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Seminário URBFAVELAS 2016 Rio de Janeiro - RJ - Brasil REGULARIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS EM ÁREAS DE PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DE MANANCIAIS EM SÃO PAULO: OBSTÁCULOS, CONFLITOS E DESAFIOS – O CASO DA VILA NASCENTE (GRAJAÚ-SP) Karina Oliveira Leitão (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da ) - [email protected] Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), Coordenadora de Pesquisas e Extensão e do Grupo de Formação em Estudos Urbanos do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos LABHAB-FAUUSP. Estefania Momm de Melo (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da ) - [email protected] Arquiteta e Urbanista, Mestranda em Habitat Renata Paula Lucas - [email protected] Arquiteta e Urbanista pela FAUUSP em 2001, mestre em Habitat pela mesma instituição em 2008, com tema da dissertação focado na análise da regularização fundiária em Áreas de Preservação Permanente. Atua profissionalmente na área de regularização fundiária Vitor Massato Yamamoto - [email protected] Arquiteto e Urbanista formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie. Atua profissionalmente na área de regularização fundiária

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Seminário URBFAVELAS 2016Rio de Janeiro - RJ - Brasil

REGULARIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS EM ÁREAS DE PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DEMANANCIAIS EM SÃO PAULO: OBSTÁCULOS, CONFLITOS E DESAFIOS – O CASO DA VILANASCENTE (GRAJAÚ-SP)

Karina Oliveira Leitão (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da ) - [email protected] Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), Coordenadora dePesquisas e Extensão e do Grupo de Formação em Estudos Urbanos do Laboratório de Habitação e AssentamentosHumanos LABHAB-FAUUSP.

Estefania Momm de Melo (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da ) - [email protected] e Urbanista, Mestranda em Habitat

Renata Paula Lucas - [email protected] Arquiteta e Urbanista pela FAUUSP em 2001, mestre em Habitat pela mesma instituição em 2008, com tema dadissertação focado na análise da regularização fundiária em Áreas de Preservação Permanente. Atuaprofissionalmente na área de regularização fundiária

Vitor Massato Yamamoto - [email protected] e Urbanista formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie. Atua profissionalmente na áreade regularização fundiária

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REGULARIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS EM ÁREAS DE PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DE MANANCIAIS EM SÃO PAULO: OBSTÁCULOS, CONFLITOS E DESAFIOS – O CASO DA VILA NASCENTE (GRAJAÚ-SP).

RESUMO A combinação entre o processo de industrialização tardio ocorrido no Brasil a partir

da segunda metade do século XX, com o intenso crescimento populacional teve consequências diretas sobre o ritmo de urbanização. Sem alternativas de ingressar no mercado formal de moradia, a população mais pobre é “empurrada” para locais ambientalmente sensíveis e próximos às represas.

A legislação urbanística, ao adotar padrões idealizados para o uso do solo urbano, muitas vezes impede a produção habitacional a preços acessíveis aos trabalhadores empobrecidos. Por sua vez, ao impor restrições significativas ao uso e ocupação do solo nas áreas protegidas, torna-as desvalorizadas pelo mercado imobiliário formal.

Apesar dos avanços significativos em relação à legislação de proteção aos mananciais nas últimas décadas, ainda existem diversos entraves para a efetivação de seus objetivos.

Neste contexto, o presente artigo visa a análise da legislação dos mananciais em São Paulo e da regularização fundiária destas áreas e sua aplicação ao estudo de caso do parcelamento/conjunto habitacional “Vila Nascente”, no Grajaú – SP.

Parte-se de trabalhos acadêmicos sobre a temática relacionada, assim como a análise da legislação específica, abordando a análise da ação civil pública incidente na Vila Nascente, incluindo processos administrativos, vistoria técnica, mapeamentos e foto área estudada.

1. Contextualização

A combinação entre o processo de industrialização tardio ocorrido no Brasil (principalmente a partir da segunda metade do século XX) com o intenso crescimento populacional observado no mesmo período teve consequências diretas sobre o ritmo de urbanização. A mudança de país predominantemente rural para urbano ocorreu, majoritariamente, entre 1940 e 1980. Nesse período, a taxa de urbanização brasileira atingiu 68,86%, e segundo o Censo de 2010 já ultrapassou o patamar de 84%. Considerando o Estado de São Paulo, esse índice chega a 95,88%. (IBGE, 2010)

Ao mesmo tempo, podemos observar, principalmente nas grandes cidades brasileiras, um quadro extremo de desigualdade na distribuição das riquezas originarias deste processo de industrialização tardio.

“A partir da década de 50 surgem e se expandem os bairros periféricos que, conjuntamente com os tradicionais cortiços e favelas, alojam a população trabalhadora” (KOWARICK, 1979, p. 30). Sem alternativas de ingressar no mercado formal de moradia, a população mais pobre é “empurrada” para locais ambientalmente sensíveis e próximos às represas, onde a restrição à ocupação, alta precariedade habitacional e de infraestrutura caracterizam a segregação física e subcidadania dos moradores.

A proliferação de assentamentos precários e irregulares em áreas cada vez mais distantes do mercado de trabalho e dos centros urbanos, desprovidos de infraestrutura, não visadas pelo mercado imobiliário formal, é uma das formas de materialização das desigualdades sociais, na qual milhões de brasileiros se veem excluídos do mercado formal de trabalho, de acesso à terra, do exercício pleno de sua cidadania (MARTINS, 2006), caracterizando a sobreposição das dimensões da pobreza, ou seja, as diferentes

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situações que muitas vezes se sobrepõem à privação econômica, como o fato de que pessoas pobres serem também, muitas vezes, pessoas de baixa escolaridade, de menor acesso às políticas sociais, que residem em locais mais precários, que estão mais sujeitas ao desemprego, entre outros aspectos (MARQUES, E. & BICHIR, R.,2001).

Neste contexto explosivo e desordenado do crescimento metropolitano, o poder público só se muniu tardiamente de instrumentos legais que visavam a ordenação do uso e ocupação do solo (MARICATO, 1996).

É notável um descolamento entre as exigências contidas nas normas urbanística e ambiental e a forma de produção do espaço urbano.

A legislação urbanística, ao adotar padrões idealizados para o uso do solo urbano – visando proteger áreas mais nobres da cidade – muitas vezes impede a produção habitacional a preços acessíveis para a camada mais pobre. A legislação ambiental, ao impor restrições significativas ao uso e ocupação do solo nas áreas protegidas, torna as mesmas áreas desvalorizadas pelo mercado imobiliário formal, e é justamente nessas áreas que a parcela da população não atendida pelo mercado formal irá se instalar: áreas de mananciais, margens de cursos d’água, encostas e outras áreas de proteção ambiental.

Dessa forma, não podemos rotular a questão dos assentamentos irregulares em áreas urbanas ambientalmente protegidas apenas como questão ambiental, pois a ausência de oferta de moradia a torna também uma questão social. A questão ambiental urbana, portanto, está diretamente associada à questão do acesso à terra urbana e à moradia.

Na prática, as normas que visam à proteção ao meio ambiente, no contexto de desigualdade socioeconômica e segregação espacial observado em nossas cidades, geram o efeito contrário ao esperado.

Como resultado, a questão do acesso à moradia pelas camadas mais pobres é muitas vezes colocada como principal fonte de conflito entre as agendas urbana e ambiental. Mas, ao desconsiderar as causas da existência desses assentamentos, a questão é convertida em discurso ideológico. A fragmentação no cotidiano de intervenções e planejamento dessas duas questões – urbana e ambiental – permite a distorção na análise dos problemas ambientais urbanos.

Diante do exposto, face ao grau de informalidade observado nas cidades brasileiras, em especial na RMSP, e considerando que importante parcela dessa irregularidade se concentra em áreas urbanas ambientalmente frágeis, o estudo de soluções que viabilizem tanto a inserção dos assentamentos irregulares na cidade formal quanto o enfrentamento do passivo ambiental representa uma forma de garantir o direito a cidades sustentáveis.

Tendo este contexto como pano de fundo da situação, o presente artigo visa a análise da regularização fundiária em área de mananciais de São Paulo a partir de trabalhos acadêmicos de temática relacionada, assim como a análise da legislação específica e sua aplicação ao estudo de caso do parcelamento/conjunto habitacional localizado no município de São Paulo (bacia da represa Billings) - Gleba Vila Nascente, Grajaú – abordando a análise de sua ação civil pública, incluindo processos administrativos, vistoria técnica, mapeamentos e foto aérea)

2. A Legislação de Proteção aos Mananciais

A legislação de proteção aos mananciais em São Paulo teve início na década de 70. Destaca-se, à época, a crescente demanda por água no Estado de São Paulo, fruto do crescimento populacional, e o aumento da poluição das represas ocasionado pela falta de coleta e tratamento dos efluentes, o que obrigou a CETESB a realizar operações de remoção de algas presentes na Billings (FERRARA, 2013).

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A Lei nº 898/75 indicava como áreas de proteção, entre outros, os reservatórios Billings, Cantareira e Guarapiranga, condicionando a implantação de algumas atividades – entre elas os loteamentos – à aprovação de órgãos estaduais como CETESB e Secretaria do Meio Ambiente. Estabelece faixas de maior ou menor restrição de uso, respectivamente 1ª e 2ª categorias.

As delimitações dessas áreas ocorreram em 1976, com a Lei 1.172. Na faixa de 1ª categoria, correspondente à faixa de 50m das margens das represas, bem como 20m das margens de cursos d'água e áreas cobertas por vegetação significativa, não eram permitidos usos residenciais. A faixa de 2ª categoria, correspondendo às demais áreas, é dividida em Classes A, B e C, também em graus diferentes de restrição de uso e parâmetros urbanísticos. Os usos residenciais são permitidos, mas o tamanho do lote varia de acordo com a densidade máxima desejada para cada uma das classes, sendo o mínimo permitido 500 m². Os usos e parâmetros urbanísticos, extremamente restritivos, não impediram que o processo de ocupação dos mananciais avançasse, pelo contrário. Além disso, em muitos casos impediam a intervenção nos assentamentos existentes, impossibilitando qualquer melhoria urbanística e ambiental nessas áreas. Em especial, a implantação de infraestrutura era vista como estímulo à ocupação, e o esgoto deveria ser exportado para tratamento fora dos limites das bacias. Os instrumentos que visavam conter o adensamento das áreas foram considerados de difícil aplicação pelas prefeituras, devido à diferença da lógica utilizada para os cálculos de seus parâmetros urbanísticos em comparação ao zoneamento homogêneo utilizado na legislação municipal (ANCONA, 2002).

Na década de 90, a legislação de mananciais teve seu processo de revisão iniciado, em parte pela constatação de que as leis não foram suficientes para impedir sua degradação. A piora da qualidade da água nas décadas de 70 e 80, relacionada com o despejo de efluentes nos cursos d'água e nas represas, os conflitos ambientais, a falta de saneamento, os problemas de saúde pública e de moradia exigiram uma mudança na ação dos governos municipal e estadual (FERRARA, 2013), em especial a revisão dos aspectos restritivos da lei, que não permitiam intervenções que visassem a manutenção da população moradora das áreas de proteção aliada à melhoria da qualidade dos corpos hídricos. Ainda no início da década de 90, na Represa Guarapiranga o processo de eutrofização foi intensificado, relacionado com o despejo de esgoto in natura. O problema ocasionou, inclusive, alterações no sabor e odor da água fornecida pela SABESP.

Nesse contexto foi elaborada a Lei 9.866/97, que estabeleceu diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas, criando as áreas de proteção e recuperação dos mananciais – APRM e instituindo o sistema de gestão das bacias. Foram definidas as áreas de intervenção – Áreas de Restrição à Ocupação (ARO), Áreas de Ocupação Dirigida (AOD) e Áreas de Recuperação Ambiental. A lei de 1997 previa, ainda, a elaboração do Plano Emergencial de Recuperação dos Mananciais, com a execução de obras nas hipóteses em que as condições ambientais e sanitárias apresentassem riscos de vida e à saúde pública ou comprometessem a utilização dos mananciais para fins de abastecimento. A figura do Plano Emergencial foi fundamental para possibilitar a implantação de infraestrutura nos assentamentos, antes mesmo da aprovação das leis específicas para cada uma das bacias prevista pela Lei nº 9.866/97.

Em 2002, a Lei nº 11.216 altera a lei 1.172/76, instituindo a possibilidade de adoção de mecanismos de compensação para empreendimentos já implantados, desde que as áreas destinadas – terrenos desocupados não contíguos – estejam localizadas dentro da mesma sub-bacia do empreendimento. Essa lei, aprovada durante o processo de elaboração da lei específica da Guarapiranga, não foi submetida ao Subcomitê Cotia-Guarapiranga e tinha como alvo, principalmente, a regularização de indústrias e grandes estabelecimentos comerciais, mas não tornava viável a regularização de assentamentos

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precários nas áreas de proteção aos mananciais, devido ao alto custo envolvido para aquisição de terrenos para compensação.

As leis específicas foram aprovadas apenas na segunda metade da década de 2000, com as Leis 12.233/2006 (APRM-Guarapiranga) e 13.579/2009 (APRM-Billings).

O foco de ambas é a recuperação da qualidade e quantidade de água nos reservatórios por meio do controle das cargas poluidoras, minimizando o quadro de degradação ambiental. A definição das áreas de intervenção, bem como do uso e ocupação do solo permitido para cada uma delas e seus respectivos parâmetros urbanísticos, está relacionado com o estabelecimento de cargas-meta máximas de fósforo. A implantação de infraestrutura de saneamento, que garanta a coleta e o tratamento de efluentes, e o controle da poluição difusa nas represas, ocupam papel de destaque. Ambas prevêem a regularização das áreas consolidadas até a data de publicação das leis, conforme seu enquadramento em uma das áreas de intervenção e obrigatoriedade de implantação de infraestrutura.

Na Lei Específica da Guarapiranga, as áreas de intervenção estão definidas como Áreas de Restrição à Ocupação – ARO, Áreas de Ocupação Dirigida – AOD, e Áreas de Recuperação Ambiental – ARA. A AOD está subdividida em Subárea de Urbanização Consolidada – SUC, Subárea de Urbanização Controlada – SUCt, Subárea Especial Corredor – SEC, Subárea Envoltória da Represa – SER e Subárea de Baixa Densidade – SBD. Suas definições e parâmetros urbanísticos estão indicados no Quadro 1.

Definição Subárea Parâmetros Urbanísticos

ARO

Áreas de especial interesse para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais da Bacia

AOD

Áreas de interesse para a consolidação ou implantação de usos urbanos ou rurais, desde que atendidos os requisitos que assegurem a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento público. Dividida em subáreas.

SUC

Coeficiente de aproveitamento máximo de 1

Índice de impermeabilização máximo de 0,8

Lote mínimo de 250 m²

SUCt

Coeficiente de aproveitamento máximo de 1

Índice de impermeabilização máximo de 0,8

Lote mínimo de 250 m²

SEC

Coeficiente de aproveitamento máximo de 1

Índice de impermeabilização máximo de 0,8

Lote mínimo de 1.000 m²

SOD

Coeficiente de aproveitamento máximo de 0,3

Índice de impermeabilização máximo de 0,4

Lote mínimo de 1.500 m²

SER

Coeficiente de aproveitamento máximo de 0.4

Índice de impermeabilização máximo de 0,4

Lote mínimo de 500 m²

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SBD

Coeficiente de aproveitamento máximo de 0.15

Índice de impermeabilização máximo de 0,2

Lote mínimo de 5.000 m²

ARA

Ocorrências localizadas de usos ou ocupações que estejam comprometendo a quantidade e a qualidade das águas, exigindo intervenções urgentes de caráter corretivo. Subdividida em ARA 1 e ARA 2

ARA 1: ocorrências de assentamentos habitacionais de interesse social, desprovidos de infraestrutura de saneamento ambiental, onde o Pode Público deverá promover programas de recuperação urbana e ambiental ARA 2: Ocorrências degradacionais previamente identificadas pelo Poder Público, que exigirá dos responsáveis ações de recuperação imediata do dano ambiental

Quadro 1 - Áreas de intervenção – APRM-Guarapiranga. Fonte : Elaborado pelos autores, com base no texto da lei específica e FERRARA (2013).

A Lei Específica da Billings também define áreas de intervenção, com pequenas diferenças em relação à lei da Guarapiranga, em especial o acréscimo de uma Área de Intervenção (AER) e com diferentes subáreas para as AROs, como pode ser observado no quadro 2. Além disso, os parâmetros urbanísticos nas AROs varia de acordo com o compartimento ambiental da represa no qual a subárea está inserida. Suas definições e parâmetros urbanísticos estão indicados no Quadro 2.

Definição Subárea Parâmetros Urbanísticos

ARO

Áreas de especial interesse para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais da Bacia

AOD

Áreas de interesse para o desenvolvimento de usos urbanos ou rurais, desde que atendidos os requisitos que garantam condições ambientais compatíveis com a produção de água para o abastecimento público. Dividida em subáreas.

SOE

Coeficiente de aproveitamento máximo de 2,5

Taxa de Permeabilidade de 15%

Índice de área vegetada de 8%

Lote mínimo de 250 m²

SUC

Coeficiente de aproveitamento máximo de 1 a 2,5*

Taxa de Permeabilidade de 15%

Índice de área vegetada de 8%

Lote mínimo de 250 m²

SUCt

Coeficiente de aproveitamento máximo de 0,8 a 2*

Taxa de Permeabilidade de 20% a 40%*

Índice de área vegetada de 10% a 20%*

Lote mínimo de 250 m² a 500m² *

SBD

Coeficiente de aproveitamento máximo de 0,2 a 0,5*

Taxa de Permeabilidade de 40% a 70%*

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Índice de área vegetada de 20% a 35%*

Lote mínimo de 500 m² a 5.000m² *

SCA

Coeficiente de aproveitamento máximo de 0,1 a 0,2*

Taxa de Permeabilidade de 90%

Índice de área vegetada de 45%

Lote mínimo de 5.000 m² a 10.000 m² *

ARA

Ocorrências localizadas de usos ou ocupações que estejam comprometendo a quantidade e a qualidade das águas, exigindo intervenções urgentes de caráter corretivo. Subdividida em ARA 1 e ARA 2. Uma vez recuperadas, devem ser classificadas em uma das duas categorias anteriores (AOD ou ARO)

ARA 1: ocorrências de assentamentos habitacionais de interesse social anteriores à Lei Específica, desprovidos de infraestrutura de saneamento ambiental, onde o Poder Público deverá promover programas de recuperação urbana e ambiental

ARA 2: Ocorrências degradacionais previamente identificadas pelo Poder Público, que exigirá dos responsáveis ações de recuperação imediata do dano ambiental

AER Área de influência direta do Rodoanel

Quadro 2 - Áreas de intervenção – APRM-Billings. Fonte : Elaborado pelos autores, com base no texto da lei específica e FERRARA (2013).

* Conforme compartimento ambiental da represa

Para as duas bacias, o enquadramento dos assentamentos na Área de Recuperação Ambiental 1 – ARA 1 permite a utilização do Programa de Recuperação de Interesse Social – PRIS, visando a recuperação ambiental, a requalificação urbanística e a regularização dos assentamentos. Nesses casos, os assentamentos estão isentos da compensação dos parâmetros urbanísticos estabelecidos para cada subárea.

Esse enquadramento é solicitado pelo município, para as áreas localizadas em Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, mas apresenta alguns entraves.

Uma de suas mais significativas fragilidades é o fato de não incluir áreas que já foram objeto de urbanização antes da edição da lei específica, portanto já providas de infraestrutura de saneamento ambiental. Isso impossibilita o enquadramento em ARA 1 e a posterior utilização do PRIS. A inviabilidade deste enquadramento faz com que o procedimento de regularização para estas áreas ainda seja uma duvida quanto aos procedimento a serem adotados, exigindo em muitos casos a compensação ambiental.

3. Assentamentos Precários em Área de Proteção aos Mananciais no Município

de São Paulo

De acordo com o Censo do IBGE de 2000, 971.000 pessoas residiam em área de proteção aos mananciais no município de São Paulo. As favelas correspondiam a 21,11% desse total. Em relação aos loteamentos clandestinos e irregulares, também considerando os dados do Censo de 2000, o Plano Municipal de Habitação - PMH levantou que 27,24% da população total dos mananciais residiam em loteamentos clandestinos de baixa renda (0 a 5 salários mínimos). Ou seja, de acordo com o Censo de 2000 48,35% da população que residia nos mananciais encontrava-se em situação de irregularidade (WHATELLY et al., 2009, p. 85).

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A expansão urbana para as áreas de mananciais se intensificou no final da década de 70 e nas décadas de 80 e 90, com a desvalorização das terras após a Lei de Proteção aos Mananciais de 1975 e a inexistência de políticas de provisão habitacional adequadas. O antigo uso de chácaras de recreio foi sendo substituído pelos loteamentos clandestinos e adensamento das áreas (POLLI, 2010, p. 94).

Quadro 3: Loteamentos clandestinos na região de mananciais por ano de implantação. Fonte: POLLI, 2010 Podemos afirmar, com os dados acima, que as leis de mananciais não foram

efetivas para conter o avanço da expansão urbana na região: “a existência da lei de Proteção aos Mananciais não modificou o padrão de ocupação dessas áreas nem isolou os corpos d’água como era desejado. O aumento da pobreza, seguido do crescente déficit habitacional, a reduzida oferta de habitação de interesse social, a defasagem entre a condição econômica da população e o padrão legal estabelecido, o intrincado processo de licenciamento e a fragilidade da fiscalização fazem com que essa forma de ocupação do espaço – irregular e precária – fosse a predominante na região” (MARTINS, 2006, p. 57).

As irregularidades não se restringem à questão fundiária, a inadequação urbanística – em especial as relacionadas com as condições de infraestrutura de saneamento – constitui fator significativo para o agravamento da situação dos mananciais. Nos estudos realizados para a elaboração do Plano Municipal de Habitação – PMH, observou-se que o índice de domicílios com algum tipo de coleta de esgoto em loteamentos clandestinos nas Bacias Billings e Guarapiranga é de, respectivamente, 30% e 60%, enquanto que nos loteamentos fora de mananciais esse índice ultrapassa 74% (WHATELLY et al., 2009, p. 93).

Cabe mencionar que, além dos loteamentos clandestinos e favelas citados acima, há diversas áreas de risco de escorregamento, mapeadas pelo IPT em 2010 visando subsidiar um Termo de Ajustamento de Conduta entre a Prefeitura e o Ministério Público. Diversas Ações Civis Públicas se basearam nas conclusões desse mapeamento, que também vem sendo utilizadas na priorização de áreas de intervenção pela SEHAB (POLLI, 2010, p. 80).

O planejamento das intervenções no PMH considerou não apenas as áreas de risco iminente, mas também a inserção dos assentamentos em sub-bacias, fator importante para o enfrentamento da degradação ambiental dos corpos hídricos do município, representando uma tentativa de integração das políticas setoriais e entre programas internos da SEHAB.

Os programas municipais relacionados com a proteção aos mananciais têm sua formulação iniciada no final da década de 80, com o crescente comprometimento da qualidade das águas da represa Guarapiranga. Em 1992, foi criado o Programa de

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Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga – Programa Guarapiranga, com aporte financeiro do Banco Mundial, Prefeitura, Governo do Estado, Sabesp e Eletropaulo. As obras objetivavam, principalmente a implantação de infraestrutura básica, com a qualificação urbana e a permanência da população moradora.

Apesar das intervenções urbanísticas terem exercido algum grau de transformação no tecido urbano dos núcleos atendidos, com a qualificação dos espaços públicos de alguns assentamentos1, do ponto de vista do saneamento o mesmo não ocorreu. Além disso, as intervenções não envolviam a regularização fundiária, mas foram consideradas nas ações de desfazimento movidas pelo Ministério Público (ANCONA, 2002).

Em relatório elaborado pelo Instituto Socioambiental, o Programa Guarapiranga foi avaliado do ponto de vista da redução das cargas poluidoras que atingem a represa Guarapiranga: “embora o Programa tenha superado as metas físicas inicialmente previstas, principalmente nas atividades referentes à ampliação dos sistemas de esgotamento sanitário, o grau de cobertura pelos serviços de saneamento ficou em 61% do total de domicílios em 2000, muito aquém do inicialmente programado (89%). Assim, a contribuição do Programa para a redução das cargas afluentes ao Reservatório, via aumento da cobertura por rede de esgotos e coleta de lixo, é diminuída pela persistência de uma quantidade significativa de domicílios não atendidos” (WHATELLY et al., 2009, p. 111).

A partir da década de 2000, o programa passou a abranger também a Bacia Billings, mudando de nome para Programa Mananciais. Os objetivos do Programa Mananciais são a recuperação da qualidade da água das represas Guarapiranga e Billings e a requalificação de áreas degradadas. Apesar da diminuição dos recursos orçamentários externos disponíveis, a Prefeitura decidiu manter o programa nas áreas de proteção, principalmente em função da pressão exercida pelo Ministério Público para impedir novas ocupações, adensamento das existentes e remover população de área de risco iminente (ibidem, p. 113). O aporte de recursos do PAC deu novo alento ao programa, permitindo sua ampliação.

Inicialmente, observou-se um descompasso entre as obras realizadas pelo Programa e as obras de responsabilidade da SABESP. Como os coletores-tronco não foram executados, o lançamento de efluentes dos assentamentos já urbanizados e com sistema de coleta continuou a atingir as represas, o que aliado ao surgimento de novos núcleos continuou comprometendo a qualidade das águas das represas.

As áreas eleitas para intervenção são, principalmente para as fases 1 e 2 do Programa, as integrantes dos Planos Emergenciais: áreas de risco à vida, à saúde pública e à qualidade das águas, alvo de Ações Civis Públicas e ações judiciais (POLLI, 2010, p. 127).

No entanto, apesar da estruturação do PMH objetivar a integração de políticas setoriais, e talvez pela lógica de intervenção dos Programas Guarapiranga e Mananciais, ainda é possível observar a fragmentação na atuação da SEHAB na região. Isso fica evidente se considerarmos os perímetros de atuação do Programa Mananciais e os perímetros dos loteamentos nos quais a Coordenadoria de Regularização Fundiária atua, já que os mesmos não coincidem.

As intervenções em assentamentos precários inseridos em área de proteção aos mananciais devem passar, obrigatoriamente, por licenciamento estadual (CETESB) 2. O 1 Há críticas, no entanto, sobre a falta de participação decisória da população envolvida nos projetos elaborados 2 Se a implantação do parcelamento for anterior a Lei 1.172/1976 e a área estiver inserida na malha urbana, a regularização pode ser feita pelo disposto no art. 71 da Lei Federal 11.977/2009, que trata da regularização de parcelamentos anteriores a Lei Federal 6.766/79. Nesses casos, não seria necessário o licenciamento da CETESB. Os cartórios de registros de imóveis do município vêm aceitando essa interpretação.

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principal instrumento previsto nas leis específicas para esse fim é o PRIS – Programa de Recuperação de Interesse Social.

O PRIS é definido como um conjunto de medidas e intervenções de caráter corretivo das situações degradacionais existentes e de recuperação ambiental e urbanística, visando a melhoria das condições de saneamento ambiental3 e regularização fundiária dos assentamentos, além do desenvolvimento de ações sociais e de educação ambiental. Deve ser elaborado pelo Poder Público, sendo permitida parceria com agentes privados.

As áreas enquadradas como Áreas de Recuperação Ambiental 1 - ARA 1 são passíveis da utilização desse instrumento. Caso não seja possível enquadramento no programa, a regularização do parcelamento exige que sejam adotadas medidas de compensação de natureza urbanística, sanitária ou ambiental que permitem a alteração de índices e parâmetros urbanísticos estabelecidos nas leis. A compensação pode envolver aquisição e doação de terrenos dentro dos limites da bacia, visando garantir a preservação do manancial, ou o pagamento de valores monetários, entre outros. Não são exigidas medidas compensatórias para as áreas inseridas em ARA 1 e que sejam objeto de PRIS. Somente após dois anos da conclusão das obras, e com a comprovação da manutenção das condições de saneamento ambiental, a regularização fundiária é plenamente efetivada, com a autorização da transferência dos lotes para os moradores.

Embora os aspectos gerais do licenciamento do PRIS tenham sido abordados nas leis específicas e seus decretos regulamentadores, suas etapas só foram definidas com a Resolução SMA n° 25 de 2013. Podemos dizer, portanto, que as experiências da utilização do PRIS, não apenas no município de São Paulo, são recentes. Entre a aprovação das leis específicas e a Resolução SMA, nenhum PRIS foi concluído no município de São Paulo. Aparentemente, CETESB e municípios ainda têm muitas dúvidas e indefinições na metodologia de atuação do PRIS.

Antes da metodologia definida pela Resolução, a CETESB lançou um “Manual para elaboração de PRIS”, mas muitos procedimentos foram contestados pelas Prefeituras, por serem considerados inadequados e excessivos. Uma das exigências era a apresentação pela Prefeitura do domínio da gleba a ser regularizada, conflitando com o fato de que a maior parte dos loteamentos clandestinos tinham origem particular, ou tratamento homogêneo dado ao licenciamento de assentamentos com diferentes graus de consolidação e precariedade (FERRARA, 2013, p. 314).

Se considerarmos as exigências da legislação anterior, as leis específicas e o instrumento do PRIS trouxeram diversos avanços para viabilizar a regularização fundiária (entendida como regularização urbanística e jurídica) nos assentamentos inseridos em áreas de proteção aos mananciais.

Mas o processo de licenciamento ainda apresenta entraves, como a incompatibilidade entre o zoneamento estadual das bacias e o zoneamento municipal: “do ponto de visa da produção técnica do mapa, identifica-se um esforço pelo reconhecimento da ocupação real da bacia. Os estudos realizados em 2006, embasaram a delimitação das áreas de intervenção, resultaram do cruzamento de uma série de levantamentos, tais como : o uso do solo em 2006 (analisado a partir de foto de satélite na escala 1:50.000), as tendências de crescimento populacional, os vetores de indução de ocupação, os assentamentos irregulares, os remanescentes florestais, as legislações municipais e a Carta de Aptidão Física ao Assentamento Urbano, editada pela EMPLASA e IPT…Contudo, o mapa da LE foi aprovado com algumas imprecisões em relação ao uso do solo, por exemplo, demarcando áreas que são ocupadas como áreas de conservação

3 Especial destaque é dado à ligação dos imóveis à rede pública de esgotamento sanitário, que deve ser comprovada por certidão dos órgãos responsáveis.

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ambiental, ou vice-versa. Após a promulgação da LE, mesmo que haja incompatibilidades entre esta e o território municipal, prepondera a legislação estadual, o que tem gerado conflitos, em alguns casos restringindo excessivamente a atribuição do município em legislar sobre o uso e ocupação do solo em seu território”(FERRARA, 2013, pp. 285-286).

Algumas áreas definidas no Plano Diretor como ZEIS e, portanto, identificadas como áreas prioritárias para regularização urbanística e fundiária, não conseguem enquadramento em ARA 1 em função do zoneamento ambiental da bacia. Esse enquadramento é feito pela CETESB, por meio da Coordenadoria de Planejamento Ambiental – CPLA.

Sem o enquadramento, e a consequente utilização do PRIS, a única alternativa para a regularização fundiária é por meio de compensação dos parâmetros urbanísticos. Em diversos casos, a discrepância entre o tamanho dos lotes dos assentamentos e o lote mínimo exigido para o zoneamento estadual, bem como as taxas de permeabilidade exigidas, tornam o processo de compensação extremamente difícil, impossibilitando a regularização.

Outros municípios da RMSP também apontam dificuldades para a utilização do PRIS para urbanização e regularização dos assentamentos: falta de articulação das leis específicas com os planos diretores e leis de uso e ocupação do solo, necessidade de uniformizar e homogeneizar os conceitos entre CETESB e Prefeituras, principalmente sobre o conceito de ARA 1 e as exigências para enquadramento em PRIS, abrangência do Programa para diversos tipos de intervenção (urbanização, regularização fundiária, reassentamento integral). O PRIS não deve, e não pode, ser entendido como um licenciamento comum, devendo as etapas do licenciamento passar por processo de rediscussão.

O conflito de interesses dentro das Prefeituras, e de secretarias com objetivos distintos (secretarias de obras e de habitação e de meio ambiente, por exemplo) também contribui para dificultar a aplicação dos instrumentos definidos nas leis específicas: “a disputa por caminhos e interpretações da legislação também explicita uma tensão entre municípios, que visam ampliar a ocupação e a regularização de interesse social em seus territórios, e os órgãos que zelam pela proteção ambiental no viés da aplicação, muitas vezes irrealista, da legislação ambiental. Mas para a superação desses impasses é preciso que se criem formas de reconhecer primeiramente os ganhos sociais seguidos de melhorias ambientais dessas intervenções e em seu conjunto. E o desafio de implementar PRIS como forma de atuação articulada entre os governos estadual e municipal, a fim de atender ao mesmo tempo a demanda social e a recuperação ambiental, colocando em primeiro lugar o interesse público, ainda não superou essa oposição de posições” (FERRARA, 2013, p. 316).

4. Regularização como estratégia para Recuperação Ambiental

Considerando que a propriedade urbana deve cumprir uma função socioambiental,

e que entre as diretrizes da política urbana definidas pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) estão a garantia do direito a cidades sustentáveis, a ordenação e controle do uso do solo de forma a evitar a poluição e a degradação ambiental, a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído e a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, estabelecendo-se a adoção de normas especiais de urbanização tendo em conta a situação socioeconômica da população e as normas ambientais, podemos concluir que as propostas de regularização de assentamentos precários devem levar em conta, necessariamente, estratégias para recuperar não apenas a qualidade urbanística da área de intervenção, mas também sua qualidade ambiental, garantindo a sustentabilidade das

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cidades. Para Bueno (2006, p. 15), “isso somente se configura quando há vinculação entre o interesse social (características socioeconômicas e culturais das populações beneficiadas) e o interesse público (garantir um ambiente saudável para toda a cidade)”.

A autora classificou as possíveis ações que objetivem a recuperação ambiental do assentamento em três tipos: recuperação ambiental, compensação ambiental ou minimização de impactos para obras de interesse social (mitigação).

1. Ações reparatórias: medidas visando à remoção do poluente do meio ambiente, bem como restaurar o ambiente que sofreu degradação, aproximando-o do status quo anterior;

2. Ações compensatórias: são aquelas destinadas a compensar os impactos ambientais negativos que não podem ser evitados.

3. Ações mitigatórias4: destinam-se a prevenir impactos negativos ou reduzir sua magnitude.

Como exemplos de ações que poderiam ser levadas em consideração na elaboração de um projeto de regularização e recuperação ambiental de um assentamento, Bueno (2007) cita:

Ações reparatórias: eliminar o lançamento de efluentes nos corpos d’água; expor nascentes e córregos anteriormente ‘enterrados por obras convencionais de urbanização”; eliminar áreas de risco (áreas inundáveis ou instáveis) com relocação das famílias para áreas fora dos limites do assentamento e revegetação do local; aumentar permeabilidade do solo e arborização dos espaços públicos; substituição de solos instáveis ou contaminados.

Ações compensatórias: implantação de infraestrutura considerando as necessidades de reposição do lençol freático e diminuição da poluição difusa; ampliar cobertura vegetal e fazer tratamento paisagístico nos equipamentos existentes; criar sistemas de áreas verdes voltados para a conservação da biodiversidade e lazer; implementar políticas de fiscalização e monitoramento do uso e ocupação do solo; monitorar lançamentos de poluentes.

Ações mitigatórias: promover planejamento e administração adequada dos canteiros de obras, procurando diminuir emissão de poluentes; recuperar tanto a qualidade como a quantidade de água do sistema hídrico, aumentando a permeabilidade do solo, controlando áreas erosivas e impedindo o lançamento de poluentes.

No processo de regularização do assentamento, essas medidas podem ser previstas em um Termo de Ajustamento de Conduta5, a ser firmado com o Ministério Público, contendo todas as ações previstas para a recuperação ambiental da área e cronograma de obras.

Por fim, a noção de função socioambiental da propriedade exposta nesse capítulo, os conflitos urbanistas versus ambientalistas merecem destaque. Devemos lembrar que a questão ambiental urbana está intimamente ligada ao problema da oferta de moradia digna para grande parcela da população de nossas cidades. O objetivo deve ser a construção de um “cenário possível” e não de um “cenário ideal”. Não é possível ignorar o grande número de pessoas vivendo em faixas de APP e áreas de mananciais, e nesses casos a regularização deve levar em conta a possibilidade da reparação de danos

4 “Nesses casos, é preferível usar a expressão ‘medida mitigadora’, em vez de ‘medida corretiva’, uma vez que a maioria dos danos ao meio ambiente, quando não podem ser evitados, pode apenas ser mitigada ou compensada” (Bueno, 2006, p. 199). 5 O TAC é um acordo extrajudicial, que pode ser celebrado entre as partes envolvidas na regularização de um parcelamento, o Poder Público e o Ministério Público. Deve conter as medidas necessárias para a reparação dos danos urbanísticos e ambientais causados pela implantação ilegal de parcelamento, além dos prazos e responsáveis por cada ação, e as sanções legais a serem aplicadas pelo descumprimento do acordo.

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ambientais através de Termos de Ajustamento de Conduta, o que tem sido feito com sucesso no município de São Bernardo do Campo, por exemplo.

Nos casos dos assentamentos em áreas de proteção aos mananciais, como se verá adiante, podemos afirmar que a regularização urbanística dos parcelamentos, com a implantação de infraestrutura de saneamento, ocupa papel de destaque nas leis específicas da Billings e Guarapiranga, como condição essencial para obter a recuperação dos mananciais (FERRARA, 2013).

5. Vila Nascente – Histórico de implantação e Carac terização Geral A Vila Nascente localiza-se no Grajaú, Subprefeitura de Capela do Socorro,

extremo sul do Município de São Paulo há 28km do centro da cidade. A ocupação da região se deu majoritariamente nas décadas de 80 e 90. No entanto a ocupação se estende até os dias atuais, a exemplo da área vizinha à Gleba em estudo, ocupada em 2013 pelo Movimento Anchieta de Luta por Moradia.

Apesar da distância ao centro da cidade, a região pode ser considerada bem servida de equipamentos públicos e infraestrutura urbana, há 3,6km da Estação Grajaú da CPTM.

A área caracteriza-se pelos diferentes padrões de ocupação, com destaque para o adensamento nas áreas sensíveis e próximas a represa, onde há maior vulnerabilidade socioambiental.

Fig. 6-9. (contextualização da Gleba na Micro-Bacia)

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A implantação da Vila Nascente teve início na década de 1980, com a aquisição pela Companhia Metropolitana de Habitação – COHAB-SP – da Gleba Grajaú, com 164.000 m² e localizada na Avenida Dona Belmira Marin. A Gleba possui relevo levemente acidentado e a região é cortada por inúmeros cursos d’água e nascentes e por linha de transmissão da CTEEP – Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista.

Inicialmente, a destinação da área foi objeto de luta da Associação de Moradores da Vila Arco Íris – AMAI. O núcleo inicial passou por pedido de diretrizes no Município e no Estado, emitidas entre 1984 e 1985. O objetivo de assentar 620 famílias naquela época foi frustrado pois, pelo critério legal de uso e ocupação do solo, somente puderam ser construídas 82 unidades habitacionais em lotes com dimensões entre 125 m² e 140 m², implantados através de mutirão a partir de 1987. A partir de 1988, a parcela remanescente da Gleba – com significativas restrições ambientais em função das exigências contidas na Lei Estadual n° 1.172/76 – passou a sofrer com a forte pressão por ocupação gerada pela falta alternativa habitacional acessível na região. Em julho de 1988, após tratativas com movimentos organizados da região da Capela do Socorro que reivindicavam atendimento de moradia com a construção de 3.000 U.H.s, houve ocupação de parte da área por 20 famílias. A COHAB-SP entrou com pedido de reintegração de posse, julgado procedente, mas optou por não realizar a reintegração. Inicialmente a ocupação respeitou certa ordenação territorial, fixando-se nas áreas de topografia favorável e com mínima padronização dos lotes e arruamento, mas com o aumento do número de famílias a área ocupada se estendeu para os trechos de alta declividade, superfícies alagadiças ao longo dos córregos, atingindo o número aproximado de 1000 novas famílias. Os trechos de ocupação foram denominados “Vila Nascente”. No início de 1989, os ocupantes foram procurados pela AMAI E COHAB-SP visando o estudo para uma possível solução da irregularidade do parcelamento. Teve início o cadastramento das famílias, processo que revelou não apenas a ocupação da área, mas também a venda de lotes por estelionatário que se dizia dono do imóvel.

Área Famílias cadastradas

Vila Nascente – ocupação 1159

Vila Arco Íris 82

Total 1241

A ocupação da gleba se estende até os dias atuais, pois recentemente houve nova

ocupação no trecho da porção sul do terreno, que seria destinada à construção de novas U.H.s para remoção das atuais unidades localizadas nas faixas de Área de Preservação Permanente dos córregos existentes no terreno, última área remanescente da Gleba.

Fig. 1. (contextualização das ocupações. Fonte: Google 2016, elaborado pelos autores)

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Em sua maioria, os lotes habitacionais encontram-se alinhados ao longo do

sistema viário existente, porém em alguns casos o acesso aos lotes se dá por meio de vielas estreitas, fruto da ocupação irregular existente na gleba. Embora a maior parte da gleba tenha boa condição de habitabilidade e consolidação das ocupações, nota-se grande precariedade nos trechos próximos aos córregos, apresentando áreas de alagamento e em condições de risco técnico.

A quase totalidade das vias é pavimentada e possuem captação de águas pluviais, com exceção da Rua Manifesto Popular paralela ao rio ao norte e do trecho recém-ocupado ao sul da Gleba. De acordo com Carta de Diretrizes CT.MSE n057/2009, fornecida pela SABESP, todas as ruas são atendidas por redes de distribuição de água, com ligações e medidores na grande maioria das habitações, a exceção da Rua Manifesto Popular e área recentemente ocupada. De acordo com a mesma Carta de Diretrizes estas mesmas vias são atendidas por redes coletoras de esgotos, com ligações domiciliares na grande maioria das habitações. Contudo, na porção sul do córrego há áreas que não estão ligadas à rede e despejam os esgotos “in natura” diretamente no córrego, que apresenta sinais de contaminação e poluição.

A área é atendida por serviço regular de coleta de resíduos sólidos urbanos, operado pela Prefeitura Municipal de São Paulo. Ainda assim, é possível notar o leito do córrego primário parcialmente assoreado pela presença de sedimentos de lixo e entulho.

Fig. 2. (consolidação das áreas. Fonte: Google 2016, elaborado pelos autores)

Figs.3- 5. (fotos da área: ocupação sobre córrego, trecho de alagamento e linha CTEEP. Fonte: autores)

A Gleba está inserida em Área de Proteção e Recuperação de Mananciais da Bacia

Hidrográfica do Reservatório Billings - APRM-B e conforme definições de zoneamento da

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Lei Específica, o trecho ocupado da Vila Nascente encontra-se em SUC – Subárea de Ocupação Consolidada – e o setor da gleba que será destinado para construção de novas unidades habitacionais, em SUCt – Subárea de Ocupação Controlada. A área está delimitada como ZEIS 1 no zoneamento municipal.

6. Análise do Termo de Ajustamento de Conduta - TAC

A Promotoria de Habitação e Urbanismo de São Paulo instaurou, em 1997,

Inquérito Civil para investigar as irregularidades na implantação do parcelamento. Relatórios elaborados pela COHAB-SP no final da década de 90 – durante a fase

de intensa ocupação da área, já com aproximadamente 500 famílias – indicavam a possibilidade de alternativas técnicas para urbanização da ocupação, mas que esbarravam nos rígidos parâmetros urbanísticos da Lei Estadual 1.172/76.

A partir da Lei Estadual 9.866/97 foi possível vislumbrar alguma alternativa para a área, com a possibilidade de uma regularização futura. A SABESP informou, ainda na década de 90, que implantaria coletor tronco na região, garantindo o afastamento e tratamento dos efluentes. A COHAB indica, em relatório de 1998, necessidade de iniciar estudos para urbanização da gleba, permitindo adequação da drenagem e infraestrutura de saneamento. Elaborou estudo definindo, entre outros, viário principal, áreas públicas necessárias, áreas a serem consolidadas e Áreas de Preservação Permanentes a serem desocupadas. Os critérios, que ainda não haviam sido definidos em legislação específica naquela época, tiveram por base a edição do Decreto Estadual n° 43.022/98, que regulamentou os dispositivos relativos ao Plano Emergencial de Recuperação dos Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo, ao qual a Lei Estadual n° 9.866/97 se refere.

A Lei Estadual nº 11.216/2002, que alterou a Lei 1.172/766, possibilitou a vinculação de áreas não contíguas a empreendimentos na Região Metropolitana de São Paulo para compensação, desde que localizados na mesma sub-bacia.

O DUSM – Departamento de Uso do Solo Metropolitano da Secretaria Estadual do Meio Ambiente – elaborou em 2004 um Termo de Referência, com equivalência de Termo de Compromisso, entre a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a COHAB-SP, visando ao licenciamento e à regularização do parcelamento. O Termo de Referência foi elaborado por solicitação da COHAB-SP, contendo as medidas e etapas necessárias para regularização do parcelamento e ocupação.

De acordo com a legislação vigente à época (lei 1172/76), o terreno de 164.296,043 m² era classificado com área de 2ª categoria, Classe B e C, com alguns trechos de 1ª categoria (conforme definições do art. 2º da lei 1.172/76, as faixas de 20 metros de proteção de curso d’água contribuinte direto do Reservatório Billings – inciso III, a faixa de 5 metros de proteção de curso d’água contribuinte indireto – inciso IV, e os trechos recobertos por mata – inciso V).

As propostas elaboradas tiveram como base a seguinte fundamentação legal:

6 A Secretaria de Estado do Meio Ambiente, através da Lei Estadual 9866/97, estabeleceu que a alteração dos critérios e parâmetros da Legislação de Proteção aos Mananciais seria paulatina e a longo prazo (Leis Específicas); transferiu formalmente para o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos as discussões, e mesmo as deliberações, sobre a questão da Proteção dos Mananciais, e permitiu atender as reivindicações populares relativas aos serviços de infraestrutura (Plano Emergencial). No entanto, esta estratégia ainda não reconhecia plenamente o direito de propriedade e de moradia de uma população de mais de 1.200.000 pessoas. Somente no ano de 2000, a Secretaria do Meio Ambiente apresentou ao Governo do Estado uma proposta definitiva, conhecida como a ‘alteração do artigo 53’. Por esta nova lei, que acrescenta um artigo à Lei 1.171/76, passou-se a permitir a averbação de área não contígua a empreendimentos localizados em área de proteção aos mananciais da RMSP. Trecho extraído do Termo de Referência.

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– Lei Estadual nº 898/75: disciplina o uso do solo para a proteção dos mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos de interesse da Região Metropolitana da Grande São Paulo, e dá outras providências;

– Lei Estadual nº 1.172/76: delimita as áreas de proteção relativas aos mananciais, cursos e reservatórios de água, a qual se refere o art. 2º da Lei nº 898/75, estabelece normas de restrição de uso do solo em tais áreas e dá providências correlatas, alterada pela Lei Estadual nº 11.216/2002;

– Decreto Estadual nº 9.714/77: aprova o Regulamento das Leis nº 898/75 e nº 1.172/76, que dispõe sobre o disciplinamento do uso do solo para a proteção dos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo;

– Decreto Estadual nº 47.696/2003: regulamenta o art. 37-A da Lei nº 1.172/76, acrescido pela Lei 11.216/2002, que delimita as áreas de proteção dos mananciais, cursos e reservatórios de água de interesse da Região Metropolitana da Grande São Paulo;

– Resolução SMA nº 25/03: dispõe sobre procedimentos administrativos a serem adotados nos processos de regularização e licenciamento de empreendimentos, obras ou atividades, situados em Área de Proteção aos Mananciais, conforme estabelecido na Lei Estadual nº 11.216/2002, e disciplina os procedimentos administrativos para o processamento e análise dos pedidos de vinculação de áreas de terreno ou glebas não contíguas, visando a regularização de empreendimentos, obras e atividades situadas em área de Proteção de Mananciais, em atendimento às Leis Estaduais nºs 898/75, 1.172/76 e 11.216/02 e os Decretos nºs 9.714/77 e 47.696/03.

– Resolução SMA nº 21/2001: fixa orientação para o reflorestamento heterogêneo de áreas degradadas e dá providências correlatas (alterada pela Resolução nº 47/2001).

No Termo de Referência, o DUSM elaborou um calculo aproximado da superfície necessária para compensação ambiental7, tendo como base uma ocupação estimada de 920 unidades. Para a área já ocupada por moradias, com 164.296,043 m², o terreno vinculado deveria possuir 569.911,96 m².

Além da compensação de área, a proposta contida no Termo de Referência indicava a necessidade de cadastro atualizado de moradores e edificações, projetos executivos de abastecimento de água e coleta, tratamento e destinação de efluentes, declaração de atendimento por serviço de coleta de lixo e destinação final de resíduos sólidos, projeto executivo de drenagem de águas pluviais – incluindo recuperação e preservação de drenagem natural, plano de remoção e reassentamento das famílias residentes na faixa de 1ª categoria, projeto de recuperação das áreas de 1ª Categoria (incluindo detalhamento de sua revegetação), e estabelecia um cronograma inicial de 20 meses para efetivação das medidas citadas.

Ainda em 2004, um Termo de Compromisso de Ajustamento foi firmado entre a COHAB-SP e o Ministério Público, com as seguintes cláusulas:

– Remoção das moradias localizadas nas faixas não edificável dos dois córregos, estimada na época entre 120 e 200 famílias. Para atendimento dessas famílias, a COHAB reservaria a área de 20.000 m² na porção sudoeste da gleba, e as remoções seriam condicionadas à possibilidade de atendimento habitacional.

– Vinculação de área para compensação ambiental, na mesma sub-bacia. A área indicada pela COHAB-SP possuía 484.000 m² e estava localizada em Rio Grande da Serra, município da RMSP, também na Bacia Billings. O cálculo de área de compensação 7 O memorial de cálculo utilizou as definições contidas na Lei nº 1.172/76, artigos 2º e quadro VII, para o cálculo da densidade bruta equivalente e quota de terreno por unidade, inicialmente definida como 1.500 m² para cada uma das 920 unidades de uso. Após reunião com as equipes técnicas, a quota foi aumentada para 1.980 m², por se entender que a área objeto de estudo possuía diversas densidades e diversos padrões de ocupação. Utilizou, também, a Lei 11.216/2002 para o cálculo de fator de bonificação (considerando as áreas de Classe C e as áreas cobertas por vegetação).

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considerou a existência de 832 unidades habitacionais, resultando em área menor que a indicada inicialmente no Termo de Referência.

– Execução de obras de urbanização e recuperação ambiental das áreas degradadas, previstas pela COHAB-SP para iniciar após a remoção das famílias, com os projetos indicados no Termo de Referência.

– Cronograma fixando o atendimento das exigências técnicas e jurídicas para regularização até 2008, compreendendo as medidas indicadas no Termo de Referência, a elaboração de planta de regularização, aprovação municipal e estadual e registro do parcelamento, com previsão de cobrança de multa diária em caso de descumprimento.

Cabe observar que não houve cumprimento de todas as medidas descritas no TAC, em especial a proposta de compensação ambiental, fato que foi questionado pelo Ministério Público a partir de 2012. Um dos argumentos da COHAB foi, justamente, a modificação do amparo legal para a regularização após a Lei Estadual nº 13.579/09 – Lei Específica da Billings. Em 2014, o Ministério Público instaurou Ação Civil Pública8.

7. Revisões e considerações sobre o Termo de Ajusta mento de Conduta após a edição da Lei Específica da APRM-Billings (Lei Esta dual nº 13.579/09) e o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012)

A Lei Estadual nº 13.579/2009, Lei Específica para a Área de Proteção e

Recuperação dos Mananciais do Reservatório Billings9 (APRM-B), define novos parâmetros e procedimentos para a regularização de assentamentos na região em que se encontra a Vila Nascente. Em especial, para áreas de interesse social, estabelece a figura do Programa de Recuperação de Interesse Social – PRIS, que permite a flexibilização dos parâmetros urbanísticos previstos para o zoneamento ambiental em que se situa o parcelamento, entre eles o tamanho mínimo de lote. E, para utilização do PRIS, os assentamentos precisam ser previamente enquadrados como ARA 1. Os critérios para esse enquadramento são: preexistência à 2006 – comprovada por meio de foto aérea da EMPLASA do ano de 2007, assentamentos inseridos em ZEIS, e que possuam algum grau de deficiência na infraestrutura de saneamento ambiental10 em 2009 (ano da Lei Específica da Billings).

Conforme definições de zoneamento da Lei Específica, o trecho ocupado da Vila Nascente encontra-se em SUC – Subárea de Ocupação Consolidada – e o setor da gleba que será destinado para construção de novas unidades habitacionais, em SUCt – Subárea de Ocupação Controlada. A área está delimitada como ZEIS no zoneamento municipal.

O principal aspecto da utilização do PRIS para o caso em análise, e considerando as cláusulas do TAC, seria a não exigência da área de compensação para a regularização do empreendimento.

Outra mudança significativa na legislação diz respeito à possibilidade de regularização fundiária de interesse social dos assentamentos localizados em Áreas de Preservação Permanente (que corresponderiam, no caso analisado, às faixas de 1ª categoria com indicação de remoção pelo Termo de Referência e TAC11). O texto do novo

8 Processo nº 1030154-34-2014.8.26.0053 9 Elaborada para atender às determinações da Lei nº 9.866/1997 10 Nas definições do artigo 4º da Lei Específica, o sistema de saneamento ambiental é o conjunto de infraestruturas que compreende os sistemas de abastecimento de água; de coleta, exportação ou tratamento de esgotos; de coleta e destinação final de resíduos sólidos; de retenção, remoção e tratamento de cargas difusas; de drenagem, contenção e infiltração de águas pluviais e de controle de erosão. 11 Lembrando que a figura dessas faixas de 1ª categoria não existe na Lei Específica de 2009, a definição mais próxima seria a de ARO – Área de Restrição à Ocupação.

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Código Florestal – Lei nº 12.651/2012 – estabelece no artigo 64 os critérios para regularização dessas áreas, na forma já definida pela Lei nº 11.977/2009. Admite a possibilidade de regularização nas faixas de APP mediante comprovação de melhoria das condições ambientais. No caso das áreas de proteção aos mananciais de São Paulo, a CETESB – agência estadual responsável pela análise do PRIS – estabelece que essas melhorias ambientais devam ser vinculadas, principalmente, à infraestrutura de saneamento ambiental citada acima. Isso permitiria, em tese, que algumas famílias residentes nas faixas de APP – e indicadas para remoção conforme estudos prévios na época da elaboração do TAC – pudessem ter suas residências preservadas desde que se comprove melhorias ambientais com as obras já realizadas e que a situação atual não implique risco para os moradores.

Esses dois aspectos, que representaram por anos um entrave para efetivação da regularização do parcelamento, poderiam ser revistos com base no aparato legal existente atualmente.

O processo do licenciamento do PRIS da Vila Nascente já teve início, com o enquadramento em ARA 1 e a obtenção da Licença Prévia em 2014. Atualmente, encontra-se em fase de revisão dos projetos elaborados e elaboração de proposta de revisão do TAC.

8. Considerações Finais Apesar da flexibilização representada pelas Leis Específicas, que permitem a

intervenção e regularização em assentamentos precários em áreas que se apresentavam inviáveis para regularização na vigência da Lei Estadual nº 1.172/76, e considerando que a regularização fundiária – conforme definição da Lei 11.977/2009 – representa necessariamente um esforço para melhoria das condições urbanísticas e ambientais desses assentamentos, ainda existem alguns entraves para efetivação dessas medidas. O caso da Vila Nascente aqui apresentado demonstra a complexidade para aplicação da lei, a resolução do problema urbano ambiental, o atendimento da demanda habitacional e a provisão de infraestrutura para regularização urbanística e fundiária.

A dificuldade enfrentada pelos municípios em compatibilizar seus Planos Diretores e Leis de Uso e Ocupação do solo com as leis específicas e seus zoneamentos indica a necessidade de revisão e adequação dos mapeamentos existentes. A homogeneização dos conceitos entre os diversos atores envolvidos no processo de licenciamento, em especial das áreas a serem enquadradas como ARA 1 e sua compatibilização com as ZEIS municipais também merece destaque.

A exigência de comprovação de deficiência na infraestrutura de saneamento ambiental na data da edição da Lei para utilização do PRIS vem ocasionando alguns problemas nos casos de assentamentos que passaram por obras nos Planos Emergenciais do final da década de 90 e início dos anos 2000. Nesses casos, não sendo possível o enquadramento em ARA 1 – e consequentemente a utilização do PRIS, pode ser necessária a utilização do instrumento de compensação ambiental em área para a regularização. Isso pode representar um sério entrave para a regularização desses assentamentos, dependendo da subárea em que estiverem inseridos.

Outro aspecto importante envolve o próprio conceito de licenciamento do PRIS, conforme definido nas Leis Específicas e na Resolução SMA 25/2013. O licenciamento em três etapas – Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação , exigido mesmo para assentamentos consolidados e urbanizados, explicita o fato da Resolução 25 não tratar especificamente da regularização fundiária, evidenciando a necessidade de um olhar diferenciado para as áreas a serem regularizadas em futuras revisões da legislação.

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Ao mesmo tempo, o contínuo adensamento nas áreas de proteção ambiental (ISA,2008, pag.157), as recentes ocupações na área conforme apresentamos e a política ineficiente de provisão de moradia popular em locais consolidados da cidade alertam para o permanente impacto sobre os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, resultando não apenas em um aumento da contaminação e poluição, mas um aumento inexorável da demanda de água para diversos fins. Segundo TUNDISI é possível que “em um ponto no futuro (10-20 anos), os crescentes custos do tratamento da água bruta (saneamento das bacias hidrográficas e sua conservação e recuperação) serão tão excessivos que já não será mais possível tratá-la” (TUNDISI, 2008, pag. 94).

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