ruptura e evoca a importância do positivismo para o

conhecimento científico. Assim, em primeiro lugar, Bachelard coloca a ruptura entre senso comum

(“conhecimento vulgar”) e ciência:

“As ciências físicas e químicas, em seu desenvolvimento

contemporâneo, podem ser caracterizadas epistemologicamente como

domínios de pensamentos que rompem nitidamente com o conhecimento

vulgar” (Bachelard, 1977, p. 121).

No entanto, Bachelard, seguindo Comte, vai colocar a importância do positivismo mas

acrescenta a novidade da “quarta idade” (ou “quarto estádio”) do pensamento:

“Acreditamos, pois, que devido às revoluções científicas

contemporâneas se possa falar, no estilo da filosofia comtiana, de uma

quarta idade, correspondendo, as três primeiras, à Antiguidade, à Idade

Média e aos Tempos Modernos. A quarta idade, Época Contemporânea,

realiza precisamente a ruptura entre conhecimento vulgar e

conhecimento científico” (1977, p. 121).

Esta “quarta idade” deve reconhecer a importância e a necessidade de compreensão da

“terceira idade”, que é, precisamente, representada pelo positivismo (clássico). Assim, Comte é o

ponto de partida e fonte de inspiração para os epistemólogos adeptos da tese da ruptura entre

ciência e senso comum

Assim, a oposição entre ciência e senso comum serve, em primeiro lugar, tal como já

colocamos, legitimar o saber científico, dotá-lo de “status” de superioridade sobre o saber popular.

O saber verdadeiro é o produzido pelas camadas intelectuais em nossa sociedade. Ao legitimar o

saber científico, se deslegitima o saber popular. Mas convém recordar que o senso comum em que

os primeiros cientistas sociais combatiam era fundamentalmente as idéias socialistas, o que

fornecia a tendência ao determinismo, ou seja, a negação da liberdade (daí a utilização dos

“métodos das ciências naturais” e a “descoberta” de “leis que regulam a sociedade”, tal como no

positivismo clássico). Segundo Bauman:

“A sociologia, tal como a conhecemos, nasceu da investigação do

regular, do invariável, do ingovernável na condição humana. Nos seus

momentos de maior zelo e fervor religioso, tende a conceber a sua

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própria atividade em termos de uma cruzada da ciência contra ‘a noção

de livre arbítrio’. Em termos mais sóbrios, mais seculares, a sociologia

aceita de boa vontade as idiossincrasias do indivíduo, mas declara-as

cientificamente não interessantes: o campo da investigação sociológica

onde o único, o irrepetível e o insubstituível termina” (Bauman, 1977, p.

52-53).

Bauman trata aqui da sociologia, mas se lembrarmos de sua ascendência metodológica sobre

as demais ciências sociais e o papel fundamental de Comte e Durkheim na construção da oposição

entre ciência e senso comum, veremos que tal análise pode ser estendida a todas as outras ciências.

Devemos lembrar que o século 19 foi marcado por uma intensa luta operária contra o

capitalismo e pela existência de um amplo conjunto de concepções socialistas (marxismo,

anarquismo, etc.) e de uma forte cultura operária. As lutas operárias, tal como a Comuna de Paris,

em 1871, o fortalecimento e luta dos sindicatos nascentes, da social-democracia, etc., marcam este

contexto histórico. Assim, o “senso comum” deveria ser criticado e deslegitimado.

Ciência e Senso Comum: A Reconciliação

No final do século 19 e início do século 20, a situação mundial começa a se alterar. O

capitalismo consegue uma relativa estabilidade e prosperidade (Dobb, 1987), ocorre a

institucionalização da social-democracia, resultado da burocratização e integração da classe

operária no capitalismo, e a classe dominante, através de sua produção e difusão cultural,

supremacia financeira e ação estatal (passagem da democracia censitária para a democracia

partidária, por exemplo), marcam o fortalecimento da hegemonia burguesa na sociedade civil,

criando um novo “senso comum”. Isto tudo vai gerar a supremacia cultural burguesa, tornando o

“senso comum” mais conservador. Aqui temos a fonte da nova posição da ciência em relação ao

senso comum: a reconciliação. No entanto, as tentativas de revoluções operárias jogam um balde de

água fria sobre esta pretensão e a posterior ascensão do nazi-fascismo adia tal projeto de

reconciliação, embora as sementes tenham sido lançadas pela fenomenologia husserliana. Após a

segunda guerra mundial, e a nova estabilidade capitalista conquistada, o projeto de reconciliação

entre ciência e senso comum pode ser concretizado.

As concepções que buscam demarcar a ruptura entre ciência e senso comum de forma radical

encontraram concepções distintas que tentam reconciliar estas duas formas de consciência. As

primeiras concepções que tentaram realizar esta reconciliação possuem sua origem na filosofia. A

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fenomenologia e o existencialismo são concepções filosóficas que executam esta reconciliação

(Bauman, 1977).

A fenomenologia nasce no contexto acima colocada pela relativa estabilidade do

capitalismo, mas tem uma razão de ser mais complexa e altera seu papel com o desenvolvimento

histórico do capitalismo. Além da já citada estabilidade relativa do capitalismo no final do século

19 e início do século 20, temos um processo de constituição de uma sociedade cada vez mais

desenvolvida tecnologicamente e organizada burocraticamente. O desenvolvimento científico e o

cientificismo tomavam conta da produção intelectual da época. Neste contexto, a filosofia parecia

ter perdido todo o seu papel e significado, surgindo, assim, a crise da filosofia a ser tematizada por

pensadores como Husserl, Heidegger, Jaspers, Sartre, Merleau-Ponty, entre outros (Viana, 2000).

Iremos destacar aqui as concepções de Husserl e seus desdobramentos sociológicos.

A categoria de compreensão assume papel fundamental na fenomenologia husserliana. Ela

parte da distinção inaugurada por Dilthey entre explicação e compreensão, sendo que a primeira

seria da esfera das ciências naturais e a segunda da esfera das “ciências do espírito”. Husserl

retoma a crítica de Dilthey às ciências humanas por utilizar os métodos das ciências naturais, pois

isto é um empreendimento questionável, tendo em vista que seu objetivo e “objeto” são outros.

“O que Husserl quer sobretudo rejeitar, é o naturalismo dessas

ciências que, não tendo destacado a especificidade de seu objeto e

tratando-o como se se tratasse de um objeto físico, confundem a

descoberta das causas exteriores de um fenômeno com a natureza

própria deste fenômeno” (Dartigues, 1973, p. 19).

As ciências humanas, ao se dedicarem ao estudo do homem e de sua consciência, não podem

tomá-los como fenômenos naturais, como coisas. A experiência assume importância capital, pois é

nela que se constitui o homem e sua consciência. A questão passa a ser a da compreensão da

experiência em sua totalidade. É neste contexto que surge a proposta husserliana: o retorno às

coisas mesmas.

É (...) um postulado da fenomenologia que o fenômeno seja

lastrado de pensamento, que seja logos ao mesmo tempo que fenômeno,

não se pode pois conceber o fenômeno como uma película de impressões

ou uma cortina atrás da qual se abrigaria o mistério das ‘coisas em si’.

Hegel já dizia que atrás da cortina não há nada a ver. Falar de uma

visão das essências não significará pois devotar-se a uma contemplação

mística que permitiria a alguns iniciados ver que o comum dos mortais

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não vê, mas ao contrário ressaltar que o sentido de um fenômeno é

imanente e pode ser percebido, de alguma maneira, por transparência

(Dartigues, 1973, p. 22).

Todo fenômeno possui uma essência e esta permite identificá-lo. A essência é sempre

idêntica a si mesma e por isso não importa o contexto no qual se manifesta. Dartigues cia o

exemplo do triângulo, que em qualquer época ou lugar será um triângulo.

“Sem dúvida, há uma essência de cada objeto que percebemos:

árvore, mesa, casa, etc., e das qualidades que atribuímos a estes objetos:

verde, rugoso, confortável, etc. Mas se a essência não é a coisa ou a

qualidade, se ela é somente o ser da coisa ou da qualidade, isto é, um

puro possível para cuja definição a existência não entra em conta,

poderá haver tantas essências quantos objetos nosso espírito é capaz de

produzir; isto é, tantas quantos objetos nossa percepção, nossa memória,

nossa imaginação, nosso pensamento podem se dar. Independentes da

experiência sensível, muito embora se dando através dela, as essências

constituem como que a armadura inteligível do ser, tendo sua estrutura e

suas leis próprias” (Dartigues, 1973, p. 23).

A tarefa da fenomenologia é esclarecer este puro reino das essências e suas “regiões”

(natureza – objeto das ciências naturais; espírito – objeto das ciências humanas; consciência –

condição de inteligibilidade das outras regiões e objeto da filosofia husserliana). A preocupação

fundamental de Husserl reside nesta última região. É neste contexto que surge a “intuição”

enquanto modo de conceber a essência, chamada “intuição das essências”. Mas tal intuição não tem

o mesmo sentido fornecido por Platão, que postula uma concepção metafísica de intuição e de

essência. Isto iria contra o princípio da “volta às coisas mesmas”. Para avançar em sua tese, Husserl

apela para a consciência e a idéia de intencionalidade, inspirada em Brentano.

“O princípio da intencionalidade é que a consciência é sempre

‘consciência de alguma coisa’, que ela só é consciência estando dirigida-

para um objeto (sentido de intentio). Por sua vez, o objeto só pode ser

definido sem sua relação com a consciência, ele é sempre objeto-para-

um-sujeito. Poderemos, pois, falar, seguindo Brentano, de uma existência

intencional do objeto na consciência” (Dartigues, 1973, p. 24).

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Assim podemos compreender que a essência só possui existência na consciência (Husserl,

1983; Dartigues, 1973). Nesta concepção se vê a base da “análise intencional” proposta pela

filosofia fenomenológica:

“A análise intencional é uma explicação da vida da consciência

que segue os fios condutores das intenções significativas. Assim sendo,

compreender um ato humano implica em compreender a plenitude de sua

significação, em fazer aparecer a totalidade de suas conexões, das suas

inter-relações, em situá-lo na totalidade da experiência” (Capalbo, 1977,

p. 36).

Disto resulta a tese de que não existe “objeto em si” mas tão-somente objeto para uma

consciência, pois fora da correlação entre ambos não há nem consciência nem objeto.

“Se, com efeito, a correlação sujeito-objeto só se dá na intuição

originária da vivência (Erlebnis) de consciência, o estudo dessa

correlação consistirá numa análise descritiva do campo de consciência,

o que conduzirá Husserl a definir a fenomenologia como ‘a ciência

descritiva das essências da consciência e de seus atos’ ” (Dartigues,

1973, p. 26).

É neste contexto que surge a chamada “redução fenomenológica” proposta por Husserl, que

visa ultrapassar o que ele denomina “atitude natural”, própria do senso comum e das “ciências

objetivantes”. Este “ultrapassar a atitude natural” significa, ao mesmo tempo, adotar a “atitude

fenomenológica”. É preciso, para efetivar isto, superar a crença na objetividade do mundo exterior

e colocar a consciência como sendo transcendental, “condição de aparição desse mundo e doadora

de sentido” (Dartigues, 1973, p. 28). Assim, se faz necessário o retorno ao “mundo da vida”, livre

dos preconceitos e concepções objetivantes. A consciência não é “parte do mundo”, pois ele é o

que aparece à consciência. Ele se torna, nesta abordagem, um “fenômeno”. Assim, ele só tem

sentido na “vivência”. A fenomenologia objetiva analisar as vivências intencionais da consciência

buscando compreender o sentido dos fenômenos.

Assim, a filosofia husserliana fornece duas conclusões para a concretização de sua

fenomenologia: o sujeito transcendental ou a consciência no mundo (Dartigues, 1973)4. É esta

4 Esta posição é criticada por Gorman (1979), que sustenta que não há uma ruptura no pensamento de Husserl

mas apenas aprofundamento. No entanto, independentemente de qual destas duas interpretações da filosofia husserliana é mais adequada, não se pode deixar de perceber a diferença ocorrida na abordagem, seja por “aprofundamento” ou por “mudança” de concepção.

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última solução que exercerá maior influência sobre a sociologia, pois aproxima Husserl e o

existencialismo (Bauman, 1977).

“Em seus últimos escritos e (...) sob a influência de Heidegger,

Husserl acentua ao contrário a própria correlação consciência-mundo,

que será bastante fácil de traduzir por ser-no-mundo. Se o verdadeiro

resíduo da redução fenomenológica é essa correlação, e ano o Sujeito

transcendental ou ‘sujeito puro’ que aproximava Husserl dos

neokantianos, a fenomenologia poderá então se tornar o estímulo das

novas filosofias da existência. A evidência primeira, o terreno absoluto

para o qual cumpre voltar não será mais o sujeito, mas o próprio mundo

tal como a consciência o vive antes de toda elaboração conceptual”

(Dartigues, 1973, p. 32).

A partir do novo contexto marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela nova

estabilidade do capitalismo na Europa Ocidental, surge o projeto de uma “sociologia

fenomenológica” que trará uma nova abordagem sociológica do senso comum5. Alfred Schutz será

o principal articulador da busca em se criar uma “ciência social fenomenológica” (Bauman, 1977),

para utilizar expressão de Gorman (1979). Schutz busca “destranscendentalizar” a fenomenologia

husserliana:

“O próprio pensamento de Schutz deve muito aos trabalhos

husserlianos sobre o Lebenswelt. Aceita as definições de Husserl da 5 É neste contexto também que irá se desenvolver o existencialismo, já esboçado antes da Segunda Guerra

Mundial, mas organizado e desenvolvido após tal período histórico. Embora o existencialismo possua várias correntes, algumas com tendências conservadoras, há a perspectiva sartreana e de outros existencialistas que assume uma posição de crítica ao capitalismo e de proximidade com o marxismo, tendo por base sua recusa do mundo burocrático e mercantil organizado a partir da segunda metade do século 20. Segundo Oizerman, embora com alguns exageros em sua qualificação do existencialismo como “humanismo burguês”, existe uma relação intrínseca entre existencialismo e o desenvolvimento capitalista: “o capitalismo monopolista de Estado traduz-se numa centralização e burocratização crescentes, num sistema de manipulação dos comportamentos e no condicionamento dos espíritos, graças aos meios de comunicação de massa. O papel da publicidade, que exerce tão grande influência na formação da opinião pública, aumentou prodigiosamente. A produção capitalista dá origem constantemente a novas necessidades, muitas vezes artificiais. A alienação, que ainda muito recentemente parecia não passar duma categoria filosófica especulativa, surge hoje como um fato empírico, tangível, evidente mesmo, para a consciência mais comum e, o que é mais inesperado ainda, a ‘organização’ cada vez mais desenvolvida, em regime capitalista, reforça os fatores de anarquia no desenvolvimento social. Daí a idéia de que a anarquia prevalece contra as relações institucionais criadas pelos homens em conformidade com os seus ideais racionalistas. Os antagonismos do sistema capitalista são, para o existencialismo, contradições entre a organização social e o humanismo abstrato. É por esta razão que [o existencialismo – NV] preconiza a ruptura com relações sociais despersonalizantes, o retorno a si mesmo, a uma vida autêntica. Esta concepção do humanismo burguês abstrato reflete à sua maneira a realidade, pois o capitalismo é, efetivamente, incompatível com o humanismo” (Oizerman, 1974, p. 11-12).

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natureza e da importância do mundo da vida pré-reflexivo, pré-dado, da

existência cotidiana, e devota a maior parte de sua vida profissional à

tentativa de atingir o objetivo husserliano de compreendê-lo

cientificamente. Admitindo isso, qual dos dois métodos de Husserl foi

escolhido por Schutz: uma ontologia das nossas experiências conscientes

– filtradas através de reduções e purificadas pelo ego transcendental –

de um Lebenswelt, ou uma investigação fenomenológica mais geral das

essências de todo fenômeno empírico? Surpreendentemente, Schutz não

escolhe nenhum dos dois. Tenta investigar cientificamente o Lebenswelt,

mas não usa nenhum dos métodos de Husserl considerados necessários

para sua tarefa” (Gorman,1979, p. 41).

Schutz concebe o senso comum como um mundo de intersubjetividade no qual os sujeitos

possuem o dom de atribuir significado e assim interagem6.

“No mundo do bom senso comum os sujeitos com o dom de

atribuir significado interagem uns com os outros, principalmente, pela

adoção de fórmulas socialmente manipuladas e adotadas que

categorizam, tipicamente, tanto o mundo como o comportamento

esperado por deles e dos outros no mundo” (Gorman, 1979, p. 59).

Assim, podemos perceber que a concepção de senso comum de Schutz vai pelo mesmo

caminho que o da fenomenologia husserliana, no qual ele não é mais tido como saber falso e sim

como um saber verdadeiro, já que é a intenção que fornece a essência7. Aqui estamos distantes da

concepção que busca realizar uma ruptura entre ciência e senso comum, pois na concepção

fenomenológica estas formas de consciência são igualmente verdadeiras.

Os Limites do Termo Senso Comum

O termo senso comum sempre foi, como vimos até aqui, uma unidade de um discurso

ideológico. Desde Paine, o criador do termo, ele se faz presente na história das idéias políticas e

científicas. O curioso de notar é que o termo surge no contexto das idéias políticas e filosóficas,

6 Gorman (1979) aborda a influência de Weber sobre Schutz, mas também aponta as críticas do último ao

primeiro. 7 Outras concepções irão desenvolver estas teses, com mais ou menor sistematicidade e originalidade.

Podemos colocar como exemplo o “construcionismo” de Berger e Luckmann (1987), a etnometodologia (Coulon, 1995), e a abordagem das representações sociais, da qual trataremos adiante.

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sendo que somente chega ao discurso científico mais tarde. Carregado de positividade, devido ao

contexto social e interesses a que estava ligado, o senso comum, a partir de sua chegada no

discurso científico, passa a ser contaminado pela negatividade, tal como se vê no positivismo de

Comte e Durkheim, passando por seus herdeiros contemporâneos. Posteriormente, o termo retoma

sua positividade diante do novo contexto histórico e dos novos interesses surgidos na sociedade

contemporânea. Juntamente com isto, vimos o contexto histórico e os interesses por detrás da

concepção de senso comum. Resta, agora, realizar uma análise dos limites intrínsecos presentes

neste termo.

Comte e Durkheim foram pioneiros na busca de ruptura com o senso comum. A crítica de

Bauman a estes dois pensadores se caracteriza pelo fato deles terem feito apenas uma tradução do

senso comum sob a forma de sociologia (Bauman, 1977). O senso comum, na abordagem de

Bauman, se apresenta como um saber fetichista, que toma a sociedade como uma “segunda

natureza”, isto é, de forma determinista. Assim, quando Comte e Durkheim pensam a sociedade,

reproduzem o senso comum, tal como se vê na concepção durkheimiana dos fatos sociais como

“coisas”. Durkheim concebe a sociedade, tal como o senso comum, como uma “segunda natureza”.

Portanto, a análise de Bauman é uma excelente crítica da sociologia conservadora, mas não do

termo senso comum.

Bauman realiza uma análise crítica bastante convincente da relação entre ciência,

especialmente da sociologia, e senso comum. No entanto, sua visão de senso comum cai em um

equivoco próximo ao que ele critica. A sua concepção reproduz a visão de senso comum do

positivismo clássico, enquanto pensamento sempre equivocado e fetichista. Este é o grande

problema do termo senso comum. O senso comum é um produto da sociologia e do pensamento

científico. Assim, o pensamento científico, e o sociológico mais precisamente, produzem o termo

senso comum, seja como algo que deve ser descartado por ser falso, seja como algo presente na

realidade social e por isso verdadeiro. Mas o que temos aqui é uma produção de uma

indiferenciação. O senso comum é um bloco monolítico, uma unidade, seja verdadeiro ou falso8.

O senso comum é um bloco homogêneo, monolítico. Para Comte, Durkheim, Bachelard e

outros, um bloco homogêneo, monolítico, falso, e por isso deve ser superado pelo saber científico.

Esta construção busca distinguir o pensamento privilegiado dos intelectuais, dos cientistas, em

8 A única visão alternativa entre os que usam o termo senso comum é Gramsci (1987), mas que é um autor

que busca se inserir na tradição marxista e produziu seus escritos na prisão, sem poder realizar uma pesquisa mais precisa do pensamento de Marx e sem poder utilizar, devido a isto, uma terminologia mais adequada ao marxismo, razão pela qual o deixaremos de lado e o retomaremos mais à frente, quando tratarmos das representações cotidianas.

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relação ao saber desprivilegiado das “pessoas comuns”, ou, em outras palavras, o saber legítimo e

digno dos trabalhadores intelectuais contra o saber equivocado e nebuloso dos trabalhadores

manuais. Tarefa ingrata, pois ao mesmo tempo que realizou a crítica do chamado “senso comum”,

o reproduziu (Bauman, 1977). Para Husserl, Schutz e outros, o senso comum é um bloco

monolítico verdadeiro, um saber das essências tão legítimo quanto qualquer outro, inclusive o

filosófico e o sociológico (embora, como veremos adiante, também deva ser superado, tal como no

caso anterior). No entanto, ao fazer isto acaba, tal como a abordagem anterior, reproduzindo o

conhecimento cotidiano (Bauman, 1977):

“O mundo intersubjetivo da cultura de Schutz tende a produzir, a

perpetuar e a fortalecer a autonomia e a singularidade de cada membro

de uma entidade cognitiva. Schutz mostrou admiravelmente como a

singularidade dos membros é criada e continuamente recriada com a

mesma inevitabilidade que o durksonianismo atribuiu ao impacto

uniformizante da cultura. Os dois testemunhos incompatíveis da

experiência foram, portanto, reconciliados no plano cognitivo: lançado

num mundo cultural compartilhado, incapaz de escolhê-lo como um ato

de vontade, confrontando o seu mundo cultural como uma realidade

inescapável, o membro está ainda (devido mais a este fato do que apesar

dele) condenado a tornar-se e a permanecer um indivíduo único. É

precisamente a partilha das mesmas regras estruturais da percepção do

mundo que assegura a singularidade de cada experiência e de cada

mundo individual de significado” (Bauman, 1977, p. 105).

O que Bauman revela aqui e em outras passagens é a semelhança entre o positivismo

clássico e o positivismo fenomenológico9. Ambas as concepções são traduções do senso comum.

Tanto a sociologia de Durkheim e outros se revela uma reprodução da visão da sociedade como

“natural” – visão típica do senso comum, tal ele mesmo coloca – quanto à sociologia

fenomenológica que realiza uma crítica da sociologia positivista mas não do seu objeto10, e assim

também reproduz o senso comum. Assim, a crítica de Bauman é uma crítica do senso comum

enquanto fenômeno real, ao invés de ser uma crítica do senso comum enquanto fenômeno

9 Husserl mesmo reconhece o seu positivismo, afirmando que o fenomenólogo é o “único verdadeiro

positivista”: “se por ‘positivismo’ se entende o esforço, absolutamente livre de preconceito, para fundar todas as ciências sobre o que é ‘positivo’, isto é, susceptível de ser captado de maneira originária, somos nós que somos os verdadeiros positivistas” (apud. Dartigues, 1973, p. 31).

10 “O sistema schutziano existencialisticamente inspirado é (...), especificamente, uma crítica à sociologia e não a seu objeto” (Bauman, 1977, p. 111).

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ideológico. O senso comum é uma construção ideológica. É uma construção ideológica que se

revela tanto na sua oposição entre ciência/filosofia e senso comum, produto do elitismo intelectual

conservador, quanto no papel que cumpre no pensamento científico.

A oposição entre ciência e senso comum pode ser vista facilmente no tema da ruptura,

postulado por Comte, Durkheim e Bachelard, mas não é tão visível quanto na fenomenologia. Mas

se lembrarmos a epoché, a redução fenomenológica, é justamente o ultrapassar da atitude natural

que havíamos colocado anteriormente. Segundo Rabuske:

“A fenomenologia opera uma ruptura com as certezas que povoam

a consciência ‘ingênua’ do senso comum. Esta ruptura é uma redução

fenomenológica, um pôr-entre-parentesis (epoché) da adesão às

aparências e ao saber constituído das Ciências objetivantes. A ‘epoché’ a

suspensão da adesão irrefletida visa fazer aparecer uma relação mais

profunda, natural e imediata” (Rabuske, 1987, p. 121).

Tanto o positivismo clássico quanto o positivismo fenomenológico propõe a ruptura com o

senso comum. A diferença reside no fato de que no positivismo clássico a ruptura não é apenas

epistemológica (superação das ilusões do senso comum) como também expressa uma avaliação

negativa do senso comum enquanto que o positivismo fenomenológico a ruptura é apenas

epistemológica, incluindo, contraditoriamente, uma avaliação positiva do senso comum. A

contradição da fenomenologia reside no fato de considerar o senso comum verdadeiro e ao mesmo

tempo querer se desvencilhar dele, o que perde o sentido tendo em vista a primeira assertiva.

Assim, se o senso comum é verdadeiro, então por qual motivo “ultrapassá-lo”? Este é o dilema que

muitas concepções sociológicas e de outras ciências humanas ainda mantém: quando se trata de

discurso metodológico, o chamado “senso comum” é execrado, mas quando se trata de análises

científicas da cultura popular (“senso comum”...), ele é exaltado. A nível metodológico o senso

comum é falso, mas ao nível da pesquisa empírica é tido como verdadeiro e tal postura se encontra,

como veremos adiante, em Durkheim (1996), quando este irá abordar a questão das representações

coletivas.

Bauman critica a sociologia e enfatiza a crítica do objeto da sociologia sem perceber que este

objeto, no caso do senso comum, foi construído pela sociologia. A sociologia crítica esboçada por

ele, inspirada em Marx, critica a realidade social – a sociedade capitalista, após sua crítica da

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sociologia em sua relação com o senso comum, mas não o senso comum, ou seja, este objeto

específico. A crítica ao senso comum dever ser, na verdade, uma crítica ao termo senso comum11.

Assim, o termo senso comum só existe no interior de um discurso positivista (clássico ou

qualquer outro), ideológico, e carrega o equívoco fundamental de ser apresentado como um bloco

monolítico. A temática, para utilizar expressão de Holton (1979) do senso comum é produto de

uma determinada concepção de saber, o positivismo, ligado a interesses sociais precisos. As

variações na abordagem deste “tema” é produto do desenvolvimento histórico do capitalismo.

Assim, os usos do termo senso comum sempre remetem à problemática positivista e estão inseridos

no conjunto de suas teses que lhe proporcionam um caráter monolítico. O conteúdo que se busca

expressar por este termo é muito mais rico do que os limites que ele impõe e por isso é preciso

partir de um novo conceito que consiga dar conta desta riqueza.

11 Não se trata somente do termo em si, pois termos semelhantes são abordados de forma idêntica ao do senso

comum, o que significa que o termo (expressão formal de um conteúdo) deve ser criticado e junto com o ele o conteúdo que lhe é atribuído.

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A ABORDAGEM DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A abordagem das representações sociais surge na década de 60, mas tem como fonte

inspiradora a concepção durkheimiana de representações coletivas. É por isso que iniciaremos

nossa discussão sobre representações sociais partindo da abordagem durkheimiana.

Durkheim e as Representações Coletivas

A partir do final do século 19 e início do século, com o maior desenvolvimento das ciências

sociais (sociologia, antropologia, psicanálise, etc.) o tema do saber cotidiano deixou de ser visto

pelo prisma do “senso comum” enquanto pensamento falso e passa a ter uma nova interpretação. O

próprio termo senso comum começa a ser abandonado e substituído por outros, sendo que sua

utilização continuou forte, na área da epistemologia e filosofia (fenomenologia, especialmente). O

saber cotidiano passou a ser domínio temático de outras ciências sociais, além da psicologia (Tarde,

Le Bon), ganhando mais espaço também na sociologia, assim como na antropologia. A sociologia,

por sua vez, através de Durkheim, buscava consolidar a sociologia enquanto ciência autônoma e

específica. O próprio Durkheim foi um dos arquitetos da tese da ruptura entre ciência e senso

comum, em As Regras do Método Sociológico. No entanto, passado alguns anos, ele irá apresentar

uma nova discussão, já não no contexto da relação com o método sociológico, e no interior das

mudanças históricas acima apontadas.

Como colocamos anteriormente, o processo de desenvolvimento capitalista foi o responsável

por esta mudança de perspectiva, e juntamente com o desenvolvimento e consolidação das ciências

sociais, isto se torna ainda mais forte. É neste contexto que irá surgir a abordagem durkheimiana

das representações coletivas.

A obra de Moscovici que inaugura sua tese das representações sociais coloca o termo

representações coletivas, de Durkheim, como sua fonte inspiradora. Por este motivo iremos

apresentar uma breve discussão sobre a concepção durkheimiana de representações coletivas.

Como colocamos anteriormente, Durkheim foi um dos idealizadores da ruptura entre ciência

e senso comum, tal como se vê em As Regras do Método Sociológico, de 1895. Os seus textos nos

quais aborda as representações coletivas parecem realizar uma reviravolta em sua concepção

original.

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O que são as representações coletivas? Durkheim realiza sua análise partindo de sua

sociologia da religião. A religião é uma forma de representações coletivas. As representações

coletivas pertencem ao real:

“É um postulado essencial da sociologia que uma instituição

humana não pode repousar sobre o erro e a mentira, caso contrário não

pode durar. Se não tivesse fundada na natureza das coisas, ela teria

encontrado nas coisas resistências insuperáveis. Assim, quando

abordamos o estudo das religiões primitivas, é com a certeza de que elas

pertencem ao real e o exprimem (...)” (Durkheim, 1996, p. VI-VII).

É por isso que ele afirma não existir religiões falsas, pois todas correspondem a determinadas

condições da existência humana, embora à sua maneira. Os primeiros sistemas de representações,

segundo Durkheim, possuem “origem religiosa” e por isso a sua compreensão contribui para o

entendimento das representações coletivas. As representações coletivas expressam realidades

coletivas, “estados da coletividade”, sendo “eminentemente social”. Elas dependem da forma como

a sociedade se organiza e constitui:

“As representações coletivas são o produto de uma imensa

cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para

criá-las, uma multidão de espíritos diversos associou, misturou,

combinou suas idéias e seus sentimentos; longas séries de gerações nelas

acumularam sua experiência e seu saber” (Durkheim, 1996, p. XXIII).

As representações coletivas são “fatos sociais” e, por conseguinte, são dotadas da mesma

objetividade destas. As representações coletivas possuem um caráter coletivo e sui generis. Elas

possuem como substrato a sociedade e esta, por sua vez, tem como substrato o “conjunto de

indivíduos associados”. Elas, como qualquer fato social, são exteriores às consciências individuais,

formam uma totalidade e, para Durkheim, o todo é mais do que a soma das partes. Elas formam

realidades parcialmente autônomas, atraindo, repelindo e sintetizando representações anteriores, o

que significa que as representações coletivas possuem como causas outras representações coletivas.

Esta concepção, comparada com a expressa em As Regras do Método Sociológico, parece

marcar uma mudança de perspectiva. Segundo alguns, Durkheim teria adotado uma nova postura,

uma espécie de “sociologia espiritualista”1. No entanto, consideramos que o mais adequado é

1 “A esta luz, a última parte da vida intelectual de Durkheim é surpreendente: desde 1907 até à sua morte,

nota-se uma orientação cada vez mais explícita que C. Bouglé justamente caracterizava: ‘o sociologismo durkheimiano é um esforço para fundar e justificar de nova maneira as tendências espiritualistas. Isto não é válido apenas para os textos reunidos por Bouglé em Filosofia e Sociologia, mas também para As Formas

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considerar que, em que pese sua “inflexão idealista”, para utilizar expressão de Cuvillier (1975)2,

ele permanece com o mesmo ponto de vista, embora promovendo uma autonomização parcial das

representações.

Durkheim busca, em suas obras sobre representações coletivas, afastar a sua concepção de

diversas outras abordagens do conhecimento (psicologia, empiricismo, apriorismo, materialismo

histórico)3 e defender a objetividade da religião e das representações. O problema é que Durkheim

confunde veracidade com objetividade, tal como se vê nas suas afirmações sobre o seu

pertencimento ao “real”, ao fato das representações coletivas não se fundamentarem no “erro e na

mentira” e que são “realidades coletivas” que expressam “estados da coletividade”4. Isto pode ser

visto em algumas de suas afirmações:

“Todo o nosso estudo repousa no postulado de que esse sentimento

unânime dos crentes de todos os tempos não pode ser puramente ilusório.

Da mesma forma que um recente apologista da fé, admitimos, portanto,

que as crenças religiosas se baseiam numa experiência específica cujo

valor demonstrativo, num certo sentido, não é inferior ao das

experiências científica, embora diferente. Também pensamos que ‘uma

árvore se conhece por seus frutos’ e que sua fecundidade é a melhor

prova do que valem suas raízes. Mas do fato de existir, se quiserem, uma

‘experiência religiosa’ e de ele ater, de alguma maneira, fundamento (...)

não se segue de modo algum que a realidade que a fundamenta esteja

Elementares da Vida Religiosa e todos os outros textos do autor durante este último período” (Duvignaud, 1982, p. 35). Cf. também Bouglé (1970).

2 “Apesar desta inflexão idealista, Durkheim nunca renegou a explicação, pelo menos parcial, da ideologia e do conhecimento pelo ‘substrato’ [social – NV], nem o papel da morfologia social. Apenas limita o seu alcance” (Cuvillier, 1975, p. 32-33).

3 A sua tese da autonomia parcial das representações a distingue da psicologia, do empiricismo e do materialismo histórico. Durkheim critica a abordagem psicológica que considera a consciência individual um epifenômeno do sistema nervoso, colocando-a como “independente do seu substrato físico”, tal como as representações coletivas são autônomas em relação às representações individuais (Durkheim, 1970); critica o materialismo histórico por este considerar, segundo Durkheim, que as representações são um epifenômeno da base econômica e retoma a idéia do caráter sui generis e autônomo das representações coletivas; contra o empiricismo e o apriorismo defende o caráter social das representações coletivas (Durkheim, 1996).

4 “Diz-se que a ciência nega a religião em princípio. Mas a religião existe, é um sistema de fatos dados, em uma palavra, é uma realidade. Como poderia a ciência negar uma realidade?” (Durkheim, 1996, p. 476). O argumento de Durkheim é mais problemático do que esclarecedor. Obviamente que, quando alguém afirma que a “ciência nega a religião” quer dizer que contesta a veracidade de seus postulados e não sua existência. Trataremos disto mais detalhadamente adiante, quando formos colocar os limites da abordagem das representações sociais.

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objetivamente de acordo com a idéia que dela fazem os crentes”

(Durkheim, 1996, p. 461).

Num primeiro momento, Durkheim diz que a religião (representações coletivas) “não pode

ser puramente ilusória” e que é “diferente”, e depois coloca que a idéia que os crentes fazem da

realidade não é necessariamente objetiva. Outras afirmações vão neste sentido:

“Os ritos mais bárbaros ou os mais extravagantes, os mitos mais

estranhos traduzem alguma necessidade humana, algum aspecto da vida,

seja individual ou social. As razões que o fiel concebe a si próprio para

justificá-los podem ser – e muitas vezes, de fato, são – errôneas; mas as

razões verdadeiras não deixam de existir; compete à ciência descobri-

las” (Durkheim, 1996, p. VI-VII).

Assim, a visão do fiel pode ser e muitas vezes é errônea. Uma outra afirmação de Durkheim

retoma sua idéia contida em As Regras do Método Sociológico de afastar os preconceitos:

“Ora, contrariamente às aparências, constatamos que as

realidades às quais se aplica então a especulação religiosa são as

mesmas que servirão mais tarde de objeto à reflexão dos cientistas: a

natureza, o homem, a sociedade. O mistério que parece cercá-las é

completamente superficial e se dissipa ante uma observação mais

aprofundada: basta retirar o véu com que a imaginação mitológica as

cobriu para que se mostrem tais como são. Essas realidades, a religião

se esforça por traduzi-la numa linguagem inteligível que não difere em

natureza daquela que a ciência emprega; de parte a parte, trata-se de

vincular as coisas umas às outras, de estabelecer entre elas relações

internas, de classificá-las, sistematizá-las. Vimos até que as noções

essenciais da lógica científica são de origem religiosa. Claro que a

ciência, para utilizá-las, submete-as a uma nova elaboração; depura-as

de todo tipo de elementos acidentais; de uma maneira geral, em todos os

seus passos ela utiliza um espírito crítico que a religião ignora; cerca-se

de precauções para ‘evitar a precipitação e o juízo antecipado’, para

manter a distância as paixões, os preconceitos e todas as influências

subjetivas. Mas esses aperfeiçoamentos metodológicos não são

suficientes para diferenciá-la da religião. Sob esse aspecto, ambas

perseguem o mesmo objetivo: o pensamento científico é tão-só uma

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forma mais perfeita do pensamento religioso. Parece natural, portanto,

que o segundo se apague progressivamente diante do primeiro, à medida

que este se torne mais apto a desempenhar a tarefa” (Durkheim, 1996, p.

475-476).

Desta forma, Durkheim apresenta o pensamento religioso é antecessor do pensamento

científico, mas este o depura, afasta os juízos antecipados, os preconceitos, as paixões, as

influências subjetivas. Pode parecer que Durkheim oferece um caráter religioso à ciência, mas é

justamente o contrário que faz: ele oferece um caráter científico (embora embrionário) ao

pensamento religioso, tornando esta um pensamento racional. Sem dúvida, este procedimento retira

a especificidade do pensamento religioso, tornando-o uma forma de conhecimento, predecessor da

ciência. Mas o que importa é que Durkheim mantém a necessidade da prática científica se pautar

pelo controle que o distancia das representações coletivas (senso comum).

Em síntese, Durkheim mantém, de forma amenizada, sua concepção anterior. As idéias de

Durkheim se desenvolvem a partir de seu projeto de construir uma “ciência da sociedade”, a

sociologia, e daí ter que buscar legitimar o seu objeto de estudo, dotando-lhe de objetividade. Daí

sua idéia de fato social e sua extensão às representações coletivas, pois ele amplia cada vez mais os

fenômenos abarcados por sua sociologia. As representações coletivas são tão “objetivas” quanto

qualquer outro fato social. Durkheim consegue distinguir sua concepção de outras e garantir, ao

mesmo tempo, a objetividade (via autonomização) das representações coletivas. Em As Regras do

Método Sociológico Durkheim estava preocupado em construir os fundamentos metodológicos da

sociologia e em legitimar esta nova ciência e por isso a demarcação da necessidade de ruptura com

o senso comum. Nos textos sobre representações coletivas, Durkheim se ocupa de um novo objeto

de estudo, o que faz tratá-lo como um fato social, dotado de objetividade e autonomia. A única

mudança efetiva se encontra na sua radicalização da autonomia e importância das representações

coletivas.

Moscovici e as Representações Sociais

A emergência e difusão da chamada “teoria das representações sociais” colocam novas

questões para a teoria da sociedade. O que são representações sociais? Qual sua relação com a

realidade social? Estas são questões antigas e que foram discutidas com outras linguagens (idéias,

consciência, visão de mundo, conhecimento vulgar, ideologia etc.) tanto pela filosofia quanto pelas

ciências sociais, perpassando também diversas outras formas de pensamento.

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Coube a Serge Moscovici o papel de elaborar a chamada teoria das representações sociais,

que teve diversos desdobramentos. Podemos falar em pré-história da “teoria das representações

sociais”, retomando as idéias de Le Bon, Wundt etc. (Farr, 1997) ou então os clássicos da

sociologia (Minayo, 1997). Mas tal idéia surge efetivamente com Moscovici (1978). O parentesco

da concepção de Moscovici com a idéia de representações coletivas de Durkheim é visível, e o

próprio Moscovici reconhece ser esta a fonte de sua inspiração. Porém, representações coletivas e

representações sociais não são a mesma coisa, apesar de sua proximidade.

As representações coletivas se referem às tradições5, e são homogêneas, enquanto que a idéia

de representações sociais apresentada por Moscovici deixa claro o seu caráter marcado pela

diversidade e pelo dinamismo. Esta diferença é provocada pelo fato de que, segundo os adeptos da

“teoria das representações sociais” (Farr, 1997; Guareschi, 1997; Sá, 1995), as representações

coletivas são produzidas nas sociedades simples e as representações sociais são produzidas nas

sociedades contemporâneas e por isso trazem em si as características destas sociedades. Vejamos o

que diz R. Farr:

“Moscovici afirma que a noção de representação coletiva de

Durkheim descreve, ou identifica, uma categoria coletiva que deve ser

explicada a um nível inferior, isto é, em nível da psicologia social. É aqui

que surge a noção de representação social de Moscovici. Ele também

julga mais adequado, um contexto moderno, estudar representações

sociais do que estudar representações coletivas. O segundo conceito era

um objeto de estudo mais apropriado num contexto de sociedades menos

complexas, que eram do interesse de Durkheim. As sociedades modernas

são caracterizadas por seu pluralismo e pela rapidez com que as

mudanças econômicas, políticas e culturais ocorrem. Há, nos dias de

hoje, poucas representações que são verdadeiramente coletivas” (Farr,

1997, p. 44-45)6.

5 Tradições, aqui, significa o conjunto de representações que são passados de geração a geração. 6 “Moscovici tinha consciência que o modelo de sociedade de Durkheim era estático e tradicional, pensando

para tempos em que a mudança se processava lentamente. As sociedades modernas, porém, são dinâmicas e fluidas. Por isso o conceito de ‘coletivo’ apropriava-se melhor àquele tipo de sociedade, de dimensões mais cristalizadas e estruturadas. Moscovici preferiu preservar o conceito de representação e substituir o conceito ‘coletivo’, de conotação mais cultural, estática e positivista, com o de ‘social’: daí o conceito de Representações Sociais” (Guareschi, 1997, p. 196). Veja também Sá (1995) e Moscovici (1978).

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Mas o que são as representações sociais? Elas podem ser compreendidas como fenômeno

(objeto de estudo), como teoria (no sentido de explicação científica do fenômeno) e como

“metateoria” (a discussão em torno da teoria):

“As representações sociais são ‘teorias’ sobre saberes populares e

do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente, com a

finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas, levam os

indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio, ações

que, sem dúvida, modificam os dois. De Rosa distingue entre três níveis

de discussão e análise das RS: nível fenomenológico – as RS são um

objeto de investigação. Esses objetos são elementos da realidade social,

são modos de conhecimento, saberes do senso comum que surgem e se

legitimam na conversação interpessoal cotidiana e têm como objetivo

compreender e controlar a realidade social; nível teórico – é o conjunto

de definições conceituais e metodológicas, construtos, generalizações e

proposições referentes às RS; nível metateórico – é o nível das discussões

sobre a teoria. Neste colocam-se os debates e as refutações críticas com

respeito ao postulado e pressupostos da teoria, juntamente a uma

comparação com modelos teóricos de outras teorias” (Oliveira & Werba,

1998, p. 105-106).

Porém, consideramos estas três dimensões da expressão como inadequadas, pois seria o

mesmo que dizer que a sociedade é, ao mesmo tempo, o fenômeno, a sua teoria e a sua

epistemologia. Tal procedimento não possui legitimidade, pois significaria fundar uma nova

ciência – a ciência das representações sociais – que teria objeto e métodos próprios (aliás, este é o

motivo de tal concepção não definir sua filiação seja à psicologia seja à sociologia). Podemos dizer

que as representações sociais são fenômenos sociais e a teoria de um fenômeno não se confunde

com ele e nem é denominado como ele, ou seja, as representações são uma coisa e a explicação (ou

“teoria”) é outra coisa, assim como o Estado não é a mesma coisa que a Teoria do Estado e a

sociedade não é a mesma coisa que a sociologia. Isto é mais verdadeiro ainda no que se refere à

epistemologia.

Devemos, pois, buscar outros elementos para compreender as representações sociais.

Moscovici, em seu livro fundador da concepção, define representações sociais apenas como o

fenômeno. São os continuadores e colaboradores que irão buscar enquadrar outros elementos na

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definição7. O que, do nosso ponto de vista, complica muito mais do que resolve. Assim,

consideramos, tal como Moscovici, que representações sociais se refere apenas ao fenômeno,

enquanto que reconhecemos que também existe o termo (ou “conceito”) de representações sociais e

a teoria (ou ideologia) das representações sociais, mas que são coisas distintas.

Assim temos: representações sociais = fenômeno, isto é, o objeto concreto de estudo, no

caso, o saber cotidiano/representações cotidianas; termo de representações sociais = definição do

fenômeno, expressão conceitual do fenômeno, ou seja, o construto elaborado pela abordagem das

representações sociais, um “conceito”; abordagem das representações sociais = abordagem do

fenômeno, isto é, alguns elementos, terminológicos, metodológicos e de análise utilizados para

abordar o fenômeno8.

A partir destas considerações podemos avançar em nossa discussão sobre as representações

sociais. Segundo Moscovici e outros pesquisadores que trabalham com este termo (Moscovici,

1978; Farr, 1997; Guareschi, 1997; Oliveira & Werba, 1998; Sá, 1995), as representações sociais

são as formas de consciência que são chamadas geralmente de “populares” ou “senso comum”.

Moscovici afirma que as representações sociais são objetos (de estudo) que está inscrito

numa realidade dinâmica e ativa. As representações sociais são concebidas parcialmente pelas

pessoas ou pela coletividade, como se fossem um “prolongamento do comportamento”. Elas só

existem, para seus produtores, devido ao papel que cumprem: permitem conhecer o

comportamento, são expressões de sua atitude frente aos objetos que lhes cercam. Daí sua

capacidade criativa, destacada por Moscovici.

As representações sociais não são “opiniões sobre”, “imagens de” e sim “teorias”, “ciências

coletivas” sui generis, “destinadas à interpretação e elaboração do real” (Moscovici, 1978, p. 50).

As representações sociais tornam familiar e presente o que é estranho e ausente. As representações

são sempre representações “de alguma coisa”, formam “universos de opinião”, que são tantos

quanto as classes, culturas e grupos. Cada universo de opinião possui três dimensões: a) informação

– ela organiza os conhecimentos de um grupo; b) campo de representação – é o “conteúdo concreto

e limitado das proposições atinentes a um aspecto preciso do objeto das representações”

7 Veja exemplo de Sá: “O termo representações sociais designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o

conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los, identificando um vasto campo de estudos psicossociológicos” (Sá, 1995, p. 19).

8 Utilizamos o termo “abordagem” ao invés de “teoria”, utilizada pelos representantes desta concepção, porque consideramos uma teoria como sendo uma explicação da realidade, o que não ocorre neste caso, havendo, na verdade, como colocaremos adiante, descrição. Daí chamarmos de abordagem das representações sociais e não teoria das representações sociais.

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(Moscovici, 1978, p. 69); c) atitude: significa a orientação global em relação ao objeto da

representação.

Mas até aqui o que Moscovici apresentou foi o caráter “psicológico” das representações,

falta, portanto, destacar o seu aspecto social. Moscovici afirma que uma representação é social por

ter a “dimensão dos grupos sociais” mas que isto é superficial, sendo preciso ir além desta

constatação:

“Para qualificar uma representação de social não basta definir o

agente que a produz. Tampouco nos mostra, ficou agora claro, em que

ela se distingue de outros sistemas que são igualmente coletivos. Saber

‘quem’ produz esses sistemas é menos instrutivo do que saber ‘por que’

se produzem. Em outras palavras, para se poder apreender o sentido do

qualificativo social é preferível enfatizar a função a que ele corresponde

do que as circunstâncias e as entidades que reflete. Esta lhe é própria, na

medida em que a representação contribui exclusivamente para os

processos de formação de condutas e de orientação para as

comunicações sociais” (Moscovici, 1978, p. 77).

As representações sociais são criadas para tornar o não-familiar em familiar. Segundo

Moscovici, “o propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar, ou a

própria não familiaridade, em familiar” (apud. Sá, 1995, p. 35). Esse processo de “familiarização” é

realizado através da “objetivação” e da “amarração”. A objetivação busca tornar real, concreto,

através de imagens, um esquema conceptual. A objetivação realiza um duplo esforço, tal como

coloca Moscovici no contexto de sua análise das representações sociais da psicanálise:

“O primeiro (...) é um salto no imaginário que transporta os

elementos objetivos para o meio cognitivo e prepara para eles uma

mudança fundamental de status e função. Naturalizados, julga-se que o

conceito de complexo ou de inconsciente reproduzem a fisionomia de

uma realidade quase física. O caráter intelectual do sistema em que eles

participam perde importância; o mesmo ocorre com o aspecto social de

sua extensão. O segundo esforço é de classificação, que coloca e

organiza as partes do meio ambiente e, mediante seus cortes, introduz

uma ordem que se adapta à ordem preexistente, atenuando assim o

choque de toda e qualquer nova concepção” (Moscovici, 1978, p. 113).

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A amarração, também chamada de ancoragem, significa a integração do objeto representado

em um sistema de representações pré-existentes, que o converte num instrumento de que passa a

dispor e o coloca numa escala de preferência, transformando-o em “quadro de referência” e “rede

de significações” (Moscovici, 1978; Sá, 1995).

As representações sociais não são todas as formas de conhecimento. Moscovici distingue

duas classes de pensamento: os universos consensuais e os universos reificados. As representações

sociais pertencem ao primeiro universo, enquanto que a ciência e o pensamento erudito pertencem

ao segundo universo. Estes “universos consensuais” são “lugares onde todos querem se sentir em

casa, a salvo de qualquer risco de atrito e disputa” (Moscovici, apud. Sá, 1995, p. 36). O que é dito,

nas representações sociais, busca confirmar as crenças e interpretações estabelecidas, reforçando as

tradições.

Moscovici opõe, assim, os “universos consensuais” (saber cotidiano ou representações

sociais) aos “universos reificados” (ciência, pensamento erudito) ou, segundo outras expressões

utilizadas por ele, o pensamento natural e o pensamento científico.

Moscovici coloca como características das representações sociais (pensamento natural): a) a

dispersão da informação: os dados são insuficientes e superabundantes; b) a focalização: a atenção

é voltada especificamente sobre um objeto; c) a pressão para a inferência: que provoca “inflexões e

desvios no desenrolar de operações intelectuais” (Moscovici, 1978, p. 252), pois a necessidade

constante de responder postas pelas circunstâncias produz efeitos, tais como: a adoção de um

código estável, fórmulas aceitas, lugares comuns, etc.

O pensamento científico (como o filosófico e todo o pensamento que tem como objetivo a

“apreensão de categorias”) coloca, segundo Moscovici, dois sistemas em ação: a) o sistema

operatório, que realiza associações, inclusões, discriminações e deduções; b) metassistema: que

controla, verifica e seleciona com o auxílio de regras (lógicas ou não), isto é, reelabora a matéria

produzida pelo sistema operatório.

“O mesmo ocorre com o pensamento natural, salvo uma diferença,

a saber: no metassistema, as relações que o constituem são, habitual e

primordialmente, relações normativas. Em outras palavras, temos de um

lado relações operatórias e de outro relações normativas que controlam,

verificam e dirigem as primeiras. Os valores ou princípios normativos

estão necessariamente ordenados” (Moscovici, 1978, p. 256).

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Apresentamos, assim, resumidamente, a concepção de Moscovici a respeito das

representações sociais. Alguns elementos serão aprofundados adiante, quando formos apresentar os

limites da abordagem das representações sociais.

Os Limites da Abordagem das Representações Sociais

Antes de colocarmos os limites da abordagem das representações sociais iremos apresentar o

contexto histórico do seu nascimento e desenvolvimento.

Uma melhor compreensão da obra de Moscovici (e seus desdobramentos através de seus

colaboradores) pode ser conquistada através da contribuição de Bourdieu. A idéia de competição e

luta pelo monopólio no mundo científico contribui bastante para isto:

“O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre

posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de

uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é

o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável,

como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio

da competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e

de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade),

que é socialmente outorgada a um agente determinado” (Bourdieu, 1994,

p. 122-123).

Segundo Bourdieu, o campo científico produz uma forma específica de interesse. O

interesse reside justamente na busca do monopólio ou da autoridade. As práticas no interior do

mundo científico se orientam para a aquisição de autoridade científica e isto se revela no interesse

por uma atividade científica – seja uma disciplina, um setor dela, um método, etc.

É neste contexto que se insere também a questão das escolas e correntes de uma dada

ciência. Os estudos de Coulon (1995; 1995b) sobre a Escola de Chicago e Etnometodologia são

esclarecedores, pois, embora estas obras tenham caráter meramente descritivo, é apresentado ao

leitor a formação, difusão e estratégias na formação de “escolas” e “correntes”.

Assim, como coloca Greimas (1976) o discurso científico realiza a “narrativa da descoberta”,

e é por isso que a “originalidade” vai ganhar tanta importância (Bourdieu, 1994). A Abordagem das

representações sociais está envolvida nesta dinâmica. Robert Farr, colaborador de Moscovici, é

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bastante claro em história da abordagem das representações sociais. Moscovici representa uma

forma sociológica de psicologia social que entra em contradição com a forma psicológica,

predominante nos Estados Unidos. São duas concepções concorrentes:

“Desde o início, a teoria das representações sociais de Moscovici

se constituiu numa importante crítica sobre a natureza individualizante

da maior parte da pesquisa em psicologia social na América do Norte.

Isso está claro na sua revisão da pesquisa sobre atitudes e opiniões [feita

em 1963 – NV]. Ele ataca a esterilidade da maioria das enquetes de

opinião pública. Considera toda essa área da pesquisa como mera

‘coleta de informação’. Do ponto de vista do desenvolvimento da

psicologia social, ela é um beco sem saída. Ela pode ser

metodologicamente sofisticada e refinada, mas ela é teoricamente estéril.

Moscovici suspirou pelo dia em que as representações sociais pudessem

substituir as opiniões e imagens, pois estes termos são demasiados

estáticos e descritivos” (Farr, 1997, p. 49).

Farr coloca que o processo de “individualização da psicologia social” realizada nos EUA

provoca uma “difícil coexistência” entre as “duas formas rivais de psicologia social” (Farr, 1997, p.

33).

Assim, a tese de Moscovici vem para abrir um espaço novo, um novo domínio temático (as

representações sociais) e uma nova abordagem deste domínio, o que lhe faz tentar garantir a

descoberta e originalidade. Mas a tese de Moscovici, como veremos adiante, não é tão original

assim, pois Durkheim (1996) e Marx, tal como colocaremos adiante, já havia desenvolvido teses

semelhantes e inclusive mais complexas do que as de Moscovici. Moscovici realiza um “escotoma

cultural e histórico” na esfera da ciência9.

9 Sacks utiliza a idéia neurológica de escotoma (“esquecimento”) para explicar lacunas, esquecimentos,

hiatos, no desenvolvimento do pensamento científico (Sacks, 1997). A contribuição de Marx e de Durkheim foi escotomizada por Moscovici, no primeiro caso sem fazer nenhuma referência (em seu texto inaugural da abordagem das representações sociais) e no segundo por marcar uma diferenciação inexiste na realidade, o que demarcaria sua originalidade, tal como Darwin fez com Lamarck (Viana, 2002b). Isto é mais visível ainda quando se sabe que Moscovici sempre teve proximidade com as idéias marxistas e que no primeiro semestre de 1962 participou de um debate da Revista Arguments, em co-autoria com Claude Fauchex, no qual comenta texto de Georges Lapassade e Edgar Morin e aborda a relação entre psicologia social e marxismo, citando Marx, Lênin, Plekhânov, Gramsci, e outros marxistas (Moscovici & Fauchex, 2001). Embora o texto sobre representações sociais da psicanálise tenha sido publicado no ano anterior, isto deixa claro o conhecimento de Moscovici a respeito da obra de Marx e de diversos marxistas, que certamente não foi produto de um estudo de um semestre.

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Obviamente, que tais lutas no mundo científico, como coloca Bourdieu (1994), não estão

desligadas das lutas políticas e pelo poder. A época da produção das representações sociais marca a

continuidade de um período de estabilidade relativa do capitalismo, só rompida no final da década

de 60 e início da década de 70, o que justifica, tal como coloca Sawaia (1995), a busca de conceitos

mais (sic) neutros. A ciência do final do século 20, a partir do final da Segunda Guerra Mundial,

torna-se cada vez mais profissional e mais desligada das lutas sociais, provocando um

conservadorismo crescente. Somente em períodos de ruptura social é que ela recebe um banho de

criticidade, tal como no final dos anos sessenta e início dos setenta. É neste contexto conservador

que surge a abordagem das representações sociais e ocorre o seu desenvolvimento.

Passemos, agora, à crítica da abordagem das representações sociais. Iremos criticar alguns

pontos desta concepção, a saber: a) a sua utilidade para a pesquisa social, o que está relacionado

com a originalidade ou novidade da concepção; b) a falta de sistematicidade da concepção, o que

está relacionado com a definição e análise do fenômeno das representações, bem como com o

caráter puramente descritivo desta abordagem.

Comecemos pela originalidade ou novidade da concepção. O ponto forte da abordagem das

representações sociais reside no próprio fenômeno que é seu “objeto de estudo”. As representações

sociais são consideradas como a visão contemporânea do senso comum10.

Porém, inúmeras outras palavras podem ser consideradas equivalentes, tais como: idéias,

visões de mundo, consciência, conhecimento vulgar, saber popular, consciência coletiva,

conhecimento comum, cultura popular, ideologia (além dos próprios termos senso comum,

representações e representações coletivas, dependendo de como se concebe este último termo) etc.

Além disso, a concepção de Moscovici de representações sociais é idêntica à concepção

durkheimiana de representações coletivas. Vejamos as diferenças apontadas entre estas duas

concepções. A diferença básica e que é constantemente re-colocada é a de que as representações

coletivas são representações das sociedades simples e as representações sociais das sociedades

complexas. No entanto, outras diferenças são apontadas. Segundo Sá (1995), as diferenças entre as

duas concepções são as seguintes: a) representações coletivas: ampla e heterogênea forma de

conhecimento; representações sociais: uma modalidade específica de conhecimento que elabora

comportamentos e comunicação entre indivíduos; b) representações coletivas: estática;

10 Moscovici, em um artigo posterior ao livro A Representação Social da Psicanálise, oferece a seguinte

definição de representações sociais: “por Representações Sociais queremos indicar um conjunto de conceitos, explicações e afirmações que se originam na vida diária no curso de comunicações interindividuais. São o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; poder-se-ia dizer que são a versão contemporânea do senso comum” (apud. Leme, 1995, p. 47).

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representações sociais: dinâmica; c) representações coletivas: dados, entidades explicativas

absolutas, sem necessidade de análise; representações sociais: fenômeno que deve ser explicado

(Sá, 1995, p. 23). A estas diferenças poderia se acrescentar à questão de que Moscovici trabalha

com grupos e Durkheim com a sociedade como um todo (Moscovici, 1978).

No entanto, tais considerações são questionáveis. A primeira diferenciação entre

representações coletivas e representações sociais não foi fundamentada em lugar algum, além do

que, algo tão genérico como “elaborar comportamentos e comunicação entre os indivíduos”

também estar presente na concepção durkheimiana, embora não seja explicitado nestes termos

(“não com estas palavras”). Aliás, como veremos mais detalhadamente adiante, o específico das

representações sociais não é, na verdade, tão específico assim.

A segunda diferenciação, que apresenta o caráter estático das representações coletivas e o

caráter dinâmico das representações sociais, não se sustenta. Durkheim apresenta uma concepção

de representações que não se limita às sociedades simples, tal como coloca Moscovici, embora o

seu exemplo básico tenha sido o totemismo, a “religião primitiva”, ele concebe a religião moderna

e outras concepções como sendo representações coletivas, bem como se desenvolvendo na história,

o que significa que possuem dinamismo (Durkheim, 1996), e só assim se pode entender o que ele

quer dizer quando afirma que as representações novas são derivadas de representações anteriores

(Durkheim, 1970).

A terceira diferenciação carece de sentido, pois a abordagem das representações sociais não

é explicativa, tal como colocaremos adiante, e sim descritiva. Se a considerarmos explicativa, a

abordagem de Durkheim também deveria sê-lo.

A quarta diferenciação entra na questão da pluralidade do pensamento: “Na medida em que

ele não aborda frontalmente nem explica a pluralidade de modos de organização do pensamento,

mesmo que sejam todos sociais, a noção de representação perde, nesse caso, boa parte de sua

nitidez” (Moscovici, 1978, p. 42). Moscovici também não realiza isto que cobra em Durkheim,

nem se se considerar que tal pluralidade é derivada dos diferentes grupos sociais que produzem

representações nem se se considerar os “tipos de conhecimento”, pois neste caso Moscovici só

distingue, em A Representação Social da Psicanálise, as representações sociais e o pensamento

científico, tal como Durkheim só aponta, em As Formas Elementares da Vida Religiosa, a

semelhança entre representações coletivas e ciência, distinguindo-as ao mesmo tempo. No que se

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refere aos grupos sociais, Durkheim coloca sua existência11 e se nos textos sobre representações

coletivas não aprofunda, se encontra passagens sobre isto em outras obras.

Mas, se Moscovici pretendia realizar uma análise específica, dinâmica, explicativa e

reconhecendo sua pluralidade, resta saber por qual motivo deixou de lado Marx e os marxistas que

desenvolveram algumas de suas teses relativas à questão das representações? Assim, temos em

Marx outro pensador que já havia apresentado várias teses depois defendidas por Moscovici.

A existência de diversas palavras com sentidos equivalente ou semelhante coloca em

evidência a seguinte questão: se surge a proposta de utilização de uma nova expressão (no caso,

representações sociais), então ela deve ter uma razão de ser (uma motivação) e deve significar

algum avanço ou proporcionar alguma vantagem, seja de qualquer ordem, ao pesquisador.

Qual é a vantagem da adoção do termo representações sociais? Na verdade, não há nada que

justifique ou legitime tal modificação. Por isso, torna-se necessário o questionamento desta

concepção, principalmente quando constatamos que o seu núcleo já foi elaborado e desenvolvido

pela teoria marxista, tal como veremos adiante. Isto é apenas mais uma confirmação da famosa

afirmação de Sartre, segundo a qual toda tentativa de superação do marxismo significa uma volta

ao pré-marxismo ou um desenvolvimento de uma idéia já contida nele (Sartre, 1967). A chamada

“teoria das representações sociais” se encontra neste último caso.

Encontramos um autor que realiza uma crítica semelhante a esta. Trata-se de G. Jahoda, que

em 1988 publicou um artigo no European Journal of Social Psychology, intitulado Critical Notes

and Reflections on Social Representations, colocando que “já que não se trata de algo tão novo

assim, poderia ser encampado, com vantagens, por teorias melhor estabelecidas” (Leme, 1995).

Mas a falta de “novidade” e apenas um item dos limites da abordagem das representações

sociais. Tendo em vista isto, iremos realizar, a partir de agora, uma crítica de outros elementos

problemáticos contidos na abordagem das representações sociais e posteriormente iremos abordar a

concepção de Marx e de alguns de seus continuadores a respeito do que denominamos

representações cotidianas.

Já iniciamos nossas críticas à teoria das representações sociais quando colocamos que suas

idéias fundamentais já estão presentes em Marx e seus continuadores, bem como Durkheim, mas

tal concepção possui ainda alguns limites que não se encontram na concepção marxista e é isso que

iremos discutir agora.

11 “As representações que são a trama dessa vida, originam-se das relações que se estabelecem entre os

indivíduos assim combinados ou entre os grupos secundários que se intercalam entre o indivíduo e a sociedade total” (Durkheim, 1970, p. 33).

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Outro problema desta concepção se encontra em sua falta de sistematicidade, tal como vários

críticos já colocaram (Leme, 1995; Spink, 1995; Spink, 1997; Sá, 1995). No entanto, o próprio

Moscovici já havia percebido esta fraqueza em sua abordagem das representações sociais:

“No decorrer do presente estudo, tratamos as representações

sociais como modos de conhecimento autônomos. O fato de engendrarem

linguagens próprias é um dos sinais de sua especificidade. Podemos

encontrar outros sinais partindo de nossas entrevistas. Tal incursão,

estamos conscientes disso, não redundaria em conclusões seguraras e

precisas. Mas tampouco seria complemente inútil. Com efeito, a

exploração fenomenológica do discurso das pessoas que refletiram

perante nós acerca da Psicanálise é suscetível de esclarecer um domínio

tão mal conhecido quanto o do pensamento concreto, real, dos

indivíduos, a propósito de um objeto social. Não queremos, nesta

oportunidade, formular o catálogo das distorções, dos desvios da lógica

formal e das principais incoerências. Numerosas experiências foram

consagradas à demonstração de tais desvios e servem para alimentar os

preconceitos referentes ao caráter ‘ilógico’ ou ‘irracional’ dos

raciocínios correntes. Entretanto, se refletirmos bem, uma sistematização

minuciosa, uma busca compulsiva de coerência também podem ser a

manifestação nos indivíduos – e por que não nos grupos? – de sérias

deficiências epistemológicas e patológicas” (Moscovici, 1978, p. 248).

Aqui Moscovici reconhece que a) sua incursão não levaria a “conclusões seguras e precisas”

e b) que não era seu propósito apresentar as “distorções” e “incoerências” das representações

sociais e conclui que c) a busca de coerência e sistematização minuciosa pode ser a manifestação

de “deficiências epistemológicas e patológicas”. No primeiro momento temos o reconhecimento da

falta de sistematicidade da própria abordagem, que não chega a conclusões seguras. Num segundo

momento temos um reconhecimento de que não era objetivo da pesquisa reconhecer a falta de

sistematicidade das representações sociais. Num terceiro e último momento, temos uma defesa da

falta de sistematicidade de ambas: a busca de sistematização agora se transformou em manifestação

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de “sérias deficiências epistemológicas e patológicas”12. Desta forma, está legitimado e justificado

a falta de sistematicidade da abordagem das representações sociais.

Moscovici e a abordagem das representações sociais recebem várias críticas. Harré, por

exemplo, fala da imprecisão do termo “social” e diz que Moscovici aborda apenas “grupos

taxionômicos” ao invés de grupos estruturados. Potter e Linton criticam a tese do consenso e vários

criticam a falta de clareza do conceito de representações sociais (Leme, 1995).

As respostas a estas críticas não demonstraram capacidade de resolver as questões. Mas é

preciso ir além das críticas. Por exemplo, a questão do social. O social em Moscovici está

relacionado muito mais com o objetivo (ou, como ele diz, “função”): as representações são sociais

por buscarem formar comportamento, orientar a comunicação, tornar o não-familiar em familiar13.

Do ponto de vista da constituição de uma representação, toda as representações são sociais,

mesmo as individuais. Um indivíduo é formado socialmente – via processo de socialização – e esta

formação lhe proporciona a linguagem, forma social, meio de comunicação, e as representações.

Assim, as representações dos indivíduos são representações sociais e é por isso que as entrevistas

são feitas com indivíduos, pois eles são os portadores das representações sociais. Neste sentido,

dizer que uma representação é social é um truísmo.

A afirmação de que uma representação é social por ser produzida por um grupo é mais

inteligível, embora o ideal, nesse caso, fosse falar em “representação grupal”. Mas não é neste

sentido que Moscovici trabalha, pois, embora trabalhe com grupos (geralmente taxionômicos,

como coloca Harré), não é este o motivo que qualifica as representações de sociais.

Assim, resta a conotação dada pelo próprio Moscovici, uma representação é social devido

sua função. Ora, a função ao qual Moscovici fala (comunicação e comportamento) é comum a

todas as representações, pois qual representação não objetiva comunicar ou formar

comportamento? O pensamento científico seria puramente contemplativo se não visasse a

12 No que se refere ao saber cotidiano, a exigência de sistematização é questionável, mas no que se refere ao

pensamento científico, que um dos seus elementos definidores, é necessária e “séria deficiência epistemológica” está em recusá-la.

13 “Diz ele (Harré – NV) que se sente completamente desconcertado com o que significa social para a escola francesa, da qual se considera um ardente admirador. Aponta para uma tripla ambigüidade quando a noção é usada para qualificar uma representação: indicaria que a representação é de algo social, ou ainda que a representação, enquanto uma entidade, é ela mesma social e, por último, seria social por estar distribuída em um grupo, isto é, o que cada membro tem é igual ao que cada outro membro individual do grupo tem” (Leme, 1995, p. 54). Este autor considera isto um erro, pois o sentido correto do social seria “algo é social porque se realiza coletivamente no grupo, cada membro tendo parte do que é necessário mas que só passa a existir quando todo o grupo se intercomunica, distribui papéis, etc.” (Leme, 1995, p. 54). Daí ele afirmar que o estudo de Moscovici e da maioria dos adeptos da abordagem das representações sociais se dedicar aos grupos taxionômicos, derivados de uma classificação artificial, e não de grupos estruturados, baseados em deveres, direitos, laços biológicos, etc.

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comunicação e a ação. A teologia, a filosofia, a religião, etc., também. Enfim, esta definição não

define nada. O outro elemento da definição, “tornar familiar o não-familiar” também, da forma

como é concebida por Moscovici, não está ausente das várias outras formas de saber. O mito, por

exemplo, busca tornar os fenômenos naturais familiares, considerando-os ação de agentes

sobrenaturais.

Aqui entramos na falta de clareza do conceito de representações sociais apontados por alguns

pesquisadores:

“Tanto Potter e Linton como Jahoda consideram a falta de clareza

do conceito e também das teorias das representações. Moscovici

responde da seguinte maneira: ‘vários autores me recriminam por ser

vago e me recusar a definir o significado das Representações Sociais.

Poderia citar vários textos de Bacon a Freud que sustentariam o valor de

minha posição. Mas minha recusa também representa um modo de

assumir posição contra uma tendência de dar definições fáceis. Quando

se pensa nos conceitos de esquema ou atribuição, poder-se-ia dizer que

foram definidos adequadamente?’. Também em sua resposta a Jahoda

indaga: ‘será que alguém sabe uma definição para conceitos gerais

como consciência coletiva, classe social, mito?’”(Leme, 1995, p. 55).

Moscovici não consegue dar uma resposta satisfatória. Apelar para textos de Bacon e Freud é

apenas utilizar argumento de autoridade e ir contra a recusa de “definições fáceis” não faz ninguém

se omitir de dar “definições difíceis”, sob o pretexto de recusas fáceis de definição. Sem dúvida, os

conceitos de consciência coletiva, classe social e mito já tiveram suas definições. Mas para se fazer

isso é preciso algo que precisamente falta à abordagem das representações sociais: a visão da

totalidade. Esta abordagem fica presa nas representações sociais como objeto isolado e sem filiação

a uma teoria mais ampla. Assim, a abordagem das representações sociais possui um problema

metodológico grave, a falta de uma concepção abrangente da sociedade e o isolamento das

representações sociais, o que retira a capacidade explicativa desta abordagem, tal como

colocaremos adiante.

Agora iremos brevemente abordar a questão do consenso:

“A questão do consenso é outra dificuldade apontada pelos

autores [Potter e Linton – NV]: mencionar uma representação não

significa que seja efetivamente usada. As diferenças dentro do grupo

desaparecem quando se usam médias. O consenso parece ser algo

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pressuposto na análise empírica e não se permite que surja por meio da

análise. Além do mais, os procedimentos de codificação de resposta não

levam em conta que as representações variam segundo o contexto, como

afirma o próprio Moscovici. Essa desconsideração é que permite que os

autores estabeleçam a Representação Social tal e qual” (Leme, 1995, p.

55).

Na verdade, em nível de sociedade, as representações não são consensuais e por isso não há

sentido em dizer que constituem “universos consensuais”, o que só ocorreria em sociedades

simples ou em grupos homogêneos. Mesmo em se tratando de representações em grupos não se

sustenta a idéia de que são consensuais. O próprio Moscovici fornece informações sobre isto em

sua pesquisa sobre a Representação Social da Psicanálise, tal como se vê na divergência entre

católicos e comunistas (Moscovici, 1978). Ou seja, a questão do consenso depende do universo

pesquisado e em se trata da sociedade em sua totalidade, as representações não são consensuais.

Por conseguinte, o saber cotidiano não pode ser considerado consensual, tal como postula a

abordagem das representações sociais.

Outra questão consiste no fato de que a concepção de Moscovici e dos representantes da

abordagem das representações sociais acaba se revelando puramente descritiva, apesar de algumas

afirmações em contrário. Ora, o que constitui uma explicação e qual sua diferença em relação à

descrição? Comecemos pela definição de explicação:

“O ato de explicar é aquele no qual o indivíduo comunica aos

outros o que é o fenômeno, o que pressupõe a descoberta de suas

determinações. Assim, a explicação pressupõe a capacidade de

exteriorização, o que significa um domínio sobre as determinações do

fenômeno, o que permite compartilhá-lo com os outros seres humanos.

(...) Esta explicitação das determinações de um fenômeno requer uma

teoria, ou seja, um conjunto de conceitos que dão conta da totalidade de

elementos relacionados em sua ocorrência e através do processo de

fundamentação” (Viana, 2002, p. 125).

A explicação é um trabalho mental de explicitação do que é o

fenômeno, o que pressupõe descobrir suas determinações. Ela pode ser

falsa ou verdadeira, simples ou complexa. A explicação tende a se

aproximar da verdade quando ela se fundamenta em uma teoria. A

própria teoria é uma explicação da realidade. A teoria do valor-trabalho

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de Marx (1988), por exemplo, explica como se constitui o valor de uma

mercadoria. No entanto, uma teoria mais geral pode fundamentar uma

teoria mais particular, e é neste sentido que colocamos que uma

explicação (na verdade, uma teoria mais particular) deve se fundamentar

em uma teoria (no caso, uma teoria mais geral). A explicação

fundamentada em uma ideologia, por sua vez, é falsa, pois seus

pressupostos são uma inversão da realidade. As explicações simples, tal

como colocamos anteriormente, são aquelas fundamentadas em

representações cotidianas, enquanto que as explicações complexas são

fundamentadas em teorias ou ideologias (Viana, 2002, p. 126).

A descrição, ao contrário, se caracteriza por narrar, quantificar, apresentar, nomear,

determinados fenômenos sem lhes explicar (Viana, 2002b)14. Colocar um fenômeno, uma idéia,

num quadro lógico, ou estruturá-lo homologamente ao um modelo formal, não consiste numa

explicação e sim uma descrição.

Quando Moscovici faz sua pesquisa fundadora da abordagem das representações sociais, ele

descreve o fenômeno mas não o explica. Moscovici apresenta uma discussão terminológica e

encaixa as representações sociais na terminologia apresentada. Assim, dizer que o resultado da

pesquisa é representações sociais e que há objetivação e amarração não explica nada. A leitura de

outras pesquisas sobre representações sociais reforça tal conclusão, o que é visível em alguns

“relatos de pesquisa”, apresentados em duas coletâneas sobre representações sociais (Spink,

1995b; Guareschi & Jovchelovitch, 1997)15.

Tendo em vista esta limitação, alguns representantes da abordagem das representações

sociais buscam “complementá-la” com discussão metodológica sobre análise, explicação e

metodologia.

Souza Filho (1995), por exemplo, busca encontrar na análise de conteúdo o método de

análise das representações sociais. Para isto cita o texto de Bardin (1995), clássico no assunto, mas

aproveita apenas uma parte das regras de análise proposta em tal obra, apontando para a

quantificação, mesmo quando passa para a análise do discurso. Assim, na parte em que discute a

análise do discurso em representações sociais o próprio autor admite:

14 “A descrição mais perfeita é a cópia: um modelo que em todos os pontos é idêntico a aquilo da qual é

modelo” (Apostel, 1977, p. 199). 15 Curiosamente, as únicas exceções são as que buscam unir a abordagem das representações sociais com o

marxismo (Guareschi, 1997; Sawaia, 1995).

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“Contudo, a objeção principal que se pode fazer a essa

abordagem é que ela reduz a relação entre os elementos de significado a

forças de ligação, de natureza apenas quantitativa” (Sousa Filho, 1995,

p. 139).

Wofgang Wagner também reconhece esta dificuldade16 e busca superá-la. Ele descarta a

explicação nomológica-dedutiva17 e apresenta a explicação modal como o tipo de explicação

adequada à análise das representações sociais:

“O modelo de explicação modal requer o estabelecimento de uma

relação sintética do tipo se-então entre uma condição ou evento

explicativo, o explanans, e um evento a ser explicado, o explanandum.

Uma proposição é, então, uma explicação modal se: a) existe o fenômeno

q; b) se existe uma relação de implicação entre o fenômeno q e outro

fenômeno p, de tal forma que q implica em p. Essa proposição explica o

fenômeno p pela condição antecedente q, se, e somente se, a implicação

não se mantiver para o contrário de q, não-q. Assim, se qualquer outro

evento Não-q não produz um evento p, se q é um evento que antecede p e

se a implicação é uma relação sintética, podemos chamar esta

proposição uma explicação modal de p por q” (Wagner, 1997, p. 153).

Assim, Wagner busca desenhar o modelo explicativo que explica o fenômeno das

representações sociais e que estas, por sua vez, explicam, isto é, as representações sociais são

explicadas e por produzirem efeitos, também são explicativas. No entanto, este modelo formal pode

parecer convincente, mas só o seria se se aplicasse a fenômenos reais. Iremos aplicá-lo a alguns

exemplos de fenômenos reais para constatar que ele não explica e se limita a descrever.

Existe o fenômeno/q (difusão social da psicanálise), relacionado

com outro fenômeno/p (representações da psicanálise). A difusão da

16 “Ao mesmo tempo que estamos suficientemente seguros sobre a descrição do fenômeno, ou seja, o que

podemos considerar ou não como uma representação social, o mesmo já não pode ser dito sobre aquilo que a teoria das representações sociais realmente explica” (Wagner, 1997, p.150).

17 A explicação nomológica-dedutiva, assim como outras formas de explicação (probabilística, teleológica, estruturalista) são, na verdade, formas refinadas de descrição dos fenômenos, sem fornecer-lhes uma explicação verdadeira (Viana, 2002b). Pode-se considerar estranho colocar a “explicação nomológica-dedutiva” como mera descrição, mas, no entanto, esta posição é compartilhada por outros pesquisadores: “o conceito de explicação é ambíguo: para alguns o enunciado de leis gerais constitui uma explicação que se basta a si mesma, se pelo menos essas leis estão precisamente controladas e apresentam o caráter preditivo que se está no direito de esperar duma lei; para outros, pelo contrário, o enunciado das leis mantém a ciência no nível descritivo, e a explicação reenvia à procura das causas (...)” (Gréco, 1976, p. 83).

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psicanálise/q implica as representações da psicanálise/p. O fenômeno/q

(difusão da psicanálise) explica fenômeno/p (representações da

psicanálise), pois não-q (a não-difusão da psicanálise) não produz evento

p.

Ou:

Existe o fenômeno/q (violência concreta), relacionado com outro

fenomeno/p (representações da violência). A violência concreta/q implica

representações da violência/p, pois não-q não produz evento p.

Ou ainda:

Existe o fenômeno q (grupos fascistas), relacionado com outro

fenômeno/p (idéias fascistas). Os grupos fascistas implicam idéias

fascistas, pois não-q (grupos comunistas, anarquistas, liberais, pacifistas,

etc.) não produz p.

Este modelo “explicativo” é demasiado simplista e tem sua origem na “explicação

probabilística”, derivado da indução, e que, na verdade, é apenas uma descrição18. Dizer que os

grupos fascistas produzem idéias fascistas, ou que as representações da violência ou da psicanálise

são produtos da violência concreta e da difusão social da psicanálise não explica nada. Isto se

apresenta num nível de generalidade tão elevado e ao mesmo tempo tão limitativo que não tem

valor explicativo algum. Um estudo sobre as representações sociais começa e termina sem ir

adiante, devido ao próprio limite da pesquisa, que tem um objeto isolado e, portanto, limitado, de

estudo19.

O nível de generalidade na pesquisa de Moscovici, por exemplo, se observa em que se trata

da difusão social da psicanálise e das representações da psicanálise. Na verdade, a difusão social da

psicanálise é apenas uma condição de possibilidade das representações da psicanálise, ou seja, tal

difusão provoca a representação, mas não o seu conteúdo, ou seja, determinado tipo de

representação, além de não dizer por qual motivo foi produzido este tipo de representação. O

mesmo ocorre com o exemplo da violência concreta e representações da violência. Ora, a violência

concreta é condição de possibilidade das representações da violência, mas não explica que tipo de

18 Wagner e os demais representantes da abordagem das representações sociais se inspiram na discussão

metodológica da psicologia, já que Moscovici e a maioria dos seus colaboradores são psicólogos, e por isso não trabalham com a explicação tal como trabalhada nas ciências sociais, especialmente por Durkheim, Weber e Marx (Viana, 2002b).

19 Uma explicação provoca a necessidade, depois de realizada, de outra explicação ad infinitum. Isto fica impossibilitado seja por um modelo de análise limitado, seja pela delimitação rígida de um objeto de pesquisa, provocando seu isolamento.

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representações e por qual motivo. Somente saindo do nível das afirmações genéricas e óbvias é

possível ultrapassar a descrição e realizar uma explicação.

Da mesma forma, dizer que os grupos fascistas produzem idéias fascistas não é nada mais do

que uma obviedade. É uma descrição e não uma explicação. Para chegar a uma explicação seria

necessário ultrapassar a relação limitada grupos fascistas-idéias fascistas.

Isto quer dizer que a “explicação modal”, mesmo se prendendo ao modelo monocausal da

“explicação nomológica-dedutiva” que combateu, fica, como esta, no nível da descrição20.

Spink também busca sustentar o rigor metodológico da abordagem das representações

sociais. Para isso ela discute, principalmente, a questão da objetividade:

“A crítica – ora velada, ora explícita – feita ao programa de

pesquisa que se desenvolve ao redor da noção de representações sociais

subsume a crítica mais geral feita aos métodos qualitativos como um

todo: a qualidade hermenêutica da análise; a falta de rigor dos métodos

utilizados; a impossibilidade – para não dizer indesejabilidade – de

explicações causais, em resumo, a falta de rigor e objetividade” (Spink,

1995)21.

A objetividade é “produto do consenso da comunidade científica” (Spink, 1995; Spink,

1997), regida, portanto, pelo signo da intersubjetividade. Ora, tal definição de objetividade não tem

base de sustentação a partir de uma teoria crítica da sociedade. O consenso na comunidade

científica não significa “verdade”, e, se assim fosse, não haveria mudanças na concepção de

verdade, o que ocorre na realidade. Aqui a objetividade se transforma em intersubjetividade e perde

todo o seu sentido. No sentido positivista clássico, objetividade significa “adequação da idéia ao

objeto” e no sentido marxista significa consciência correta da realidade (Lukács, 1989). Ou seja,

temos, de um lado, a redução da objetividade ao objeto (idéia = objeto) e no outro sua redução ao

sujeito (objetividade = intersubjetividade, consenso subjetivo da comunidade científica). Na

20 Moscovici parece reconhecer isto: “sejam quais forem as razões, o fato é que apenas uma descrição

cuidadosa das representações sociais, sua estrutura e sua evolução em vários campos, poderá possibilitar sua compreensão; e uma explicação válida só poderá emanar de um estudo compreensivo destas descrições” (apud, Spink, 1995, p. 106). Ele também coloca várias vezes em evidência a influência da fenomenologia e sua idéia de realizar “descrição fenomenológica” deixa isto claro.

21 Esta “indesejabilidade” ou “impossibilidade” de explicação “causal” é uma constante na psicologia: “devemos agora abordar de frente o problema central da epistemologia psicológica, que é o da explicação. A discussão ordena-se aqui em dois debates, que se podem enunciar de maneira lapidar na forma ‘explicar ou descrever’ e ‘procura das causas ou estabelecimento das leis’. Sabe-se que o positivismo rejeitou como ‘metafísica’ a procura das causas. Sabe-se igualmente que neste ponto o pensamento científico não o acompanhou de modo algum, e que utiliza constantemente uma causalidade racional, que nada tem de mágico ou metateórico” (Gréco, 1976, p. 82).

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concepção marxista, temos uma visão diferente, mais complexa, temos o reconhecimento de que a

verdade só poder ser uma expressão, o que significa uma consciência, por um lado, e uma

realidade, por outro. Mas aqui não ocorre a “separação metafísica entre sujeito e objeto” tal como

criticada por Lukács (1989) e Korsch (1977). As próprias categorias de objetividade e subjetividade

são produtos desta separação metafísica e o subjetivismo e o objetivismo são, por conseguinte,

concepções metafísicas derivadas desta ideologia. A realidade, nesta concepção, é externa ao

indivíduo, mas não lhe é inacessível. A consciência humana é sua expressão, que, no entanto, pode

ser ilusória ou verdadeira. São as próprias relações sociais que provocam a consciência ilusória. A

consciência correta da realidade tem como condição de possibilidade determinadas relações sociais,

determinados interesses e valores. Ou seja, a verdade (ou “objetividade”) não é um processo de

simples adequação da idéia ao objeto e nem simples produto de consenso ou intersubjetividade e

sim um processo social no qual se impede (consciência ilusória) ou provoca (consciência correta) o

acesso ao real.

Sendo assim, a intersubjetividade, ou o consenso na comunidade científica, não podem ser

critério de verdade ou de objetividade, pois “as idéias dominantes são as idéias da classe

dominante” (Marx & Engels, 1988). Além disso, a abordagem das representações sociais não

consegue nenhum consenso no interior da comunidade científica (aliás, seria necessário descobrir

algo de consensual no interior desta...). Sendo assim, este fundamento da objetividade da

abordagem das representações sociais se torna insustentável.

Passemos, agora, para uma crítica de algumas concepções presentes na abordagem das

representações sociais. Aqui podemos colocar a contribuição de Sawaia (1995), ele mesmo um

representante desta abordagem. Segundo este autor, Moscovici elaborou o conceito de

representações sociais para colocar ênfase no sujeito que produz a representação como um ser

criativo e ativo, contrapondo-o à concepção cognitivista que o colocava com um ser passivo. No

entanto, aqui reside um problema na teoria das representações sociais:

“A teoria das representações sociais de Moscovici oferece uma

poderosa alternativa de estudo ao privilegiar os mecanismos

sociocognitivos que intervêm no processo de produção do conhecimento,

mas sua concepção de sociedade e história não explica por que tornam-

se hegemônicos os conhecimentos que favorecem a servidão e a

instrumentalização do ser humano, como, por exemplo, idéias que

enaltecem o ‘ter’ em detrimento do ‘ser’ e os conhecimentos fundados na

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superioridade de uma raça, classe ou sexo ou no interesse de um grupo

quantitativamente minoritário” (Sawaia, 1995, p. 77).

Assim Sawaia reconhece que a abordagem das representações sociais ofusca a relação de

dominação e exploração existente na sociedade, pois toma tais representações como criações

autônomas e sem ligação com o poder. Aqui reside um problema fundamental na teoria das

representações sociais. Ela toma a sociedade como um conjunto composto por grupos diferenciados

mas que não se relacionam através do processo de dominação e exploração, pois este processo não

é nunca citado e enfatizado. Desconhecer o processo de dominação e exploração na sociedade

moderna nos faz perder de vista os elementos fundamentais da constituição e reconstituição desta

mesma sociedade e por isso tal processo deve estar presente na análise das representações que são

constituídas e reconstituídas nesta sociedade.

Outro elemento, relacionado a este, também se encontra no fato de que a abordagem das

representações sociais deixar de lado a importância explicativa das classes sociais, grupos sociais e

seus conflitos no processo de elaboração do saber cotidiano.

A teoria das representações sociais cai naquilo que Bauman (1977) critica na sociologia. Ele

destaca que a sociologia realiza uma separação com o senso comum (representações cotidianas),

colocando-o como saber popular e não-científico, mas reproduz o mesmo procedimento dele, ou

seja, toma a sociedade como algo “objetivo”, como uma “segunda natureza” e, desta forma, como

algo coisificado, tal como a idéia de fatos sociais em Durkheim. Mas ao lado desta sociologia

objetivista e reificante surge a influência da fenomenologia e existencialismo que a faz mudar de

foco e de visão sobre o senso comum, tal como no caso da sociologia de Alfred Schutz:

“Em vez de tentar, em vão, apreender a realidade social, devemos

voltar a nossa atenção para a estrutura do processo que gera a nossa

crença em tal ‘realidade’ – partindo do único conhecimento certo que

nos é dado não problematicamente, isto é, um conhecimento derivado

diretamente do mundo da vida de todos os dias. (...). Schutz não pede à

sociologia que seja crítica do seu objeto. Ele convida-a unicamente a ser

crítica do seu próprio conhecimento desse objeto e da maneira como

chegou a esse conhecimento. Na verdade, exatamente como os seus

oponentes durksonianos, Schutz impede a priori, por uma abrupta

decisão metodológica, a possibilidade mesma de uma crítica dirigida

para o objeto” (Bauman, 1977, p. 112).

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A possibilidade de aplicação desta crítica à abordagem das representações sociais se torna

ainda mais visível quando se vê o reconhecimento por parte de diversos representantes dela de sua

dívida para com a fenomenologia.

“Moscovici reconhece amplamente que ao enfatizar o poder de

criação das representações sociais, acatando sua dupla face de

estruturas estruturadas e estruturas estruturantes, inscreve sua

abordagem entre as perspectivas construtivistas. Inscreve-a, bem dizer,

no movimento maior aqui denominado de desconstrução da retórica da

verdade. Aponta, inclusive, para a simultaneidade, ou até mesmo

anterioridade, de sua obra ‘Representação Social da Psicanálise’ (1961)

e da obra de Berger e Luckmann (1966) que cunhou a perspectiva

denominada de ‘construção social da realidade’”(Spink, 1997, p. 120)22.

Ora, novamente a crítica de Bauman se aplica à abordagem das representações sociais:

“O drama da construção social da realidade é, do princípio ao

fim, representado no palco intelectual. Os membros da sociedade só

aparecem neste palco como entidades epistemológicas, sendo o resto dos

seus atributos irrelevantes e, por conseguinte, não invocados como

fatores explicativos” (Bauman, 1977, p. 119).

Desta forma Bauman realiza uma crítica simultânea das representações cotidianas e da

sociologia. Ele considera que em seu lugar deve nascer uma sociologia crítica, fundada na razão

emancipadora. Tal razão emancipadora realiza a crítica do cotidiano e das representações erigidas a

partir dele. Daí a oposição entre a sociologia crítica, a razão emancipadora, e o senso comum e a

sociologia fundada na razão técnico-instrumental. Segundo ele:

“É por esta razão que a crítica destinada a emancipar o homem

está condenada a considerar o senso comum como obstáculo. O senso

comum só pode cumprir suas funções cognitivas e emocionais na medida

em que consegue fechar os olhos às ‘realidades alternativas’. Todo o

poder de convicção que o senso comum possa apresentar assenta, em

última análise, na pressuposição de que a realidade transmitida pelo

22 Uma síntese da tese de Berger e Luckmann pode ser vista na seguinte afirmação: “O mundo da vida

cotidiana não somente é tomado como uma realidade certa pelos membros ordinários da sociedade na conduta subjetivamente dotada de sentido que imprimem a suas vidas, mas é um mundo que se origina no pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles” (Berger & Luckmann, 1987, p. 36).

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senso comum é a única realidade, enquanto o senso comum é o único

canal através do qual a informação acerca dele pode ser obtida: a

realidade é só uma, e o senso comum é o seu porta-voz. O senso comum,

auxiliado pela ciência tecnicamente orientada que fortalece os seus

achados em conhecimento utilitário, não se poupa, portanto, a esforços

para expor e desmascarar os ‘falsos profetas’ das realidades

alternativas. Como vimos, a linguagem técnico-científica oferece um

número razoável de categorias que têm sido cunhadas com este

propósito” (Bauman, 1978, p. 130-131).

Assim, é preciso reconsiderar o senso comum, ou as “representações sociais”, a partir de um

outro referencial teórico, que reconheça o caráter histórico das representações, não se contendo

diante delas e realizando uma análise crítica, o que nos leva a ver suas relações com a história, com

o processo de exploração e dominação. Encontramos na análise que Marx faz das representações

cotidianas os elementos teóricos capazes de superar as limitações existentes nas análises do senso

comum e das representações sociais.

Por fim, devemos analisar a concepção de representações sociais de Moscovici e compará-la

com as concepções de senso comum. A concepção positivista clássica de senso comum apontava

para a ruptura desta forma de saber com o pensamento científico. A fenomenologia e a sociologia

fenomenológica, por sua vez, passou a considerar o senso comum como saber verdadeiro.

Durkheim também aborda as representações coletivas como se fossem verdadeiras, embora com

certa ambigüidade. Já efetuamos a crítica da fenomenologia e seus desdobramentos sociológicos.

A abordagem de Durkheim e das representações sociais caem nos mesmos equívocos.

Durkheim e Moscovici compreendem as representações sociais como bloco monolítico, como

pensamento verdadeiro. O caso de Durkheim é exemplar pelo fato de sua tese será reproduzida por

antropólogos, sociólogos e por Moscovici. Iremos, aqui, acrescentar a posição do psicanalista Carl

Gustav Jung, devido à semelhança que possui com a posição de Durkheim, a fenomenologia e

Moscovici. Além disso, Jung deixa explícito o que muitos dos adeptos das representações sociais,

senso comum, etc., como formas de pensamento verdadeiro não explicitam.

Jung diz que parte do ponto de vista do “empirismo científico” e que sua psicologia é

“científica”:

“Trata-se de um ponto de vista exclusivamente científico, isto é,

tem como objeto certos fatos e dados da experiência. Em resumo, trata

de acontecimentos concretos. Sua verdade é um fato e não uma

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apreciação. Quando a psicologia se refere, por exemplo, ao tema da

concepção virginal, só se ocupa da existência de tal idéia, não cuidando

de saber se ela é verdadeira ou falsa, em qualquer sentido. A idéia é

psicologicamente verdadeira, na medida em que existe. A existência

psicológica é subjetiva, porquanto uma idéia só pode ocorrer num

indivíduo. Mas é objetiva, na medida em que mediante um consensus

gentium é partilhada por um grupo maior” (Jung, 1987, p. 8).

Este, segundo Jung, é o ponto de vista das ciências naturais. A psicologia, assim, trata as

idéias como a zoologia trata dos animais. “Um elefante é verdadeiro porque existe”. Aqui Jung

utiliza argumento semelhante ao de Durkheim: uma idéia é verdadeira por existir. Ora, uma coisa é

a existência de uma idéia e outra é sua veracidade. A idéia da existência de habitantes em marte

existe, mas nem por isso é verdadeira. A idéia existe, mas não é verdadeira. Da mesma forma, uma

ilusão existe, mas nem por isso deixa de ser ilusão. Isto ocorre pelo motivo de que uma coisa é a

idéia em si, ela existe, e outra é seu conteúdo, que pode ser verdadeiro ou falso. Assim como uma

coisa é o elefante existir e outra coisa é uma idéia existir. O elefante é um ser vivo, que existe de

fato e ninguém questiona isso. Da mesma forma, ninguém pergunta se ele é falso ou verdadeiro,

pois falsidade e verdade são atributos da consciência e não da realidade. Uma realidade não pode

ser falsa ou verdadeira, mas tão somente a idéia que se faz dela. Um indivíduo acredita que sua

idéia falsa é verdadeira e nem por isso a ilusão individual se torna verdade e o mesmo ocorre com

uma ilusão coletiva, que não se torna verdade só por causa de que os seus produtores a pensam

como tal.

Outro argumento de Jung, também defendido por Moscovici, é o da eficácia:

“Se um homem imaginasse que eu sou o seu pior inimigo e me

matasse, eu estaria morto por causa de uma mera fantasia. As fantasias

existem e podem ser tão reais, nocivas e perigosas quanto os estados

físicos” (Jung, 1987, p. 14).

Sem dúvida, as fantasias existem mas nem por isso são verdadeiras. Uma coisa é a existência

da fantasia e outra é sua veracidade. Jung confunde também eficácia de uma idéia com sua verdade

ou realidade. Sem dúvida, a fantasia existe mas nem por isso deixa de ter fundamentos falsos. Ela

existe e provoca ações concretas, reais, mas nem por isso se torna verdadeira. Uma coisa é a

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fantasia e outra é a ação que ela provoca. A fantasia e a ação provocada por ela existem, mas a

primeira é falsa e a segunda é, inclusive, conseqüência de sua falsidade23.

O que discutimos até aqui pode ser suficiente para considerarmos que uma idéia, pelo

simples fato de existir, não significa que seja verdadeira. Também o fato de uma idéia provocar

uma ação não a faz verdadeira, pois ilusões também provocam ações, tal como se vê no exemplo

do próprio Jung. Além disso, o simples fato de que uma pessoa considere sua representação

verdadeira não a faz uma verdade. A verdade é uma categoria do pensamento e não da realidade, é

um problema da consciência e não da existência. As coisas, idéias, seres, existem, mas a categoria

de verdade e ilusão só se aplica a idéias. Se as idéias fossem verdadeiras somente por existir,

estaríamos vivendo num mundo povoado por monstros, seres sobrenaturais, extraterrestres, super-

heróis, unicórnios, centauros e milhares de outros produtos da mente humana.

Considerar que as ilusões não existem é, do ponto de vista teórico e metodológico, jogar fora

uma parte da realidade humana, contida na esfera da consciência, e não entender milhares de

fenômenos sociais, como representações, ações derivadas de representações ilusórias, etc.

A abordagem das representações sociais cai, assim, em uma concepção ingênua do saber

cotidiano e reproduz os mesmos equívocos e procedimentos da sociologia fenomenológica.

23 Mais adiante veremos que Marx fornece um exemplo parecido com o de Jung e qualifica a representação

de ilusória, pois este nunca foi um promotor de confusão entre representação e realidade. Aliás, confusão que realizam até na interpretação da concepção marxista de ideologia. Spink, por exemplo, afirma que a ideologia “não pode mais ser vista como ilusão, mistificação ou falsa consciência; precisa ser vista como instrumento de dominação” (Spink, 1997, p. 119). Tal idéia, também defendida por Rouanet (1978) quando trabalha o imaginário na perspectiva de Althusser e Gramsci, sustenta a incompatibilidade entre a função de dominação e o caráter ilusório de uma representação. Ora, a dominação para se sustentar, precisa da ilusão dos dominados e, por conseguinte, não tem o menor fundamento tal tese, o fato de ser ilusório não torna menos eficaz uma idéia, desde que ela seja tomada como verdadeira, aliás, tal como a entende a abordagem das representações sociais.

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TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS

Tendo em vista as limitações da idéia de senso comum e representações sociais, precisamos

buscar um outro conceito que expresse a complexidade do fenômeno que iremos pesquisar.

Julgamos encontrar na obra de Marx e de alguns de seus sucessores elementos fundamentais para

compreender o saber cotidiano. O termo chave que iremos utilizar é o de representações cotidianas,

tal como definiremos adiante.

Marxismo e Representações Cotidianas

O marxismo apresenta uma concepção diferenciada acerca do saber cotidiano. No entanto,

não há espaço aqui para realizarmos um histórico das contribuições dos diversos marxistas e por

isso optamos por partir da contribuição original de Marx e utilizar apenas os aprofundamentos

significativos feitos a ela. Isso se deve ao fato de que muitos marxistas posteriores se limitaram a

reproduzir as idéias de Marx e outros reproduziram alguns elementos e

acrescentaram/aprofundaram outros. Dentre estes, alguns realizaram desdobramentos significativos

e coerentes com a teoria original e serão estes que buscaremos utilizar aqui. Aqueles que

produziram desdobramentos pouco significativos ou incoerentes com a teoria original, deixaremos

de lado.

O surgimento do marxismo está intimamente ligado ao surgimento e desenvolvimento do

movimento operário (Korsch, 1977; Therborn, 1974; Viana, 1995)35. No entanto, o processo de

aproximação de Marx- Engels com o movimento operário na foi feito de um salto só. Marx,

inicialmente, se dedicava a realizar uma “filosofia crítica” no interior da cultura filosófica alemã. O

seu criticismo era demasiado filosófico e carecia de uma base social, embora fosse retomado

posteriormente em bases amplas e concretas. O desenvolvimento das lutas sociais, do movimento

operário, bem como suas expressões culturais (socialismo utópico, principalmente), combinado

com a erudição e amplo conhecimento da filosofia alemã, aliado ao estudo da economia política

35 “A diferença decisiva da situação social do marxismo, se o compará-lo hoje à sociologia acadêmica ou a

correntes do tipo Escola de Frankfurt foi, evidentemente, a união de seus fundadores e o movimento operário revolucionário” (Therborn, 1974, p. 20).

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inglesa, possibilitaram a Marx e Engels construírem sua teoria, mais tarde denominada marxismo

ou materialismo histórico36.

É neste contexto que irá brotar a teoria marxista da consciência e que lhe proporcionou a sua

especificidade. A partir de agora iremos abordar seus elementos que nos ajudam a compreender as

representações cotidianas.

Marx desenvolveu uma complexa teoria da consciência. Ele apresenta as bases reais da

consciência, as suas formas, sua eficácia e sua inserção na dinâmica das lutas de classes. Para Marx

e Engels, a consciência não pode ser outra coisa senão o ser consciente (Marx & Engels, 1991). Por

conseguinte, não há espaço, nesta concepção, para se pensar a consciência como algo autônomo. A

consciência não é separável do ser humano que a desenvolve e este não é um indivíduo isolado e

sim um ser social. Por conseguinte, as representações que os indivíduos elaboram são

representações sobre suas relações com os outros indivíduos ou com o meio ambiente. Segundo

suas próprias palavras:

“As representações que estes indivíduos elaboram são

representações a respeito de sua relação com a natureza, ou sobre suas

mútuas relações, ou a respeito de sua própria natureza. É evidente que,

em todos estes casos, estas representações são a expressão consciente –

real ou ilusória – de suas verdadeiras relações e atividades, de sua

produção, de seu intercâmbio, de sua organização política e social. A

suposição oposta é apenas possível quando se pressupõe fora do espírito

de indivíduos reais, materialmente condicionados, um outro espírito à

parte. Se a expressão consciente das relações reais deste indivíduo é

ilusória, se em suas representações põem a realidade de cabeça para

baixo, isto é conseqüência de seu modo de atividade material limitado e

das suas relações sociais limitadas que daí resultaram” (Marx & Engels,

1991, p. 36)

Aqui temos o ponto básico, fundamental, que é a base real da consciência. Ao criticar a

filosofia alemã, Marx questiona a idéia de uma consciência autônoma, imanente. Se a consciência

não é nada mais do que o ser consciente, então é preciso focalizar este ser. Segundo Marx, este ser

só pode ser os indivíduos vivos, reais, concretos:

36 Tal colocação não significa uma concordância com a concepção de Lênin sobre as “três fontes do

marxismo” (Lênin, 1985), amplamente criticada por Korsch (1977), pois consideramos que a determinação fundamental do marxismo se encontra na experiência do movimento operário, sendo que as “fontes” apontadas de forma “idealista” por Lênin constituem sua determinação formal (Viana, 1995).

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“O fato, portanto, é o seguinte: indivíduos determinados, que

como produtores atuam de um modo também determinado, estabelecem

entre si relações sociais e políticas determinadas. É preciso que, em cada

caso particular, a observação empírica, coloque necessariamente em

relevo – empiricamente e sem qualquer especulação ou mistificação – a

conexão entre a estrutura social e política e a produção. A estrutura

social e o estado nascem constantemente do processo de vida de

indivíduos determinados, mas estes indivíduos não como aparecer na

imaginação própria ou alheia, mas tal e como realmente são, isto é, tal e

como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal e como

desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e

condições materiais, independentes de sua vontade” (Marx & Engels,

1991)37.

Marx coloca que o “ser dos homens” só pode ser “o processo da vida real”. Por conseguinte,

a consciência, as representações, não são nada mais do que uma expressão dos indivíduos sociais,

históricos, concretos.

“A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de

início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o

intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O

representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem

aqui como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo

ocorre com a produção espiritual, tal como aparece na linguagem da

política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc. de um povo.

Os homens soa os produtores de suas representações, de suas idéias, etc.

mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um

determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo

intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais

amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser

consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real” (Marx &

Engels, 1991, p. 37).

37 Nas suas Teses Sobre Feuerbach (cf. Marx & Engels, 1991), Marx diz que o indivíduo é “o conjunto das

relações sociais”.

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Portanto, é na vida real, nas relações sociais concretas, que se formas as representações dos

indivíduos. É na vida cotidiana, no modo de vida dos indivíduos, que se constitui sua consciência,

suas idéias, suas representações. Abordaremos este aspecto com mais profundidade mais adiante.

Por enquanto nos basta destacar que a base real das representações se encontrada na vida real,

concreta, social, cotidiana, dos indivíduos.

Podemos, agora, discutir a relação entre a consciência e a realidade. A consciência, para

Marx, é expressão das relações sociais reais mas não é a mesma coisa que a realidade. Ela é uma

expressão da realidade. A realidade, social ou natural, é independente da consciência. A existência

da realidade independentemente da consciência é um elemento fundamental para a compreensão

das representações e é sua incompreensão por parte das filosofias “subjetivistas” (“idealistas”) que

produz diversos equívocos. A consciência é o ser consciente. Este ser, como já colocamos, é o

indivíduo real, concreto. Mas ele tem consciência de quê? De si mesmo, das relações que ele trava

com os outros seres humanos e com a natureza. No entanto, independentemente da sua consciência,

os outros seres humanos e a natureza existem e é este existente que chamamos de realidade. Por

conseguinte, a realidade não é produto da consciência ou do indivíduo. O indivíduo contribui com a

constituição da realidade (as relações sociais, o meio ambiente) mas não a constitui. A categoria da

realidade, portanto, expressa uma totalidade (um “conjunto”) independente, distinta e exterior à

consciência individual. A realidade social, no entanto, é o conjunto das relações sociais, logo, é

constituída pelo conjunto dos indivíduos associados, enquanto que a realidade natural é o conjunto

da natureza, sendo que o meio ambiente circundante é constituído pelas relações sociais e quanto

mais distante, menor é a influência humana.

No entanto, isto revela, simultaneamente, uma unidade e uma contradição entre consciência

e realidade. A unidade se revela no fato de que a consciência só pode ser consciência da realidade,

mas tal como o indivíduo a vê, o que revela sua contradição, pois ele a vê a partir de sua relação

com ela, e esta, devido à divisão social do trabalho, não é vista em sua totalidade, o que possibilita

a consciência ilusória. São as relações sociais limitadas, provocadas pela divisão social do trabalho,

que possibilitam as representações ilusórias.

É neste contexto que Marx trabalha a questão das representações reais e ilusórias. Elas são a

expressão consciente das relações sociais concretas, mas podem ser “reais” ou “ilusórias”. Isto não

quer dizer que as representações ilusórias não existam, pois elas, enquanto representações, existem,

mas seu conteúdo é ilusório, já que inverte a realidade.

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As representações reais, por sua vez, também existem como representações, mas não são

“reais” por este motivo e sim por que são verdadeiras, ou seja, seu conteúdo é verdadeiro, apresenta

a realidade tal como é.

Isto produz uma posição metodológica que exige se partir da realidade para compreender as

representações e descobrir se são verdadeiras ou ilusórias.

“Totalmente ao contrário do que ocorre na filosofia alemã, que

desce do céu à terra, aqui se ascende da terra ao céu. Ou, em outras

palavras: não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou

representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados ou

representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso;

parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida

real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos

ecos desse processo de vida. E mesmo as formações nebulosas no

cérebro dos homens são sublimações necessárias do seu processo de vida

material, empiricamente constatável e ligados a pressupostos materiais.

A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, assim como

as formas de consciência que a elas correspondem, perdem toda a

aparência de autonomia. Não têm história, nem desenvolvimento; mas os

homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio

material, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os

produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a

vida que determina a consciência” (Marx & Engels, 1991, p. 37).

Desta forma, não se parte da representação para compreender a realidade e sim da realidade

para se compreender a representação. E isto se torna uma “exigência metodológica”38.

Posteriormente, Marx irá detalhar a relação entre estas representações e as classes sociais.

Iremos abordar este aspecto de forma mais aprofundada mais adiante, mas colocaremos aqui um

elemento importante para compreender as formas de representações cotidianas. Dois pensadores

marxistas contribuíram para se pensar uma outra forma de representações, além das verdadeiras e

ilusórias:

38 Para Marx, “a distância entre a existência (‘a vida’) e consciência introduz de nova esta exigência

metodológica: dar mais importância à situação real do que à consciência, muitas vezes deformada, desta situação. Examinar mais a atividade do que a opinião” (Lapassade, 1975, p. 175).

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“A classe operária cria, pois, a partir da sua situação uma

‘consciência’, insuficiente é certo, para abalar a dominação do capital

(...) mas que comporta talvez formas embrionárias ou elementos do que

se chama consciência de classe ou consciência revolucionária” (Reich,

1976, p. 14).

O que Reich coloca é que existem, na consciência da classe operária, “formas embrionárias”

de consciência revolucionária. Isto pode ser complementado com a afirmação de Gramsci:

“O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma

clara consciência teórica desta sua ação, que, não obstante, é um

conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer,

inclusive, que a sua consciência teórica esteja historicamente em

contradição com o seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas

consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma, implícita

na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na

transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita

ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica” (Gramsci,

1987, p. 20).

A idéia de uma consciência contraditória, apresentada por Gramsci em outras passagens, e a

de Reich, no permite pensar em representações contraditórias, que possuem elementos verdadeiros

e falsos, de afirmação e negação da realidade existente. Assim, podemos observar três formas de

representações: reais, ilusórias e contraditórias.

Após observarmos a existência de diversas formas de manifestação das representações

cotidianas no que se refere ao seu conteúdo (verdadeiro, falso, contraditório)39, passemos a

observar o papel das representações cotidianas na realidade concreta.

Muitos intérpretes de Marx irão afirmar que para ele a consciência é apenas um epifenômeno

da “base material”. Esta interpretação é, no entanto, equivocada. Para Marx a consciência é

simultaneamente expressão e projeção, determinada e mobilizadora. Várias afirmações de Marx e

39 Devemos abrir um parêntesis para colocar que falar em representações ilusórias não quer dizer que seja

completamente falso, mas sim que o seu núcleo e em sua maior parte é um saber falso. Se fosse totalmente falso seria pura fantasia. O mesmo ocorre com as representações verdadeiras, pois sendo “cotidianas”, tal como definiremos mais detalhadamente mais adiante, não são teorias e por isso não poderiam dar conta da totalidade. Assim, tais representações são, em seu núcleo e maior parte, verdadeiras. Num caso, temos o predomínio do caráter ilusório e noutro do caráter verdadeiro. Nas representações contraditórias temos um equilíbrio, uma contradição interna constante, que as tornam parcialmente verdadeiras e parcialmente falsas.

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Engels confirmam isto. A consciência não é nada mais que o ser consciente, não sendo, então,

apenas “reflexo” do mundo mas um resultado da relação do ser humano com ele e nesta relação ela

se forma e se desenvolve, acomodando-se ao mundo e ao mesmo tempo assimilando-o, sendo o seu

resultado e ao mesmo tempo contribuindo para sua constituição.

No pensamento marxista, o caráter ativo e passivo da consciência foi abordado sob diversas

formas. Iremos analisar, inicialmente, o aspecto ativo das representações para posteriormente

apontar o aspecto passivo.

As representações, reais, contraditórias ou ilusórias, cumprem um papel na história. Não são

meros “epifenômenos” mas fenômenos derivados que provocam outros fenômenos. Marx enfatiza,

geralmente, o caráter passivo das representações. No entanto, ele também considera o seu caráter

ativo, formador de ações, atividades, etc. Mesmo as representações ilusórias são mobilizadoras:

“Se alguém acredita possuir 100 táleres*, se essa não é para ele

apenas uma representação arbitrária, subjetiva, se ele acredita nela,

então os 100 táleres imaginados têm para ele o mesmo valor que 100

táleres reais. Por exemplo, ele contrairá dívidas em função desse seu

dado imaginário, o qual terá uma ação efetiva: foi assim, de resto, que

toda a humanidade contraiu dívidas contando com seus deuses”(Apud.

Lukács, 1979, p. 13).

A representação ilusória, para o seu produtor, é verdadeira e, por isso, o faz agir. Este caráter

ativo não se revela apenas do domínio das idéias, mas através de sua ação sobre a própria realidade,

pois as representações, tal como deixa ver o texto citado de Marx, de um indivíduo o fazem agir de

determinada forma40.

Marx afirmou que “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o

cérebro dos vivos” (Marx, 1986, p. 17). As ilusões, bem como as ficções e fantasias, formas de uso

consciente das ilusões, possibilitam a ação:

“Inteiramente absorta na produção de riqueza e na concorrência

pacífica, a sociedade burguesa não mais se apercebia de que fantasmas

* Moeda alemã da época (século 19). 40 “Bem enganados andaríamos se julgássemos poder circunscrever à esfera da consciência ou ao domínio

teórico, que fundamentalmente, quer em última análise, a intervenção social dos diversos ingredientes ideológicos”; “a função ideológica é eminentemente prática. Não só porque deriva da prática e sob formas variadas a reflete, como também é porque é no domínio da prática, encarnada segundo graus de consciência diversos por agentes sociais, que ela visa produzir e produz efeitos” (Moura, 1978, p. 57). Aqui se coloca uma posição que compreende a concepção de Bourdieu, segundo a qual as representações seriam “estruturas estruturadas” e ao mesmo tempo “estrutura estruturantes”, mas indo além dela, pois também teria um papel prático, mobilizador.

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dos tempos de Roma haviam velado seu berço. Mas, por menos heróica

que se mostre hoje esta sociedade, foi não obstante necessário heroísmo,

sacrifício, terror, guerra civil e batalhas de povos para torná-la uma

realidade. E nas tradições classicamente austeras da república romana,

seus gladiadores encontraram os ideais e as formas de arte, as ilusões de

que necessitavam para esconderem de si próprios as limitações

burguesas do conteúdo de suas lutas manterem seu entusiasmo no alto

nível da grande tragédia histórica. Do mesmo modo, em outro estágio de

desenvolvimento, um século antes, Cromwell e o povo inglês haviam

tomado emprestado a linguagem, as paixões e as ilusões do Velho

Testamento para sua revolução burguesa. Uma vez alcançado o objetivo

real, uma realizada a transformação burguesa da sociedade inglesa,

Locke suplantou Habucuc. A ressurreição dos mortos nessas revoluções

tinham, portanto, a finalidade de glorificar as novas lutas e não a de

parodiar as passadas; de engrandecer na imaginação a tarefa a cumprir,

e não de fugir de sua solução na realidade; de encontrar novamente o

espírito da revolução e não de fazer o seu espectro caminhar outra vez”

(Marx, 1986, p. 19).

Sem dúvida, as representações ilusórias, mesmo tendo fundamento nas necessidades práticas,

são forças propulsoras, motores da ação social, luta prática. O sentido da luta pode ser a

conservação ou a transformação, mas o que é preciso destacar é que as representações produzem

ações, e não apenas outras representações, ou interpretação da realidade. Estas teses de Marx serão

desenvolvidas, de maneiras e com ênfases diferentes, por diversos marxistas ou influenciados pelo

marxismo, sendo que destacaremos cinco: Georges Sorel, Antonio Gramsci, Ernst Bloch, Karl

Korsch e Bertrand.

Sorel compreendia a capacidade mobilizadora das idéias e via nelas uma força propulsora da

luta revolucionária. Ele a partir desta idéia concentrou sua tese política no mito da greve geral,

compreendendo o mito como mobilizador e a idéia de greve geral o caminho para o proletariado

realizar sua emancipação.

“Devemos interrogar os homens que tomam uma parte muito ativa

no movimento realmente revolucionário no seio do proletariado, que não

aspiram em nada a subir na burguesia e cujo espírito não é dominado

por preconceitos corporativos. Esses homens podem se enganar sobre

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uma infinidade de questões de política, de economia ou de moral; mas

seu testemunho é decisivo, soberano e irreformável quando se trata de

saber quais são as representações que agem sobre eles e seus camaradas

da maneira mais eficaz, que possuem, no mais alto grau, a faculdade de

se identificar com sua concepção socialista, e graças às quais a razão, as

esperanças e a percepção dos fatos particulares parecem não constituir

senão uma única e indivisível realidade. Graças a eles, sabemos que a

greve geral é exatamente o que eu digo: o mito no qual o socialismo se

fecha por inteiro, isto é, uma organização de imagens capazes de evocar

instintivamente todos os sentimentos que correspondem às diversas

manifestações da guerra empreendida pelo socialismo contra a

sociedade moderna. As greves geraram no proletariado os sentimentos

mais nobres, mais profundos e instigadores que ele possui; a greve geral

os reúne todos num quadro de conjunto e pela aproximação deles dá a

cada um o máximo de intensidade; apelando para lembranças muito

vivas de conflitos particulares, ela colore com intensa vida todos os

detalhes da composição apresentada à consciência. Obtemos assim essa

intuição do socialismo que a linguagem não poderia dar de maneira

perfeitamente clara – e a obtemos num conjunto percebido

instantaneamente” (Sorel, 1993, p. 107-108).

Ernst Bloch também irá trabalhar a força propulsora das representações. Bloch irá destacar a

importância da utopia como força propulsora da transformação. Bloch distingue os “sonhos

noturnos”, analisador por Freud, dos “sonhos diurnos”, as fantasias conscientes dos seres humanos

quando acordados. É neste último que ele verá a utopia, o desejo de uma nova vida, que tem um

papel fundamental na própria constituição da possibilidade de uma nova realidade. No entanto,

visando se afastar de confusões a respeito de sua teoria41, ele destaca a existência de representações

mistificadoras, voltadas para o passado e sua repetibilidade no futuro, que não constituem forças

transformadoras e as utopias, formas do ainda-não-existente. Mas ele também identifica as “utopias

41 “Para o próprio Bloch, estava claro que sua teoria da antecipação, como também o conceito de função

utópica, corriam perigo de ser mal entendidos ou confundidos com representações mistificadoras. Exatamente por isso, ele tenta se distanciar mais ainda de superstições, situações de vidência e charlatanices psíquicas de qualquer espécie. O ponto de diferenciação entre uma representação antecipadora autêntica e uma falsa é, aqui também, a presença do novo, ou seja, que a fantasia contenha um conteúdo novo” (Bicca, 1987, p. 85)

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abstratas” das “utopias concretas”42, sendo as primeiras mobilizadoras mas geralmente ineficazes,

pois sua concretização não está de acordo com as condições históricas existentes na época de sua

produção, e as segundas são possibilidades concretas que possuem uma força mobilizadora

concretizável. Assim, a função do pensamento utópico é a transformação social:

“Depois de ter visto a primeira função do pensamento utópico

(manifestar aos outros a existência do possível através das tendências do

real) e a segunda (permitir à inteligência visualizar o real de maneira a

descobrir as perspectivas da sua transformação), chegamos à terceira

função do pensamento utópico: introduzir a exigência de radicalidade.

Ao tornarmo-nos conscientes das imperfeições deste mundo, a utopia

concreta aponta e chama a atenção para uma realidade transformável.

(...). A utopia nos devolve ao presente, mas com o ímpeto da esperança,

isto é de uma fé no novo possível. A utopia não é mais um jogo

intelectual, um sonho, uma obra de arte. É uma idéia-força que provoca

o nosso entusiasmo; excita as nossas aspirações e nos faz voltar para

uma ação eficaz, comprometida, audaciosa” (Furter, 1974, p. 150).

A utopia concreta, portanto, possui um papel no processo de transformação social. No

entanto, se pode pensar que isto é um papel de uma concepção política e não como Bloch via as

utopias existentes e seu papel social. Bloch considerava não apenas a utopia concreta como força

propulsora das transformações, mas todas as formas de utopias sociais. É o que se vê, por exemplo,

em seu estudo sobre Thomas Münzer e guerra camponesa na Alemanha. Para ele, é preciso superar

o “economicismo” de certas análises marxistas e ver o papel das idéias, do ardente desejo de viver

numa sociedade na qual o “homem não seja o lobo do homem” (num “Império Fraternal”), tal como

o próprio Marx percebeu (Bloch, 1973, p. 48). Para Bloch, a consciência da carência humana “não

se esgota em si mesma; impulsiona para o movimento de busca de satisfação da carência”

(Albornoz, 1985, p. 22).

42 “O exemplo de muitas utopias sociais mostra exatamente como, também numa utopia abstrata, a função

utópica está presente, mas de modo imaturo, acrítico, quando se salienta o aspecto de sua capacidade de realização em relação à época de sua concepção. Por outro lado, entretanto, isso nunca impediu que elas manifestassem suas respectivas ‘incumbências do futuro’, isto é, que esboçassem com nitidez, dentro de sua especulação entusiástica, verdadeiros traços, dimensões e características de etapas social-históricas ainda por vir. Bloch insiste sobre o fato de que o caráter abstrato de tais utopias sociais baseiam-se em sua falta de percepção do realmente possível, porque apenas através da ‘ciência da tendência’, inaugurada por Marx, a utopia é capaz – para efeito mesmo de sua realização – de colocar-se concretamente à altura de seu tempo” (Bicca, 1987, p. 85).

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Gramsci também irá conceber o papel ativo das representações. As representações servem

tanto para conservar quanto para transformar a realidade. A idéia de hegemonia e de ideologia

como “cimento da vida social” coloca o papel das idéias e representações no processo de

constituição e reconstituição do real. Gramsci não só coloca teoricamente43 o papel das

representações mas também historicamente. Ele destaca o papel do cristianismo (“ingênuo” e não o

“jesuitizado”) que, com suas crenças na imortalidade da alma e paraíso, foi a “mola propulsora” de

um intenso trabalho de “aperfeiçoamento interno” e “elevação espiritual”, sendo o verdadeiro

impulso para o individualismo.

“Mas o calvinismo, com a sua férrea concepção da predestinação

e da graça, que determina uma vasta expansão do espírito de iniciativa

(ou torna-se a forma deste movimento), é ainda mais expressiva e

significativa” (Gramsci, 1987, p. 25).

Karl Korsch (1977), por sua vez, irá apresentar uma crítica às concepções pretensamente

marxistas da Segunda Internacional e, posteriormente, da Terceira Internacional. Korsch rompe

com o economicismo, e tal como Lukács (1989), irá destacar a importância da totalidade histórica e

social, em contraposição ao economicismo do marxismo vulgar.

“Nas Teses Sobre Feuerbach, o jovem Marx opôs o seu novo

materialismo não só ao idealismo filosófico, mas também, como o mesmo

vigor, a todo o materialismo precedente; da mesma forma, também Marx

e Engels acentuaram em todas as suas obras posteriores a oposição entre

o seu materialismo dialético e o materialismo vulgar, abstrato e não-

dialético, e tiveram, em particular, sempre consciência de que é

precisamente para a interpretação teórica e tratamento prático das

chamadas realidades espirituais (ideológicas) que esta oposição assume

uma importância especialmente grande. ‘É efetivamente muito mais

fácil’, diz Marx a propósito das representações intelectuais em geral e do

método de uma história da religião verdadeiramente crítica em

particular, ‘descobrir por meio da análise o núcleo terreno das

concepções nebulosas das religiões do que, inversamente, revelar, a

partir das condições reais de vida, as formas etéreas que estas revestem.

43 Gramsci realiza sua análise a partir da distinção atribuída à Marx entre “estrutura” e “superestrutura”,

buscando contestar o economicismo. Daí Gramsci valorar a ideologia (expressão que não tem o mesmo sentido que em Marx, tal como colocaremos adiante) e analisá-la de acordo com sua eficácia. “A ideologia contribui para ‘cimentar e unificar’ o bloco social” (Hall, Lumley & McLennan, 1983, p. 63).

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Este último método é o único materialista e, por conseguinte, científico’.

Ora, uma prática revolucionária que se limitasse a uma ação direta

contra o núcleo terreno das concepções nebulosas da ideologia e já não

se quisesse preocupar minimamente com a revolução e superação destas

próprias ideologias seria naturalmente tão abstrata e antidialética como

um tal método teórico de pensamento que se contenta, à boa maneira de

Feuerbach, com reconduzir todas as representações ideológicas ao seu

núcleo concreto e material” (Korsch, 1977, p. 113-114).

Ao destacar a importância da totalidade, Korsch coloca que as idéias são parte da realidade, o

que implica uma revaloração da filosofia, das ideologias, da teoria, etc., pois elas atuam sobre a

realidade, e estão intimamente ligadas a ela. Ele afirma que muitos marxistas vulgares “nem sequer

in abstracto reconhecem, até hoje, a realidade das formas de consciência sociais, da vida

intelectual” (Korsch, 1977, p. 116-117). Korsch coloca, ao mesmo tempo, a necessidade de

superação destas realidades espirituais, o que foi omitido pela crítica burguesa a seu livro

Marxismo e Filosofia:

“Em vez de expor concretamente e criticar o resultado global

efetivo, revolucionário tanto na teoria quanto na prática, cujo

desenvolvimento e fundamentação todas as análises desta obra visam, ela

realçou unilateralmente o lado supostamente ‘bom’ para o ponto de vista

burguês – o reconhecimento das realidades espirituais – em detrimento

do lado efetivamente mau para esse ponto de vista – a proclamação da

total destruição e superação destas realidades espirituais e da sua base

material pela ação prática e teórica, a um tempo material e espiritual, da

classe revolucionária – e saudou este resultado parcial como um

progresso científico” (Korsch, 1977, p. 13-14).

A grande contribuição de Korsch reside em retomar a concepção marxista de que o mundo

das idéias é parte da realidade e, devido a isto, possui uma força e eficácia prática, bem como a

necessidade de superar as idéias historicamente constituídas pela sociedade capitalista.

O que todos estes pensadores fazem é combater uma versão empobrecida do marxismo,

chamada “economicismo” e que teve no processo de expansão do marxismo, acompanhado por sua

vulgarização, desde fins do século 19 até o início do século 20, no qual se tornou a versão

predominante do marxismo (graças aos partidos social-democratas e a intelectuais como Kautsky,

Bernstein, entre outros, e depois o bolchevismo e a bolchevização dos partidos comunistas, com a

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consolidação do stalinismo) e que se reproduziu em concepções posteriores e também pelos seus

críticos, que preferiam a versão empobrecida por ser mais facilmente refutada. Todos eles colocam

a força ativa das representações, independentemente do fato de serem ilusórias ou verdadeiras.

M. Bertrand irá realizar um estudo interessante sobre as formas como as representações

ilusórias, o imaginário, atua sobre a sociedade. A questão colocada é o da eficácia e força de

determinadas idéias sobre a realidade44. Nas lutas sociais, os seres humanos realizam investimentos,

buscam realizar desejos, concretizar projetos. Obviamente, isto tudo se fundamenta no processo

social real dos indivíduos mas é preciso compreender como as representações ilusórias agem em

determinados momentos históricos. Assim, Bertrand contribui com uma análise de como Marx

abordava os modos de ação das representações ilusórias. Ele apresenta três modos: a idealização, a

identificação e a projeção.

“A idealização é a adesão a um grande ideal: projeto histórico,

luta nobre, cuja implicação deve exceder aos interesses privados –

mesmo se os engloba – e cuja duração deve exceder àquela das

existências particulares. É que nos permite compreender a economia do

sacrifício dos indivíduos por uma grande causa cujo triunfo não verão.

Um ideal dá ao sujeito uma imagem engrandecida, enaltecida de si

mesmo; contém a promessa de uma realização, de uma restauração, que

vai muito além da satisfação de reivindicações, certamente legítimas,

mas limitadas” (Bertrand, 1989, p. 25).

Assim, Bertrand cita os textos de Marx sobre as lutas de classes na Alemanha e França, e o

processo de idealização por detrás delas. Quando uma classe social busca o poder, se apóia em

símbolos, mitos, etc. que “transfigura seus objetivos privados”. A idealização eleva estes objetivos

privados em “universais”, tornando-os nobres não somente aos seus olhos como também aos olhos

de outras classes sociais.

44 “Embora se possa colocar em evidência certas relações entre os processos sociais e as representações, isto

não permite dizer por que, entre tantos sistemas simbólicos compatíveis com estas relações, alguns puderam, num determinado momento, conhecer um sucesso histórico e outros não” (Bertrand, 1989, p. 22). A resposta é a seguinte: “as representações, para serem socialmente eficientes, devem também ser subjetivamente eficientes” (Bertrand, 1989, p. 22). Sem dúvida, algumas idéias de Bertrand são incompatíveis com as teses de Marx e são muito pouco esclarecedoras, mas iremos tomar aqui apenas os modos de ação das representações ilusórias apontados em seu texto, o que não significa concordância com outros elementos presentes em sua abordagem. Também nos parece evidente que tais teses se aplicam a momentos de efervescência política, já que são extraídas de momentos em que uma classe suplanta outra, de acordo com o contexto da afirmação de Marx, embora tendem a se realizar de forma amena em períodos de estabilidade social.

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A identificação é conseqüência desta idealização, pois é ela que permite a união de outras

classes em torno de seus objetivos. A projeção significa colocar em outro grupo, classe, como o

“mal absoluto”, o “inimigo imaginário” ao qual todos devem combater. Todos estes elementos,

estas representações ilusórias, fazem os indivíduos agirem e lutarem45.

Assim, observamos que para Marx e alguns marxistas as representações são ativas, pois são

o ser consciente, e o ser humano é ativo, sendo que sua consciência é a forma dele decidir o que

fazer. Mas além da ação prática, existe o caráter ativo da consciência que se caracteriza pela criação

intelectual. O ser humano cria utopias, fantasias, mundos fictícios; cria métodos para se

aperfeiçoar46; cria outras idéias; interpreta e transforma idéias existentes. Todo este processo

criativo intelectual é ativo, sendo projeções do indivíduo que fornece novas formas e conteúdos ao

processo do pensamento. Desta forma, as representações são ativas, não meramente passivas,

epifenômenos da realidade. São parte da realidade e, sendo verdadeiras ou falsas, influenciam no

desenrolar desta.

Mas não as representações não são somente ativas, podendo também ser passivas. Em nossa

sociedade, veremos a emergência do fetichismo da mercadoria e da consciência coisificada, que se

generaliza por toda a sociedade. Esta forma de consciência apresenta o predomínio da acomodação

sobre a assimilação e se caracteriza por ser receptiva e tomar as relações sociais como sendo coisas,

ou seja, de forma reificada. Mais adiante veremos a importância da consciência coisificada47 para a

teoria marxista da consciência na sociedade capitalista. Aqui faremos apenas algumas breves

observações sobre o caráter passivo da consciência coisificada, fetichista, reificada.

Marx ironiza as representações das coisas como se tivessem vida própria, tal como “mesas

que se movem com suas próprias pernas” (Marx, 1988). O fetichismo da mercadoria consiste

45 Na verdade, apesar do autor citar diversos textos de Marx, estas idéias foram expostas originalmente e

sinteticamente em sua Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (Marx, 1978), quando ele analisa a revolução burguesa, que lança “grandes ideais” (liberdade, igualdade, fraternidade) e assim se apresenta como “representante universal”, buscando o apoio das outras classes sociais, contra a classe reacionária, feudal, na qual se “concentra todo o mal”. No entanto, o que Bertrand se esquece é que Marx distingue esta fabricação de ilusões pela burguesia da constituição proletária de representações, que não são ilusórias, pois no caso da revolução proletária, não se trata de uma idealização discursiva mas prática, pois o proletariado, ao se libertar, realiza a abolição das classes sociais e, por conseguinte, a emancipação humana, o que é um interesse universal e um “ideal nobre”, bem como a identificação, para as outras classes e indivíduos, não é ilusória, já que a libertação será de toda a humanidade e, por fim, a “projeção” do mal no oposto ocorre no que se refere à burguesia, que é o sustentáculo do modo de produção capitalista, o que significa, novamente, não uma fabricação ilusória.

46 O próprio método dialético, segundo Korsch, um instrumento heurístico (1977), é uma produção mental que visa seu próprio aperfeiçoamento visando o processo de análise da realidade.

47 A consciência coisificada é um conceito utilizado por Adorno (1986) e é um desenvolvimento da idéia de reificação de Lukács, embora Marx tenha sido o primeiro a desenvolver a idéia de fetichismo.

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exatamente em transformar o mundo das coisas em mundo humano e o mundo humano em mundo

das coisas, criando uma inversão, no qual o criador se torna criatura e a criatura se torna o criador.

Erich Fromm (1988) irá comparar o fetichismo com a idolatria. O idólatra produz seus ídolos e

depois passa a adorá-los como se fossem entes reais, forças vivas. Lukács (1989) irá tratar do

caráter contemplativo do sujeito na sociedade capitalista, pois cabe à consciência e ao calculo

racional conhecer e prever as leis do desenvolvimento econômico. Adorno (1986) desenvolve um

raciocínio análogo:

“Eu emiti o conceito de uma consciência coisificada. Trata-se

porém de um consciente que rejeita tudo que é conseqüência, todo o

conhecimento do próprio condicionamento, e aceita incondicionalmente

o que está dado” (Adorno, 1986, p. 41).

Este processo de reificação da consciência é mais amplo do que o simples caráter

contemplativo em relação ao mundo concreto, sendo também relativo ao mundo das idéias. A

consciência fetichista também toma as idéias, as representações, como algo objetivo, autônomo,

possuindo vida própria. Utilizando e ressignificando os termos piagetianos de assimilação e

acomodação, podemos compreender o significado disto:

“A concepção piagetiana do desenvolvimento intelectual da

criança parte do pressuposto de que, quanto mais se for ‘objetivo’ e se

desenvolve o pensamento formal, mais desenvolvido é o seu estágio

intelectual. A ‘acomodação’, a palavra em si mesma já é sugestiva,

significa um processo de adaptação da mente humana ao mundo

‘objetivo’, o que significa que o querer, a finalidade, é substituído pela

adaptação. A consciência perde o seu atributo humano que é o seu

caráter ativo e teleológico e torna-se contemplativo, reprodutivo. Isto foi

possibilitado pela separação entre o afetivo e o intelectual realizada por

Piaget. As conseqüências disto para o lado ‘intelectual’ é bastante

evidente: os processos mentais elaborados para analisar a realidade

tornam-se esquemas de adaptação a ela, buscando reproduzi-la como

uma fotografia. Outra conseqüência reside na dificuldade de que esta

forma de pensamento encontra para pensar o novo. Por fim, o querer é

abolido e em seu lugar surge a ‘neutralidade’ e a ‘objetividade’ e assim

aparece a identificação entre ‘inteligência’ e o desinteresse, a

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adaptação, a passividade, enfim, com a acomodação” (Viana, 2000, p.

167).

Este processo de acomodação diante da realidade cria um processo semelhante ao mundo da

cultura, fazendo com que se torne uma contemplação das idéias e representações, deixando de ser

objetivação para se tornar alienação. Assim, as representações podem ser ativas e passivas.

Também observamos sua força quando são ativas, pois não só proporcionam criações culturais

como também ações sociais, transformação da realidade.

Modo de Vida e Representações Cotidianas

Já apontamos alguns elementos das representações cotidianas e de seu processo de formação.

Iremos, aqui, aprofundar o processo de formação das representações cotidianas no interior da

sociedade.

Aqui o conceito fundamental é o de modo de vida. Sem dúvida, este conceito foi utilizado

por Marx não como conceito, enquanto elemento conjuntural do seu discurso, mas abre

perspectivas que, juntamente com os desdobramentos oferecidos por outros autores, permitem

compreender sua importância para se compreender as representações cotidianas.

O conceito de modo de produção é muito mais amplo do que as concepções economicistas

deixam transparecer. Tal como coloca Harrington, Marx considerava o modo de produção

capitalista “não como um constructo econômico determinista, mas como um modo de vida”

(Harrington, 1977, p. 102). O conceito de modo de produção se refere ao modo de vida, a um

conjunto específico de relações sociais:

“O modo pelo qual os homens produzem seus meio de vida

depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e

que têm que reproduzir. Não se deve considerar tal modo de produção de

um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos

indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atividade

dos indivíduos, determinada forma de manifestar sua vida, determinado

modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida,

assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção,

tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os

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indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua

produção” (Marx & Engels, 1991, p. 28).

Esta é a base real sob o qual se ergue a análise marxista da sociedade (Marx & Engels, 1991;

Granou, 1975) e das representações. O capitalismo, por exemplo, constitui um verdadeiro modo de

vida, determinadas formas de atividade, de produzir e reproduzir a existência e um conjunto de

elementos derivados daí. O modo de produção é um modo de vida, o que não quer dizer que o

modo de vida é um modo de produção. O modo de produção é uma parte da sociedade e uma parte

da vida das pessoas, uma parte do modo de vida, portanto. Sendo assim, o modo de vida é um

conceito mais amplo do que o de modo de produção48. O modo de produção não é apenas relação

“econômica” e este é o papel esclarecedor do uso da expressão modo de vida. O modo de vida

constitui a cotidianidade dos indivíduos, e, por conseguinte, fonte de suas representações.

O que é o cotidiano? A vida em sua totalidade. Mas a vida social em sua totalidade não é

vivida pelos indivíduos, que vivem apenas as relações sociais que os circundam, na esfera do

trabalho, dos estudos, do lazer, etc. Vários pesquisadores influenciados pelo marxismo abordaram a

questão do cotidiano (Kosik, 1986; Lefebvre, 1991; Neto & Falcão, 1987; Heller, 1985).

Devemos, primeiramente, entender o que é a vida cotidiana e depois observar suas

características para poder perceber sua relação com as representações cotidianas. O cotidiano é a

totalidade da vida social:

“A vida cotidiana é, em grande medida, heterogênea; e isso sob

vários aspectos, sobretudo no que se refere ao conteúdo e à significação

ou importância de nossos tipos de atividade. São partes orgânicas da

vida cotidiana: a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e

o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a

purificação” (Heller, 1985, p. 18).

Mas quais são as características da vida cotidiana? Netto retoma “as determinações da vida

cotidiana”, tal como apresentadas por Lukács: a) heterogeneidade, um conjunto de atividades

heterogêneas; b) imediaticidade, o indivíduo deve responder ativamente e diariamente, instaurando

uma conduta imediata; c) superficialidade extensiva, o cotidiano, mobiliza as forças e atenção do

indivíduo, mas não pode mobilizar todas as suas forças e atenção, o que faz com que ele atenda a

uma soma dos fenômenos sem observar suas relações.

48 Parte da população não está ligada ao modo de produção dominante (ou aos modos de produção

subordinados), vivendo numa esfera de atividades não ligadas ao processo de produção e reprodução da vida material, tal como as formas jurídicas, políticas, ideológicas, etc. da sociedade.

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“Estas determinações fundamentais da cotidianidade – mais

exatamente: estes componentes ontológico-estruturais da vida cotidiana

– ganham uma importância primária na escala em que, segundo Lukács,

a vida cotidiana é o alfa e o ômega da existência de todo e cada

indivíduo. Nenhuma existência individual cancela a cotidianidade. Daí

que esta imponha aos indivíduos um padrão de comportamento que

apresenta modos típicos de realização, assentados em características

específicas que cristalizam uma modalidade de ser do ser social no

cotidiano” (Netto, 1987, p. 66).

Sem dúvida, a heterogeneidade está presente na vida cotidiana (Netto, 1987; Heller, 1985).

Mas não é este um dos seus elementos mais importantes. A imediaticidade é sem dúvida um

elemento importante da cotidianidade. O imediato impede a reflexão, o pensamento abstrato, a

análise. Ninguém realiza análise, reflexões, cotidianamente. É por isso que na vida cotidiana reina

uma “atmosfera natural”:

“A cotidianidade não significa a vida privada em oposição à vida

pública. Não é tampouco a chamada vida profana em oposição ao mais

nobre mundo oficial: na cotidianidade viva tanto o escriturário como o

imperador. Gerações inteiras e milhões de pessoas viveram e vivem na

cotidianidade como em uma atmosfera natural sem que lhes ocorra à

mente, nem de longe, a idéia de indagarem qual o sentido dessa

cotidianidade” (Kosik, 1986, p. 68).

Assim, temos um primeiro elemento fundamental da vida cotidiana: a naturalização. A vida

cotidiana aparece como natural. Mas o outro elemento apontado por Lukács também se constitui

como elemento fundamental da cotidianidade: a superficialidade. Mas ao invés de superficialidade

preferimos pensar em simplicidade. Como resultado da naturalização e do não questionamento que

lhe acompanha, temos a simplicidade, ou seja, há um processo de simplificação, no qual tudo se

torna simples, sem exigir grandes reflexões e aprofundamentos, sem explicações complexas, sem

trazer a necessidade de ir além do cotidiano.

Um quarto elemento, não presente nas três determinações apontadas por Lukács, se encontra

na regularidade. O cotidiano é o mundo das relações e ações regulares do indivíduo.

“A vida cotidiana é aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos

de todos os dias: é levantar nas horas certas, dar conta das atividades

caseiras, ir para o trabalho, para a escola, para a igreja, cuidar das

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crianças, fazer o café da manhã, fumar o cigarro, almoçar, jantar, tomar

a cerveja, a pinga ou o vinho, ver televisão, praticar um esporte de

sempre, ler o jornal, sair para um ‘papo’ de sempre, etc. ... Nessas

atividades, é mais o gesto mecânico e automatizado que as dirige que a

consciência” (Falcão, 1987, p. 22).

É esta regularidade que vai gerar o pragmatismo apontado por Heller (1985). A ação humana

na vida cotidiana é pragmática, no qual a exigência de respostas constantes produz uma

naturalização, a simplificação e a automação das ações (regularidade).

Assim, podemos dizer que a vida cotidiana se caracteriza como um processo marcado pela

regularidade, naturalidade e simplicidade. Mas resta ainda discutir alguns pontos: como se

constitui, se forma, a vida cotidiana, em uma determinada sociedade? Aqui assume importância a

categoria de totalidade (Lukács, 1989; Korsch, 1977; Marx, 1983), o que nos faz inserir a discussão

sobre a vida cotidiana na totalidade que é a realidade social, uma determinada forma de sociedade.

A cotidianidade é a totalidade da vida social vivida pelos indivíduos.

Isto nos remete à discussão sobre a formação histórica da cotidianidade, e sua relação com a

realidade social que lhe engloba. O que tratamos até aqui foram as características gerais da

cotidianidade. Resta trabalhar isto concretamente, em sociedades concretas, bem como entender o

processo de produção e reprodução da vida cotidiana. “Em cada época histórica os ritmos e as

regularidades da vida cotidiana se distinguem, se tornam diferenciáveis” (Falcão, 1987, p. 23).

Assim, cada sociedade constitui sua forma de cotidianidade. O cotidiano na sociedade

moderna, assim como o de qualquer outra sociedade, é marcado pela naturalização, simplificação e

regularidade. No entanto, cada sociedade possui um cotidiano que lhe é próprio e a naturalização,

simplificação e regularidade são de formas diferentes de relações sociais. Mesmo em uma mesma

sociedade, podemos pensar que o cotidiano não é exatamente o mesmo. “A vivência e experiência

da cotidianidade também é diferenciável segundo os grupos ou classes sociais a que os indivíduos

pertencem e em cada modelo societário existente” (Falcão, 1987, p. 23).

No entanto, não é nosso objetivo discutir a cotidianidade na sociedade moderna de forma

aprofundada. No decorrer do trabalho iremos realizar alguns apontamentos, mas tão somente

quando for relevante aos nossos objetivos.

Pretendemos aqui tão-somente recuperar o conteúdo da vida cotidiana, revelar o seu caráter

concreto, determinado. Anteriormente havíamos dito que o modo de produção é um modo de vida,

um “conjunto específico de relações sociais”, uma “parte da cotidianidade”. O que isto significa?

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Significa que o modo de produção não é a totalidade da cotidianidade, o que nos leva a buscar

compreender qual é esta parte ausente da cotidianidade que não está incluído no modo de produção.

O modo de produção é um conceito ligado ao conjunto das relações sociais específicas

ligadas ao processo de produção e reprodução da vida material, incluindo o que e como os seres

humanos produzem e reproduzem sua existência. Assim, as relações de trabalho, as relações de

distribuição, as relações de propriedade, o processo social e cultural incluído aí, e, nas sociedades

de classes, a luta e o conflito, são estas relações sociais específicas que constituem o modo de

produção. As demais relações sociais que não se incluem neste processo são derivadas delas, são o

que Marx denominou “formas jurídicas, políticas, ideológicas, etc.” que possuem como

determinação fundamental o modo de produção. O conjunto das relações sociais constituídas nesta

esfera das formas de regularização da vida social (“superestrutura”) também faz parte da

cotidianidade, mas não faz parte do modo de produção, mas também constitui valores, interesses,

atividades, etc. Este conjunto de relações sociais caracteriza o que podemos denominar

sociabilidade, tal como o fez a psicologia social de Maisonneuve (1967).

A vida cotidiana não se caracteriza apenas por seus aspectos formais (naturalização,

simplificação e regularidade), pois ele não só se realiza desta forma mas ocorre num sentido

determinado. A sociabilidade, o mundo das relações sociais não ligadas à esfera da produção,

constitui representações, valores, interesses, sentimentos, costumes, ou, em uma palavra, uma

determinada forma de cotidianidade, seu “conteúdo concreto”.

Assim, a vida cotidiana é a base real sob a qual se erguem as representações cotidianas.

Nada mais natural, portanto, que as representações cotidianas estejam impregnadas de

cotidianidade e suas características. As três características da cotidianidade que apontamos

anteriormente estão também presentes nas representações oriundas desta cotidianidade:

naturalização, simplificação e regularidade.

A naturalização é uma característica amplamente reconhecida nas representações cotidianas.

Para alguns, aliás, esta é a sua característica fundamental, pois elas tomam o mundo como natural

(Bauman, 1977). Moscovici no capítulo final de seu livro discute o “pensamento natural” ao invés

de usar o termo “representações sociais” e fala de “lógica natural” (Moscovici, 1978). O que

significa dizer que as representações cotidianas realizam o processo de naturalização?

“O reino da não-liberdade é o único significado imutável da

‘natureza’ que está enraizado na experiência humana. Todas as outras

características inerentes ao conceito se encontram pelo menos uma vez –

ou mais de uma vez – afastadas ‘do que é dado diretamente’, que é, por

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sua vez, o resultado do processamento teórico da experiência elementar.

Por exemplo, a natureza é o oposto da cultura, na medida em que a

cultura é a esfera da criatividade humana e o seu desígnio; a natureza é

‘inumana’, na medida em que ‘ser humano’ implica estabelecer objetivos

e padrões ideais; a natureza é desprovida de sentido, na medida em que

dar sentido a uma coisa é um ato de vontade e a verdadeira essência da

liberdade; a natureza é determinada, na medida em que a liberdade

consiste em por a determinação de lado” (Bauman, 1977, p. 9-10).

A cotidianidade e sua regularidade permitem o processo de naturalização, posto que a

reflexão aprofundada sobre a realidade cotidiana é obliterada. Assim, no mundo das representações

cotidianas, a vida social se torna algo “natural”, desprovido de sentido humano, aparecendo como

um produto das “leis da natureza”, da “vontade divina”, do “acaso”, da “essência maligna ou

benigna” dos seres, etc.

Outro elemento presente nas representações cotidianas se encontra na simplicidade. As

representações cotidianas são representações simples. A simplicidade está intimamente relacionada

com a naturalização. Ao contrário do pensamento complexo, as representações cotidianas não se

caracterizam por uma reflexão profunda sobre o mundo, sobre a realidade. No entanto, elas são

constrangidas a dar respostas, explicações. As explicações fornecidas pelas representações

cotidianas são “simples” ao contrário das explicações fornecidas pelo pensamento complexo:

“Aqui podemos colocar uma distinção entre explicações

complexas e explicações simples. As complexas são aquelas

fundamentadas em teorias ou ideologias (as explicações científicas e

filosóficas se pretendem complexas) e as simples são aquelas que não se

fundamentam em teorias ou ideologias mas em representações

cotidianas. Assim, se pode dizer que o Brasil perdeu a copa de 86 porque

o técnico da seleção era incompetente, e isto é uma explicação simples.

Uma explicação complexa irá se fundamentar em métodos e teorias que

fornecem um quadro global do fenômeno, buscando reconstituir o

conjunto das determinações do fenômeno, sendo que a “incompetência

do técnico” pode ou não ser uma das determinações do fenômeno (aliás,

os comentaristas de futebol vivem geralmente, salvo raras exceções, no

nível das explicações simples, ou seja, se fundamentam em

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representações cotidianas, isto é, no “senso comum”) (Viana, 2002b, p.

128).

Desta forma, as explicações fornecidas com base nas representações cotidianas, satisfazem a

necessidade de dar respostas e de compreensão no cotidiano sem provocar pesquisas, explicações e

reflexões profundas, sem ter que apelar para o saber científico, filosófico, etc. (a não ser que este

seja “simplificado”). O simples aqui se contrapõe ao complexo. O complexo é o que possui uma

diversidade de elementos e aspectos relacionados de forma coerente e formando um conjunto. O

simples é constituído também como um conjunto de elementos, que, no entanto, tem como

diferença em relação ao complexo o fato de que os seus elementos constituintes são de uma

diversidade bem menor, bem como sua coerência interna é apenas parcial, residindo apenas no seu

núcleo.

O terceiro aspecto da cotidianidade presente nas representações cotidianas é a regularidade.

A regularidade da vida cotidiana se reproduz nas representações cotidianas, pois elas também são

marcadas pela repetição e fixação de idéias, explicações, raciocínios. Sem dúvida, a improvisação e

o provisório estão presentes nas representações cotidianas (tal como na própria vida cotidiana) mas

o seu núcleo é regular, permanente. A regularidade da vida cotidiana é traduzida nas representações

cotidianas pela repetição, tal como coloca Moscovici: “ a existência e o emprego de um estoque de

lugares-comuns, de juízos e expressões que traduzem a confiança nas fórmulas consagradas (...)”

(Moscovici, 1978, p. 257).

Desta forma, fica mais fácil entender por qual motivo denominamos estas representações

como sendo cotidianas, pois são a expressão consciente da vida cotidiana, a manifestação das

atividades cotidianas dos indivíduos não apenas em seu repertório temático (determinado por uma

forma concreta de sociabilidade) mas também em sua forma de expressão, marcada pela

naturalização, simplificação e regularidade. No entanto, as representações cotidianas também

possuem outros elementos formais, dos quais trataremos adiante. Por enquanto, deixamos claro que

as representações são a manifestação do ser consciente e este vive no cotidiano, expressando-o. As

representações cotidianas expressam o cotidiano. No entanto, tal como colocamos anteriormente, o

cotidiano não é o mesmo em sociedades, épocas, classes e grupos sociais diferentes. Este é o nosso

próximo tema.

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Representações Cotidianas e Consciência de Classe

Por fim, resta relacionarmos representações cotidianas e consciência de classe. A consciência

de classe é a mesma coisa que representações cotidianas? Não, pois, em primeiro lugar, a

consciência de classe pode se manifestar tanto como representações cotidianas quanto como

“pensamento complexo”; em segundo lugar, a consciência de classe é sempre consciência de uma

determinada classe, ou seja, a divisão social está explícita neste termo; em terceiro lugar, a idéia de

consciência de classe já traz em si determinados interesses e valores portados por ela. Tudo isto

entra em contradição com as representações cotidianas, que não nos remete imediatamente ao

problema da divisão social de classes nem remete imediatamente a valores e interesses.

Porém, isto não quer dizer que as representações cotidianas não estejam ligadas à

consciência de classe. Na verdade, temos aqui mais um ponto de divergência entre a concepção

marxista e a idéia de senso comum e a de representações sociais. As representações cotidianas são

formas de consciência de classe não complexas e por isso podem ser reais, contraditórias ou

ilusórias, tal como já colocamos. Assim, toda representação cotidiana é consciência de classe mas

nem toda consciência de classe é representação cotidiana. Além disso, as representações cotidianas

trazem em si valores e interesses e expressam a divisão social de classes, mas isto não é

imediatamente visível, a não ser que se coloque que são representações de uma ou outra classe

social.

Assim, o conceito fundamental para o nosso trabalho é o de representações cotidianas, que é

a expressão equivalente ao fenômeno expresso pelo termo de senso comum e pela noção de

representações sociais.

A análise de Marx e de seus continuadores sobre as representações cotidianas coloca dois

elementos importantes para nossa análise. O primeiro é sua relação com o pensamento complexo, a

ideologia. O segundo é sua relação com as classes sociais. Trataremos, agora, de forma mais

detalhada, da relação entre representações cotidianas e consciência de classe e, posteriormente, de

sua relação com o pensamento complexo. Mas antes de começar cabe alertar que iremos abordar a

relação entre representações cotidianas e consciência de classe no contexto de uma sociedade

concreta, a sociedade capitalista. Iremos colocar, inicialmente, a questão de um ponto de vista

genérico, e posteriormente, devido ao fato de que foi ao desenvolvimento da consciência de classe

na sociedade moderna que se voltou a atenção das análises de Marx e seus continuadores,

focalizaremos esta relação no contexto específico do capitalismo.

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Vimos anteriormente que as representações cotidianas podem ser reais (verdadeiras),

contraditórias ou ilusórias e as limitações destas representações são derivadas da limitação de suas

relações sociais e com o meio ambiente. Relações sociais limitadas com outros indivíduos e com o

meio ambiente provocam representações limitadas, ilusórias.

Esta falsa consciência é produto das relações sociais limitadas entre os seres humanos e deles

com o meio ambiente. De onde vem essas relações sociais limitadas? Da divisão social do trabalho

(e, no caso da relação com o meio ambiente, da dependência em relação à natureza), pois esta

produz atividades sociais limitadas que os seres humanos terão que reproduzir. A posição do

indivíduo na divisão social do trabalho proporciona-lhe atividades limitadas e conseqüentemente

uma consciência limitada. Estas atividades limitadas constituem modos de vida limitados, um

cotidiano limitado. Mas o cotidiano é diferente em classes sociais diferentes. Cada classe social

possui um modo de vida específico, que, obviamente, possui elementos comuns com o modo de

vida de outras classes, mas também elementos particulares, específicos. Acrescente-se a isso que os

elementos comuns com o modo de vida de outras classes são vividos de forma diferente49. Assim,

podemos dizer que existe um modo de vida geral, uma cotidianidade comum, ao lado de modos de

vidas particulares, cotidianos específicos de cada classe social.

Mas é preciso acrescentar que a posição do indivíduo na divisão social do trabalho também

lhe confere determinados interesses, hábitos, valores etc. que são correspondentes ao da classe

social à qual pertence e que possui determinado lugar da divisão social do trabalho. Portanto, a

consciência individual é, simultaneamente, consciência de classe.

O modo de vida particular de uma classe social lhe proporciona um conjunto de

características próprias. Isto está ligado em sua posição na divisão social do trabalho. É devido a

sua posição da divisão social do trabalho que se constitui um modo de vida particular. A divisão

social do trabalho não é apenas divisão, é relação. Relação entre classes sociais, no qual há o

processo de trabalho e tudo que deriva daí50.

A divisão social do trabalho na sociedade constitui as classes sociais e cria uma consciência

de classe limitada em todas elas. Porém, Marx confere um papel especial à consciência de classe do

proletariado. A consciência de classe do proletariado é também uma consciência limitada. O

proletariado, devido ao fato de não desenvolver todas as atividades sociais mas apenas aquelas que 49 Isto pode ser visto, por exemplo, no desejo de consumo, que para as classes privilegiadas se vê geralmente

satisfeito enquanto que, em que pese o mesmo desejo existir nos setores mais empobrecidos, mas não sua realização.

50 “O controle social do sistema ocupacional é da maior importância porque é o emprego que decide o que uma pessoa pode fazer na maior parte da sua vida – de quais associações ele poderá tornar-se membro, quem serão seus amigos e onde poderá morar” (Berger, 1986, p. 89).

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a divisão social do trabalho lhe permite, também possui uma consciência limitada, mas que, graças

à sua posição específica na divisão social do trabalho, é mais desenvolvida do que a de qualquer

outra classe social. Isto ocorre devido ao fato de que junto com a limitação de suas atividades existe

a exploração e dominação às quais o proletariado está submetido e daí seu interesse em superá-las e

desta forma poder realizar a “crítica desapiedada do existente” (Marx, 1979).

A divisão social do trabalho e o interesse derivado dela é o elemento fundamental na

determinação social da consciência para Marx. É por isso que Marx irá colocar que a condição de

possibilidade de uma consciência correta da realidade é partir da perspectiva do proletariado

(Viana, 1998; Lukács, 1989; Korsch, 1977). Porém, o peso das limitações continua pesando sobre a

cabeça dos proletários. É por isso que a consciência de classe do proletariado é, num primeiro

momento, consciência de classe contraditória (Gramsci, 1989; Reich, 1976), que se torna

consciência de classe revolucionária (e, portanto, consciência correta da realidade) com o

desenvolvimento das lutas de classes (Marx, 1989).

A passagem da consciência de classe contraditória para consciência de classe revolucionária,

foi desenvolvida por Karl Marx e alguns pensadores posteriores. Marx abordou isto utilizando

linguagem hegeliana, abordando a questão da passagem de “classe em si” à “classe para si”.

Segundo Marx é através da associação ou “coalizão” da classe operária que se realiza esta

passagem.

“A grande indústria aglomera num mesmo local uma multidão de

pessoas que não se conhecem. A concorrência divide os seus interesses.

Mas a manutenção do salário, este interesse comum que têm contra o seu

patrão, os reúne num mesmo pensamento de resistência – a coalizão. A

coalizão, pois, tem sempre um duplo objetivo: fazer cessar entre elas a

concorrência, para poder fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se

o primeiro objetivo da resistência é apenas a manutenção do salário, à

medida que os capitalistas, por seu turno, se reúnem em um mesmo

pensamento de repressão, as coalizões, inicialmente isoladas, agrupam-

se e, em face do capital sempre reunido, a manutenção da associação

torna-se para elas mais importante do que o salário. Isto é tão

verdadeiro que os economistas ingleses assombram-se ao ver que os

operários sacrificam uma boa parte do salário em defesa das associações

que, aos olhos destes economistas, só existem em defesa do salário. Nesta

luta – verdadeira guerra civil – reúnem-se e se desenvolvem todos os

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elementos necessários a uma batalha futura. Uma vez chegada a este

ponto, a associação adquire um caráter político” (Marx, 1989, p. 159).

Assim, a associação, derivada da luta de classes, permite a elevação da consciência de classe

a um nível superior, tornando-se consciência de classe revolucionária:

“As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa

do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa

uma situação comum, interesses comuns. Esta massa, pois, é já, face ao

capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, de que

assinalamos algumas fases, esta massa se reúne, se constitui em classe

para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses de classe”

(Marx, 1989, p. 159).

Esta tese de Marx foi desenvolvida por outros pensadores, incluindo Georg Lukács em seu

escrito de juventude História e Consciência de Classe. Nesta obra, Lukács, apesar de algumas

ambigüidades que se desdobraram em sua futura autocrítica pergunta, em seu ensaio A Consciência

de Classe, como ocorre a passagem da “consciência psicológica” para a consciência de classe. Ele

alerta de que não se trata da passagem em “indivíduos extraordinários”, tal como no caso de Marx,

mas no que diz respeito à totalidade da classe operária. Lukács observa que tal passagem de

consciência psicológica para consciência de classe ocorre através da emergência no órgão de luta

do proletariado, isto é, nos conselhos operários:

“Seria catastrófico alimentar ilusões sobre a extensão do caminho

ideológico que o proletariado tem que percorrer. Seria, no entanto,

igualmente catastrófico não ver as forças que, no seio do proletariado,

atuam no sentido de uma superação ideológica do capitalismo. O simples

fato de cada revolução proletária ter, por exemplo, produzido – de uma

forma cada vez mais intensa e mais consciente – o órgão de luta do

conjunto do proletariado, que se torna órgão estatal, o conselho

operário, é um sinal de que a consciência de classe do proletariado está

em vias de ultrapassar vitoriosamente a mentalidade burguesa da sua

camada dirigente” (Lukács, 1989, p. 95).

Assim, a passagem da consciência de classe cotidiana para a consciência revolucionária

ocorre através do desenvolvimento das lutas de classes e da formação da associação operária, dos

conselhos operários.

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“O conselho operário revolucionário, que há que não confundir

com a sua caricatura oportunista, é uma das formas por que a

consciência do proletariado lutou incansavelmente desde o seu

nascimento. A sua existência e o seu contínuo desenvolvimento mostram

que o proletariado está já no limiar da sua própria consciência e, por

conseguinte, no limitar da vitória, por que o conselho operário é a

superação econômica e política da reificação capitalista” (Lukács, 1989,

p. 95)

A burguesia, por sua vez, devido à sua posição na divisão social do trabalho, também possui

uma consciência limitada e um interesse em manter esta limitação para não revelar a existência da

dominação e a exploração. A consciência burguesa é visão da realidade social vista de sua

perspectiva e é por isso que ela é uma deformação desta realidade, pois a toma como sendo eterna e

universal, ou seja, naturaliza e eterniza relações sociais históricas e transitórias, tese que é retomada

por Bauman (1977)51.

Devemos, aqui, inserir a discussão posta por Goldmann (1972) sobre a distinção entre

consciência real e consciência possível:

“Quando procuramos estudar os fatos de consciência coletiva, e

mais precisamente o grau de adequação à realidade da consciência dos

diferentes grupos que constituem uma sociedade, temos que começar pela

distinção primordial entre a consciência real, com o seu conteúdo rico e

múltiplo, e a consciência possível, o máximo de adequação que o grupo

poderia alcançar sem com isso modificar sua natureza” (Goldmann,

1972, p. 106).

51 Lukács fez um extenso estudo sobre os limites da consciência burguesa. Ele destaca o caráter a-histórico do

pensamento burguês e discute a relação entre classe dominante e falsa consciência, destacando o caso da burguesia. Ele coloca que a classe dominante possui uma falsa consciência, incluindo a burguesia. “Esta situação manifesta-se com uma evidência ainda maior na burguesia atual que, originariamente, ao iniciar a luta contra a sociedade absolutista e feudal, conseguiu aceder ao conhecimento das interdependências econômicas, mas foi totalmente incapaz de levar até o fim essa ciência que era originariamente sua, essa ciência de classe que lhe era absolutamente própria; tinha forçosamente que fracassar, também, teoricamente, perante a teoria das crises. E não lhe vale mesmo de nada, neste caso, que a solução teórica esteja cientificamente ao seu alcance. Com efeito, aceitar, ainda que teoricamente, tal solução, equivaleria a deixar de considerar os fenômenos da sociedade do ponto de vista da burguesia e disso nenhuma classe é capaz, ou teria que renunciar voluntariamente à sua dominação. A barreira que faz da consciência de classe da burguesia uma ‘falsa consciência’ é, pois, objetiva; é a própria situação de classe” (Lukács, 1989, p. 68).

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O problema é a relação entre consciência real e consciência possível varia de acordo com a

classe social52. Marx considerava que a consciência burguesa possuía “limites intransponíveis”

(Marx, 1988), devido a sua necessidade de ocultar o processo de exploração e dominação, o que

significa que sua consciência possível coincide com sua consciência real53. O mesmo não ocorre

com o proletariado, tal como colocamos anteriormente, sendo que sua consciência real é

contraditória, e somente com o desenvolvimento das lutas de classes é que se torna consciência

revolucionária, isto é, somente neste contexto sua consciência possível se torna sua consciência

real.

Assim, as representações cotidianas são formas de consciência de classe. Sem dúvida, esta

formulação é correta mas incompleta. As representações cotidianas possuem um elemento geral,

que perpassa todas as classes sociais, e também elementos particulares, pertencentes a classes

sociais específicas. Em períodos de transformação social, este elemento global acaba se diluindo

nas divergências e antagonismos que se acirram.

Como é possível haver um elemento geral nas representações cotidianas de todas as classes

sociais? Pelo simples motivo de viver numa mesma sociedade, embora marcada pela divisão e

conflito, e possuir uma cotidianidade formalmente semelhante (naturalização, simplificação e

regularidade), bem como uma sociabilidade geral comum a todas as classes sociais.

Além disso, Marx e Engels destacaram o domínio das idéias da classe dominante num

determinado período histórico:

“As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias

dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da

sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe

que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao

mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela

sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos

quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada

mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as

relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a

expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; 52 Obviamente que, na sociedade capitalista, existem outras classes sociais além da capitalista e proletária

(camponeses, burocratas, etc.), mas para a nossa análise nos limitaremos aqui a estas duas classes, que, segundo a teoria marxista, são as classes sociais fundamentais da sociedade capitalista.

53 “(...) O pensamento burguês, deparará forçosamente com uma barreira instransponível, já que o seu ponto de partida e o seu fim são sempre, mesmo inconscientemente, a apologia da ordem existente das coisas ou, pelo menos, a demonstração de sua imutabilidade” (Lukács, 1989, p. 61).

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portanto, as idéias de sua dominação. Os indivíduos que constituem a

classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e,

por isso, pensam na medida em que dominam como classe e determinam

todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda

sua extensão e, conseqüentemente, entre outras coisas, dominem também

como pensadores, como produtores de idéias; que regulem a produção e

a distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam, por isso

mesmo, as idéias dominantes da época” (Marx & Engels, 1991, p. 72).

As representações cotidianas estão perpassadas por todos estes aspectos e possui um caráter

genérico e outro particular. As representações cotidianas são formas assumidas pela consciência

das diversas classes sociais, embora nem sempre a consciência de classe se manifeste como

representação cotidiana, pois elas também podem se manifestar como pensamento complexo

(filosofia, ciência, teologia, etc.), tal como abordaremos a seguir.

Representações Cotidianas e Pensamento Complexo

As representações cotidianas, formas de consciência espontânea, convivem com outras

formas expressas em visões de mundo articuladas, tal como no caso da teologia, da filosofia, da

ciência etc. É por isso que Marx irá colocar que cada classe social produz seus representantes

intelectuais e políticos (Marx, 1989; Korsch, 1977; Viana, 1995), idéia retomada posteriormente

por Korsch (1977), Lukács (1989) e Gramsci (1987).

Tais representantes fornecem coerência e elevam a um nível superior a consciência de classe

da classe social que representam. Neste sentido, eles desenvolvem a consciência de classe

articulando-a ou sistematizando-a, elevando-a ao nível de uma teoria ou de uma ideologia. A

relação entre estes representantes e a classe que representam se encontra no fato de que eles não

conseguem ultrapassar idealmente os limites que a classe que representam não superam em sua

vida. Tais representantes apontam para os mesmos problemas e soluções que a classe que

representam apontam, não sendo, necessariamente, pertencentes a estas classes54.

54 Isto significa que a filosofia, as idéias, as concepções de mundo, são todas perpassadas por um caráter de

classe. Evidentemente, isto também se aplica ao marxismo. Como as idéias de uma classe são produzidas? Qual é o papel dos ideólogos e teóricos neste processo? Tal como colocou Marx, todas as classes criam os seus próprios representantes políticos e literários. Marx (1989) diz que a relação entre estes representantes e a classe que representam é expressa pelo fato deles não ultrapassarem mentalmente os limites que a sua classe não ultrapassa na vida e assim são impelidos, conseqüentemente, para se voltarem teoricamente para os mesmos problemas e soluções que o interesse material e a posição social da classe que representam.

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Porém, existe uma tendência de que o representante expresse o ponto de vista da classe ao

qual pertence, embora a diversidade de classes sociais na sociedade capitalista provoque uma

situação complexa, na qual se desenvolve um conjunto de especialistas na produção intelectual que

não são pertencentes nem à burguesia e nem ao proletariado, constituindo uma das classes

auxiliares da burguesia.

É neste momento que se pode falar do fenômeno da ideologia, pois, tal como Marx colocou,

ela surge com o aparecimento da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Os ideólogos,

trabalhadores intelectuais, sistematizam a representações cotidianas da classe dominante em um

sistema coerente e unitário. Eles são os representantes intelectuais da classe dominante. Esta

ideologia se torna ideologia dominante em determinada sociedade, pois ela corresponde aos

interesses da classe dominante, que é a proprietária não só dos meios de produção material como

também dos meios de produção intelectual.

As classes exploradas também produzem seus representantes intelectuais e sua concepção de

mundo ou representações cotidianas de forma articulada. Nas sociedades pré-capitalistas isto ocorre

sob a forma de utopia55. As ideologias e as utopias, por sua vez, podem assumir diversas formas e

isto reforça a constatação da complexidade e diversidade das formas de consciência. A teoria

marxista da consciência possui diversos outros elementos que, por questão de espaço, não serão

aqui colocados. Basta concluirmos que é o surgimento dos representantes intelectuais das classes

sociais que marca a possibilidade do surgimento do pensamento complexo, o que nos permite

continuar nossa caminhada.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer na relação entre representações cotidianas e

pensamento complexo suas reais diferenças. Para Marx, as representações cotidianas são uma coisa

e o pensamento complexo outro, embora ele não utilize este último termo, mas coloca os termos de

ideologia, teoria, ciência, filosofia etc. que expressam um pensamento diferente das representações

que realizamos cotidianamente. As representações cotidianas podem ser reproduzidas pelo

pensamento complexo, seja científico, filosófico etc. Se tais representações são ilusórias, se

pertencem ao mundo do imaginário, a sua sistematização as transforma em uma ideologia. É o que

Marx aborda quando trata da “economia política vulgar”:

“É (...) igualmente natural que os agentes reais da produção se

sintam completamente à vontade nessas formas alienadas e irracionais

55 Marx apresentou, tal como Engels, alguns apontamentos sobre isto, mas tal idéia foi desenvolvida por Karl

Mannheim (1988) e principalmente Ernst Bloch (Furter, 1984; Münster, 1993; Albornoz, 1985; Furter, 1974; Bicca, 1987).

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de capital – juros, terra – renda, trabalho – salário, pois elas são

exatamente as configurações da aparência em que eles se movimentam e

com as quais lidam cada dia. Por isso é igualmente natural que a

Economia vulgar, que não é nada mais do que uma tradução didática,

mais ou menos doutrinária, das concepções cotidianas dos agentes reais

da produção, nas quais introduz certa ordem compreensível, encontre,

exatamente nessa trindade em que todo o nexo interno está desfeito, a

base natural e sublime, acima de toda e qualquer dúvida, de sua

jactância superficial. Ao mesmo tempo, essa fórmula corresponde ao

interesse da classe dominante, à medida que ela proclama e eleva a

dogma a necessidade natural e legitimação eterna de suas fontes e

rendimentos” (Marx, 1988B, p. 262).

A partir destas reflexões de Marx podemos colocar a questão do processo de relação do

indivíduo com o pensamento complexo (ideologia e teoria, sob a forma de ciência, filosofia,

teologia, concepção política etc.). Os indivíduos nascem envolvidos em torno de representações

cotidianas e pensam a partir deste universo que lhes envolve. O acesso ao pensamento complexo,

em nossa sociedade, ocorre via um processo de socialização específico, a socialização escolar, que

possui níveis e graduações diferentes. Através deste processo, parte da população, passa a produzir

e/ou reproduzir o pensamento complexo.

Mesmo aqueles que se dedicam exclusivamente ao trabalho intelectual, ou seja, aqueles que

foram socializados e preparados para trabalhar com o pensamento complexo, reproduzem, em parte

do seu cotidiano, as representações cotidianas. Tal como coloca Gramsci:

“Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um

determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que

partilham de um mesmo modo de pensar e de agir. Somos todos

conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou

homens-coletivos” (Gramsci, 1987, p. 12).

Assim, o indivíduo adquire um pensamento complexo através de sua inserção em

determinadas relações sociais, o que é um processo histórico no desenvolvimento do indivíduo.

Deixando de lado a relação do indivíduo com as representações cotidianas e com o pensamento

complexo e vendo o processo histórico de engendramento de ambos, percebemos que as

representações cotidianas sempre estiveram presentes na história da humanidade mas que o

pensamento complexo surge em um momento histórico preciso – que é o do surgimento da divisão

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social do trabalho entre trabalho intelectual e manual, momento em que surgem as primeiras

formações ideológicas (filosofia, teologia) e com o desenvolvimento histórico se complexifica cada

vez mais (filosofia, ciência).

Assim, o pensamento complexo realiza uma sistematização/articulação das representações

cotidianas. No entanto, uma vez existindo, o pensamento complexo passa a se difundir e influenciar

a população, isto é, aos indivíduos que vivem no mundo das representações cotidianas. Moscovici

fez um estudo sobre a difusão da psicanálise e isto pode contribuir com a compreensão desta

relação. A análise da difusão da psicanálise demonstra as várias formas de contato entre os

indivíduos que não são psicanalistas com ela: estudos, literatura, meios de comunicação de massas

(rádio, imprensa, espetáculos), conversação, sendo que cada item é mais forte em determinados

grupos sociais. Por exemplo, a pesquisa feita por Moscovici aponta que os operários sabem da

psicanálise através dos meios de comunicação de massas (70%) e de conversação (40%) e não

tiveram contato com ela através dos estudos (0%). Ao contrário, estudantes e profissionais liberais,

que possuem mais contato com o pensamento complexo, obtiveram seu conhecimento da

psicanálise através dos estudos (40% e 45% respectivamente). Segundo Moscovici,

“Cada população tem seus modos dominantes de comunicação em

relação com a sua situação social e o seu grau de instrução. O rádio é

raramente citado, e sempre por pessoas pertencentes às classes médias.

A imprensa e os espetáculos são uma fonte de iniciação à psicanálise

para os operários e as classes médias, mas permanecem inteiramente

secundários para os alunos de escolas técnicas, os intelectuais e os

estudantes. Estes últimos citam sempre as fontes de informação

institucionais (os estudos), enquanto que os intelectuais e as classes

médias extraem seus conhecimentos, na maior parte, da literatura

(comunicação direcional e não-institucional que parece ocupar lugar

menos importante nas outras populações). Existe uma relação de

hierarquia dos grupos profissionais e a das fontes de informação. No

topo, os estudantes e os membros de profissões liberais abordaram a

psicanálise através de seus estudos, suas leituras ou no decorrer de

conversas privadas. Os alunos de escolas técnicas aproximam-se dos

grupos ‘intelectuais’ porque receberam suas noções elementares de

psicanálise na escola; também citam a conversação como fonte de

conhecimento. Nas classes médias, a literatura é citada com uma

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freqüência vizinha daquela dos profissionais liberais, mas a conversação,

a radio e a imprensa desempenham o mesmo papel que entre os

operários” (Moscovici, 1977, p. 94).

Moscovici coloca que a psicanálise se torna objeto do “senso comum”. Isto provoca sua

naturalização. As representações da psicanálise realizam um “salto imaginário” e provoca nela uma

mudança de status, naturalizando-a56. Isto significa que a psicanálise se transforma em

representação cotidiana. Moscovici demonstra o processo em que a teoria psicanalítica tem

conservado os aspectos que podem ser assimilados pelas representações cotidianas e, por isso, a

teoria da sexualidade elaborada por Freud é citada apenas por 1% dos sujeitos pesquisados, apesar

de sua importância fundamental no esquema explicativo freudiano57.

“Sem a teoria da sexualidade, a psicanálise torna-se socialmente

aceitável e, descartado esse princípio fundamental, o grupo efetua uma

reorganização da topografia dos conceitos na base que mais lhe convém,

podendo agora cada uma das relações conhecidas ser ‘manipulada’,

admitida ou rejeitada sem levar em conta a sua unidade nem a sua ordem

originais” (Moscovici, 1977, p. 122).

Apesar dos limites de algumas de suas afirmações, Moscovici nos traz informações que

permitem perceber o processo de assimilação do pensamento complexo pelo pensamento comum.

Assim, observamos que as representações cotidianas podem ser “traduzidas” pelo pensamento

complexo (se tais representações são ilusórias, tal produção cria ideologias e, se forem

representações reais, criam teorias) e o pensamento complexo (científico, filosófico, teológico etc.)

também é “traduzido” pelas representações cotidianas, perdendo o seu caráter complexo,

sistemático, articulado, organizado, coerente.

Mas para compreender esta relação entre pensamento complexo e representações cotidianas é

necessário esclarecer qual a diferença entre estas duas formas de saber. As representações

cotidianas podem ser reais, contraditórias e ilusórias e o pensamento complexo também. Por

conseguinte, não é na divisão realizada pelo positivismo clássico ou fenomenológico entre saber

verdadeiro (ciência) e saber falso (senso comum) que reside a diferença entre estas duas formas de

56 “Depois do aparecimento da psicanálise, já não se diz apenas que um indivíduo é teimoso ou brigão; diz-se

também que é agressivo e recalcado. As categorias do normal e do patológico mudaram” (Moscovici, 1977, p. 113).

57 A pesquisa de Moscovici é passível de muitas críticas, a começar pela sua interpretação da psicanálise e das respostas dos entrevistados. Na época em que foi realizada, já haviam se difundido as escolas culturalistas e outras tendências revisionistas da psicanálise e a pergunta não era sobre Freud especificamente e sim sobre a psicanálise, o que faz esta observação carecer de sentido.

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consciência. Das três características formais das representações cotidianas que apontamos

anteriormente (naturalização, simplificação e regularidade), todas também podem ser reproduzidas

pelo pensamento complexo, com exceção da simplificação. Aqui reside a distinção entre o

pensamento simples e o pensamento complexo.

As representações cotidianas se distinguem do pensamento complexo pela simplicidade. A

simplicidade se revela nas suas explicações simples e na sua pouca profundidade de reflexão e

análise. O pensamento complexo, ao contrário, apresenta a complexidade como característica

diferenciadora das demais formas de consciência. É um discurso elaborado, um conjunto coerente e

diverso de elementos. As representações simples também formam um conjunto mas apenas o seu

“núcleo racional” (Gramsci, 1987) é que possui coerência, além do que sua diversidade de

elementos ser bem menor. É claro que aqui se poderia perguntar da naturalização e regularidade,

mas estes elementos também podem estar presentes no pensamento complexo. Aqui não se trata de

definir as representações cotidianas pelo pensamento complexo, tal como faz o positivismo, não se

trata de uma construção, de uma criação arbitrária do “outro-não-eu”, como se a definição e

existência de um outro discurso fosse dependente de sua relação com o nosso discurso.

As representações cotidianas surgiram antes do pensamento complexo e não foi em função

dele. Sem dúvida, dependendo de qual pensamento complexo se trata (filosofia, ciência, teologia),

o quantum de diferenças e seu tipo variam, mas não é necessário, para os nossos objetivos delimitar

a diferença relativa a cada pensamento complexo.

Assim, a assimilação do pensamento complexo pelas representações cotidianas significa o

seu processo de simplificação e a assimilação das representações cotidianas pelo pensamento

complexo significa sua complexificação. O simples simplifica o complexo e o complexo

complexifica o simples.

Marx abordou a assimilação das representações cotidianas pelo pensamento complexo e

Moscovici a assimilação do pensamento complexo pelas representações cotidianas. Sem dúvida,

estas relações entre representações cotidianas e pensamento complexo variam historicamente e no

capitalismo apresenta algumas características próprias. O amplo desenvolvimento científico e sua

influência cada vez maior, bem como o processo de crescente racionalização da vida cotidiana, faz

com que cada vez mais se desenvolva o contato entre representações cotidianas e pensamento

complexo. Este busca cada vez mais se afastar das representações cotidianas, se tornar cada vez

mais complexo (mesmo que na maioria dos casos isto ocorra apenas formalmente), se erguendo,

cada vez mais, sobre a tradição científica elaborada no passado, enquanto que as representações

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cotidianas buscam cada vez mais se aproximar do pensamento complexo, pois a vida cotidiana cria

esta necessidade. Daí a importância crescente da relação entre ambas as formas de consciência.

Aspecto Formal das Representações Cotidianas

Iremos, agora, abordar brevemente o aspecto formal das representações cotidianas. Já

apontamos que o seu conteúdo pode ser real, contraditório ou ilusório, bem como já delimitamos

alguns aspectos formais que as caracterizam (simplificação, naturalização, regularidade). No

entanto, restam alguns aspectos que devem ser tratados para complementar sua caracterização e

possibilitar uma análise mais profunda desta forma de consciência.

As representações cotidianas (independentemente do nome que se lhe dê) são, geralmente,

consideradas contraditórias, dispersas, incoerentes. No entanto, alguns psicólogos colocam que o

ser humano tem a necessidade e a tendência de abolir a contradição, a incoerência, a “dissonância”.

É isto que nos coloca a “teoria da dissonância cognitiva” (Festinger, 1975). A dissonância ocorre

quando dois elementos relevantes não se ajustam entre si na consciência de um indivíduo. Mas ao

surgir a dissonância, surge, simultaneamente, a tendência para superá-la.

“A presença da dissonância dá azo a pressões para reduzi-la ou

eliminá-la. A força das pressões para reduzir a dissonância é uma função

da magnitude da dissonância. Por outras palavras, a dissonância atua da

mesma forma que um estado de impulso, necessidade ou tensão. A

presença de dissonância leva à ação para reduzi-la, tal como a presença

da fome, por exemplo, conduz à ação para reduzir a fome. Semelhante à

ação de um impulso, também quanto maior for a dissonância maior será

a intensidade da ação para reduzir a dissonância e maior a evitação de

situações que aumentaria a dissonância” (Festinger, 1975, p. 25).

Assim, existe uma tendência à redução da dissonância58, o que significa que todo indivíduo

busca reduzir sua dissonância. Isto, evidentemente, se manifesta em suas representações. Sendo

assim, a tendência das representações é abolir as contradições, incoerências (a não ser que estes não

sejam percebidos). Existem, entretanto, contradições e incoerências não percebidas, bem como

dissonâncias irrelevantes. Isto permite a contradição e a incoerência. Desta forma, as 58 “A alma humana tem aversão à dúvida e à incerteza (...)” (Le Bon, 1957, p. 10).

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representações cotidianas possuem realmente um quantum de contradição59. No entanto, se

percebermos, se distinguirmos, um núcleo nas representações cotidianas, veremos que aí não se

manifesta, ou em casos individuais raros, se manifesta a contradição, a incoerência.

Aqui temos que discutir duas coisas. Uma já é bastante discutida, a questão da lógica nas

representações cotidianas. A outra é a questão do núcleo das representações cotidianas60. Estas duas

questões são complementares e permitem responder a questão da contradição no interior das

representações cotidianas.

Mas, antes de prosseguirmos, convém discutir a questão de que a referência a um “núcleo

das representações cotidianas” pode parecer uma retomada de uma determinada concepção que é

um desdobramento da abordagem das representações sociais, a do “núcleo central”. No entanto, em

que pese formalmente haver semelhança, no qual se postula a existência de um núcleo e sistemas

periféricos, há também diferenças substanciais. O núcleo central, para esta abordagem, é marcado

pela rigidez, estabilidade, consensualidade e os sistemas periféricos, seriam marcados pela

mutabilidade, flexibilidade, individualidade.

“A teoria de Abric atribui aos elementos cognitivos do núcleo

central as características de estabilidade/rigidez/consensualidade e aos

59 É preciso esclarecer aqui que estamos tratando da contradição enquanto característica de todas as

representações cotidianas, enquanto componente existente em todas elas. Não se trata, portanto, de uma discussão sobre as representações contraditórias, pois estas são contraditórias no que se refere ao seu conteúdo, fornecendo elementos verdadeiros e falsos, críticos e conservadores, mas que possuem uma unidade coerente. Em outras palavras, as representações cotidianas contraditórias expressam a contradição no seu conteúdo mas uma coerência na sua forma e o que discutimos aqui é a contradição na forma e não no conteúdo.

60 Aqui se poderia pensar em um certo desenvolvimento da abordagem das representações sociais, a do “núcleo central”. No entanto, em que pese formalmente haver semelhança, no qual se postula a existência de um núcleo e sistemas periféricos, há também diferenças substanciais. O núcleo central, para esta abordagem, é marcado pela rigidez, estabilidade, consensualidade e os sistemas periféricos, seriam marcados pela mutabilidade, flexibilidade, individualidade. “A teoria de Abric atribui aos elementos cognitivos do núcleo central as características de estabilidade/rigidez/consensualidade e aos elementos periféricos um caráter mutável/flexível/individualizado, de modo que o primeiro proporciona o significado global da representação e organiza os segundos, os quais, por seu turno, asseguram a interface com as situações e práticas concretas da população. Com isso, a teoria foi capaz de conciliar aquelas aparentes contradições em um todo estruturado e dinâmico” (Sá, 1998, p. 77). Sem dúvida, também se poderia postular a semelhança com a concepção de Moscovici, que nos parece inspirar a concepção do núcleo central, da relação entre um “metassistema” e um “sistema operatório”, tal como colocamos anteriormente. Realmente, a nossa concepção coincide com as duas no aspecto de conceber duas partes componentes das representações cotidianas, tal como discutiremos adiante, bem como no papel fundamental apontado para um destes componentes, mas a diferença reside no fato que as concepções de Moscovici e Abrinc se voltarem para o aspecto chamado “cognitivo” e sua constituição à semelhança do saber científico, tomando o saber cotidiano como uma espécie de projeção simplificada da ciência, procedimento criticado por Le Bon (1959). Ao contrário, apelando para a contribuição psicanalítica, compreendemos que o fundamental se encontra não em elementos “cognitivos” e sim nos sentimentos, crenças, etc., constituídos socialmente.

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elementos periféricos um caráter mutável/flexível/individualizado, de

modo que o primeiro proporciona o significado global da representação

e organiza os segundos, os quais, por seu turno, asseguram a interface

com as situações e práticas concretas da população. Com isso, a teoria

foi capaz de conciliar aquelas aparentes contradições em um todo

estruturado e dinâmico” (Sá, 1998, p. 77).

Sem dúvida, também se poderia postular a semelhança com a concepção de Moscovici, que

nos parece inspirar a concepção do núcleo central, da relação entre um “metassistema” e um

“sistema operatório”, tal como colocamos anteriormente. Realmente, a nossa concepção coincide

com as duas no aspecto de conceber duas partes componentes das representações cotidianas, tal

como discutiremos adiante, bem como no papel fundamental apontado para um destes

componentes, mas a diferença reside no fato que as concepções de Moscovici e Abrinc se voltarem

para o aspecto chamado “cognitivo” e sua constituição à semelhança do saber científico, tomando o

saber cotidiano como uma espécie de projeção simplificada da ciência. Ao contrário, apelando para

a contribuição psicanalítica, compreendemos que o fundamental se encontra não em elementos

“cognitivos” e sim nos sentimentos, crenças, etc., constituídos socialmente. Assim, demarcamos a

diferença realmente existente, embora ela tenha outros elementos derivados.

Passemos a tratar da questão da lógica no saber cotidiano. Existem, quando se aborda a

questão da lógica nas representações cotidianas, aqueles que partem de uma visão externa e aqueles

que buscam partir de uma visão interna. A visão externa e acusa o saber cotidiano de ser

contraditório, incoerente. A visão interna busca encontrar uma lógica própria no saber cotidiano.

A visão externa toma como parâmetro a lógica formal como critério de julgamento das

representações cotidianas. Assim, partindo desta lógica, a = a e não pode ser não-a. Ela traz em si o

princípio da identidade, da não-contradição. Ao analisar o saber cotidiano, esta regra aponta a sua

ilogicidade, tal como expresso explicitamente por Lévy-Bruhl e sua tese das mentalidades pré-

lógicas.

“De acordo com ele, a mentalidade das ‘sociedades inferiores’

pode ser qualificada ao mesmo tempo de mística, se considerarmos o

conteúdo das representações, e de pré-lógica, se nos voltarmos para as

ligações entre elas. (...). Além de mística, a mentalidade primitiva é

também pré-lógica, não no sentido de ser anterior à aparição do

pensamento lógico, nem tampouco antilógica ou alógica, mas unicamente

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no sentido ‘de que ele não se adstringe exclusivamente, como faz o nosso

pensamento, a abster-se da contradição’” (Cuvillier, 1975, p. 83).

Esta concepção, no entanto, é equivocada, pois parte de uma lógica como modelo normativo

do pensamento61. A lógica formal é um produto histórico-social (Fromm, 1979) e como tal não

pode ser erigida como modelo de pensamento. Muitos perceberam que tal lógica não é “universal”

e por isso buscaram apreender a lógica própria do saber cotidiano. Tarde, por exemplo, fala em

“lógica natural”, que é retomada por Moscovici (1978) e Le Bon fala de “lógica coletiva” e “lógica

afetiva” (Le Bon, 1957). A visão de que existe uma organização no interior do saber cotidiano força

os pesquisadores a postular a existência de uma coerência no seu interior, a entender que ele

mesmo é uma “lógica popular” (Alves, 2002). O que todas estas concepções buscam revelar é a

existência de uma articulação própria e coerente no saber cotidiano, distinta da existente no

pensamento complexo e na lógica formal.

Esta posição nos parece a mais adequada. No entanto, nenhuma de suas tentativas de explicar

este processo conseguiu fornecer respostas satisfatórias. O motivo disto certamente se encontra na

não distinção entre um núcleo das representações cotidianas e seus elementos periféricos.

Consideramos que a distinção realizada por Erich Fromm e Michael Maccoby (1972) entre

convicção e opinião nos ajuda a compreender a coerência interna das representações cotidianas.

Estes autores colocam que as opiniões são “pouco dignas de confiança” e se alteram com as

mudanças das circunstâncias. “Uma opinião por si mesma nada mais é que a aceitação de um

padrão de pensamento compartilhado pela sociedade em geral ou por determinado grupo” e que

somente as “opiniões arraigadas na estrutura do caráter duma pessoa – se forem, por assim dizer,

‘opiniões entranhadas’ – constituem motivações possantes para agir” (Fromm & Maccoby, 1972, p.

45).

“No caso duma opinião com raízes na estrutura do caráter, deve-

se falar de uma convicção, ao invés de uma opinião. Convicções de

raízes profundas são, com efeito, as motivações mais pujantes para a

ação desde que as possibilidades para esta tenham surgido (isso se

aplica a qualquer gênero de convicção, quer seja racional ou irracional,

boa ou má, certa ou errada)” (Fromm & Maccoby, 1972, p. 45).

61 Le Bon afirma que o fracasso dos psicólogos e historiadores em compreender as crenças deriva do fato de

utilizarem a lógica racional, não percebendo que elas possuem uma “lógica própria” (Le Bon, 1957).

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As representações cotidianas são compostas por tanto por convicções quanto por opiniões.

As convicções formam o núcleo das representações cotidianas62. Na esfera da convicção, não é

possível uma contradição ou incoerência duradoura, pois a relevância de uma contradição nesta

esfera é elevada e por isso a pressão psíquica para superá-la também. Existe, no entanto,

contradição entre as opiniões e/ou de algumas destas em relação à convicção. A convicção, por sua

vez, mantém uma coerência interna, que não é exclusivamente “racional”, no sentido de ser

fundamentada na análise ou em prova racional.

Qual é o conteúdo da convicção que forma o núcleo de uma representação cotidiana? Esta

discussão não foi realizada de forma aprofundada por Marx. Segundo Gramsci, “referências ao

senso comum e à solidez de suas crenças, encontram-se freqüentemente me Marx”. Mas não se

compreende o conteúdo desta frase sem passar para a frase seguinte: “Contudo, trata-se de

referências não à validez do conteúdo de tais crenças, mas sim à sua solidez formal e,

conseqüentemente, à sua imperatividade quando produzem normas de conduta” (Gramsci, 1987, p.

148). Marx colocou em várias passagens a eficácia e normatividade do saber cotidiano, mas quanto

à sua “solidez formal” já não é tão visível assim. Claro que esta interpretação de Gramsci, sem

referência a nenhum texto em particular, é questionável, mas realmente contribui,

independentemente se a tese é de Marx ou uma atribuição a ele por parte de Gramsci, para

compreender a convicção por detrás das representações cotidianas.

Quais são as determinações das convicções presentes nas representações cotidianas? A

determinação fundamental se encontra na mentalidade ou, segundo expressão de Erich Fromm, no

“caráter social” (Fromm, 1972; Fromm, 1961; Fromm, 1976)63. A mentalidade é o que faz o

indivíduo agir tal como exigido pela sociedade.

“O conceito de caráter social explica como a energia psíquica em

geral transforma-se na forma específica de energia que cada sociedade

precisa para aplicar em seu próprio funcionamento. A fim de apreciar

este fato, deve-se considerar que não há ‘sociedade’ em geral, porém

somente estruturas sociais específicas; cada sociedade e cada classe

demandam diferentes tipos de funções por parte de seus membros. (...).

As exigências do seu papel social devem transformar-se em ‘segunda 62 embora este núcleo não seja sempre, com pensa Gramsci (1987), “racional”, pois isto depende de qual

representação cotidiana concreta se trata. 63 “Segundo Fromm, a estrutura social constitui determinado ‘caráter social’ e este, por sua vez, é a base que

irá estruturar determinadas idéias. Disto podemos concluir que a mentalidade (‘caráter social’) é a base das ideologias. Mas, tal como ressalta Fromm, ela é dinâmica (se altera historicamente) e pode variar em classes e grupos sociais diferentes” (Viana, 2001, p. 48).

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natureza’, isto é, uma pessoa deve querer fazer aquilo que tem de fazer. A

sociedade deve produzir não só ferramentas e máquinas como

igualmente o tipo de personalidade que utilize voluntariamente energia

para o desempenho de um dado papel social. Este processo de

transformar a energia psíquica geral em energia psicossocial específica

é conseguido por intermédio do caráter social” (Fromm, 1972, p. 35-36).

Assim, a mentalidade expressa valores, desejos, sentimentos, etc. socialmente constituídos,

sendo fonte de idéias, representações, ideologias (ou seja, tanto pensamento complexo quanto

representações cotidianas). É justamente nesta esfera que se constitui as convicções de um

indivíduo e, portanto, o núcleo das representações cotidianas.

A convicção pode se manifestar sob a forma de crenças, tradições, sentimentos, valores, etc.

A mentalidade é constituída socialmente, mas a sua expressão consciente é formada no

desenvolvimento histórico e social, e sua forma também varia histórica e socialmente. Nas

sociedades tradicionais, a força da razão não tem o peso que tem numa sociedade racionalizada

como a capitalista. As tradições, portanto, são um elemento fundamental na mentalidade dos

indivíduos desta sociedade.

Assim, a fé e a confiança que Heller (1985) aponta no “pensamento cotidiano” se enquadram

na esfera da convicção. Nesta esfera, raramente ocorre a contradição, a incoerência. Mas se trata

aqui de uma ordenação própria, não necessariamente a mesma do discurso científico, pois isto

depende do indivíduo, grupo social, etc. Podemos, assim, falar de uma “lógica convictiva”, para

utilizar um neologismo. A convicção tem sua “lógica” própria. Porém, a expressão lógica é

equívoca, é uma transposição ilegítima. Ela tema função de, metaforicamente, transmitir uma idéia

a respeito da convicção que seria análoga à da lógica formal ou racional64. Mas para o objetivo do

presente trabalho é suficiente afirmar que a convicção, e cada uma de suas formas, possui uma

estrutura e dinâmica própria, ou “lógica própria”. No entanto, dependendo de sua origem, ela é

diferente. Caso sua origem esteja fundada em crença ou na tradição, sua estrutura dinâmica será

diferente.

Le Bon ofereceu uma contribuição interessante ao estudo das crenças. Segundo ele, o

problema da crença é distinto do problema do conhecimento. “Saber e crer são coisas diferentes,

que não têm a mesma gênese” (Le Bon, 1957, p. 5).

64 Curiosamente, este procedimento, realizado por diversos intelectuais e pesquisadores, realiza uma

reprodução de um procedimento acusado de ser comum no saber cotidiano, a analogia (Moscovici, 1978; Heller, 1985; Godelier, 1978).

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“Saber e crer permanecerão sempre como coisas distintas. Ao

passo que a aquisição da menor verdade científica exige enorme labor, a

posse de uma certeza baseada unicamente na fé não pede nenhum

trabalho” (Le Bon, 1957, p. 9).

O termo crença, segundo Belmont (1971), possui uma estrutura presa em si mesma,

“cristalizada, estática”. A crença popular, não é suscetível de uma narração, pois se esgota num

enunciado só, embora se possa reconstituí-la numa serie de enunciados que produz um sentido

latente.

“O ‘sentido’ de uma crença popular (...) só pode ser descoberto se

a colocarmos dentro de um encadeamento: o contexto que constitui a

cultura da qual foi extraída, ou seja, um conjunto sintagmático

semelhante ao relato” (Belmont, 1971, p. 98).

Não cabe aqui reconstituir a estrutura dinâmica das crenças tal como apresentadas por

Belmont, nem voltar às análise de Le Bon sobre o assunto. Devemos acrescentar alguns elementos

que permitem compreender as crenças enquanto convicção. A crença possui uma origem que não é

reflexiva (Le Bon, 1957), isto é, não se fundamenta em análises profundas. Ela está ligada ao

processo de naturalização, simplicidade e regularidade que constitui as representações cotidianas.

Ela toma um determinado enunciado como “natural”, “óbvio”, e, portanto, se caracteriza pela

naturalização. A resposta fornecida pela crença é imediata e simples, o que caracteriza o processo

de simplificação. É também regular, repetitiva65. Mas qual a origem da crença? Ela é produto de um

enrijecimento de idéias (religiosas, místicas etc.) originadas numa situação cultural e predisposição

individual geradas por determinadas relações sociais. A religião, as doutrinas místicas, etc. são as

fontes das crenças. Mas não são a mesma coisa, pois as crenças são produtos relativamente

desarticulados enquanto que a religião, doutrinas místicas, etc. forma um conjunto mais ou menos

organizado. Seu exemplo mais comum se encontra em certas crenças religiosas, que produzem uma

exasperação e ampliação, transformando-a em um sistema de crenças e lhe dando uma certa

complexidade, no qual a oposição entre o bem e o mal, Deus e o Diabo, acabam servindo de

explicação simples para os fenômenos e acontecimentos.

A tradição também pode ser a fonte de convicção. Sua força se revela com mais firmeza em

sociedades pré-capitalistas e na sociedade moderna perde cada vez mais o seu poder. Ginsberg

(1966) ofereceu a seguinte definição de tradição: “Entendemos por tradição a soma de todas as

65 A crença “pode ser formulada em uma ou várias frases, e sempre consiste, em todo caso, em um só

enunciado” (Belmont, 1971, p. 97).

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idéias, hábitos e costumes que pertencem a um povo e são transmitidos de geração a geração”

(Ginsberg, 1966, p. 114). Assim, a tradição, para certas comunidades e indivíduos, funcionam

como convicção, fornecendo a dinâmica de suas representações cotidianas. Sua origem se encontra

na persistência do passado, em relações afetivas (principalmente familiares) que marcam a

formação da mentalidade dos indivíduos. Ela carrega em si o processo de naturalização,

simplificação e regularidade, tal como as crenças.

A sociedade moderna, no entanto, estas formas de convicção, ou de manifestação da

mentalidade, diminuíram muito sua influência. A mentalidade continua se manifestando sob a

forma de crenças, tradições, mas o seu espaço foi bastante reduzido. Em seu lugar aparecem as

doutrinas políticas, as idéias pseudocientíficas, as misturas de concepções (ciência-religião, por

exemplo), as concepções artísticas, etc. Isto significa que a convicção tende a ter caráter “racional”,

ou seja, busca fundamentar-se em um discurso supostamente racional, em elaborações intelectuais,

misturadas, geralmente, com resquícios de crenças, religiões, etc.

Mas as representações cotidianas não são apenas o seu núcleo, pois também constituem uma

totalidade. Além das convicções, que formam o seu núcleo, as representações cotidianas também

possuem outros elementos que denominamos opiniões. Gabriel Tarde apresentou a seguinte

definição de opinião:

“A opinião, diremos, é um grupo momentâneo e mais ou menos

lógico de juízos, os quais, respondendo a problemas atualmente

colocados, acham-se reproduzidos em numerosos exemplares em pessoas

do mesmo país, da mesma época, da mesma sociedade” (Tarde, 1992, p.

83).

Tarde, assim, coloca o caráter momentâneo e não totalmente lógico (mais ou menos lógico...)

e sua ligação não com questões fundamentais para os indivíduos (neste caso se criam convicções e

não opiniões) reproduzidos por inúmeras pessoas. Assim, a momentaneidade das opiniões, bem

como suas possíveis contradições, estão evidenciadas. No entanto, é preciso discutir um pouco a

questão das “inúmeras pessoas” e sua relação com a opinião.

A opinião, segundo Maisonneuve (1977), nas sociedades tradicionais, se aproximava do

consenso, devido à intensa “pressão social”. Mas na sociedade atual, os meios de comunicação de

massas, que instituem relações indiretas, provocam reações diversas, segundo seus interesses e

aspirações. A isto se soma a integração social “mais frouxa”, o que cria indivíduos com opiniões

isoladas. Maisonneuve alerta, no entanto, para não se exagerar a distinção entre sociedade

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tradicional e moderna, pois as opiniões continuam sujeitas à “pressão social”, só que em menor

grau.

Aqui temos a diferenciação entre convicção e opinião, o que explica a existência de

contradições e incoerências no interior das representações cotidianas, que só ocorrem no nível da

opinião em relação à convicção ou em relação a outras opiniões. No interior da convicção não há

incoerência e sim uma dinâmica própria que nem sempre pode ser compreendida com o uso do

modelo da lógica formal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão dos fenômenos do saber popular necessita de uma base teórica e explicativa

que não são oferecidas pelos termos senso comum e representações sociais. Este foi o ponto de

partida de nosso trabalho. Mas não basta dizer que tais termos e as abordagens que estão por detrás

deles são insuficientes. É preciso comprovar tal afirmação. Daí fizemos um trabalho de análise

crítica das concepções de senso comum e representações sociais, que justificaram uma nova

proposta de análise das representações, desligadas das concepções positivistas e ideológicas dos

fenômenos culturais.

Partindo da contribuição de Marx e outros pensadores, buscamos reconsiderar o saber

popular, a cultura popular. A idéia de representações cotidianas se torna o guia deste tipo de análise

que buscamos efetuar. A sua base explicativa, teórica e metodológica, abre um amplo espaço para

pesquisas sobre as inúmeras manifestações de representações cotidianas.

A teoria das representações cotidianas abre espaço para se refletir criticamente sobre o saber

popular e ao mesmo tempo supera a mera descrição e a ingenuidade epistemológica presente nas

pesquisas sociais referentes a este fenômeno. A passagem de uma abordagem descritiva, acrítica,

para uma abordagem crítica e explicativa é uma necessidade teórica e prática para a pesquisa social

e os pesquisadores. O ponto de partida é uma análise teórica, aqui esboçada, e posteriormente o

desenvolvimento de um conjunto de pesquisas que apontam para a realidade concreta das

representações, sua gênese, sua essência e suas mutações, envolvidas nas lutas sociais, na dinâmica

histórica.

Sem dúvida, o presente trabalho tem também um interesse epistemológico, pois a crítica das

concepções de senso comum e representações sociais partem de uma análise da emergência

histórica de determinados construtos e teses, suas determinações sociais, nada aleatórias, neutras ou

inocentes, como para certa epistemologia ingênua, e de sua inserção em determinadas abordagens

ideológicas. A necessidade de fazer um inventário da gênese e significado dos construtos e teses

científicas é hoje tarefa do pensamento crítico e abre espaço para um amplo programa de pesquisa

igualmente relevante.

Assim, temos duas promessas ao término deste trabalho: a ampliação de pesquisas sobre

representações cotidianas e a possibilidade de desenvolvimento de uma teoria da ciência que

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aborde as origens históricas e sociais, bem como o significado, dos construtos e teses científicas.

Assim, do presente livro podem nascer dois programas de pesquisa e assim ele cumpre o papel de

incentivar o processo de ampliação dos horizontes da pesquisa social nestas duas áreas.

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