seminário nacional sobre história e identidade cultural dos povos surdos

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FAPAZ EVENTOS CIENTÍFICOS E CULTURAIS LTDA. CEFOP CENTRO FAPAZ DE ENSINO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES 2011 Auditório da FATERN Faculdade de Excelência Educacional do RN 29 e 30 de abril de 2011 - Natal/RN http://insurdo.blogspot.com CEFOP/FAPAZ SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE HISTÓRIA E IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS SURDOS ANAIS

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  • FAPAZ EVENTOS CIENTFICOS E CULTURAIS LTDA. CEFOP CENTRO FAPAZ DE ENSINO E FORMAO DE PROFESSORES

    2011

    Auditrio da FATERN

    Faculdade de Excelncia Educacional do RN

    29 e 30 de abril de 2011 - Natal/RN

    http://insurdo.blogspot.com

    CEFOP/FAPAZ

    SEMINRIO NACIONAL SOBRE HISTRIA E IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS SURDOS

    ANAIS

  • FICHA CATALOGRFICA

    ndice para catalogo sistemtico:

    1. Surdez: Histria e Identidade da Pessoa Surda 371.912 2. Transversalidade e tica: Educao 372.83

    SEMINRIO NACIONAL SOBRE HISTRIA E IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS SURDOS / Organizador: Jos Flvio da Paz. 1.ed. - Natal: CEFOP/FAPAZ, 2011., 180 pginas.

    Bibliografia. ISBN

    1. Histria da educao de surdos. 2. Fundamentos da educao de surdos.

    3. Surdez. 4. Polticas Pblicas da educao de surdos. 5. Educao. 6.

    Meios de comunicao.

    CDD 371.912

    CDU 372.83

  • 3

  • Comunidade Surda. Do Brasil e do Mundo.

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    APRESENTAO O primeiro SEMINRIO NACIONAL SOBRE HISTRIA E IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS SURDOS uma

    realizao do CEFOP CENTRO FAPAZ DE ENSINO E FORMAO DE PROFESSORES, mantido pela FAPAZ EVENTOS CIENTFICOS E CULTURAIS LTDA. em um esforo conjunto entre a ASNAT - Associao de Surdo de Natal, Coordenao da Especializao em LIBRAS da FATERN - Faculdade de Excelncia Educacional do Rio Grande do Norte, CAS - Natal, APILRN - Associao dos Profissionais Intrpretes e Tradutores da Lngua Brasileira de Sinais do Rio Grande do Norte e Coordenao do Curso Letras/LIBRAS Polo UFSC/IFRN - e contar com presena da Profa. Dra. Karin Lilian Strobel, atual presidente da FENEIS - Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos e exerce suas funes profissionais na UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina, trabalhando na equipe de Letras/Libras daquela IES. O SEMINRIO NACIONAL SOBRE HISTRIA E IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS SURDOS, acontecer nos dias 29 e 30/04/2011, no Auditrio da FATERN, suas respectivas salas de aula e ser um marco histrico para a educao de surdos no Rio Grande do Norte e, portanto, uma excelente oportunidade para dirimir questes locais e nacionais para efetiva incluso da pessoa surda no mbito social e educacional. Seus objetivos ser o de compreender os aspectos scio-histricos do movimento da Comunidade Surda; integrar as instituies militantes da causa surda no Brasil e, mais propriamente na Regional Nordeste; fomentar a relao acadmico-cientfica e a Comunidade Surda e promover as experincias e pesquisas de promoo e incluso/integrao da pessoa surda no mercado de trabalho. Este instrumento traz a pblico os ANAIS do SEMINRIO NACIONAL SOBRE HISTRIA E IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS SURDOS constitudo das COMUNICAES ORAIS ou EM LIBRAS, bem como o resumo dos PAINIS, OFICINAS e MINICURSOS. No h dvida do real significado social deste Evento a todos(as) que militam na causa da incluso e integrao da pessoa surda nos mais diversos mbitos socioeducacionais. SEJAM BEM VINDOS e BEM VINDA!

    Prof. Jos Flvio da Paz

    Presidente do I Seminrio Nacional Sobre Histria e Identidade Cultural dos Povos Surdos Coordenador da Especializao em LIBRAS da FATERN

    Diretor do CEFOP/FAPAZ

  • Caros seminaristas A Histria da educao dos Surdos no Brasil, e particularmente no Rio Grande do Norte, vergonhosa. Alegramo-nos com iniciativas pioneiras como estas que sem demagogia e retrica emotivas apresentam alternativas racionais com vista a uma educao libertadora para a Comunidade Surda. Ns da APILRN Associao dos Profissionais Intrpretes e Tradutores da Lngua Brasileira de Sinais do Rio Grande do Norte parabenizamos a todos os participantes do 1 SEMINRIO SOBRE HISTRIA E IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS SURDOS pelo momento impar na histria recente dos estudos e eventos acadmicos voltados para esta temtica em nosso estado. Certamente, este evento fomentar outros com o mesmo perfil e contribuir para a propagao dos novos saberes, saberes emergentes de profissionais ouvintes envolvidos com a pesquisa voltada para a educao dos Surdos, mas, singularmente, saberes produzidos por profissionais Surdos que, a cada dia, como recm-alforriados, assumem a responsabilidade por sua educao: nada sobre ns, sem ns, dizem eles.

    KERSON KLEBER ESPNOLA PEREIRA

    Presidente da APILRN

    JOS EDMILSON FELIPE DA SILVA Vice Presidente da APILRN

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    SUMRIO

    ARTIGOS - COMUNICAO ORAL

    A CENTRALIDADE DA LNGUA PARA OS SURDOS: PELOS ESPAOS DE CONVIVNCIA E USO DA LIBRAS 09 A EDUCAO ESCOLAR DA PESSOA SURDA EM SALVADOR: DAS CLASSES WLSON LINS POLTICA DE INCLUSO DO MINISTRIO DA EDUCAO E CULTURA 19 A IMPORTNCIA DO LAZER NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE PESSOAS SURDAS 32 A INCLUSO DE ALUNOS SURDOS NO ENSINO REGULAR: AS EXPERINCIAS DO COLGIO ESTADUAL PANDI CALGERAS/SG/RJ 41 A INCLUSO DO JOVEM SURDO NO AMBIENTE PROFISSIONAL DA CONSTRUO CIVI, ATRAVS DA PESQUISA CIENTFICA MEDIADA POR INTERFACES INTERINSTITUCIONAIS E TECNOLGICAS 53 A SALA DE APOIO DA PESSOA COM SURDEZ DA ESCOLA MUNICIPAL TENENTE WILSON M. MOITINHO: ANLISE DO TRABALHO EM PROL DO BILINGISMO 63 ANALISE DIACRNICA DO PROCESSO EDUCACIONAL DO SUJEITO SURDO 71 EVOLUO HISTRICO-CULTURAL E IDENTITRIA DOS SURDOS BRASILEIROS: ENFOQUE NA EDUCAO E NO ENSINO DE LIBRAS 80 GESTOS, EXPRESSES E SENSAES: EXPERINCIA DE PARTICIPAO EM CURSOS DE LNGUA BRASILEIRA DE SINAIS- LIBRAS 90 GRAMATICALIZAO DO CORPO E DO ESPAO: UM PROJETO DE ARTE-EDUCAO PARA SURDOS 98 INCLUSO EDUCACIONAL E POLTICAS PBLICAS: POR UMA POLTICA DA DIFERENA 111 OS SURDOS NA UNIVERSIDADE: Possibilidades e Desafios 118 PENSANDO A INCLUSO DO ALUNO SURDO NA ESCOLA REGULAR: POR UMA PEDAGOGIA DAS DIFERENAS NA SALA DE AULA DE LNGUA ESTRANGEIRA 128 PERSPECTIVAS DA EDUCAO INCLUSIVA NO MUNICPIO DE PONTA GROSSA - O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO NA EDUCAO DE ALUNOS COM SURDEZ 133 POESIA SURDA: MECANISMO DE APOIO S PRTICAS SOCIOINTERATIVAS NO ENSINO DE LNGUAS 138 POLTICAS PBLICAS DOS SURDOS: USO DA ESTRATGIA DA LEGISLAO ATUAL 146 PROCESSO DE EXCLUSO SOCIAL E AS VIAS DA INCLUSO 156 SOBRE A PESQUISA FIGURAES CULTURAIS: SURDOS NA CONTEMPORANEIDADE 164

    ARTIGOS - COMUNICAO ORAL EM LIBRAS

    HISTRIA DA EDUCAO DE SURDOS EM RECIFE em vdeo HISTRIA DAS LNGUAS DE SINAIS E A EVOLUO ETMOLGICA DA LIBRAS EM RECIFE em vdeo RELAES ENTRE EDUCAO E RELIGIO: A PASTORAL DOS SURDOS DE PERNAMBUCO em vdeo

    RESUMOS PAINIS ESTRATGIAS METODOLGICAS PARA UMA INCLUSO PARTICIPATIVA 173 LIBRAS E O ENSINO SUPERIOR: pela defesa do docente surdo 174 A VISUALIDADE NA DIDTICA INTERDISCIPLINAR ENTRE A QUMICA E A BIOLOGIA: UMA VIVNCIA NA EDUCAO DE ALUNOS SURDOS DE NIVL MDIO DA EJA 177 AES EM PROL DA PERMANNCIA DO ALUNO NA EaD: A EXPERINCIA DO PLO IFRN - CURSO EaD LETRAS-LIBRAS 178 LNGUA MATERNA DESENVOLVIDA NA CRIANA SURDA 179 O BILINGUISMO COMO MECANISMO DE INCLUSO DO ALUNO SURDO NA ESCOLA 180

  • ARTIGOS COMUNICAO ORAL

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    A CENTRALIDADE DA LNGUA PARA OS SURDOS: PELOS ESPAOS DE CONVIVNCIA E USO DA LIBRAS

    Larissa Silva Rebouas

    Professora Surda da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Mestra pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

    [email protected]

    Omar Barbosa Azevedo Doutorando em Educao pela UFBA

    [email protected] RESUMO No presente artigo, refletimos sobre temas como linguagem, lngua, cultura, identidade e espaos de convivncia, com o objetivo de defender um projeto de educao lingstica baseado no ensino da lngua brasileira de sinais (LIBRAS). Queremos evidenciar que uma lngua minoritria como a LIBRAS, bem como a cultura de solidariedade lingstica que se estabelece entre a comunidade surda e os ouvintes implicados, esto seriamente ameaados por uma poltica equivocada de extino de importantes espaos de convivncia para crianas e jovens surdos: as escolas e classes especiais para surdos.

    Palavras-chave: LIBRAS, Surdos, Educao lingstica.

    A LINGUAGEM, SEU CONTEXTO SOCIAL E A EDUCAO

    As teorias sobre o papel da linguagem no desenvolvimento humano de Lev S. Vygotsky explicam a importncia da lngua de sinais e da Cultura Surda para as pessoas da Comunidade Surda. De acordo com as teorias propostas por Vygotsky, a linguagem no se reduz a sua funo comunicativa entre os indivduos, bem como o desenvolvimento destes s possvel graas a interaes humanas concretas, que s acontecem em contextos sociais marcados por caractersticas culturais e histricas. Alm de mediadora das interaes sociais, a linguagem tambm importante como suporte lingstico para a estruturao e o desenvolvimento do pensamento da criana.

    Vygotsky (1998) destacava a origem social da linguagem e do pensamento, pois para ele, o desenvolvimento humano o resultado de um processo scio-histrico e, nesse desenvolvimento, o papel da linguagem de extrema relevncia. A linguagem possibilita a elaborao de conceitos, as formas de organizao do real e serve como mediadora entre o sujeito e os objetos de conhecimento. Para Vygotsky, a linguagem tem duas funes complementares: no plano social, ela proporciona a comunicao, e no plano interno, ela funciona como meio de reflexo.

    Com a ajuda de Vygotsky, compreendemos como a linguagem humana e uso de uma determinada lngua so fenmenos prprios da vida social . Comunicao e interao scio-cultural so processos humanos que dependem de espaos de convivncia ocupados por atores sociais capazes de transmitir cultura e modelos de identidade. A linguagem permite ao ser

    humano, iniciar e desenvolver o seu processo de socializao e de aprendizagem em geral:

    O homem no inventa seu sistema de comunicao... ele j existe h geraes. O homem deve aprend-lo a fim de tornar-se membro de sua sociedade. A capacidade do aprendizado da lngua natural de sua

  • comunidade, em princpio, inerente a qualquer humano que no tenha sido prejudicado na rea do crebro o qual, segundo diversos estudos, parece relacionada habilidade lingstica. (BARBOZA, 1998, p.70, grifos nossos)

    No caso das pessoas surdas brasileiras, o desenvolvimento ocorre graas

    mediao scio-histrica proporcionada pela LIBRAS em todos os aspectos humanos: social, afetivo e cognitivo. Qualquer lngua de sinais contm os mesmos princpios subjacentes de construo que as lnguas orais, no sentido de que cada LS dotada de um lxico prprio, ou seja, um conjunto de smbolos convencionais, e de uma gramtica, ou seja, um sistema de regras que rege o uso desses smbolos (QUADROS, 2004; FELIPE, 1992). H vrias lnguas de sinais em todo o mundo e todas elas so sistemas abstratos com regras gramaticais prprias, utilizadas pelas comunidades surdas de cada lugar, bem como por familiares e intrpretes ouvintes que convivem com pessoas surdas. Portanto, como todas as lnguas orais ou sinalizadas, a LIBRAS uma lngua especfica com variaes regionais. As lnguas de sinais no so universais (REBOUAS, 2002, p.5).

    As pessoas surdas que no sabiam sinalizar anteriormente, aprenderam a LIBRAS rapidamente ao entrar em contato com outros surdos. Fatos como este demonstram como a Cultura Surda especfica. Paulo Freire diria que a leitura do mundo precede a leitura da palavra (BRASIL, 1997, p.147), sendo assim, entendo que as palavras e as outras estruturas da Lngua Portuguesa (LP) s podero fazer sentido para pessoas surdas brasileiras (crianas, jovens e adultos) se elas tiverem uma lngua que lhes permita estruturar seu conhecimento de mundo e suas experincias subjetivas. Uma pessoa surda raramente faz essa leitura do mundo apoiada em estruturas da LP oral, por isso, fundamental que outra estrutura lingstica possa mediar este processo. Esta estrutura a LIBRAS, seja na aprendizagem da LP escrita, seja na aprendizagem da forma de comunicao da comunidade surda. A LIBRAS deve ser especialmente empregada como primeira lngua na Educao Infantil de crianas surdas:

    Vygotsky (1989) pontua que o significado das palavras um fenmeno do pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha o corpo por meio da fala e s um fenmeno da fala na medida em que esta ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele. Este intrincado e complexo sistema, que envolve linguagem e pensamento revela o quanto ineficaz se torna o constante passo a passo na direo de fazer uma criana surda falar ao invs de propiciar a ela um meio rpido de comunicao lingstica atravs da aquisio da lngua de sinais como primeira lngua, que proteja e cumpra o papel fundamental de resguardar o seu natural desenvolvimento no que se refere a ter o domnio, de fato, de um instrumental lingstico que lhe sirva para as operaes mentais que envolvem mecanismos lingsticos. (VYGOTSKY, 1989, apud FERNANDES, 2003, p.20, grifos nossos)

    Para Vygotsky (1998) a relao do ser humano com o mundo mediada pela

    linguagem nas relaes com outros seres humanos num contexto social e histrico. Este processo de mediao acontece nas interaes sociais atravs da linguagem e tambm afeta a cada pessoa subjetivamente. No processo de desenvolvimento humano, a linguagem desempenha um papel fundamental na construo de significados subjetivos e culturais. Sendo assim, a linguagem no deve ser vista apenas como uma forma de comunicao. Neste sentido, entendemos que o ensino de LIBRAS no deve se limitar a informaes lxicas isoladas. Devido ao papel

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    scio-histrico-cultural da linguagem, o significado da palavra (ou do sinal, no caso das lnguas de sinais) visto como noo bsica para uma explicao concreta da formao da conscincia e do funcionamento mental superior. O significado da palavra (ou do sinal) representa um:

    amlgama to estreito do pensamento e da linguagem, que fica difcil dizer se se trata de um fenmeno da fala ou de um fenmeno do pensamento. Uma palavra sem significado um som vazio; o significado, portanto, um critrio da "palavra", seu componente indispensvel (VYGOTSKY, 1993, pg.104, grifos nossos).

    Vygotsky entendia que o pensamento e a linguagem no so processos paralelos e independentes. O desenvolvimento do pensamento interfere no desenvolvimento da linguagem e o contrrio tambm acontece, de modo que relao entre um e outro se constitui em "um movimento contnuo de vaivm do pensamento para a palavra, e vice-versa" (VYGOTSKY, 1993, p.108). A influncia recproca entre o pensamento e a linguagem fundamental para o surgimento de significados individuais e coletivos. Pierce (1972) fundou uma cincia Semitica pragmtica, ou seja, uma cincia capaz de observar os efeitos dos signos na mente interpretadora de um interlocutor presente ou suposto. Esta perspectiva pragmtica que atenta para o processo de decodificao do signo (digamos, da palavra ou ainda, do sinal), nos parece um bom fundamento para a valorizao do ensino da LIBRAS de forma contextualizada e comunicativa. Queremos chamar ateno para o fato de que os sinais tm caractersticas semnticas que despertam a interpretao porque criam significaes no pensamento dos usurios, sejam eles surdos ou ouvintes, e do sentido comunicao sempre que houver um contexto social. Partindo da perspectiva da semitica pragmtica, entendemos que a LIBRAS deve ser ensinada com uma metodologia prpria de lngua estrangeira, pois neste contexto, marcado pela necessidade de comunicao social, a capacidade de gerar significados melhora,

    e muito, o aprendizado dos usurios desta lngua. Para que relaes sociais significativas possam se estabelecer, preciso oferecer aos alunos todas as oportunidades de apropriao do acervo cultural produzido pela humanidade, para garantir-lhes uma formao integral e um exerccio efetivo da cidadania. A educao de crianas surdas no pode reduzir-se ao treino da fala na lngua oral. Mesmo que a LIBRAS seja a expresso de um grupo cultural minoritrio, ela parte integrante do acervo da humanidade. Aprendizes ouvintes e surdos tm o direito de aprend-la para que possam se comunicar com pessoas surdas em qualquer contexto. Os alunos surdos tm o direito prioritrio de serem educados em LIBRAS para que no sofram um processo de excluso lingstica. Devemos recordar que a linguagem a estrutura humana que permite a construo do conhecimento e da subjetividade, ela no meramente a expresso da estrutura cognitiva, a expresso semitica que revela o contato entre o ser humano e o mundo fsico e social. A educao de um indivduo, ou de um grupo, numa lngua que no seja sua lngua natural uma forma de opresso. Uma pessoa surda certamente sofre grandes dificuldades quando estuda

    numa escola, ou numa universidade, onde os colegas se comunicam apenas de forma oral, sendo que sua capacidade de compreenso auditiva mnima ou nenhuma.

  • IDENTIDADE, DIFERENA, CULTURA E ENSINO DE UMA LNGUA Identidade e diferena so noes fundamentais para a compreenso das questes que tratamos neste artigo, especialmente a idia de que as pessoas surdas so lingisticamente diferentes, e no necessariamente deficientes. A noo de Identidade Cultural pode ser melhor entendida quando relacionada idia de produo da diferena. Silva (2000), explica que:

    A identidade o conjunto de caractersticas que distinguem os diferentes grupos sociais e culturais entre si. A identidade cultural s pode ser compreendida em sua conexo com a produo da diferena, concebida como um processo social discursivo. Ser brasileiro no faz sentido em termos absolutos: depende de um processo de diferenciao lingstica que distingue o significado de ser brasileiro do significado de ser italiano, de ser mexicano, etc. (p. 69) (Grifos nossos)

    Os grupos de pessoas surdas em todo o mundo esto lutando para que

    sua identidade surda seja considerada como uma diferena legtima. Como surda conhecedora destas lutas, afirmo que ns no temos interesse em receber o mesmo tratamento social oferecido s pessoas ouvintes. Nossa diferena nos faz um grupo cultural interessante e merecedor de direitos especficos. Como pesquisador solidariamente implicado com a Comunidade Surda, apio as palavras da minha colega, por conhecer de perto a realidade de um grupo que quer participar ativamente da Educao de crianas e jovens surdos, mas que muitas vezes , literalmente, incompreendido por falta de acolhimento lingstico e subestimao de suas potencialidades. Outra pesquisadora, a Dra. Ndia R. Limeira de S (2006, p.123), me de uma filha surda, questiona:

    O que sustentar um novo olhar sobre as diferenas so as novas formas de representar e de ressignificar a diferena. A crena de que todos os homens so iguais surge do ideal poltico-democrtico de que todos os homens devem ser tratados de forma igualitria - este um dos ideais mais poderosos que a humanidade perseguiu. Mas hoje isto questionado: so realmente iguais todos os homens? A quem interessa a igualdade? (grifos nossos).

    Ressignificar a diferena das pessoas surdas implica numa mudana das representaes sociais sobre a surdez geralmente encarada como um defeito, uma falta e at mesmo, como uma doena. Para mim, Larissa, e para muitos surdos que conhecemos, a surdez no vivida de nenhuma destas maneiras, mas como uma experincia de vida diferente e visual. As pessoas ouvintes no tm uma vivncia como a nossa. A Surdez deve ter outro significado quando a LIBRAS ensinada e este um ponto de partida fundamental para uma aprendizagem adequada desta lngua. Os alunos surdos devem se identificar com a prpria cultura e com modelos de identidade Surda. Os alunos ouvintes necessitaro aprender a pensar do ponto de vista surdo e assimilar algo da cultura surda.

    As representaes sociais da surdez vinculam-se ao diagnstico que se localiza no corpo da pessoa surda. neste sentido que os ouvintes pensam que a audio algo que falta porque o corpo de algum surdo estaria defeituoso. Os temas: identidade, diferena e representaes so muito importantes no campo dos Estudos Surdos porque uma compreenso adequada daquilo que caracteriza a cultura das pessoas surdas, pode lhes proporcionar uma verdadeira incluso social. Isto pode acontecer especialmente no espao

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    acadmico, bem como em todos os nveis do sistema de ensino, onde a LIBRAS deve ser ensinada com o mesmo status lingstico de qualquer lngua oral.

    LNGUA, LINGUAGEM E EDUCAO LINGSTICA EM LIBRAS

    Num artigo no qual tratamos sobre o ensino de uma lngua de modalidade viso-gestual, no caso a LIBRAS, torna-se essencial esclarecer significados possveis para os termos "lngua" e "linguagem". Saussure (1987) afirma que a lngua no se confunde com a linguagem, pois a lngua somente uma parte determinada da linguagem, certamente essencial, sendo ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenes necessrias, adotadas pelo corpo social para possibilitar o exerccio dessa faculdade nos indivduos.

    Goldfeld (1997) entende que a linguagem por sua vez tida como tudo que envolve significao, que tem valor semitico, no se restringindo apenas a uma forma de comunicao, e nela que o pensamento do indivduo constitudo. A autora esclarece, ainda, que a linguagem est sempre presente no ser humano, at quando este no est se comunicando com outras pessoas; assim, a linguagem constitui o sujeito e a forma como este recorta e percebe o mundo e a si prprio.

    A mera funo comunicativa da linguagem corresponde a uma viso reducionista considerando a complexidade das relaes humanas, pois um ponto de vista que se restringe aos termos: falante/emissor e ouvinte/receptor, considerando um papel ativo para o primeiro e passivo para o segundo, ou seja, recepo/compreenso. Entendemos que a funo comunicativa vai muito alm de uma troca de informaes. Bakhtin (2003) explica que ao usar um discurso a pessoa adota uma atitude de concordncia, discordncia, complementao ou at mesmo a construo de um novo conceito.

    A idia equivocada de uma linguagem limpa, higienizada, apoiava um modelo de ensino baseado na comunicao unilateral, em que o professor ensina e detentor do conhecimento, enquanto o aluno, para aprender, deve ser passivo. As implicaes para um curso de lnguas so bastante graves, pois adotar esse posicionamento implica em ensinar apenas regras da lngua baseando-se na cultura da sociedade dominante. Neste modelo no h espao para a troca de informaes, os alunos se sentem desinteressados e tendem a desistir da aprendizagem.

    Para ser professor de LIBRAS, uma pessoa surda ou ouvinte, precisa dominar os elementos fundamentais da Cultura Surda, assumir e respeitar os valores bsicos da comunidade surda. Na LIBRAS, o poder, a linguagem e a interao, ocorrem da mesma maneira que na lngua oral. A comunidade surda tambm composta por uma estrutura hierarquizada, marcada por posies definidas, onde cada lugar ocupado e legitimado de alguma forma. A produo do discurso de uma pessoa surda ocorre de acordo com o local que ela se situa e o lugar que ela ocupa no grupo social.

    Bakhtin (2003) apresenta os conceitos: dialogismo constitutivo, compreenso responsiva ativa, alternncia do sujeito, que esto intimamente ligados com a idia de valorizao da linguagem subjetivamente construda. Os conceitos de Bakhtin me fazem pensar que uma atitude autoritria pode interferir insatisfatoriamente na interao professor-aluno em sala de aula. No ensino de LIBRAS importante que aconteam dilogos nesta lngua para que os alunos possam compreend-la, sejam eles surdos ou ouvintes. Sem dilogos contextualizados em LIBRAS, fica difcil para alunos ouvintes e surdos, despertarem a compreenso responsiva ativa. Os alunos devem aprender num contexto de relaes dialgicas, estabelecido atravs de

  • estratgias de conversao, de dramatizao, etc., porque esta aprendizagem depende de treinamento na utilizao da comunicao sinalizada.

    Para Bakhtin (1992), o homem s existe aps a interao social, como integrante da sociedade, onde participa de uma realidade histrica . Ele

    defende a concepo da linguagem como reflexo social e desenvolve duas noes fundamentais para o estudo do discurso: a polifonia e a dialogia, importantssimas para uma viso mais ampla do processo de ensino e aprendizagem de lnguas num contexto cultural e dialgico. Ainda que estes autores tenham grande repercusso nos meios acadmicos e que suas idias ampliem os conceitos de lngua e de linguagem, a realidade que testemunhamos atualmente de resistncia consolidao da LIBRAS como uma disciplina acadmica de pleno direito. Esta uma atitude que gera

    dificuldades para professores surdos, e tambm ouvintes, de ensinar a LIBRAS como uma lngua com pleno status lingstico e com uma metodologia apropriada.

    A realidade que encontramos nas escolas que a maioria dos professores so ouvintes, no usurios de LIBRAS, e que os alunos surdos os tem como referenciais de profissionais e de independncia. Freqentemente, os professores que tentam aprender a LIBRAS, no a utilizam corretamente e isso faz com que estes alunos tenham idias equivocadas sobre a prpria lngua e falta de aprofundamento dos contedos estudados. Desta forma, os alunos surdos passam a no acreditar plenamente em suas capacidades, e no amadurecem a viso de que profissionais surdos podem e so perfeitamente capazes de atingir a maturidade mental e profissional.

    Muitos surdos desvalorizam a cultura e a identidade surdas, porque tm pessoas ouvintes como exemplo e tambm porque se consideram apenas uma pequena parcela da sociedade. Se desde cedo as pessoas surdas puderem contar com referenciais surdos, que respeitem a cultura surda e a LIBRAS, elas facilmente se sentiro mais valorizadas e seguramente ganharo em auto-estima, e independncia em diversos setores da vida. Os alunos surdos podero ver nos profissionais surdos ao seu redor, a imagem de pessoas qualificadas, capazes de incentivar o desenvolvimento deles tambm. Os alunos devem ver seus professores como exemplos de profissionais respeitveis, desde que os professores tambm respeitem a cultura dos alunos. Todos os nveis do ensino, incluindo o superior, so elementos importantssimos para a formao do carter dos alunos, sejam eles surdos ou ouvintes.

    Desde a deciso tomada no Congresso de Milo em 1880, os educadores ouvintes passaram a defender abertamente que a educao de surdos deveria priorizar o ensino da fala, da leitura labial e no aproveitamento dos restos auditivos. O poder negado s pessoas surdas e seus lderes de gerir e ministrar sua prpria educao foi tomado por uma ao arbitrria de lideranas dos professores ouvintes no triste congresso. Essa deciso condenou os surdos a um retrocesso em suas vidas que durou mais de cem anos. A ao foi radical e abrangente expulsando todos os professores surdos que naquela poca j eram em nmero significativo nas escolas de surdos. Esses no tiveram condies de resistir.

    Os movimentos das comunidades surdas foram respaldados por pesquisas lingsticas como as que foram realizadas a partir de meados da dcada de sessenta pelo lingista William Stokoe (1960, 1976). O trabalho de Stokoe identificou as estruturas da Lngua de Sinais Americana (ASL). Aqui no Brasil, lingistas como Lucinda Ferreira Brito, Ronice Mller de Quadros e Tania Felipe, realizaram trabalhos de investigao que confirmaram as estruturas lingsticas da LIBRAS. A

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    pesquisa sobre as lnguas de sinais de diversos pases confirmam a especificidade cultural e lingstica das lnguas de sinais (LS). Passadas mais de quatro dcadas das primeiras publicaes de Stokoe, o processo de ressurgimento da fora da cultura surda, mostra dificuldade de avanar e por em prtica aquilo que os surdos consideram seu direito: aprender e se expressar em sua prpria lngua, bem como desenvolver sua prpria cultura a partir de uma escola, na qual se que coloque em prtica um projeto de educao lingstica em LS. Carlos Skliar (1997, p.12) explica com clareza que, no caso das crianas surdas, qualquer nfase na idia de deficincia a ser corrigida uma idia equivocada:

    A criana no vive a partir de sua deficincia, mas a partir daquilo que para ela resulta ser um equivalente funcional. Tudo isso seria certo se, desde j o modelo clnico-teraputico no se obstinasse tanto em lutar contra a deficincia, o que implica, em geral, originar conseqncias sociais ainda maiores. Reeducao ou compensao, essa a questo. Obstinar-se contra o dficit, esse o erro. (grifos nossos)

    A obstinao contra o dficit dos surdos, traduzida pela votao a favor da oralizao pura em Milo, teve conseqncias graves. Passaram-se quase cem anos antes que pesquisadores ouvintes percebessem o descompasso da prtica pedaggica nas escolas de surdos com as descobertas das neurocincias e da psicologia cognitiva. As primeiras pesquisas sobre a comunicao sinalizada deram a publicidade necessria para que as comunidades surdas tivessem o poder de questionar o modelo praticado na educao dos surdos e propor alternativas baseadas no uso das LS.

    Na escola de surdos, ou na classe de surdos, o aluno surdo pode construir sua auto-estima dentro de um grupo de usurios da mesma lngua, por no se sentir inferior devido a comparaes implcitas ou explcitas com os colegas ouvintes. Com o ensino realizado em LIBRAS, o alunado surdo pode ter um acesso sem barreiras de comunicao aos contedos escolares e exercer seu direito a uma educao de qualidade. Espaos de convivncia, sejam

    escolas ou mesmo classes especiais, so fundamentais para a preservao e o desenvolvimento de uma lngua, bem como a cultura e a identidade surda vinculadas LIBRAS. Sem estes espaos, at mesmo a solidariedade lingstica e poltica entre os Surdos e os ouvintes implicados, fica ameaada. A quem interessa

    desmobilizar a Comunidade Surda e os ouvintes implicados (familiares, amigos e pesquisadores)?

    A escolarizao das pessoas surdas certamente possvel. A formao de surdos e de intrpretes no mbito dos Plos da graduao em Letras/LIBRAS da UFSC uma certeza concreta desta possibilidade de educao das pessoas surdas a partir de sua forma de comunicao habitual. Professores surdos e ouvintes so os sujeitos ativos neste processo de mudana que j est em andamento. Do ponto de vista humano, a proposta do curso de EAD em Letras/LIBRAS leva em conta o fato de que para ensinar a modalidade escrita de uma lngua oral a pessoas surdas, fundamental saber que

    [...] pensar sobre a surdez requer penetrar no mundo dos surdos e ouvir as mos que, com alguns movimentos, nos dizem o que fazer para tornar possvel o contato entre os mundos envolvidos, requer conhecer a lngua de sinais. Permita-se ouvir essas mos, pois somente assim ser possvel mostrar aos surdos como eles podem ouvir o silncio da palavra escrita. (QUADROS, 1997, pg. 119, grifos nossos).

  • ESPAOS E PROJETOS AMEAADOS POR UMA POLTICA EQUIVOCADA O MEC est promovendo uma grande mudana na educao dos surdos no

    Brasil, cujo objetivo mais relevante a incluso da populao surda nas escolas de ouvintes. Para alcanar essa meta o MEC iniciou a capacitao de professores ouvintes no uso da LIBRAS e reconheceu as figuras do professor e do instrutor surdos.

    Muitos especialistas alimentam os discursos de incluso, sem perceberem as conseqncias deste processo que s tem contribudo mais e mais para a frustrao educacional dos alunos surdos. Estes especialistas no tm nenhuma experincia na prtica em sala de aula com surdos e acabam por consider-los no mesmo patamar de deficientes visuais, mentais e outros, sem se dar conta de que as pessoas surdas possuem uma identidade lingstica e cultural que as diferencia dos demais portadores de necessidades educativas especiais.

    Carlos Skliar (1998, p. 37) explica como importante respeitar as diferenas entre os alunos:

    Um dos problemas, na minha opinio, a confuso que se faz entre democracia e tratamento igualitrio. Quando um surdo tratado da mesma maneira que um ouvinte, ele fica em desvantagem. A democracia implicaria, ento, no respeito s peculiaridades de cada aluno seu ritmo de aprendizagem e necessidades particulares. (grifos nossos)

    A proposta governamental atual colocar os alunos surdos em salas de aula

    regulares junto com professores e colegas ouvintes, todos sem o devido preparo para trabalhar e conviver com surdos. A LIBRAS deve ser a primeira lngua adquirida pelas pessoas surdas com uma perda auditiva a partir de severa, por ser uma lngua natural, plenamente desenvolvida, que assegura uma comunicao completa e integral. Diferentemente da lngua oral, a LIBRAS

    permite que as crianas surdas se comuniquem normalmente. Os profissionais que atendem pessoas surdas precisam saber que elas utilizam a comunicao sinalizada e foi com este objetivo que as Instituies de Ensino Superior (IES) incorporaram a LIBRAS nos currculos dos cursos de Letras, Pedagogia e Fonoaudiologia, demonstrando respeito legislao vigente desde 2002.

    A proposta da incluso de portadores de necessidades educativas especiais em classes regulares louvvel, mas funciona como excluso lingstica em muitos casos de alunos surdos includos sem o apoio de intrpretes e sem o uso de recursos visuais. Sem apoios pedaggicos e tecnolgicos necessrios, os alunos surdos acabam excludos da plena comunicao e da real participao.

    CONCLUSO Incluso direito, mas requer trabalho srio e articulado entre educadores, familiares e instituies educativas e laborais. O conjunto de portadores de necessidades especiais extremamente heterogneo e nem todos os casos podem ser beneficiados por uma incluso indiscriminada que encaminhe pessoas com necessidades sensibilssimas a contextos inadequados. Evidentemente, entre as pessoas surdas, existem aquelas que em determinado momento da escolaridade, querem o desafio de participar numa sala de aula de ouvintes. A incluso, neste e

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    em outros casos, deve ser um direito facultativo a ser respeitado por qualquer instituio de ensino.

    A pluralidade de opes deve ser outro direito assegurado, seja para as pessoas surdas e suas especificidades lingsticas, seja para os demais portadores de necessidades especiais. Entre estas opes, queremos defender aquela que nos parece imprescindvel para a comunidade surda enquanto minoria lingstica: a preservao e o aperfeioamento das Escolas e Classes especiais para Surdos. So nestes espaos que a LIBRAS enquanto lngua

    minoritria ganha vida prpria. So nestes espaos que pessoas Surdas comprometidas com sua comunidade, podem exercer o direito de preservar uma cultura, fortalecendo uma identidade que no se envergonha da diferena e a partir desta, constri imprescindveis vnculos de solidariedade e resistncia poltica a todas as formas de sabotagem daquilo que funciona em termos de bem comum neste pas.

    Os espaos de convivncia voltados para as pessoas surdas so a esperana de que um projeto de Educao Lingstica em LIBRAS seja possvel tanto para alunos surdos, quanto para seus familiares, em sua maioria ouvintes, uma vez que estes tambm dependem do aprendizado desta lngua para uma comunicao e uma convivncia viveis com seus filhos. NOTA 1 O texto deste artigo uma adaptao do segundo captulo da minha dissertao de mestrado, editado por Omar Barbosa Azevedo, que tambm me ajudou a revisar todo o texto em lngua portuguesa e escreveu alguns pargrafos para complementar os propsitos de defesa de um projeto de Educao Lingstica para os Surdos em seus espaos de convivncia. Realizamos este trabalho juntos e as adaptaes foram incorporadas com a minha autorizao.

    REFERNCIAS

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    A EDUCAO ESCOLAR DA PESSOA SURDA EM SALVADOR: DAS CLASSES

    WLSON LINS POLTICA DE INCLUSO DO MINISTRIO DA EDUCAO E CULTURA

    Elzeni Bahia Gis de Souza RESUMO Este artigo objetiva inventariar e reconstituir um pouco a gnese da educao escolar da populao surda em Salvador a partir da segunda metade do sculo XIX. Foi inicialmente elaborado para atender a um Seminrio solicitado um grupo de alunas do curso de pedagogia da FACED/UFBA como um dos requisitos a concluso da disciplina Educao de Surdos em 2007. Essas alunas tinham que organizar uma exposio sobre a Educao de Surdos na Bahia, mas, no conseguiram encontrar material escrito sobre o assunto. Essa falta motivou a autora a organizar dados j coletados sobre o tema para o trabalho das alunas. A produo ora apresentada, parte do olhar da autora professora-pesquisadora e alfabetizadora surdos de uma escola estadual soteropolitana entre 1999 e 2003. Para fundamentar essa pesquisa, foram reunidos fragmentos que compem a memria da educao dessa populao nessa cidade, como informaes contidas na dissertao de Oliveira (2003, p. 35 -37); uma portaria de criao das classes Wilson Lins para surdos; depoimentos de pessoas que fundaram instituies que cuidam da educao deles; textos de autores que especializados em Histria da Educao Especial; consultas s Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional 4.024/61, 7.692/71 e a 9.394/96. Os dados que o fundamentam quantitativamente esto nos sites das Secretarias de Educao do Estado e desse Municpio .Pretende-se com esse trabalho fomentar a continuidade e o aprofundamento desse tema buscando respostas mais precisas que levem a analisar criticamente e compreender questes que compem memria do processo de escolarizao dessa populao. Palavras-chave: Histria. Educao. Surdos

    1. Introduo

    A educao do surdo em Salvador e, provavelmente na Bahia, parece no diferir muito da histria da educao popular para as minorias afetadas por alguma limitao fsica, intelectual ou neurosensorial. O direito das pessoas com deficincia educao escolar relativamente recente no Brasil, mais ainda no referido Estado. Para situar historicamente esse texto, faz-se necessrio buscar referncias desse tema a partir de outros espaos.

    No ocidente a partir do sculo XVI que podem ser encontrados registros das primeiras tentativas de educao para os no ouvintes. Antes estavam restritos aos mosteiros, aos cuidados das congregaes religiosas. Muitas famlias os mantinham escondidos nos recessos dos lares ou recorriam a instituies de caridade. Alm disso, mes que no desistiam de lutar para que os seus filhos tivessem acesso educao, criavam associaes e buscando vrias formas de educ-los.

    A educao dos surdos no Brasil foi iniciada formalmente com a fundao do

    Instituto Imperial de Surdos-Mudos em 1857 que atualmente, o INES Instituto Nacional de Educao de Surdos. Esse Instituto at hoje, uma referncia a governamental brasileira para os no ouvintes.

    Ao tecer consideraes a cerca da histria da educao dos surdos em Salvador, faz-se necessrio descortinar um pouco do cenrio poltico econmico e social brasileiro, baiano e mundial ao final dcada de 1950. importante relatar tambm, como nessa poca se configurava em o cenrio educacional, social e poltico mundial naquele momento.

  • O recorte epistemolgico em relao a essa dcada, devido grande efervescncia econmico-poltico e scio-cultural no planeta que nesse perodo experimenta o fim da segunda guerra mundial, seguida do terror morno da guerra fria entre as duas super-potncias da poca.

    No Brasil foi criada a Petrobrs, inaugurada a primeira TV, Getlio Vargas elegeu-se como presidente, renunciou e suicidou-se em seguida; foram realizadas reformas em vrios ministrios (fazenda, trabalho e justia); JK-Juscelino Kubitschek de Oliveira elegeu-se presidente do Brasil; ampliou-se o surto industrial brasileiro com a criao do Grupo Executivo da Indstria Automobilstica - GEIA; deu-se incio a construo da capital do Brasil que tambm conquistou a Copa do Mundo na Sucia. Foi tambm o momento em que JK rompeu com o Fundo Monetrio Internacional e aprovou o projeto de criao da SUDENE - Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste e enfrentou uma rebelio da Aeronutica dando incio aos anos de chumbo da do regime ditatorial no Brasil. Foi considerado tambm o incio da imposio do colonialismo norte americano aos pases subdesenvolvidos

    Em relao educao, entrava em vigor, LDB Lei de diretrizes e bases da educao Nacional 4.024/61 com doze anos de atraso devido ao litgio entre a educao privada e as lutas pela educao pblica.

    Na educao dos Estados Unidos da Amrica John Dewey, difundia o pragmatismo atravs da Escola Ativa seguida no Brasil, pelo educador baiano, Ansio Teixeira que para muitos, um gestor progressista da educao brasileira que lutava pela escola pblica, e laica, para outros, um americanfilo higienista deslumbrado com o progresso da Amrica do Norte. Era tambm aluno e seguidor fiel das idias de Dewey, implantando-as como intelectual e gestor pblico da pasta da educao na Bahia. 2. Desenvolvimento 2.1. O Brasil a Bahia e a Educao de Surdos no Sculo XX

    O Estado da Bahia que passara por um longo perodo de decadncia scio-econmico e cultural comeou a contar com investimentos do governo de JK que realizava o processo de redemocratizao do Brasil principalmente com a criao da Petrobrs. Esta realizao foi impulsionada tambm, com a descoberta do petrleo no subrbio soteropolitano na regio do Lobato, assim batizado em homenagem precursor da literatura infantil o paulista Jos Renato Monteiro Lobato.

    Todo esse movimento reclamava investimentos, especialmente para formar mo-de-obra especializada. Por extenso, a educao nesse Estado, foi beneficiada. Afinal, Ansio Teixeira alm de um entusiasta da educao, era um gestor muito influente no governo de Octvio Mangabeiras. Por essa razo pode realizar muitas das suas propostas para a melhoria desse setor na Bahia que tinha mais de 50% da populao analfabeta.

    Aps Ansio Teixeira ter conhecido de perto o processo de desenvolvimento educacional nos EUA, tornou-se comum enviar professores brasileiros para aprender com os norte-americanos o que era tido como uma forma melhor de ensinar. Era imprescindvel reestruturar as escolas baianas, realizar pesquisas para saber quantos e quais eram os docentes qualific-los. Ao retornarem daquele pas, esses mestres poderiam ser multiplicadores das inovaes apreendidas. A criao da Escola Normal em Caetit, a sua cidade natal no interior da Bahia, foi uma dessas realizaes.

    A idia de Teixeira e escolanovistas como Afrnio Peixoto, Fernando Azevedo, Loureno Filho e outros que defendiam que a educao deveria ser de

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    base cientfica, pblica, laica e para todos, o que indiretamente, contemplaria mais tarde a escolarizao dos surdos. Isso pode ser compreendido a partir da implantao das Campanhas de Educao para pessoas com deficincias como a CESB Campanha Nacional de Educao do Surdo; a CENEC - Campanha Nacional de Educao para Cegos e a CADEME - Campanha Nacional de Educao para Deficientes Mentais e do Curso Normal de Formao de Professores, o primeiro da Amrica Latina para educ-los. De acordo com ROCHA (2008, p. 02). Essas campanhas se consolidaram como as primeiras iniciativas de polticas pblicas em nvel nacional destinada a essa populao. Elas foram implantadas pela diretora do INES, a Prof. Ana Rmoli de Faria Dria, quando Ansio Teixeira, era gestor do INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais ao final da dcada de 1950. Fatos como este possibilitam o entendimento que deve ter havido alguma colaborao do educador baiano nas decises que culminaram em algum atendimento educacional pessoa surda naquele momento histrico.

    Mesmo com essas iniciativas do poder pblico, uma das primeiras leis brasileiras a tratar da educao dos excepcionais, termo em voga poca, foi a LDB n4.024/61, no incio da dcada de 1960. Essa Lei dispe sobre o enquadramento da educao da pessoa com deficincia no sistema regular de ensino, embora no garantisse o financiamento, deixando espao para a efetivao de convnios com instituies de ensino privado atravs de bolsas de ensino aos estudantes. Isso pode ser percebido nos dois artigos do texto da LDB 4.024/61.

    No Captulo X, Artigo 88 l-se: A educao dos excepcionais deve, no que for possvel enquadrar-se no sistema geral da educao, a fim de integr-los comunidade. Importante lembrar que at ento a educao dessas pessoas ocorria ainda mais precariamente, e, margem do sistema de ensino brasileiro.

    No Artigo 89 do mesmo captulo, chama ateno para o tratamento especial com subvenes e emprstimos s iniciativas privadas que fossem consideradas eficientes pelos Conselhos Estaduais de Ensino. notrio a limitao da responsabilidade do poder pblico para com a escolaridade dessa populao, mesmo quando o mdico italiano Girolamo Cardamo ainda no sculo XVI havia declarado que A surdez por si mesma, no afeta a capacidade de aprender como afirma SOARES (1999) na apresentao do seu livro A Educao do Surdo no Brasil. 2.2 Primeiros Investimentos na Escolarizao de Surdos de Salvador e Formao de Professores Salvador, primeira cidade planejada do Brasil e fundada em 1549, foi construda para consolidar-se como uma fortaleza blica da coroa lusitana. Era na sua origem tambm, centro administrativo e entreposto comercial de onde governava Tom de Souza representante da corte portuguesa. A educao a cargo dos jesutas que vieram com o governador geral tinha como objetivo a catequizao dos ndios para convert-los ao catolicismo. Comandados padre Manoel da Nbrega, fundaram uma escola elementar de ler e escrever aos meninos indgenas. Mais tarde construram o Colgio dos Meninos de Jesus situado no Terreiro de Jesus. Entretanto, a Professora Antonietta DAguiar Nunes, relata que

    Antes mesmo de construda a cidade do Salvador, em 1549, o irmo Vicente Rodrigues j ensinava doutrina aos meninos e tinha escola de ler e escrever na povoao do Pereira, vila criada em 1535 pelo falecido capito donatrio Francisco Pereira Coutinho.

  • (NUNES (2008, p. 01)

    Importante lembrar que esse artigo trata da educao enquanto escolarizao e no caso dos jesutas, da educaco nos moldes europeus. Pois sabido que os ndios, muito antes dos portugueses, educavam os seus filhos, a partir da tradio oral, mesmo sem haver construdo escolas.

    A educao em Salvador passou pela Ratio Studiorum jesutica, pelas Aulas Rgias de Pombal, a Educao Nova de Ansio Teixeira at a criao de uma secretaria de educao nesse municpio, nos idos de 1959 portanto, 410 anos depois da fundao dessa cidade. Apesar da lutas pela universalizao do ensino, somente aps a segunda metade do sculo XX se tem registros a respeito da educao pblica para a pessoa com deficincias, a exemplo da implantao das classes de aulas para os surdos. Um dos raros documentos que registram um pouco do percurso da educao dos surdos na Bahia a dissertao de mestrado de Oliveira (2003, p. 35), intitulada A Sala de Aula Inclusiva: Um Desafio Integrao da Criana Surda. As investigaes dessa autora revelam que em 1959 em Salvador algumas docentes da rede pblica estadual como as professoras Aldmia Maria de Jesus, Glcia Silva Morais, Maria Ismria Guanaes, Valdvia Aquino e Jandira da Silva Freire se submeteram a uma seleo para testar os conhecimentos. Ao serem aprovadas, foram encaminhadas pelo governo Estadual para o INES no Rio de Janeiro a fim de realizarem uma capacitao para ensinar os surdos baianos. Elas ficavam internas no prprio Instituto enquanto realizavam o Curso de Especializao de Professores Primrios para Surdos que tinham uma durao de dois anos.

    Durante a pesquisa, Oliveira localizou o currculo organizado para a formao para os professores expondo a concepo de educao em vigor na poca.

    Nessa formao, faziam parte do currculo as seguintes matrias: A Arte e o Surdo, Educao Comparada, Fsica do Som, Higiene Geral, Histria da Educao do Surdo, Ingls, Msica e Canto Orfenico, Sociologia e Servio Social, Didtica Especial, Noes de Psicologia, Psicologia Aplicada a Criana Surda, Psicologia da Linguagem, Psicometria, Noes Fundamentais de Audiologia (fisiologia da audio e fala), Patologia da Audio e da Fala, Anatomia da Audio e da Fala, Audiologia, Noes de Audiometria, Acstica Aplicada, Fonometria, Aparelhagem para o Treinamento da Audio e da Fala, Prtese da Audio, Portugus (complementao dos estudos relacionados com a educao dos surdos sintaxe, fontica aplicada, emisso, impostao de voz, articulao, dico, fonemografia, didtica do ritmo e terapia da linguagem, jogos e recreao, atividades artsticas, parte tcnica e parte prtica) e Prtica de Ensino. Para essa formao, todas as professoras recebiam bolsa de estudo fornecida pelo Ministrio da Educao e Cultura (MEC).

    OLIVEIRA (2003, p. 35)

    Ao conclurem o curso, e, de posse da certificao de Especialistas, retornavam a Salvador para formar as turmas que deveriam ensinar. Tinham que recrutar estudantes para formar as Classes de Educao de Surdos Wilson Lins. Isso, em agosto de 1959, quando o secretrio de Educao da Bahia no governo de Juracy Magalhes (1959 a 1963) era o prprio Wilson Lins e quando no Brasil estava em pleno vigor as campanhas pela educao dos deficientes. At ento, o atendimento educacional destinado a essa populao ainda se efetivava a partir das iniciativas de suas famlias ou de entidades religiosas e de caridade. Educao era

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    fruto da benevolncia de alguns, no se constituindo ainda num direito como queria Ansio Teixeira.

    Apesar de ser importante a tardia disposio do governo baiano em investir na educao formal dos no ouvintes, a credibilidade na capacidade educativa dos surdos era bem pequena. Mesmo tendo investido na formao docente, no foi criada sequer uma escola para esses sujeitos. OLIVEIRA (2003, p. 35), afirma que eram salas de aula que funcionavam num hospital pertencente Fundao Santa Luzia, localizado no bairro de Nazar na Praa Almeida Couto nessa capital.

    O fato de essas classes funcionarem anexas a um hospital que tratava os problemas relacionados viso, ouvidos e garganta devia-se filosofia oralista utilizada na educao da poca, no somente no Brasil. Na maioria dos pases desenvolvidos existia a promessa de reabilitar todos aqueles que no se enquadravam no padro da normalidade. A medicina, o direito e a psicologia eram responsveis pela cura e reabilitao dos anormais como eram chamados. Segundo as descobertas de Vernica dos Reis Mariano Souza,

    Profissionais da sade e do direito, no sculo XIX e incio do sculo XX revestidos do poder que lhes conferiam seus prprios estatutos, expressam a concepo da pessoa surda com base em preconceitos quando dizem: a parada de desenvolvimento ou leso que de nascena provoca a surdo-mudez, j um indcio grave de degenerao. SOUZA (2007, p. 01)

    Para os surdos, a educao institucional/especial no tinha compromisso com o processo de escolarizao. O que prevalecia era a viso clnica da deficincia. Da, o empenho reabilit-los, atravs dos intensivos e dispendiosos treinos com a voz, utilizando para isso, os resduos auditivos, em detrimento da aprendizagem escolar. As disciplinas da grade curricular dos cursos de Especializao de Professores Primrios do INES revelam que esse Instituto tinha como prioridade o treinamento da oralidade, de aprendizagem da lngua oral visto que era proibido usar a lngua de sinais nas salas de aula. A prof. Ana Rmoli, diretora do INES era uma defensora do ensino da lngua oral para os surdos. Entretanto, de acordo com OLIVEIRA (2003, p. 36), ao assumirem suas turmas em Salvador era permitido que as professoras com formao essencialmente oralista adaptassem o currculo de acordo com a realidade de suas salas de aulas, desde que fossem fiis grade curricular obrigatria. Nessas classes, os estudantes surdos eram submetidos a exerccios respiratrios, fonoarticulatrios, impostao da voz para treinarem a fala e a leitura labial. Se conseguissem falar, poderiam aprender a ler e a escrever. Isso muito raramente acontecia. A educao enquanto escolarizao, formao acadmica no era ainda uma prioridade nas salas de aula para no ouvintes. A autora acima citada ainda afirma que os estudantes surdos eram tambm atendidos no Centro de Logopedia da Fundao Santa Luzia. O foniatra dessa instituio avaliava a evoluo dos discentes e orientava as professoras em relao aos procedimentos que deveriam dispensar-lhes. OLIVEIRA relata que alm ensinar aos surdos,

    (...) as professoras ainda tinham a responsabilidade e ministrar aulas pblicas com a presena de alunos do Curso de Medicina, que lhes dirigiam diversas perguntas pertinentes surdez e ao processo de aquisio da linguagem oral, dentre outras questes. OLIVEIRA (2003, p. 36)

  • 2.3 Escola Wilson Lins: Primeira Escola para Surdos em Salvador. A dcada de 1970 no Brasil, entra em vigor a LDB -Lei de Diretrizes e Bases

    da Educao Nacional n 7.692/71, em pleno regime ditatorial cujo Presidente da Repblica era Emlio Garrastazu Mdici. Essa Lei trata da a do ensino de 1 e 2 graus da educao brasileira consolidando o modelo de educao tecnicista no Pas de acordo com um desenvolvimento econmico mais condizente com o mercado internacional.

    No que diz respeito educao da pessoa com deficincia apenas o Artigo 9 dessa Lei, refere-se aos deficientes, termo utilizado nesse perodo, quando declara:

    Os alunos que apresentem deficincias fsicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considervel quanto idade regular de matrcula e os superdotados devero receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educao. BRASIL, LDB n 7.692/71

    Apesar de incipiente para o atendimento educacional a essa populao e no referir-se aos surdos e cegos, dando a entender que eles eram deficientes fsicos, essa lei um passo importante para a educao dessas pessoas. Afinal, o poder pblico no tinha mais como ignor-los. Para os governantes, muitos deles tinham condies de serem reabilitados tambm atravs da educao, e, assim desonerar a previdncia pblica e privada, incluindo-os como mo-de-obra para o Pas. Em decorrncia da LDB 7.692/71, foi criado o CENESP Centro Nacional de Educao Especial atravs do decreto n 72.425, de 3 de julho de 1973 ligado ao rgo Central de Direo Superior, com a o objetivo de promover em todo o territrio nacional, a expanso e melhoria do atendimento aos excepcionais. Importante ressaltar que essa melhoria no tenha atendido maioria das pessoas com deficincias.

    Na Bahia, ainda nesse contexto, existiam poucas escolas. A maioria funcionava em casas alugadas, sem qualquer infraestrutura que viabilizasse um ensino eficiente e com o mnimo de conforto. essa a situao revelada na obra de Ansio Teixeira ainda em meados da dcada de 1920. Apesar do esforo desse e de outros educadores baianos, pouco se fez nesse intervalo de tempo, evidenciando o descaso poltico para com a educao baiana. Exemplo disso so as quatro mudanas (1959, 1968, 1970 e 1992) que as Classes Wilson Lins foram submetidas desde a sua criao em 1959. Somente em foi elevada condio de Escola atravs do decreto n 9.301 do D.O.E. de 06 de junho de 1972.

    Em 29 de maio de 1992 que a referida escola foi assentada num prdio de propriedade do governo estadual. Fatos como esses, expem o descaso dos poderes pblicos com a educao das minorias e ainda infelizmente realidade. Desde ento, a Wilson Lins funciona Rua Raimundo Pereira Magalhes, S/N no bairro de Ondina na orla soteropolitana. 2.4. A Importncia das Associaes de Atendimento Educacional aos Surdos em Salvador

    Paralelo a esses acontecimentos formava-se uma associao de surdos nesta cidade, que hoje o CESBA Centro de Surdos da Bahia. Ele foi inaugurado em 1979 e desde ento, tendo como objetivo resgatar a cidadania da pessoa surda atravs de atividades esportivas, lazer, cursos de LIBRAS e encaminhamento dos surdos ao mercado de trabalho.

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    Deve-se frisar que o CESBA no trabalha especificamente com a educao, mas em outros momentos da histria, tentou firmar uma escola, porm sem sucesso. Muito raramente obtiveram apoio do poder pblico. Do ponto de vista financeiro, essa associao conta com os prprios surdos e suas famlias.

    Outra instituio que muito contribuiu e ainda contribui para a educao de surdos em Salvador a APADA Associao de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos da Bahia. Esta entidade fundada oficialmente em junho de 1983 tem uma histria bastante singular.

    A Sr Marizandra Dantas, diretora da entidade relatou (por telefone) que a APADA baiana foi criada por ela e um grupo de pais. Esses sujeitos estavam algum tempo lutando para que os seus filhos surdos tivessem acesso a uma educao decente. Primeiro, tentaram formar uma escola junto com o CESBA, mas, no tiveram sucesso. Os objetivos dessa associao eram diferentes dos seus. Sua prioridade no era a escolarizao. Era mais voltado para a assistncia social como um todo.

    A diretora da APADA-Ba afirmou que o grupo chegou a alugar uma casa com os prprios recursos para reunirem-se e organizar o incio dos trabalhos. Por conta disso, a Prof. Dirlene Mendona que era secretria de educao na poca cedeu alguns professores para formar a escola. Porm, esses profissionais no tinham qualquer qualificao para trabalhar com os estudantes surdos.

    Mais uma vez tiveram que adiar temporariamente os objetivos. Era final da dcada de 1979, e, muitos dos interessados do grupo inicial, haviam desistido. Uns enviaram seus filhos para o INES no Rio de Janeiro. Os poucos que ficaram, dentre eles, a Sr Anglica Rebouas, que vice-diretora da APADA - Ba, continuaram o desafio construir uma instituio que oferecesse um ensino cada vez mais qualificado aos seus estudantes.

    Atualmente, a APADA - Ba, conta com uma escola para surdos e com professores da prefeitura de Salvador e do governo estadual atravs dos convnios firmados. Realiza seminrios sobre a educao dos no ouvintes. Alm disponibilizar a educao formal, os prepara encaminhando-os ao mercado de trabalho e oferecendo periodicamente cursos da LIBRAS - Lngua Brasileira de Sinais para professores e estudantes que tenham interesse. 2.5. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e Incluso da Educao de Surdos no Sistema de Ensino Brasileiro e Baiano

    A dcada de 1990 foi marcada pelas idias de integrao e ou incluso da pessoa surda na escola comum. A Declarao de Salamanca em 1994; a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1996; a orientao do MEC Ministrio da Educao e Cultura de incluir o surdo nas salas de aula do ensino regular contriburam para a insero da educao da pessoa surda no sistema de ensino brasileiro, que at ento ocorria em paralelo, margem dos direitos da educao geral.

    A colocao dos surdos nas salas de aula de ouvintes modificou o cenrio da educao brasileira e baiana de um modo em geral, e, em especial daqueles que foram acometidos pela surdez. A partir dessa poltica comearam a se desmontar as escolas especiais para surdos, dispersando-os em escolas comuns, desprovidas de quaisquer preparos para atender aos direitos especficos dessa populao. Com o processo de incluso dos surdos em escolas regulares ao final de 2005, a Escola Wilson Lins em Salvador, foi transformada em CAS - Centro de Atendimento aos Surdos. Passou ento a responsabilizar-se pela educao do no

  • ouvinte da alfabetizao ao 5 ano (antiga 4 srie) do Ensino Fundamental e prestando tambm, servios de apoio aos estudantes e aos professores, atravs de cursos e atendimento psicopedaggico, aulas de LIBRAS e Lngua portuguesa.

    De acordo com a SECULT Secretaria Municipal de Educao e Cultura existe atualmente na rede Municipal de ensino de Salvador, um total de cento e quatro estudantes surdos da educao infantil educao de jovens e adultos, distribudos em trs escolas: A Escola Municipal Parque So Cristvo, a Escola Municipal Dr. Fernando Montanha Pond e a Escola Municipal Maria Felipa, alm de convnios com instituies como AESOS Associao de Educacional Sons no Silncio e a APADA. Como ainda so escassos profissionais intrpretes da LIBRAS, de professores proficientes nessa lngua e muitos surdos estudantes no tiveram acesso a LIBRAS e nem so oralizados, pode-se imaginar a qualidade da educao disponibilizada para essa populao nessa capital.

    De acordo com os dados da SEC/MEC/INEP de 2007, a rede estadual, atendia a 2.687 estudantes na Bahia. Em Salvador, ainda no foi possvel localizar dados especficos e mais atualizados nesse sentido. Instituies como a AESOS no Imbu; os Colgios Estaduais Rafael Serravale, na Pituba; o Lus Vianna Filho, em Brotas; o Victor Soares, em Itapagipe; o Joo das Botas, na Barra; o Rui Barbosa, em Nazar; o Visconde de Cayru, no Cabula; o Oswaldo Cruz, no Rio Vermelho e o Dona Maria Mora, em Cajazeiras tambm disponibilizam os servios educacionais para os surdos em Salvador, alm de outras cidades no interior.

    A partir do final da dcada 1990, o governo estadual baiano atravs do Instituto Ansio Teixeira, rgo ligado SEC/BA contratou palestrantes e professores das universidades para difundir a idia de educao bilnge, uma filosofia fundamentada nos aspectos polticos e culturais da educao de surdos. Nessa perspectiva contempla-se o ensino e o uso da lngua de sinais para falar e da lngua portuguesa (no caso do Brasil), para a leitura e escrita.

    Porm, como a estrutura curricular e fsica de muitas das escolas estaduais soteropolitanas no foram adaptadas, o que restou foi a distoro dessa filosofia que ainda no se efetivou na prtica de maneira satisfatria. Alm do mais, alguns desses cursos tinham apenas 80 horas para que eles se preparassem para assumir classes que tinham surdos e ouvintes simultaneamente. Essa estratgia, independente de melhorar a qualidade da educao dos surdos foi importante para reduzir em muito os custos com esses estudantes. Fato que estando dispersos em diferentes escolas, eles poderiam ser confundidos facilmente com um ouvinte que no ouve. Dificultaria uma provvel articulao poltica. Assim, diminuiriam as chances de conquistas mais efetivas de cidadania

    A autora deste texto relata que os estudantes surdos que eram atendidos no Colgio Estadual Georgina Ramos da Silva no bairro da Boca do Rio, por exemplo, tiveram a sala de aula extinta e foram mandados para outras escolas. Muito desses estudantes mesmo contra sua vontade, tiveram matricular-se em escolas comuns, por falta de opes que contemplassem a sua diferena cultural e lingstica

    Apesar do aumento do nmero de surdos matriculados nas escolas pblicas nas ltimas dcadas, pode-se supor que na Bahia ainda tenha muitos deles fora da escola. As idias de incluso que dispersou os estudantes no ouvintes em vrias escolas pblicas, municipais ou estaduais na Bahia..

    Entretanto, o movimento pela incluso foi e importante para tirar do exlio domstico e institucional as pessoas com algum tipo de deficincia, mas da forma como foi ainda praticado, contribuiu para extinguir vrias salas de aula para surdos em Salvador..

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    De acordo com os relatos acima, observa-se que ainda hoje, a situao da Educao dessa populao na Bahia, especialmente em Salvador, est muito aqum da qualidade desejada tanto pelos surdos, pelos docentes e suas famlias. A precariedade e a at ausncia de polticas pblicas efetivadas nesse sentido um problema histrico. Estando em escolas especiais ou regulares, continuam submetidos ao analfabetismo funcional.

    Mesmo quando a duras penas concluem o ensino mdio, mal conseguem a ler e a produzir um texto simples, muitas vezes sem condies de compreend-lo na ntegra. Apesar do aumento do nmero de surdos matriculados nas escolas pblicas nas ltimas dcadas, pode-se supor que na Bahia ainda tenha muitos deles fora da escola. As idias de incluso que dispersou os estudantes no ouvintes em vrias escolas pblicas, municipais ou estaduais na Bahia

    Apesar do aumento do nmero de surdos matriculados nas escolas pblicas nas ltimas dcadas, pode-se supor que na Bahia ainda tenha muitos deles fora da escola. A disperso dos estudantes no ouvintes em vrias escolas pblicas comuns, municipais ou estaduais na Bahia, at o presente no garantiram um bom desempenho acadmico dos estudantes surdos. Basta ver a quantidade desses alunos que ainda esto em desvantagem em relao aos seus coetneos ouvintes no mercado de trabalho.

    O poder pblico e alguns especialistas da educao parecem no perceber que se existem pessoas diferentes, elas, se quiserem, tm direitos a escolas que atendam s suas singularidades, sejam elas especiais ou no. Diferente de outros tempos, e, de acordo com LDB 9.394/96, a educao especial atualmente j parte integrante do sistema da educao bsica brasileira em todos os seus nveis e modalidades. 3. Concluindo... A histria da educao brasileira revela que polticas pblicas para a educao efetivam-se lentamente. Os avanos ainda que perceptveis esto aqum das necessidades do Pas Todavia, mister reconhecer os benefcios das iniciativas que tm surgido atualmente. Elas so frutos de um processo de luta dos surdos, suas famlias e de alguns educadores que tm pressionado os governos para enxerg-los como cidados.

    A regulamentao da LIBRAS atravs da Lei 10.346 de 24 de abril de 2002; a criao do Curso distncia de Licenciatura Letras LIBRAS ministrado na Universidade Federal da Bahia em convnio com o MEC; a realizao do Congresso de Educao de Surdos na Bahia com alcance nacional; a criao do Pr-vestibular para surdos na Universidade Estadual da Bahia; a criao de cursos distncia pelo Servio Nacional de Aprendizagem Industrial para surdos traduzidos para a LIBRAS; as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado de 04 de outubro de 2009 e outros cursos da Lngua Brasileira de Sinais em igrejas e instituies pblicas como o Instituto Ansio Teixeira, so alguns exemplos de avanos ainda tmidos, porm, indispensveis melhoria do ensino para o surdo. Esses fatos representam tambm, algumas formas de alcanar a visibilidade antes no conseguida. Ainda h muito por realizar no sistema educacional brasileiro. Urge uma mudana radical na sua estrutura. Famlia, sociedade e governo precisam compreender que no pode haver sada honrosa para esse Pas, sem polticas pblicas para uma educao de qualidade que contemple a todos, respeitando e atendendo diversidade humana. A concluso do Curso de Mestrado em Educao

  • na Universidade Federal da Bahia por duas surdas em 2009 pode revelar um comeo de um novo tempo para a escolarizao dessa populao. 4. REFERNCIAS BELLO, Jos Luiz de Paiva. Educao no Brasil: a Histria das rupturas. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001. Disponvel em: . Acesso em: dia mes ano BRASIL. Declarao de Salamanca e Linhas de Ao. Sobre as Necessidades

    Educativas Especiais. Conferncia Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. Acesso e Qualidade. Salamanca, Espanha, 7 a 10 de julho de 1994. BRASIL. Lei 10.346 de 24 de abril de 2002. www.planalto.gov.br/ccivil Acessado em 26 de agosto de 2009.

    BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LEI N. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Acessado em 26 de julho de 2009. BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LEI N. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Acessado em 26 de julho de 2009. CESBA Centro de Surdos da Bahia. www.cesba.org.br Acessado em: 25/05/10 LACERDA, Cristina Broglia F. Tese: Os Processos Dialgicos Entre o Aluno Surdo e o Educador Ouvinte: Examinando a Construo de Conhecimentos. Universidade Estadual de Campinas, 1996, NUNES, Antonietta DAguiar. Educao Jesutica Na Bahia Colonial: Colgio Urbano, Internato Em Seminrio, Noviciado. Anais Do Ii Encontro Internacional De

    Histria Colonial. Mneme Revista de Humanidades. UFRN. Caic (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponvel em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais 1 OLIVEIRA, Tereza Cristina Bastos. A Sala de Aula Inclusiva. Um desafio para a Criana Surda. Dissertao de Mestrado. UFBA, 2003. Salvador. BAHIA. ROCHA, Solange Maria da. Memria e apagamento sobre as narrativas de histria da educao de surdos: um olhar para o Instituto Nacional de Educao de Surdos no perodo 1951/1961. VII Congresso LUSOBRASILEIRO de Histria da Educao de 20 a 23 de Junho de 2008. Porto: Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao (Universidade do Porto) SOARES, Maria Aparecida Leite. A Educao do Surdo no Brasil. Autores

    Associados, Bragana Paulista, So Paulo. 1999. SOUZA.Vernica dos Reis Mariano.Histria, Educao e Surdez em Aracaju.

    In:Cultura Escolar Migraes e Cidadania - Actas do VII Congresso LUSO-BRASILEIRO de Histria da Educao.20 - 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao (Universidade do Porto) Surdos So Carentes de Ensino Especializado. A Tarde. Salvador, 21 de

    setembro de 2006. Disponvel em

  • 29

    Congresso Nacional da Educao de Surdos na Bahia realizados nos dias 07, 08 e 09 de novembro de 2006. DANTAS, Marizandra. Origem da APADA-Ba. Depoimento por telefone em 17 de abril de 2007. SOUZA, Elzeni Bahia Gis de. Extino das salas de aula para Surdos no Colgio Georgina Ramos da Silva. Relato da autora que foi professora de surdos

    na escola de 1999 a 2003. Anexo 1

    Nmero de Alunos da Educao Especial por Dependncia Administrativa, Bahia 1999-2007

    Fonte: SEC, MEC/INEP

    Supav / Coordenao de Acompanhamento, Avaliao e Informaes Educacio

    Ano Nmero de Alunos

    Total Federal Estadual Municipal Particular

    1999 11.816 - 3.716 2.305 5.795

    2000 10.881 - 3.759 2.170 4.952

    2001 13.594 - 3.179 2.360 8.055

    2002 14.333 - 2.922 2.549 8.862

    2003 15.306 - 2.690 3.062 9.554

    2004 16.458 - 3.422 3.802 9.234

    2005 17.250 - 3.022 3.886 10.342

    2006 17.008 - 2.534 3.978 10.496

    2007 13.791 - 2.687 4.087 7.017

    Taxa de Crescimento 99-07 (%)

    16,71 - -27,69 77,31 21,09

  • Anexo 2 Educao Especial na Bahia - Dados Estatsticos - 2007

    Sudeb/ Diretoria de Ensino e suas Modalidades/ Coordenao de Educao Especial.

    Anexo 3 REDE MUNICIPAL DE EDUCAO DE SALVADOR

    Fonte: www.smec.salvador.ba.gov.br/educao especial em nmeros

    Categoria de alunos

    No. De alunos em escolas especializadas

    Alunos em classes especiais

    No. de alunos em classes comuns

    Total

    Deficincia Mental

    (estadual) 750 (ONGs) 9.872

    150 45 10.817

    Deficincia Visual

    440 503 943

    Deficincia Auditiva

    283 (estadual) 2.437 (ONGs)

    279 2.044 5.043

    Paralisia Cerebral

    220 20 12 252

    Condutas Tpicas

    58 15 3 76

    Dificuldade de Aprendizado

    150 60 210

    Deficincia Mltipla

    202 202

    Alunos em classes de Educao Especial

    Escola Quantidade

    0626 - MUNICIPAL DO PQ SAO CRISTOVAO PROF JOAO F DA CUNHA

    13

    0142 - MUNICIPAL DR FERNANDO MONTANHA PONDE

    174

    0740 - MUNICIPAL MARIA FELIPA

    26

    Total de Alunos: 213

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    Anexo 4

    Alunos Portadores de Necessidades Especiais

    DEFICINCIA Educao Infantil

    Ensino Fundamental

    Regular EJA SEJA I SEJA II

    TELE CURSO Creche

    Pr Escola

    Ens I Ens II 1 SEM

    2 SEM

    1 SEM

    2 SEM

    DEFICINCIA AUDITIVA 1 2 73 6 0 16 0 1 0

    Fonte: www.smec.salvador.ba.gov.br/educao especial em nmeros.

  • A IMPORTNCIA DO LAZER NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE PESSOAS SURDAS

    Suzana Alves Nogueira1

    Miguel Angel Garcia Bordas2

    RESUMO Esta pesquisa trata de uma investigao com o objetivo de analisar as contribuies do lazer no processo de ensino e aprendizagem das pessoas com surdez, destacando a importncia que o lazer exerce sobre a vida das pessoas que apresentam essa deficincia. importante destacar que neste trabalho a perspectiva do lazer discutida dentro da educao sistemtica, realizada, principalmente dentro do ambiente escolar, e que a inteno do mesmo no condenar uma educao na perspectiva do trabalho, mas fazer uma reflexo acerca da necessidade do ambiente escolar em contemplar uma educao atravs do lazer, j que o mesmo traz contribuies significativas para a vida dos aprendizes surdos. Como opo terico-metodolgica, este estudo foi baseado na pesquisa bibliogrfica que desenvolvido com base em material j elaborado, constitudo principalmente de livros e artigos cientficos. Ficou evidenciado que o lazer favorvel no processo de ensino e aprendizagem visto que as reas abrangidas pelo lazer so as de interesses artsticos, intelectuais, fsicos, manuais, tursticos e sociais, entretanto, necessrio que haja uma reformulao dos atuais modelos de participao escolar dos alunos com surdez, que inclua uma ao a ser desenvolvida atravs do lazer, na qual sejam oportunizadas as diversas possibilidades de participao social e de auto-realizao atravs do lazer e por isso a escola necessita ter uma grade curricular educativa que permita aos alunos surdos identificarem e conhecerem seus prprios objetivos e valores do lazer. Palavras-chave: Surdez. Lazer. Escola. Aprendizagem. Interao.

    1 Introduo

    Percebe-se que a escola um espao que se constitui como alicerce na sociedade para o desenvolvimento das pessoas da prpria comunidade em que se integram, concebendo o local onde se criam condies para promover, de maneira organizada, as aquisies consideradas fundamentais para o desenvolvimento da criana. Entretanto, a escola no pode desconsiderar o lazer como processo de formao, pois ser tarefa da mesma proporcionar aos alunos conhecimentos e oportunidades para que eles possam viver, conviver e trabalhar, dando sentido s suas vidas. E hoje em dia, no podemos alcanar estes objetivos simplesmente pela ptica de uma educao para o trabalho, mas paralelamente por uma de educao para o lazer.

    mencionado por Requixa (1979) que a educao vista na perspectiva de precioso meio para o desenvolvimento, e o lazer, uma importante ferramenta para estimular o indivduo a desenvolver-se, a aperfeioar-se, a ampliar os seus interesses e a sua esfera de responsabilidades. Portanto, observa-se que o domnio do trabalho na estruturao social passa a ser questionado e surgem idias que colocam o tempo livre, o cio e o lazer no papel de elementos estruturantes do novo contexto social.

    importante destacar que a educao de pessoas surdas um tema bem discutido em todos os seguimentos da sociedade, entretanto, algumas problemticas esto atreladas ao processo de escolarizao dessas pessoas. De acordo com as reflexes de Lacerda (2006) pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior indicam

    1 Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal da Bahia; Especialista em

    Educao Especial (UEFS); Licenciada em Educao Fsica (UEFS). Professora da Faculdade Nobre;

    [email protected]; Autora. 2 Professor da Universidade Federal da Bahia; Ps-doutor em sociosemitica na Universidade Autonoma de

    Barcelona. [email protected]. Orientador

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    que um nmero significativo de alunos surdos que passaram por vrios anos de escolarizao apresenta competncia para aspectos acadmicos muito aqum do desempenho de alunos ouvintes, apesar de suas capacidades cognitivas iniciais serem semelhantes. Por isso, uma evidente inadequao do sistema de ensino denunciada por estes dados, revelando a urgncia de medidas que favoream o desenvolvimento pleno destas pessoas.

    Em relao essa questo, relevante mencionar que o lazer pode ser percebido como um aspecto que favorece esse desenvolvimento nas pessoas surdas, visto que Marcellino (2006) vai evidenciar em suas obras que as atividades de lazer devem atender o ser humano na sua totalidade, e por isso pode-se fazer uma relao com os aspectos motores, cognitivos e scio-afetivos que podem ser alcanados com as atividades de lazer, j que atravs das mesmas pode-se resgatar a ludicidade, alm trabalhar com as habilidades motoras, aprimorar as aquisies cognitivas e ressignificar valores atitudinais, o que ir contribuir no processo de formao integral das pessoas com surdez.

    Ao tratar de discusses concernentes ao lazer, comum encontrar na literatura diversos estudos (CUNHA, 1987; MASCARENHAS, 2005; TAFFAREL, 2005) que versam sobre a explicao do lazer como prtica social, das polticas pblicas do lazer e da produo do conhecimento referentes ao lazer no contexto do modo capitalista. Mas, estudos que abrangem o lazer no mbito educacional para as pessoas surdas so escassos, especificamente trabalhos que identifique e analise a educao para pessoas com essa deficincia na perspectiva do lazer, o que se constitui como uma relevncia cientfica dessa pesquisa.

    Diante dessa realidade o foco deste ensaio investigar acerca da relao do lazer com a deficincia, tendo como objetivo analisar as contribuies do lazer no processo de ensino e aprendizagem das pessoas surdas. 2 Aspectos conceituais acerca do lazer

    perceptvel que o termo lazer tem sido utilizado ao longo do tempo como o inverso das obrigaes principalmente do trabalho produtivo. O mesmo considerado constantemente como sinnimo do no-trabalho, tempo livre, cio que so destinados ao entretenimento, recuperao de energias, evaso das tenses e ao esquecimento dos problemas que permeiam a vida diria. A partir dessa realidade, importante trazer o entendimento do conceito de lazer defendido nesta pesquisa, visto que sua definio varia de autor para autor.

    A expresso lazer relativamente nova, entretanto, desde eras mais remotas que h preocupaes com atividades de carter ldico, conhecidas com outras nomenclaturas como diverso, prazer e diverso, que so termos imbricados no lazer. Porm, Gomes (2008) menciona que o acesso ao lazer no se limita apenas execuo de atividades voltadas para o divertimento e a relaxamentos alienantes, mas, sobretudo como um campo da vida humana provenientes de interaes culturais, sociais, polticas, etc. Essa perspectiva nem sempre se encontra dentro da escola, pois muitos educadores consideram o lazer apenas como um momento que os alunos surdos ou ouvintes dispem aps cumprirem as tarefas realizadas dentro da sala de aula, e que nenhum tipo de produtividade pode ser feito durante o perodo de lazer.

    mencionado por Marcellino (2006) que a expresso lazer no corresponde a critrios claros e bem definidos e por isso, muitas pessoas acreditam que o mesmo est restrito apenas s atividades de recreao ou aos eventos de massa, gerando, dessa forma, uma viso parcial e limitada das atividades do lazer.

  • Esse mesmo estilo de parcialidade sobre a concepo de lazer tambm abarca a relao entre o lazer e seus valores, o qual associado ao descanso e ao divertimento. Porm, o que precisa ser levado em considerao o fato de que outros elementos devem ser considerados como possibilidades do lazer, que so justamente o desenvolvimento pessoal e social. (MARCELLINO, 2006). exatamente nesse aspecto que se encontra uma relevncia em resgatar o lazer na educao dos surdos, pois as atividades de lazer sugerem no s o entretenimento e o descanso, mas permite que os indivduos possam ter uma interao scio-afetiva e um desenvolvimento subjetivo e igualitrio.

    importante destacar aqui o conceito defendido por Joffre Dumazedier, um estudioso dessa temtica, que defende que o lazer traz conseqncias to srias sobre o trabalho, a famlia e a cultura que seria perigoso e inexato definir o lazer opondo-se apenas ao trabalho profissional. Em suma, o lazer, ento, definido por oposio ao conjunto das necessidades e obrigaes da vida cotidiana, que corresponde a

    um conjunto de ocupaes s quais o indivduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informao ou formao desinteressada, sua participao social voluntria ou sua livre capacidade criadora aps livra-se ou desembaraar-se das obrigaes profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 2008, p. 32)

    Essa definio abordada por Dumazedier bem prestigiado, entretanto,

    percebe-se que as atividades de lazer so destinadas apenas num momento determinado aps cumprir as atividades, o que acarreta em limitaes em seu contedo.

    Aps as reflexes conceituais do lazer, presentes nas contribuies de vrios autores (MARCELLINO, 2006; DUMAZEDIER, 2008; REQUIXA, 1979; CAMARGO, 2008) vale ressaltar que nessa pesquisa o termo lazer entendido como estilo de vida3 do indivduo em que qualquer situao poder se constituir em oportunidade para a prtica do lazer, seja nas situaes educacionais, familiares, sociais e trabalhistas. Portanto o conceito de lazer extrapola a concepo de que o mesmo possa ser vivenciado apenas num tempo determinado. importante deixar claro que a partir deste conceito, este estudo no defende que a vida precisa ser apenas lazer, mas coloca em discusso que o fazer prazeroso e ldico deve permear a vida das pessoas no sentido de melhorar a sua qualidade de vida.

    Nesse sentido importante que haja um equilbrio entre o trabalho e o lazer, onde as pessoas no permitam que a preguia prevalea em suas vidas a ponto de torn-las improdutivas, nem o trabalho se torne um vcio a ponto de comprometer a qualidade de vida to almejada pelos indivduos. Portanto, o conceito de lazer defendido neste estudo est baseado na linha que enfatiza o aspecto atitude, segundo a qual o lazer um estilo de vida e por isso qualquer situao poder se firmar como uma possibilidade para a prtica do lazer, e no no aspecto tempo que aborda o lazer como liberao do trabalho ou como tempo livre apenas.

    Marcellino (2006) quem vai elucidar que os aspectos do tempo e da atitude esto associados ao lazer, sendo que o lazer analisado como atitude marcado pela relao estabelecida entre o sujeito e a experincia que foi vivenciada. J a anlise

    3 Entendido como um conjunto de padres de comportamento que definem a maneira comum de viver de um

    indivduo, num grupo. Refere-se a tudo aquilo que se vive e se faz no cotidiano em todos os lugares (em casa, trabalho, famlia, etc.)

  • 35

    do lazer na perspectiva do tempo, abarca as atividades desenvolvidas no tempo desobrigado do trabalho ou do tempo livre, no s dos compromissos profissionais.

    3 Educao dos surdos na perspectiva do lazer

    importante destacar que neste trabalho a perspectiva do lazer discutida dentro da educao sistemtica inclusiva, realizada, principalmente dentro do ambiente escolar, j que Marcellino (2006) diferencia a educao sistemtica da educao assistemtica que aborda os diversos processos de transmisso cultural, englobando toda a relao pedaggica, que no se limita s escolares.

    visto que a educao costuma ocultar o direito ao lazer e observa-se que as escolas tendem a preparar a criana surda para a importncia da profisso e do trabalho no futuro, isto , preparam crianas e jovens para a vida adulta moldada pelo trabalho, porm no h orientao nesse processo para o uso adequado do tempo livre, um fator de vital importncia para a edificao de um indivduo equilibrado. Isso porque a escola, dentro de uma concepo moderna, est profundamente demarcada pelo paradigma da produo industrial, reiterando que atividade social dominante e determinante da configurao social o trabalho.

    Camargo (2008) aponta para a importncia do lazer no desenvolvimento pessoal e social das pessoas e ateno necessria dos educadores para que a oposio entre lazer e trabalho no se constitua como uma fonte de desajuste do indivduo consigo mesmo e com a sociedade. Entretanto, percebe-se que muitos educadores no tm essa preocupao do educar atravs do lazer, principalmente ao se tratar do ensino para pessoas com deficincia mental, pois a prpria sociedade a qual fazemos parte no acredita nas potencialidades desses indivduos, que mesmo com uma limitao intelectual, podem estar inseridos no mercado de trabalho.

    Ao falar sobre a educao dos alunos com surdez no se pode desconsiderar que as pessoas que apresentam algum tipo de deficincia tm mais tarefas no dia a dia que aquelas sem deficincia aparente. Cruz e Barreto (2010) e Blascovi-Assis (1995) apontam que as pessoas com deficincia, em sua maioria, so totalmente sobrecarregadas com atividades que vo desde as escolares at atendimentos de consultas mdicas, fisioterapias, terapias ocupacionais, fonoaudilogos, psiclogos e com todas essas obrigaes a cumprir no sobra nenhum tempo para brincar, divertir, relaxar enfim, para as atividades de lazer. Loss (2008) corrobora com essa idia ao afirmar que as instituies que atendem os alunos surdos esto carregadas de atividades individualizadas, no restando um perodo para que esses alunos possam ter atividades que contemplem os contedos do lazer.

    A partir do exposto acima se percebe ainda mais a importncia do ambiente escolar desempenhar o lazer no processo de ensino, pois talvez a questo esteja no fato de que muitas das vezes o lazer no associado a objetivos srios, como os atingidos nas consultas mdicas ou terapias, e por esse motivo h a preferncia, principalmente pelos familiares, em optar pelos atendimentos ambulatoriais.

    De acordo com os estudos de McConkey (1985 apud SILVA, 2003) existem duas nuanas em relao em relao ao brincar da criana com deficincia surda: uma a crena de que a criana com deficincia no brinca e a outra se refere ao fato de que brincar uma boa forma da criana com deficincia passar o tempo. Ou seja, perceptvel que existe uma desvalorizao do brincar para a criana com deficincia, sem se dar conta de que toda criana brinca e que esse brincar importante para o desenvolvimento global da pessoa. preciso destacar tambm que na criana com surdez essa questo ainda mais marcante, visto que as

  • mesmas tendem ficar mais isoladas no ambiente escolar pelo fato de que os professores e demais colegas podem apresentar resistncia em interagirem com os alunos surdos.

    Portanto, excluir as atividades de lazer da vida desses indivduos se constitui em mais uma forma de isolamento do aluno com surdez, pois alguns cuidadores e at mesmo os profissionais que trabalham com essas pessoas no percebem e no valorizam as suas potencialidades e a necessidade de vivenciar atividades que permitam sensaes de prazer, relaxamento, divertimento, privando-os, portanto, de aprimorar suas habilidades atravs dos atendimentos prazerosos.

    Outro aspecto que deve ser levado em considerao que devido s dificuldades acarretadas pelas ques