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APRESENTAÇÃO Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea- lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que melhor se encaixa à organização curricular de sua escola. A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen- tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci- dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas, histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob- jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade. As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada região brasileira. Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz. Gerente Editorial Sensibilidade e Criação

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APRESENTAÇÃO

Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três

séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea-

lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que

melhor se encaixa à organização curricular de sua escola.

A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen-

tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci-

dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito

crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas,

histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de

dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob-

jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade.

As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante

situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos

privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de

questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada

região brasileira.

Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia

intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o

aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz.

Gerente Editorial

Sensibilidade e Criação

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© Editora Positivo Ltda., 2013

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio, sem autorização da Editora.

DIRETOR-SUPERINTENDENTE: DIRETOR-GERAL:

DIRETOR EDITORIAL: GERENTE EDITORIAL:

GERENTE DE ARTE E ICONOGRAFIA: AUTORIA:

ORGANIZAÇÃO: EDIÇÃO DE CONTEÚDO:

EDIÇÃO:ANALISTA DE ARTE:

PESQUISA ICONOGRÁFICA:EDIÇÃO DE ARTE:

CARTOGRAFIA:PROJETO GRÁFICO:

EDITORAÇÃO:CRÉDITO DAS IMAGENS DE ABERTURA E CAPA:

PRODUÇÃO:

IMPRESSÃO E ACABAMENTO:

CONTATO:

Ruben FormighieriEmerson Walter dos SantosJoseph Razouk JuniorMaria Elenice Costa DantasCláudio Espósito GodoyMichele Czaikoski SilvaMichele Czaikoski SilvaLysvania Villela Cordeiro / Wilma Joseane WünschRose Marie WünschTatiane Esmanhotto KaminskiVictor Oliveira Puchalski / Júnior MadalossoAngela Giseli de SouzaLuciano Daniel TulioO

2 Comunicação

Danielli Ferrari Cruz / Arowak© Shutterstock/ARCHITECTE; © Shutterstock/kanvag; © iStockphoto.com/monticelllo; MAGRITTE, René. Golconda. 1953. 1 óleo sobre tela, color., 81 cm x 100,3 cm. The Menil Collection, Houston, EUA. Corel Stock Photos; © Dreamstime.com/Stefanos KyriazissEditora Positivo Ltda.Rua Major Heitor Guimarães, 17480440-120 Curitiba – PRTel.: (0xx41) 3312-3500 Fax: (0xx41) 3312-3599Gráfica Posigraf S.A.Rua Senador Accioly Filho, 50081300-000 Curitiba – PRFax: (0xx41) 3212-5452E-mail: [email protected]@positivo.com.br

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@FIL423Características

gerais da Patrística

@FIL423

Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)(Maria Teresa A. Gonzati / CRB 9-1584 / Curitiba, PR, Brasil)

S586 Silva, Michele Czaikoski.Ensino médio : modular : filosofia : sensibilidade e criação / Michele Czaikoski Silva. –

Curitiba : Positivo, 2013. : il.

ISBN 978-85-385-7285-5 (livro do aluno)ISBN 978-85-385-7286-2 (livro do professor)

1. Filosofia. 2. Ensino médio – Currículos. I. Título.

CDU 373.33

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SUMÁRIO

Unidade 1: Domínios da sensibilidade

Elementos da percepção 5

Em busca do belo 6

Imagens do belo 10

Unidade 2: Rumos da Estética

Polêmica estética na Grécia Antiga 13

Polêmica moral na Modernidade 16

Polêmica vital contemporânea 18

Mistérios da arte 20

Unidade 3: Arte ou indústria?

Arte em movimento 22

Obra ou produto? 25

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Sensibilidade e Criação4

O fim da arte é despertar

em nós o sentimento do belo. [...]

A obra de arte é um meio pelo

qual o homem exterioriza o que ele mesmo é.

Hegel

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 63-65.

A definição do que é arte sempre foi

dada previamente pelo que ela foi outrora,

mas apenas é legitimada por aquilo em que

se tornou, aberta ao que pretende ser e àquilo

que poderá talvez tornar-se.

Adorno

ADORNO, Theodor. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, [19-?]. p. 13.

Domínios da sensibilidade1

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Ensino Médio | Modular 5

FILOSOFIA

Essa tela surrealista faz refletir sobre o modo como se percebe a realidade

Suponha que alguém abra mão de todo diálogo ou convivência. Privado de muitas experiências, ele deixaria de adquirir certos conhecimentos, mas, apesar da redução de estímulos externos, res-tariam a ele algumas percepções, ou seja, impressões dos sentidos, acompanhadas de sensações prazerosas ou dolorosas, e até de sentimentos, como alegria, raiva ou medo.

Agora, aprofunde o exercício de ficção e imagine que todo prazer ou beleza fossem, de repente, excluídos da experiência humana. Em tais condições, você acredita que a vida seria suportável? Por quê?

Elementos da percepção

Perceber é ser capaz de identificar o modo como a realidade aparece e ter alguma reação subjetiva a ela, ou seja, uma reação pessoal, individual.

Há muito tempo, a Filosofia aborda as percepções em diferentes áreas de reflexão. A Teoria do Conhecimento, por exemplo, investiga se elas são confiáveis ou não, mas quer elas sejam re-alidades ou aparências, quer sejam essências ou fenômenos, o fato de serem ou não agradáveis e a possibilidade de serem universais ou particulares também intrigaram os filósofos.

Por isso, além de investigar, por exemplo, se pessoas diferentes veriam uma imagem semelhante ao contemplarem determinado objeto, eles também entraram no universo do gosto para descobrir se

tal imagem seria agradável ou desagradável para todas e por quê. Assim, inauguraram uma nova área da Filosofia, para discutir questões ligadas à sensibilidade, ao gosto e à arte.

Diante dessa informação, é possível que você se lembre do ditado popular, segundo o qual “gosto não se discute”. No entanto, vale destacar que ele não deve ser com-preendido literalmente, ou seja, ele não significa que essa discussão não exista na prática e, sim, que, de tão complexa, a maio-ria prefere abandoná-la. Entretanto, será visto a seguir que, no desenrolar da História, essa não tem sido a atitude dos filósofos.

MAGRITTE, René. Falso espelho. 1935. 1 óleo sobre tela, color., 19 cm x 27 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque.

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Em busca do belo

Ao escolher objetos, as pessoas seguem critérios que tornam uns preferíveis a outros, como o valor material e a utilidade, mas também a perfeição, o caráter agradável ou a beleza. Isso mostra que elas não são indiferentes ao belo e que admirar é uma das possíveis formas de contemplar o mundo – assim como investigar ou interpretar.

Além disso, a busca do belo surge até nos aspectos mais corriqueiros da vida humana. Basta observar o cuidado das pessoas com a própria aparência e a das coisas que produzem ou adquirem. Nem sempre elas associam a beleza à utilidade ou a qualquer outro valor, desejando certas coisas simplesmente por serem bonitas. Embelezam o corpo, mesmo com sacrifícios – o que levado a extremos gera a chamada ditadura da beleza; buscam vestir belas roupas, mesmo que elas não as protejam dos excessos do clima; decoram suas casas, mesmo que isso não as torne mais práticas ou confortáveis.

Diante disso, pode-se perguntar: por que a beleza agrada e atrai os seres humanos de modo tão intenso, influenciando decisivamente as suas escolhas? Ou ainda: por que o belo chega a tornar-se uma fonte de status e poder de uns sobre os outros?

A seguir, uma música interpretada pela cantora brasileira Zélia Duncan poderá ajudá-lo a refletir sobre essas e outras questões ligadas ao belo e ao valor que ele tem na sociedade em que você vive.

Gostar ou não gostarPor que você gosta de coisas que outros detestam ou tem gostos parecidos com os de alguns –

principalmente aqueles que têm idade próxima à sua e fazem parte do seu ambiente cultural? Por que alguns discordam sobre um alimento ser gostoso, mas todos concordam em fugir ao odor da decomposição?

Você já questionou se as coisas são agradáveis ou desagradáveis em si mesmas ou se isso depende do modo de percebê-las?

As qualidades que pertencem às coisas são objetivas, e as formas de perceber são subjetivas – ou seja, dependem do sujeito que percebe –, por isso mudam para cada espécie ou indivíduo. Veja um exemplo. Pode-se dizer que a cor do céu num dia ensolarado seja um dado objetivo, porém ela sempre será percebida de um modo subjetivo por diferentes pessoas e até por outras espécies vivas. Além disso, cada pessoa poderá sentir emoções distintas ao contemplar o céu azul em uma tarde de outono.

Sendo assim, é possível concluir que a faculdade de perceber a cor é universal, enquanto a expe-riência de apreciá-la ou detestá-la é particular. Além disso, as pessoas encontram dificuldades para justificar, por meio de argumentos, as opiniões favoráveis ou desfavoráveis sobre determinado objeto ou qualidade, bem como para explicar por que estímulos diferentes são acompanhados de prazer ou desprazer para cada um. E existe uma dificuldade ainda maior no que diz respeito a justificar a impressão de que algo é belo ou feio.

O termo sensibilidade aplica-se à faculdade de sentir e perceber sensorialmente a realidade que nos cerca. Decorrem dessa capacidade as sensações físicas, bem como as emoções e os sentimentos.

Sensibilidade e Criação6

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Considerando os versos da canção “Beleza fácil”, discuta as questões sugeridas a seguir e anote as suas conclusões em forma de texto:

a) Por que o belo atrai tão intensamente os seres humanos?

b) Você concorda com a afirmação de que a beleza pode ser usada para encobrir o que é mau? Por quê?

c) Em que medida a beleza de uma pessoa interfere em sua vida pessoal e social? Cite exemplos.

d) Qual o papel conferido à beleza na sociedade em que você vive?

O mundo é gentil com a belezaPõe a mesa, arruma a salaExala compreensãoTudo se faz possível

A beleza pode esconderO mau, o sujo, o desprezívelE ainda assim só por ser beloFaz parecer incrívelQue o mundo gosta da beleza fácil

Do que é superpráticoBanalidade raraSuperfície claraDo que se vê logo de caraE nunca se enxerga

Beleza fácil

MARANHÃO, Rodrigo; DUNCAN, Zélia. Sortimento. Zélia Duncan. São Paulo: Universal Music, 2001. 1 CD (40 min): digital, estéreo.

É possível definir o belo?

Na Antiguidade grega, Platão definia o belo como a ideia perfeita que daria forma a todas as coisas bonitas. Entendia a experiência do belo como sendo uma manifestação da alma e não da sensibilidade física. Associava a ideia do belo às ideias de bom e verdadeiro, afastando-a, por isso, das represen-tações artísticas. Já Aristóteles destacava a relação da beleza com a justa medida, a proporção, a simetria e a harmonia, admitindo a presença do belo também na arte e na ficção.

As teorias desses dois filósofos exerceram uma forte e longa influência sobre as culturas do Ocidente. Na Idade Média, porém, a noção do belo atrelou-se a questões teológicas, como a tese de que toda a realidade se constitui como criação divina. Nesse contexto, valorizava-se a beleza transcendente do mundo espiritual que aguardava o homem, após o término de sua jornada na Terra, para que ele pudesse desfrutar da vida eterna com Deus. Além disso, a própria beleza existente na natureza ou nas obras de arte era considerada um reflexo, imperfeito, da beleza divina, tal como defendiam, por exemplo, Agostinho e Tomás de Aquino. Nesse contexto, o segundo indicava três elementos formadores do belo: a integridade, a proporção e a claridade. Isso porque associava a perfeição à integridade (a plenitude de um objeto, ao qual nada falta); a bondade à proporção; e a verdade à claridade (a clareza ou evidência da figura). Portanto, vê-se a relação do belo com o bom e o verdadeiro. Por outro lado, ele definia o belo como o que agrada à visão, o que não excluía a possibilidade de uma música ser bela, nem reduzia a fruição da beleza aos sentidos. Ao contrário, a visão era citada em sua relação com o intelecto, com a razão, capaz de identificar a harmonia entre a integridade, a proporção e a claridade no objeto. Para esse filósofo, a experiência criadora do artista também estava relacionada à intuição humana da beleza maior que provém da divindade.

O belo e suas

diversas

interpretações

ao longo da

história

@FIL1004

FILOSOFIA

7Ensino Médio | Modular

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Fonte: KANT, Immanuel. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime: ensaio sobre as doenças mentais. Campinas: Papirus, 1993.

Já no século XVIII, ao refletir sobre esse tema, Immanuel Kant adotou uma nova perspectiva, apresentando a seguinte definição: belo é o que agrada universalmente, sem depender de um interesse ou de um conceito. Para esse filósofo, a beleza era um dado objetivo – presente nos pró-prios objetos como um atributo – e o gosto era a faculdade humana de julgar esse dado. Segundo ele, tais julgamentos, denominados juízos de gosto, não eram lógicos, mas estéticos, ou seja, sensíveis e subjetivos. Diferentemente dos juízos de conhecimento, os de gosto não eram teóricos, nem práticos, tampouco dependiam de conceitos: eram apenas contemplativos. Isso quer dizer que nenhum modelo ou norma poderia ser utilizado para determinar previamente o que é belo e o que não o é.

A fim de esclarecer esse ponto de vista, tome o exemplo de uma escultura. Imagine que ela seja observada por uma pessoa que conte a alguém o que viu. O conceito de es-cultura permitirá que o interlocutor compre-enda de que ela está falando, mas não lhe revelará se a obra era bela ou não, pois essa característica não faz parte do conceito – mesmo sendo feio, tal objeto não deixaria de ser o que é. Para tecer um juízo estético, ele necessitará de uma observação pessoal. No entanto, é provável que, mesmo não sendo capaz de argumentar a favor de sua posição, quem viu a escultura e julgou-a bela supôs que todos reconheceriam essa beleza. Se-gundo Kant, a causa dessa expectativa seria a presença do belo na própria obra como um atributo objetivo, universalmente percebido.

Por outro lado, a compreensão kantiana do belo ressalta suas diferenças em relação ao agradável, ao bom e ao sublime. A princi-pal diferença em relação ao agradável seria o fato de se buscar esse último devido a um interesse, o que não ocorreria na busca do belo. Em relação ao bom, o fato de que esse dependeria de um conceito, de um princípio que teríamos o dever de respeitar, enquanto o belo seria independente de conceitos ou normas previamente estabelecidos.

Finalmente, o sublime apresentaria as seguintes diferenças em relação ao belo:

BELO SUBLIMEBELO SUBLIME

Características

Leve, alegre, jovial e estimulante Sério, magnífico, nobre, terrível, comovente

Pode ser pequeno e adornado Sempre grande, simples e digno

Opõe-se ao asco Opõe-se ao ridículo

EfeitosInspira amor e intimidade Inspira respeito, admiração e comoção

Desperta sorrisos Desperta a perplexidade

Exemplos

Amor Amizade

Comédia Tragédia

Boas qualidades morais (compaixão, amabilidade)Domínio das paixões por meio de princípios (entendimento e virtude)

Escultura renascentista, a Pietà representa Jesus morto nos braços de Maria. Essa obra é considerada por alguns críticos uma das mais belas esculturas de todos os tempos

BUONARROTI, Michelangelo. Pietà. Século XV. 1 escultura em mármore. Basílica de São Pedro, Vaticano.

8 Sensibilidade e Criação

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No que diz respeito ao agradável, Kant aceitava a possibilidade de se afirmar que “cada qual tem seu gosto”. No entanto, veja o que ele dizia em relação ao belo:

Com o belo, o caso é inteiramente outro. Seria (exatamente ao inverso) ridículo se alguém, que imaginasse algo sobre seu gosto, pensasse legitimar-se com isto: esse objeto (o edifício que vemos, a roupa que aquele veste, o concerto que ouvimos, o poema que é apresentado para julgamento) é belo para mim. Pois não deve denominá-lo belo, se apraz meramente a ele. Atrativo e agrado, muita coisa pode ter para ele, com isso ninguém se preocupa; mas se ele dá algo por belo, presume em todos essa mesma satisfação: julga, não meramente para si, mas para todos, e fala então da beleza como se fosse uma propriedade das coisas.

KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 57.

Hegel considerava o belo artístico superior ao belo natural, por resultar do espírito humano e manifestar-se em obras duráveis, inspiradas por um ideal e realizadas com base na imaginação do artista. Segundo ele, uma obra de arte poderia unir e conciliar contrários, como:

a liberdade e a necessidade – por envolverem as possibilidades de cria-ção e também os limites da matéria;

o universal e o particular – por corresponderem a um ideal, mesmo sendo elaboradas por um indivíduo, o artista;

o racional e o sensível – devido às suas relações com o pensamento, mas também com os sentidos e as sensações.

Na visão hegeliana, as obras de arte representariam de modo concreto, mas figurado – ou seja, simbólico –, aquilo que agita a alma humana, dirigindo- -se aos sentidos e tocando a sensibilidade para realizar a sua maior função: despertar na humanidade o sentimento do belo.

No contexto das reflexões hegelianas que estão sendo analisadas, pode-se entender espírito como ati-vidade racional, intelecto, razão ou consciência. Para Hegel, o espírito estaria em constante progresso, por meio da superação de suas formas anteriores. Ele se manifestaria na História como consciência individual, como instituições e princípios sociopolíticos e, finalmente, como Arte, Religião e Filosofia.

Pintura simbolista, O perfil azul pode exemplificar a diferença entre o belo natural e o belo artístico. Esse último, segundo Hegel, superava o primeiro

REDON, Odilon. A cela dourada (ou O perfil azul). 1892. 1 óleo, dourado e pastel sobre papel. The British Museum, Londres.

Outro filósofo que influenciou as discussões modernas em torno da beleza foi Georg W. F. Hegel. No século XIX, ele elogiou Kant por não reduzir o belo ao agradável, mas discordou dele quanto a conferir- -lhe um caráter universal. Hegel definia o belo como um ideal, mas encarava as diversas opiniões dos indivíduos e povos sobre ele como resultados da evolução do espírito humano, ou seja, como uma síntese permitida pelo estágio histórico-cultural em que se encontrariam diferentes grupos de pessoas em diferentes períodos históricos e/ou regiões geográficas.

Ensino Médio | Modular 9

FILOSOFIA

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Imagens do belo

Em diversas fases da história do pensamento, a experiência do belo foi associada ao prazer. Não se chegou a uma definição unânime e completa da beleza; mesmo assim, ela arrasta e encanta os homens, seja na natureza, seja na própria aparência humana, em coisas úteis, adornos ou obras de arte. Pode ser uma experiência imediata ou ligada à imaginação.

Historicamente, filósofos, como Platão e Descartes, condenaram a faculdade de imaginar, julgando-a um obstáculo à percepção e à correta compreensão do real. Outros, porém, como Aristóteles e Kant, julgaram-na capaz de contribuir para o conhecimento, além de ser corresponsável pelo prazer na contemplação e na apreciação do belo.

Na Antiguidade, os gregos destacavam duas formas de produzir imagens da realidade: a percep-ção direta de um objeto sensível e a imaginação, faculdade capaz de produzi-las sem recorrer aos sentidos, mesmo que o sujeito se encontrasse longe do objeto representado.

No Renascimento (período entre os séculos XIV e XVI) e na Modernidade, outros potenciais da imaginação foram analisados, como o de produzir a percepção de coisas nunca antes percebidas pelos sentidos. Assim, antes associada à memória como reprodução de impressões conhecidas, ela passou a ser vista como uma faculdade criadora, capaz de produzir não só imagens, mas também símbolos e novas realidades, entre as quais, as obras de arte.

Imaginar é pensarNo decorrer da história, não houve unanimidade quanto ao valor da obra de arte, aclamada por

alguns como produto do espírito humano e depreciada por outros como algo inútil, supérfluo e até mesmo enganador. Além disso, ganhou força em alguns meios a tese de que a arte não se dirige à razão, mas apenas à sensibilidade. No texto a seguir, essa tese é combatida. Para o seu autor, a experiência de contemplação da arte exige dois elementos: o senso, representado pelo pensamento, pela razão; e o sensível, representado pela percepção e pelo sentimento.

1. Você concorda com a visão tomista de que o belo depende da harmonia entre a integridade, a proporção e a claridade do objeto? Por quê?

2. Como você relacionaria as ideias de Kant – apresentadas no texto da Leitura filosófica – ao dito popular “gosto não se discute”?

3. Considerando novamente o que diz a canção "Beleza fácil", reflita, discuta e responda: quais os papéis do belo, do sublime e do feio na cultura de que você faz parte? Justifique sua resposta.

4. Discuta essas proposições ligadas, respectivamente, ao pensamento de Kant e de Hegel. Em seguida, anote suas conclusões, em forma de cartaz, contendo texto e imagens.

a) O belo é universal e pertence aos objetos.

b) A compreensão do belo resulta de um contexto histórico e cultural.

A palavra Modernidade

refere-se ao período e à

mentalidade que se

desenvolveram entre os séculos

XVI e XVIII.

Sensibilidade e Criação10

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A arte é para sentir e não para pensar, apregoa-se por todos os lados. Essa evidência é, entretanto, questionável. Há também uma participação impres-cindível da inteligência na fruição da beleza na obra de arte. Quem já teve a oportunidade de observar o trabalho de Rodin, por exemplo, provavelmente

felizmente é proibido. Felizmente porque a experiência estética seria pertur-bada e irremediavelmente interrompida.

Se tocarmos a superfície da Danaïde (1889), de Rodin, nos decepcionaremos -

dade, na verdade é de mármore; fria e rígida como a morte. A experiência sensível de um toque pode, portanto, impossibilitar a percepção da obra como uma coisa bela. Eis aí um forte indício de que a fruição da beleza na arte não coincide inteiramente com a mera experiência sensorial, mas exige também a participação do pensamento.

FEITOSA, Charles. . Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 110-111.

Experiência estética: a experiência

estética citada pelo autor

corresponde à apreciação

sensível da beleza da obra

de arte em questão.

Escultura expressionista, a Danaïde pode exemplificar a controversa relação entre “o senso e o sensível” na apreciação de uma obra de arte

RODIN, Auguste. Danaïde. 1889. 1 escultura em mármore. Museu Rodin, Paris.

1. Identifique e discuta as principais ideias do texto da seção Leitura filosófica.

2. Discuta as seguintes questões:

a) Por que a visão e a audição costumam ser privilegiadas nas análises da experiência estética?

b) Qual o papel dos demais sentidos nesse tipo de experiência?

c) É possível apreciar a arte sem o uso da imaginação? Por quê?

d) É necessário conferir um sentido à obra de arte ou à beleza? Por quê?

e) A busca de um sentido pode atrapalhar a fruição da obra? Pode também ampliá-la?

f) A arte é igualmente acessível a todos? Por quê?

3. Após a reflexão e a discussão das questões anteriores, produza um texto, dizendo quais as funções dos sentidos, do raciocínio e da imaginação na apreciação de uma obra de arte.

Ensino Médio | Modular 11

FILOSOFIA

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Sensibilidade e Criação12

Rumos da Estética2

Ao iniciar esses estudos sobre o belo, é provável que você já tivesse uma compreensão prévia da palavra “estética”, ligada ao seu uso mais recente e popular, ou seja, como designação de cuidados com a beleza do corpo. No entanto, ela também possui um uso filosófico, historicamente construído. Nesse contexto, falar em Estética é fazer referência à área da Filosofia responsável pelos estudos da sensibilidade, do belo e da arte. Afinal, esse termo vem do grego aisthésis, que pode ser traduzido por sensibilidade, experiência ou conhecimento por intermédio dos sentidos.

Para Kant – cujas ideias sobre o belo você conheceu na unidade anterior –, a Estética era uma ciência das condições de percepção pelos sentidos, às quais ele chamava de formas puras da sensibilidade. Suas investigações estéticas resultaram em uma teoria de grande relevância histórica e filosófica sobre os papéis do tempo, do espaço e da causalidade na percepção do real.

Porém, em 1750, um intelectual chamado Baumgarten escreveu A Esthética, obra que consistia em uma análise da formação do gosto e de fenômenos ligados à experiência artística. Depois desse marco, a Estética passou a designar uma área de estudos, também conhecida como Filosofia da Arte ou Ciência do belo, entre outras nomenclaturas. Desde então, as reflexões de todos os períodos sobre o belo, o gosto, a arte e as formas de representação da realidade tornaram-se atribuições dessa área da Filosofia.

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Ensino Médio | Modular 13

FILOSOFIA

O ataque platônico à mimeseA mimese não teria lugar na cidade ideal platônica, descrita em A República. Afinal, segundo o

seu idealizador, o artista imitava os objetos que não conhecia profundamente e que, por sua vez, já imitavam as ideias. Logo, as obras de arte eram imitações em terceiro grau, enganando duplamente as percepções humanas, o que Platão via como epistemologicamente indesejável. (O adjetivo “epistemológico“ indica que algo se refere ao conhecimento.) Além disso, representando meras aparências, a arte imitativa não assumia compromissos com o bem e a virtude, prestando-se a alimentar paixões e corromper a educação dos homens, o que esse filósofo julgava eticamente inaceitável (o adjetivo “ético“ aplica-se ao que diz respeito à moral, às normas, aos valores e de-veres socialmente desejáveis). Por isso, ele considerou os pintores, os poetas e demais “imitadores” como elementos desnecessários e até perigosos à vida harmônica e virtuosa na cidade ideal.

Ameaça dos poetasNa visão platônica, o pintor reproduzia a aparência de um objeto, o qual, por sua vez, já seria

a aparência de uma ideia perfeita. Mais grave, porém, do que essa ilusão aos sentidos – produzir a aparência de uma aparência – era a corrupção trazida à sociedade pelos poetas: os cômicos, por deformarem o homem, apresentando-o de forma ridícula e estimulando posturas semelhantes no espectador; os trágicos, por oferecerem modelos de homens maus, desequilibrados ou trans-gressores, reagindo com desespero ao seu destino e, principalmente, por estimularem as mais violentas paixões do espectador ou fazê-lo sentir prazer diante do horror e da catástrofe. Assim, a poesia ameaçava a educação: oferecia modelos inadequados e despertava paixões extremas; tornava os homens vulneráveis, afastando-os da razão e da temperança; comprometia o caráter moderado conveniente aos que amam o bem e a virtude – pois o homem platônico deveria entregar- -se ao governo da razão e não ao do prazer ou da dor. Por tudo isso, Platão expulsaria os poetas da cidade, o que hoje parece uma atitude profundamente radical, mas deve ser entendida num contexto social em que a obra mítica e poética de Homero servia aos cidadãos como uma espécie de enciclopédia incontestável sobre a história e a moral.

Na atualidade, chama-se poesia a manifestação artística da palavra que utiliza versos e outros recursos, mas, na Grécia Antiga, poiesis significava tudo o que pudesse ser criado pelo homem: objetos da técnica e do artesanato e também obras de arte, como pintura, música e ainda o tipo de texto literário atualmente denominado poesia. Além disso, influenciada pela Teoria das Ideias de Platão, os pensadores da Antiguidade grega acreditavam que toda poiesis é uma mímesis (ou mimese), ou seja, uma imitação da realidade. Esse pensamento influenciou a concepção de arte por vários séculos.

Polêmica estética na Grécia Antiga

Nessa antiquíssima obra, o desconhecido pintor grego retrata a atividade de outro representante da arte imitativa da época: o escultor

EXTERIOR de uma taça grega. Século V a.C. 30,5 cm diâmetro. Antikensammlung Berlin.

O belo ideal

e a crítica

platônica à

mimese

@FIL553

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Este texto apresenta críticas platônicas à mimese artística representada pelos pintores e, principalmente, pelos poetas. Ele corresponde a um diálogo entre os personagens Sócrates e Glauco, extraído do livro X de A República.

S – Mas olha aqui! Qual será o nome que darás a este demiurgo? G – Qual? S – O que faz todos os objetos quantos faz cada um dos que trabalham com suas mãos. G – Falas de alguém, disse, espantosamente sábio! S – Ainda não! Mas logo o dirás mais admirável ainda. Esse mesmo trabalhador manual não só é capaz

de fazer todos os móveis, mas tudo a que nasce da terra e também cria todos os animais e, entre eles, tam-bém a si próprio e, além de tudo isso, cria a terra, o céu, os deuses e tudo o que há no céu e o que há sob a terra, no Hades.

G – Muito admirável, disse, o sábio de que falas. S – Não acreditas? disse eu. Mas dize-me... Na tua opinião, absolutamente não haveria um demiurgo

como esse ou, de certo modo, haveria um criador de tudo isso e, de outro, não? Não estás percebendo que, de certo modo, tu próprio serias capaz de criar tudo isso?

G – E que modo, disse, é esse? S – Não é difícil, disse eu, mas pode ser realizado de muitas maneiras e com rapidez, se quiseres dar voltas

por aí levando um espelho nas mãos. Muito rapidamente criarás o sol, o que está no céu, rapidamente a terra, rapidamente a ti mesmo, rapidamente os outros seres vivos, móveis, plantas e de tudo que se falava há pouco.

G – Sim! disse. Mas coisas aparentes que, na realidade, não existem. S – Bem! disse eu. Chegas ao que importa na discussão. Entre tais demiurgos, creio eu, um é o pintor...

Ou não? G – Sem dúvida. S – Mas dirás, creio eu, que não são verdadeiras coisas que ele cria. Apesar disso, de certo modo, o pintor

cria uma certa cama ... Ou não?G – Sim, disse. Só que também esse cria uma cama aparente. [...]S – Assim, penso eu, do poeta diremos também que, embora nada saiba senão imitar, ele consegue, por

meio de palavras e frases, usar as cores de cada uma das outras artes, que outros que são como ele, vendo-as graças às palavras ditas, quer se fale do ofício do sapateiro ou segundo um metro, um ritmo e uma harmonia, julgam que ele fala muito bem quer sobre a arte militar, quer sobre outra coisa qualquer. Tal é o encantamento que, por natureza, esses fatores produzem! Despojadas das cores da música, ditas só pelo que são, creio que sabes a aparência que as obras dos poetas têm... Isso é algo que já deves ter visto?

G – Sim, eu já vi, disse. S – Então, disse eu, não faz lembrar que aparência os rostos jovens, mas não belos, vão assumindo quando

G – Faz lembrar muito bem, disse ele. S – Vamos! Atenta para isto! O criador de imagens vazias, digamos, o imitador, não entende nada do

ser, mas entende da aparência, não é? G – Sim.

PLATÃO. A República. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 382-383, 389-390. Livro X.

Defesa aristotélica da mimeseEm uma obra denominada Poética, Aristóteles falou sobre a mimese, principalmente nas poesias

épica, trágica e cômica – a primeira costumava ser recitada, e as últimas costumavam ser representa-das teatralmente. Para ele, o homem imitava a realidade porque gostava de aprender, e a mimese não produzia cópias, mas obras criativas, melhorando ou piorando os modelos reais, segundo a intenção pedagógica do artista.

14 Sensibilidade e Criação

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O termo grego kathársis, traduzido como catarse, possui o sentido de purificação ou purgação. Relacionado ao restabelecimento do equilíbrio humano, foi utilizado nos con-textos religioso e médico. Aristóteles, porém, adotou-o para designar um possível efeito da mimese nas representações trágicas: certo refinamento de emoções extremas, como a compaixão e o temor, pelo equilíbrio entre a identificação do espectador com a condição do herói representado (a condição humana) e certo distanciamento em relação à circunstância que ele enfrentava no enredo (pois, nesse momento, o espectador não seria a vítima de uma situação trágica, apenas contemplaria a imagem de uma, o que poderia trazer-lhe algum aprendizado sobre a condição humana e o destino).

Ao ridicularizar os homens, por exemplo, o poeta cômico podia criticar defeitos de caráter e con-duta que prejudicavam a vida na cidade, enquanto o poeta trágico apresentava homens mais fortes ou nobres do que a maioria, mas que, por um erro, que qualquer um seria capaz de cometer, seguiam um destino marcado pelo sofrimento e pela catástrofe. Assim, ele promovia intensas reflexões sobre o caráter do homem e seu destino, além de estimular a catarse, ou seja, a purificação das paixões despertadas pelo enredo, principalmente a compaixão e o temor. Para isso, o poeta trágico deveria utilizar alguns recursos e estratégias, tais como:

escolher cenas que destacassem os aspectos mais importantes da narrativa e entre as quais hou-vesse uma sequência evidente de causas e efeitos;

criar enredos que não representassem pessoas muito próximas do espectador, como ele mesmo ou seus familiares, nem excessivamente distantes dele, como inimigos, pessoas muito vulgares ou perfeitas;

incluir no caráter e no destino do herói trágico elementos universais, para que ele representasse a humanidade em geral;

apresentar fatos possíveis, ainda que não fossem reais;

cuidar para que o espectador não assistisse ao espetáculo de muito longe – o que enfraqueceria as suas emoções –, nem de muito perto da encenação, o que lhe seria repugnante ou desesperador;

garantir a justa medida do espetáculo: nem tão longo que a apresentação tivesse que ser interrom-pida e nem curto demais, pois deveria provocar emoções;

utilizar linguagem equilibrada, ou seja, não muito ornamentada e tampouco vulgar.

Toda essa atenção de Aristóteles à poesia e à sua forma ideal devia-se a uma valorização da mi-mese no contexto da educação. Ele dizia que aprendemos ao observar objetos e caracteres, tentando representá-los de um modo verossímil, ou seja, que pareça verdadeiro ou provável. Além disso, con-siderava a poesia trágica mais séria e filosófica para a educação do homem do que a história, pois a primeira apresentava situações universais e possíveis, e a segunda apenas contava fatos particulares e já ocorridos. Por outro lado, acreditava que assistir à encenação da catástrofe de um personagem ajudaria o ser humano a viver com moderação paixões normalmente levadas a extremos – como a compaixão, que faz alguém sofrer com o outro, e o temor, que paralisa as pessoas diante de situações terríveis. Afinal, o espetáculo propõe uma espécie de jogo em que o espectador se identifica, mas também se separa do personagem, e percebe as emoções acontecendo, em vez de se entregar a elas com desespero. Assim, o prazer do espectador ao contemplar a tragédia encenada não viria do sofri-mento do personagem, mas, sim, da catarse das suas próprias paixões.

Ensino Médio | Modular 15

FILOSOFIA

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Apesar da crítica platônica à mimese e da prescrição aristotélica de que as manifestações ar-tísticas fossem edificantes e pedagógicas, a arte se desenvolveu adotando novas formas, técnicas e linguagens, reivindicando autonomia em relação à verdade e gerando novas polêmicas. No auge do Iluminismo (século XVIII), por exemplo, as cortes europeias deliciavam-se com o esplendor de sua produção artística, científica e filosófica, ouvindo com perplexidade as duras críticas do francês Jean- -Jacques Rousseau aos requintes da civilização.

Decadência dos costumesRousseau ligava o prazer da arte às paixões humanas, encarando o desenvolvimento cultural das

sociedades como fruto da riqueza e do ócio. Ele dizia que a arte e a ciência nascem do luxo, a que responsabilizava pela decadência dos costumes, por sobrepor aparências à verdade, hipocrisia e polidez à virtude. Por isso, o filósofo defendia uma vida simples, ligada à natureza e aos deveres individuais.

Polêmica moral na Modernidade

Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a poesia. O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado. Sinal disto é o que acontece na experiência: nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que

também igualmente, aos demais homens, se bem que menos participem dele.

ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 203. (Os pensadores).

[...] Aprender e admirar comportam prazer as mais das vezes. Com efeito, na admiração está contido o desejo de aprender; por conseguinte, o que admiramos é desejável; por outro lado, aprender é voltar ao estado natural. [...] Além disso, sendo agradável aprender e admirar, tudo o que a isso se refere desperta em nós o prazer, como, por exemplo, o que pertence ao domínio da imitação, como a pintura, a escultura e a poesia, numa palavra, tudo o que é bem imitado, mesmo que o objeto imitado careça de encanto. De fato, não é este último que nos causa prazer, mas o raciocínio pelo qual dizemos que tal imitação reproduz tal objeto; daí resulta que aprendemos alguma coisa.

ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1959. p. 77-78 (Retórica, livro I, cap. XI).

1. Considerando a preocupação platônica com o efeito das obras imitativas sobre as paixões do público, avalie os possíveis reflexos da violência, da competição e do consumismo frequentemente retratados pelo cinema atual sobre o comportamento dos espectadores.

2. Com base nos textos de Platão e Aristóteles, apresentados anteriormente, dramatizar um júri, com argu-mentos platônicos e aristotélicos para aceitar ou recusar, na cidade ideal, uma novela de TV ou outra obra imitativa.

Sensibilidade e Criação16

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Essa tela do século XVIII retrata Madame de Pompadour, que foi amante do Rei Luís XV e teve grande influência nos meios político e cultural franceses, relacionando-se, inclusive com filósofos, como Voltaire, Rousseau e Diderot. A imagem mostra o luxo dos círculos cultos de Paris no contexto do Iluminismo

Embora aceitasse a existência de gênios, com talento supe-rior para a produção artística e intelectual, ele criticava aqueles que exibiam talentos imaginários, em vez de aplicar suas ver-dadeiras habilidades em coisas úteis. Entendia a virtude e a verdade como sendo os valores supremos que cada qual devia desenvolver, fossem quais fossem os seus talentos e papéis sociais. Além disso, criticava as desigualdades sociais geradas pela valorização excessiva de talentos dos indivíduos.

Ao modelo de homem que se valorizava no contexto iluminista, ele contrapôs uma imagem simbólica, hoje conhecida como o “mito do bom selvagem”. Essa imagem apresentava um ser huma-no hipotético, de costumes simples, caráter leal e corajoso, num estágio de pureza anterior à civilização e, consequentemente, à corrupção dos costumes que ela acarretaria. Entretanto, o filósofo não acreditava na possibilidade de retorno do homem a essa con-dição original. Responsabilizava os estudos pelo individualismo, vaidade e covardia que, segundo ele, marcavam a sua época. No entanto, dizia que, uma vez instalada, a cultura é irreversível, devendo ser controlada e melhorada para proteger os costumes e preservar, tanto quanto possível, a ingenuidade e o sentimento. Sendo assim, aceitava a arte e as demais expressões culturais apenas como distrações para o homem já corrompido, a fim de evitar a aplicação do seu tempo na prática do mal.

Educação estética do homemAinda no século XVIII, o alemão Johann Schiller teve outra visão do papel da arte em relação ao

caráter e aos costumes humanos. Afirmava que o belo despertava o bom no indivíduo, pois a natureza do homem reunia razão e sensibilidade. Portanto, essa devia ser cultivada para elevar aquela. Afinal, filósofos, como Kant e outros, julgavam a razão responsável pela moral humana.

Schiller estudou atentamente a obra de Kant e simpatizou com uma lei defendida por ele para orientar a conduta humana. Essa lei, relacionada à razão e ao dever, ficou conhecida como impera-tivo categórico – ou seja, algo para ser necessariamente cumprido. Ela afirmava que o indivíduo deveria sempre agir como desejaria que os demais agissem numa situação semelhante à sua. Com base nessa lei, Schiller criou um novo imperativo, ligado à sensibilidade: reconhecer o belo como um caminho para a liberdade, por ser ele capaz de unificar a razão e a alegria, o dever e o prazer.

BOUCHER, François. Retrato da Madame de Pompadour. 1756. 1 óleo sobre tela, color., 201 cm x 157 cm. Antiga Pinacoteca de Munique, Alemanha.

primeiros deveres e pela verdadeira glória. Quando os talentos conseguem usurpar as honras devidas à virtude, cada qual quer ser um homem agradável e ninguém se preocupa em ser um homem de bem. [...]

as academias, os colégios, as universidades, as bibliotecas, os espetáculos e todas as outras distrações que podem, de certo modo, divertir a maldade dos homens e impedi-los de ocupar

nem de pessoas de bem nem de bons costumes, seria ainda melhor viver com velhacos do que com salteadores.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Prefácio de Narciso. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 295, 301. v. II. (Os pensadores).

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FILOSOFIA

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Considerando as informações desta unidade sobre os pensamentos de Rousseau e Schiller, bem como o texto da seção Leitura filosófica, discuta os tópicos a seguir e escreva um texto com as suas conclusões:

a) As ideias de Rousseau sobre a relação da arte e outras manifestações do desenvolvimento cultural com a deca-dência dos costumes.

b) As ideias de Schiller sobre as relações entre razão e sensibilidade, educação estética e educação ética ou moral.

Entre os séculos XIX e XX, na Alemanha, deu-se uma grande polêmica filosófica sobre o papel da arte em relação à vida, envolvendo importantes filósofos, que questionavam: a arte deveria afastar as dores da vida ou mergulhar o homem na beleza que existe mesmo na dor?

Nesse contexto, ocorreram as célebres divergências, que você vai conhecer agora, entre Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche.

Vontade de nadaSchopenhauer ficou conhecido como um filósofo solitário

e pessimista. Ele aceitou a visão kantiana da realidade como um fenômeno, ou seja, a visão do mundo como uma repre-sentação na consciência dos homens, limitada pelas formas puras da sua sensibilidade. No entanto, concluiu que essa representação sofreria variações entre os indivíduos, devido à influência direta da vontade humana sobre ela.

Esse filósofo entendia a vontade como querer huma-no sem fim e irracional, uma faculdade insaciável de

desejar, que faria da vida um constante sofrer. A causa de tal sofrimento viria do domínio exercido pela vontade e por seus objetos. A fim de libertar-se de uma submissão tão arrasadora, seria preciso experimentar as seguintes etapas:

contemplação das obras de arte, especialmente a música: esse primeiro estágio proporcionaria um dis-tanciamento salutar em relação à vontade – permitindo ao homem contemplá-la, conhecendo o seu modo de agir sobre si –, mas não chegaria a suprimi-la;

conduta ética: nessa nova fase, uma vez que já conhe-ceria a vontade, o homem poderia superar o egoís mo, chegando ao princípio básico da moral: não prejudicar pessoa alguma e ser bons para com todos;

quietismo: essa etapa final seria de renúncia às solicita-ções da vontade, o que levaria à superação dos instintos e à autoanulação própria da vontade, por meio da fuga da mente para o nada.

Polêmica vital contemporânea

Para esse filósofo, a arte era lúdica: proporcionava alegres jogos de imaginação, ligados à criação e à contemplação do belo, nos quais a razão e a sensibilidade podiam mover o homem no desejo e na liberdade de aperfeiçoar o que ele conhecia. Schiller acreditava que, mesmo sem poder transgredir a ordem natural e os deveres morais, o homem encontrava na imaginação a liberdade estética de criar e recriar as formas da matéria. Além disso, tal faculdade poderia despertar os sentimentos, que são essenciais para uma vida ética. Por isso, o filósofo criticava a fragmentação do homem e do conheci-mento pela ruptura entre razão e sensibilidade. A fim de aperfeiçoar moralmente a humanidade, ele defendia a ação lúdica da arte e uma educação estética para as pessoas.

Por outro lado, criticava o uso da cultura para justificar o egoísmo e a depravação dos costumes. Dizia que a beleza mal utilizada criava um reino de aparências e paixões. Por isso, o artista devia render-se ao belo, não aos desejos de sua época, suprindo-a do que lhe faltasse, em vez de usufruir o que ela oferecesse. Além disso, Schiller condenava a submissão da arte à utilidade e ao que chamava de “ruidoso mercado do século”, sem saber o quanto esse mercado cresceria nos séculos seguintes.

Sensibilidade e Criação18

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Nietzsche se dizia “o extremo oposto de um filósofo pessimista”. Por isso, atacava as ideias de Schopenhauer e defendia a vontade de potência: um desejo ilimitado de viver apesar de toda a dor, erro, imperfeição ou catástrofe. Ele não aceitava que o homem fugisse à força da vida, que sempre se renova, apesar do sacrifício ou do aniquilamento dos indivíduos. Nesse eterno retorno, o homem devia aceitar a dor com alegria e coragem, celebrando o fato de viver, assim como o faria um poeta trágico. Dizer “Sim!” à vida, em quaisquer condições, seria uma forma de superioridade, transformando aquele que a atingisse no que o filósofo de-nominava além do homem.

Essa ilimitada vontade de vida, designada por Nietzsche como vontade de potência, corresponderia, segundo ele, ao elemento dionisíaco da existência. No contexto da

mitologia grega, Dionísio era o deus que representava a falta de medida, o prazer, a embriaguez e o sacrifício. Em oposição a ele, o deus Apolo representava a ordem, a medida e o amor à perfeição. Logo, no pensamento de Nietzsche, essas características correspondiam ao elemento apolíneo da existência. Na visão desse filósofo, a arte trágica surgiu exatamente do confronto entre o apolíneo e o dionisíaco na vida humana. Ela passou a representar esse conflito, com a missão de trazer ao homem, que se sentia incompleto, a sensação de unidade e plenitude.

Assim, a arte não seria um meio para libertar-se da vida, mas sua própria finalidade, promovendo o que Nietzsche chamava de “domesticação artística do susto” diante das ca-tástrofes da existência e de “alívio artístico do nojo diante do absurdo”. Isso justificava a sua preferência pela arte trágica.

Diante da visão nietzschiana da tragédia, é possível que você tenha relembrado a catarse aristotélica. Porém, o texto a seguir mostrará que, segundo Nietzsche, o além do homem teria outras razões para amar a arte trágica e viver de acordo com os seus princípios:

descarga veemente – assim o mal entendeu Aristóteles –, mas para, além do pavor e da compaixão, ser ele mesmo o eterno prazer do vir a ser – esse prazer que encerra em si mesmo até mesmo o prazer pelo aniquilamento...

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia no espírito da música. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 47. (Os pensadores).

Com essas ideias, Nietzsche se autodenominava o primeiro filósofo trágico da história e afirmava o desejo de conduzir sua própria vida como se ela fosse uma obra de arte.

Considerando as ideias de Schopenhauer e de Nietzsche, discuta:

a) A função da arte é afastar as dores da vida ou mergulhar o homem na beleza que sobrevive a tais dores?

b) A arte liberta o homem do domínio da vontade ou liberta a vontade do autocontrole do homem?

Vontade de potência

FILOSOFIA

19Ensino Médio | Modular

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A palavra técnica possui vários sentidos, entre os quais destacam-se os seguintes: procedi-mento regido por normas para garantir a eficácia de uma atividade e forma de produção que se utiliza de máquinas. Portanto, encontram-se técnicas nos procedimentos do artista, do artesão, do cientista, do operário, entre outros. No sentido da palavra que se assemelha ao de artes mecâni-cas, a técnica consiste em formas de produção de bens úteis, como os que provêm da indústria.

m

Mistérios da arte

Em busca de definições...

As dificuldades encontradas para definir a arte devem-se ao caráter essencialmente múltiplo e mutável que ela apresenta. Alguns estudiosos tentaram defini-la com base em suas relações e possíveis funções. Talvez você tenha percebido isso nas teorias dos filósofos citados anteriormente. Platão, por exemplo, destacou a função negativa de iludir; Aristóteles, a de educar percepções e emoções; os demais destacaram as de civilizar, moralizar, libertar ou realizar o homem. Além dessas, atribuem-se à arte, frequentemente, outras funções, como as de decorar, agradar e entreter, expressar e comunicar sentimentos.

Para que você compreenda melhor a complexidade envolvida na busca de uma definição para a arte, são apresentadas, a seguir, oito hipóteses defendidas no decorrer da história, segundo algumas de suas possíveis relações e funções:

Relações da arte com a natureza e a realidade

Definição Características

1. Imitação Arte submissa à realidade e às regras para a reprodução do real.

2. Criação Ênfase na originalidade, inspiração e genialidade do artista.

3. Construção Possibilidade de dar um novo significado à realidade que se vive.

Relações da arte com o homem

Definição Características

1. Conhecimento Arte como revelação da verdade.

2. Atividade prática Arte como produção baseada no raciocínio.

3. Sensibilidade Arte como percepção que agrada desinteressadamente.

Funções da arte

Definição Características

1. Educação A arte envolve os sentimentos do artista, do espectador e de uma época.

2. Expressão A arte revela aspectos do indivíduo e da cultura, ampliando a sua liberdade.

ABBAGNANNO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 367-374.

A origem da arte é controversa, mas a hipótese de sua relação com os primeiros rituais mágicos e religiosos da humanidade tem sido uma das mais aceitas. Quanto à definição, a de poiesis talvez seja a mais antiga, abrangendo tudo o que o homem pode produzir. Contudo, no século XVIII, veio a separação entre artes mecânicas, ligadas à utilidade, e belas-artes, ligadas à beleza. Essa sepa-ração teria importante reflexo para as sociedades industriais dos séculos seguintes, no que se refere às discussões sobre os limites que distinguem a técnica – correspondente às artes mecânicas – e a arte – correspondente às belas-artes.

Sensibilidade e Criação20

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Diante de tantas dificuldades e possibilidades no âmbito de definição da Arte e de suas obras, reflita sobre o texto a seguir:

Nada existe realmente que se possa dar o nome de Arte. O que existe são os artistas – isto é, homens e mulheres

possuem aquela integridade de caráter que jamais se contenta com meias soluções, e se dispõe a abandonar

sincero. Acreditamos que artistas nascerão sempre. Mas se haverá arte vai depender também, em não pequeno grau, de nós mesmos, que somos o público.

GOMBRICH, Ernest Hans. A história da Arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. p. 596.

1. Considerando as informações desta unidade e o texto da seção Leitura filosófica, comente as possíveis dificuldades para se definir o que é arte.

2. Para responder às questões a seguir sobre ser artista, considere as obras de arte indicadas:

a) Poema do escritor Ferreira Goulart, musicado pelo intérprete e compositor Raimundo Fagner, ambos artistas brasileiros:

Traduzir-seUma parte de mim é todo mundo Outra parte é ninguém, fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão Outra parte estranheza e solidão.Uma parte de mim pesa e pondera Outra parte delira.Uma parte de mim almoça e janta Outra parte se espanta.

Uma parte de mim é permanente Outra parte se sabe de repente.Uma parte de mim é só vertigem Outra parte é linguagem.Traduzir uma parte na outra parte, É uma questão de vida e morte,Será arte? Será arte?

GOULART, Ferreira; FAGNER, Raimundo. Traduzir-se. Fagner. Madri: CBS/Sony Music, 1993. 1 CD (48 min): digital, estéreo.

Van Gogh tentou viver de sua arte, enfrentando privações. Atualmente, seus quadros estão entre os mais caros do mundo

b) Quadro expressionista, no qual Van Gogh representa a si mesmo em atividade artística, compondo uma imagem que expressa os sentimentos e as percepções desse gênio da pintura:

O que faz de alguém um artista?

Um artista pode se reconhecer facilmente como tal?

Por que nem sempre a obra de um artista é valorizada em sua própria época?

VAN GOGH, Vincent. Autorretrato no atelier. 1888. 1 óleo sobre tela, color., 65,5 cm x 50,5  cm. Museu Van Gogh de Amsterdã, Holanda.

Ensino Médio | Modular 21

FILOSOFIA

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Sensibilidade e Criação22

Arte ou indústria?3Atualmente, novos temas enriquecem a reflexão estética. Entre eles, destacam-se os movimentos

artísticos de vanguarda (que propõem linguagens e métodos revolucionários) e as relações entre arte, propaganda e tecnologia.

Com o decorrer do tempo, adotaram-se rígidas normas para a máxima perfeição e beleza na repre-sentação artística da realidade. Os críticos de arte ancoraram sua análise na fidelidade a tais normas. Porém, no século XIX, a âncora começou a ruir com a chegada de movimentos que se ramificariam pelo século seguinte, influenciando todas as manifestações artísticas. A seguir, será tomado, principalmente, o exemplo da pintura para demonstrar os efeitos dessa mudança.

RealismoO primeiro sinal da mudança mostrou-se no rompimento com uma característica marcante das artes

plásticas: a idealização dos modelos representados. Uma nova corrente denominada Realismo passou a retratar cenas corriqueiras, pessoas comuns e até elevados temas religiosos com uma desconcertante simplicidade, destacando apenas os elementos principais e excluindo os detalhes em torno deles, numa tentativa de mostrar as coisas como elas são e não como ideais.

ImpressionismoOutro grupo decidiu não retratar as coisas, mas a impressão

que elas provocam nos sentidos. Por isso, pintavam ao ar livre, retratando movimentos e reproduzindo efeitos da luz natural sobre seres e paisagens. Sua recusa a métodos e normas tradicionais abriu caminho a movimentos de vanguarda, que seriam reunidos sob o rótulo de Modernismo. Contudo, os impressionistas foram duramente criticados pela confusão de suas imagens, efeito que se atenua a certa distância dos quadros, revelando uma grande habilidade técnica dos artistas.

Arte em movimento

Nesta obra, Manet retrata o método de trabalho de Monet, que utilizava a luz natural sobre as águas e o movimento da navegação para retratar as impressões dos sentidos. Ambos são considerados pintores impressionistas

MANET, Édouard. Monet trabalhando em seu barco. 1874. 1 óleo sobre tela, color., 80 cm x 98 cm. Nova Pinacoteca de Munique, Alemanha.

Claude Monet

e o movimento

impressionista

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O Realismo

na arte de

Jean-François

Millet

@FIL881

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Ensino Médio | Modular 23

FILOSOFIA

ExpressionismoO impacto das obras expressionistas foi ainda mais cho-

cante. Sem respeito à aparência natural das coisas, nem compromisso com o belo, essa nova pintura retratava as emoções do artista diante da realidade. Modificando ou até mesmo ignorando as formas convencionais, ela abriu novas portas à liberdade e à imaginação criativa.

Nessa tela, Kandinsky radicaliza os princípios do Expressionismo, ignorando as formas reais

para expressar livremente as suas próprias emoções no contraste das cores vibrantes e

em formas inesperadas

KANDINSKY, Wassily. Cosacos. 1910-1911. 1 óleo sobre tela, color., 95 cm x 130 cm. Galeria Tate, Londres.

Arte pela arte

A defesa da liberdade criativa gerou inúmeros movimentos, entre os quais podem-se destacar os seguintes:

Cubismo: chegou-se à decomposição da imagem em partes geométricas para formar novos conjuntos capazes de desafiar a percepção e a inter-pretação.

Primitivismo: o apego à simplicidade afastou muitos pintores dos mode-los tradicionais, envolvendo-os na descoberta de novos arranjos de dife-rentes possibilidades nas cores e formas.

Surrealismo: retratar “realidades” oníricas e imaginárias, ou seja, pre-sentes nos sonhos e na imaginação.

Assim, contra as normas dos eruditos, a experimentação tornou-se cada vez mais livre, sendo, porém, criticada por gerar obras tão abstratas, que exigiam uma nova erudição para serem compreendidas.

Nessa obra, Picasso, o mestre do Cubismo, destaca as formas geométricas que constituem a sua personagem

PICASSO, Pablo. Moça diante do espelho. 1932. 1 óleo sobre tela, color., 162,3 cm x 130,2 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque.

Características do

movimento artístico

cubista

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CineastaO cineasta normalmente faz um curso de graduação em cinema. O mercado de trabalho se expandiu bastante

com a popularização das mídias digitais, pois vem sendo frequente a produção audiovisual nesse formato. Outro espaço de atuação recente é a produção de mídias indoor e a de vídeos institucionais para empresas e ONGs. O mercado tradicional é o da produção cinematográfica de longas-metragens, curtas e vídeos de animação para cinema e televisão. Esse profissional participa do processo de adaptação de roteiros, escolha de elenco e locações, cenário, iluminação, fotografia, sonorização e edição.

Fim dos movimentos

Nos séculos XIX e XX, enquanto a fotografia modificava o olhar e a ação dos pintores, o apego da arte experimental à simplicidade e sua recusa a métodos e normas tradicionais tornavam ainda mais difícil a tarefa de diferenciar o que é e o que não é arte. E logo os movimentos libertários do Modernismo foram atropelados pela visão eclética da Arte Pós-Moderna, que reunia vanguarda e estilos tradicionais, em uma mistura que tanto agradava quanto escandalizava. Com ela, veio também a Pop Art, trazendo, para o campo da pintura, temas ligados ao consumo e ao caráter descartável dos produtos no mundo capitalista.

Vanguardas brasileiras

Impressionismo, Expressionismo, Primitivismo, Surrealismo e outros movimentos de vanguarda atingiram também a escultura, a arquitetura, a música, a poesia e a literatura. Além disso, o nasci-mento da fotografia e do cinema trouxe mudanças importantes. Assim, em pouco tempo, eles também sofreram novas abordagens.

Nesse contexto, veja alguns dos mais expressivos movimentos artísticos e culturais do Brasil no século XX:

Semana de Arte Moderna de 1922: Trouxe a “estética modernista” para a poesia, a literatura, as artes plásticas e a arquitetura. Baseou-se em elementos, como linguagem coloquial, liberdade expressiva e busca de uma identidade cultural que refletisse como o Brasil “digere” elementos culturais de sua origem indígena, influências africanas, europeias e outras, formando uma cultura singular – atitude denominada Antropofagia. Entre os principais representantes desse movimento, destacaram-se: Oswald e Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Villa-Lobos, Victor Brecheret e Antonio Moya.

Cinema Novo: Nas décadas de 1950 e 1960, artistas brasileiros buscaram uma nova forma de fazer cinema, incluindo críticas sociais e políticas baseadas na realidade do país. Utilizaram uma abordagem conhecida como “estética da fome”, com cenas realistas – gravadas em favelas e comunidades carentes – e um mínimo de tecnologia. Desejavam criar e conscientizar, o que fa-ziam com “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, segundo as palavras do cineasta Glauber Rocha. O resultado desse movimento recebeu a designação de Cinema Novo e obteve reconhe-cimento internacional. Seus principais representantes foram: Glauber Rocha, Cacá Diegues, Rui Guerra e Nelson Pereira dos Santos.

A palavra Modernismo refere-se aos movimentos

culturais e artísticos de

vanguarda das primeiras

décadas do século XX.

24 Sensibilidade e Criação

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1. A arte precisa revelar compromisso com a realidade social em que o artista se encontra inserido? Por quê?

2. Pesquise sobre os movimentos artísticos do século XX, inclusive no Brasil. Apresente os resultados em forma de um painel, com textos e imagens, dando ênfase para a música no Brasil nas décadas de 1950 e 1960.

Heranças dos séculos XVIII e XIX, a tecnologia industrial e o capitalismo atingiram também o campo da Estética. No século XX, marcado por movimentos artísticos, novas ideias políticas e duas guerras mundiais, um grupo de filósofos de orientação marxista, conhecido como Escola de Frankfurt, refletiu sobre os vários efeitos dessa herança, inclusive a transformação da arte em produto e entretenimento descartável, por meio de suas relações com a tecnologia e o capital. Por outro lado, as tecnologias de comunicação e reprodução foram bem recebidas pelas massas, que, com maior ou menor senso crítico, passaram a ter algum tipo de contato com obras antes só conhecidas por elites econômicas e intelectuais.

Indústria culturalTheodor Adorno e Max Horkheimer descreveram um fenômeno cultural recente: a

indústria cultural, gerada pelos efeitos da tecnologia industrial sobre as obras de arte e informações, que passaram a ser padronizadas para favorecer o consumo e o lucro. Segundo eles, a submissão da cultura aos interesses econômicos e ao consumo promovia os valores do capitalismo e reforçava as desigualdades sociais.

Adorno afirmava ainda que o Iluminismo do século XVIII libertou o homem do domínio de certo “medo mágico”, para que ele pudesse se afirmar como um ser livre e racional; mas o século XX trouxe um “anti-iluminismo” e com ele a dominação brutal do homem pela técnica. A própria arte tornou-se um produto da técnica, voltado ao mercado e visando gerar negócios, consumo e entretenimento. Além disso, o tempo livre passou a ser gasto com os produtos da indústria cultural, mercadorias fabricadas tecnologicamente para a diversão – o que, num ciclo vicioso, transformou o lazer em extensão do trabalho operário, quando aquele deveria ser uma libertação momentânea desse.

Por outro lado, essa indústria teria o poder de estimular e enganar o desejo humano de posse e consumo: prometendo e não cumprindo, oferecendo e privando, criando ne-cessidades e estabelecendo os limites da satisfação possível. Produtos culturais seriam desejados por oferecerem erotismo, poder e satisfação que, na verdade, o consumidor jamais alcançaria. Cinema e TV, por exemplo, seriam capazes de estimular o consumo por meio do merchandising de certos produtos, explorando formas de sedução e impondo seus padrões de beleza. Assim, venderiam imagens inatingíveis de felicidade e sucesso, além da falsa impressão de que ambos só poderiam ser obtidos quando os padrões impostos se realizassem.

Obra ou produto?

Filósofos de orientação marxista: defendiam a teoria

socialista, formulada pelo filósofo alemão Karl Marx, no

século XIX, em contraposição ao modelo capitalista de produção econômica e de classes sociais.

Escola de Frankfurt: em virtude da cidade alemã em que iniciou suas discussões, o grupo

de filósofos marxistas, que cunhou as expressões “indústria

cultural” e “reprodutibilidade técnica da arte”, entre outras,

ficou conhecido como Escola de Frankfurt. Adorno, Horkheimer

e Benjamin, cujas ideias são apresentadas neste volume,

faziam parte desse grupo.

Merchandising : relação entre cultura e comércio. Pode ocorrer,

por exemplo, na apresentação de produtos em filmes, novelas e programas ou na associação da

marca de programas, personagens ou pessoas a produtos fabricados

para o consumo.

A relação

entre indústria

cultural,

consumo e

alienação

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FILOSOFIA

25Ensino Médio | Modular

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hele

Cza

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ilva

Sombrinha com reprodução do quadro de Edgar Degas: arte transformada em produto

para consumo

1. Discuta os seguintes tópicos:

a) Aspectos positivos e negativos da reprodução das obras de arte.

b) Consequências da massificação e da repetição nos produtos culturais.

c) Consequências da pirataria como nova forma de reprodução cultural.

2. Consultando a mídia impressa e/ou digital, organize uma exposição de reportagens atuais sobre os tópicos anteriores.

Técnica e reprodução

DEGAS, Edgar. Foyer de dança da ópera. 1872. 1 óleo sobre tela, color., 36 cm x 42 cm. Museu de Orsay, Paris.

Walter Benjamin falou de um aspecto importante para o êxito da indústria cultural: a reprodução técnica das obras de arte. Para ele, a arte sempre foi suscetível à reprodução. À medida de suas possibilidades, todas as épocas imitaram as obras dos gênios para aprender, difundir ou falsificar a arte e obter lucro. Mas nunca houve tanta tecnologia para facilitar esse trabalho como a partir do século XX, com os avanços da fotogra-fia, do cinema e das outras formas de reprodução, que não param de crescer até os dias atuais. Já no século XXI, o que ele não diria sobre a reprodução por meio de informática e da internet?

Segundo Benjamin, a reprodutibilidade técnica tirou da obra de arte a aura sagrada de sua origem, transformando--a em produto artificial e repetitivo. Além disso, as próprias técnicas de reprodução passaram a ser vistas como formas originais de arte, espalhando os valores do capitalismo. Para reverter esse processo, à medida do possível, ele falou da necessidade de politizar a arte, especialmente o cinema, para difundir valores contrários aos do sistema dominante. Vale a pena discutir os limites e as possibilidades dessa proposta!

Segundo Benja

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1. (UFMG) Observe este quadro:

MAGRITTE, René. A reprodução proibida. 1935. 1 óleo sobre tela, color., 81 cm x 65 cm. Museu Boymans-Van Beuningen, Roterdã.

Agora leia esta citação:

A imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar imagens que ultrapas-sam a realidade. BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1968. p.17-18.

Redija um texto, estabelecendo uma correlação entre o quadro e a citação.

2. (UFU – MG)

[…] Que pensamentos então que aconteceria, disse ela, se a alguém ocorresse contemplar o próprio belo, nítido, puro, simples, e não reple-to de carnes, humanas, de cores e outras muitas ninharias mortais, mas o próprio divino belo pu-desse em sua forma única contemplar? Porven-tura pensas, disse, que é vida vã a de um homem olhar naquela direção e aquele objeto, com aqui-lo [a alma] com que deve, quando o contempla e com ele convive? Ou não consideras, disse ela, que somente então, quando vir o belo com aqui-lo com que este pode ser visto, ocorrer-lhe-á pro-duzir não sombras de virtude, porque não é em sombras que estará tocando, mas reais virtudes, porque é no real que estará tocando? PLATÃO. O banquete. Tradução de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 42-43.

A partir do trecho de Platão, analise as assertivas abaixo:

I. O belo verdadeiro para Platão encontra-se no conhecimento obtido pela observação das coisas humanas.

II. A contemplação do belo puro e simples é atingida por meio da alma.

III. Cores e sombras são virtudes reais, visto que se possa, ao tocar nelas, tocar no próprio real.

IV. Há, como na Alegoria da Caverna, uma rela-ção direta para Platão entre o conhecimento e a virtude.

Assinale a alternativa que contém as assertivas corretas:

a) I e II são corretas. b) II e IV são corretas.

c) III e IV são corretas.

d) I, II e III são corretas.

3. (UEL – PR) Considere a citação abaixo:

Sócrates: Tomemos como princípio que todos os poetas, a começar por Homero, são simples imitadores das aparências da virtude e dos ou-tros assuntos de que tratam, mas que não atin-gem a verdade. São semelhantes nisso ao pintor de que falávamos há instantes, que desenhará uma aparência de sapateiro, sem nada entender de sapataria, para pessoas que, não perceben-do mais do que ele, julgam as coisas segundo a aparência?

Glauco – Sim.PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997. p. 328.

Com base no texto acima e nos conhecimentos sobre a mímesis em Platão, assinale a alternativa correta:

a) Platão critica a pintura e a poesia porque am-bas são apenas imitações diretas da realidade.

b) Para Platão, os poetas e pintores têm um co-nhecimento válido dos objetos que represen-tam.

c) Tanto os poetas quanto os pintores estão, se-gundo a teoria de Platão, afastados dois graus da verdade.

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FILOSOFIA

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d) Platão critica os poetas e pintores porque es-tes, à medida que conhecem apenas as apa-rências, não têm nenhum conhecimento váli-do do que imitam ou representam.

e) A poesia e a pintura são criticadas por Platão porque são cópias imperfeitas do mundo das ideias.

4. (UEL – PR)

Se chegasse à nossa cidade um homem aparen-temente capaz, devido à sua arte, de tomar to-das as formas e imitar todas as coisas, ansioso por se exibir juntamente com os seus poemas, prosternávamo-nos diante dele, como de um ser sagrado, maravilhoso, encantador, mas dir-lhe- -íamos que na nossa cidade não há homens des-sa espécie, nem sequer é lícito que existam, e mandá-lo-íamos embora para outra cidade, de-pois de lhe termos derramado mirra sobre a ca-beça e de o termos coroado de grinaldas. PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 7. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993. p. 125.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a arte em Platão, é correto afirmar:

a) Platão é contrário à imitação, por ela ser a “aparência da aparência” ou uma cópia da realidade, num nível inferior.

b) Platão valoriza a presença dos artistas nas cidades, por sua capacidade de imitar todas as coisas.

c) Platão concebe a imitação como uma ati-vidade que, ao invés de copiar aparências, imita emoções e ações.

d) Platão valoriza os poemas porque eles, ape-sar de imitarem as coisas, proporcionam um grande prazer sensível.

e) Platão admite a possibilidade de a imitação adquirir uma perspectiva positiva, desde que seja concebida como contendo uma vi-são que se afaste da sofística.

5. (UEL – PR)

[...] não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimi-lhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa [...] diferem, sim, em que diz um as coisas

que sucederam, e outro as que poderiam suce-der. Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta o particular. ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 209.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a estética em Aristóteles, é correto afirmar:

a) A poesia é uma cópia imperfeita, realizada no mundo sensível, sob a inspiração das musas e distante da verdade.

b) Os poetas, de acordo com a sua índole, re-presentam pessoas de caráter elevado, como ocorre na tragédia, ou homens inferiores, como na comédia.

c) A poesia deve ser fiel aos acontecimentos históricos e considerar os fatos em sua par-ticularidade.

d) A poesia deve a sua origem à história, e a compreensão daquela supõe o entendimen-to da própria natureza do ser humano.

e) A imitação, que ocorre na tragédia, repre-senta uma ação completa e de caráter ele-vado, de uma forma narrativa e não dramá-tica.

6. (UFPA)

[...] que a arte tenha de pedir as formas à na-tureza, é afirmação incontestável [...]. É de tal natureza o conteúdo de uma obra de arte que, embora dotado de caráter espiritual, só em for-mas naturais pode ser representado. Quando de um modo abstrato se diz que a obra de arte é imitação da natureza, parece que se quer im-por à atividade do artista limites impeditivos de criação propriamente dita. [...] Ainda quan-do se imita a natureza tão exatamente quanto possível, jamais se chega a obter a reprodução rigorosamente fiel dos modelos. É, esse, por exemplo, o caso do retrato. A ambição do artis-ta pode bem ser a imitação; não é essa, porém, a função da arte. HEGEL. Estética: a ideia e o ideal. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 98.

Tendo como referência o texto, assinale a alter-nativa correta que define a posição do autor no que diz respeito à obra de arte visar à imitação da natureza:

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a) A imitação da natureza, pelo artista, sendo reprodução de formas naturais, pode ser cha-mada de cópia.

b) A imitação da natureza pelo artista é uma ati-vidade cujo resultado (a obra de arte) jamais constituirá uma simples reprodução fiel da na-tureza, mas, uma representação desta.

c) A maior ambição do artista é imitar a nature-za.

d) A obra de arte não pode ser imitação da natu-reza, por ser ela essencialmente espiritual.

e) O retrato é uma forma de representação fiel da natureza.

7. (UEL – PR) O texto a seguir apresenta uma crítica feita por Monteiro Lobato, publicada em 1917, por ocasião da exposição de Anita Malfatti:

Todas as artes são regidas por princípios imutá-veis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude. As medidas de propor-ção e equilíbrio, na forma ou na cor, decorrem do que chamamos sentir. Quando as sensações do mundo externo transformam-se em impres-sões cerebrais, nós “sentimos”; para que sinta-mos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração ou que o nosso cérebro este-ja em “pane” por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normal-mente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá “sentir” senão um gato, e é falsa a “in-terpretação” que do bichano fizer um “totó”, um escaravelho, um amontoado de cubos transpa-rentes. LOBATO, Monteiro. Paranoia ou mistificação. Estadinho, O Estado de S. Paulo, 1917.

Com base no texto, é correto afirmar que, para esse autor:

I. a arte moderna é fruto da distorção cogniti-va de seu criador;

II. a arte moderna é uma imitação do mundo visível;

III. as leis fundamentais da arte são: proporção, equilíbrio de forma e cor;

IV. a harmonia do universo ampara a arte mo-derna.

Assinale a alternativa que contém todas as afir-mativas corretas:

a) I e II. b) I e III.

c) III e IV. d) I, II e IV.

e) II, III e IV.

8. (UEL – PR)

Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no hori-zonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho. Graças a essa definição, é fácil iden-tificar os fatores sociais específicos que condicio-nam o declínio atual da aura. Ele deriva de duas circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente difusão e intensidade dos movimentos de massas. Fazer as coisas “ficarem mais próximas” é uma preocupação tão apaixonada das massas moder-nas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade.BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 170. (Obras Escolhidas)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Benjamin, assinale a alternativa correta:a) Ao passar do campo religioso ao estético, a

obra de arte perdeu sua aura.b) Ao se tornarem autônomas, as obras de arte

perderam sua qualidade aurática. c) O declínio da aura decorre do desejo de dimi-

nuir a distância e a transcendência dos obje-tos artísticos.

d) O valor de culto de uma obra de arte suscita a reprodutibilidade técnica.

e) O declínio da aura não tem relação com as transformações contemporâneas.

9. (UEL – PR) Sobre a “indústria cultural”, segun-do Adorno e Horkheimer, é correto afirmar:

a) Desenvolve o senso crítico e a autonomia de seus consumidores.

b) Reproduz bens culturais que brotam espon-taneamente das massas.

c) O valor de troca é substituído pelo valor de uso na recepção da arte.

d) Padroniza e nivela a subjetividade e o gosto de seus consumidores.

e) Promove a imaginação e a espontaneidade de seus consumidores.

Ensino Médio | Modular 29

FILOSOFIA

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10. (UEL – PR) Observe a imagem a seguir:

WARHOL, Andy. Marilyn Monroe. 1967.

A imagem anterior refere-se a um quadro que foi produ zido pelo artista norte-americano Andy Warhol. Valendo-se de recursos da “sociedade de consumo” como, por exemplo, fotos de artistas famosos, Warhol produ ziu um número assombroso de quadros em um curto espaço de tempo. O fenômeno da reprodução na arte foi estudado pelo filósofo alemão Walter Benjamin, que na década de 30 publicou um ensaio intitulado “A obra de arte no tempo de sua reprodutibilidade técnica”. Sobre a teoria de Walter Benjamin a respeito das consequências da reprodução em massa das obras de arte, é correto afirmar que o autor:

a) entende negativamente o fenômeno da re-produção na arte por representar a destruição das obras de arte e a sua transformação em mercadoria pela indústria cultural.

b) reconhece que ocorrem mudanças na forma de as pessoas receberem as obras de arte e propõe a reeducação das massas como forma de resgate da aura, isto é, daquilo que é dado apenas uma vez.

c) percebe na reprodução da obra de arte a dis-solução da sociedade moderna, fenômeno este sem volta e que representa o triunfo do capitalismo sobre o pensamento crítico e a reflexão.

d) interpreta a reprodutibilidade como um fe-nômeno inevitável da sociedade capitalista que provoca alterações na interpretação que críticos e artistas fazem das obras de arte, sem maiores consequências ou possibilidades políticas.

11. (UEL – PR)

A indústria cultural não cessa de lograr seus consumidores quanto àquilo que está continua-mente a lhes prometer. A promissória sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação, é prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espetáculo sig-nifica que jamais chegaremos à coisa mesma, que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio. [...] Cada espetáculo da indústria cul-tural vem mais uma vez aplicar e demonstrar de maneira inequívoca a renúncia permanente que a civilização impõe às pessoas. Oferecer-lhes algo e ao mesmo tempo privá-las disso é a mesma coisa. ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do escla-recimento. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p.130-132.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre indústria cultural em Adorno e Horkheimer, é correto afirmar:

a) A indústria cultural limita-se a atender aos de-sejos que surgem espontaneamente da massa de consumidores, satisfazendo as aspirações conscientes de indivíduos autônomos e livres que escolhem o que querem.

b) A indústria cultural tem um desempenho pou-co expressivo na produção dos desejos e ne-cessidades dos indivíduos, mas ela é eficiente no sentido de que traz a satisfação destes de-sejos e necessidades.

c) A indústria cultural planeja seus produtos de-terminando o que os consumidores desejam de acordo com critérios mercadológicos. Para atin-gir seus objetivos comerciais, ela cria o desejo, mas, ao mesmo tempo, o indivíduo é privado do acesso ao prazer e à satisfação prometidos.

d) O entretenimento que veículos, como o rádio, o cinema e as revistas, proporcionam ao pú-blico não pode ser entendido como forma de exploração dos bens culturais, já que a cultura está situada fora desses canais.

e) A produção em série de bens culturais padro-nizados permite que a obra de arte preserve a sua capacidade de ser o suporte de manifesta-ção e realização do desejo: a cada nova cópia, a crítica se renova.

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Anotações

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Anotações