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1 SEMINÁRIO VI ENCUENTRO INTERNACIONAL DE ECONOMÍA POLÍTICA Y DERECHOS HUMANOS ARGENTINA Y AMERICA LATINA DILEMAS DE UNA NUEVA ETAPA ECONÓMICA, POLÍTICA Y SOCIAL LA ECONOMÍA AL SERVICIO DE LOS PUEBLOS Avaliação de Políticas Públicas Sociais: o caso do Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará Eixo Temático: 2 – América Latina: Estratégias Nacionais e Integração Regional Autor: Robert Paula Gouveia 1 OBS: Autorizo a publicação deste artigo pela organização do evento. Solicito, dentro das possibilidades, notebook e data show para a apresentação do artigo através de slides. 1 Professor Assistente da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Doutorando em Política Social pela Universidade de Brasilia – UnB. Endereço Postal: SQS 412 – Bloco G – Apto. 207 – CEP: 70278-070 – Brasília/DF. Fone: (61) 81534001 Email: [email protected]

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1

SEMINÁRIO

VI ENCUENTRO INTERNACIONAL DE ECONOMÍA POLÍTICA Y DERECHOS

HUMANOS

ARGENTINA Y AMERICA LATINA DILEMAS DE UNA NUEVA ETAPA

ECONÓMICA, POLÍTICA Y SOCIAL

LA ECONOMÍA AL SERVICIO DE LOS PUEBLOS

Avaliação de Políticas Públicas Sociais: o caso do Fundo de Desenvolvimento

Industrial do Ceará

Eixo Temático: 2 – América Latina: Estratégias Nacionais e Integração Regional

Autor: Robert Paula Gouveia1

OBS: Autorizo a publicação deste artigo pela organização do evento.

Solicito, dentro das possibilidades, notebook e data show para a apresentação do artigo

através de slides.

1 Professor Assistente da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Doutorando em Política Social pela Universidade de Brasilia – UnB.

Endereço Postal: SQS 412 – Bloco G – Apto. 207 – CEP: 70278-070 – Brasília/DF.

Fone: (61) 81534001

Email: [email protected]

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Avaliação de Políticas Públicas Sociais: o caso do Fundo de Desenvolvimento

Industrial do Ceará.

Robert Paula Gouveia2

Resumo

Este artigo visa apresentar a análise do Programa de Desenvolvimento Industrial do Estado

do Ceará, através do seu Fundo de Desenvolvimento Industrial - FDI no tocante à

configuração e abrangência dos direitos e benefícios previstos no Programa bem como

quanto à configuração do financiamento e gasto do mesmo, além da questão relativa à

participação e controle social democrático exercido pela sociedade envolvida.

Assim, segue as características da teoria de análise e avaliação de políticas sociais numa

perspectiva dialética, segundo a leitura do tema feita por autores como Boschetti (2009).

Ao final, espera-se perceber o verdadeiro caráter do referido Programa, em função do real

alcance social embutido em suas premissas.

Abstract

This article presents the analysis of the Industrial Development Programme of Ceará State, through its Industrial Development Fund - IDF regarding the configuration and scope of the rights and benefits under the program as well as the configuration of the financing and spending the same, beyond the question of the democratic participation and social control exercised by the company involved. Thus, it follows the features of the theory of analysis and evaluation of social policies in a dialectical perspective, the second reading of the subject made by authors such as Boschetti (2009). At the end, it is expected to realize the true character of that program, according to the real social impact inherent in its assumptions. Palavras-Chave

Política Pública; Política Pública Social; Avaliação de Políticas Públicas Sociais; FDI. 2 Professor Assistente da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília – UnB.

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Keywords

Public Policy, Public Social Policy, Social Assessment of Public Policies; FDI.

Introdução

As Políticas públicas sociais são ações no âmbito do Estado capitalista (embora não

necessariamente exclusivas dele) que visam desde minimizar os efeitos do sistema sobre os

agentes sociais menos protegidos, numa perspectiva institucionalista, até a proposição, a

tais agentes e à sociedade em geral, de possíveis modificações em suas realidades, aqui já

numa perspectiva dialética.

Nesse sentido, são essas políticas muito importantes para que a sociedade em questão possa

alcançar aquilo que se denomina Estado de Bem-Estar Social, no sentido de garantir

direitos e benefícios àqueles agentes menos protegidos socialmente, em princípio, e uma

abrangência universal desses direitos, isto numa visão idealista.

Assim, além de conhecer os conceitos inerentes ao tema, perpassando pelas principais

correntes teóricas a respeito, é indispensável uma análise avaliativa das mesmas, no sentido

de verificar se, de fato, estas políticas conseguem alcançar o objetivo de responder às

demandas sociais de forma efetiva e numa perspectiva promotora do bem-estar social.

Este trabalho visa então, apresentar a análise do Programa de Desenvolvimento Industrial

do Estado do Ceará, através do seu Fundo de Desenvolvimento Industrial - FDI no tocante

à configuração e abrangência dos direitos e benefícios previstos no Programa bem como

quanto à configuração do financiamento e gasto do mesmo, além da questão relativa à

participação e controle social democrático exercido pela sociedade envolvida. Assim, segue

as características da teoria de análise e avaliação de políticas sociais numa perspectiva

dialética, segundo a leitura do tema feita por autores como Boschetti (2009).

Nesse sentido, o objetivo aqui é apresentar os direitos e/ou benefícios previstos e/ou

implementados pelas políticas e/ou programas sociais, a fim de se aproximar do

estabelecimento das características essenciais do Programa (BOSCHETTI, 2009), além da

análise dos seus elementos de financiamento e gasto. Ademais, visa mostrar também a

organização e gestão da política do programa avaliado, bem como a participação e controle

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popular no âmbito desta política ou programa. Ao final, espera-se perceber o verdadeiro

caráter do referido Programa, em função do real alcance social embutido em suas

premissas.

Políticas Públicas e Políticas Públicas Sociais

A definição de política pública passa, em princípio, pela análise da atividade política

desenvolvida pelo Estado. A literatura sobre o tema, em geral, costuma definir este tipo de

política como um conjunto de decisões/ações relativas à alocação imperativa de recursos

públicos (RUA, 1998). A imperiosidade em questão vem do fato de que o Estado é o único

agente público a alocar de forma obrigatória, recursos públicos e, nesse sentido, é na esfera

política e na ação estatal, que surge a política pública, bem como a política pública social.

A definição mais sintética de política pública, apresentada por autores como Castro (2008),

apresenta política pública como sendo o Estado em ação. Nota-se em ambas as idéias, que o

Estado aparece como elemento central, norteador das políticas públicas, mas ambas,

igualmente, omitem o fato de que, não necessariamente, toda política pública é

exclusivamente estatal.

Nas últimas décadas, o tema políticas públicas tem estado na ordem do dia dos debates

nessa área. Autoras como Souza (2006) enfatizam que questões relativas à decisão,

implementação e avaliação das mesmas, têm tomado corpo e estado presente em todos os

bons debates sobre o tema. Isso pode ser atribuído, entre outros fatores, à adoção por parte

dos Estados, nos últimos tempos (notadamente os de caráter neoliberal), de políticas

restritivas dos gastos públicos, em substituição às políticas keynesianas do pós-guerra.

Nesse tipo de estratégia, que valoriza antes de tudo o ajuste fiscal e o equilíbrio

orçamentário, o Estado passa a se auto restringir em seu poder de intervenção em termos

de política econômica e social. Talvez esse fator inclusive, explique a incapacidade de

países em desenvolvimento em equalizar suas políticas públicas sociais.

Sabe-se que as políticas públicas sociais surgiram como disciplina acadêmica nos Estados

Unidos, com ênfase específica nos estudos sobre a ação governamental. Com o surgimento

da Guerra Fria (no período pós-Segunda Guerra, chegando ao clímax nos anos 1980), e a

chamada Teoria dos Jogos, a questão da ação governamental com base em estratégias

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ganhou mais corpo na academia americana. Em contrapartida, na Europa, a discussão era

mais complexa, passando pelos estudos explicativos acerca do papel do Estado (e não só do

governo) na produção de políticas públicas.

Desses debates, derivaram algumas outras definições de políticas públicas, a maioria

enfatizando o papel da política pública na solução de problemas, numa clara valorização de

aspectos racionais e de procedimentos relativos à questão. Nesse sentido, ficou claro, como

menciona Souza (2006), que as decisões e análises sobre políticas públicas implicariam

responder a questões do tipo: quem ganha o que com determinada política pública; por que

há esse ganho; e que diferença isto faz na sociedade. Críticos a essas definições de cunho

estruturalista, afirmam que elas ignorariam a essência do que realmente vem a ser uma

política publica, qual seja, um embate em torno de idéias e interesses.

De maneira geral, política pública, e política pública social em particular, seriam, a partir

dessas visões teóricas, campos multidisciplinares, focados nas explicações sobre a natureza

da política pública e seus processos, haja vista que ambas (políticas públicas e políticas

públicas sociais) repercutem diretamente nas economias e sociedades onde são

implementadas, mostrando as inter-relações existentes entre Estado, política, economia e

sociedade.

Nesse sentido, a política pública estaria definida a partir de quatro fases distintas: a

primeira seria a da formulação, onde Estado e setor econômico privado, além da sociedade

civil participariam, a partir de processos de discussão e deliberação entre todos, no sentido

de balizarem a fase subseqüente: a tomada de decisão. Na esfera estatal estariam presentes

políticos, burocratas, parlamentares; da parte do setor econômico privado, empresários e

representantes do capital (nacional e multinacional); pela sociedade civil, movimentos

sociais organizados, organizações não-governamentais, associações profissionais, entre

outros.

A segunda fase (decisão) geraria ações mais contundentes do Estado, com uma maior ou

menor participação privada, a partir da escolha entre as alternativas geradas anteriormente.

Aqui as demandas sociais seriam atendidas através de soluções para os problemas

apresentados. Na terceira fase, haveria a implantação das políticas, onde ocorreriam as

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ações para alcançar os objetivos, a partir da ação de indivíduos ou grupos públicos ou

privados.

Por fim, na última fase, seriam avaliados os resultados, a partir do

acompanhamento/monitoramento das políticas, comparando-se os objetivos traçados na

fase de formulação, com esses resultados específicos.

Resumidamente, pode-se afirmar que a política pública analisa amplamente a ação do

governo, propondo inclusive, quando oportuno, mudanças nessa ação. Percebe-se pela

segmentação apresentada, que através das políticas públicas os governos explicitam (ou

não) suas plataformas eleitorais em programas ou ações para a realidade onde atuam, e que

estes programas ou ações, ao serem implementados, estão sujeitos a acompanhamento e

avaliação.

Nota-se também a presença da chamada autonomia relativa do Estado em todo esse

processo. Souza (2006) menciona, nesse sentido, que essa autonomia seria o espaço próprio

do Estado, permeável a influências externas e internas, vindas de grupos de interesses

públicos ou privados, de movimentos sociais, etc.

A evolução dos estudos nessa área deu origem às análises no campo do Estado de Bem-

Estar Social (Welfare State, no original), a partir da visão de Marshall (1967), onde a

política pública social passa a ser o centro, definida como todo bem produzido para

promover socialmente as coletividades em diferentes campos.

A partir daí, várias análises sobre o tema se sucederam, como a formulada por Gasta

Esping- Andersen (2000), vinculando políticas públicas a fatores tais como, o regime

político da sociedade em questão (que responderia às questões de como e porque são

formuladas as políticas públicas sociais); a organização dos partidos políticos (os quais

aumentariam o controle social sobre a implantação das políticas públicas sociais); e a

organização sindical e os movimentos sociais (importantes em influenciar a formulação e a

implantação dessas políticas). Percebe-se aqui, como no tocante às políticas públicas em

geral, o papel central do Estado, responsável pelas ações, instituições e programas

específicos para a implantação das políticas e programas nesse sentido.

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Uma outra corrente de pensamento teórico sobre política social, de cunho dialético, sugere

uma definição da questão não apenas sob o olhar técnico-científico, mas também a partir de

conceitos baseados na ética. Autoras como Pereira (2008) lembram que este outro olhar

sobre as políticas públicas sociais afeta fortemente a vida social, uma vez que enfatiza a

necessidade de que direitos sociais se efetivem no atendimento às chamadas demandas

sociais, o que amplia a perspectiva de cidadania das coletividades envolvidas.

A identificação por esta vertente teórica, e por Pereira (2008) em particular, da política

pública social como uma política de ação, que tem todo um perfil próprio e que produz

efeitos onde atua, mostra que ela é pensada não apenas como uma disciplina teórica, que se

dispõe a conhecer e explicar a realidade, mas também como uma ferramenta prática, no

sentido de agir sobre essa realidade, visando alterá-la. Aqui a autora chama atenção para

um fato importante: sendo a política pública social também, e fortemente, prática no

sentido mencionado, ela não deve confundir-se com o conceito de administração social,

bem mais limitado ao âmbito pragmático e empírico, que nega a relação das políticas ou

programas sociais com a sociedade em geral. Isto porém, não nega o fato de que a política

pública social e a administração se influenciam mutuamente (toda ação posta em prática

afeta a conjuntura, levando a novas decisões a serem geridas pela administração), embora

não signifiquem a mesma coisa.

Em relação às políticas públicas, é correto afirmar que política social se enquadra enquanto

um tipo de política pública, ou uma espécie do gênero, como afirma Pereira (2008). Ambas

seriam políticas de ação, lembrando que o termo público não significa ação exclusiva do

Estado, como já mencionado, mas sim como algo que faz referência a todos (a toda a

coletividade envolvida), no atendimento de demandas sociais.

Cabe ainda ressaltar, o caráter contraditório inerente as políticas públicas sociais. Em tese e

de forma bastante resumida, como se supõe pelas definições apresentadas (tanto as

tradicionais quanto a dialética) política pública social significa a promoção do bem comum.

Entretanto, chama atenção o fato de que, na prática, a política pública social sempre

atenderá a interesses específicos, estando ou não efetivamente, a promover esse bem

coletivo. Na verdade, Pereira (2008) chama atenção para esse fato mostrando sua

tendenciosidade de acordo com a correlação de forças existentes, o que a tornaria, na sua

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visão, dialeticamente contraditória. A autora, entretanto, afirma que é essa contradição que

possibilita à classe trabalhadora e aos desprotegidos socialmente de modo geral, a também

utilizá-la a seu favor.

A teoria tradicional afirma ainda que isso ocorre porque grupos de poder, portadores de

interesses organizados, atores com voz ativa, capazes de pressionar por suas demandas

específicas (sendo ou não atores estatais), afetam o desenho e, conseqüentemente, a

implantação dessas políticas.

Conclui-se, portanto, que por trás do marco regulatório de qualquer política, haverá sempre

interesses ideológicos associados. No Brasil, os exemplos do Sistema Único de Saúde

(SUS), a partir do movimento sanitarista, e a montagem do sistema de ensino público

superior durante o regime militar, voltado às elites, e que abriu espaço para a atuação do

setor privado em outros “nichos mercadológicos” da sociedade brasileira, são clássicos

nesse sentido.

Notadamente no caso brasileiro, as especificidades precisam ser analisadas desde a origem

do papel do Estado enquanto fomentador de políticas públicas sociais. Nesse caso, sua

“opção” inicial foi a geração de emprego e renda e o barateamento do custo de produção

do capital, a partir dos investimentos geradores de infra-estrutura a serviço do setor

capitalista privado. Ambas as ações, inclusive, com um mesmo objetivo: a consignação de

lucratividade e expansão do capital em âmbito interno (capital nacional e multinacional),

haja vista que fornecer mão-de-obra e infra-estrutura significa “abastecer” de fatores

produtivos qualquer processo capitalista de produção e troca.

Essa lógica, todavia, foi, e é incompatível com a universalização de serviços públicos

sociais, notadamente em países reconhecidamente pobres (caso brasileiro), dada, entre

outros fatores, a necessidade de priorização de recursos. Assim é que, somente a partir da

Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro assume (tardiamente, em relação a

muitos dos países capitalistas – desenvolvidos ou não) efetivamente a formulação e a

gestão das políticas públicas sociais. Mas apesar do advento do que se convencionou

chamar constituição cidadã, muitas dessas políticas seguem até hoje mais como arremedos

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de ações sociais que propriamente com modelos nesse sentido, embora tenha havido certos

avanços em algumas áreas (casos da saúde e educação, por exemplo).

Dados recentes mostram que o Brasil, teoricamente, investe razoavelmente bem em

políticas sociais, o que gera contradição com o fato de ser uma das sociedades mais

desiguais do mundo. Disso resulta a compreensão de que a questão social brasileira é

urgente no tocante à ênfase a ser dada às políticas públicas sociais. Assim, a avaliação das

mesmas faz-se necessário enquanto instrumento primordial de esclarecimento da questão.

A Avaliação das Políticas Públicas Sociais

Antes de qualquer análise mais profunda sobre a questão da avaliação, faz-se necessário

definir o que vem a ser a avaliação de políticas públicas. Autoras como Arretche (2006),

enfatizam, de início, que se trata de um tipo de julgamento valorativo (medida de

aprovação ou desaprovação), que de forma alguma é técnico ou neutro.

Do ponto de vista analítico, lembra a autora, existem algumas tendências de avaliação de

políticas públicas sociais classificadas a partir das questões ligadas à efetividade, eficácia e

eficiência das mesmas. Efetividade é aquilo que relaciona a implementação de dada

política ou programa social e seus resultados, isto é, seu sucesso ou fracasso em mudar

uma realidade. A dificuldade aqui seria, de acordo com Arretche (2006), encontrar

precisamente a relação de causalidade entre os resultados encontrados e os produtos

oferecidos por aquela política ou programa.

Em termos de eficácia, entende a autora que se trata da relação entre os objetivos de uma

dada política ou programa social e os resultados alcançados (relação meta proposta/meta

alcançada). Trata-se da mais utilizada das formas de avaliação de políticas públicas sociais,

já que é mais factível e de mais baixo custo. Já em termos de eficiência, faz-se a relação

entre os esforços empregados na implementação de dada política ou programa e os

resultados obtidos a partir desses esforços. Segundo Arretche (2006), a mais necessária e

urgente forma de avaliação a ser desenvolvida, dada a escassez de recursos públicos, o

tamanho das populações (no Brasil, especificamente) a serem atendidas e o caráter

democrático que deve ser dado a essas políticas ou programas sociais.

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A autora enfatiza ainda dois aspectos importantes acerca da questão da avaliação de

políticas públicas sociais: primeiro a questão da avaliação como instrumento democrático,

vendo-a como uma das etapas inerentes à política pública social, e destinada a influenciar

sua reformulação (durante ou após sua implementação). Ademais, sinaliza ainda a autora

da necessidade de que essas avaliações se dêem de forma independente, a fim de um maior

e melhor controle sobre as ações públicas tanto dos cidadãos sobre o governo, como do

governo com relação a si próprio. Isto porque, segundo ela, instituições independentes

teriam mais condições e incentivos para montar instrumentos mais (mas não totalmente)

isentos de avaliação das ações governamentais.

Outros autores, de visão mais ou menos tecnicista, fazem análises de avaliação das

políticas públicas sociais a partir de uma questão para eles central: por que se deve

avaliar/monitorar políticas públicas sociais? Segundo Costin (2008), deve-se evitar a

tecnocracia e as más interpretações a partir da frieza dos dados. A autora mostra como

exemplo, o caso da educação brasileira, onde 97% das crianças entre 7 e 14 anos tiveram

acesso ao ensino fundamental no Brasil na década passada, correspondendo a um

investimento médio da ordem de 4,3% do PIB no período (maior relativamente que os

investimentos alemão, japonês ou irlandês). Todavia, os resultados brasileiros em testes

internacionais de desempenho escolar, mostraram-se, segundo ela, insatisfatórios, o que

claramente denota contradição e necessidade de uma investigação das causas desse

fenômeno.

Afirma ainda a mesma autora, sobre a necessidade, nesses processos de avaliação, da

definição prévia de critérios realistas de avaliação/resultados esperados ainda na fase de

planejamento (um tipo de avaliação ex ante), com um monitoramento dessa paralelo dessa

política pública social. No final, deve-se debruçar sobre os resultados, no sentido de

incrementá-los ou corrigi-los.

Tal avaliação exigiria ainda, segundo a autora, o uso de procedimentos sistemáticos de

pesquisa social, a fim de se verificar a efetividade dessas intervenções no âmbito da

sociedade. Nesse sentido, seria importante a participação dos chamados agentes de

avaliação, que seriam: os agentes internos (formuladores, ou representantes destes, da

política pública em avaliação, e que costumam ser pouco críticos nesse momento); os

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agentes externos (não formuladores da política pública e que podem vir a ser

exageradamente críticos, ainda que sejam política e eticamente isentos); os agentes

participativos (beneficiários das políticas públicas e fontes potencialmente positivas em

termos de críticas as mesmas, enquanto maiores interessados no seu sucesso); e os agentes

mistos (que englobariam um “mix” de avaliadores das três vertentes apresentadas).

Vale lembrar, ainda segundo a autora, que a atuação dos agentes avaliadores tem o

objetivo de garantir um controle social eficiente da implantação e efetividade das políticas

públicas, sendo este o principal meio de sustentação desta avaliação. Se este raciocínio

procede, talvez possa se associar aqui o exemplo brasileiro dos orçamentos participativos,

mesmo sabendo-se das limitações e dificuldades enfrentados pelos diversos níveis de

poder público para sua implantação e efetivação enquanto instrumentos de atuação social.

Ademais, nessa concepção, a avaliação de políticas públicas passa por uma cronologia

temporal que se inicia pelo levantamento objetivo do problema a ser combatido, a partir da

busca por informações, dados estatísticos e indicadores acerca da questão. Em seguida,

segundo ele, avalia-se a real capacidade de implantação de políticas públicas pelo Estado,

via observação quanto ao montante de recursos financeiros, humanos e infra-estruturais

disponíveis para esse tipo de ação pública. Por fim, faz-se necessário observar as

condições presentes do problema (conjuntura social), além de buscar apreender as visões

relevantes na sociedade sobre o mesmo, ou seja, sua interpretação acerca daquilo que a

aflige.

Aliás, essa interação entre setor público e sociedade, no sentido de garantir a qualidade

(em sentido amplo) das políticas públicas – especialmente as ditas sociais – em curso na

coletividade, é, ou deveria ser, a prioridade de movimento nesse tipo de ação.

Seguindo este raciocínio, percebe-se que os objetivos da análise/avaliação de políticas

públicas sociais passam por questionar a ação dessas políticas, seus determinantes, suas

finalidades, seus processos e suas conseqüências.

Aqui, o foco da análise seria, segundo a autora, a avaliação dos processos de tomada de

decisão voltados para a implantação de uma política ou de um grupo delas. Isso se daria:

pela descrição dos ordenamentos institucionais e sua influência sobre o processo decisório;

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pela identificação dos participantes das políticas e das coalizões que podem formar; e pela

avaliação dessas possíveis coalizões sobre as decisões de política pública. Seria assim,

indispensável a participação direta e atuante dos atores sociais mais fortemente ligados aos

potenciais resultados das políticas públicas sociais que estão sendo gestadas.

Numa perspectiva diferente, autores ligados à tradição dialética, como Behring e Boschetti

(2006), por exemplo, fazem uma análise mais crítica no tocante à relação das políticas e

programas sociais com o Estado e as classes sociais. Nesse sentido, segundo as autoras, as

políticas sociais não significariam apenas possibilidades de confronto quando das tomadas

de decisão, mas sim elementos de regulação política e econômica das relações sociais.

Assim, salienta Boschetti (2009), analisar e avaliar políticas sociais não se limita a usar

métodos e técnicas racionais e operativas, preocupados apenas com questões como relação

custo-benefício ou elementos do tipo eficiência e eficácia. Trata-se de algo bem mais

abrangente e complexo, já que busca compreender o papel do Estado e das classes sociais

na efetivação da cidadania de forma democrática. Isso se traduz, entre outras coisas, na

garantia de ganhos para a classe trabalhadora a partir dos limites impostos ao capital pelas

políticas sociais, como mostrou Marx (1984), em suas análises sobre as primeiras

legislações fabris na Inglaterra do século XIX.

Nesse sentido, conhecer elementos tais como o grau de desenvolvimento/estratégias de

acumulação do sistema capitalista no qual a política social está sendo implementada, o

papel do Estado na regulamentação e implementação dessa política, bem como o papel

desempenhado pelas classes sociais inseridas nesse contexto, é central no entendimento de

como surgiu e se desenvolveu certa política social. A partir disso, segundo Boschetti

(2009), é possível a constituição de indicadores de análise que permearão a avaliação dessa

política, determinando assim o grau de justiça social por ela produzido.

A partir dos elementos teóricos expostos, passa-se à análise de avaliação de uma política

pública pretensamente social implementada pelo Governo do Estado do Ceará (o FDI). Tal

análise, baseada na visão dialética de avaliação de políticas sociais, será feita na tentativa

de se perceber o alcance social da referida política.

FDI: uma política pública social?

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Para uma avaliação consistente de qualquer política pública social, Boschetti (2009) afirma

que se faz necessário conhecer sua configuração, no sentido de se ter um panorama geral

dessa política e de suas possibilidades de atendimento às demandas sociais a ela

relacionadas. Assim, alguns elementos como os direitos e benefícios por ela estabelecidos

e assegurados, seu sistema de financiamento (fontes, montantes e gastos), bem como sua

forma de organização (gestão), seriam valiosos na visão da conformação dessas políticas.

A começar pela configuração e abrangência dos direitos e benefícios previstos na política

social em questão, conhecer os tipos e a natureza dos benefícios/serviços previstos

significa, segundo Boschetti (2009), explicitar suas propriedades/qualidades, bem como sua

possibilidade de responder à determinada situação social e contribuir para reduzir

desigualdades sociais.

O Fundo de Desenvolvimento do Estado do Ceará – FDI, tem por objetivo fomentar a

política industrial do Estado do Ceará, compreendendo ações voltadas para a atração

seletiva de investimentos industriais, visando a formação e o adensamento das cadeias

produtivas selecionadas e a formação de aglomerações espaciais. Visa ainda disponibilizar

a infra-estrutura necessária para a implantação e pleno desenvolvimento da atividade

produtiva, através inclusive de treinamento e capacitação de mão-de-obra.

Trata-se assim, de incentivos a Pessoas Jurídicas empresárias ou cooperativas, de caráter

industrial, que se instalem ou venham a se expandir no Estado do Ceará, e que sejam

consideradas de fundamental interesse para o desenvolvimento econômico local, o que lhe

confere um caráter de seletividade na concessão dos benefícios previstos.

Tais incentivos se apresentam na forma de: aquisição e alienação de ações, debêntures

conversíveis ou não em ações e de cotas de capital de sociedades empresárias estabelecidas

no Estado do Ceará; concessão de empréstimos, a médio e longo prazos, inclusive com

subsídios sobre o principal e encargos financeiros, e a prestação de garantias às sociedades

empresárias com estabelecimento situado no Estado do Ceará; concessão de subsídios de

tarifas de água e de esgoto às sociedades empresárias com estabelecimento situado no

Estado do Ceará; concessão de incentivos fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS) (através da dilação do prazo de pagamento de parcela do

14

saldo devedor mensal do imposto, com dedução de percentual dessa parcela, no caso de

liquidação do débito até a data do vencimento da dilação, do diferimento do momento de

pagamento total ou parcial do imposto, com dedução de percentual total ou parcial do

montante diferido, no caso de liquidação do débito até a data do vencimento do

diferimento, da concessão de crédito fiscal presumido e de redução da base de cálculo do

imposto); concessão de incentivos financeiros relacionados ao ICMS, com a concessão de

empréstimos, a médio e longo prazos, inclusive com subsídios sobre o principal e encargos

financeiros. Nessas operações o percentual do empréstimo ou do incentivo não poderá

ultrapassar 75% (setenta e cinco por cento) do ICMS próprio gerado pela sociedade

empresária beneficiária, exceto para os seguintes segmentos: extração de minerais

metálicos; fabricação de produtos de minerais não metálicos; fabricação de produtos

famoquímicos e farmacêuticos; fabricação de automóveis, caminhonetas, utilitários,

caminhões e ônibus; fabricação de produtos químicos; indústria têxtil; e fabricação de

calçados.

No tocante ao aspecto da legalidade, o FDI, está descrito na Lei no. 10.367, de 07/12/1979

e alterações e sua regulamentação encontra-se no Decreto no. 29.183 de 08/02/2008.

O Programa prevê ainda, como requisito básico para a concessão dos benefícios previstos, a

regularidade fiscal prévia por parte dos pretensos beneficiários junto ao fisco Estadual.

No que concerne à continuidade do Programa, este prevê um prazo máximo de concessão

dos benefícios de cinco a dez anos (de acordo com critérios do FDI de pontuação),

prorrogáveis por igual período, atendidas as prerrogativas da legislação, que englobam

exigências quanto à geração de emprego, ao custo da transação, à localização do

empreendimento (distância em relação à capital do Estado), à responsabilidade social,

cultural e ambiental, às atividades de pesquisa e desenvolvimento, e à adequabilidade à

base de produção regional (avanços na consolidação de setores econômicos considerados

estratégicos pela administração estadual).

No tocante à abrangência dos benefícios, aspecto que revela o alcance da política ou

programa a ser avaliado, Boschetti (2009) chama atenção para o fato de que esse indicador

deve estar sempre relacionado ao universo a que a política ou programa se destina.

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Os benefícios previstos no FDI têm abrangência direta junto às pessoas jurídicas de caráter

industrial que venham a se instalar ou a expandir atividades no Estado do Ceará, dentro das

prerrogativas (já mencionadas) do Programa. Ademais, indiretamente, o FDI pretende

contemplar os mercados produtivo e de trabalho no Ceará (abrangência focalizada e

seletiva), atingindo diretamente os agentes inseridos nesses mercados.

Já em relação aos critérios de acesso aos benefícios de uma política ou programa social,

estes revelam, segundo Boschetti (2009), a capacidade de inclusão ou exclusão aos mesmos

por parte dos beneficiários. Quanto mais rigorosos, mais focalizados e seletivos tende a ser

a respectiva política.

Assim, para ter acesso aos benefícios do FDI, o potencial beneficiário deve seguir

procedimento específico, previsto na legislação que institui e regulamenta o Programa.

Nesse sentido, é necessário que o interessado requeira, através de formulário próprio, sua

inserção no Programa, submetendo para tanto um projeto de viabilidade econômico-

financeira do empreendimento correspondente. Esta submissão (cuja conformação está

prevista e descrita na legislação mencionada) deve se direcionar ao Conselho Estadual de

Desenvolvimento Econômico - CEDE, que o submeterá ao órgão gestor do FDI, sendo o

mesmo encarregado de examinar as demandas de incentivos sob os seguintes critérios:

discriminação de enquadramento do pleito; discriminação do tipo de operação; e

justificativa e estudo de viabilidade, abrangendo aspectos econômicos, financeiros,

administrativos e jurídicos.

Em se trantando das formas/mecanismos de articulação com outras políticas sociais e ainda

de acordo com Boschetti (2009), cada programa ou política social se destina a situações

específicas, o que torna importante identificar possíveis articulações/complementariedades

entre a política avaliada e as demais, facilitando uma avaliação mais precisa acerca das

possibilidades do poder público em assegurar os direitos básicos de cidadania à população

envolvida.

No tocante ao FDI, pode-se vincular (direta e/ou indiretamente) seus objetivos às políticas

fiscal, de desenvolvimento econômico e social, de trabalho e do meio ambiente.

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Em relação à política fiscal, a questão da preocupação quanto à regularidade junto ao fisco

estadual mostra a identificação do Programa com o princípio da anterioridade da política

pública. No que concerne ao mercado local de trabalho, há a referência quanto à

obrigatoriedade de estipulação de metas de geração de empregos enquanto parâmetro de

avaliação da proposta do beneficiário. O desenvolvimento econômico e social está

contemplado quando da preocupação com os tipos e natureza das atividades produtivas a

serem desenvolvidas a partir dos benefícios previstos pelo Programa, as quais devem

priorizar as conseqüências sociais (diretas e indiretas) junto à população local. Ademais, a

estipulação de metas fiscalizáveis de volume de investimentos e custos de frete para o

período de vigência do contrato, sugere atenção para a questão do desenvolvimento do setor

industrial.

Quanto à configuração do financiamento e gasto de uma política social, e especialmente em

relação às suas fontes de financiamento, Boschetti (2009) afirma que analisar esses

elementos seria útil para a compreensão de seus impactos na natureza e alcance dos direitos

a que se destina, partindo de sua estrutura orçamentária. Fagnani (1998) por sua vez, chama

atenção para o fato de que tal análise pode contribuir para definir a existência, concepção,

efetivação e extensão das políticas sociais.

No âmbito do FDI, o Decreto no. 29.183 que o regulamenta afirma, em seu artigo 5º., que

os recursos necessários à implementação do sistema de incentivos do Programa são aqueles

que o constituem, ou seja, são de origem orçamentáriaras ; são empréstimos de recursos a

fundo perdido oriundos da União, Estado e outras entidades; são contribuições, doações,

legados e outras fontes de receitas que lhe foram atribuídas; e/ou são receitas decorrentes da

aplicação de seus recursos.

No tocante aos incentivos do tipo fiscal, faz-se necessário definir o caráter da fonte do

financiamento (se regressivo ou progressivo) a fim de que se esclareça tratar-se ou não de

renúncia fiscal por parte do Estado ao conceder o benefício.

Nesse sentido, se a redução de alíquota do referido imposto for considerada uma renúncia

de arrecadação por parte do Estado, caracteriza-se o caráter regressivo da referida fonte,

17

uma vez que transfere o ônus do financiamento para os demais contribuintes que não têm

suas alíquotas diminuídas. E mais, em função da Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer

redução na arrecadação decorrente de incentivos fiscais deve ter seu impacto mensurado e

compensado por outras meios, como elevação de outros tributos ou aumento da base de

contribuintes.

Ademais, ainda onera a todos os cidadãos (contribuintes ou não), que vêem a arrecadação

diminuir, diminuindo também seu poder de resposta quanto às demandas sociais inerentes a

um estado como o Ceará, prejudicando a população menos protegida socialmente, na

medida em que aprofunda a concentração de renda e aumenta as desigualdades sociais.

Em contrapartida, se a redução de alíquota não é considerada renúncia fiscal, mas um fator

de atração/alavancagem de investimentos produtivos para o Estado, tem-se uma situação

inversa, ou seja, de progressividade da fonte de financiamento do benefício. Isso porque,

haveria incremento no nível da atividade produtiva, gerando um ciclo virtuoso de produção,

remuneração e consumo, apontando para uma potencial elevação da arrecadação.

Além disso, a simples inclusão de beneficiários no Programa geraria um adicional de

receita ao fisco que não aconteceria caso os incentivos não fossem concedidos (atração de

novas empresas/estímulo ao crescimento das empresas já instaladas). Esta é inclusive a

posição oficial do Estado do Ceará nesta questão (CEARÁ, 2011).

No que diz respeito à direção dos gastos, Boschetti (2009) afirma que este indicador

significa a análise da aplicação dos recursos de uma política ou programa social no sentido

de se verificar o grau de prioridade dos mesmos, segmentando essa prioridade por regiões e

relacionando com as necessidades e índices socioeconômicos locais.

No tocante ao FDI, cujas possíveis características de financiamento foram explicitadas,

pode-se afirmar que a idéia do benefício é a de ser um instrumento de atração de

investimentos produtivos que venham a fortalecer e/ou consolidar o mercado produtivo

local, incrementando, indiretamente o mercado de trabalho, o que se daria via geração de

emprego e renda, a partir do estabelecimento prévio de metas a serem alcançadas por parte

das sociedades empresárias beneficiadas. O Decreto no. 29.183, que regulamenta o FDI,

menciona ainda, em seu artigo 2º., a formação e o adensamento das cadeias produtivas

18

selecionadas e a formação de aglomerações espaciais, além da disponibilização da infra-

estrutura necessária para a implantação e pleno desenvolvimento da atividade produtiva,

através inclusive de treinamento e capacitação de mão-de-obra. Todas essas possíveis

ações, diretamente vinculadas à atração e posterior ação empresarial.

Nesse sentido, o documento de revisão do Plano Plurianual 2088/2011 do Governo do

Estado do Ceará é bastante claro ao salientar que o objetivo do Programa é executar a

política de incentivos fiscais concedidos, através do FDI, visando ampliar a base industrial

do Estado, sendo os empresários interessados em investir no Ceará, seu público-alvo

(CEARÁ, 2011).

A magnitude dos gastos é o indicador que verifica, segundo Boschetti (2009), o volume de

investimentos feitos nas políticas ou programas sociais, analisando se houve manutenção,

crescimento, redução ou realocação de recursos, o que explicita seu comportamento ao

longo do tempo.

Nesse mister, nos últimos três anos, entre 2008 e 2010, o FDI tem mostrado uma diferença

da ordem de 30% (trinta por cento) entre o que foi orçado inicialmente enquanto dotação

orçamentária para o Programa e o que foi efetivamente pago, conforme mostra a Tabela 1.

Já em relação à arrecadação total do Estado e à arrecadação de ICMS, para o mesmo

período, notam-se magnitudes muito próximas, o que denota a relativa importância do

volume de recursos do Programa em relação à arrecadação do Ceará, além da proximidade

entre o total arrecadado e o total de receita proveniente do ICMS, conforme mostra a

Tabela 2.

Quando se compara as magnitudes dos orçamentos do FDI e das áreas de educação e saúde

para o mesmo período, percebe-se uma maior relevância do orçamento do FDI em relação

aos demais, ainda que em trajetória de queda (Tabela 3).

Tabela 1 – Orçamento do Fundo de Desenvolvimento Industrial - FDI

Programa Ano Variação

FDI 2008 2009 2010 %

19

Orçamento R$ 119.540.000,00 R$ 113.275.387,54 R$ 84.464.000,00 -29,34%

Autorizado R$ 103.566.686,92 R$ 102.528.387,54 R$ 71.674.001,32 -30,79%

Empenhado R$ 101.784.710,05 R$ 77.331.615,31 R$ 70.967.372,41 -30,28%

Pago R$ 101.784.710,05 R$ 73.512.549,72 R$ 70.967.372,41 -30,28%

Fonte: QDD 2008/2009/2010 – Governo do Estado do Ceará. Elaboração própria (valores

atualizados)

Tabela 2 – Participação FDI na arrecadação total e arrecadação ICMS

Ano FDI (Pago) ICMS Arrecadado Arrecadação Total % FDI-ICMS % FID-Arrecação Total

2008 R$ 101.784.710,05 R$ 5.641.428.300,26 R$ 5.960.807.995,05 1,80% 1,71%

2009 R$ 73.512.549,72 R$ 5.517.929.548,03 R$ 5.857.358.695,81 1,33% 1,26%

2010 R$ 70.967.372,41 R$ 6.492.061.029,62 R$ 6.871.484.903,30 1,09% 1,03%

Fonte: QDD 2008/2009/2010 – Governo do Estado do Ceará. Elaboração própria (valores

atualizados)

Tabela 3 – Magnitude orçamento FDI em relação aos orçamentos da Educação e Saúde

Ano FDI (Pago) Orçamento Educação

(Pago) Orçamento Saúde (Pago) % FDI-EDUCAÇÃO % FID-SAÚDE

2008 R$ 101.784.710,05 R$ 2.638.821.357,00 R$ 749.981.970,80 3,85% 13,57%

20

Fonte: QDD 2008/2009/2010 – Governo do Estado do Ceará. Elaboração própria (valores

atualizados)

Dados do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico do Estado do Ceará – CEDE,

apontam no ano de 2008, para um total de 14 empresas implantadas a partir do FDI, que

geraram um total de 1.445 empregos diretos. Se dividirmos o valor do FDI pago em 2008

pelo número de empresas implantadas segundo o CEDE, teremos um valor médio de

incentivo da ordem de aproximadamente R$ 6.000.000,00/empresa, e em torno de 100

empregos criados por empresa, totalizando um custo por emprego da ordem de R$

60.000,00.

Por fim, no que concerne à gestão e controle social democrático das políticas sociais, e

especificamente quanto às relações entre as esferas governamentais nesse sentido, Boschetti

(2009) afirma que o objetivo deste indicador é verificar os papéis assumidos em cada uma

das esferas governamentais no tocante ao objeto da política ou programa avaliado. Se há

respeito à descentralização na formulação/execução da política ou programa, a quem cabe a

delimitação de normas, a responsabilidade de financiamento, se há superposição de

ações/competências, se há estrutura institucional adequada e necessária à implantação da

política ou programa.

A administração do FDI cabe ao seu órgão gestor, segundo critérios propostos pelo CEDE e

pelo Conselho de Desenvolvimento Industrial do Estado do Ceará – CEDIN, que é um

colegiado de deliberação superior e de definição normativa da política de incentivos sendo

presidido pelo Governador do Estado e integrado pelo Presidente do CEDE, pelos

Secretários de Estado da Fazenda, do Planejamento e Gestão, do Desenvolvimento Agrário,

e pelo Presidente da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará – ADECE. Além do

CEDIN, foi instituída a Comissão Técnica do FDI, com a finalidade de proceder à

avaliação econômica, financeira, operacional e tributária dos projetos apresentados pelas

2009 R$ 73.512.549,72 R$ 2.793.871.120,00 R$ 890.320.079,20 2,63% 8,25%

2010 R$ 70.967.372,41 R$ 3.311.648.711,00 R$ 1.099.645.052,00 2,14% 6,45%

21

sociedades empresarias interessadas em investir no Ceará, bem como gozarem dos

benefícios disciplinados na legislação do FDI.

Ambos os grupos têm hierarquia e competências legalmente definidas, previstas no Decreto

no. 29.183, de 08/02/08, que regulamenta o FDI.

No tocante à relação entre estado e organizações não governamentais Boschetti (2009)

recomenda a avaliação e compreensão da relação existente entre os órgãos públicos e as

organizações não governamentais que atuam na implementação da política e/ou programa

avaliado.

No caso do FDI, não há qualquer referência da participação de organizações não

governamentais na implementação do Programa.

Já em termos de participação e controle social democrático há, segundo a referida autora, a

necessidade de análise quanto aos mecanismos de controle de que dispõe a sociedade civil

para acompanhar o andamento dos programas e políticas avaliados. Nesse sentido, visa

discutir as atribuições dos movimentos sociais e conselhos de gestão que por ventura

participem deste processo avaliativo.

A legislação que estabelece e regulamenta o FDI não faz qualquer previsão no sentido da

participação e controle social do Programa. Assim, do ponto de vista da ação popular, não

há qualquer participação da sociedade quanto à definição de agenda, ao planejamento,

acompanhamento e fiscalização do Programa. Apesar de previsto e orçado nas contas

públicas do Estado, este não dispõe de um instrumento como o orçamento participativo,

restringindo a observação/avaliação popular ao seu chamado portal da transparência, no seu

website (CEARÁ, 2011).

No tocante à composição e confronto das forças políticas inseridas no contexto do FDI, o

que se percebe é um amplo apoio ao programa de entidades classistas empresariais, como a

Federação das Indústrias do Estado do Ceará – FIEC, além de parte crescente do

movimento sindical local (observação direta, in loco), no caso o Sindicato dos

Trabalhadores da Indústria de Calçados de Sobral/CE, numa clara postura que Alves (2005)

chamaria de cooperação conflitiva, em lugar da confrontação direta.

Considerações Finais

22

A partir do que foi exposto até aqui, se faz necessário, antes de qualquer coisa, explicitar se

o FDI é de fato uma política pública social ou apenas uma prática de atração de

investimentos e fomento ao capital baseada no uso de recursos públicos. A visão

institucionalista, que afirma ter a política pública em seu núcleo, a luta por recursos entre

grupos sociais, privilegiando alguns destes em detrimento de outros, indicaria talvez, neste

caso, pela segunda opção. Se a leitura for feita pela visão dialética, Behrin e Boschetti

(2006), por exemplo, apontam provavelmente para o mesmo caminho, uma vez que vêem

política pública social como uma resposta a ser dada ao movimento do capital de

exploração sobre o trabalho, algo que de fato, os números e informações acerca do FDI não

demonstram.

A avaliação do FDI, em todos os indicadores analisados, mostra uma tendência de

privilégio do capital de forma prioritária, desde a formatação inicial do Programa (público-

alvo, definição da agenda3), até a questão da participação popular na avaliação do mesmo,

perpassando pela questão orçamentário-financeira e no custo aproximado dos empregos

criados.

Assim, cabe o questionar se esta seria a melhor política pública para gerar trabalho,

emprego e renda para uma coletividade, priorizando o grande capital em termos de

recursos e incentivos. Na busca por uma política pública efetivamente social, parece ser

mais interessante que se comece a discutir a possibilidade de implantar ações alternativas

de geração de trabalho, emprego e renda que possam indicar uma mudança no perfil de

aparente dependência estrutural da relação existente entre capital e trabalho.

Nesse sentido, políticas públicas sociais mais interessantes poderiam ser aquelas que

considerassem, por exemplo, o aporte direto de recursos públicos e que englobassem

também o setor informal da economia, onde está inclusive a maioria da PEA, ou ainda

experiências de economia solidária, microcrédito, enfim, aquelas que privilegiassem os

agentes menos protegidos nesse sistema de mercado. O caso do FDI não é esse, sendo seu

financiamento baseado num grau de regressividade considerável (vide fontes dos recursos

3 Não há qualquer referência sobre o FDI acerca das questões clássicas de definição de agenda de políticas públicas. Sobre essa questão, ver Kingdon (2006).

23

do Programa), onde todo o ônus, indiretamente fica com o trabalhador, que acaba

financiando o capital e a estrutura necessária para sua implantação (SALVADOR, 2010).

Os poderes públicos devem atentar para a necessidade de por seus fundos públicos

(geralmente escassos) a serviço da coletividade, no sentido de dotar as comunidades de

instrumentos efetivos de consolidação do bem-estar social universal, aliás, o objetivo para

o qual esses fundos foram originalmente concebidos.

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