sem vergonha de contarstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4414254.pdfoutra ali e foi plantando...
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EditorialPor Helena Frenzel
Neste número textos de:
Michele Calliari Marchese
Helena Frenzel
Entrevista com Carlos A Lopes, do Blog Gândavos
Edição: Helena Frenzel
Versão Impressa de textos selecionados do Blog Sem Vergonha de Contar - IBSN 2- 505-203-000 - Nr 7 - Agosto 2013
Textos reproduzidos com permissão dos autores. Esta publicação é parte do site semvergonhadecontar.blogspot.com e pode ser livremente distribuída, desde que na íntegra e com o devido crédito de autoria. Não é permitido de modo algum comercializá-la, alterá-la e/ou usá-la no
todo ou em parte para gerar obras derivadas. Para mais informações utilize o e-mail: [email protected].
Neste número de agosto, o primeiro após a edição especial junina, toda
dedicada ao projeto Pequenos Escritores da Canastra, voltamos à nossa
programação normal. Abrimos com enigmáticas Rosas, causo da
Campina que enfeitou nosso Blog no mês das flores, das cores e das
mães. Seguimos com os sensíveis A Escritora, conto meu, O Causo do
Homem e Um Homem de Guerras, ambos da Michele. Este último, uma
homenagem especial a seu querido tio Mário Bittencourt que,
infelizmente, veio a falecer no mesmo dia em que este causo foi
publicado em nosso Blog. Coisas do acaso, inexplicáveis como as
tantas que ocorrem na Campina e que nos fazem pensar na vida e no
emaranhado que ela é. Porém criamos espaço também para o riso: O
Preferido é um daqueles contos bem vigaristas que Michele tão bem
sabe contar, e escrever. Fechamos então com uma entrevista ao
coordenador do projeto Gândavos, vale a pena conhecer. Que „le guste“
e deguste é o nosso desejo. Saudações letripulistas, até o mês que vem!
SEM VERGONHA DE CONTAR
Contos, Causos e Coisas do GêneroCanto das escritoras Helena Frenzel e Michele Calliari Marchese
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Textos reproduzidos com permissão dos autores. Esta publicação é parte do site semvergonhadecontar.blogspot.com e pode ser livremente distribuída, desde que na íntegra e com o devido crédito de autoria. Não é permitido de modo algum comercializá-la, alterá-la e/ou usá-la no
todo ou em parte para gerar obras derivadas. Para mais informações utilize o e-mail: [email protected].
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013 Causos da Campina
As RosasPor Michele Calliari Marchese
O EUSÉBIO era o homem mais rico da
Campina da Cascave l . Genera l reformado da Guerra do Contestado;
tinha a maior casa da cidade, construída
com esmero e a próprio punho, possuía
cinco quartos na esperança de preenchê-
los com os filhos que não vieram. Sua e s p o s a , a D o n a A d e l a i d e q u e
engravidava, mas não paria, fez das
roseiras suas filhas e do coração, um
inverno rigoroso.
Conseguia uma mudinha de rosa aqui,
outra ali e foi plantando conforme que ia
perdendo as esperanças e as crianças em
seu ventre. E conforme que essas coisas
tristes aconteciam, o Eusébio ficava mais e mais avarento.
Ele tinha dentro de si uma tristeza atroz, e por nada tomava amor, a não ser pelo
dinheiro e por Dona Adelaide. Tinha que
guardar tudo, como a esperar as crianças
que um dia usufruiriam do capital.
Com o passar dos anos e da fertilidade,
Eusébio foi ficando cada vez mais
intratável e mesquinho e da sua avareza
não escapavam nem as roseiras de Dona
Adelaide. E quando ele via que as rosas ameaçavam murchar, mandava tirar tudo
e guardar nos quartos dos pequenos.
Mas como tudo na vida, a Dona Adelaide
passou desta vida para outra e o vazio fez companhia duradoura no peito do
Eusébio.
“(...) fez das roseiras suas filhas e do coração, um inverno rigoroso.”
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013 Aconteceu no inverno mais rigoroso que
se teve notícia. As roseiras em flor
exalando um último perfume para as
exéquias da Adelaide e depois disso,
congelaram-se em botões e flores.
E continuaram assim, mesmo na entrada
da primavera e depois com o verão. Não
descongelaram e tampouco nasceram
mais flores e o povo começou a estranhar
que as rosas do jardim da falecida eram sempre iguais e cheiravam a plástico.
O fato chegou aos ouvidos do Padre
Dimas, e para acalmar o povo, resolveu
fazer uma visita ao Eusébio, que passava os dias trancado em casa, metido num
laboratório a preparar unguentos. No
auge do conforto que a visita do padre
proporcionou, declarou entre soluços que
ele podia fazer um remédio que trouxesse a vida eterna, sem as dores da morte. E
trabalhava num frenesi, andando de um
lado para o out ro, chorando e
misturando águas coloridas em potes
transparentes, deixando o padre muito c o m ov i d o q u e d i s s e n u m a vo z
entrecortada pela emoção que tudo o que
ele fizesse não traria Dona Adelaide de
volta.
E o Eusébio então sentou, colocou as
duas mãos no rosto para esconder as
grossas lágrimas que corriam pela face e
com os cotovelos no joelho ele respondeu com a lástima dos que sofrem a vida
inteira que a Dona Adelaide ele não
podia mais ter, mas as rosas sim, porque
eram fragmentos do amor dos dois. Em
cada rosa, dizia ele, ele via um pedaço da vida que eles passaram juntos, pois elas
foram plantadas em meio às lágrimas e
ao sofrimento da perda.
Iria continuar com os unguentos e ameaçou por meio do padre que quem
tirasse uma folha sequer das roseiras, iria
se ver com ele e com toda a raiva que
sentia.
O padre deu o recado numa missa de
sábado e então por muitos e muitos anos
ninguém mais viu o Eusébio, e todo
mundo via as rosas iguais, como no dia
do enterro de Dona Adelaide. Já não passavam mais em frente a casa,
atravessando a rua para não sentir e não
ver tão dolorida imagem.
Foi quando apareceram alguns homens da capital para confiscar os bens de
Eusébio que o povo descobriu que ele
estava morto e falido. Tiveram muita
dificuldade em encontrar o corpo no
meio de tantas rosas e espinhos.
Chamaram o delegado, o Padre Dimas e
o barbeiro para dar início ao velório, e
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013 conforme iam andando com o caixão
pela casa, as rosas iam morrendo, uma a
uma como numa passagem magnífica de
despedida.
Percorreram o lindo jardim de rosas de plásticos que iam se transformando em
rosas verdadeiras, seus botões antes
fechados há anos, foram se abrindo e
perfumando o caminho que seu dono
fazia dentro do ataúde e foram se extinguindo também uma a uma na visão
mais triste e desoladora que alguém
poderia presenciar.
Foi enterrado ao lado de Dona Adelaide, debaixo de um jardinzinho de rosas que
se transformaram em plástico assim que o
caixão baixou à terra.
Contos SensíveisA EscritoraPor Helena Frenzel
CENTO e sessenta quilômetros, cem páginas de um manual. O letreiro acima da porta
avisava: aproxima-se o destino e o local. Estava preparado. “O cliente tem sempre razão”.
Alberto torceu o pescoço pensando nisso e guardou os papéis; a esquerda arrumou a
gravata, a direita buscou o paletó. Já vestido, sentiu o peito vibrando e pensou em
taquicardia, mas não passou do celular fino anunciando nova mensagem. “Desculpe a rudeza do meio”, dizia o email, “buscamos outras formas de contato, sem efeito. A Senhora Matoso
Pedreiro faleceu esta manhã.” seguidos de uns “sinceros pêsames, favor entrar em contato de imediato
para acertos finais”. Pela forma do texto nem precisava ter assinado Ester Loureiro para que
ele soubesse que se tratava de uma mulher a serviço da agência funerária. Eram
profissionais, como ele. A morte era o negócio e nessas horas eles bem deveriam saber o que fazer. Por isso ele não entendeu. “Que acertos finais? Tudo já não tinha sido pago?”,
perguntou-se aborrecido preparando-se para o desembarque. Os trens eram rápidos nas
estações não-terminais, teve que apressar-se.
* * *
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013 “Nunca! Só sobre o meu cadáver! Nem dinheiro
nem ações!”. Alberto lembrou-se da
discussão que tivera com a mãe já no
conforto do táxi, apartado do frio e
serpenteando nas ruas vazias de gente a
caminho do hotel. Pegou o celular e buscou o site. Certa vez, passando por
uma crise, recebera via email o convite de
uma amiga da família, Gilda, para visitar
um blog. Poemas e
n a r r a t i v a s n ã o preenchiam sua lista
de preferências, mas o
que ele ali encontrou
tanto o incomodou
que sem se dar conta tornou-se leitor o
m a i s a s s í d u o . A
p r o f u n d e z a n a
s i m p l i c i d a d e d o s
e s c r i t o s d a q u e l a mulher era para ele
u m e n i g m a q u e
t e n t o u p r i m e i r o
entender e, depois,
ignorar; mas sempre nos momentos mais críticos, sentia-se compelido a voltar e ler
sem pausas, e o mais estranho era o alívio
que sentia no final, senão pelo escrito,
pelo prazer rasteiro de ter cedido à
tentação. Certa feita, sentiu um forte desejo de tomar a escritora nos braços e
dar-lhe um sincero beijo de tanto que o
texto o comoveu, mas nunca teve
coragem de manifestá-lo. A escritora sabia que era lida por muitos, ele
pensava, e a ele apetecia saber-se um
ponto só nas estatísticas, anonimato total.
* * *Num misto de impaciência e cansaço não
sentiu segurança ao dizer que azul era a
cor preferida da mãe, mas achou que tons
escuros e opacos bem
combinavam com a o c a s i ã o . E s t e r
Loureiro tinha uma
voz fi r m e p o r é m
m a c i a , nu m t o m
ameno feminino que poderia interessá-lo,
mas Alberto desistiu
de compor a cena ao
lembrar-se que sua
vida em nada casava c o m o r o l d e
e x i g ê n c i a s
sentimentais, e lhe
disse: “Façamos assim,
obrigado.” Não maldizia as tantas viagens, gostava muito até. Era uma forma de
estar em vários lugares sem pertencer a
lugar nenhum. “Ela seria cremada mesmo e
no fim: tudo cinza”, ele pensou e “escuro”
respondeu desligando, pois a conversa havia terminado bem antes dispensando
a praxe social. Resignado pagou a
“Eu não leio seus escritos; é ela
quem me lê antecipando o que eu digo e sonho em
poder dizer, exatamente.”
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013 corrida, pegou a bagagem e entrou no
hotel.
* * *
“Você não conhece sua mãe.” — disse-lhe Gilda ao saber da discussão que tiveram
— “Não faz idéia de quem ela é”.
“Fala das ações?” — perguntou Alberto.
“Sim, das ações” — ela disse, friamente.
* * *
L e m b r o u - s e d a
escritora e das tantas
vezes que ela, com s u a s p a l a v r a s
u n i v e r s a i s h a v i a
conseguido distrair-
lhe a dor. Quando a
e n c o n t r o u , n a internet, ficou com
nítida sensação de
papéis invertidos: ela, escritora; ele, leitor,
porém: “Eu não leio seus escritos; é ela quem me lê antecipando o que eu digo e sonho em poder dizer, exatamente”.
* * *
“Vendidas.” — Alberto recebeu o anúncio
e não soube o que dizer a Gilda. A mãe
tinha aquele jeito sorumbático, pouco
compartia de suas decisões. Naturalmente
ele não a deixaria desamparada, se bem que ela lhe garantira ter mais que o
suficiente para viver. Concluiu o curso,
abriu a firma. “Certas idéias persegue-se ou
elas para sempre perseguirão”. A mãe não o
questionou por isso. Simplesmente disse: “Você é capaz”. Com dezoito anos ele havia
deixado a casa dos pais para estudar em
outro país. A mãe, viúva há um bom
tempo, era ainda muito jovem quando ele
partiu e não pouco alardeava amar o p r o v i n c i a n o e a
solidão, que “não é o mesmo que estar só e nada tem de melancólico, é e s c o l h a c o n s c i e n t e pessoal”, ela dizia. O
pai morrera deixando
Alberto ainda bebê e
em suas lembranças
não havia nada da vida com ele, apenas
um rosto pintado de
fotos e um perfil colado de lembranças
alheias.
* * *
Há vários anos Alberto dividia a vida
entre clientes, acionistas e reuniões,
sobrava tempo apenas no Natal e sonhava com a aposentadoria, quando a
vida, de fato, prometia começar. Soube
da doença da mãe só quando esta já
“Certas idéias persegue-se ou
elas para sempre perseguirão.”
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013 estava no hospital. Certas moléstias nos
pegam desprevenidos, no caso dela nem a
genética poderia antecipar. E em menos
de um mês estava tudo concluído. Os
serviços funerários ela própria havia
contratado muito antes, em tempos de lucidez. Sessenta e um anos completaria
num próximo maio, morreu em abril.
* * *
Em penumbras e quartos de hotéis
Alberto chorou muitas vezes, chorou
como um menino que criou corpo e não
cresceu, incomodado. De tanto choro,
nunca soube a razão. Depois das cinzas e do espólio, Alberto lamentou nunca ter se
sentido à vontade para falar de
sentimentos com a mãe. Lembrou que quando criança ela perguntava vez em
quando: “Você me ama?”, ao que ele
sempre negava ou mantinha o silêncio
com prazer só para contrariá-la, coisas
que as crianças sabem tão bem fazer. Um dia as perguntas cessaram e calaram-se
todas as declarações. Ele nunca quis que
ela vendesse as ações para ajudá-lo em
seus negócios, a essa idéia ele opusera-se
feroz. Porém, diante do feito, aceitou de bom grado. Fazer o quê? Conforto
mater ia l e la sempre teve ; como
prometera: ele nunca a desamparou.
* * *
“(...) ela perguntava vez em quando: “Você me ama?”, ao que ele sempre negava ou mantinha o silêncio com prazer só para contrariá-la, (...). Um dia as perguntas
cessaram e calaram-se todas as declarações.”
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013 O incômodo só crescia quando ele
recorria ao site buscando uma palavra de
auxílio, um sentido qualquer e nada; há
meses, nenhuma publicação. Na falta de
novos escritos burilou antigos, mas nada
conseguia lhe acalmar. Alí ficara um hiato, uma pausa nas postagens sem
qualquer explicação e esse não saber o
i n q u i e t a v a e f a z i a - o c h e c a r
neuroticamente atualizações. Pela
primeira vez sentiu-se órfão, sozinho. Teve certeza. Mas, desta vez, não chorou.
“Quatsch!”, a disciplina falou mais alto e
a ordem foi trabalhar. A noite foi-se com
o sono evadido levando o temor de
perder o trem, que sairia a poucas horas, e de perder-se na conta dos cordeiros:
centenas de clientes, quilômetros de
trilhos, milhões em ações, cem manuais...
O Causo do HomemPor Michele Calliari Marchese
O HOMEM entrou no pátio da casa e por
ali ficou. Foi a Dona Anja quem viu e
ficou aguardando os acontecimentos.
Estranhou o fato porque ali, naquela casa
velha, ninguém entrava havia muitos anos e o mato tomava conta de tudo. Era
um completo abandono.
A casa tinha sido do jagunço Angelin e
após a morte dele naquele fatídico dia no cemitério a esposa tinha pegado os filhos
e deixado tudo para trás. Saiu só com a
roupa do corpo, para destino incerto.
Ninguém nunca soube dela e das
crianças.
Fazia muito tempo que a casa fora abandonada e as trancas enferrujaram, a
pintura descascou e ninguém tinha
coragem de por os pés ali. Talvez porque
fosse do Angelin, ou talvez porque fosse
que a esposa tinha sumido, enfim, ela tinha uma aura assustadora.
Provavelmente aquele homem, que agora
lá estava, não sabia de nada. Nem de
jagunço, nem de abandono, nem de nada. Usava uma capa preta, por causa
do frio cortante e um chapéu que lhe
cobria o rosto. Deixou o cavalo amarrado
na cerca e entrou no pátio como se fosse
o próprio dono.
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013
Para a Dona Anja pareceu-lhe o Angelin
e um arrepio percorreu sua espinha.
Lembrou-se do tempo que ele vinha ver a
mulher a cada 15 dias, e nesses dias a
vida se renovava naquele lugar. Flores abriam-se, frutas amadureciam, os dias
eram enso larados e as cr ianças
brincavam no pátio mais que nos outros
dias. A vinda do Angelin era o próprio
amor chegando.
O homem abriu uma pequena sacola que
estava debaixo da capa e pegou uma
chave grande, antiga, gasta. Foi para a
porta de entrada e lá ficou um bom tempo até que enfim conseguiu abrir e
entrou.
A vizinha, que nada perdia e cujo hálito
embaciava o vidro, ficou tensa com a invasão. Chamou o marido para que este
fosse buscar o delegado e para que
tirassem a história a limpo, mas o marido
ficou tão arrepiado quanto a Dona Anja.
Dizia que se não tivesse visto o Angelin morto, tinha certeza que era o próprio
que estava ali, de volta.
Foi quando aconteceu que as flores se
abriram em pleno inverno, nas árvores secas e sem cuidados daquela casa havia
frutos maduros e então um enlevo de
amor fez a Dona Anja e o seu marido
escutarem os gritos das crianças de tantos anos atrás. E eles apertaram os olhos,
porque foram capazes de vê-las em seus
folguedos infantis. E viram também a
esposa do Angelin de braços abertos na
porta agora aberta por aquele homem.
Tomados de urgente amor juvenil, Dona
Anja e o marido fizeram amor ali mesmo
e lembraram que quando o jagunço
chegava, eles se amavam mais que nos dias que ele não estava. E o verão brotou
depois de tantos anos.
Quando terminaram e se abraçaram e se
beijaram, lembraram também tudo o que tinha sido deixado para trás. Foram
interrompidos pelos soluços que vinham
da casa velha, um choro tão doído e
sofrido que se ressentiram do que tinham
feito e foram para fora ver quem era, conhecer o homem que havia aberto
todas as portas e janelas da vida e que
reacendeu o amor.
Mas não havia cavalo amarrado na cerca, tampouco as flores abertas e frutas
maduras.
Havia um grande vazio e a tranca
continuava intacta sem marcas recentes e nem pegadas no pó da varanda.
Não havia nada, como nunca houve.
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013
“ A vinda do Angelin era o próprio amor chegando. (...) e foram para fora ver quem era, conhecer o homem que havia aberto todas as portas e janelas da vida e que
reacendeu o amor.”
Um Homem de GuerrasPor Michele Calliari Marchese
Em honra a Mário Bittencourt.
NÃO se lembrava de quando tinha
envelhecido. Espantou-se ao escutar a esposa dizendo que fazer noventa e dois
anos era muito difícil. Ficava pensando se
ela falava dele ou de outra pessoa, e
bastava alguém passar a mão em suas
costas num sinal de consolo que sabia perfeitamente que era ele o senil. Não
recordava de comemoraçõe s de
aniversário e tampouco dessa última, a
dos noventa e dois. Quando foi isso?
Precisava pensar. Pegou um papel envolto em plástico e passou os dedos para tirar a
água da chuva que molhava as diretrizes
que o comandante havia lhe passado.
Como estava difícil de enxergar, esperou
um clarão de um bombardeio qualquer para ler e firmou as vistas e ajeitou o
capacete para proteger-se daqueles
pingos infernais.
Tinha urgência em saber qual era o passo a seguir. A tropa aguardava o comando e
a s r e s p i r a ç õ e s t i r a v a m a s u a
concentração.
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013 Ouviu a esposa pedindo-lhe se estava
com frio, e mesmo sem resposta ela
envolveu-o numa manta tricotada e
perfumada. Sentiu o cheiro dela e
também da pólvora. Tinha que agir.
Ele comandava aquela peça de artilharia
naquele exíguo pedaço de chão e usavam
os mortos para se protegerem. Agradeceu
com uma olhada para o
alto, pois a chuva levava o cheiro do sangue de
seus companheiros e de
tantos outros que sequer
conhecia por nome.
Obedeciam-lhe, era certo.
Sentiu o aperto de mão
da mulher que falava
com amor e sentiu o calor do lar a confortar
seu peito. Retribuiu o
aperto de mão com um
aceno de cabeça, poderia
ser a última vez que veria o seu imediato. “Vão! Vão!” Corriam assustados,
confiantes na ordem recebida e pensou
quantos daqueles achavam que voltariam
para casa, e sentiu uma fome dos diabos.
Comeu com avidez a papa de bolacha
com leite que a esposa carinhosamente
lhe dava. A cada colher metida em sua
boca, vinha-lhe um beijo de amor. Aquele amor que ele deixou para trás quando foi
convocado para a guerra. Nunca se
arrependeu de ter levado a foto da
namorada, pois era aquele olhar de
mulher apaixonada que o fazia viver no meio de tanta dor .
Engatilhou o fuzil em alerta, molhado.
“As crianças não”, pelo
amor de Deus. Tudo podia ver, mas não
m a t a r i n o c e n t e s .
Repetiu a ordem em voz
alta, se perguntando se
ele mesmo não o tinha feito num momento de
l o u c u r a . A n t e s
enlouquecer do que
cometer um ato que
nunca iria esquecer.
Foi quando colocaram
uma bolinha de plástico
em sua mão que saíra
daquele sonho longínquo do passado miserável que tivera. Ensaiou um sorriso
para aquela que esperara o retorno dele
para poderem se casar. Amava-a mais
que nunca e pensou que estavam
aguardando ele jogar a granada naquela trincheira inimiga e então tirou a argola e
a bolinha rolou perto de seus pés.
“ Não se lembrava de quando tinha envelhecido.”
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013 “Você sempre joga a bola para que eu
pegue”, lhe disse a velha esposa. E ele
escutou o barulho da explosão, os gritos
que nunca mais saíram de sua cabeça e o
cheiro de muitas mortes e da terra
molhada. Aqui lo era o in fer no. Avançaram até a trincheira explodida,
verificaram as baixas, mataram aqueles
feridos e num frenesi de loucos
informaram o comando que a operação
tinha sido bem sucedida.
Deveria montar guarda naquela noite,
mas a mulher lhe disse num sussurro de
arrepiar que era hora de dormir, ao lado
dela e bem juntinhos como faziam desde sempre e foi acordado de supetão pelo
imediato que lhe disse necessitar de
ajuda, pois que havia inimigos rondando
por ali. Tinha-os visto num virar de olhos
passando por baixo de algumas árvores mais adiante. Engatilhou o fuzil, ficou
olhando para aquele lugar e foi só depois que o dia clareou que viu a esposa lhe
trazendo um copo com água e a dizer o
“bom dia” mais quente de sua existência.
Precisava urinar. Era uma urgência febril, vivia molhado e com frio, decerto pegou
alguma coisa que lhe fazia doer a bexiga
e os testículos e no meio de tanta dor
escutou a voz da filha a lhe gritar da
cozinha que tinha chegado para ajudar. Tinha orgulho dos filhos, eram a
extensão dele e de sua esposa. Pensou que
sabia exatamente como ela seria no dia
em que nasceu. “As crianças não, porra”.
Gritou novamente para um soldado que estava totalmente ensandecido com tanta
catástrofe ao seu redor e atirava para
todos os lados, e que por fim, não
aguentou tamanha dor e deu o tiro
derradeiro em seu rosto manchado pelas lágrimas da exaustão.
Cavou o buraco para enterrar o corpo ali
mesmo no meio de tanta fumaça, chuva e
grito e tinha as mãos cheias de terra e lágrimas e encontrou a bolinha de
plástico que alguém colocou ali. Tirou a
lama das mãos e com a ponta da faca
tirou a lama das unhas. Estava cansado.
Tinha noventa e dois anos.
Tirou a argola da granada e jogou a
bolinha a seus pés.
“Antes enlouquecer do que cometer um ato que nunca iria
esquecer.”
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013 Conto Vigarista
O PreferidoPor Michele Calliari Marchese
ESSE causo aconteceu quando as
primeiras famílias apareceram para
desbravar a Campina da Cascavel,
vinham de lugares distantes e também de
outros países. Uma dessas famílias era oriunda da Itália e veio o casal com três
filhas pequenas.
A mama fazia comidas espetaculares e
usava um ingrediente que não existia na região e todos que provavam do petisco
queriam saber da receita e do dito
“manjericão roxo” que ela usava para
d e i x a r t u d o m a i s a p e t i t o s o . O
condimento acabou virando contrabando e renda principal para a família da mama
que enriqueceu de uma hora para outra.
Com o tempo as filhas casaram; a mais
nova com o João, a do meio com o José e a mais velha com o Ademir. Nessa
ordem, porque a mais nova casou muito
cedo em função de uma gravidez de
susto. O João que foi o primeiro a entrar
para a família ganhou o posto suado de “o preferido”.
Pois que a mama reunia a família todo o domingo para um grande almoço e o
preferido ganhava a honra de ter a
comida predileta à sua frente. O João
comia o que mais gostava e lambia os
beiços de satisfação gerando uma espécie de ciumeira entre os concunhados.
O José pouco falava e a mama chamava o
pobre de “povereto” e o Ademir, bom, o
Ademir questionava se já não era hora de uma troca de genros no posto da
predileção da matriarca, ao que ela
respondia num vozeirão de poucos
amigos que “no! Aspettare il tuo turno” e
bem baixinho para o nono escutar: “bruta bestia”. E o Ademir que não
entendia italiano, mas entendia muito
bem a língua escaldada da sogra, comia
numa ponta da mesa a remexer-se na
cadeira de madeira.
E os domingos eram de festa e de muitos
gritos, a cada almoço o nono aparecia
com uma cadeira nova para acrescentar à
mesa que já estava com uns bons remendos para ficar maior, pois os netos
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013 não paravam de chegar — dezoito ao
todo. A mama e o nono nunca sabiam
que filho era de quem e quando iam
chamar algum diziam: “Quello altre ali”,
ou então diziam todos os nomes —
quando lembravam — até acertar o nome da criança que queriam chamar. E
era um tal de empurra filho daqui e dali
que os dezoito apareciam na frente da
mama para atender-lhe o pedido.
“Polpetta” de novo nona? E a mama
respondia que “si, era il cibo preferito di
João, mangia i cala a boca impertinente”.
Todos comiam, mas não calados e então aconteceu que uma vizinha apareceu
pedindo do dito manjericão roxo, só um
tantinho para que ela pudesse fazer a
receita de pastel que a mama tinha lhe
passado. E a mama foi até a cozinha e trouxe um naquinho de nada do
condimento e cobrou a queima roupa na
frente de todo mundo: “ Il costo è di
trenta mil réis”. A outra quase caiu de
costas, mas diante daquele espetáculo minúsculo apertado entre os dedos,
resolveu ceder e pagou sem pestanejar
com o brilho da cobiça em seus olhos.
Os genros não respiraram quando esticaram o pescoço para ver onde a
mama guardava tão rico alimento pois
que era escondido à sete chaves e
ninguém nem o nono, sabia onde era. Todos aqueles anos eles passaram
procurando o manjericão, sem sucesso.
Foi quando aconteceu que o nono
apareceu com uma cadeira a mais na mesa e a mama gritou num português
gelado que era a hora de parar com os
netos, que estavam todos velhos e para
que tanta criança se não tinha mais
panela para fazer tanta comida e notou que muitas cadeiras estavam vazias e
faltavam muitos netos à mesa e que a
g r i tar ia hav ia encer rado. Todos
explicaram que muitas delas estavam já
em faculdades nas capitais e o José, aquele “povereto” disse numa voz que
ninguém até então conhecia que foram
estudar para serem gente de bem e graças
à mama que tinha parido as filhas... e a
mama não deixou o “povereto” terminar gritando que “Da ora avanti, il mio
preferito è Bepin, mio povereto”.
O João se engasgou, mas ao mesmo
tempo ficou aliviado porque não teria mais as polpettas no domingo e o Ademir,
bom, o Ademir deu uma fungada entre
uma garfada e outra e fez as contas que
dali uns 20 anos ele poderia ser o
preferido se tudo fosse bem. Ficou pensando e lamentando o fato de nunca
ter descoberto o esconderi jo do
manjericão, aquele condimento que lhe
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013 abriria muitas portas e janelas e também a independência familiar e lembrou que o José
nunca falava e ninguém sabia que comida ele gostava e pediu em voz alta mesmo — já
que com toda aquela gritaria dificilmente alguém iria escutá-lo — o que ele faria agora
com o posto de preferido e o José respondeu depois de limpar a boca no guardanapo
bordado que a hierarquia lhe conferia que era para o Ademir se acalmar que logo tudo
se arranjaria pois que tinha visto onde a mama escondia o manjericão roxo.
EntrevistaGândavos - Os Contadores de HistóriasPor Helena Frenzel
Em junho, publicamos lá no Blog uma entrevista que fiz com Carlos A. Lopes,
coordenador do projeto Gândavos – Contadores de Histórias, buscando oferecer
uma visão geral do projeto e, o que é melhor: despertar o interesse e a vontade de
participar. Vamos à entrevista:
P - Converso aqui com Carlos A. Lopes, organizador do Blog Gandavos -
Contadores de Histórias, um projeto que chamou minha atenção pela proposta de
incentivo à leitura e à escrita, bem como pelo efeito de contribuir para registrar a
memória popular de vários cantos do país. Diga lá, amigo Carlos, como surgiu o
Gândavos?
R – Gândavos é um passado resgatado no presente, noutro formato. Cresci numa
cidadezinha, na região Moxotó de Pernambuco. Lá não existia banca de revistas, bibliotecas, ou sequer sinal de televisão e de entretenimento, só havia mesmo os bailes
no clube e o cinema do meu pai, do qual, com apenas doze anos de idade, eu já era
projecionista. Foi nesse ambiente simplório que um grupo de jovens criou um grupo de
teatro, cujo objetivo era adquirir cultura e oferecer diversão para aquela gente que só
sabia do mundo através das ondas de rádio. A origem do Grupo Teatral Os Gândavos se deu no final de 1974, a partir de uma apresentação de uma peça extraída de um
cordel. O nome do Grupo foi descoberto meramente por acaso. Em uma das suas
viagens psicodélicas pelas páginas do “pai dos burros”, dicionário cujas letras eram
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minúsculas, fez com que um dos membros do grupo lesse gândavos em vez de gandavos. Prevaleceu a palavra gândavos, por sua eufonia em relação ao hino, que se cantava
antes do início das apresentações. Passados os arroubos da juventude, resgatamos
atualmente o mesmo nome para um ambiente de rede mundial, não só para agrupar
velhos amigos, mas também para compor um rol agradável com as pessoas de outras
regiões que gostam de nostalgia e de contar novas histórias.
Carlos A. Lopes e seus dois primeiros 'filhos': Gandavos - Os Contadores de Histórias e Gandavos - Contando Outras Histórias. Foto de acervo privado, aqui usada com permissão.
P - Quem faz parte?
R – Fazem parte do Blog Gândavos, autores das mais diversas regiões do país e também
alguns que residem fora do Brasil. A ideia era essa mesma, misturar culturas e formar
um grupo que interagisse sem necessariamente se conhecer fisicamente e evidentemente
agregar também aqueles que já se conhecem. E para formar esse grupo careceu de
apostar num trabalho lento e progressivo. O Blog tem como foco os contos, no entanto
publico crônicas e até poesias, não tenho preconceito com gêneros. O começo não foi fácil, eu fazia de tudo para encontrar gente de talento e que pudesse contribuir na
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013 segunda e tapa do Pro je to – a s
publicações. Nessa primeira fase, temos
muitas histórias, afinal foi muito estranho
para alguns autores encontrar em suas
caixas de mensagens apelos por liberação
de textos, vindas de um nordestino de pouca prática na escrita. Fui salvo até
pela avó do escritor Gilberto Dantas, que
por ser nordestina, o autor se sensibilizou
e até hoje está conosco. Enfim, depois de
umas tantas adesões o trabalho foi merecedor de outro tratamento e ganhou
respeito em nível nacional. Hoje quando
convido alguém para participar, muitas
vezes escuto: ¨Rapaz, como você
conseguiu tanta gente de talento no seu Blog?¨ A resposta é sempre a mesma:
¨Respeito e confiança, só isso!¨ Enfim,
fazem parte do Blog Gândavos hoje,
autores famosos ou não, também pessoas
iniciando na vida literária, com textos confessionais ou reminiscências próprias,
bem comuns em início da carreira.
Sempre digo que a melhor maneira de
mostrar nossos trabalhos de início, é se
agrupando com quem já tem uma bagagem literária avantajada. Uma coisa
é certa, os autores com trabalhos já
consagrados que fazem parte do Blog
jamais demonstraram constrangimento
“Sempre digo que a melhor maneira de mostrar nossos trabalhos de início, é se agrupando com quem já tem uma bagagem literária avantajada. Uma coisa é certa, os autores com trabalhos já consagrados que fazem parte do Blog jamais demonstraram constrangimento em figurar junto aos iniciantes, o que é muito louvável da parte deles.”
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013 em figurar junto aos iniciantes, o que é
muito louvável da parte deles. Só tenho
que agradecer a toda essa gente bonita e
talentosa desse Brasil de meu Deus!
P - Esse projeto já gerou a impressão de
dois livros e sei que um terceiro volume está a caminho. Conte um pouco dessa
experiência de publicação independente.
Como tem sido a recepção?
R – Até sair do meu interior, Custódia,
ouvia dizer que empurrar bêbados
ladeira abaixo era a coisa mais fácil do mundo, é não! A coisa mais fácil do
mundo é publicar livros, desde que o
sujeito não fique correndo atrás de
edi tora que os promova, ou de
patrocinadores, basta se agrupar. Uso a seguinte premissa: Somos seres sociais! As
ferramentas estão aí, basta usá-las. Dizem
que a internet é perigosa, é nada! Os
carros não foram feitos para matar, no
entanto matam. Tudo na vida é uma questão de saber se posicionar. Como
disse antes, o trabalho do Blog é moldado
dentro dos preceitos de respeito e
confiança. Quando envio a seguinte
mensagem aos autores: “Amigos, é chegada a hora de depositarem o
dinheiro correspondente a suas opções de
compra”, todos depositam o dinheiro
rapidamente. Excelente nosso grupo!
Nesse Projeto do terceiro livro tipo
coletânea, que a amiga citou, está por acontecer, a procura foi maior que o
espaço físico disponibilizado. Cinco
autores que costumam publicar seis
textos, gentilmente concordaram em
reduzir suas publicações no próximo volume, para que autores iniciantes
p u d e s s e m p a r t i c i p a r. H á mu i t a
compreensão nesse sentido. Temos bem
d e fi n i d o s t r ê s t i p o s d e a u t o re s
participantes dos livros. Uma grande parte adquire poucos exemplares e
distribui com familiares e amigos; outro
grupo pede mais livros e revendem, são
autores que geralmente já publicaram
livros antes. Por último, temos um grupo que vende uma parte da sua opção de
compra para cobrir as despesas e o
restante distribui com amigos e familiares.
E para alguém não dizer que estou a
dizer asneira quando digo que publicar é fácil, lhes digo: Publicamos dois livros em
poucos meses; evidente que a partir do
q u a r t o l i v r o , v a m o s p u b l i c a r
espaçadamente e considerar outras
possibilidades.
P - Dificuldades? Quais têm sido as
maiores?
R – Dificuldade para mim, são aqueles
obstáculos que não estão previstos num
empreendimento. Para se publicar um
livro há etapas a serem ultrapassadas, as
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013 quais não chamo propriamente de
dificuldades, pois elas estão em qualquer
lugar onde se publica livros. Porém, para
não dar a entender que tudo é lindo e
maravilhoso, citarei uma dificuldade que
me tira o sono: o envio dos livros aos autores quando os recebo da editora. A
única forma de enviar livro de forma
compensatória financeiramente para os
autores, são os chamados impressos, os
quais são relegados às piores condições de entrega ao destinatário. Isso para não
dizer que também tenho que afixar nos
pacotes: “Os Correios estão autorizados a abrir esta embalagem”. Quanto maior o volume,
maior é a demora, que se multiplica no
serviço de entrega.
P - Pelo que entendi, o Gândavos é uma
iniciativa que visa, sobretudo, a divulgação dos textos e autores, com o
propósito não de vender livros, mas de
fazer as histórias chegarem ao leitor.
Como você vê a possibilidade de
distribuição via E-Livro? Estaria disposto a ver também os volumes da Gândavos
nesse formato à disposição do leitor?
R - Quando resolvi sair do meu interior,
minha mãe disse: ¨Meu filho, se você tem um emprego disponível aqui, porque ir para o Recife e ficar distante de nós?¨ Respondi: ¨Mamãe,
gosto do novo, do moderno¨. Acrescentei: ¨Se quero encomendar uma roupa, tenho que escolher os botões que a venda de Seu Domingos dispõe,
não os que queria utilizar no modelo¨. Enfim,
gosto do novo e amo meu passado! Não v ivo sem os do i s ! Respondendo
objetivamente a sua pergunta: sou a favor
de que num futuro próximo as nossas
publicações possam ser vinculadas noutro
formato, no caso o livro digital. Porém, entendo que neste momento o foco do
Blog Gândavos é fazer o processo inverso:
fazer publicações de livros físicos a partir
de textos ora hospedados nas páginas
virtuais em rede mundial.
“ (...) neste momento o foco do Blog
Gândavos é fazer o processo inverso:
fazer publicações de livros físicos a partir
de textos ora hospedados nas
páginas virtuais em rede mundial.”
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013 Muito obrigada, Carlos A. Lopes, por seu tempo e disposição em responder estas perguntinhas.
Helena Frenzel
Link: gandavos.blogspot.com
P.S.: não sou nem pretendo atuar como jornalista. O objetivo da entrevista foi conhecer
(e dar a conhecer) melhor o projeto e contribuir na divulgação. (Helena Frenzel).
Quem somos
HELENA FRENZEL é maranhense, autora e editora
de vários Ebooks, entre eles, as coletâneas de
contos Perfis Interessantes, Trinta Contos de Euros
e Três de Natal e Outros Quinze Contos. Mantém o
blog Bluemaedel onde concentra suas letripulias e o
projeto 15 Contos+, onde pretende reunir
anualmente contos de diversos novos autores
brasileiros.
MICHELE CALLIARI MARCHESE é catarinense e
contista. Participou em coletâneas publicadas pela
Editora Literata de São Paulo nos Livros UFO-
Contos não Identificados (2009) e Espectra (2010) e
no Livro dos Prazeres publicado pelo SESC de Santa
Catarina em 2008. Mantém uma escrivaninha no site
Recanto das Letras onde publica contos e outros
gêneros.