seleções jurídicas adv_dez-2008 (2)

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DEZEMBRO/2008 60 anos · Globalização · Gestão e marketing jurídico · Depositário infiel · Síndrome do pânico · Error in procedendo · Sócio e diretor · Declaração universal dos direitos do homem e do cidadão Crise internacional e neointervencionismo Inovação na advocacia - A estratégia do “Oceano Azul” nos escritórios jurídicos Prisão civil e o Pacto de São José da Costa Rica Doença ocupacional Sentença proferida por juiz plantonista Enquadramento jurídico como empregado EM FOCO REP SI Ó I O T RO A T RIZADO D UO E J RI R D CIA U SP U ÊN [ [ Destaques

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Page 1: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

DEZEMBRO/2008

60 anos·

Globalização·

Gestão e marketing jurídico·

Depositário infiel

·

Síndrome do pânico

·

Error in procedendo

·

Sócio e diretor

·

Declaração universal dos direitos do homem e do

cidadão

Crise internacional e

neointervencionismo

Inovação na advocacia - A estratégia do “Oceano Azul” nos escritórios

jurídicos

Prisão civil e o Pacto de São José da Costa Rica

Doença ocupacional

Sentença proferida por juiz plantonista

Enquadramento jurídico como empregado

EM FOCO

REP SI Ó I O T R O

A T RIZADO DU O

E

J RI R D CIA

U SP U ÊN[[

Destaques

Page 2: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

Sumário

DOUTRINAS

– 2008 – Os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos doHomem e do Cidadão – José Otaviano de Oliveira ............... 3

– A relevância da política-criminal na imputação objetiva doresultado: novos aspectos ao ordenamento jurídico-penal bra-sileiro – Thatiana de Melo Lessa Amorim .............................. 7

– Meio ambiente e Mercosul: considerações fundamentaisacerca da integração Sul-Americana –Vanessa de Souza Pereira ...................................................... 13

PANORAMA

• Gestão de Carreira e Marketing Jurídico

– Inovação na advocacia – A estratégia do Oceano Azul nosescritórios jurídicos – Ari Lima............................................... 17

• Opinião

– Crise internacional e neo-intervencionismo –Paulo Márcio Reis Santos ...................................................... 19

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

– Prisão civil do depositário infiel – Pacto de São José da CostaRica ...................................................................................... 20

– Repercussão geral – Forças Armadas – Limite de idade.......... 22

– Repercussão geral – Prestação de contas de campanhas eleito-rais – Competência do TSE..................................................... 24

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

– Cobrança da comissão de corretagem – Inscrição no CRECI ..... 26

– Emissão de duplicata de prestação de serviço –Locação de veículo................................................................ 28

– Sentença proferida por juiz plantonista – Error in procedendo..... 30

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

– Contrato de trabalho – Constituição de pessoa jurídica –Dissimulação ......................................................................... 33

– Síndrome do pânico – Doença ocupacional .......................... 37

– Sistema e-doc – Tempestividade dos recursos via internet ..... 39

– Sócio e diretor – Enquadramento jurídico como empregado ..... 40

TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO

– TRT-3ª R. – Falência do empregador – Suspensão do contratode trabalho em curso ............................................................. 43

– TRT-9ª R. – Representação comercial – Cláusula del credere .... 44

– TRT-12ª R. – Contratos de facção e prestação de serviços –Diferenças ............................................................................. 46

– TRT-12ª R. – Terceirização ilícita – Unicidade contratual ...... 47

SELEÇÕESJURÍDICAS

As opiniões emitidas em

artigos assinados são de inteira

responsabilidade dos seus autores.

Os acórdãos selecionados

correspondem, na íntegra, às cópias

fornecidas pelos Tribunais.

É proibida a reprodução parcial

ou total, sem autorização

dos editores.

REPOSITÓRIO AUTORIZADODE JURISPRUDÊNCIA

STF

Registro nº 39/2008(DJE de 4-4-2008)

TST

Registro nº 32/2007(DJ-U, 17-10-2007)

Page 3: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

EDITORIAL

Chegamos a última edição de 2008!

AEquipe Técnica ADV vem externar a todos vocês - leito-

res, clientes, colaboradores, membros do Conselho Edito-

rial – nossos agradecimentos pela confiança e credibilidade

no trabalho que nos propomos a fazer. Esperamos que o nosso

engajamento em mantê-lo atualizado, com os principais

acontecimentos no cenário jurídico nacional, tenha sido

alcançado.

Tivemos um ano marcado por datas importantes como os 18

anos do Código de Defesa do Consumidor, a “maioridade” do

Estatuto da Criança e do Adolescente e os 20 anos da Consti-

tuição Cidadã, os 60 anos da Declaração Universal dos Direi-

tos Humanos. E para fecharmos esta edição, não menos

importante, trazemos a doutrina de José Otaviano de Oliveira,

acerca dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do

Homem e do Cidadão.

No Panorama, destaque para a estratégia do “Oceano Azul”

nos escritórios de advocacia. É o ADV buscando contribuir

ainda mais para o seu sucesso profissional, diante da necessi-

dade em conhecer um pouco mais sobre gestão de carreira e

marketing jurídico.

Na seção de acórdãos na íntegra, muitos temas também rele-

vantes: a nova visão do STF acerca da prisão civil do depositá-

rio infiel diante do Pacto de São José da Costa Rica; a re-

percussão geral de matérias como o limite de idade estabele-

cido para ingresso nas Forças Armadas e competência do TSE

quanto à prestação de contas de campanhas eleitorais; a pos-

sibilidade de se configurar a síndrome do pânico como

doença ocupacional; a tempestividade dos recursos via inter-

net na esfera trabalhista, diante do sistema e-doc.

Confira ainda no ADV Online nossa seção de Interatividade,

com conteúdo de áudio e vídeo, bem como participe das

nossas enquetes. Ao longo destes anos, buscamos melhorar a

cada dia. E para que possamos prosseguir no nosso objetivo,

suas considerações, opiniões, críticas e sugestões são muito

importantes.

Que 2009 seja o ano de grandes conquistas e realizações

pessoais e profissionais.

Feliz Natal e um próspero Ano Novo.

CENTRO DE ORIENTAÇÃO, ATUALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

PRESIDENTE – José de Souza FilhoDIRETOR GERAL – Márcio William Faria de Souza

DIRETOR EDITORIAL E COMERCIAL:Humberto Nunes Andrade Silva

DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO:Márcio William Faria de Souza

GERÊNCIAS NACIONAIS:Crystiane C. de Souza – Heloísa Fátima Thomaz de Aquino

Jair Gomes – Luiz Roberto CostaSérgio Pínnola de Aguiar – Sidney Gaudie-Ley

GERÊNCIAS REGIONAIS:ES – Sônia Xavier / MG – Jacir Dutra Junqueira

RJ – Sérgio Pínnola de AguiarRS – Teresinha Leal / SP – Ronoel Trevizolli Neves

COORDENAÇÃO EDITORIAL: Crystiane C. de Souza

REDATOR RESPONSÁVEL INFORMATIVO ADV: Estevão da Silva Ribeiro

REDATOR RESPONSÁVEL JURISPRUDÊNCIA ADV: Zilton Moraes Di Pace

REDATORA RESPONSÁVEL SELEÇÕES JURÍDICAS ADV: Janaína Rosa Guimarães

CONSELHO EDITORIAL: André Luis Spies – Claudio Carneiro B. P. Coelho –

Cristiana de Santis de Farias Mello – Enio Santarelli Zuliani – Escritório Siqueira e

Castro – Hidemberg Alves da Frota – Ivan Lira de Carvalho – Joaquim Falcão – José

Carlos Teixeira Giorgis – José da Silva Pacheco – Luiz Cezar P. Quintans – Maria

Berenice Dias – Mario Oscar Oliveira & Advogados – Osnilda Pisa – Rénan Kfuri

Lopes – Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

COLABORADORES: Adenisio Coelho Junior – Alexandre Gontijo – Alexandre

Mellão Hadad – Ana Carolina de Salles Freire Rutigliano – Celso Anicet Lisboa –

Christiane Pantoja – Christianne Bernardo – Claudia Brum Mothé – Cleide

Calgaro – Clóvis Brasil Pereira – Dayse Coelho de Almeida – Demócrito Reinaldo

Filho – Emanuelli Berrueta de Vasconcelos – Fabiano Jorge – Fábio Rosas – Felippe

Borring Rocha – Fernando Malheiros Filho – Francisco das C. Lima Filho – Helder

Martinez Dal Col – Hugo Filardi – Janaína Rosa Guimarães – João José Leal – Jorge

Rubem Folena de Oliveira – Katarina Nascimento – Leandro Pacheco Scherer –

Leonardo Ferraro – Lúcia Helena Briski Young – Luciano Athayde Chaves –

Luciano Rinaldi de Carvalho – Luiz Guilherme Marinoni – Luiz Salvador –

Marcelo Di Rezende Bernardes – Marcelo Lessa Bastos – Marcus Vinicius

Fernandes Andrade Silva – Maria Aglaé Tedesco Vilardo – Mauro Gomes de Matos –

Mauro Vasni Paroski – Patricia Cavalcante de Falconeri – Paulo Mazzante de

Paula – Paulo Sergio Leite Fernandes – Rafael Ferraresi Holanda Cavalcante –

Rafael Fiuza Casses – Regilene Santos do Nascimento – Renata Guimarães Aranha –

Renato Opice Blum – Robert Lee Segal – Roberta Fragoso Menezes – Rodolfo

Pamplona Filho – Rodrigo Carneiro Gomes – Sidnei Machado – Vanessa de Souza

Pereira – Vitor Vilela Guglinski – Walter Diab

MATRIZ

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ESCRITÓRIOS COMERCIAIS

BA – Av. Antonio Carlos Magalhães, 2501 – Conjunto 1114Edifício Profissional Center – Brotas – Salvador – CEP: 40280-910SAC: Tel.: 2101-0250 – Fax: 3354-0645 – Vendas: 2101-0250

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E-mail para remessa de artigos: [email protected]: 3.000 exemplares

Periodicidade: mensalCirculação em âmbito Nacional

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DOUTRINAS

2008OS 60 ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL

DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO1

JOSÉ OTAVIANO DE OLIVEIRAProcurador Federal junto ao INSS em São Paulo – Pós-Graduado em Direito Constitucional

RESUMO: O presente trabalho tem a intenção de relembrar umimportante acontecimento do século XX, que é a produção deum instrumento internacional capaz de encorajar o desenvolvi-mento da harmonia na relação entre os povos. Busca demons-trar que a Declaração Universal tem a convicção de que tudoque se produz no mundo, seja no campo material ou cultural éproduzido para o bem-estar do ser humano. Tenta ensinar queantes de pensarmos no que é bom para os governos, devemospensar primeiro naquilo que é bom para as populações. Para elao ser humano vem antes de tudo.

SUMÁRIO: 1. Aspectos Históricos; 2. A Construção do Legado.3. Referências Bibliográficas.

1. Aspectos históricos

A Segunda Guerra Mundial foi o evento mais catastrófico doúltimo século. Matou mais de 50 milhões de pessoas (20milhões somente na URSS) em seis anos de conflito. Custoumais de um trilhão de dólares, mobilizou mais de 50 países emtodos os continentes, e criou a mais poderosa arma de destrui-ção em massa já vista até então: a bomba atômica.

No extenso caminho que ainda

precisamos superar, somente à luz

de uma visão necessariamente inte-

gral de todos os direitos humanos, é

que vamos conseguir avançar com

eficácia na tarefa de edificar uma

cultura universal de observância dos

direitos inerentes ao ser humano.

Se a vida já não valia nada para muitos poderosos das grandesnações imperialistas, agora ela valia menos ainda. As pessoasnão precisavam mais morrer para conhecer o “inferno”, essaexperiência poderia se concretizar com um simples “apertar debotões”. Ficou claro que alguma coisa precisava ser feita paraimpedir isso. Precisava ser criado um fórum de debates onde adiplomacia fizesse esquecer o fuzil. O mundo estava preci-sando de regras para que todos ficassem preocupados perma-nentemente em garantir as populações do futuro, principal-mente as minorias, a existência de instrumentos fortes de prote-ção, como herança.

2. A construção do legado

Apesar dos últimos cem anos terem sido muito dinâmicos para ahistoria da humanidade, mesmo com as guerras e das diferençasideológicas, aconteceram progressos da tecnologia muitoimportantes, que, infelizmente, ainda não beneficiam a maioriadas pessoas no planeta, mas, com a finalidade de superar essesobstáculos, foi um legado muito importante deixado para asgerações futuras: A Declaração Universal de 1948.

Não há como negar que, a par dos avanços obtidos nessecampo de atuação institucional no decorrer dos últimossessenta anos, surgem, porém, novos desafios e obstáculos,materializados, sobretudo na marginalização e exclusão sociaisde segmentos crescentes da população, nas mais variadasmaneiras de violações de direitos humanos e na impunidade deseus perpetradores. É necessário, assim, um entendimento maisclaro do amplo alcance das obrigações convencionais de prote-ção, de vincular não só os governos, mas os próprios Estados, ese aplicar em todos os desdobramentos da vida humana.

No extenso caminho que ainda precisamos superar, somente àluz de uma visão necessariamente integral de todos os direitoshumanos, é que vamos conseguir avançar com eficácia natarefa de edificar uma cultura universal de observância dos di-reitos inerentes ao ser humano.

O processo de internacionalização da proteção dos direitosdessa estirpe materializou-se a partir da adoção em 1948 daDeclaração Universal. Era preocupação corrente, na época, arestauração do direito internacional em que viesse a ser reco-nhecida a capacidade processual dos indivíduos e grupos so-ciais no plano internacional. Para isto contribuíram de mododecisivo as duras lições deixadas pelo holocausto da SegundaGrande Guerra. Já não se tratava de proteger indivíduos sobcertas condições ou em situações circunscritas como nopassado, mas doravante de proteger o homem como tal.

O ponto inicial para o exame da evolução da matéria desde1948, reside nos trabalhos preparatórios e adoção da Declara-ção Universal dos direitos Humanos que resultou de uma sériede decisões tomadas no biênio 1947/1948, a partir da primeirasessão regular da Comissão de Direitos Humanos das NaçõesUnidas em fevereiro de 1947. Naquele momento já dispunhade propostas a esse respeito, enviadas à Assembléia Geral dasNações Unidas em fevereiro de 1947.

O projeto inicial de uma declaração sobre a matéria evoluírarumo a um projeto de declaração universal; a busca da univer-salidade – com base na própria diversidade cultural – depreen-dia-se com clareza, das referidas consultas realizadas pelaUnesco (1947) como contribuição ao processo preparatório.O plano geral era de uma Carta Internacional de Direitos

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Humanos, da qual a Declaração seria apenas a primeira parte, aser complementada por uma Convenção ou Convenções – poste-riormente denominadas Pactos – e medidas de implementação.Essas últimas não constavam, pois, da Declaração Universal, que,no entanto, significativamente incluíram tanto os direitos civis epolíticos quanto os direitos econômicos, sociais e culturais.

É importante lembrar que ela foi sucessora da Declaração Ameri-cana dos Direitos e Deveres do Homem (abril de 1948). As duas, apar dos direitos consagrados, proclamaram também, os deverescorrespondentes. É verdade que a Declaração Americana não foitão bem ordenada como a Universal, mas aquela tem umacongruência com esta. Uma importante contribuição da Ameri-cana para a Universal consistiu na formulação original – de origemlatino-americana – do direito a um recurso eficaz ante os tribunaisnacionais, transplantadas da primeira para a segunda. A inserçãodesta garantia na Declaração Americana ocorreu quando, parale-lamente, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas eseu Grupo de Trabalho ainda preparam o Projeto da DeclaraçãoUniversal; sua inserção foi confirmada nos debates subseqüentes(de 1948) da III Comissão da Assembléia Geral das NaçõesUnidas. Tal disposição representa como amplamente reconhecidana atualidade, como um dos pilares básicos do próprio Estado deDireito em uma sociedade democrática.

Do ponto de vista histórico, é altamente importante que aDeclaração Universal tenha institucionalizado uma concepçãonecessariamente integral de todos os direitos do homem. Não sedeixando esbarrar nas divisões ideológicas do mundo do seupróprio tempo, situaram no mesmo plano todas os desdobra-mentos de direitos (civis, políticos, econômicos, sociais, cultu-rais). Esse enfoque seria rememorado na I Conferência Mundialde Direitos Humanos de 1968, e nele se insistiria mais recente-mente na II Conferência Mundial de Direitos Humanos de1993. Os direitos proclamados compreenderam dos de caráterpessoal, os atinentes às relações do indivíduo com grupos e omundo exterior, as liberdades públicas e os direitos políticos,assim como os direitos econômicos, sociais e culturais.

A proteção dos direitos da pessoa humana como experiênciainternacional, tem demonstrado em diferentes momentos histó-ricos, o consenso quanto à universalidade dos direitos básicosdo homem, superando as barreiras que podem representar asdiferenças quanto à concepção doutrinária e ideológicas esingularidade cultural. Desta forma foi possível, num mundovisceralmente dividido do pós-guerra, alcançar uma Declara-ção Universal, e em plena Guerra-Fria adotar dois Pactos deDireitos Humanos. Em meio a tantas rivalidades presentes nestemomento da humanidade, foi possível afirmar a indivisibilidadede todos os direitos que delineiam a dignidade do homem.

A universalidade dos direitos humanos, proclamada pelaDeclaração de 1948, veio a ecoar nas duas ConferênciasMundiais sobre matéria (Teerã em 1968 e Viena em 1993). Os paí-ses que se tornaram independentes desde então entenderam suacontribuição para a evolução da proteção desses direitos, poispossuem problemas em comum, como pobreza extrema,condições desumanas de vida entre outros. O enfrentamento detais problemas originou uma maior aproximação entre os dife-rentes modos de enxergar esses direitos à luz de uma visãouniversal, refletida no aumento do número de ratificações dosinstrumentos globais e na busca de maior eficácia dos mecanis-mos e procedimentos de proteção, assim como na adoção denovos tratados de proteção nos planos global e regional, tidoscomo essencialmente complementares, e atendendo as novasnecessidades de proteção do ser humano.

O curto lapso de tempo com que se redigiu a DeclaraçãoUniversal veio a contrastar com os prolongados trabalhospreparatórios dos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações

Unidas, que, reunidos com a Declaração Universal, produziriama Chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos. Nos pro-longados trabalhos dos dois pactos fez-se constantementepresente à consideração cuidadosa das medidas de implementa-ção. Podem-se, com efeito, destacar quatro fases naquele traba-lho, que se prolongaram de 1947 a 1966: “de prima”, de 1947 até1950, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas labo-rou sozinha, sem a assistência direta do Conselho Econômico eSocial ou da Assembléia Geral das Nações Unidas. De 1950 a1954 os três órgãos atuaram conjuntamente, dividindo-se operíodo em 1951 com a importante decisão de ter dois pactos emvez de um. O quarto e ultimo período estenderam-se de 1954,data da conclusão pela comissão de Direitos Humanos doprojeto dos dois pactos, até 1966, data de adoção.

A primeira proposta era incluir em um único pacto os direitoscivis, políticos, econômicos, sociais e culturais, dotados dossistemas de relatórios e petições. Divergências quanto aosmétodos de implementação de diferentes categorias de direitosconduziram para a alternativa do projeto de dois pactos distin-tos, como uma solução de conciliação entre a idéia de um pactoapenas e a de pactos sucessivos, deixando o sistema de petiçõesou reclamações apenas aos direitos civis e políticos.

A Comissão de Direitos Humanos inegavelmente trouxe gran-des conquistas para o desenvolvimento da internacionalizaçãodas prerrogativas básicas do homem. Mesmo com a guerra friacom seus conflitos ideológicos, e o ritmo acelerado com queantigas colônias tornavam-se países independentes, conseguiuestabelecer as bases os dois Pactos de Direitos Humanos, asserem retomadas e elaboradas pela Assembléia Geral e sua IIIComissão. No dia 16-12-66 ela adotou e abriu à assinatura, rati-ficação e adesão ao Pacto de Direitos econômicos, sociais eculturais, O Pacto de Direitos Civis e Políticos e o ProtocoloFacultativo desse último. Com a adoção desses tratados gerais,adicionados à Declaração Universal de 1948, estava enfimcompletada a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

Com o passar do tempo passariam a conviver juntos inúmerosinstrumentos internacionais de proteção, de origens, natureza eefeitos jurídicos diferentes ou variáveis, oriundos de tratados eresoluções; de diferentes esferas de aplicação, globalizada ouregionalizada; distintos também quanto os seus destinatários oubeneficiários; e quanto a seu exercício de funções e a seus meca-nismos de controle e supervisão. Foi se formando lentamente umconjunto de regramentos, onde a unidade conceitual dos direitoshumanos veio a transcender tais diferenças, inclusive quanto àsdistintas formulações de direitos nos diversos instrumentos.

A variedade desses instrumentos, abarcados ao longo dos anoscomo respostas para as necessidades de proteção, e dotados debase convencional ou extra convencional, afigurou-se antescomo um reflexo do modo com que se aprimorou o caminhohistórico da internacionalização da proteção dos direitos huma-nos, com cenário de uma sociedade global descentralizada emque deveriam operar. As dificuldades históricas em possibilitarsegurança às pessoas, as conseqüências de uma centralizaçãoou hierarquização dos instrumentos de proteção não puderam,como ocorre ainda hoje, ser previstas, antecipadas ou propria-mente avaliadas. Porém, a multiplicidade de instrumentosglobais de proteção forma um todo harmônico, e a unidadeconceitual dos direitos do homem, todos inerentes à pessoahumana, veio a transcender as formulações distintas dos direi-tos consagrados em diversos instrumentos.

A Declaração Universal de 1948 abriu efetivamente caminhopara a adoção de sucessivos tratados e instrumentos internacio-nais de proteção dos direitos da condição humana, a operarhoje em base regular e permanente. Em nada surpreende que aDeclaração Universal viesse logo a ser tida como uma interpre-

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COAD SELEÇÕES JURÍDICAS DOUTRINAS

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tação autêntica e elaboração da própria Carta das NaçõesUnidas, dando assim conteúdo a algumas de suas normas. A au-toridade da Declaração de 1948, nesse sentido, fortaleceu-se,ao ser reconhecida como reflexo das normas de direito interna-cional consuetudinário; seus fundamentos basilares passaram aser vistos como correspondendo a princípios gerais de direito.

Junto a esse fenômeno da diversidade de meios e identidades depropósitos, existe a gradual superação de obstáculos clássicos,como a da pretensa competência nacional exclusiva ou domínioreservado dos estados, e a simultânea asserção da capacidade deagir dos órgãos de supervisão internacionais. Foi muito impor-tante o papel exercido pelo processo dinâmico de interpretaçãona evolução da proteção internacional dos direitos básicos dohomem. A formação da jurisprudência de distintos órgãos desupervisão veio a exibir, com efeito, convergente, ao enfatizar ocaráter objetivo das obrigações e a necessidade de realização doobjeto e propósito dos tratados ou convenções em questão. A inte-ração dos instrumentos de proteção estendeu-se também aoplano hermenêutico, dada sua identidade básica de propósito.

Esse fenômeno veio a revelar o caráter complementar dosinstrumentos globais e regionais de proteção, fortalecendo-semutuamente e acarretando a extensão ou ampliação da prote-ção devida às supostas vítimas. Afastou-se, desse modo, qual-quer pretensa rivalidade entre soluções no plano internacionale no plano local, fazendo-se uso do direito internacional, nopresente domínio, para ampliar, aprimorar e fortalecer a prote-ção dos direitos reconhecidos. O caráter complementar dosinstrumentos de direitos indispensáveis à vida digna no planoglobalizado e no plano mais restrito veio a refletir em últimaanálise a especificidade e a autonomia dos Direitos Humanos.

São inegáveis as indicações nesse sentido. Tem-se encontradouma fonte comum de inspiração na Declaração Universal paraos instrumentos de direitos inafastáveis de forma generalizadaem todo o mundo, cuja menção nunca esquecem de fazer.Passaram a mostrar-se essencialmente complementares uns dosoutros, os instrumentos internacionais de proteção desses direi-tos. Da ênfase tradicional da delimitação clássica de competên-cias, o foco de atenção voltou-se para a garantia de uma prote-ção em que primam interesses comuns superiores, considera-ções de ordem pública e a noção de garantia coletiva, nãopoderia ser de outra forma.

O ideal comum de todos os povos, consubstanciado na CartaInternacional dos Direitos Humanos cristalizou-se em defini-tivo pela materialização de múltiplos instrumentos de proteção,complementado ao longo dos anos por dezenas de outros trata-dos setoriais de proteção e de convenções regionais, e consa-grado ademais nas Constituições Nacionais de vários países.Reconhecido como um ideal comum esse conjunto de valores epreceitos básicos, consubstanciando em um conjunto denormas jurídicas, o próximo passo consistiu na consagração deum núcleo básico de direitos inderrogáveis, presentes nosdistintos tratados de direitos da plenitude do ser humano, dereconhecimento universal.

Entre as violações mais graves dos man’s law, passou a manifes-tar-se um consenso da virtual totalidade dos Estados do mundono sentido de fazer figurar, o genocídio, o apartheid e a discri-minação racial, a prática de tortura e a de desaparições forçadasde pessoas. Passou-se associar a proibição absoluta de taisviolações graves dos direitos vitais com a emergência e consoli-dação do jus cogens do direito internacional contemporânea.Tratava-se de claras indicações de um novo ethos, da fixação deparâmetros de conduta em torno de valores básicos universais,a serem observados e seguidos por todos os Estados e povos,tendo presente à nova dimensão das prerrogativas essenciais dohomem, a permear todas as áreas da atividade humana.

Referências à Declaração Universal de 1948 passaram a figurarna jurisprudência dos tribunais internacionais, inclusive daCorte Internacional de Justiça. Juntamente com os regramentos

sobre direitos do homem da Carta das Nações Unidas e desucessivos tratados e instrumentos globais de proteção. A De-claração Universal veio a servir de base à ação internacional dedireitos básicos do homem mostrando-se dotada, no planosubstantivo, de fundamentos e princípios básicos próprios,assim como um conjunto de normas a requerer uma interpreta-ção e aplicação de modo a conseguir a realização do objeto epropósito dos instrumentos de proteção. E, no plano operacio-nal, passaram a contar com uma série de mecanismos própriosde supervisão. Esse complexo jurídico em expansão veio,enfim, a configurar-se, ao final de muito tempo, como uma novadisciplina da ciência jurídica contemporânea, dotada de auto-nomia, o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

A Declaração Universal desde sua

edição até os dias atuais, conseguiu

uma projeção histórica sem simila-

res, com uma capacidade de

influenciar que seus mentores

nunca poderiam prever.

Além disso, a Declaração Universal também se projetou no direitointerno dos estados. O avanço proposto por ela influenciou muitasConstituições nacionais e serviu de modelo das legislações nacio-nais visando à proteção dos direitos desse naipe. Passou também aser invocada ante os tribunais nacionais de numerosas nações deinterpretar o direito convencional ou interno pertinente aos direi-tos vitais e a obter decisões. Objetivamente, ela tem contribuídodecisivamente para a incidência da grandiosidade dos direitos dapessoa humana no direito tanto internacional como no interno.As prerrogativas embutidas nos direitos que resguardam a digni-dade do homem conseguem habitar o pensamento dos que força-vam o represamento tradicional entre os ordenamentos jurídicosinternacional e o direito encontra-se em constante interação, embenefício de todas as pessoas.

Longe de se materializar de modo confinado, o Direito Interna-cional e o direito interno passaram efetivamente a ter pontos deintersecção, por força de regramentos em tratados de direitoshumanos, atribuindo expressamente funções aos órgãos doestado, assim como da abertura do Direito Constitucionalcontemporâneo aos direitos humanos globalmente consagrados.

Deixou-se de lado, no plano hierarquizado, o ultrapassadodebate acerca da primazia das normas do Direito Internacionalou do direito interno, por se mostrarem estes em constante inte-ração no presente domínio de proteção. Divorciado das alge-mas da doutrina clássica, o primado passou a ser da norma queprotegesse os direitos da pessoa humana, da norma mais favorá-vel aos prováveis prejudicados.

A Declaração Universal desde sua edição até os dias atuais,conseguiu uma projeção histórica sem similares, com umacapacidade de influenciar que seus mentores nunca poderiamprever. Isso ocorreu não em razão das pessoas que lhe redigiramo texto, ou a forma que recebeu, ou das circunstâncias de suaadoção; isso ocorreu porque gerações sucessivas de sereshumanos, de culturas distintas e em todo mundo, nela reconhe-ceram a “meta comum a alcançar” que aglutina aspiraçõesimportantes da vida humana. A comunidade das nações comoum todo deu a ela a dimensão que tem hoje.

Ainda resta um longo caminho a percorrer, mesmo com ossensíveis avanços somados no presente domínio de proteçãonos últimos anos. Até o presente, para nosso desgosto, ainda

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COAD SELEÇÕES JURÍDICAS DOUTRINAS

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não parece haver ser formado uma consciência da natureza eamplo alcance das obrigações convencionais contraídas emmatéria de proteção de direitos da condição humana, na maio-ria dos países que têm ratificado os tratados desta natureza.

A humanidade só terá sucesso

nesta empreitada quando houver o

fortalecimento das instituições vincu-

ladas à vigência plena dos direitos

humanos e do Estado de Direito.

Desta forma, ao ratificarem os tratados de direitos vitais, os Esta-dos que deles tomam parte, contraem, a par das obrigaçõesconvencionais atinentes a cada um dos direitos albergados,também obrigações gerais da maior importância, escritasnaqueles tratados. Uma delas é a de respeitar a assegurar arespeito dos direitos protegidos o que requer medidas positiva-das por parte dos países, e outra é a adequar o ordenamento jurí-dico interno à normativa global de proteção. Esta última requerque se adote a legislação necessária para dar efetividade para asnormas convencionais de proteção, suprindo prováveis lacunasno direito nacional, ou então que se alterem disposições legaisnacionais com o propósito de harmonizá-las com as normasconvencionais de proteção. Essas obrigações gerais, a seremdevidamente atendidas, implicam naturalmente o concurso detodos os poderes do país, de todos os seus órgãos e agentes.

Várias Constituições nacionais do nosso tempo, referindo-seexpressamente aos tratados de direitos humanos, concedem umtratamento especial ou diferenciado também no plano internoaos direitos humanos internacionalmente consagrados. A Cons-tituição Brasileira de 1988 não fugiu a regra. Em seu artigo 5, § 2ºdiz: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição nãoexcluem outros decorrentes do regime e dos princípios por elaadotados, ou dos tratados internacionais de que a Repúblicafederativa do Brasil seja parte”.

Através deste dispositivo, os tratados internacionais que definemdroits de l’homme têm aplicação imediata dentro de nossas fron-teiras, equiparados a direitos constitucionais consagrados. A in-tangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinadapela própria CF de 88, que inclusive proíbe expressamente atémesmo qualquer emenda que queira extingui-lo. A especifici-dade e o caráter especializados direitos humanos encontram-sedevidamente reconhecidos pela CF de 88.

Para os tratados internacionais em geral entrar em vigor noBrasil, precisam que o Poder Legislativo editem um ato confe-rindo força de lei ao regramento contido no texto dele. Contudoquando esse tratado fala de man’s law o artigo acima citado daCF de 88 dispensa esta formalidade.

Ao final dos últimos sessenta anos, presenciamos o processohistórico de gradual formação, consolidação, expansão e aper-feiçoamento da proteção global dos direitos humanos, confor-mando um direito de proteção dotado de especificidadeprópria: O Direito Internacional dos Direitos Humanos. A partirda Declaração Universal de 1948 e ao final do século XX, comrespostas às necessidades de proteção têm-se multiplicado ostratados e instrumentos de menschliche Rechte. A I ConferênciaMundial de Direitos Humanos representou, de certo modo, agradual passagem da fase legislativa, de elaboração dos primei-ros instrumentos internacionais de diritti dell’uomo, à fase deimplementação de tais instrumentos.

A II Conferência Mundial de Direitos Humanos procedeu a umareavaliação global da aplicação de tais instrumentos e das pers-

pectivas para o novo século, abrindo campo ao exame doexame do processo de consolidação e aperfeiçoamento dosmecanismos de proteção internacional de direitos humanos.Decorridos quatro anos desde a realização desta última Confe-rência encontram-se os órgãos internacionais de proteção dosdireitos humanos, neste final de século, diante de novos dilemase desafios, próprios de nossos dias.

Até o início dos anos noventa, no plano internacional, porexemplo, mais de trezentas cinqüenta mil denúncias revelandoum quadro persistente de violações de direitos humanos foramenviadas à ONU. Sob o Pacto de Direitos Civis e Políticos e seuProtocolo Facultativo, o Comitê de Direitos Humanos tinharecebido até abril de 1995, mais de seiscentas trinta mil comu-nicações, em 73% dos casos examinados concluiu que haviamocorrido violações de direitos humanos. O Comitê para a Elimi-nação de Todas as Formas de Discriminação Racial tinhaexaminado, e, suas duas primeiras décadas de operação 810relatórios dos Países membros. E o Alto Comissariado dasNações Unidas para os Refugiados, decorridas quatro décadasde operação do sistema, cuida hoje de mais de dezessetemilhões de refugiados em todo o mundo, a par do númeroconsiderável de deslocados internos nas mais distintas regiões.

Os tratados de direitos humanos da ONU possuem hoje o statusde “viga mestre” do sistema universal de proteção dos rechtenvan de mens, devendo ser abordos não de forma confinada ouengessada, mas relacionadas uns aos outros. Desde a II Confe-rência Mundial de Direitos Humanos, estamos longe de conse-guir a chamada ratificação universal das outras seis Convençõescentrais da ONU. Persiste ainda a disparidade entre os métodosde implantação global dos direitos civis e políticos, e dos direi-tos econômicos e culturais.

Dada a multiplicidade dos mecanismos internacionais do nossotempo de proteção dos derechos del hombre, a necessidade deuma coordenação mais adequada entre os mesmos tem-seerigido como uma das prioridades dos órgãos de proteção inter-nacional. Eles devem buscar bases e métodos adicionais deação para fazer frente às novas formas de violação dos direitosdo homem. A impunidade, por exemplo, verdadeiro mal quecorrói a credibilidade nas instituições públicas, é um embargoque ainda não foi superado.

A humanidade só terá sucesso nesta empreitada quando houvero fortalecimento das instituições vinculadas à vigência plenados direitos humanos e do Estado de Direito.

3. Referências bibliográficas

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitu-cional. São Paulo: Malheiros Editores, 1994;

FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de DireitoCivil. São Paulo: Malheiros Editores, 2004;

FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de DireitoCivil. São Paulo: Malheiros Editores, 1996;

REVISTA HISTÓRIA VIVA, Ano II, São Paulo, Junho/2005, nº 20;

REVISTA HISTÓRIA VIVA – GRANDES TEMAS REVOLUÇÃORUSSA, São Paulo, Outubro/2007, nº 18;

REVISTA AVENTURAS NA HISTÓRIA, São Paulo, Feve-reiro/2007, nº 42;

REVISTA AVENTURAS NA HISTÓRIA REVOLUÇÃO RUSSA 90ANOS, São Paulo, Outubro/2007, edição de colecionador;

REVISTA SUPERINTERESSANTE, Ano XX, São Paulo,Abril/2007, nº 238.

NOTA

1. Texto originalmente publicado na Revista Virtual da Advoca-cia-Geral da União, 75ª Edição, em abril de 2008.

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A RELEVÂNCIA DA POLÍTICA-CRIMINAL NA IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO:NOVOS ASPECTOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL BRASILEIRO

TATHIANA DE MELO LESSA AMORIMAdvogada Especialista em Direito Internacional e Penal com extensão universitária em Sourbonne

RESUMO: Assunto em voga, a imputação objetiva pretendesubstituir totalmente a relação de causalidade por uma relaçãojurídica axiológica entre conduta e evento. Pretende-se com opresente estudo colocar em definitivo a imputação objetiva nocampo da tipicidade, com ênfase no juízo valorativo através daconcepção teleológica-racional com a primazia da dignidadehumana.

1. Relação de causalidade e imputação objetiva

O vínculo de conhecimento entre a ação do agente e o resul-tado por ela produzido é o nexo de causalidade.1 Wessels(1976, p. 39) ao explicar o nexo de causal entre ação e resultadoafirma que a conduta humana pode estar ligada a certas conse-qüências socialmente danosas e que o tipo de injusto objetivosó se realiza quando entre ação e resultado subsista um nexo decausalidade e o resultado deva ser imputado ao causador.

Os crimes de resultado2 apresentam maior relevância à questãoda relação de causalidade. Nosso Código Penal determina noartigo 13 que: “o resultado, de que depende a existência docrime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Conside-ra-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teriaocorrido”.3 Segundo Júnior (1996, p. 26), nesse dispositivo hádois momentos para o juízo: em primeiro, verifica-se o elocausal entre conduta e evento, e em segundo, a valoração dessenexo em relação ao Direito.

Depreende-se desse dispositivo a adoção da teoria da equiva-lência das condições (conditio sine qua non), acolhida pelolegislador penal como consta da Exposição de Motivos doCódigo Penal:

“11. Seguindo o exemplo do Código italiano, o projetoentendeu de formular, no artigo 11, um dispositivo geralsobre a imputação física do crime. Apresenta-se aqui oproblema da causalidade, em torno do qual se multiplicamas teorias. Ao invés de deixar o problema às elucubraçõesda doutrina, o projeto pronunciou-se expressis verbis, acei-tando a advertência de Rocco, ao tempo da construçãolegislativa do atual Código italiano: “...adossare la respon-sabilità della resoluzione di problemi gravissimi alla giuris-prudenza à, da parte del legislatore, uma vegliaccheriaintellettuale” (Lav. Prep., IV, 2º, 117). O projeto adotou ateoria chamada da equivalência dos antecedentes ou daconditio sine qua non. Não distingue entre causa e condi-ção: tudo quanto contribui, in concreto, para o resultado écausa. Ao agente não deixa de ser imputável o resultado,ainda quando, para a produção deste, se tenha aliado à suaação ou omissão uma concausa, isto é, uma outra causapreexistente, concomitante ou superveniente. Somente nocaso em que se verifique uma interrupção de causalidade,ou seja, quando se sobrevém uma causa que, sem cooperarpropriamente com a ação ou omissão, ou representandouma cadeia causal autônoma, produz, por si só, o evento, éque este não poderá ser atribuído ao agente, a quem, em talcaso, apenas será imputado o evento que se tenha verifi-cado por efeito exclusivo da ação ou omissão.”

D’Ávila (2001, pp. 20-1) entende que a Exposição de Motivoscompreende a causalidade natural e a típica, ou seja, o resul-

tado naturalístico e a imputação normativa, haja vista a imputa-ção objetiva do resultado preocupar-se com a relevância jurí-dica da causalidade, sendo essa a atribuição típica da objetivi-dade como obra do próprio agente.

Toledo (1994, p. 113) afirma que a causalidade (ação e resul-tado) não é puramente naturalística, devendo ser valoradoconjuntamente como o elemento subjetivo do agente. A causa-lidade seria, portanto, aquela prevista, antecipada, visualizadaem mente pelo agente. Se na causa o agente não pode prever oresultado, esse não comete crime.

Os precursores da teoria da equivalência das condições foramJohn Stuart Mill, Glaser e von Buri. Para esses, causa é a condi-ção adequada, não havendo diferenciação entre os termos.Causa seria todo fator que não possa ser suprimido mental-mente sem que afaste o resultado, utilizando-se, para tanto, afórmula da eliminação hipotética (ou juízo hipotético de elimi-nação).

Wessels (1976, p. 43) ao mencionar o teria da adequação,afirma que um fazer ou omitir-se é, então, “condiçãoadequada” do resultado concreto quando aumentou a possibili-dade de sua ocorrência de modo geral (segundo a experiênciageral da vida). O nexo causal adequado será negado quando averificação do resultado baseia-se sobre uma corrente causalanormal e atípica, ou seja, sobre o elo totalmente não costu-meiro ou improvável de circunstâncias, com as quais não eramais de se contar segundo a experiência diária. Ao juízo deadequação devem ser agregadas aquelas circunstâncias queeram conhecidas ou objetivamente reconhecíveis no momentoe no lugar do fato e que pudessem ser previstas por um homemcriterioso situado no papel do autor, concluindo que a debili-dade dogmática da teoria da adequação situa-se em que elaregistra a luta contra a amplitude sem limites da teoria da condi-ção em lugar errado, negando o nexo causal, onde na realidade,é de se negar somente a relevância fundamentadora da respon-sabilidade, confundindo “causação” e “imputação” do resul-tado.

Para Jakobs (1997, p. 54) a fórmula da conditio sine qua non ésupérflua, um erro metodológico. Roxin (1997, p. 350)comunga do mesmo pensamento, afirmando ser a referidafórmula inútil, induzindo ao erro e levando ao regressus ad infi-nitum.

A fórmula da eliminação hipotética vem sido discutida pela“teoria da causa como condição conforme as leis naturais”,formulada por Engisch.

Fundamenta-se essa teoria na apreciação causal de critérios quepodem ser denominados de “lei causal ajustada ao nossoconhecimento experimental” ou “experiência geral ou de espe-cialistas”. A teoria simplifica a apreciação da causalidade eevita os erros decorrentes da aplicação da fórmula da elimina-ção hipotética (ROXIN, 1997, p. 358).

Tal teoria ainda se encontra em desenvolvimento no Brasil. Poressa razão procura-se, no ordenamento pátrio, limitar o alcanceda teoria da causalidade pela causalidade tipicamente rele-vante, quando os elementos da tipicidade (dolo e culpa) devemverificar aquilo que foi devidamente antecipado, previsto, vi-

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sualizado em mente pelo agente, pois se não o for, não há que sefalar em crime;4 pela causalidade hipotética, que na ausênciada ação do agente, essa seria praticada por outrem, da mesmaforma que fora praticada pelo agente;5 pela causalidade alterna-tiva, em que dois ou mais agentes realizam condutas indepen-dentes, as quais são capazes de provocar o resultado; e pelacausalidade por adiantamento, sendo que os efeitos da segundaação adiantam-se à primeira, interrompendo a progressãocausal por esta iniciada6 ( D’ÁVILA, 2001, pp. 25-33).

Bitencourt (2003, pp. 183-8) menciona as limitações doalcance da teoria da conditio sine qua non na localização dodolo e da culpa no tipo penal, pois qualquer conduta que nãofor orientada pelo dolo ou culpa encontra-se no âmbito doacidental, do fortuito ou força maior (onde não há crime); nascausas (concausas) absolutamente independentes, subdividin-do-as em condições preexistentes (causas que ocorrem antes daexistência da conduta), concomitantes (causas que ocorremsimultaneamente à conduta) e supervenientes (causas que ocor-rem posteriormente à conduta). Nesses casos, faz-se o juízohipotético de eliminação para a cabal verificação de que aconduta não contribuiu para a produção do evento.

Como limitação há ainda as causas relativamente independen-tes, sendo que essas auxiliam ou reforçam o processo causal(soma de esforços para o resultado), respondendo o agente peloresultado e a superveniência de causa relativamente indepen-dente que se encontra no artigo 13, § 1º, do Código Penal: “asuperveniência de causa relativamente independente exclui aimputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatosanteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.

Nesse dispositivo trata-se evidentemente de uma independên-cia relativa. A nova condição provoca um novo nexo de causali-dade (pode ser atividade humana ou acontecimento natural),sendo que essa nova condição determina “por si só” o resul-tado. O agente de fatos anteriores responde somente pelos seuscrimes que já tenham sido praticados e consumados.

A teoria da imputação objetiva é considerada nos dias atuaiscomo complemento à teoria do nexo causal, pertencendo aoplano axiológico. Esse pensamento dá-se pela crítica que a rela-ção de causalidade recebe, pois não explica os casos de causali-dade hipotética condizentemente, não incide sobre os delitosomissivos e não está adequada aos casos de tentativa.

2. A questão da imputação objetiva na tipicidade

O juízo de tipicidade é a operação intelectual de conexão entrea infinita variedade de fatos possíveis da vida real e o modelotípico descrito na lei. Se o resultado desse juízo for positivo, aconduta é típica; se negativo é atípica.

Zaffaroni (2004, pp. 422-3) nos aclara que o juízo de tipicidadecumpre uma função fundamental na sistemática penal. Sem elea teoria ficaria sem base, porque a antijuridicidade (ou ilicitude)deambularia sem estabilidade e a culpabilidade perderiasustentação pelo desmoronamento do seu objeto.

A tipicidade é decorrência do princípio da reserva legal,7 sendoaquela a correspondência entre o fato praticado pelo agente e adescrição de cada espécie de infração contida na lei penal incri-minadora. A conduta do agente deve subsumir-se na molduradescrita na lei.

Subdivide-se em tipicidade formal, sendo essa a justaposição daconduta ao tipo, sem qualquer juízo axiológico (ou valorativo);e material, pelo fato de ser materialmente lesivo a bem jurídicorelevante ou socialmente reprovável.

Na tipicidade material há a aplicação do princípio da adequa-ção social, e o princípio da ofensividade. O princípio da ofensi-

vidade (lesividade ou exclusiva proteção dos bens jurídicos)consiste na tipificação e punição de condutas que efetivamentecausem um dano direto a bem jurídico tutelado pela norma.Logo, deve estar configurado uma ofensa considerável e deter-minado interesse protegido.

O princípio da adequação social, por sua vez, conduz à tipifica-ção de condutas que tenham relevância social. Sendo assim,condutas toleradas socialmente não podem constituir delitos,não se revestindo de tipicidade. A tipicidade material (inseridano plano axiológico) é abarcada pelo desvalor da conduta e doresultado, sendo que o fato em si deve lesar efetivamente umbem juridicamente protegido. Determinado comportamentoque esteja previsto em uma descrição típica formal, porém irre-levante (materialmente), e que esteja adequada ao socialmentepermitido ou tolerado, não há que se falar em realização mate-rial da descrição típica, por faltar o conteúdo típico do injusto(JESCHECK apud Bitencourt, 2003, p. 17). A adequação socialé, antes de tudo, uma interpretação teleológica-restritiva dostipos penais, abarcando concepções de cunho político, social ejurídico, influindo diretamente na tutela dos bens jurídicos.

Escamilla (1992, pp. 71-8) admite a imputação objetiva noâmbito da tipicidade por considerar que a imputação seja umasuperação definitiva do dogma causal. Sancinetti (1997, p. 42)entende que a teoria objetiva do resultado é um conjunto deprincípios delimitadores e corretivos da tipicidade, especial-mente nos crimes de resultado.

A teoria constitucionalista do delito formulada por Gomes(2006, pp. 118-35), indica a imputação objetiva (utilizando ateoria dualista) na tipicidade material. O autor subdivide a tipi-cidade formal em: conduta voluntária (concepção clássica oucausalista, sem dolo ou culpa); conduta dolosa ou culposa(concepção finalista); resultado naturalístico (nos crimes mate-riais); o nexo de causalidade; e a adequação do fato à lei.

A tipicidade material é subdividida em: imputação objetiva daconduta, com a presença do desvalor da ação; resultado natura-lístico; imputação objetiva do resultado, com a presença dodesvalor do resultado; e a imputação subjetiva (nos crimes dolo-sos).

Comungamos do entendimento que a imputação objetiva estáinserida no âmbito da tipicidade. Cancio Meliá (1994, p. 65)explicita que para se encontrar a imputação objetiva é necessá-ria sua introdução na figura típica. Para Ordeig (1999, p. 55), oprecursor da doutrina da imputação objetiva em doutrinaspenais logo após a Segunda Guerra Mundial, na tipicidadeestão inseridos os planos ontológicos (ação e causalidade) eaxiológicos (dolo, elemento subjetivo, infração do dever decuidado), adepto do princípio da adequação social.

Para a configuração da tipicidade material seria necessáriotão-somente o juízo de desvalor da ação que é a valoraçãonegativa que se realiza em relação à conduta do agente; o juízode desvalor do resultado jurídico (ou normativo, aplicado oprincípio necessitas sine iniuria), pois não há crime sem lesãoou perigo de lesão a bem jurídico relevante; e a imputação obje-tiva do resultado.8

Bustos Ramírez (1994, p. 198) explicita que se consideradosomente o desvalor da ação, o Direito Penal se desprenderia doordenamento jurídico e passaria a ser prima ratio, desrespei-tando frontalmente o princípio da ultima ratio.

Prado aponta para quatro requisitos à configuração do desvalordo resultado jurídico, quais sejam: a) resultado concreto ou real:que não se coaduna com o perigo abstrato, pois o agente deveafetar de modo concreto bens jurídicos de terceiros; b) resultadotranscendental: pois só é relevante o resultado que afeta tercei-

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ras pessoas ou interesses de terceiros (princípio da alteridade);c) resultado grave ou significativo: não há resultado jurídicorelevante quando ele é insignificante (princípio da insignificân-cia); e d) resultado intolerável: não se aceita a conduta toleradasocialmente (PRADO, 2002, p. 280).

Depreende-se da análise que se houver a presença do terceiro equarto requisitos o fato deve ser tido por materialmente atípico.

3. Imputação objetiva do resultado

3.1. Origem e conceito

Aristóteles (1991, p.79) centrou-se nas categorias ontológicaspara explicar a imputatio. Imputa-se àquele que voluntaria-mente fez uso de sua liberdade natural (nekusión) com ou semânimo de praticar determinado delito.

O filósofo Hegel (1990, p.111) entende que um fato só pode serimputado ao agente como responsabilidade da vontade, assimcomo acontece no juízo teleológico, pois o fato encontra-sevinculado aos propósitos do agente.9

Pufendorf (apud Prado, 2002, pp. 21-6) adepto do direito natu-ral racionalista, nos aclara o que venha a ser o conceito deimputação. Imputativitas é o fato da ação pertencer ao agentequando for expressão de sua livre autodeterminação (consciên-cia e vontade); a imputatio é a valoração do acontecimento(juízo); a entia moralia são as leis estruturais; e a entia physicaque são as leis da natureza e os fatores psíquicos.

Nas leis estruturais (mundo da cultura), não há obediência àsleis naturais; segue-se a lei da liberdade que cria significados,sentidos e valores (havendo a valoração da ação). A entiaphysica é subdividida em momento material, sendo esse omovimento corporal posterior à modificação causal (resultado),os atos do intelecto e da vontade. O momento formal é a deter-minação livre, não havendo ainda a valoração da ação (imputa-tivitas).

Para Larenz (apud Prado, 2002, pp. 30-4) a ação não contém avontade do agente. Essa vontade deve ser vista por um conceitode finalidade objetivo e as conseqüências acidentais podem setransformar em fato próximo do agente e a ele imputável. Sendoassim, imputa-se ao agente não somente o que era conhecido equerido pelo agente, mas também o que era conhecido e passí-vel de ser abarcado pela vontade.

Honig (apud Prado, 2002. pp. 34-8) enfatiza a imputação obje-tiva do resultado. Utiliza a vontade, previsibilidade do agente ea finalidade objetiva. O juízo de imputação objetiva seria ojuízo axiológico (valorativo) da relação de causalidade paracom o ordenamento jurídico. Examinam-se as capacidadespotenciais do homem, perguntando sempre se o sujeito podiacom o seu comportamento realizar ou evitar o resultado.

Para a imputação objetiva somente é imputável aquele resul-tado10 que pode ser finalmente previsto e dirigido pela vontade.Logo, exige-se a vontade humana para a criação de um riscojuridicamente relevante (ou juridicamente desvalorado) delesão típica a um bem jurídico. Para Wessels (1976, p. 40), obje-tivamente imputáveis são somente aquelas conseqüências dofato que se baseiam em uma corrente causal jurídi-co-penalmente relevante, pois para esse autor, para o direitopenal o importante não é só a relação de causa e efeito, mas ofato do resultado socialmente danoso ser imputado ao autor sobo atendimento da possibilidade de realização humana, como“obra sua”.

O conceito de imputação objetiva do resultado de Jeschech(1993, p. 258) aduz que só pode ser objetivamente imputávelum resultado causado por uma ação humana (no sentido dateoria da condição), quando a mesma cria para o objeto prote-

gido uma situação de perigo juridicamente proibida e o perigomaterializa-se no resultado típico.

Wessels (1976, p. 41) nos aclara que segundo a teoria da condi-ção, fundada por Glaser e introduzida por von Buri, causa étoda condição de um resultado que não pode ser mentalmenteeliminada sem que o resultado também o seja em sua manifesta-ção concreta.

3.2. Critérios normativos

É cediço que a imputação objetiva do resultado utiliza-se decasuísmos, bem como do método indutivo11 para uma possíveloperação intelectual.

Na década de 70 do século XX, Roxin formulou critérios norma-tivos os quais seriam introduzidos na imputação objetiva tantopara os delitos dolosos quanto culposos, para isso desenvolveua concepção teleológico-racional.

O funcionalismo teleológico-racional12 entende que o dever sernão pode ser deduzido do ser, mas basear-se em premissasnormativas. O injusto penal é a proteção do indivíduo e da so-ciedade, a garantia da liberdade dos cidadãos diante de reaçõesdesproporcionadas do Estado. O injusto é a realização de umrisco não permitido para um bem jurídico-penal na esfera doalcance do tipo (evitação de riscos para o indivíduo e a socie-dade).

Para Roxin (1997, p. 221) o crime é composto pela tipicidade,antijuridicidade e responsabilidade. A tipicidade deve serformal e material para a configuração da imputação, sendo quea conduta do agente deve criar um risco proibido e esse riscodeve se concretizar no resultado jurídico. Na antijuridicidadedevem ser resolvidos conflitos a bens jurídicos e na responsabi-lidade há dois pressupostos, quais sejam, a culpabilidade e anecessidade, que consiste nos fins de prevenção geral e especialdo delito.13

Os critérios normativos delineados por Roxin que se identificamcom o nosso ordenamento jurídico-penal são: diminuição dorisco, criação ou não-criação de um risco juridicamente rele-vante, aumento do risco permitido, âmbito de proteção danorma, compreensão do resultado no âmbito de proteção danorma e realização do plano do autor.

Tavares (2000, p. 224) entende que:

“Embora a base funcional da fundamentação desses crité-rios possa ser contestada porque tem em vista que o injustodecorre, na verdade, da violação a deveres de organizaçãoe não de realização de uma conduta que ultrapasse oslindes da intervenção estatal, podem eles mereceracolhida, na falta de outros indicadores, desde que subor-dinados às condições pessoais do sujeito e de sua liberdadecontextual. Isto significa que o processo de imputaçãoobjetiva deve ser visto como um recurso adicional a recu-perar a função do sujeito na realização do injusto, elimi-nando de seu âmbito aqueles acessórios absolutamentecontingentes, pelos quais esse mesmo sujeito se veria si-tuado como mero objeto das propostas incriminadoras. Namedida em que esses critérios possam acentuar essa suafunção central delimitadora, segundo o princípio da inte-gridade racional da ordem jurídica, serão válidos comocritérios normativos.”

3.2.1. Diminuição do risco

Não há imputação objetiva quando o sujeito age com o intuito(leia-se fim) de diminuir o risco de maior dano ao bem jurídico.Reduz-se a intensidade do risco de dano. O efeito é a atipici-dade da conduta.

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Exemplo: “A” atira uma pedra na direção da cabeça de “B”, comintenção de matá-lo. O arremesso pela forma de execução éfatal. “C” desvia a pedra com as mãos, vindo esta a atingir “D”,causando-lhe lesões corporais. Subsiste a tentativa de homicí-dio de “A” contra “B”, mas não há incriminação de “C” contra“D”, pois a interferência de “C” diminuiu o risco à vida “B”. Háatipicidade de “C” pois este não queria ferir “D” (ROXIN, 2002,p. 58).

3.2.2. Criação ou não-criação de um risco juridicamente rele-vante

A criação de um risco não permitido configura o desvalor daação e a materialização deste risco configura o desvalor doresultado, logo, há imputação. O risco deve ser desaprovado enão um risco tolerado (onde há a atipicidade). No risco toleradohá a aplicação da teoria da adequação social, onde se buscaafastar a intervenção penal das condutas sociais toleradas so-cialmente (ROXIN, 1989. pp. 751-2).

Exemplo: O proprietário de um bar vende bebida alcoólica aum freguês, que, sob o efeito de embriaguez, dirige de formaperigosa, vindo a matar culposamente um transeunte. O donodo bar não responde pelo evento morte, pois o risco criado porele é socialmente tolerado (permitido), ainda que desconfiasseque o tomador de bebida alcoólica viria a dirigir veículo deforma perigosa.

3.2.3. Aumento do risco permitido

Há imputação objetiva quando o sujeito aumenta o risco jáexistente ou ultrapassa os limites do risco juridicamente tole-rado. É a teoria do incremento do risco.

Exemplo: Na Alemanha, um industrial fabricante de pincéis depêlo de cabra chinesa, que exigia, na confecção, tratamentocom desinfetante, sob pena de contração da doença e morte dosempregados. Um dia, morreram quatro funcionárias, tendo emvista que o dono da fábrica não lhes tinha providenciado odesinfetante. A ausência do tratamento com o desinfetanteaumentou o risco de dano às operárias. Já havia risco de pericu-losidade do material, aumentada sua intensidade pela condutaomissiva do industrial (ROXIN, 1989, p. 758)

3.2.4. Âmbito de proteção da norma

O sujeito não responde pelas conseqüências secundárias epelos danos indiretos ou resultados que não se encontram naextensão da incriminação da figura típica. O resultado lesaobjeto que se encontra fora da esfera de proteção da normaincriminadora. Afasta-se a imputação nos casos de autolesão,de provocação de suicídio e de produção de um segundo danoque são tidas por conseqüências secundárias (ROXIN, 1989,p. 759).

Exemplo: A mãe, ao tomar conhecimento da morte do filho poratropelamento culposo, sofre um colapso cardíaco e morre.A conduta do motorista atropelante é típica em termos de crimeculposo no trânsito. O segundo resultado (a morte da mãe davítima), deve ser considerado atípico, pois essa morte não seencontra no âmbito de incriminação da norma penal, ou seja,no artigo 302 do Código de Trânsito, que só aceita a tipicidadedos eventos diretos.14

3.2.5. Compreensão do resultado no âmbito de proteção danorma

Quando alguém cria um risco não permitido para um bem jurí-dico protegido e esse perigo se realiza, a imputação deve serrechaçada quando contraria esses princípios: a) princípio daautonomia da vítima. Exemplo: Um viciado entrega ao seuamigo também viciado, droga e seringa. Ele aplica em si mesmoa substancia tóxica, sofre uma overdose e morre. Não há impu-

tação, pois a ingestão da droga é ato próprio e responsável doviciado. É a orientação atual da jurisprudência alemã, pois avítima tinha o dever de evitar afetações em si mesma, não injetara droga ou injetá-la em dose menor. Roxin entende que sóhaverá imputação nesse caso se a vítima se encontrava em si-tuação de incapacidade intelecto-volitiva. b) atribuição doresultado a diversos âmbitos de responsabilidade: quandoalguém assume a responsabilidade de evitar o resultado, aqueleque inicialmente a detinha deixa de ser responsável, caso essese produza por meio de ação de outrem. Exemplo: “A” dirigindode forma imprudente ocasiona um acidente. Seu acompa-nhante “B” que tem a perna fraturada nesse acidente é levado aum hospital e morre em razão de uma intervenção cirúrgicarealizada com imperícia pelo médico “C”. Ao ser o pacienteconduzido ao hospital e atendido pelo médico, entra na esferade responsabilidade deste, que cria e realiza um risco para suavida. O acidente não gerou um risco para a vida do transeunte,mas sim a intervenção médica. “C” responde pela morte de “B”(ROXIN, 1989, pp. 761-4).

3.2.6. Realização do plano do autor

Entende a imputação à esfera do dolo (intenção). É um critériointermediário entre a teoria da concreção (que sustenta a rele-vância do erro em todo caso e a existência da tentativa) e ateoria da igualdade de valor (hipótese de delito doloso consu-mado).

Exemplo: “A” quer matar “B” com um tiro e após atingi-lo comum disparo, supõe erroneamente que a vítima, inconsciente,esteja morta e a lança em um rio com o propósito de ocultar ocadáver, morrendo “B” afogado. Para Roxin, se presente o dolodireto há imputação por homicídio consumado, já que, apesarde lograr o resultado pretendido por caminho diverso do inicial-mente imaginado, o autor tinha a finalidade de matar e seuplano se concretizou. (ROXIN, 1989, p. 766). Esse critério écriticado por ser muito amplo e vago, devendo ser precisado emcada caso concreto.

4. Política-criminal e dignidade da pessoa humana

Roxin pretende superar a concepção dualista de von Liszt. Paratanto, utiliza-se de uma concepção sistemática global. Parte-seda frase de von Lizst (apud Roxin, 2000, p. 01) de que “o direitopenal é a barreira intransponível da política criminal”. Essa frasecaracteriza de um lado o direito penal como ciência social e deoutro como ciência jurídica, haja vista que:

À política criminal assinalava von Liszt os métodos racio-nais, em sentido social global, do combate à criminalidade,o que na sua terminologia era designado como a tarefasocial do direito penal, enquanto ao direito penal, nosentido jurídico do termo, competiria a função libe-ral-garantística de assegurar a uniformidade da aplicaçãodo direito e a liberdade individual em face da voracidadedo Estado Leviatã (ROXIN, 2000, pp. 02-3).

Roxin com o intuito de superar a concepção de von Liszt asse-vera para o princípio da reserva legal15 para a proteção da liber-dade do indivíduo em face do arbítrio ilimitado do poder esta-tal, dando ênfase a uma abordagem técnico-jurídica, não entre-gue ao acaso e ao arbítrio (diletantismo). Reconsidera a práxispela decisão adequada ao caso concreto, além de considera-ções político-criminais16 com independência de construçõesconceituais.

Para o autor, o positivismo como teoria jurídica caracteriza-va-se por banir da esfera do direito as dimensões do social e dopolítico. A crítica ao finalismo dá-se, pois no entendimento doautor não mais de acredita em soluções deduzidos de conceitos

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sistemáticos superiores, menosprezando a capacidade dapráxis de tais categorias (ROXIN, 2000, pp. 09-10). Um sistemahermético como o finalismo isola a dogmática das decisõesvalorativas político-criminais, ou seja, da realidade social, poisquando da interpretação de tipos em consonância ao ideal posi-tivista-liberal não alcança soluções claras ou aceitáveis. A solu-ção, portanto, deve ser procurada teleologicamente, através dobem jurídico protegido (ROXIN, 2000, pp. 23-6).

A tarefa da lei não se limita somente às funções garantísticasdelineadas por von Lizst. Entre tais tarefas estão os problemaspolítico-criminais que constituem o conteúdo próprio da teoriado delito:

“Fica claro que o caminho correto só pode ser deixar asdecisões valorativas político-criminais introduzirem-se nosistema do direito penal, de tal forma que a fundamentaçãolegal, a clareza e a previsibilidade, as interações harmôni-cas e as conseqüências detalhadas deste sistema nãofiquem a dever nada à versão formal-positivista de prove-niência lisztiana (ROXIN, 2000, p. 20).”

A construção teleológica de Roxin inicia-se com o princípionullum crimen, por esse postulado possuir a função de proteçãoe de instrumento de regulação social. Ênfase é dada ao Estadode Direito e Social como forma de corroborar a tripartição docrime. O Estado de Direito e Social não são opostos, mascompõem uma unidade dialética na visão do autor. Uma ordemjurídica sem justiça social não é um Estado de Direito material, etampouco pode utilizar-se da denominação Estado Social umEstado planejador e providencialista que não acolha as garan-tias de liberdade do Estado de Direito (ROXIN, 2000, p. 20).

Na tipicidade, o tipo está sob a influência da idéia de determina-ção legal (nullum crimen sine lege certa). Sendo que o princípiodo nullum crimen assevera uma interpretação restritiva querealize a função constitucional e a natureza fragmentária dodireito penal. Para isso são necessários princípios regulativoscomo a adequação social, sendo esse um auxílio de interpreta-ção para restringir formulações literais que abranjam comporta-mentos socialmente toleráveis e o princípio da insignificância,que permite excluir de plano as lesões de bagatela (ROXIN,2000, p. 47).

A antijuridicidade é o âmbito da solução social de conflitos, ocampo no qual interesses individuais conflitantes ou necessida-des sociais globais entram em choque com as individuais(ROXIN, 2000, pp. 60-1); a culpabilidade importa-se muitomais com a questão normativa de como e até que ponto épreciso aplicar a pena a um comportamento em princípio puní-vel. Para isso, vale-se da função limitadora da pena, comoconsiderações de prevenção geral e especial (ROXIN, 2000,p. 67). O dever do intérprete limita-se a tomar as consideraçõeslegislativas dos fins da pena como parâmetro da descoberta dodireito, na utilização concretizadora das normas legais e nodesenvolvimento cauteloso da dogmática da culpabilidadepelos espaços deixados em aberto pelo direito vigente (ROXIN,2000, pp. 95-6).

Conclusões

Depreende-se do estudo que a imputação objetiva visa separar

a causalidade daquilo que é tido como obra do agente; que a

tipicidade e antijuridicidade correspondem a níveis axiológicos

distintos; e que a imputação objetiva do resultado encontra

ponto de efetividade com a tipicidade, com os princípios da

adequação social, da ofensividade (ou lesividade) e da insignifi-

cância, pois somente as transformações cotidianas possibilitam

a concretização de determinadas medidas que permitam uma

solução correta sob o prisma da realidade social, adaptada às

peculiaridades do caso concreto.

O funcionalismo teleológico-racional, legado do neokantismo(com as devidas reformulações), abarca as decisões valorativaspolítico-criminais no sistema do direito penal. Com vistas a umEstado de Direito e Social, Roxin acolhe uma modalidadedogmática que tome partido na vida social, a serviço de todos osindivíduos, em respeito ao princípio da dignidade humanacomo postulado material a priori.

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NOTAS:

1. Trata-se da strafrechtliche Kausalehre (teoria jurídico-penal dacausalidade em Maurach).

2. Entendidos esses como crimes materiais, sendo que o tipomenciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção paraa consumação.

3. A primeira parte do dispositivo limita-se aos crimes de resul-tado.

4. Filia-se a essa limitação Francisco de Assis Toledo.

5. Filia-se a essa limitação Günther Jakobs.

6. Filia-se às duas últimas limitações Claus Roxin.

7. Feuerbach, no século XIX, consagrou o princípio da legali-dade. Ferrajoli distingue o princípio da legalidade em lata eestrita. Enquanto o axioma da mera legalidade se limita a exigira lei como condição necessária da pena e do delito (nullumcrimen, nulla poena sine lege), o princípio da legalidade estritaexige outras garantias para a necessária condição da legali-dade (nulla lex poenalis sine necessitate, sine injuria, sineactione, sine culpa, sine judicio, sine accusatione, sine proba-tione, sine defensione). Cf. FERRAJOLI, Luigi. Derecho yRazón: teoría del garatismo penal. Madrid: Trotta, 1997.

8. Seguindo o posicionamento de Frisch. Cf. FRISCH, Wolfgang.Tipo penal e imputación objetiva. Madrid: Colex, 1995.

9. O entendimento mais próximo da imputação objetiva doresultado.

10. Trata-se do resultado normativo (ou jurídico), correspondendoà lesão ou perigo de lesão a um bem tutelado juridicamenterelevante (princípio da lesividade ou ofensividade).

11. Entende-se por método indutivo quando se parte de casosconcretos de verdades particulares para verdades gerais.

12. Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general. Madrid:Civitas, 1997; ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputaçãoobjetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002;ROXIN, Claus. Política-criminal e sistema jurídico-penal. Riode Janeiro: Renovar, 2000.

13. Prevenção geral é a idéia da intimidação e a ponderação daracionalidade do ser humano. Consoante essa teoria, aameaça da pena produz no indivíduo uma motivação para nãose cometer infrações. Roxin entende que tão-somente aprevenção geral não é capaz de dar “poderes” ao Estado paraaplicar sanções jurídico-penais, além de não conseguir estabe-lecer necessários limites para os resultados que essa atividadeestatal traz consigo. A prevenção especial, por sua vez,procura evitar a prática do delito, dirigindo-se ao agente emparticular para que esse não se torne reincidente. Para essateoria, o delito não é apenas a violação à ordem jurídica, mas,sobretudo, um dano social.

14. O exemplo foi adaptado ao nosso ordenamento jurídi-co-penal.

15. Desde os tempos de Feuerbach que a prevenção de ameaçarealizada pelo princípio nullum crimen é considerado funda-mento basilar da política criminal.

16. Kriminalpolitische Zweckmäßigkeit

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MEIO AMBIENTE E MERCOSUL: CONSIDERAÇÕESFUNDAMENTAIS ACERCA DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA1

VANESSA DE SOUZA PEREIRAAdvogada e Consultora Jurídica – Especialista em Direito Ambiental –

Pós-Graduanda em Bioética pela Universidade Federal de Lavras (UFLA)

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Homem e o Meio Ambiente:uma interface natural 3. Meio Ambiente e Mercosul: considera-ções fundamentais 4. Conclusão 5. Referências Bibliográficas.

1. Introdução

Decorridos mais de um século e meio da Carta do Cacique indí-gena Seattle,2 da tribo Duwamish, ao Presidente dos EstadosUnidos da América seus ensinamentos permanecem hoje comoum dos maiores desafios do século XXI: a preservação do meioambiente.

Afinal, desde o surgimento do homem, no Planeta Terra, a natu-reza vem sofrendo enorme transformação em seu equilíbrionatural devido à ação predatória do homem e seu comporta-mento integral, que do século passado até hoje vem crescendoem larga escala proveniente dos avanços tecnológicos, do usodesenfreado dos recursos naturais e do crescente desenvolvi-mento urbano a todo custo.

Como resposta a tal atitude devastadora nos deparamos com aocorrência de catástrofes em grandes proporções, como torna-dos nos EUA em grande escala, ciclones no continente asiático,chuvas torrenciais na Venezuela, inundações nos pampasargentinos, tempestades de granizo, secas na Amazônia.

Vemos hoje, uma verdadeira corrida contra o tempo para que oser humano possa garantir sua sobrevivência no Planeta Terra,deparando-nos todos os dias com uma vasta gama de informa-ções através dos veículos de telecomunicações sobre a impor-tância da preservação do meio ambiente.

Assim, a partir do momento em que a ação humana predatórialeva o homem a refletir sobre sua visão antropocêntrica,passando a preocupar-se com suas ações, entendendo que elefaz parte da natureza como vemos na teoria evolucionista deDarwin3 e na Teoria de Gaia de Lovelock,4 surge uma novaconcepção filosófica: homem-natureza.

Destarte, surge a ética ambiental, proveniente da própriaconduta humana em relação à natureza, decorrente da cons-cientização ambiental e do conseqüente compromisso perso-nalíssimo.

Através dessa consciência ambiental, vemos presente em todasas épocas da história, manifestações individuais ou sociaisacerca da preservação ambiental.

Levando-se em conta a ordem globalizada que reina as relaçõesmundiais, diversos Estados incluíram a proteção internacionaldo meio ambiente em suas agendas, tanto na esfera doméstica,como na esfera das relações internacionais.

Os governos dos países membros do Mercosul preocupadoscom a proteção do meio ambiente buscaram estabelecer umapolítica comum de proteção ambiental dentro do processo deintegração regional, promovendo, deste modo, uma união quenão vise apenas o mercado comercial, mas sim o intercâmbiode experiência dos povos em várias esferas.

O presente trabalho busca colaborar para uma melhor visãoacerca da efetiva necessidade de preservação do meio am-biente, em especial o meio ambiente sul-americano, em inter-

face aos ensinamentos da Carta do Cacique indígena Seattle, datribo Duwamish, ao Presidente dos Estados Unidos da América,que é uma lição inesgotável de amor à natureza e à vida.

2. O Homem e o Meio Ambiente: Uma Interface Natural

Desde os tempos mais remotos, em que o homem surgiu noPlaneta Terra, nos deparamos com suas ações de devastação domeio ambiente.

O que antes era envolvido por um escopo de sobrevivência,hoje, com os avanços da globalização, é revestido por umaintenção de desenvolvimento a todo custo e ambições desmedi-das.

Nesse contexto, destacamos o seguinte texto:

“(...) O grande chefe de Washington pode acreditar no queo chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossosirmãos brancos podem confiar na mudança das estações doano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalide-cem.

Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra?Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do arou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós?Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Todaesta terra é sagrada para o meu povo. (...)”

Torna-se retórico, para os dias de hoje, o conteúdo da Carta5 doCacique indígena Seattle, da tribo Duwamish, ao Presidente dosEstados Unidos da América. De modo que nós, homens civiliza-dos, passamos por uma total reflexão de nossas atitudes bárba-ras, contradizendo toda lógica racional de seres racionais dota-dos de intelecto ético-morais.

Acaba sendo intrigante para nós, nos depararmos com os ensi-namentos proferidos nesta carta cerca de mais de cento ecinqüenta anos após sua elaboração, bem como refletirmossobre sua mensagem e percebermos que de nada adiantounossas ousadias e descobertas se não soubermos respeitar anatureza, preservando conseqüentemente, nossa sobrevivênciano planeta.

Com o passar dos anos, o ser humano foi percebendo que nãoadianta ser detentor de cidades modernas, criador de diversosavanços tecnológicos que desafiam a própria ciência se não fordetentor de um meio ambiente saudável capaz de permitir suasobrevivência na Terra.

Nesse sentido utilizamos as palavras da doutrinadora brasileira,Maria Garcia, onde em uma de suas obras diz que a ética, hoje,vem encontrando uma preocupação constante, em uma acir-rada busca de saída para o problema fundamental da complexasociedade contemporânea – a convivência humana – permi-tindo a harmonização entre o Eu e o Nós, Ciência e Consciên-cia, Conhecimento e Moral.6

Assim, sob o enfoque de sobrevivência humana, vemos ohomem refletir sobre sua ação predatória, revendo sua visãoantropocêntrica em contrapeso a teoria evolucionista deDarwin e a Teoria de Gaia de Lovelock, onde o homem entende

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que ele faz parte da natureza, de modo que esta e aquele fazemparte de uma interface natural onde vivem em harmonia.

Embasado nesse pensamento, surge uma nova concepção filo-sófica proveniente da própria conduta humana em relação ánatureza, decorrente da conscientização ambiental e do conse-qüente compromisso personalíssimo: a ética ambiental.

É através desta que vemos resultados favoráveis à preservaçãodo meio ambiente e, conseqüentemente, a melhoria da quali-dade de vida, vendo as ações intersociais passando a ser dire-cionadas à causa da preservação da vida global.

No entanto, de nada adianta falar em ética ambiental ou cons-cientização ambiental se estas idéias não forem além debrilhantes ideologias presentes somente nas falácias de nossosgovernantes e estudiosos do tema.

Precisamos é refletir sobre essa ética global em interface com ofuturo, analisando como esta consciência ecológica pode levara uma nova direção política.

Reportamo-nos a mais um trecho da carta do Cacique Seattlepara melhor refletirmos sobre a importância da preservação domeio ambiente:

“(...) O ar é precioso para o homem vermelho, porque todosos seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores,homens. Não parece que o homem branco se importe como ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível aomau cheiro.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o ho-mem branco deve tratar os animais como se fossem seusirmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa serde outra forma (...)”

Conforme podemos ver, através de tais palavras, o meio am-biente é essencial e indispensável para a qualidade de vidahumana, fator este que ensejou a inserção do tema meio am-biente na esfera de proteção internacional do Direito Interna-cional dos Direitos Humanos.7

Quando o Cacique Seattle menciona em sua carta as conse-qüências que a destruição do meio ambiente podem acarretar,ele não está profetizando o imaginável e sim prevendo o óbvio,que é a destruição do Planeta e as conseqüências que o desen-volvimento a todo custo pode causar.

Sua atitude não é contrária ao nosso modo de vida, mas sim asnossas prioridades, de modo que o desenvolvimento é algonatural para nós e conseqüentemente correto, errôneo é priori-zar o desenvolvimento em prol do bem-estar.

Seguindo essa linha de raciocínio surge o desenvolvimentosustentável, criado pela Comissão Mundial sobre Meio Am-biente e Desenvolvimento das Nações Unidas para discutir epropor meios de harmonizar o desenvolvimento econômico e aconservação ambiental.

Vale destacar que a essência do desenvolvimento sustentável,conforme menciona a doutrinadora brasileira Marise Costa,surgiu pela primeira vez na Declaração de Estocolmo em 1972,em razão da percepção, por parte dos países industrializados dadegradação ambiental causada pelo crescimento econômicoao lado da progressiva escassez dos recursos naturais, ondevíamos surgir problemas ambientais globais urgentes que susci-tavam a cooperação dos países numa perspectiva global.8

Nesse liame, torna-se relevante mencionar que dentre os diver-sos tratados referentes à proteção ambiental no cenário interna-cional, foi esta Conferência que impulsionou a conclusão deuma série de tratados internacionais nos últimos tempos, relati-vos à temática, posto que seus 26 princípios tiveram como obje-

tivo inspirar e guiar os povos do mundo na preservação e namelhoria do meio ambiente.9

No entanto, foi 20 anos após esta Conferência – durante aConferência do Rio de Janeiro de 1992 – ECO 92 – que oconceito do Desenvolvimento Sustentável foi definitivamenteincorporado como um princípio, sendo definido como o desen-volvimento capaz de garantir as necessidades do presente semcomprometer a capacidade das gerações futuras de atenderemas suas necessidades.

E foi, ainda, durante esta Conferência que foram traçadas metasa serem seguidas pela comunidade internacional que se encon-trava preocupada com o aumento da destruição do meio am-biente, bem como com o uso indiscriminado dos bens não reno-váveis da natureza e com a ocorrência de grandes catástrofesambientais localizadas, que tiveram uma destacada repercus-são nas relações internacionais.

Durante essa Conferência foi negociada e assinada umaConvenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, ondeos governos reconheceram que essa Convenção-Quadro pode-ria ser propulsora de ações mais energéticas, no futuro, a respe-ito dos chamados gases causadores de efeito estufa, proporcio-nando, conseqüentemente, a adoção de compromissos adicio-nais em resposta às mudanças no conhecimento científico e nasdisposições políticas, mediante um processo permanente derevisão, discussão e troca de informação.10

Dentre as quatro Conferências realizadas sobre a temáticadestacamos o Protocolo de Quioto – COP-3 que tem por finali-dade obter a diminuição das emissões de gases de efeito estufaespecialmente dos países desenvolvidos, relacionados aoAnexo 1 da Conferência Quadro de 1992.11

Nesse liame os governos dos países membros do MERCOSULenvoltos com essa relação entre a dimensão ambiental e econô-mica, buscam implementar algumas diretrizes no sentido deproteger a integridade do meio ambiente sul-americano, em umcontexto de livre comércio e consolidação da união aduaneira.

3. Meio Ambiente e Mercosul: Considerações Fundamentais

Avultamos o seguinte trecho da Carta do Chefe Seattle para abrireste capítulo:

(...) Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si osdesertos. Suas cidades são um tormento para os olhos dohomem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homemvermelho um selvagem que nada compreende. Não sepode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nemlugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem naprimavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por serum selvagem que nada entende, o barulho das cidades éterrível para os meus ouvidos. (...)

Nesse liame, o Mercado Comum do Sul, Mercosul, criado em1991 pelo Tratado de Assunção e firmado pelos Governos daRepública Federativa do Brasil, República da Argentina, Repú-blica Oriental do Uruguai e república do Paraguai, preocupa-dos com essa nova consciência ecológica, devido ao fato docontinente sul-americano ser detentor de uma das maioresdiversidades físicas, biológicas e climáticas de todos os conti-nentes versou sobre a matéria ambiental desde sua criação.

Assim, o Preâmbulo do Tratado de Assunção12 afirma que osdenominados Estados Partes entendem que a ampliação dosseus mercados nacionais, através da integração, deve ser alcan-çada mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursosdisponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramentodas interconexões físicas, a coordenação de políticas macroe-conômicas e a complementação dos diferentes setores da

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economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibili-dade e equilíbrio.

Faz jus reportar que o Mercosul possui como seus associados asRepúblicas do Chile, da Bolívia, do Equador e do Peru e que aofim do ano passado incorporou mais uma Nação Sul- Ameri-cana ao rol dos Estado Parte do bloco: a Venezuela.13

A Declaração de Canela, firmada em fevereiro de 1992 entre osEstados Partes do Mercosul mais a República do Chile, pode serconsiderado o primeiro documento acerca da proteção do meioambiente desde o Tratado de Assunção que não versava especi-ficadamente sobre a temática.

Assim, os países do Cone Sul estabeleceram uma posiçãoconjunta em detrimento da preservação do meio ambienteaprovando a Resolução nº 22/92 que criou a Reunião Especiali-zada em Meio Ambiente (REMA).

As funções da REMA eram a análise de legislação vigente emmatéria ambiental dos Estados Partes do Mercosul, e a propostade ações de proteção ambiental, através de recomendações aoGrupo Mercado Comum.

Durante a primeira Reunião de Ministro do Meio Ambiente doMercosul, em junho de 1995, foi aprovada a Declaração deTaranco.

Nesta reunião, além de reforçar o marco institucional para otratamento da temática ambiental e avigorar a necessidade desua inclusão no mais alto nível de discussão reconheceu-se otrabalho desenvolvido pela REMA e colocou fim ao seu exercí-cio através da Resolução Mercosul GMC nº 20/95, que reestru-turou o Grupo Mercado Comum, criando o Subgrupo de Traba-lho nº 6 – ( SGT-6) Meio Ambiente.

Através da Resolução GMC nº 38/95 foi estabelecida o mandatodo Subgrupo nº 6, que estabeleceu que seu objetivo geralconsiste em formular e propor estratégias e diretrizes que garan-tam a proteção e a integridade do meio ambiente nos EstadosPartes, em um contexto de livre comércio e consolidação daunião aduaneira.

Dentre as medidas adotadas pelo Subgrupo faz jus destacar aRecomendação nº 4/97, que foi aprovada pelo Conselho doMercado Comum em 22 de junho de 2001 através da Decisãonº 2/01, e entrou em vigor em junho de 2004.

Essa decisão do CMC aprovou o Acordo Marco sobre MeioAmbiente do Mercosul, no qual os Estados Partes reafirmaramseu compromisso com os princípios da Declaração do Rio de 92sobre meio ambiente e desenvolvimento, tendo como objetivoo desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambientemediante a articulação das dimensões econômicas, sociais eambientais contribuindo para uma melhor qualidade do meioambiente e da vida da população.14

Posteriormente, em 2004, por Decisão do CMC foi aprovado oProtocolo Adicional ao Acordo Marco sobre Meio Ambiente eMercosul em matéria de Cooperação e Assistência ante asEmergências Ambientais com o fim de regulamentar a ações decooperação e assistência ante as emergências ambientais.

Vale mencionar que o Subgrupo de Trabalho nº 6 se reúne duasvezes por semestre em torno da pauta ambiental do Mercosul,onde aborda questões como cooperação, competitividade e meioambiente, sistema de informação ambiental, gestão de produtos esubstâncias químicas dentre outros temas ligados à temática.

Entre os dias 16 e 18 de Abril do corrente ano, em Buenos Aires,ocorreu a 44ª Reunião Ordinária deste Subgrupo de Trabalho, oSGT-6, com participação do Ministério do Meio Ambiente,onde foram discutidos três temas específicos: o Sistema Global

Harmonizado de Classificação e Rotulagem de SubstânciasQuímicas (GHS); a implementação da Estratégia Mercosul deLuta contra a Desertificação, a Degradação da Terra e os Efeitosda Seca e a implementação do Plano de Ação em Produção eConsumo Sustentável no Mercosul.15

É mister destacar que além desses tratados de proteção ambien-tal da região sul-americana o Mercosul firmou 2 acordos comterceiros países sobre a temática, sendo tais: o Acordo MarcoInter-regional de Cooperação entra a Comunidade Européia eseus Membros e o Mercosul e seus Estados Partes, em 1995 e oEntendimento de Cooperação em Matéria de Comércio e inver-são entre o Canadá e o Mercosul, em 1998.16

Dessa forma, ao pensarmos em Mercosul, não devemos pensarapenas na questão ambiental regional, mas sim, na questãoglobal e no paradigma do desenvolvimento sustentável.

4. Conclusão

Como podemos ver, o ser humano dotado de suas ambições embusca de desafiar sua própria natureza, indo sempre além doslimites vislumbrados para suas descobertas, através de suasações é incapaz de dar primazia aos valores essenciais queresguardam a qualidade de vida.

Essa atitude humana, que prioriza o desenvolvimento em prolda qualidade de vida é a principal responsável pelas mudançasclimáticas, pela finitude dos recursos naturais não-renováveis epela poluição dos demais recursos renováveis.

Assim, o que mais temíamos começou a acontecer e numabusca de preservação da nossa espécie o ser humano temrevisto suas atitudes e dado maior importância aos assuntosligados à temática ambiental.

Dentro desse contexto a comunidade internacional tem enfo-cado com mais veemência a relação entre meio ambiente edesenvolvimento, destacando para reger o binômio desenvolvi-mento econômico social a eqüitativa e equilibrada relação quedeve prevalecer entre a dimensão ambiental e a econômica.

O processo de integração latino americano, Mercosul, versousobre a temática ambiental desde sua criação e ao longo de suaexistência criou estratégias e diretrizes para garantir a proteçãoe a integridade do meio ambiente nos Estados Partes, em umcontexto de livre comércio e consolidação da união aduaneira.

Dessa forma, através das palavras de amor tanto pela naturezacomo pela vida do Cacique Seattle e com o intuito de refletir-mos acerca da temática, analisando nossas ações, de modo arevermos nossos conceitos com a finalidade de preservar omeio ambiente tanto para as presentes, quanto para as futurasgerações reportamos ao seguinte trecho da Carta:

“(...) Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a

amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca

esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com

toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conser-

va-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a

todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus.

Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco

pode evitar o nosso destino comum."

Assim, ao refletirmos sobre a Carta do Chefe Seattle mensura-mos os valores nela intrínsecos que ecoam em nossas mentes,posto que o ser humano é capaz de evitar que o planeta sofraainda mais com o aquecimento global se reestruturar suas atitu-des levando em conta os valores morais que perfazem o con-ceito de ética ambiental através de suas ações em interface como desenvolvimento sustentável.

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5. Referências Bibliográficas

DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: direitofundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003.

DOMINGUES, Leyza Ferreira. A influência do Meio Ambientena União Sul-Americana: a consolidação de uma novavertente da integração. Disponível em: <http://www.pla-nalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_77/artigos/Leyza-rev77.htm> Acesso em: 20 de Abr. 2007.

GARCIA, Maria. Limites da Ciência: a dignidade da pessoahumana: a ética da responsabilidade. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2004.

JUNGES, José Roque, Ética Ambiental. São Leopoldo, RS:Editora Unisinos, 2004.

JÚNIOR, Antônio de Jesus da Rocha Freitas. Consideraçõesacerca do Direito Ambiental do Mercosul. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4448>Acesso em: 22 Abr. 2007.

Kishi, Sandra Akemi Shimada, Silva, Solange Teles da e Soares,Inês Virgínia Prado Soares (Org.) Desafios do Direito Am-biental no Século XXI: estudos em homenagem a PauloAffonso Leme Machado. Editora Malheiros, 2005.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência,glossário. 4ª ed. re., atual. e ampl. São Paulo: Editora dosTribunais, 2005.

MOSER, Antônio e Soares, André Marcelo M. Bioética: doconsenso ao bom senso. Petrópolis: Vozes, 2006.

PEREIRA, Vanessa de Souza. Revista Advocacia Dinâmica: Sele-ções Jurídicas. Rio de Janeiro: COAD, outubro de 2006.

Revista Konrad Adenauer Stiftung. Políticas Ambientais noMercosul e as Experiências da Integração Européia.Debates. Ano: 1995, nº 8.

Revista Médio Ambiente en el Mercosur. Relevamiento 001/06.Uruguay, Editado Por la Secretaría del Mercosur, 2006.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed.São Paulo: Editora Malheiros, 2002.

NOTAS:

1. Texto adaptado e atualizado da palestra proferida no IEncontro Internacional Latino Americano de Direito, Socie-dade e Cultura, Rio de Janeiro 26 a 28 de Julho de 2007.

2. O Governo dos Estados Unidos, em 1854 tentou convencer ochefe indígena, Seattle, a vender suas terras, que comoresposta enviou uma carta ao Presidente da época, FranklinPierce. Essa carta ficou conhecida como um importante docu-mento que merece reflexão, pois através de suas linhas o Chefeindígena expressou uma das maiores declarações de amor avida e a natureza até hoje já vista.

3. A Teoria evolucionista de Darwin versa sobre a origem da raçahumana. Essa defende que a raça humana tem origem nomesmo ancestral dos grandes macacos e evolui como todos osdemais seres viventes.

4. A Teoria de Gaia de Lovelock, em síntese, defende que a Terra,Gaia, é um ser vivo que pulsa em vida plena com todos os seus

seres, inclusive, com os seres humanos em igualdade decondições, e com o meio ambiente. (JUNGES, José Roque,Ética Ambiental. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004.p. 46)

5. Vale destacar que há várias controvérsias em torno doconteúdo da Carta do Cacique Seattle. Existem várias versões,informações e até mesmo debates acerca do tema, segundo oartigo da Revista Prologue encontrado no site do ArquivoNacional dos Estados Unidos da América. Disponível em:< h t t p : / / w w w . a r c h i v e s . g o v / p u b l i c a t i o n s / p r o-logue/1985/spring/chief-seattle.html> Acesso em: 6 jun. 2007.Os trechos referentes à Carta do Cacique Seattle que constamnesse artigo foram extraídos de uma das versões da Carta doCacique, salvo o último, que se reporta a outra versão. Carta doCacique Seattle. Disponível em: < http://www.cultura-brasil.org/seattle1.htm > Acesso em 23 abr. 2007.

6. Garcia, Maria. Limites da Ciência: a dignidade da pessoahumana: a ética da responsabilidade. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2004.

7. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito InternacionalPúblico: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos tribunais(IELF), 2004. pp.173/174.

8. Duarte, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: direitofundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003. p. 163.

9. PEREIRA, Vanessa de Souza. Revista Advocacia Dinâmica:Seleções Jurídicas. Rio de Janeiro: COAD, Outubro de 2006.p. 40.

10. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ªed. São Paulo: Editora Malheiros, 2002. p. 66.

11. Esses países que integram o Anexo 1 do Protocolo de Quioto,cerca de 41 países mais os que integravam a União Européia,contribuem com cerca de 55% das emissões de gases de efeitoestufa. (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitu-cional. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2002. p. 67 )

12. Disponível em: <http://www.mercosur.int/msweb/por-tal%20intermediario/pt/index.htm> Acesso em: 15 mai. 2007.

13. Vale destacar que nem todos os países integrantes do Blocoratificaram a adesão da Venezuela em seus ordenamentosinternos. Esta adesão já foi aprovada pelo Uruguai, Argentina epela própria Venezuela, faltando apenas a aprovação do Brasile do Paraguai. No entanto, vale destacar que a Comissão deRelações Exteriores e Defesa Nacional aprovou no dia24-10-2007 a ratificação do protocolo de adesão da Vene-zuela ao Mercosul assinado em Julho de 2006. Ressalta-se,entretanto, que no ordenamento jurídico brasileiro o referidopedido de adesão é um projeto de decreto legislativo que iráser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça e Cida-dania (CCJ) e posteriormente irá para discussão e votação noPlenário. Tal votação foi incluída pela Câmara na pauta de2008, devido a função legislativa e as prioridades definidas pelasúltimas semanas do ano legislativo em 2007. Disponível em:<http://www.abin.gov.br/modules/articles/article.php?id=1452> Acesso em: 11 de maio de 2008.

14. Revista Médio Ambiente en el Mercosur. Relevamiento001/06. Uruguay, Editado Por la Secretaría del Mercosur.

15. Disponível em: < http://www.ambienteemfoco.com.br/?p=7982> Acesso em: 10 Mai. 2008.

16. Revista Médio Ambiente en el Mercosur. Relevamiento001/06. Uruguay, Editado Por la Secretaría del Mercosur.

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PANORAMA

GESTÃO E MARKETING JURÍDICO

INOVAÇÃO NA ADVOCACIA –A ESTRATÉGIA DO OCEANO AZUL NOS ESCRITÓRIOS JURÍDICOS

Ari Lima *

“Um empreendimento comercial tem duas –e só duas – funções básicas: marketing e

inovação. O resto são custos”.Peter Drucker

Diferenciação em produtos e serviços, criação de novosprocessos de atendimento, descoberta de novas deman-

das, novas necessidades de clientes, achar setores não atendi-dos, tudo isto pode significar uma vantagem competitiva paraum profissional no setor jurídico.

No livro A Estratégia do Oceano Azul, escrito pelo sul-coreanoCham Kim e a professora francesa Renée Mauborgne (Ed.Campus/Elsevier), sucesso editorial do momento, os autoresapresentam uma das mais eficazes estratégias de mercadoatuais, que pode ser adaptada à gestão da carreira de um profis-sional da área jurídica.

A idéia central que norteia esta estratégia é possibilitar que aempresa ou o profissional possam descobrir ou inventar seupróprio ambiente de negócio, pois neste caso, nadarão livresnum oceano azul, sem concorrentes. Portanto a base destaestratégia é a inovação.

Os autores defendem que é fundamental o profissional parar deolhar apenas para os concorrentes e começar a pensar em opor-tunidades alternativas de mercado, em que sua competênciaserá útil, a partir de um diferencial que tenha e que seja únicopara um determinado grupo de clientes.

Comece este processo fazendo um conjunto de perguntas a simesmo, aos sócios, aos clientes e ao mercado em geral.

Questionando o próprio negócio

• Existem necessidades não satisfeitas no mercado jurídico?Quais são elas?

• Que novos produtos ou serviços que poderei oferecer aosmeus clientes?

• Como posso me diferenciar no mercado?

• Como posso utilizar a internet como uma importante ferra-menta de promoção profissional?

• Como posso utilizar a internet como um meio de prestarnovos serviços aos meus clientes e de agregar valor aos servi-ços que já ofereço?

• Quais são as novas tendências de mercado no setor jurídico?

• Que serviços meu público alvo gostaria de está recebendo eque nenhum outro concorrente está oferecendo?

• Quais são os problemas que meus clientes e outros iguais aeles têm que meu escritório poderia ajudar a resolver?

• Quais são os produtos, serviços, informações e profissionaisescassos no setor jurídico?

• Posso utilizar novas tecnologias ou novos equipamentoseletrônicos para fornecer serviços diferenciados a meusclientes?

• O que é mais importante para meu cliente? Preço, atendi-mento, comodidade ou prazo?

É preciso entender que a qualidade das respostas depende daqualidade das perguntas. Devemos procurar fazer as perguntascertas para podermos encontrar resposta adequada à melhoriado nosso negócio.

Buscando a inovação através do Brainstorming

Utilize o Brainstorming, ou ”tempestade de idéias”, que é umaimportante ferramenta utilizada na gestão da qualidade total,para responder as perguntas mencionadas.

O Brainstorming funciona da seguinte maneira: faça umareunião com mais pessoas para responder a todas estas pergun-tas. Peça a cada participante que sugira o maior número possí-vel de soluções para cada pergunta num determinado espaço detempo (por exemplo, 30 minutos para cada pergunta). Depoisdeste prazo recolha todas as sugestões apresentadas.

Descubra competências alternativas,

pois seu concorrente não é apenas

quem faz a mesma coisa que você,

mas também quem fornece serviços

alternativos ao seu.

Certifique-se de que todos possam opinar livremente, semidéias pré-concebidas. Esta é a grande vantagem do Brainstor-ming, as mentes das pessoas ficam livres para propor soluçõesas mais livres e inovadoras possíveis. É daí que surgem muitasidéias geniais.

Organize o material apresentado pelos participantes dareunião. Em seguida realize outra reunião, com o objetivo deanalisar os dados coletados, adaptando-os ou modificando-os,se necessário. Normalmente a partir de reuniões de Brainstor-ming surgem muitas inovações.

Como resultado deste processo seu escritório criará uma novavitalidade. Muitas idéias surgirão neste momento, e outras fica-rão latentes para aflorarem em momentos futuros. Mas certa-mente você iniciará um processo de busca de soluções quemudará definitivamente sua maneira de encarar seu negócio.

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Montando a estratégia do oceano azul

Esta teoria foi baseada no estudo de muitos movimentoscompetitivos de empresas e pessoas de sucesso ao longo dosanos. Os autores notaram fatores em comum utilizados porempresas ou pessoas de sucesso, e a partir daí montaram suametodologia.

A seguir os quatro passos desta estratégia:

1º – analisar suas competências, suas qualidades positivas enegativas;

2º – descobrir como está sendo percebido no mercado;

3º – montar seu plano tático estratégico de carreira;

4º – comunicar este plano ao mercado.

1º – Analisar as competências

O primeiro passo é descobrir suas principais competências emrelação às necessidades de mercado, e criar um gráfico compa-rativo entre onde você está e aonde precisa chegar.

Observar fatores como:

• Comunicação interpessoal;

• Capacidade de liderança;

• Domínio de outra língua;

• Conhecimentos técnicos;

• Capacidade de inovação;

• Formação como MBA ou Pós-Graduação.

Nesta fase, é preciso relacionar estas competências, fazer acomparação entre onde está em relação a aonde precisa chegar,e destacar aquelas competências que precisa desenvolver.

2º – Como está sendo percebido no mercado

Nesta fase, o profissional precisa ir a campo para descobrircomo está sendo percebido pelo mercado. Como é percebidopelos seus concorrentes, pelos sócios, pelos colegas de traba-lho, pelos seus clientes? É nesta fase que se pode descobrircoisas importantes para montar a estratégia. A partir de suapercepção do mercado e de como as pessoas avaliam a utili-dade de seus serviços.

Descubra onde está seu talento,

qual o seu ponto forte.

Pode-se utilizar nesta fase outra ferramenta elaborada peloscriadores da Estratégia do Oceano Azul, “o modelo das seisfronteiras”, que é o seguinte:

Descubra competências alternativas, pois seu concorrente nãoé apenas quem faz a mesma coisa que você, mas também quemfornece serviços alternativos ao seu. O teatro é alternativo aocinema, que é alternativo a ler um livro, que é alternativo a assis-tir televisão.

Examine os profissionais estratégicos na área jurídica, que têmdiferenças fundamentais e estão se destacando, estude estasdiferenças.

Analise sua cadeia de clientes e extrapole a definição conven-cional de cliente, buscando novas pessoas ou empresas quepodem ser clientes de suas competências.

Estude a oferta de competências complementares. Segundo osautores, o oceano azul geralmente se oculta em produtos ouserviços complementares aos oferecidos hoje.

Descubra onde está seu talento, qual o seu ponto forte. Será aárea técnica, gestão de pessoas, a criatividade, ou outra caracte-rística que pode se tornar fundamental num contexto empresa-rial?

Examine as tendências de mercado. Existem mudanças externasocorrendo que podem afetar sua carreira, e podem tambémcriar oportunidades.

3º – Monte sua estratégia

Agora vamos para o terceiro passo, monte sua estratégia. Elaserá baseada em um conjunto de táticas, ou idéias práticas e defácil aplicação. Idéias muito complexas e complicadas tambémsão difíceis de serem implantadas.

Por exemplo, você pode resolver que precisa melhorar seu rela-cionamento interpessoal, sua capacidade de negociação, suahabilidade para escrever artigos, como parte da estratégia paratornar-se um profissional destacado e único em seu foco demercado. Apresente estes atributos que pretende desenvolverao mercado, e esteja atento para descartar aqueles que nãodespertem atenção especial em seus futuros “juízes”, os clien-tes.

4º – Comunique este plano ao mercado

Agora que você já conhece sua condição profissional atual,suas competências e a distância entre onde você está e aondeprecisa chegar, pode montar seu plano estratégico e comuni-cá-lo ao mercado. Nesta fase analise quatro aspectos essenciaisde suas qualidades pessoais e profissionais em relação aomercado, fazendo as seguintes perguntas:

1. quais atributos devem ser eliminados para tirar você dooceano vermelho e ajudá-lo a conquistar o oceano azul;

2. quais atributos você pode manter, apesar de estarem abaixodos padrões de mercado;

3. quais qualidades devem ser elevadas bem acima dos padrõesde mercado;

4. quais atributos ou qualidades não disponíveis no mercadoque eu devo criar.

Em seguida comece a divulgar a nova estratégia. Ela devenortear todas as decisões de sua carreira e de seu negócio, desdeuma mudança na sociedade, localização, ampliação do escritó-rio, ou até um investimento em desenvolvimento pessoal eprofissional.

O conjunto de todos os conceitos e ferramentas apresentadosanteriormente constitui “a estratégia do oceano azul” no setorjurídico, e pode ser implantado facilmente na gestão de carreirae no escritório de qualquer profissional. É uma maneira eficazde gerir a carreira, promover sua imagem e desenvolver seumarketing pessoal e profissional. Esperamos que a forma comoforam apresentados estes conceitos possa ajudar muitos profis-sionais que pretendem superar o “oceano vermelho” em que seencontram a alcançarem seu “oceano azul”.

* Empresário – Escritor – Consultor especialista em marketing pessoal egestão de carreira

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PANORAMA

OPINIÃO –CRISE INTERNACIONAL E NEO-INTERVENCIONISMO

Paulo Márcio Reis Santos*

Em 22 de outubro foi publicada a Medida Provisória nº 443,

que autorizou o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica

Federal (CEF) a constituírem subsidiárias e adquirirem a partici-

pação em instituições financeiras sediadas no Brasil. O presi-

dente do Banco Central e o Ministro da Fazenda justificaram a

MP em decorrência da retração internacional do crédito que

exigiu medidas para a ampliação da oferta de divisas, expansão

da liquidez no mercado interbancário e o incentivo da compra

de carteiras de crédito de bancos de pequeno e médio porte.

Sem sombra de dúvidas,

a MP 443 representa um

neo-intervencionismo estatal.

Diante da crise internacional, a polí-

tica neoliberal dá espaço para a

adoção de medida que permite a esta-

tização das instituições financeiras.

As aquisições poderão ocorrer por meio de incorporação socie-

tária ou de ações, aquisição e alienação de controle acionário

ou qualquer outra forma de participação societária prevista em

lei. Na exposição de motivos da MP consta que essa política

econômica de intervenção não é novidade, pois já existe autori-

zação semelhante concedida à Petrobras (Lei nº 9.478/97).

Cabe observar que o contexto da intervenção prevista pela Lei

nº 9.478/97 é completamente distinto da prevista pela MP 443.

A faculdade concedida à Petrobras decorreu do Programa

Nacional de Desestatização da década de 1990, sem qualquer

relação com a atual crise internacional do subprime.

Sem sombra de dúvidas, a MP 443 representa um

neo-intervencionismo estatal. Diante da crise internacional, a

política neoliberal dá espaço para a adoção de medida que

permite a estatização das instituições financeiras. O governo

defende que a MP tem por finalidade igualar as condições de

concorrência dos bancos públicos com as instituições privadas,

nacionais e internacionais, num eventual processo de consoli-

dação do sistema financeiro nacional. Além disso, garante a

oportunidade de fortalecimento dos bancos públicos minimi-

zando o impacto das turbulências sobre o sistema financeiro

brasileiro. As atuais regras impedem que a CEF e o BB atuem em

eventual processo de consolidação do sistema financeiro. Para

o governo, essa restrição reduz a concorrência entre potenciais

investidores e impede a expansão dos bancos federais.

No regime de economia de

mercado, as concentrações empresa-

riais capazes de limitar ou de qual-

quer forma prejudicar a livre concor-

rência ou resultar na dominação de

mercados relevantes de bens ou

serviços devem ser submetidas aos

órgãos de defesa da concorrência.

No regime de economia de mercado, as concentrações empre-

sariais capazes de limitar ou de qualquer forma prejudicar a

livre concorrência ou resultar na dominação de mercados rele-

vantes de bens ou serviços devem ser submetidas aos órgãos de

defesa da concorrência. No Brasil, a fiscalização compete ao

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Em

relação ao setor bancário até pouco tempo havia controvérsia

quanto à competência do Cade ou do Banco Central (BC) para

julgar atos de concentração de instituições financeiras. A polê-

mica foi solucionada em agosto de 2007 quando o Tribunal

Regional Federal da 1ª Região decidiu que as fusões e incorpo-

rações no setor bancário devem passar pela aprovação tanto do

BC quanto do Cade.

Como a MP 443 não restringe a aquisição pelo BB e a CEF de

carteiras de crédito podres, em que pese a crise internacional, as

autoridades de defesa da concorrência deverão ficar atentas às

concentrações no setor financeiro, para evitar que uma medida

visando a solução do problema de liquidez no mercado bancá-

rio nacional enseje a monopolização estatal em prejuízo da

livre concorrência e dos consumidores. Como a MP depende da

aprovação do Congresso Nacional, é importante que os parla-

mentares delimitem o prazo de vigência da possibilidade de o

BB e a CEF adquirirem participação em instituições financeira.

* Advogado; Mestrando em Direito Econômico pela UFMG; Professoruniversitário.

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ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

� HC 88240-4 SPDJE 24-10-2008

DIREITO PROCESSUAL – HABEAS CORPUS – PRI-SÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL – PACTO DESÃO JOSÉ DA COSTA RICA – ALTERAÇÃO DEORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF –CONCESSÃO DA ORDEM.

1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve atemática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositárioinfiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posteriorao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacio-nal.

2. O julgamento impugnado via o presente habeas corpusencampou orientação jurisprudencial pacificada, inclusive noSTF, no sentido da existência de depósito irregular de bensfungíveis, seja por origem voluntária (contratual) ou por fontejudicial (decisão que nomeia depositário de bens penhorados).

Esta Corte já considerou que “o depositário de bens penhora-dos, ainda que fungíveis, responde pela guarda e se sujeita aação de depósito” (HC nº 73.058/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa,2ª Turma, DJ de 10-5-96). Neste mesmo sentido: (HC71.097/PR, Rel. Min.Sydney Sanches, 1ª Turma, DJ 29-3-96).

3. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos DireitosCivis Políticos (artigo 11) e da Convenção Americana sobreDireitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (artigo 7o,7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A essesdiplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado olugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo daConstituição, porém acima da legislação interna. O statusnormativo supralegal dos tratados internacionais de direitoshumanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislaçãoinfraconstitucional com ele conflitante, seja eIa anterior ouposterior ao ato de ratificação.

4. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direitobrasileiro, é a do devedor de alimentos. O artigo 5o, § 2º, daCarta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos egarantias expressos no caput do mesmo dispositivo nãoexcluem outros decorrentes do regime dos princípios por elaadotados, ou dos tratados internacionais em que a RepúblicaFederativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da CostaRica, entendido como um tratado internacional em matéria dedireitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, apossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conse-qüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil dodepositário infiel.

5. Habeas corpus concedido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministrosdo Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presi-dência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade daata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade

de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do votoda relatora.

Brasília, 7 de outubro de 2008.

Ellen Gracie – Relatora

RELATÓRIO

A Senhora Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpusimpetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça, que dene-gou outro writ anteriormente aforado perante aquela Corte, emacórdão assim ementado (fls. 170/171, do apenso):

“PROCESSUAL CIVIL – HABEAS CORPUS – DEPOSI-TÁRIO INFIEL DE BENS PENHORADOS EM EXECUÇÃOFISCAL – PRISÃO – POSSIBILIDADE – INAPLICABI-LIDADE DO REGIME DE DEPÓSITO CONTRATUAL DEDIREITO PRIVADO.

1. Em se tratando de bens fungíveis, não se pode confundiro seu depósito judicial decorrente de penhora com o seudepósito voluntário decorrente de contrato. Com efeito,caracteriza-se como depósito irregular o contrato queimporta a entrega de coisa fungível, obrigando-se o deposi-tário a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade equantidade, sujeito às disposições que regulam o contratode mútuo (CC, artigo 645). Em casos tais, confere-se aodepositário a faculdade de dispor dos bens objeto docontrato como se fossem seus, circunstância que, segundoa jurisprudência consagrada no STJ, torna inadmissível autilização da ação de depósito, bem assim a cominação dapena de prisão, em caso de descumprimento do contrato.

2. É inteiramente diversa a situação em se tratando de depó-sito judicial de bem penhorado em ação de execução, cujadisciplina deve amoldar-se a natureza e à finalidade dapenhora, que é seu pressuposto. A penhora, “ato executivoque afeta determinado bem à execução, permitindo suaulterior expropriação, e torna os atos de disposição de seuproprietário ineficazes em face do processo” (Araken deAssis), tem como efeitos principais (a) a concentração daresponsabilidade pela satisfação do débito sobre determi-nados bens, individualizados e afetados à demanda execu-tória; (b) a conservação dos bens penhorados, mediante seudepósito e, se for o caso, administração; (c) a ineficáciarelativa dos atos de disposição; (d) a reorganização daposse; (e) a perda do direito de fruição, traduzida nos limi-tes impostos ao uso e gozo da coisa, cuja subtração, supres-são, destruição, dispersão ou deterioração constitui ilícitopenal (artigo 179 do CP).

3. Na conformação desse conjunto de medidas restritivasao poder de disposição do executado, destinadas a conser-var o bem no interesse da pretensão executória, não faz alei qualquer distinção entre coisas fungíveis ou infungíveis,devendo, em ambos os casos, abster-se o depositário dequalquer ato tendente a dissipar a garantia da execução.

4. Assim, “tem-se que as coisas móveis penhoradas, aindaque objetivamente possam ser fungíveis por suas qualida-des intrínsecas (...), são tratadas, por força da lei, como

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coisas infungíveis, tanto assim que ela exige que sejamcaracterizadas, o que abrange a identificação do imóvelonde ficarão depositadas, não podendo o depositáriodispor delas, senão com autorização judicial. São, pois,coisas fungíveis objetivamente, mas tratadas, legal eportanto necessariamente, como coisas infungíveis, ou,como sustentam outros, coisas fungíveis com designaçãoespecífica, o que afasta a caracterização desse depósitocomo depósito irregular. Cabível, pois, a prisão civil dodepositário infiel, em se tratando de penhora, como técnicaprocessual de coerção aplicável” (HC 81.813/GO, Turma,Min. Moreira Alves, DJ de 11-10-2002). Precedentes doSTJ.

5. E, em se tratando de bens depositados por força depenhora, dispensa-se, nos termos da Súmula 691/STF, oajuizamento da ação autônoma de depósito para decreta-ção da prisão, exigindo-se, porém, que seja expressa aassunção do encargo pelo depositário (Súmula 304/STJ).

6. No caso dos autos, o depositário, tendo assumidoexpressamente tal encargo, deixou de atender à ordem deapresentação ao juízo de títulos ao portador penhoradosem execução fiscal.

Está, assim, autorizado o decreto de prisão civil como meiocoercitivo para o cumprimento do dever de restituir oobjeto do depósito. Registre-se, ainda, ser duvidosa acaracterização dos referidos bens como fungíveis, por setratar de títulos individualizados e identificados pornúmero de série.

7. Ordem denegada."

Sustenta, em síntese, o impetrante que o paciente se encontra naiminência de ser preso em razão de decreto de prisão civilproferido no bojo de execução fiscal. Nos autos respectivos,houve penhora de cheques de viagem (traveller’s checks), bensfungíveis, sendo que em outro caso idêntico os mesmos julga-dores consideraram que as regras aplicáveis eram do contratode mútuo (e não de depósito).

Ademais, observa que, com base no Pacto de São José da CostaRica, não há mais a possibilidade da prisão civil do depositárioinfiel. Da mesma forma, houve decurso do prazo prescricionalrelacionado à pretensão de cobrança da dívida, o que pode serreconhecido a qualquer tempo.

Registra, ainda, que o acórdão impugnado é nulo por violaçãoao inciso IX do artigo 93, da Constituição da República, além dacircunstância de o paciente ser idoso e, por isso, deve eventual-mente cumprir a prisão em regime domiciliar.

Requer a concessão da ordem para o fim de ser cassado odecreto de prisão civil, ou ao menos que seja concedido oregime domiciliar de prisão.

2. Houve decisão concessiva da medida liminar requerida(fls. 17/25).

3. Informações prestadas pelo Superior Tribunal de Justiça(fl. 37) e pelo Tribunal Regional Federal da 3a Região (fl. 54).

4. Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentidoda concessão parcial do habeas corpus para deferir o regime deprisão domiciliar ao paciente (fls. 199/206).

É o relatório.

VOTO

Senhora Ministra Ellen Gracie – (Relatora): 1. A matéria emjulgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordena-

mento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso doPacto de São José da Costa Rica no direito nacional.

No julgamento colegiado do writ no âmbito do STJ, conside-rou-se admissível a prisão civil do depositário judicial, sendoque o foco da discussão se resumiu na natureza do vínculocontratual existente (se contrato de depósito ou contrato demútuo).

2. Observo que o julgamento impugnado via o presente habeascorpus encampou orientação jurisprudencial pacificada, inclu-sive no STF, no sentido da existência de depósito irregular debens fungíveis, seja por origem voluntária (contratual) ou porfonte judicial (decisão que nomeia depositário de bens penho-rados).

Esta Corte já considerou que “o depositário de bens penhora-dos, ainda que fungíveis, responde pela guarda e se sujeita aação de depósito” (HC nº 73.058/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa,2a Turma, DJ de 10-5-96). Neste mesmo sentido: (HC71.097/PR, Rel. Min. Sydney Sanches, 1a Turma, DJ 29-3-96).

3. Contudo, no que tange à temática da prisão civil do depo-sitário infiel, o enfoque foi alterado na jurisprudência destaCorte. A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal filiou-se àorientação acerca da inexistência de sustentação jurídica paraprisão civil do depositário infiel, renovando a discussão damatéria sob o prisma constitucional (HC 90.171-7/SP, RelatorMin. Gilmar Mendes, DJ 17-8-2007):

“HABEAS CORPUS. 1. No caso concreto foi ajuizada ação

de execução sob o nº 612/2000 perante a 3ª Vara Cível de

Santa Bárbara D ‘Oeste/SP em face do paciente. A credora

requereu a entrega total dos bens sob pena de prisão. 2. A de-

fesa alega a existência de constrangimento ilegal em face

da iminência de expedição de mandado de prisão em

desfavor do paciente. Ademais, a inicial sustenta a ilegiti-

midade constitucional da prisão civil por dívida. 3. Reitera-

dos alguns dos argumentos expendidos em meu voto,

proferido em sessão do Plenário de 22-11-2006, no RE nº

466.343/SP: a legitimidade da prisão civil do depositário

infiel, ressalvada a hipótese excepcional do devedor de

alimentos, está em plena discussão no Plenário deste

Supremo Tribunal Federal. No julgamento de RE nº

466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, que se iniciou na

sessão de 22-11-2006, esta Corte, por maioria que já conta

com sete votos, acenou para a possibilidade do reconheci-

mento da inconstitucionalidade da prisão civil do alienante

fiduciário e do depositário infiel. 4. Superação da Súmula

nº 691/STF em face da configuração de patente constrangi-

mento ilegal, com deferimento do pedido de medida limi-

nar, em ordem a assegurar, ao paciente, o direito de perma-

necer em liberdade até a apreciação do mérito do HC nº

68.584/SP pelo Superior Tribunal de Justiça. 5. Conside-

rada a plausibilidade da orientação que está a se firmar

perante o Plenário deste STF – a qual já conta com 7 votos –

ordem deferida para que sejam mantidos os efeitos da

medida liminar.”

4. No voto do eminente Relator, atualmente presidindo estaCorte, destacou-se o caráter especial do Pacto Internacional dosDireitos Civis Políticos (artigo 11) e da Convenção Americanasobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica(artigo 7o, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de1992. Esclareceu, ainda, que a esses diplomas internacionaissobre direitos humanos é reservado o lugar específico no orde-

12/2008 21

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 23: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

namento jurídico, estando abaixo da Constituição, porémacima da legislação interna. Concluiu, assim, que o statusnormativo supralegal dos tratados internacionais de direitoshumanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislaçãoinfraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ouposterior ao ato de ratificação.

Registro que, no âmbito do HC 87.585-TO, afetado ao Pleno,esta Corte já conta com oito votos no sentido da impossibilidadeda prisão civil do depositário infiel, pendendo pedido de vistado Min. Carlos Alberto Menezes Direito.

Conforme noticiado recentemente, esta 2ª Turma deferiu cincoordens de habeas corpus no sentido de não mais admitir a possi-bilidade da prisão civil decretada contra depositários infiéis (HCnos 90.450/MG, 91.361/SP, 93.280/SC, 90.983/SP e94.695/RS), tendo o Min. Celso de Mello declarado que “nãomais subsiste a prisão civil em face da ordem constitucionalbrasileira, em depósito convencional ou judicial”, sendo queem um dos casos houve afastamento episódico da orientaçãocontida na Súmula 691, do STF.

5. Desse modo, na atualidade a única hipótese de prisão civil,no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O artigo 5º, § 2ºda Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos egarantias expressos no caput do mesmo dispositivo nãoexcluem outros decorrentes do regime dos princípios por elaadotados, ou dos tratados internacionais em que a RepúblicaFederativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da CostaRica, entendido como um tratado internacional em matéria dedireitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, apossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conse-qüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil dodepositário infiel.

Tal conclusão não impede que sejam adotadas outras medidascoercitivas para o efetivo cumprimento das obrigações decor-rentes do depósito, ressalvada a impossibilidade da prisão civil.

6. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para ofim de cassar os efeitos do decreto de prisão civil do paciente.

É como voto.

SEGUNDA TURMA

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 88.240-4

PROCED.: SÃO PAULO

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

PACTE.(S): FLÁVIO BARTOLI SILVA

IMPTE.(S): JOÃO MARIA CARNEIRO

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido dehabeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justifi-cadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro JoaquimBarbosa. 2ª Turma, 7-10-2008.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes àsessão os Senhores Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso,Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Carlos Alberto Cantanhede – Coordenador

� RE 572.499-9 SCDJE 31-10-2008

EMENTA

CONSTITUCIONAL – ARTIGO 142, § 3º, INCISO X,DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: LEI SOBREINGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS – ARTIGO 9ºDA LEI Nº 11.279/2006 – LIMITE DE IDADE:FIXAÇÃO EM EDITAL – MANIFESTAÇÃO PELAEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Reconhecida a repercussão sobre o tema relativo à constitucio-nalidade do artigo 9º da Lei nº 11.279/2006, que atribui aoedital de concurso público para ingresso nas forças armadas afixação das condições de escolaridade, preparo técnico eprofissional, sexo, limites de idade, idoneidade, saúde, higidezfísica e aptidão psicológica, à luz do disposto no artigo 142, § 3º,inciso X, da Constituição da República.

Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussãogeral da questão constitucional suscitada, vencido o MinistroGilmar Mendes. Não se manifestou o Ministro Cezar Peluso.

Ministra Cármen Lúcia – Relatora

MANIFESTAÇÃO

CONSTITUCIONAL – ARTIGO 142, § 3º, INCISO X, DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: LEI SOBRE INGRESSO NASFORÇAS ARMADAS – ARTIGO 9º DA LEI Nº 11.279/2006 –LIMITE DE IDADE: FIXAÇÃO EM EDITAL – MANIFESTAÇÃOPELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Recurso extraordinário interposto contra acórdão do TribunalRegional Federal da 4ª Região proferido nos termos queseguem:

“ADMINISTRATIVO – MILITAR – INSCRIÇÃO NO CON-CURSO DE ADMISSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO DESOLDADOS FUZILEIROS NAVAIS – LIMITE DE IDADE.Impetrantes que não satisfazem os limites de idade estabe-lecidos pelo Edital de Convocação para o Concurso deAdmissão à Turma 1/2007 do Curso de Formação de Solda-dos Fuzileiros Navais.Aplicação do artigo 142, § 3º, inciso X, da CR/88, e da Lei11.279/2006, que dispõe sobre o ensino na Marinha.”

2. Há relevância jurídica no tema e este não está restrito aosinteresses subjetivos da causa.

O artigo 142, § 3º, inciso X, da Constituição da Repúblicadispõe que a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, oslimites de idade, a estabilidade e outras condições de transfe-rência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, aremuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dosmilitares, consideradas as peculiaridades de suas atividades,inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos inter-nacionais e de guerra.

No entanto, o artigo 9º da Lei nº 11.279/2006 dispõe que amatrícula nos cursos que permitem o ingresso na Marinhadependerá de aprovação prévia em concurso público, cujoedital estabelecerá as condições de escolaridade, preparotécnico e profissional, sexo, limites de idade, idoneidade,saúde, higidez física e aptidão psicológica requeridas pelasexigências profissionais de atividade e carreira a que se desti-nam.

12/2008 22

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 24: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

A questão, no caso concreto, está em saber se poderia o legisla-

dor delegar o cuidado da matéria para o edital do concurso,

cujo feitor passaria a ter a responsabilidade para fixar os limites

de idade para ingresso na Marinha. É que a Constituição deter-

minou necessária lei como instrumento mediante o qual se

pudesse fixar esta limitação.

Entretanto, o tema não se restringe ao caso concreto e se traduz

numa questão jurídica de grande alcance, qual seja, saber se

pode o legislador delegar para outro instrumento normativo

disciplina normativa que a Constituição reserva materialmente

à lei formal.

3. Pelo exposto, manifesto-me pela existência de repercussão

geral do tema constitucional suscitado no recurso extraordiná-

rio.

Brasília, 26 de setembro de 2008.

Ministra Cármen Lúcia – Relatora

PRONUNCIAMENTO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONCURSO – LIMITE DE

IDADE – REGÊNCIA – LEI VERSUS EDITAL – DELEGAÇÃO –

REPERCUSSÃO GERAL.

1. A Assessoria assim retratou as balizas deste extraordinário:

Eis a síntese do que discutido no Recurso Extraordinário nº

572.499-9/SC, da relatoria da Ministra Cármen Lúcia, inserido

no sistema da repercussão geral em 26-9-2008.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região proveu parcialmente

pedido formulado em apelação, assentando a constitucionali-

dade de requisito mínimo de idade estabelecido em edital para

concorrer a cursos que permitem o ingresso na Marinha. Eis a

síntese do acórdão:

ADMINISTRATIVO – MILITAR – INSCRIÇÃO NO CONCURSO

DE ADMISSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS

FUZILEIROS NAVAIS – LIMITE DE IDADE.

Impetrantes que não satisfazem os limites de idade estabeleci-

dos no Edital de Convocação para o Concurso de Admissão à

Turma 1/2007 do Curso de Formação de Soldados Fuzileiros

Navais.

Aplicação do artigo 142, § 3º, inciso X, da CR/88, e da Lei nº

11.279/2006, que dispõe sobre o ensino na Marinha.

No extraordinário interposto com alegada base na alínea “a” do

permissivo constitucional, o Ministério Público Federal articula

com a transgressão do inciso X do § 3º do artigo 142 da Lei

Fundamental. Assevera ter a Carta Magna atribuído à lei a fixa-

ção de limites de idade para o ingresso nas Forças Armadas,

sendo inconstitucional a norma legal que permite a delimitação

pelo edital do concurso. Aduz existir, na espécie, verdadeira

reserva legal em sentido formal.

Sob o ângulo da repercussão geral, argumenta a relevância da

questão constitucional debatida do ponto de vista jurídico.

Afirma não poder o Legislativo abdicar de competência própria,

delegando ao Executivo a função de legislador.

Abaixo a manifestação da Ministra Cármen Lúcia, Relatora, que

se pronunciou pela existência de repercussão geral:

MANIFESTAÇÃO

CONSTITUCIONAL – ARTIGO 142, § 3º, INCISO X, DA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: LEI SOBRE INGRESSO NAS

FORÇAS ARMADAS – ARTIGO 9º DA LEI Nº 11.279/2006 –

LIMITE DE IDADE: FIXAÇÃO EM EDITAL – MANIFESTAÇÃO

PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região proferido nos termos que

seguem:

ADMINISTRATIVO – MILITAR – INSCRIÇÃO NO CONCURSO

DE ADMISSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS

FUZILEIROS NAVAIS – LIMITE DE IDADE.

Impetrantes que não satisfazem os limites de idade estabelecidos

pelo Edital de Convocação para o Concurso de Admissão à Turma

1/2007 do Curso de Formação de Soldados Fuzileiros Navais.

Aplicação do artigo 142, § 3º, inciso X, da CR/88, e da Lei

11.279/2006, que dispõe sobre o ensino na Marinha.

2. Há relevância jurídica no tema e este não está restrito aos

interesses subjetivos da causa. O artigo 142, § 3º, inciso X, da

Constituição da República dispõe que a lei disporá sobre o

ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade

e outras condições de transferência do militar para a inativi-

dade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e

outras situações especiais dos militares, consideradas as pecu-

liaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por

força de compromissos internacionais e de guerra.

No entanto, o artigo 9º da Lei nº 11.279/2006 dispõe que a matrí-

cula nos cursos que permitem o ingresso na Marinha dependerá

de aprovação prévia em concurso público, cujo edital estabele-

cerá as condições de escolaridade, preparo técnico e profissio-

nal, sexo, limites de idade, idoneidade, saúde, higidez física e

aptidão psicológica requeridas pelas exigências profissionais de

atividade e carreira a que se destinam.

A questão, no caso concreto, está em saber se poderia o legisla-

dor delegar o cuidado da matéria para o edital do concurso,

cujo feitor passaria a ter a responsabilidade para fixar os limites

de idade para ingresso na Marinha. É que a Constituição deter-

minou necessária lei como instrumento mediante o qual se

pudesse fixar esta limitação.

Entretanto, o tema não se restringe ao caso concreto e se traduz

numa questão jurídica de grande alcance, qual seja, saber se

pode o legislador delegar para outro instrumento normativo

disciplina normativa que a Constituição reserva materialmente

à lei formal.

3. Pelo exposto, manifesto-me pela existência de repercussão

geral do tema constitucional suscitado no recurso extraordiná-

rio.

Brasília, 26 de setembro de 2008.

Ministra Cármen Lúcia – Relatora

2. Reitero o que venho consignando sobre a importância do

instituto da repercussão geral, devendo-se resistir à tentação, no

exame, de formar juízo sobre a procedência ou a improcedên-

cia do que revelado nas razões do extraordinário. Cumpre enca-

rá-lo com largueza. O instrumental viabiliza a adoção de enten-

12/2008 23

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 25: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

dimento pelo Colegiado Maior, com o exercício, na plenitude,

do direito de defesa. Em princípio, é possível vislumbrar-se

grande número de processos, mas, uma vez apreciada a ques-

tão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racio-

nalização do trabalho judiciário.

No caso, a toda evidência, trata-se de tema a ser elucidado pelo

Supremo considerados quer o instrumental próprio para a

regência da matéria, quer o alcance desta à luz da Constituição,

quer a delegação verificada.

3. Tal como fez a Relatora, admito a repercussão geral.

4. À Assessoria, para acompanhar, no sistema, o incidente.

5. Publiquem.

Brasília, 2 de outubro de 2008.

Ministro Marco Aurélio

� RE 591.470-4 MGDJE 31-10-2008

EMENTA

CONSTITUCIONAL – DIREITO ELEITORAL – PRES-TAÇÃO DE CONTAS – CABIMENTO DE RECURSOESPECIAL ELEITORAL – ARTIGO 121, § 4o, DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – REPERCUSSÃOGERAL RECONHECIDA.

1. Tem repercussão geral a questão constitucional relativa à

delimitação da competência que a Constituição da República

outorgou ao Tribunal Superior Eleitoral para examinar recurso

especial eleitoral (artigo 121, § 4o, da Constituição da Repú-

blica), mormente no que diz respeito à dúvida de seu cabimento

nas prestações de contas de campanhas eleitorais.

2. Relevância jurídica e transcendência de interesses caracteri-

zados.

Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão

geral da questão constitucional suscitada, vencidos os Ministros

Celso de Mello, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio,

Menezes Direito e Ricardo Lewandowski. Não se manifestou o

Ministro Cezar Peluso.

Ministra Cármen Lúcia – Relatora

MANIFESTAÇÃO

CONSTITUCIONAL – DIREITO ELEITORAL – PRESTAÇÃO DE

CONTAS – CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL ELEITORAL –

ARTIGO 121, § 4o, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA –

MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO

GERAL.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA):

1. Recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal

Superior Eleitoral proferido nos termos que seguem:

AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO MONOCRÁTICA –

NEGATIVA DE SEGUIMENTO – RECURSO ESPECIAL –

PRESTAÇÃO DE CONTAS – MATÉRIA ADMINISTRATIVA –

NÃO-CABIMENTO – DECISÃO QUE SE MANTÉM POR

SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS – NÃO CONHECIDO.

2. O Recorrente sustenta, em suma, que “a própria sistemática

do artigo 276 do C. Eleitoral faz referência às decisões dos tribu-

nais regionais, critério também reproduzido no artigo 121, § 4º,

CF: o legislador não empregou o vocábulo ‘causa’ – vale dizer,

lide – que informa e condiciona tanto o cabimento do RE ao C.

STF (artigo 102, inciso III) quanto do REsp. ao C. STJ (artigo 105,

inciso III, ‘a’)” (fl. 3.519).

3. A questão constitucional suscitada neste recurso extraordiná-

rio tem grande relevância jurídica, pois relaciona-se à delimita-

ção da competência que a Constituição da República outorgou

ao Tribunal Superior Eleitoral.

Também está presente a transcendência de interesses, pois a

decisão a ser proferida por este Supremo Tribunal Federal sobre

a matéria afetará todos os recursos especiais eleitorais que even-

tualmente forem interpostos para o Tribunal Superior Eleitoral

em matéria relativa à prestação de contas.

4. Pelo exposto, manifesto-me pela existência de repercussão

geral do tema constitucional suscitado no recurso extraordiná-

rio.

Brasília, 26 de setembro de 2008.

Ministra Cármen Lúcia – Relatora

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 591.470-4

PROCED.: MINAS GERAIS

RELATORA: MINª CÁRMEN LÚCIA

RECTE. (S): AÉCIO NEVES DA CUNHA

ADV. (A/S): RODRIGO ROCHA DA SILVA E OUTRO (A/S)

RECDO. (A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

PRONUNCIAMENTO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL –

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PROCESSO ADMINIS-

TRATIVO – INADEQUAÇÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO –

REJEIÇÃO DE CONTAS – CRIVO JURISDICIONAL –

CONSIDERAÇÕES.

1. A Assessoria assim retratou as balizas deste recurso extraordi-

nário:

Eis a síntese do que discutido no Recurso Extraordinário nº

591.470-4/MG, da relatoria da ministra Cármen Lúcia, inserido

no sistema da repercussão geral em 26-9-2008.

O Tribunal Superior Eleitoral assentou o entendimento de não

caber recurso especial ou ordinário contra acórdão de Corte

Regional em que se analisa prestação de contas, haja vista

tratar-se de matéria puramente administrativa. Eis a síntese do

acórdão:

“AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO MONOCRÁTICA –

NEGATIVA DE SEGUIMENTO – RECURSO ESPECIAL –

PRESTAÇÃO DE CONTAS – MATÉRIA ADMINISTRATIVA –

NÃO-CABIMENTO – DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS

PRÓPRIOS FUNDAMENTOS – NÃO CONHECIDO.

No extraordinário interposto com alegada base no artigo 121, § 3º,

da Lei Fundamental, o recorrente articula com a transgressão

dos artigos 5º, incisos XXXVI, LIV e LV, e 121 § 4º, da Carta

Magna. Preliminarmente, aduz a nulidade do acórdão que

implicou o desprovimento dos declaratórios, ante a ausência de

12/2008 24

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 26: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

entrega aperfeiçoada de prestação jurisdicional. No mérito,

assevera a possibilidade de impugnação recursal de decisões

com conteúdo administrativo emanadas de Corte Regional Elei-

toral. Cita precedente do Tribunal Superior Eleitoral – Recurso

Especial Eleitoral nº 9.522/GO –, em que sustenta ter sido

concluído pela possibilidade de interposição de recurso contra

decisões despidas de caráter jurisdicional. Afirma haver sido

ofendido o princípio positivado na Carta, segundo o qual ‘a lei

não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça

a direito.’

Sob o ângulo da repercussão geral, argumenta a relevância da

questão constitucional debatida do ponto de vista jurídico e

social. Afirma existirem diversos recursos idênticos em tramita-

ção, tendo a conclusão da Corte Superior Eleitoral implicado a

modificação do entendimento jurisprudencial consolidado.

Assevera a importância de os candidatos conhecerem a possibi-

lidade de interposição do recurso em face das decisões relativas

às prestações de contas.

Abaixo a manifestação da ministra Cármen Lúcia, relatora, que

se pronunciou pela existência de repercussão geral:

MANIFESTAÇÃO

CONSTITUCIONAL – DIREITO ELEITORAL – PRESTAÇÃO DE

CONTAS – CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL ELEITORAL –

ARTIGO 121, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA –

MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO

GERAL.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA):

1. Recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal

Superior Eleitoral proferido nos termos que seguem:

AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO MONOCRÁTICA –

NEGATIVA DE SEGUIMENTO – RECURSO ESPECIAL –

PRESTAÇÃO DE CONTAS – MATÉRIA ADMINISTRATIVA –

NÃO-CABIMENTO – DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS

PRÓPRIOS FUNDAMENTOS – NÃO CONHECIDO.

2. O Recorrente sustenta, em suma, que a própria sistemática do

artigo 276 do C. Eleitoral faz referência às decisões dos tribunais

regionais, critério também reproduzido no artigo 121, § 4º, CF:

o legislador não empregou o vocábulo ‘causa’ – vale dizer, lide –

que informa e condiciona tanto o cabimento do RE ao C. STF

(artigo 102, inciso III) quanto do REsp. ao C. STJ (artigo 105,

inciso III, ‘a’) (fl. 3.519).

3. A questão constitucional suscitada neste recurso extraordiná-

rio tem grande relevância jurídica, pois relaciona-se à delimita-

ção da competência que a Constituição da República outorgou

ao Tribunal Superior Eleitoral.

Também está presente a transcendência de interesses, pois a

decisão a ser proferida por este Supremo Tribunal Federal sobre

a matéria afetará todos os recursos especiais eleitorais que even-

tualmente forem interpostos para o Tribunal Superior Eleitoral

em matéria relativa à prestação de contas.

4. Pelo exposto, manifesto-me pela existência de repercussão

geral do tema constitucional suscitado no recurso extraordiná-

rio.”

Brasília, 26 de setembro de 2008.

Ministra Cármen Lúcia – Relatora

2. O exame da repercussão geral pressupõe, de início, a ultra-

passagem da admissibilidade do extraordinário, presente,

inclusive, o disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil.

Na espécie, está configurada mesclagem a contrariar a organici-

dade e a dinâmica do Direito. Busca-se trazer a esta Corte, na

via estreita do extraordinário, tema decidido em processo de

natureza administrativa.

Não se diga que conclusão sobre a impropriedade acaba por

afastar do Judiciário lesão a direito. Hão de se distinguir as maté-

rias. O fato de se apontar que, em processo administrativo, não

cabe recurso de natureza jurisdicional, não impede que se

chegue à jurisdição mediante o ajuizamento de ação perti-

nente.

3. Em face da inadequação do extraordinário, conforme a

doutrina e a jurisprudência, não admito a repercussão geral.

4. À Assessoria, para acompanhar, no sistema, incidente.

5. Publiquem.

Brasília, 2 de outubro de 2008.

Ministro Marco Aurélio

12/2008 25

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

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Page 27: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

� REsp. 185.823 MGDJE 3-11-2008

EMENTA

PROCESSO CIVIL – COBRANÇA DA COMISSÃO DECORRETAGEM – PRESCINDÍVEL A INSCRIÇÃO NOCRECI – INEXISTÊNCIA DE INFRINGÊNCIA AOARTIGO 401, CPC, UMA UMA VEZ QUE OOBJETIVO PRINCIPAL DA DEMANDA NÃO ÉPROVAR A EXISTÊNCIA DO CONTRATO EM SI, MASA DEMONSTRAÇÃO DOS EFEITOS DECORRENTESDO PACTO.

1. É possível a cobrança de valores decorrentes de intermedia-ção exitosa para a venda de imóvel, sendo prescindível a inscri-ção do autor no CRECI, pois é livre o exercício do trabalho evedado o enriquecimento ilícito do vendedor.

2. Em verdade, não é permitido provar-se exclusivamente pordepoimentos testemunhais a existência do contrato em si, mas ademonstração dos efeitos dos fatos que envolveram as partes,assim como da prestação de serviços, afigura-se perfeitamenteadmissível, conforme precedentes da Corte.

3. A mera transcrição de parte do voto paradigma, sem,contudo, providenciar-se a demonstração analítica, apontandoos pontos divergentes entre os julgados, não induz ao conheci-mento do dissídio.

4. De outro lado, “não se conhece do recurso especial peladivergência, quando a orientação do Tribunal se firmou nomesmo sentido da decisão recorrida”. Súmula 83/STJ. Recursonão conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes asacima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma doSuperior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecerdo recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convo-cado do TRF-1ª Região), Aldir Passarinho Junior e João Otáviode Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justifi-cadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.

Brasília, 14 de outubro de 2008 (Data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão – Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

J.F.S. ajuizou ação de cobrança em face de R.A.J., visando aorecebimento da quantia de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentosreais) pela intermediação da venda de uma casa residencialpertencente ao réu (fls. 02/07).

O MM. Juiz de Direito, considerando que a alienação do imóvelse concretizou em decorrência da mediação exercida pelo autor,julgou o pedido procedente, em parte, para condenar o réu aopagamento do restante do valor da comissão, R$ 5.500,00 (cincomil e quinhentos reais), pois a outra parte já fora paga pelacompradora (fls. 61/65).

O réu interpôs apelação, a que o Tribunal de Alçada do Estadode Minas Gerais, por unanimidade, negou provimento, emacórdão que registra a seguinte ementa:

“AÇÃO DE COBRANÇA – COMISSÃO DE CORRETAGEM –AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO CRECI – ADMIS-SIBILIDADE – ÔNUS DO COMITENTE.Embora não inscrito no Conselho Regional de Corretoresde Imóveis, o intermediário de negócio pode cobrar emjuízo a comissão que lhe for devida.Tratando-se de intermediação de negócio, não havendoestipulação em contrário quanto ao pagamento da comis-são, incumbe ao comitente o pagamento da referida verba,vez que é ele o contratante do trabalho a ser desenvolvidopelo intermediário.Recurso a que se nega provimento" (fl. 90).

Os embargos de declaração foram rejeitados, em acórdão cujosfundamentos se resumem na seguinte ementa:

“PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DECLARATÓRIOS –INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NOJULGADO – REJEIÇÃO. Se o acórdão não decidiu pelaautorização, ao embargado, para exercer a profissão decorretor de imóveis, limitando-se a autorizar a cobrança,por ele, de percentual devido a título de intermediação deum determinado negócio, inexistiu a apontada omissão oucontradição” (fl. 100).

Inconformado, o réu manifestou o presente recurso especialcom amparo nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional,apontando negativa de vigência dos artigos 1º, I e II, do Decretonº 81.871/78, que regulamentou a Lei nº 6.530/78, e 401 doCPC, além de dissídio jurisprudencial. Sustentou, em síntese, aimprescindibilidade de o autor ser técnico em transaçõesimobiliárias e possuir registro no CRECI para o exercício daprofissão de corretor de imóveis. De outro lado, aduziu que oartigo 401 do CPC veda a prova exclusivamente testemunhal decontrato verbal, mesmo que de corretagem, desde que tenhavalor superior ao limite ali estipulado (fls. 104/110).

Sem as contra-razões (fl. 117), o recurso foi inadmitido naorigem (fls. 119/120), subindo a esta Corte por força do provi-mento do Agravo nº 185823/MG, decidido pelo Ministro Rela-tor César Asfor Rocha (fl. 120).

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

Sem razão o recorrente.

São fatos incontroversos a existência da venda do imóvel e aintermediação, com êxito, praticada pelo recorrido.

Ao contrário do que sustenta, o acórdão recorrido não autori-zou o autor a exercer a profissão de corretor, ao arrepio dosrequisitos legais. Apenas decidiu que, a despeito de não inscritono “Conselho Regional de Corretores de Imóveis”, o interme-diador faz jus à comissão de corretagem, uma vez que o seuserviço deve ser remunerado, sob pena de enriquecimentoindevido do outro contratante. Este fundamento, aliás, não foiespecificamente impugnado pelo recorrente, atraindo aincidência do verbete sumular nº 283/STF, segundo a qual:“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisãorecorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e orecurso não abrange todos eles.”

Não fosse isso, conforme bem acentuou o Ministro BarrosMonteiro: “Vale lembrar que a Suprema Corte há muitos anosdecretou a inconstitucionalidade do artigo 7º da Lei nº 4.116, de27-8-62 (RE nº 70.563-SP, publicado na RTJ vol 58, p. 279), que

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limitava aos corretores legalmente habilitados o direito de rece-ber a remuneração como mediadores na venda, compra,permuta e locação de imóveis. É, aliás, o que vem evocado arespeito no REsp. nº 13.508/SP, Relator Ministro CláudioSantos. A exigência de inscrição, em suma, não se compatibi-liza com a norma constitucional que assegura o livre exercíciode qualquer trabalho, ofício ou profissão (CFR. REsp. nº26.388-1/SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira)”.(REsp. nº 87.918/PR, DJ de 9-4-2001)

No tocante à alegada impossibilidade de comprovação docontrato por intermédio de prova exclusivamente testemunhal,a par do recorrente não haver providenciado a demonstraçãoanalítica, nos termos dos artigos 541 do CPC e 255, §§ 1º e 2º,do RISTJ, a jurisprudência desta Corte já se pronunciou a respei-to em inúmeros precedentes: “É admissível a prova testemu-nhal, quando não se tenha por objetivo provar a existência docontrato em si, mas a demonstração dos efeitos de fato deledecorrentes em que se envolveram os litigantes.” (Resp. nos

187.461/DF, Relator Ministro Barros Monteiro; 139.236/SP,Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; 55.984-7/SP,Ministro Waldemar Zveiter; 88.605-DF, Relator Ministro Fontesde Alencar; 13.508-0/SP, Ministro Cláudio Santos e 75.687/SP,Relator Ministro Aldir Passarinho Junior).

Aliás, em relação ao ponto nodal deste litígio, a EgrégiaSegunda Seção desta Casa já se pronunciou acerca do cabi-mento da prova exclusivamente testemunhal para demonstra-ção dos fatos que envolveram os litigantes, bem como das obri-gações e dos efeitos decorrentes desses fatos (EREsp. nº263.387-PE, Relator Ministro Castro Filho).

Registre-se que, em verdade, não é permitido provar-se exclusi-vamente por depoimentos testemunhais a existência docontrato em si, mas a demonstração dos efeitos dos fatos queenvolveram as partes, assim como da prestação de serviços,afigura-se perfeitamente admissível. É o que decidiu este órgãofracionário quando do julgamento do REsp. nº 139.236/SP,Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, cujos fundamen-tos mostram-se às inteiras pertinentes à espécie ora examinada:

“A partir de uma interpretação meramente literal dessanorma, efetivamente ter-se-ia que concluir que a Turmajulgadora não a observou. Com efeito, o contrato de corre-tagem supostamente ajustado pelas partes foi verbal e tantoo valor do imóvel quanto o da comissão superam em muitoo limite previsto. Além disso, não há qualquer começo deprova escrita que demonstra a intermediação do autor nonegócio.No entanto, em interpretação construtiva e evolutiva,tenho que os efeitos de fato entre as partes, assim como osserviços prestados, podem ser provados por testemunhas,já que a lei se refere apenas a contratos. Em outras palavras,não se permite provar exclusivamente por depoimentos aexistência do contrato em si, mas a demonstração dos fatosque envolveram os litigantes, bem como as obrigações e osefeitos decorrentes desses fatos, não encontra óbice legal,inclusive para se evitar o enriquecimento sem causa.Nesse sentido, professa Humberto Theodoro Júnior:“Mesmo para os contratos de forma livre, a prova exclusi-vamente testemunhal só se admite quando o respectivovalor não exceder o décuplo do maior salário mínimovigente no País, ao tempo em que foram celebrados (artigo401). A taxa legal, porém, atualmente deve ser calculadacom base no valor da referência e não mais no saláriomínimo.Mas a jurisprudência tem entendido em termos a restriçãodecorrente do valor do contrato, de modo a limitá-laapenas àqueles casos em que a lide restritamente se refira a

questão da existência ou não de um contrato. Quando,todavia, o contrato, mesmo sem ser reduzido a escrito,gerou efeitos de fato entre as partes, esses efeitos podemperfeitamente ser provados por testemunhas.Com essa orientação, tem-se decidido que, em se tratandode contratos de locação de serviços ou avenças dessamesma natureza, sem embargo da taxa legal, é admissível aprova exclusivamente testemunhal para comprovação dosserviços prestados, porque, caso contrário, estar-se-iainfringindo o salutar princípio de direito, segundo o qual aninguém é lícito locupletar-se com a jactura alheia” (Cursode Direito Processual Civil, Forense, 20ª edição, vol. I, nº462, pp. 467/468).Arruda Alvim, por sua vez, ao tratar do artigo 141 doCódigo Civil em confronto com o artigo 401 do Código deProcesso Civil, doutrina, a dispensar maiores acréscimos:“Deve-se fazer a seguinte distinção entre os dispositivosconstantes da lei processual civil e da lei civil. A circunstân-cia de o artigo 401 limitar a prova do contrato, a certo valor,não significa que, se um dado serviço tiver sido efetiva-mente prestado, não possa ser objeto de prova exclusiva-mente testemunhal, mesmo que o valor pretendido excedaa esse valor legal. No entanto, in casu, ter-se-á feito provado serviço prestado e, em decorrência dela, obter-se-á oquantum devido por dita prestação de serviço. Se, entre-tanto, pretender-se que, além dos serviços prestados, teriahavido também a incidência de cláusula penal, que teriatido sua avença testemunhada, através de cuja prova seretrataria essa cláusula do contrato é certo que esta nãopoderá ser tida como devida. A existência do contrato é quedaria direito, ao beneficiário da cláusula penal, de ser satis-feito do respectivo quantum. Como, porém, não se podeprovar o contrato, segue-se que não pode operar efeitossuas cláusulas que, então, são juridicamente insuscetíveisde comprovação, exceto na rara hipótese de confissão pelaparte ou terceiro (quanto ao terceiro, v. o artigo 353, pri-meira frase e parágrafo único). Tudo aquilo, pois, quederivar do contrato, como tal não poderá ser objeto deprova. É curial, porém, que esta vedação não exclui que seprovem fatos constitutivos de direito, na medida em quetais fatos evidenciem que certo serviço foi prestado, de talarte que, pelos serviços feitos, haja recebimento por quemos tenha prestado” (Manual de Direito Processual Civil, RT,6ª edição, v. 2, nº 172, p. 445).Outra, outrossim, não é a lição de Emane Fidélis dosSantos (Comentários, Forense, vol. III, tomo l, nº 162,pp. 123/124).Washington de Barros Monteiro, ainda em sede doutriná-ria, igualmente ensina que os contratos consensuais, nãosolenes, sem forma especial (v.g., locação de serviços),podem ser provados por quaisquer meios, independente-mente do artigo 401, CPC, verbis:“A locação de serviços é contrato não solene: pode serassim contratada verbalmente, ou por escrito; a falta decontrato não é fundamento suficiente para que uma pessoa,que realmente se utilizou dos serviços de outrem, se eximade pagá-los.A prestação de serviços, pode ser provada com testemu-nhas, sem infração ao artigo 141 do Código Civil, seja qualfor o seu valor independentemente de começo de prova porescrito” (Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações, 2ªparte, 22ª edição, Saraiva, pp. 182/183).

Como se pode ver, em ambos os tópicos, não há falar em nega-tiva de vigência de norma federal, tampouco em dissídio inter-pretativo, não só porque o recorrente deixou de proceder àdemonstração analítica da divergência, como também a orien-

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tação adotada por esta Corte já se firmou no mesmo sentido dodecisório recorrido, fazendo incidir, no ponto, a súmula 83/STJ.

Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.

� REsp. 190.735 RODJE 3-11-2008

EMENTA

DIREITO COMERCIAL – AUSÊNCIA DE ORIGEMLEGÍTIMA PARA EMISSÃO DE DUPLICATA DEPRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – EMPRESA LOCADORADE VEÍCULOS QUE, ALÉM DA DIÁRIA EQUILOMETRAGEM, INCLUIU NA CÁRTULAVALORES CORRESPONDENTES À REPARAÇÃO DEDANOS DECORRENTES DE ACIDENTE HAVIDODURANTE A LOCAÇÃO.

1. Para valer como título hábil à instauração do processo execu-tivo, a duplicata deve conter, em primeiro lugar, o aceite dodevedor. À sua falta, ainda assim poderia ser tida como títuloexecutivo extrajudicial desde que, protestada, venha acompa-nhada de documento que comprove a efetiva prestação deserviços e o vínculo contratual que o autorizou.

2. No caso, a duplicata não teve origem válida, desde que aemitente, além dos serviços contratados em razão da locaçãodo veículo (diária mais quilometragem), fez compreender notítulo em questão a quantia correspondente aos reparos do auto-móvel em razão do acidente havido durante a locação. A provi-dência apontada pela credora, a par de extrapolar o âmbito dopactuado, impede que o devedor acompanhe a real extensãodos danos, porque unilateralmente realizada.

3. A emissão da duplicata de prestação de serviços deveobediência às regras aplicáveis à compra e venda a prazo,sendo necessária, contudo, a comprovação da efetiva prestaçãodos serviços. Assim, não há falar em violação do artigo 20, § 3ºda Lei 5.474/68.

4. Tendo as instâncias ordinárias assentado que não restoucomprovada a prestação dos serviços, o reexame do tema nestainstância especial encontra óbice no Verbete Sumular nº 7/STJ.

5. À falta de prequestionamento, inviável a análise da assertivade violação do artigo 1.192 do CC/16, aplicável, pois, o enun-ciados dos verbetes das Súmulas 282 e 356 do STF.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes asacima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma doSuperior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecerdo recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convo-cado do TRF-1ª Região), Aldir Passarinho Junior e João Otáviode Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justifi-cadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.

Brasília, 14 de outubro de 2008 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão – Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

Ivan Dias Aguiar propôs ações cautelar de sustação de protestoe declaratória de nulidade de título de crédito em face de “Le

Mans Veículos Rondônia Ltda”, alegando inexistir causa válidapara a emissão de uma duplicata no valor de CR$ 546.296,96(quinhentos e quarenta e seis mil, duzentos e noventa e seiscruzeiros reais e noventa e seis centavos) (fls. 02/08).

O MM. Juiz de Direito, embora acentuando que entre as partesexistia uma relação jurídica derivada de contrato de locação deautomóvel, considerou que não era dado à ré incluir na dupli-cata o montante correspondente à reparação de danos decor-rentes de acidente envolvendo o veículo locado, sem contudoapresentar qualquer documento comprobatório da efetivaprestação dos serviços. Daí a procedência do pedido inicial,declarada a “inexistência de vínculo jurídico obrigacionalentre os litigantes, envolvendo a cambial descrita na peça basi-lar” (fls. 35/38).

A Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rondônia, por unani-midade, negou provimento ao apelo da ré, em acórdão queregistra a seguinte ementa:

“CIVIL – APELAÇÃO – CAMBIAL – AUSÊNCIA DE FORMAPRESCRITA EM LEI – PROTESTO – EXEGESE DO ARTIGO145 DO CC – NULIDADE DE PLENO DIREITO.

Cambial criada inobservando a forma prescrita em lei, àexegese do artigo 145 do CC, é nula de pleno direito" (fl. 52).

Inconformada, a ré manifestou o presente recurso especial, comfundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, apon-tando contrariedade dos artigos 20, § 3º, da Lei 5.474/68 e1.192 do Código Civil Brasileiro/16. Sustentou, em suma, quenos contratos de locação não há falar em documento outro paraa prova do serviço, o contrato é a prova (fls. 55/58).

Sem as contra-razões (fl. 59v), o recurso foi admitido na origem(fls. 61/62), subindo os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

Em 30 de julho de 1993 o autor contratou com a ré a locação doveículo Fiat Uno Mille, placa nº 3250, o qual se envolveu em umacidente. Como conseqüência, a empresa locadora emitiu umaduplicata no importe de CR$ 546.296,96, correspondendo nãosomente à locação ajustada (diárias + quilometragem), mas também“adicionou valor aleatório a título de gastos efetivados para repararo automotor acidentado, sem contudo apresentar qualquer docu-mento comprobatório da efetiva prestação dos serviços” (fl. 37).

O cerne do litígio é exatamente a falta de origem legítima paraemissão da cártula; contendo valores outros, que não apenasaqueles referentes à locação contratada.

A inconformidade não se mostra admissível, porquanto real-mente a duplicata em tela não era suscetível de ser emitida naforma e na condição em que o foi, incluindo os gastos havidoscom os serviços executados por terceiros na reparação do auto-móvel acidentado.

Para valer como título hábil à instauração do processo execu-tivo, a duplicata deve conter, em primeiro lugar, o aceite dodevedor. À sua falta, ainda assim poderia ser tida como títuloexecutivo extrajudicial desde que, protestada, venha acompa-nhada de documento que comprovasse a efetiva prestação deserviços e do vínculo contratual que o autorizou.

No caso em apreciação, não há uma coisa, nem outra.

Pela cláusula 6.2 a locadora obrigou-se a “conferir isenção deresponsabilidades indenizatórias por danos materiais, perdatotal ou parcial do veículo alugado, nos casos de acidente detrânsito ou incêndio, desde que observadas as disposições da

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Cláusula 2, § 2.3 e 2.4, e da Cláusula 7 e seus respectivos pará-grafos” E ainda, nos termos da cláusula 9.2, “as isenções deresponsabilidades indenizatórias que foram conferidas aoLOCATÁRIO não implicam contratação de seguros, significam,tão-somente, que a LOCADORA assumiu contratualmente,custos, prejuízos ou responsabilidades indenizatórias que even-tualmente possam decorrer do uso e circulação normal doveículo alugado, durante o período de vigência do contrato, atéos limites máximos estabelecidos na Tarifa vigente daLOCADORA.” (fl. 30 v apenso).

Tratando-se de um contrato puro e simples de locação de auto-móvel, inválida afigura-se assim a inclusão na cártula da impor-tância correspondente à reparação dos alegados danos sofridospela locadora em razão do afirmado sinistro.

Igual entendimento firmou esta Quarta Turma quando do julga-mento do Resp. nº 40720-6 MT, Relator Ministro Barros Monte-iro, que porta a seguinte ementa:

“DUPLICATA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS –AUSÊNCIA DE ORIGEM LEGÍTIMA – EMISSÃO POREMPRESA LOCADORA DE VEÍCULOS QUE, ALÉM DADIÁRIA E QUILOMETRAGEM, INCLUIU NA CÁRTULAVALORES CORRESPONDENTES A REPARAÇÃO DEDANOS RESULTANTES DE ACIDENTE HAVIDODURANTE A LOCAÇÃO.Não e dado a locadora incluir no título o montante refe-rente a reparação dos danos ocasionados ao automóvel,decorrentes de acidente, cujos serviços foram executadospor terceiro.Recurso especial conhecido e provido".

Do voto condutor colho o seguinte trecho:

“Consoante magistério de J. C. Sampaio de Lacerda:

‘A Lei vigente não determinou quais os requisitos da dupli-cata de prestação de serviços, nem mesmo como fez oDecreto-Lei nº 265 que exigia contivesse a denominação‘’duplicata de prestação de serviços’, indicando a naturezados serviços prestados (artigo 4º, I). Apenas na fatura é quedeverá ser discriminada a natureza dos serviços prestados(artigo 20, § 1º). Desse modo é de se admitir que os requisi-tos firmados no artigo 2º, § 1º devam ser os mesmos para asduplicatas de prestação de serviços, conquanto com asadaptações necessárias.O Decreto-Lei nº 436, de 27-1-69, acrescentando ao artigo20, § 3º, determinou que as disposições referentes à fatura eà duplicata ou triplicata de venda mercantil, constituindodocumento hábil para a transcrição do instrumento deprotesto, qualquer documento que comprove a efetiva presta-ção dos serviços e o vínculo contratual que a autorizou. Maisuma vez o texto legal apresenta-se defeituoso, pois o instru-mento do protesto deve conter justamente a transcrição literalda duplicata ou triplicata (artigo 29 da lei cambial).O documento a que se refere o § 3º será hábil, portanto,para a ação executiva, na hipótese de duplicata ou tripli-cata não aceita ou não aceita e não devolvida. Corres-ponde, assim, exatamente, àquele documento comproba-tório da remessa ou da entrega da mercadoria nas vendasmercantis, a que se refere o artigo 15 proêmio e seu § 13.Servirá de prova de que os serviços contratados foram pres-tados, embora o devedor não quisesse reconhecer, acei-tando a duplicata ou não devolvendo, permitindo, dessemodo, a ação executiva para a cobrança do título" (A NovaLei sobre Duplicatas, pp. 17-18, 3ª ed).Idêntica a orientação emanada da Suprema Corte, que noRE nº 93.320-SP, sob a relatoria do eminente MinistroRafael Mayer, assim decidiu:

‘Duplicata. Prestação de Serviços. Asfaltamento de viapública. Vínculo contratual. Lei nº 5.474/68, artigo 20, § 3º.Carece de efeito contratual e, portanto, é insuscetível de serlevada a protesto duplicata sem aceite, de prestação deserviços não originada de contrato que os autorize. RecursoExtraordinário conhecido e provido’ (RTJ 98/912).No seu voto, o Ministro Relator deixara anotado, in verbis:‘Tanto a sentença quanto o acórdão recorrido têm comolegítima a emissão da duplicata de prestação de serviços,que levada a protesto com a comprovação da execuçãodestes, ainda sem o aceite do sacado, induzir-lhe-ia efeitocambial. Carece, entretanto, tal colocação da devida consi-deração a requisito posto de modo expresso na lei, qual apreexistência do vínculo contratual autorizativo da presta-ção de serviços.Aliás, essa relação jurídica subjacente, a causa debendi,entre sacador e sacado, seria obviamente questionável emtítulo de tal natureza, cuja origem sempre assenta emcontrato de compra e venda ou de serviço, razão de ser daduplicata" (pp. 914/915).Votou, nessa ocasião, com o Sr. Relator o Ministro ClovisRamalhete, que ali observou:‘A forma ostensiva da cobrança tomou a de duplicata, quenão sendo vinculada a um contrato subjacente, ela própriaé inexistente e inexigível’ (p. 915).O Sumo Pretório posteriormente perfilhou a mesma diretrizquando do julgamento do RE nº 99.345-MS, relator oMinistro Aldir Passarinho (in RTJ 120/260)".

Nesses termos, escorreita a orientação dada pelo Tribunal deorigem. A duplicata não teve origem válida, desde que aemitente, além dos serviços contratados em razão da locaçãodo veículo (diária mais quilometragem), fez compreender notítulo em questão a quantia correspondente aos reparos do auto-móvel em razão do acidente havido. A providência tomada pelacredora, a par de extrapolar o âmbito do pactuado, impede queo devedor acompanhe a determinação dos danos, por unilate-ralmente realizada.

É de se ressaltar que, a prestação de serviços não exige a emis-são da fatura e da duplicata, como nas vendas a prazo, comoressalta João Eunápio Borges:

“Vimos que, na compra e venda, é facultativa a emissão da

duplicata; mas, sempre, obrigatória, a da fatura. Quanto à

prestação de serviços, não existe qualquer obrigatoriedade:

poderão as entidades prestadoras de serviços emitir fatura e

duplicata. Se, e quando lhes aprouver” (Títulos de crédito,

Forense, 1971, nº 248, p. 235).

E também Fran Martins:

“Não tornou a lei obrigatória a emissão da duplicata, em se

tratando de uma prestação de serviço, para recebimento da

importância dos serviços prestados em época posterior; é o

mesmo princípio aplicável às duplicatas mercantis, de que

trata o artigo 2º da lei, tornando, apenas, possível a emissão

das duplicatas” (Títulos de crédito, vol. II, 1ª ed., Forense,

1980, nº 152, pp. 232-233).

Todavia, a emissão das duplicatas de prestação de serviços deveobedecer às regras aplicáveis à compra e venda a prazo,adaptando-as, notadamente mediante a comprovação dosserviços prestados. A respeito, ainda Fran Martins:

“A duplicata deverá ter por base um contrato relativo à

prestação de serviço. Esse contrato trará as condições espe-

ciais segundo as quais o serviço é ajustado, necessitando,

para que o título possa ser emitido, que tais serviços tenham

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sido realmente prestados. Isso é o que se vê do disposto do

§ 3º, in fine, do artigo 20 da Lei nº 5.474, que considera

como documento hábil para a transcrição no instrumento

do protesto ‘qualquer documento que comprove a efetiva

prestação de serviço e o vínculo contratual que autorizou.

Nessas condições, a duplicata de prestação de serviços

deverá, também, possuir os requisitos mencionados no

artigo 2º, § 1º, da Lei nº 5.474, para as duplicatas mercantis,

fazendo-se, contudo, a necessária adaptação, visto como

essa duplicata é relativa a uma prestação de serviço e não a

uma venda de mercadoria a prazo, conforme acontece

com as duplicatas mercantis em geral" (op. cit, nº 152,

pp. 233-234).

Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, ao comentar os artigos 20 a22 da ‘Lei das Duplicatas, enuncia a comprovação da prestaçãodos serviços como hábil a suprir o aceite, verbis:

“Ora, no caso da prestação de serviço, a dívida de quem

solicita o trabalho só aparece com a sua execução;

portanto, recusada a assinatura em documento que

comprove a efetivação do serviço ou na duplicata, fica a

empresa sem nenhum documento líquido contra o cliente.

A recusa do aceite, motivada ou não, tem igual efeito. Isto

porque a duplicata, mesmo não assinada, mas acompa-

nhada de documento que comprove a efetiva prestação do

serviço, desde que protestada, enseja ação executiva e a

desacolitada desta prova perde todo o valor como título

cambial” (Comentários à Lei de Duplicatas, 1ª ed., Forense,

1970, nº 168, p. 187).

Dessarte, o Tribunal a quo não afrontou o artigo 20, § 3º da Leinº 5.474/68, ao concluir que para a duplicata de prestação deserviço, o documento que comprove a efetiva prestação deserviços é condição sine qua non para o próprio protesto, ouseja, ausente o aceite, não houve a comprovação do serviçoprestado.

De outro lado, a pretensão da recorrente de ver reconhecidoque o documento (contrato de locação) juntado aos autosdemonstra a efetiva prestação de serviços esbarra no óbice daSúmula 7/STJ, uma vez que seria necessário o revolvimento dasprovas coligidas para ter por comprovado ou não os serviços dereparo do veículo acidentado. Nesse sentido, confira-se o REsp.nº 327.720/SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,DJ 18-2-2002, assim ementado:

“DIREITO COMERCIAL – DUPLICATA DE PRESTAÇÃO

DE SERVIÇOS – ARTIGO 20, LEI Nº 5.474/68 –

COMPROVAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS –

REEXAME DE PROVAS. RECURSO DESACOLHIDO.

I – A emissão da duplicata de prestação de serviços deve

obediência às regras aplicáveis à compra e venda a prazo,

sendo necessária, contudo, a comprovação da efetiva pres-

tação dos serviços.

II – Na lição de Cunha Peixoto, “a duplicata, mesmo não

assinada, mas acompanhada de documento que comprove

a efetiva prestação do serviço, desde que protestada, enseja

ação executiva e a desacolitada desta prova perde todo o

valor como título cambial”.

III – Tendo as instâncias ordinárias assentado que não

restou comprovada a prestação dos serviços, o reexame do

tema nesta instância especial encontra óbice no Verbete

Sumular nº 7/STJ.

De seu turno, à falta de prequestionamento, inviável a análiseda assertiva de violação do artigo 1.192 do CC/16, aplicável,pois, os enunciados dos verbetes das Súmulas 282 e 356 do STF.

Ante o exposto, não conheço o recurso.

� AgRg no RE 750.146 ALDJE 3-11-2008

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – SENTENÇA PROFERIDA PORJUIZ PLANTONISTA – ERROR IN PROCEDENDO – AR-TIGOS 173 E 174, DO CPC – DIVERGÊNCIA NÃODEMONSTRADA – CARÊNCIA DE SIMILITUDEFÁTICA ENTRE OS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS –ARTIGO 538, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC – IMPO-SIÇÃO DE MULTA – SÚMULA 98/STJ.

1. A prolação de sentença por Juiz Plantonista versando themanão enumerado nas hipóteses dos artigos 173 e 174, do CPCrevela error in procedendo, tanto mais que a figura daquelemagistrado não se confunde com o Juiz Substituto, premissaequivocada na qual pautou-se a decisão agravada.

2. O Plantão Judiciário objetiva garantir a entrega de prestaçãojurisdicional nas medidas de caráter urgente destinadas àconservação de direitos, quando possam ser prejudicados peloadiamento do ato reclamado.

3. In casu, consoante assentado pelo Tribunal local, “o magis-trado prolator da decisão, além de se encontrar na condição dejuiz plantonista – vez que funcionou no processo apenas no mêsde julho de 2001 – proferiu decisão de mérito no processo,mesmo não estando o referido ato dentre aqueles relacionadosnos artigos 173 e 174, ambos do CPC, e no § 1º do artigo 3º doProvimento nº 1/2003 da Corregedoria de Justiça (...)” (fl. 388)

4. A decisão proferida pelo Juiz Plantonista – sentença – não seinclui dentre as providências de urgência, as quais não sesuspendem pela superveniência das férias, à luz da legislação infoco.

5. O Recurso Especial não reúne condições de admissibilidadepela alínea “c”, do permissivo constitucional, ante a ausênciade similitude fática entre os acórdãos confrontados, máximeporque o acórdão recorrido examinou a validade da sentençaproferida por Juiz Plantonista e os acórdãos paradigmas tratamda validade da sentença exarada por Juiz Substituto.

6. Deveras, caracteriza-se a divergência jurisprudencialquando da realização do cotejo analítico entre os acórdãosparadigma e recorrido verificar-se a adoção de soluções diver-sas a litígios semelhantes.

7. Preceitua a Súmula 98, deste Superior Tribunal de Justiça,que “embargos de declaração manifestados com notório propó-sito de prequestionamento não têm caráter protelatório”.

8. Agravo Regimental provido para reconsiderar a decisão agra-vada e dar parcial provimento ao recurso especial, apenas, paraexcluir a multa, imposta com base no artigo 538, parágrafoúnico, do CPC, mantendo, no mais, o acórdão do Tribunallocal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Pri-meira Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na

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conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por

unanimidade, dar provimento ao agravo regimental para, recon-

siderando a decisão agravada, prover parcialmente o recurso

especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Mi-

nistros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda (Presidenta),

Benedito Gonçalves e Francisco Falcão votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Brasília (DF), 7 de outubro de 2008. (Data do julgamento)

Ministro Luiz Fux – Relator

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator):

Trata-se de agravo regimental interposto pelo Estado de Alagoas(fls. 516/522) contra decisão monocrática, deste Relator, profe-rida em sede de recurso especial, assim ementada:

“PROCESSUAL CIVIL – SENTENÇA PROFERIDA POR JUIZ

SUBSTITUTO – PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO

JUIZ – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.

1. A existência de farta prova documental habilita o julga-

mento pelo magistrado substituto e, consectariamente,

afasta a eiva de nulidade da sentença proferida nas férias

forenses. Precedentes do STJ: REsp. 831.190/MG, Relator

Ministro Castro Meira, DJ de 17-8-2006; AgRg no Ag

654.298/RS, Relator Ministro José Delgado, DJ de

27-6-2005; REsp. 650.594/MA, Relator Ministro Aldir

Passarinho Júnior, DJ de 28-2-2005; REsp. 499.188/SE,

desta relatoria, DJ de 29-9-2003; e REsp. 264.067/PI, Rela-

tor Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 14-12-2000.

2. Consoante cediço, tratando-se de questão de direito e de

fato, não havendo necessidade de produzir-se prova em

audiência, é permitido ao magistrado julgar antecipada-

mente a lide, à luz do artigo 330, do CPC, máxime porque o

artigo 131, do CPC consagra o princípio da persuasão ra-

cional, habilitando-se o magistrado a valer-se do seu

convencimento, à luz dos fatos, provas, jurisprudência,

aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender

aplicável ao caso concreto constantes dos autos, rejeitando

diligências que delongam desnecessariamente o julga-

mento, atuando em consonância com o princípio da celeri-

dade processual.

3. In casu, consoante se infere da sentença exarada às

fls. 253/262, trata-se de julgamento antecipado da lide,

com fulcro no artigo 330, I, do CPC, que, evidentemente,

prescinde da realização de audiência e produção de outras

provas, além daquelas coligidas aos autos pelas partes. Sob

esse enfoque, sobreleva notar que: ‘Não há que se falar em

violação ao CPC, artigo 132, se a decisão proferida por

magistrado substituto baseou-se exclusivamente em prova

documental.’ (REsp. 406.517/MG).

4. Recurso especial provido." (fl. 508)

O Estado de Alagoas sustenta, em resumo, que a decisão agra-

vada está pautada em premissa equivocada, uma vez que o

thema decidendum não se refere à validade da sentença profe-

rida por Juiz Substituto, ao revés, cinge-se à validade da

sentença prolatada por Juiz Plantonista, no período de recesso

(férias forenses), à luz do que dispõem os artigos 173 e 174, do

CPC.

É o relatório.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator):

Prima facie, razão assiste ao Agravante, uma vez que a contro-vérsia gravita em torno da validade de sentença exarada por JuizPlantonista.

Assim, evidenciado o equívoco no decisum agravado,RECONSIDERO a decisão para adequá-la à litis contestatio.

Superadas as questões preliminares, passo ao exame doRecurso Especial.

Trata-se de Recurso Especial interposto por J.A.S.O. (fls. 425/435),com fulcro no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constitui-ção Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça doEstado de Alagoas, assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃOORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO – PRELIMINAR DENULIDADE DA SENTENÇA SUSCITADA ORALMENTEPELO ESTADO EM SESSÃO DE JULGAMENTO POR TERSIDO A MESMA PROLATADA POR JUIZ PLANTONISTANO PERÍODO DE RECESSO FORENSE.

Incorre em error in procedendo o magistrado plantonistaque julga o mérito do processo sem estar a matéria nelequestionada dentre aquelas previstas nos artigos 173 e 174do CPC e § 3º do artigo 3º do Provimento nº 1/2003 daCorregedoria Geral da Justiça. Recurso conhecido paraanular a sentença de primeiro grau, remetendo os autos ainferior instância para que nova seja prolatada (decisãounânime).

O Recorrente, em sede de recurso especial, sustenta, prelimi-narmente, afronta ao artigo 538 do CPC, porquanto a oposiçãodos embargos declaratórios foi no afã de prequestionar tema decunho infraconstitucional, pelo que descabida a condenaçãoem multa.

No mérito, assevera que o acórdão hostilizado, ao anular asentença ao fundamento de que o julgamento realizado por JuizPlantonista, durante as férias forenses, denota error in proce-dendo, violou o disposto nos artigos 173, 174, 244, 249, § 1º,250, 458, e 535, II, todos do CPC, bem como divergiu dejulgado dos STJ no REsp. 264.067/PI, Relator Ministro RuyRosado de Aguiar, DJ de 12-3-2001; REsp. 425.070/ES, destarelatoria p/acórdão, DJ de 16-12-2002.

O recurso especial não reúne condições de admissibilidadepela alínea “c”, do permissivo constitucional, ante a ausênciade similitude fática entre os acórdãos confrontados, máximeporque o acórdão recorrido examinou a validade da sentençaproferida por Juiz Plantonista e os acórdãos paradigmas tratamda validade da sentença exarada por Juiz Substituto.

Deveras, caracteriza-se a divergência jurisprudencial quandoda realização do cotejo analítico entre os acórdãos paradigma erecorrido verificar-se a adoção de soluções diversas a litígiossemelhantes.

Contudo, o recurso reúne condições de admissibilidade pelaalínea “a”, do permissivo constitucional, uma vez que os dispo-sitivos legais, tidos por violados, resultaram efetivamenteprequestionados.

Os artigos 173 e 174 do CPC dispõem:

Art. 173 – Durante as férias e nos feriados não se praticarãoatos processuais. Excetuam-se:I – a produção antecipada de provas (artigo 846);II – a citação, a fim de evitar o perecimento de direito; e bemassim o arresto, o seqüestro, a penhora, a arrecadação, abusca e apreensão, o depósito, a prisão, a separação de

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corpos, a abertura de testamento, os embargos de terceiro,a nunciação de obra nova e outros atos análogos.Parágrafo único – O prazo para a resposta do réu só come-çará a correr no primeiro dia útil seguinte ao feriado ou àsférias.

Art. 174 – Processam-se durante as férias e não se suspen-dem pela superveniência delas:I – os atos de jurisdição voluntária, bem como os necessá-rios à conservação de direitos, quando possam ser prejudi-cados pelo adiamento;II – as causas de alimentos provisionais, de dação ou remo-ção de tutores e curadores, bem como as mencionadas noartigo 275;III – todas as causas que a lei federal determinar.

A prolação de sentença por Juiz Plantonista versando thema nãoenumerado nas hipóteses dos artigos 173 e 174, do CPC revelaerror in procedendo, tanto mais que a figura daquele magistradonão se confunde com o Juiz Substituto, premissa equivocada naqual pautou-se a decisão agravada.

O Plantão Judiciário objetiva garantir a entrega de prestaçãojurisdicional nas medidas de caráter urgente destinadas àconservação de direitos, quando possam ser prejudicados peloadiamento do ato reclamado.

In casu, consoante assentado pelo Tribunal local, “o magistradoprolator da decisão, além de se encontrar na condição de juizplantonista – vez que funcionou no processo apenas no mês dejulho de 2001 – proferiu decisão de mérito no processo, mesmonão estando o referido ato dentre aqueles relacionados nos arti-

gos 173 e 174, ambos do CPC, e no § 1º do artigo 3º do Provi-mento nº 1/2003 da Corregedoria de Justiça (...)” (fl. 388).

A decisão proferida pelo Juiz Plantonista – sentença – não seinclui dentre as providências de urgência, as quais não sesuspendem pela superveniência das férias, à luz da legislação infoco.

Nada obstante, razão assiste ao Recorrente, J.A.S.O. (fls. 425/435),quanto ao descabimento da multa prevista no artigo 538, pará-grafo único, do Código de Processo Civil, aplicada pelo Tribunal aquo porque entendeu que os embargos declaratórios opostos parafins de prequestionamento seriam protelatórios.

Preceitua a Súmula 98, deste Superior Tribunal de Justiça, que“embargos de declaração manifestados com notório propósitode prequestionamento não têm caráter protelatório”.

Consectariamente, apresenta-se descabida, no caso dos autos, aimposição da multa prevista no parágrafo único, do artigo 538,do CPC, já que na petição de interposição dos embargos decla-ratórios da recorrente está expressa a finalidade de prequestio-nar a matéria discutida nos apelos especial e extraordináriomanejados, o que afasta a natureza protelatória daquelerecurso.

Ex positis, na forma do artigo 259 do RISTJ, DOUPROVIMENTO ao agravo regimental para reconsiderar a deci-são agravada e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso espe-cial, apenas, para excluir a multa, imposta com base no artigo538, parágrafo único, do CPC, mantendo, no mais, o acórdãodo Tribunal local.

É como voto.

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ADV – REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA

Tendo em vista o reconhecimento pelo STF e TST desta publicação como repositório autorizado de jurisprudência (Registros nº39/2008 e 32/2007, respectivamente), os acórdãos aqui publicados servem para comprovação de divergência jurisprudencial aptos ajustificar recursos junto a estes tribunais.

A íntegra dos acórdãos estão disponíveis no ADV Online – www.coad.com.br/advonline.

INFORME-SE

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

� AIRR – 1313/2001-051-01-40DJU 31-10-2008

ACÓRDÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DEREVISTA – CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICACOM O INTUITO DE DISSIMULAR O CONTRATODE TRABALHO – DISCREPÂNCIA ENTRE OASPECTO FORMAL E A REALIDADE.

O acórdão recorrido contém todas as premissas que autorizamo exame do enquadramento jurídico dado pelo TRT aos fatosregistrados. Nesse contexto, verifica-se que se tratava de típicafraude ao contrato de trabalho, consubstanciada na imposiçãofeita pelo empregador para que o empregado constituíssepessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de empregohavida entre as partes. Não se constata violação dos artigos 110e 111 do Código Civil, uma vez que demonstrada a ocorrênciade fraude, revelada na discrepância entre o aspecto formal(contratos celebrados) e a realidade. Agravo de instrumentoimprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumentoem Recurso de Revista nº TST-AIRR-1313/2001-051-01-40-6 , emque é Agravante TV Globo Ltda. e Agravada Claudia CordeiroCruz.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela reclamadacontra despacho trasladado às fls. 220-221, que negouseguimento ao recurso de revista com fundamento no artigo 896,§ 4º, da CLT, não vislumbrando preenchidos os requisitos doartigo 896 da CLT.

Em minuta de agravo (fls. 02-15), sustenta a agravante, emsíntese, a viabilidade do apelo denegado ao argumento de quepreenchera os requisitos do artigo 896 da CLT.

Insiste na nulidade do acórdão do TRT por julgamento extrapetita e, no mérito, argumenta pela validade dos contratos cele-brados, sustentando ser esta a causa determinante à descaracte-rização de vínculo empregatício.

Regularmente notificada, a agravada apresentou, contraminutaàs fls. 225-228 e contra-razões às fls. 229-232. Dispensada, naforma regimental, a intervenção do d. Ministério Público doTrabalho.

É o relatório.

VOTO

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço doAgravo de Instrumento.

1. NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONALPOR JULGAMENTO EXTRA-PETITA

Suscita-a a Reclamada ao argumento de que o vínculo empre-gatício não poderia ser reconhecido sem que a Reclamantetivesse pleiteado a nulidade dos contratos de natureza civilcelebrados. Afirma que: não há no pedido inicial a declaraçãopor sentença, da nulidade dos contratos de prestação de servi-ços firmados, razão pela qual eles restam válidos. (...) Com adeclaração da suposta existência de vínculo empregatício entreas partes, o E. TRT, na prática, declarou a nulidade dos contratoscelebrados, embora isso não tenha sido objeto da petiçãoinicial, apesar de constar expressamente nos contratos que osdemandantes não pretendiam a vinculação empregatícia entre

ambas. Denuncia violação dos artigos 110 e 111 do CódigoCivil e 128 do CPC.

Sem razão.

O Colegiado a quo, às fls. 152-177, deu provimento parcial aorecurso da Reclamante para julgar procedentes os pedidos dainicial, dentre eles o reconhecimento de vínculo empregatício.

Por julgamento extra petita entende-se aquelas decisões em quese concede algo diferente do que foi pleiteado ou além do quefoi pleiteado.

Dúvidas não há de que o pedido de reconhecimento de vínculoconstou da inicial.

Logo, não se vislumbra violação dos artigos 128 e 468 do CPC.

Também não viabiliza a admissibilidade da revista a divergên-cia colacionada, uma vez que não parte das mesmas premissasfáticas consignadas pelo TRT.

Nego provimento.

2. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA COM O INTUITODE DISSIMULAR O CONTRATO DE TRABALHO – DISCRE-PÂNCIA ENTRE O ASPECTO FORMAL E A REALIDADE

O Colegiado a quo, às fls. 152-177, deu provimento parcial aorecurso de revista da Reclamante para julgar procedentes ospedidos da inicial, dentre eles o reconhecimento de vínculoempregatício. Seus fundamentos:

A r. sentença (fls. 1.112/1.122), apesar de verificar a presençados elementos onerosidade, pessoalidade e habitualidade,entendeu não estar presente outro elemento essencial ao reco-nhecimento do vínculo de emprego: subordinação.

No entanto, não é isso que o conjunto fático-probatóricocolhido nos autos revela. Os requisitos necessários à configura-ção do vínculo de emprego são colhidos do próprio direito posi-tivo, que considera empregado toda pessoa física que prestarserviços de natureza não eventual a empregador, sob depen-dência econômica deste e mediante salário (artigo 3º, da CLT).Empregado há de ser, necessariamente, uma pessoa física;pessoa jurídica não pode ser sujeito da relação de empregadocomo prestador de serviço. Surge, então, o requisito pessoali-dade: quanto à pessoa do empregado, o contrato é intuitu perso-nae. Os serviços não podem ser esporádicos, sobremaneiraespaçados, sem a continuidade inerente ao vínculo deemprego. Outro requisito é o da onerosidade. A ajuda desinte-ressada não configura um vínculo de emprego. Não é o fato deperceber ou não o salário que retira ou põe o contrato na defini-ção legal; importa, na verdade, se a contribuição do empregadopara consecução do negócio empresarial foi ou não esperandouma contribuição. Finalmente, o elemento mais importante darelação de trabalho: subordinação jurídica (... dependênciaeconômica). O empregador tem poder de dirigir, ordenar, coor-denar, fiscalizar, gerenciar a prestação ser (sic) serviços, querseja quanto ao local do trabalho, quer seja quanto à quantidadede trabalho, quer seja quanto à priorização das tarefas e etc.

A prova produzida demonstrou à saciedade a ocorrência defraude à legislação trabalhista, desde o momento em que apessoa jurídica C 3 Produções Artísticas e Jornalísticas Ltda. foicriada, passando pela contratação dos serviços oferecidos poresta empresa à TV Globo, bem como diante da própria presta-ção de serviços pela reclamante para a ré até o término da pres-tação dos serviços em março de 2001.

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Em 1º de maio de 1989 foi constituída a pessoa jurídica denomi-nada C 3 Produções Artísticas e Jornalísticas Ltda. (fls. 918/921),pela reclamante, Claudia Cordeiro Cruz e o seu pai, Sr. ArthurGonçalves Cruz (vide depoimento – fl. 1.095). No dia 12 demaio de 1989 foi firmado o primeiro contrato de prestação deserviços entre a referida pessoa jurídica e a reclamada, sempreatuando como interveniente a reclamante (fls. 9.14/917). Suces-sivos contratos de prestação de serviços foram firmados aolongo de 12 (doze) anos com a reclamada.

Apesar de nos contratos de prestação de serviços haver a previ-são de inexistência de vínculo de emprego, algumas parcelastipicamente trabalhistas foram pactuadas nesses contratos,como o pagamento pela TV Globo de uma quantia adicionalcorrespondente à remuneração que estivesse percebendo nofinal dos meses de dezembro dos anos em que a autora prestouserviços (cláusula 6ª – fl. 915), ou seja, uma verdadeira gratifica-ção de natal era paga no final do ano. Destaque-se que havia,ainda, a exclusividade na contratação, de forma até a ficar enta-bulado que após o término deste contrato, a Locadora dará aLocatária o direito de preferência para renovação, só no caso denão ser do interesse desta é que a Locadora estará liberada paracelebrar contrato com outra emissora (cláusula 9ª – fl. 902).

O objeto deste contrato de locação de serviços era sempre acessão da proprietária da C 3 Produções Artísticas e JornalísticasLtda., Claudia Cordeiro Cruz, ora recorrente, para a TV Globo,para atuar como apresentadora de matérias jornalísticas, locu-tora, comentarista, entrevistadora ou qualquer outra obra au-diovisual, obter notícias e informações, editar e produzir maté-rias jornalísticas para telejornais ou para programas do gênerotelejornal da Central Globo de Jornalismo, da Locatária, a seremexibidos, em todo Território Nacional, por todas as emissorasautorizadas a transmitir a programação Globo e a outras utiliza-ções (cláusula 1ª – fl. 899. O mesmo ocorreu nos demais contra-tos de fls. 890/917).

Diante da atuação no setor de telejornalismo da TV Globo, orarecorrida (atuação esta que é pública e notória, dispensandoqualquer comentário explicativo. Bastava ligar a televisão quevíamos como se dava esta atuação), poder-se-ia dizer que estessucessivos contratos de locação de serviços seria uma terceiri-zação das atividades do setor de jornalismo que são desenvolvi-das pela TV Globo. Afinal, por este contrato a C 3 ProduçõesArtísticas e Jornalísticas Ltda. forneceria mão-de-obra para a TVGlobo.

No entanto, esta mão-de-obra fornecida era única e exclusiva-mente da sócia-gerente da empresa locadora, da pessoa da Sra.Claudia Cordeiro Cruz, ora reclamante, com as característicasda pessoalidade e subordinação na prestação dos serviços.

Não é só. Os serviços contratados estão ligados intimamente àatividade-fim da TV Globo , são aqueles serviços essenciais aodesempenho de sua atividade econômica e jornalística. Essesserviços prestados pela autora foram, sim, uma contribuição doempregado para consecução do negócio empresarial. A contra-tação intermediada da atividade-fim de um empreendimentotambém demonstra fraude à legislação trabalhista.

Diante destes fatos, a terceirização (se fossemos admitir a suaocorrência) seria ilícita, pois o trabalho prestado era com pesso-alidade, subordinação e envolvia a atividade-fim do tomadordos serviços, o que leva ao reconhecimento do vínculo deemprego, na forma da Súmula nº 331 do C. TST, em razão dafraude à legislação trabalhista. Recordemos o que dispõe oartigo 9º da CLT, in verbis: (...)

Dentre os princípios que norteiam o Direito do Trabalho existeo princípio da primazia da realidade sobre os fatos , donde aexistência de uma relação de trabalho depende, em conseqüên-

cia, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação realem que o trabalhador se ache colocado, porque, como dizScelle, a aplicação do Direito do Trabalho depende cada vezmenos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situa-ção objetiva, cuja existência é independente do ato que condi-ciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar anatureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverempactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas nocontrato não correspondem à realidade, carecerão de valor (DeLa Cueva, citado por Plá Rodrigues, in Princípios de Direito doTrabalho. 3ª Edição. Ed. LTr. p. 340).

Com isso, prevalecendo a realidade dos fatos, prevalecendo oque efetivamente ocorreu entre as partes na execução práticado contrato, pouco importa a forma como se deu essa pactua-ção, pois o que importa é a forma como se deu a prestação dosserviços. Havendo a presença dos elementos do artigo 3º daCLT, passa a regular a relação existente entre as partes o Direitodo Trabalho.

Na antiga lição de Malatesta, o ordinário, aquilo que se esperanormalmente das circunstâncias ou das pessoas, pode e deveser presumido; o extraordinário, a circunstância que transcendeo normal, deve ser demonstrado, comprovado. Admitida a pres-tação de serviços pelo réu, cabe ao empregador evidenciar emJuízo a validade do contrato de locação de serviços, o que nãofoi feito, como será apreciado a seguir, do conjunto fáti-co-probatório produzido nos autos:

A prova pericial (fls. 983/999) e testemunhal (fls. 1.099/1.103)produzidas, bem como o depoimento pessoal das partes(fls. 1.095/1.098) demonstraram a presença de todos os elemen-tos caracterizadores de uma relação de emprego: habituali-dade, onerosidade, pessoalidade, caráter intuito personae, esubordinação.

Quanto à prova pericial (fls. 983/999), cumpre fazer inicial-mente o seguinte esclarecimento: as informações colhidas peloI. Expert do Juízo a respeito da reclamada, dos paradigmas e dosdemais elementos que serviram para a produção do laudo peri-cial foram fornecidas pelo Sr. César Augusto Leite Seabra, editorregional de Telejornalísmo da reclamada (fls. 984/985), oqual também foi ouvido como testemunha indicada pela ré(fls. 1.101/1.103) e, do confronto das informações prestadaspela referida testemunha em seu depoimento com o laudo peri-cial, surge a certeza de que a grande maioria dessas informa-ções: é a mesma que consta no laudo pericial.

A prova pericial constatou à fl. 989 que, do mesmo modo queocorreu com a autora, outros jornalistas (Fátima Bernardes,Renato Machado e Pedro Bial) prestam seus serviços, por meiode um contrato de locação ( F. B. Produções Artísticas e Jornalís-ticas Ltda., Ópera Vídeo Produções Artísticas e JornalísticasLtda. Me. e Os Camaleões Produções Ltda.).

Destaque-se que os serviços prestados por esses profissionaistambém estão relacionados com a atividade-fim da empresa.

Em depoimento pessoal (fls. 1.095/1.096), a autora esclareceuque a constituição da firma ocorreu quando já havia decorridosuas tratativas com a reclamada; que a estréia do seu programase deu em maio/89 e nesta ocasião já tinha que receber o pri-meiro salário.

A autora informou ainda que a reclamada disse à depoente que

deveria constituir uma empresa jurídica para ser contratada;

que a celebração do contrato se deu com a pessoa jurídica; que

a depoente queria ser funcionária da reclamada, entretanto a

única possibilidade que lhe foi colocada era de ter que possuir

uma empresa para ser contratada; que de início a depoente

disse à reclamada que tinha carteira de trabalho e todos os

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documentos necessários para ser admitida como empregada;

que a empresa foi constituída na forma de sociedade em que a

depoente era sócia majoritária e uma parte mínima era de seu

pai, o 2º sócio; (...) que por contrato a depoente era proibida de

fazer qualquer outro trabalho paralelo ao que prestava para a

reclamada; que a depoente, com a permissão dos diretores da

reclamada, prestou trabalho para a Telerj de locução para fins

internos da empresa e acredita que por esse trabalho tenha

emitido nota fiscal de sua empresa; que por determinação da

direção da reclamada rompeu contrato com a Telerj porque sua

voz estava sendo muito reconhecida; que a depoente prestou

serviço em um evento da Associação Brasileira de Supermerca-

dos para entrega de prêmios à funcionários; que tal trabalho foi

indicado por uma pessoa da direção da reclamada e teve a

concordância da ré; que não se recorda se emitiu nota fiscal de

sua empresa para prestação desse trabalho; que a emissão de

nota fiscal também era autorizada ou não pela reclamada; (...)

que ficava subordinada ao editor regional e ao diretor da

Central Globo de Jornalismo; que a depoente tinha que cumprir

horário, por exemplo, por último, tinha que chegar para uma

reunião às 12:45 horas, porém, deveria assistir ao RJ 1 que era o

último telejornal local antes do seu e isso se dava porque na

reunião deveriam discutir matérias para serem apresentadas

pela depoente no Jornal daquele dia; que participavam das

decisões e até da edição; além de fazer a apresentação do Tele-

jornal; que o Telejornal que apresentava ia ao ar por volta das

19 horas, 6 vezes por semana, de 2ª feira a sábado; que após a

reunião antes citada, a depoente ia para a maquiagem e depois

voltava para a redação para verificação das matérias que seriam

apresentadas no Telejornal (...).

A testemunha de fls. 1.099/1.100, Sr. Maurício Tavares, infor-

mou que teve a CTPS assinada pela TV Globo apenas no

período de 1977 a 1983, não obstante tivesse trabalhado para a

reclamada no período de janeiro de 1977 a junho de 2003,

explicando que a partir de 1983 teve que constituir uma pessoa

jurídica, a qual foi contratado pela TV Globo para prestar servi-

ços, o que vem a reforçar as comprovações de que a reclamada

tem o hábito de orientar aos seus funcionários e candidatos a

uma vaga na empresa de que constituam uma pessoa jurídica

para, aí sim, serem admitidas no emprego.

Essa testemunha (Sr. Maurício Tavares – fls. 1.099/1.100) infor-

mou que quando o depoente assumiu a função de diretor de

jornalismo do RJ, a reclamante ficava subordinada ao depoente

porque era apresentadora do RJ TV e também fazia reportagens;

que isto aconteceu de janeiro a junho/95, como já dito; que daí

para diante o depoente não mais trabalhava com a reclamante

porque o depoente trabalhava então com a produção e a recla-

mante no setor de jornalismo; que quando disse que a recla-

mante ficava subordinada ao depoente de janeiro a junho/95

quis dizer que ela tinha que obedecer às determinações da

empresa, como por exemplo a maquiagem, o tipo de cabelo e

roupas que seria (sic) usadas durante a apresentação; que as

matérias que a reclamante fazia como repórter eram determina-

das pela reclamada; que eventualmente a reclamante podia

sugerir uma pauta e a idéia ser ou não acatada pela direção; que

podia ser determinado à reclamante que regravasse um off se a

empresa entendesse que não estava de acordo com o padrão

empresa; que o depoente determinava o horário que a recla-

mante tinha que se apresentar na empresa; que a reclamante

tinha que chegar com uma grande antecedência com relação ao

horário de apresentação do Jornal porque tinha que fazer

cabelo, maquiagem, narração das reportagens, vestir-se, como

também ter uma noção geral do Jornal que iria apresentar; que

para tanto deveria chegar pelo menos 4 horas antes da apresen-

tação do Jornal; que o depoente só liberava o apresentador de

um programa ou Jornal se o apresentador seguinte já tivesse

chegado porque, eventualmente, poderia ter que substituí-lo;

que o depoente não participou e nem estava presente na

ocasião em que a reclamante foi contratada pela reclamada;

que na época a reclamante participava das reuniões de pauta do

Jornal que apresentava, pois tinha que estar ciente da monta-

gem do Jornal que iria apresentar; que o apresentador do Jornal

tem que estar na reunião de pauta que elabora o Jornal que vai

apresentar; que o depoente tem ciência de que a partir do fim

dos anos 80 o apresentador de Telejornais da reclamada deixou

de ser um mero leitor de notícias e passou a fazer parte inte-

grante da elaboração do Jornal que iria apresentar; (...) que se

acontecesse um fato extraordinário de proporções internacio-

nais ou nacionais o apresentador que estivesse na empresa

permaneceria para dar a notícia e as posteriores sobre o mesmo

fato, até que chegasse o apresentador do jornal subseqüente;

(...) que no tempo do depoente a reclamante só podia ir embora

da empresa depois que chegasse um outro apresentador em

razão dessas possíveis emergências; que quando a reclamante

apresentava o RJ TV 1, ela chegava por volta das 9 horas e saía

por volta das 14 horas; que quando apresentava o RJ TV 2

chegava por volta das 14 horas e saía por volta das 19:30/20

horas, de 2ª a 6ª feira; que aos sábados e feriados tinha uma

escala de plantão e folgava no outro.

Por sua vez, o Sr. César Seabra, testemunha ouvida às fls. 1.101/1.103,

que trabalhou com a reclamante desde 1999 até a sua saída,

informou que a reclamante, quando o depoente começou a

trabalhar na ré, era apresentadora do RJ TV 1 e 2; que a recla-

mante, nessa época, chegava por volta das 9 horas e saía depois

da apresentação do RJ TV 1, por volta das 13 horas e retornava

por volta 15/16 horas, saindo por volta das 19:30 horas; (...) que

nessa época eram apresentadores da reclamada, com carteira

assinada, os Srs. Márcio Gomes, Ana Paula Araújo e acredita

que também Renata Capucci; que esses apresentadores

também faziam parte da apresentação do RJ TV 1 e 2 e também

do Bom Dia Rio; (...) que o depoente não dava ordens diretas à

reclamante mas, sim, orientava a reclamante acerca de normas

do jornalismo, como fazer uma cabeça de matéria e como ler

uma notícia, por exemplo, o tom como seria lida a notícia; que

essas orientações eram passadas não só para a reclamante como

também para os apresentadores-empregados e tinham como

objetivo manter e preservar a qualidade e unidade do jorna-

lismo na reclamada; (...) que quando a reclamante chegava às 9

horas participava da elaboração e edição do Jornal com toda a

equipe; que faz parte do trabalho da reclamante os cuidados

com a imagem, tais como maquiagem, cabeleireiro, vestuário;

(...) que era fundamental e obrigatório que a reclamante partici-

passe da reunião de feitura e edição do Jornal que iria apresen-

tar; (...) que não sabe dizer se a reclamante poderia indicar uma

outra pessoa para apresentar o Jornal, no lugar dela, mas acre-

dita que não (...).

Diante dessas informações, verifica-se a presença de todos os

elementos caracterizadores do vínculo de emprego: a pessoali-

dade e o caráter intuito personae, restaram demonstrados pelo

próprio objeto do contrato de locação de serviços firmado entre

a TV Globo e a C 3 Produções Artísticas e Jornalísticas Ltda. – a pes-

soa da reclamante, Claudia Cordeiro Cruz. Em resposta ao

12/2008 35

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 37: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

quesito nº 7, a perícia apontou, ainda, pela negativa, quanto à

possibilidade de a reclamante fazer-se substituir por outra

pessoa ou mesmo por seu sócio na empresa, para a execução

dos serviços para os quais fora contratada pela TV Globo

(fl. 986), o que reforça o caráter intuito personae; a onerosidade

também se fez presente, como se verifica dos inúmeros recibos

acostados aos autos (160/256); a habitualidade na prestação

dos serviços restou demonstrada tanto pelos sucessivos contra-

tos de locação de serviços firmados entre as partes ao longo de

12 anos (perícia – fl. 986), como pelos depoimentos das teste-

munhas que informaram que a autora realizava a apresentação

de diversos telejornais diários da programação da TV Globo.

Por fim, a subordinação jurídica também mostrou-se presente

pelas informações colhidas dos depoimentos das duas testemu-

nhas ouvidas. Essas testemunhas, que em momentos distintos

da relação havida entre reclamante e reclamada, foram os supe-

riores da reclamante e, como visto acima, informaram que a

reclamante estava subordinada a eles, devendo obedecer às

determinações da empresa, seguir as orientações por eles deter-

minadas, ainda que com o objetivo de manter e preservar a

qualidade e unidade do jornalismo na reclamada.

Esclareça-se que o fato de a reclamante ter que comparecer com

antecedência à empresa para fazer cabelo, maquiagem,

vestir-se, narrar as reportagens, etc., não afasta o elemento

subordinação, pois estas atividades eram cumpridas por deter-

minação e orientação da empresa, pois fazia parte do trabalho

da reclamante os cuidados com a imagem.

Destaque-se que os trabalhos realizados pela reclamante com a

Telerj e com a Associação Brasileira de Supermercados, apesar

de terem sido esporádicos (com a Telerj e isolado com a ABS),

além de não afastarem os elementos caracterizadores de uma

relação de emprego (a CLT admite que o empregado esteja

vinculado a mais de um empregador artigo 138), foram realiza-

dos com a autorização dos diretores da empresa, havendo indí-

cios, ainda, que o tenham sido até mesmo por indicação da

empresa, inclusive, diante dos termos apresentados na defesa.

Diante da presença de todos esses elementos atávicos a uma

relação de emprego, não há como ser conferida validade aos

sucessivos contratos de locação de serviços firmados entre as

partes. A prova produzida foi forte em demonstrar que a pessoa

jurídica criada pela reclamante foi por orientação da reclamada

e única e exclusivamente com a finalidade de que pudesse

haver a prestação de serviços. Recorde-se o que já havia sido

constatado acima: contratação de serviços intimamente ligados

à atividade-fim da reclamada. A fraude à legislação trabalhista

restou demonstrada nos presentes autos de forma latente.

A caracterização de fraude da legislação trabalhista também

restou demonstrada diante das informações colhidas no depoi-

mento pessoal do preposto da reclamada, onde informou que os

apresentadores da reclamada, alguns são contratados através de

sua empresa, outros através de contrato de trabalho com carte-

ira assinada (fl. 1.097), donde verifica-se que a TV Globo efeti-

vamente necessita de empregados para o desenvolvimento de

suas atividades jornalísticas, tanto é, que há apresentadores

com vínculo de emprego formal e outros não, mas ainda assim,

há jornalistas e apresentadores de telejornal que não possuem o

vínculo de emprego formalizado com a TV Globo.

Convém lembrar, por oportuno, as palavras de Süssekind: a

simulação de um contrato de sociedade ou de empresa, para

ocultar uma relação de emprego realmente configurada, torna o

contrato nulo de pleno direito, impondo a aplicação de normas

jurídicas que regem o contrato de fato existente, que é o de

trabalho. (Plá Rodrigues. In Princípios de Direito do Trabalho.

P. 383. Ed. LTr. 3ª edição atualizada).

Desta forma, demonstrando conjunto probatório constante nos

autos a existência de verdadeira relação de emprego entre as

partes, com a presença de todos os elementos fático-jurídicos

desta relação (artigo 3º da CLT), impõe-se o reconhecimento do

vínculo de emprego entre as partes no período de 12 de maio de

1989 a 5 de março de 2001, pois não restou demonstrado que

após a comunicação da dispensa (fl. 844) a reclamante perma-

neceu prestando serviços ou a disposição da ré. A função era a

de jornalista e o valor da última remuneração de R$ 10.250,00

(dez mil, duzentos e cinqüenta reais), por ser o valor remunera-

tório do contrato de locação de serviços mais recente firmado

entre as partes (cláusula 5ª – fl. 893).

Passo, a seguir, a ativar o disposto no artigo 515, §§ 1º e 3º, do

CPC, de modo a entregar a tutela jurisdicional completa. Como

o primeiro grau de jurisdição realizou instrução exauriente,

acabou a causa ficando madura para a integral entrega da tutela

de mérito. Não há razão para, invertido o entendimento quanto

à prejudicial do vínculo, determinar o retorno dos autos ao Juízo

a quo para que diga quais verbas seriam devidas em decorrên-

cia desse reconhecimento pela instância ad quem. Nem o

apego quase dogmático ao conceito de duplo grau de jurisdição

exige esse retroce-der do processo. Duplo grau não é sinônimo

de duplo julgamento sobre todos os pontos debatidos, mas

simples possibilidade de acesso a outro juízo revisor. Inicial-

mente, necessário se faz verificar a ocorrência ou não da pres-

crição argüida pela reclamada. O pedido de reconhecimento

de vínculo de emprego não é sujeito a prazo prescricional, pois

o pedido tem natureza declaratória. Apenas pedidos de natu-

reza pecuniária, em que a sentença será condenatória é que é

submetido ao prazo prescricional, razão pela qual não há falar

em incidência da Súmula nº 294/TST. Acolho, no entanto, a

prescrição qüinqüenal argüida, para extinguir, com julgamento

do mérito, os créditos reconhecidos e anteriores a 26 de julho

de 1996 – artigo 269, inciso IV, do CPC.

Com isso, condeno a reclamada a proceder às anotações docontrato de trabalho na CTPS da reclamante, com data de admis-são em 12 de maio de 1989 e demissão em 5 de março de 2001,na função de jornalista e com remuneração de R$ 10.250,00 (dezmil, duzentos e cinqüenta reais). As anotações deverão ser reali-zadas em dia e hora a ser designada pela Secretaria da Vara doTrabalho, ficando esta desde já autorizada a proceder as anota-ções, em caso de descumprimento da obrigação de fazer pelareclamada (fls. 154/170). Irresignada, a Reclamada interpôsrecurso de revista (fls.191-200), argumentando, em síntese, pelavalidade dos contratos de locação de serviços celebrados, alémde sustentar que seria esta a causa determinante à descaracteri-zação de vínculo empregatício. Denunciou violação dos artigos110 e 111 do Código Civil.

A revista teve o seguimento denegado pelo despacho às fls. 220-221,

aos seguintes fundamentos: a) não restou demonstrado que o

recurso de revista atendera aos pressupostos do artigo 896 da

CLT; a decisão recorrida encontra-se em consonância com o

item I da Súmula 331/TST, atraindo a aplicação do artigo 896 § 4º,

da CLT.

12/2008 36

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 38: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

Inconformada, a parte interpõe agravo de instrumento (fls. 2-15),

pretendendo desconstituir os fundamentos do despacho denega-

tório.

Argumenta pela validade dos contratos de prestação de serviços

celebrados, além de sustentar que seria esta a causa determi-

nante à descaracterização de vínculo empregatício. Diz que

não foi postulada a declaração expressa de nulidade de tais

contratos, não havendo como se reconhecer a existência de

vínculo.

Afirma que: o silêncio da agravada no decorrer dos anos, além

de sua participação ativa e efetiva no cumprimento dos contra-

tos celebrados entre a agravante e a sua firma, dão plena vali-

dade aos ajustes (fl.09).

Prossegue, sustentando: é certo que a agravada jamais foi

empregada da agravante, porquanto é a mesma uma empresá-

ria, sócia cotista de uma firma contratada pela agravante para

lhe prestar serviços específicos. Sem dúvida, ela não é uma

simples empregada amendrotada pelo suposto poder da agra-

vante (fl. 12).

Denuncia violação dos artigos 110 e 111 do Código Civil.

Sem razão.

Observo, inicialmente, que o acórdão recorrido contém todas

as premissas que autorizam o exame do enquadramento jurí-

dico dado pelo TRT aos fatos registrados.

Da leitura do acórdão recorrido, passo a indicar os elementos

fáticos, devidamente noticiados no acórdão do TRT, que, ao

meu ver, evidenciam a ocorrência de fraude:

– a mão-de-obra fornecida pela empresa C3, que possuía

como sócios a Sra. Cláudia Cruz e o seu pai, consistia no

labor prestado pela própria sócia;

– os serviços contratados inseriam-se na atividade-fim da

empresa;

– apesar de entabular contrato de natureza civil a Recla-

mada pagava parcelas tipicamente trabalhistas, como

exemplo o 13º salário;

– a prova testemunhal indica que: a reclamante esta subor-

dinada ao Diretor de Jornalismo, que as matérias que fazia

como repórter eram determinadas pela Reclamada, que

eventualmente a Reclamante poderia sugerir a pauta do

programa (que por sua vez poderia, ou não, ser acatada

pela direção da reclamada), que se a Reclamada enten-

desse que não estava de acordo com o padrão da empresa,

a Reclamante gravaria um off; que a Reclamada determi-

nava os horários de chegada e de saída da Reclamante; que

a Reclamada ditava o tom em que deveria ser lida a notícia.

Nesse contexto, concluo que se tratava de típica fraude ao

contrato de trabalho, consubstanciada na imposição feita pelo

empregador ao empregado, para que este último constituísse

pessoa jurídica com o objetivo de se desvencilhar das obriga-

ções do contrato de trabalho.

Não se constata violação dos artigos 110 e 111 do Código Civil,

uma vez demonstrada a ocorrência de fraude, revelada na

discrepância entre o aspecto formal (contratos celebrados) e a

realidade.

Com estes fundamentos, nego provimento ao agravo de instru-

mento.

ISTO POSTO

Acordam os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do

Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de

instrumento.

Brasília, 22 de outubro de 2008.

Horácio Senna Pires – Ministro Relator

� AIRR – 1013/2002-001-04-40DJU 31-10-2008

ACÓRDÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DEREVISTA – DOENÇA OCUPACIONAL – SÍNDROMEDO PÂNICO – NEXO DE CAUSALIDADE – EM-PREGADO BANCÁRIO – ASSALTO À AGÊNCIA EAMEAÇA DE MORTE – AUXÍLIO-DOENÇA NOCURSO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO –POSSIBILIDADE – ESTABILIDADE – REINTEGRA-ÇÃO DEVIDA.

A discussão pertinente ao nexo de causalidade entre a síndrome

do pânico adquirida pelo Reclamante e as atividades por ele

desenvolvidas na Reclamada reveste-se de contorno fáti-

co-probatório, insuscetível de reexame nesta seara recursal de

natureza extraordinária, dado que, na análise de fatos e provas

são soberanas as decisões das instâncias ordinárias. Ademais, o

INSS concedeu auxílio-doença por acidente do trabalho equi-

parando a moléstia mencionada à doença profissional.

Portanto, inviável o processamento do recurso de revista se a

parte não logra êxito em infirmar os fundamentos adotados pela

decisão agravada. Agravo de Instrumento desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento

em Recurso de Revista TST-AIRR-1.013/2002-001-04-40.5 , em

que é Agravante Banco Bradesco S.A. e Agravado A. M. F.

A Presidência do TRT da 4ª Região denegou seguimento ao

recurso de revista interposto pelo Reclamado, pois não demons-

trada a alegada violação de lei ou divergência jurisprudencial

apta a permitir a veiculação do apelo (fls. 203-204).

Inconformado, o Reclamado interpõe o presente agravo de

instrumento, sustentando que seu recurso de revista reunia

condições de admissibilidade (fls. 2-7).

Foi apresentadacontraminutaaoagravode instrumento (fls. 213-218)

e contra-razões ao recurso de revista (fls. 127-134), sendo

dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Traba-

lho, nos termos do artigo 83, § 2º, do RITST.

É o relatório.

VOTO

I – CONHECIMENTO

Rejeito a preliminar de não-conhecimento do agravo por defi-

ciência de traslado suscitada em contra-razões, porquanto a

declaração de autenticidade das peças trasladadas foi firmada

nas razões do agravo de instrumento, sendo desnecessária a

autenticação individual dos documentos colacionados.

12/2008 37

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 39: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

Conheço, portanto, do agravo interposto, pois preenchidos os

pressupostos para a sua admissibilidade.

II – MÉRITO

DOENÇA OCUPACIONAL – SÍNDROME DO PÂNICO – NE-

XO DE CAUSALIDADE – EMPREGADO BANCÁRIO – ASSAL-

TO À AGÊNCIA E AMEAÇA DE MORTE – AUXÍLIO-DOENÇA

NO CURSO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO –

POSSIBILIDADE – ESTABILIDADE – REINTEGRAÇÃO DEVIDA

O Eg. TRT da 4ª Região manteve a sentença proferida, que defe-

riu o pedido de reintegração do Reclamante ao emprego, por

considerá-lo estável em razão de doença profissional.

O recurso de revista interposto em face desta decisão teve seu

seguimento denegado, ao argumento de não ter sido demons-

trada a alegada violação de lei ou divergência jurisprudencial

apta a permitir a veiculação do apelo.

Essa decisão recebeu a seguinte fundamentação:

Alega a parte recorrente:

– contrariedade à(s) OJ(s) 254 SDI-I/TST.

– violação do artigo 5º, II, da CF.

– violação dos artigos 93 e 118 da Lei 8.213/91, 476, 487, § 1º, e

794 da CLT, 16, § 2º, da Portaria 3.435/85 e Portaria 3.214/78.

– divergência jurisprudencial.

A 2ª Turma confirmou a reintegração no emprego determinada

na sentença.

Constou do acórdão: O reclamante foi admitido em 8-2-91 edespedido em 26-3-2002 (fl. 13). O documento da fl. 14 conce-dido pelo órgão oficial da previdência social demonstra que foiconcedido ao reclamante auxílio-doença por acidente de traba-lho com início de vigência a partir de 10-4-2002, constando,ainda, da CAT (fl. 16) como descrição e natureza da lesão“doença do pânico” desencadeada por assalto na agência eameaça de morte. Na espécie, a ocorrência de acidente dotrabalho foi constatada pela Previdência Social, órgão habili-tado e competente para tanto, tendo sido deferido auxí-lio-doença acidentário. Irrelevante, portanto, a argumentaçãodo recorrente quanto à inexistência de nexo causal entre asatividades desenvolvidas e a moléstia diagnosticada, não sendodado a este judiciário examinar a conclusão previdenciária paraa concessão do benefício em questão. Certo é ter sido acome-tido o reclamante por doença profissional equiparada aacidente do trabalho (doença do pânico), usufruindo o benefí-cio previdenciário respectivo, fazendo jus, portanto, à manu-tenção do seu contrato de trabalho, nos termos da legislaçãovigente. O artigo 118 da Lei 8.213/91 dispõe: “O segurado quesofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimode doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho naempresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, inde-pendentemente de percepção de auxílio-acidente.” Esta é,precisamente, a hipótese dos autos. Veja-se que o reclamantepleiteou a reintegração no emprego, com pagamento dos salá-rios e consectários legais daí decorrentes. Equivocada, de outraparte, a argüição do recorrente de que o benefício previdenciá-rio foi concedido após o desligamento do reclamante doemprego. O aviso prévio foi dado na modalidade indenizado(fl. 13). Assim, o prazo respectivo é considerado para todo equalquer fim, como se trabalhado fosse, matéria, de resto,plenamente pacificada na jurisprudência, o que dispensa maio-res digressões. Nesse sentido, a Orientação Jurisprudencial nº

82 da SDI-I do TST, que se amolda ao preconizado pelo § 1º, doartigo 487 da CLT. Ainda que assim não fosse, melhor sorte nãoassistiria ao recorrente. Nos termos do item II da Súmula nº 378do TST, são pressupostos para a concessão da estabilidade oafastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção doauxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despe-dida, doença profissional que guarde relação de causalidadecom a execução do contrato de emprego. Conforme antes refe-rido, concluiu o INSS pelo acometimento de doença profissio-nal equiparável a acidente do trabalho no curso do contrato,enquadramento esse passível de questionamento, tão-só, najustiça federal. Por fim, não prospera a tese de que, ausenteprova do término do benefício previdenciário, a condenaçãoalusiva à complementação salarial de 24 meses, prevista emnorma coletiva, não pode prevalecer. A sentença foi proferidaem 2005 (fl. 667) enquanto a ação foi ajuizada em 2002. Até adata da prolação da decisão não havia indicativo de alta dobenefício previdenciário. Contudo, a previsão normativa é decomplementação salarial nos 24 meses subseqüentes à obten-ção do benefício previdenciário e este marco temporal está bemdelimitado neste caso, não ficando vinculado a qualquer situa-ção modificativa futura. Mesmo que assim não fosse, em liqui-dação de sentença todos esses dados serão verificados e, sendocerto que o comando é reintegratório, o interesse na prova daaptidão do trabalhador para o retorno ao emprego é do próprioempregador, sob pena de ter que adimplir salários, mesmo semque tenha havido a correspondente prestação laboral. (Relator:Juiz João Pedro Silvestrin).

Os fundamentos do acórdão não autorizam concluir pela viola-

ção a dispositivos de lei e da Constituição Federal invocados, na

forma da alínea “c” do artigo 896 da CLT.

Ofensa a norma constante de Portaria não figura entre as hipóte-ses previstas na alínea “c” do artigo 896 da CLT.

O recebimento do recurso sob o critério de dissenso de julgadosencontra óbice no artigo 896, § 4º, da CLT, pois a decisãoatacada está em consonância com a Orientação Jurisprudencial82 da SDI-I do TST: Aviso Prévio. Baixa Na CTPS. Inserida em28-4-97. A data de saída a ser anotada na CTPS deve correspon-der à do término do prazo do aviso prévio, ainda que indeni-zado.

Não configurada, na hipótese, contrariedade à Orientação Juris-prudencial 42, II, da SDI-I do TST, à qual incorporada a OJ 254 daSDI-I/TST: O cálculo da multa de 40% do FGTS deverá ser feitocom base no saldo da conta vinculada na data do efetivo paga-mento das verbas rescisórias, desconsiderada a projeção do avisoprévio indenizado, por ausência de previsão legal.

CONCLUSÃO

Nego seguimento. (fls. 203-204)

No agravo de instrumento, alega a Reclamada ter comprovadoa existência de divergência jurisprudencial específica sobre amatéria. Ademais, no seu entender, incabível a suspensão docontrato de trabalho ou o reconhecimento de nulidade da resci-são contratual, pois a dispensa já havia se operado e o avisoprévio indenizado não é computável para nenhum efeito.Portanto, inaplicável a Súmula 378, II, do TST e OJ 82 daSBDI-1/TST. Aponta violados os artigos 118 da Lei 8.213/91,487, § 1º, da CLT, 5º, LV, 93, IX, da CF, e a OJ 254/SBDI-1/TST.

Sem razão o Reclamante, devendo ser mantido o despachodenegatório do seguimento do recurso de revista, porquanto,foram consignadas pela decisão recorrida as seguintes premis-

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COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 40: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

sas fáticas: a) o contrato de trabalho mantido entre as partes tevevigência de 8-2-91 a 26-3-2002; b) o INSS concedeu, durante oaviso prévio indenizado, auxílio-doença por equiparação dasíndrome do pânico a acidente do trabalho; c) a moléstia teriasido ocasionada por assalto na agência na qual o Reclamantetrabalhava, seguido de ameaça de morte; d) o INSS tem acompetência funcional para classificar as doenças comoacidente do trabalho; d) não seria possível ao judiciário concluirindevido o auxílio-doença percebido pelo Reclamante; e) oartigo 118 da Lei 8.213/91 garante ao empregado estabilidadepelos 12 meses posteriores à cessação do benefício e f) o avisoprévio integra para todos os efeitos o contrato de trabalho(OJ 82/SBDI-1/TST e § 1º do artigo 487 da CLT).

Assim, para se chegar à conclusão diversa daquela adotada peloacórdão recorrido, necessário seria o revolvimento de fatos eprovas. O reexame pretendido torna-se absolutamente inviávelnesta esfera recursal de natureza extraordinária, consoante aexegese da Súmula 126/TST, porquanto a matéria em discussãoestá assente no conjunto fático-probatório e se esgota no duplograu de jurisdição, pois a instância a quo é soberana na aprecia-ção das provas. Ademais, a matéria ora debatida já foi pacifi-cada nesta Corte consoante entendimento consagrado naSúmula 378, II, OJ 82/SBDI-1/TST e § 1º do artigo 487 da CLT.

Entendimento também consolidado na SBDI-1 desta Corte,

consoante a ementa abaixo transcrita:

RECURSO DE EMBARGOS – ESTABILIDADE – DOENÇAPROFISSIONAL – SÍNDROME DO PÂNICO – INDENI-ZAÇÃO SUBSTITUTIVA A C. Turma decidiu em consonânciacom a Súmula 378, II, do C. TST, na medida em que consta-tada a existência de doença profissional, síndrome do pânico,por ter nexo de causalidade com o trabalho desenvolvidopelo empregado, pois gerada em face de neurose pós-assaltospresenciados, com diagnóstico médico e emissão de CATpelo Sindicato da categoria. Embargos não conhecidos.(TST-E-ED-RR-1204/1998-003-17-00 SBDI-1 Pub. DJ-U de30-5-2008. Min. Relator Aloysio Correa da Veiga)

Diante do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

Acordam os Ministros da Egrégia Sexta Turma do Tribunal Supe-rior do Trabalho, por unanimidade negar provimento ao agravode instrumento.

Brasília, 22 de outubro de 2008.

Mauricio Godinho Delgado – Relator

� AIRR – 642/2004-028-15-40DJU 31-10-2008

ACÓRDÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DEREVISTA VIA INTERNET – INTEMPESTIVO –DESPROVIMENTO.

Havendo norma institucional no Tribunal Regional estipulandohorário para envio de petições, e extrapolado esse horário deenvio da petição eletrônica, não há como se aferir a tempestivi-dade do recurso de revista. Agravo de instrumento a que se negaprovimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento

em Recurso de Revista nº TST-AIRR-642/2004-028-15-40.9, em

que é Agravante Discar Distribuidora de Carnes Catanduva

Ltda. e Agravado V. A. G.

Inconformada com o r. despacho de fl. 9, que denegou segui-

mento ao recurso de revista interposto, agrava de instrumento a

reclamada.

Com as razões de fls. 2/8, alega ser plenamente cabível o

recurso de revista.

Não há contraminuta, conforme certificado a fl. 69.

Não houve manifestação do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

I – CONHECIMENTO

Conheço do agravo de instrumento, uma vez que se encontra

regular e tempestivo.

II – MÉRITO

O MM. Juízo de admissibilidade denegou seguimento ao

recurso de revista, por intempestivo, nos seguintes termos, in

verbis:

O recurso não merece seguimento, por intempestividade.

Com efeito, de acordo com a certidão de fl. 243, a parte enviou

o recurso de revista por e-mail em 10-7-2007, após as 18 horas.

Nesse caso, conforme os §§ 1º e 2º do artigo 3º da Portaria GP nº

2/2002, o protocolo foi efetuado somente no primeiro dia útil

subseqüente, em 11-7-2007, cuja data deve prevalecer para

aferição da tempestividade. Dessa forma, resta extemporâneo o

apelo, a teor do artigo 6º da Lei nº 5.584/70, combinado com os

§§ 1º e 2º do artigo 3º da Portaria GP nº 2/2002, pois vencido em

10-7-2007 o prazo recursal, porque a parte decisória do v. acór-

dão foi publicada em 29-6-2007, sendo certo que não houve

expediente na Justiça do Trabalho da 15ª Região em 9-7-2007.

(fl. 9)

Nas razões de agravo de instrumento, a reclamada sustenta a

tempestividade do seu recurso de revista, sob o argumento de

que o recurso foi protocolado por “e-doc” às 19:48h do dia

10-7-2007, em consonância com o artigo 770 da CLT.

Entretanto, razão não lhe assiste.

O r. despacho agravado declarou a intempestividade do recurso

de revista da reclamada, ante a inobservância das normas cons-

tantes do artigo 3º, §§ 1º e 2º, da Portaria GP nº 2/2000 daquele

Tribunal Regional, que dispõe:

Os expedientes enviados serão impressos e protocolados na

unidade respectiva (protocolo da Secretaria Judiciária ou da

Secretaria do Tribunal Pleno), segundo a escolha do advogado,

devendo, obrigatoriamente, ser desconsiderada qualquer peti-

ção enviada erroneamente.

§ 1º – A tempestividade da petição será considerada pelo horá-

rio de recebimento dos dados pelo sistema, devendo ser obser-

vado, rigorosamente, o limite de funcionamento do protocolo

de petição.

§ 2º – Não será considerado, para efeito de tempestividade, o

horário da conexão do usuário, o horário do acesso à página do

Tribunal na internet ou qualquer outra referência de evento.

12/2008 39

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 41: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

Constata-se, assim, que a reclamada, quando da interposição

do recurso de revista, não cumpriu determinação daquele

Tribunal, que considera tempestiva a petição quando recebida

dentro do horário de funcionamento do protocolo de petição

daquele órgão.

Assim, não cumprida determinação contida na Portaria GP

02/2000 do Tribunal Regional da 15ª Região, não há como se

aferir a tempestividade do recurso.

Não há como se dar validade ao artigo 770 da CLT ao presente

caso, uma vez que, apesar de dispor que os atos processuais

podem ser realizados das 6h às 20h, não tratam da necessária

observância dos horários de expediente do órgão judicial para

interposição de petição eletrônica.

E o artigo 172 do CPC, que trata do tempo e do lugar dos atos

processuais, dispõe, em seu artigo 3º, que, em havendo prazo

determinado, a petição deverá ser apresentada no protocolo no

horário de expediente, nos termos da lei de organização judi-

ciária local.

Desse modo, enviado o recurso de revista da reclamada, por

e-mail, em 10-7-2007, último dia do prazo, após às 18 horas,

conforme delimitado no r. despacho agravado, não há como se

aferir tempestividade pretendida.

Destaque-se que não se trata de recurso interposto na vigência

da Lei 1.1419/2006.

Cita-se, abaixo, precedentes desta C. Corte no mesmo sentido:

RECURSO DE REVISTA – INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO

ORDINÁRIO – APRESENTAÇÃO AO PROTOCOLO DO

TRIBUNAL DEPOIS DAS 18 HORAS E ANTES DAS 20 HORAS.

O artigo 770 da CLT dispõe que os atos processuais serão públi-

cos, salvo quando o contrário determinar o interesse social, e

realizar-se-ão nos dias úteis das 6 às 20 horas. Mas quando o

Tribunal fixa que o expediente judiciário termina às 18 horas, o

recurso apresentado após tal horário é manifestamente intem-

pestivo. Isto porque compete aos Tribunais fixar, dentro do

tempo previsto na CLT, seu horário normal de funcionamento .

(TST-RR-590748/99.0, 2ª Turma, Relator Ministro José Luciano

de Castilho Pereira, DJ 24-3-2000).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA –

PETICIONAMENTO ELETRÔNICO – HORÁRIO DE

EXPEDIENTE – NÃO-OBSERVÂNCIA – INTEMPESTIVIDADE –

NÃO-CONHECIMENTO – NÃO-PROVIMENTO.

1. Não se conhece do recurso de revista interposto por meio de

peticionamento eletrônico após o horário de expediente fixado

pelo Tribunal Regional, na forma do artigo 172, § 3º, do CPC.

2. Agravo de instrumento a que se nega provimento.

(TST-AIRR-100413/2003-900-02-00; Rel. Min. Guilherme

Caputo Bastos; DJ 9-5-2008)

Em face do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior

do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de

instrumento.

Brasília, 22 de outubro de 2008.

Aloysio Corrêa da Veiga – Ministro Relator

� AIRR – 70/2003-104-03-40DJU 31-10-2008

ACÓRDÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DEREVISTA – SÓCIO E DIRETOR – ENQUADRAMENTOJURÍDICO COMO EMPREGADO OU NÃO –MATÉRIA FÁTICA – SÚMULA 126/TST.

O profissional contratado como diretor da entidade societária,

sendo seu sócio, pode se enquadrar quer dentro de relação jurí-

dica não empregatícia (caso assumindo poderes incompatíveis

com a subordinação), quer no âmbito da relação de emprego

(caso configurada a subordinação inerente ao artigo 3º, caput,

da CLT). Na primeira situação, o diretor será efetivo órgão da

sociedade; na segunda, tenderá a ser mero ocupante de cargo

de alta confiança. O específico enquadramento jurídico da si-

tuação fática examinada supõe o minucioso revolvimento do

conjunto probatório dos autos o que é vedado à Corte Superior

(Súmula 126 do TST). Agravo de instrumento desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instru-

mento em Recurso de Revista TST-AIRR-70/2003-104-03-40.0,

em que é Agravante R.P.R. e são Agravados PRIMASSIST S.A. –

Primeira Assitência e Consultoria e I.J.D. e N.C.M.G. e A.D.G.

A Vice-Presidência do 3º Regional denegou seguimento ao

recurso de revista do Reclamante com fundamento no artigo

896 da CLT (fl. 163).

Inconformado, o Reclamante interpõe o presente agravo de

instrumento, sustentando que o seu recurso de revista reunia

condições de admissibilidade (fls. 2-23).

Não foram apresentadas contraminuta ao agravo de instru-

mento ou contra-razões ao recurso de revista, sendo dispensada

a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos

termos do artigo 83, § 2º, do RITST.

É o relatório.

VOTO

I – CONHECIMENTO

Atendidos todos os pressupostos recursais, conheço do apelo.

II – DELIMITAÇÃO RECURSAL

No arrazoado de agravo de instrumento, o Reclamante limita a

sua insurgência à manutenção da decisão originária pelo Regio-

nal no tocante à inexistência de vínculo empregatício com a

Reclamada, não aportando mais a irresignação quanto à preli-

minar de incompetência da Quinta Turma do TRT de origem.

Por esse prisma, tem-se que, em relação à preliminar argüida,

ocorreu renúncia tácita do direito de recorrer, originadora de

conseqüente preclusão a não permitir mais discussão quanto ao

tema.

Assim sendo, o exame do cabimento do recurso de revista

ater-se-á apenas ao tema constante do agravo de instrumento e

respectivos dispositivos legais indicados, em observância ao

princípio processual da delimitação recursal.

12/2008 40

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 42: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

III – MÉRITO

EMPREGADO – CARGO DE DIRETOR – INEXISTÊNCIA DE

VÍNCULO EMPREGATÍCIO – ELEMENTOS – MATÉRIA FÁTICA –

SÚMULA 126/TST.

Restou pontuado pelo Regional, ao manter a decisão originária

no tocante à inexistência de vínculo empregatício:

VÍNCULO DE EMPREGO.

O autor alegou, na inicial, ter sido contratado pela reclamada

em 8. ago. 2001, para exercer o cargo de Diretor de Tecnologia,

sendo dispensado em 20. dez. 2002; recebia salário correspon-

dente a R$ 7.000,00, dos quais 50% era em espécie e os outros

50% em ações da empresa-ré; em 21. dez. 2001, a reclamada

transferiu para o seu nome 5 ações ordinárias, no valor de

R$ 2.500,00; em 16. jul. 2002, foram transferidos mais 35 ações

ordinárias, no valor de R$ 17.325,00, cujo registro de transfe-

rência foi posteriormente anulado.

Sustenta que a prestação de serviços se deu na forma de

emprego, devendo ser reformada a r. sentença de origem. Sem

razão.

Os reclamados, em sua defesa, sustentaram que o reclamante

foi eleito Diretor pela assembléia de acionistas, sendo um de

seus diretores, fato esse que afasta a existência de vínculo de

emprego.

O MM. Juízo sentenciante julgou improcedentes os pedidos, ao

fundamento de que o reclamante, além de sócio da empresa,

atuava como autêntico empregador, sendo incompatíveis os

poderes por ele exercidos com a figura do empregado a que se

refere o artigo 3º, da CLT.

Correta a r. decisão a quo.

O reclamante é possuidor de 5 ações, no valor de R$ 2.500,00,

desde 30. jul. 2001 (Ata da Assembléia de transformação de

Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada em Socie-

dade Anônima, de fls. 22-31), tendo sido admitido como acio-

nista mediante cessão de parte das ações de I.J.D.

Em depoimento pessoal, consignado na ata de fls. 220-221,

declarou que:

(...) iniciou a prestação de serviços em agosto/2001, exer-cendo a função de diretor de tecnologia; que o depoentefazia parte do contrato social da empresa (...); que o depo-ente não foi excluído do contrato social da reclamada; queo depoente acredita que ainda permanece como sócio daprimeira reclamada (...) quando da ruptura do contrato odepoente recebeu materiais e equipamentos como formade pagamento (...); que este acerto foi acordado em umaassembléia na reclamada em setembro/2002 (...); que nãofoi feita uma ata da assembléia

Releva frisa que desde sua alegada admissão em 8. ago. 2001, o

recorrente já exercia o cargo de Diretor de Tecnologia e os

documentos coligidos aos autos comprovam que o mesmo é

parte integrante do quadro societário da empresa, exercendo,

de fato, atividades inerentes ao cargo de sócio.

Os documentos de fl. 41 comprovam a transferência de mais de

35 ações ordinárias para o autor, documento esse que está

datado de 16. jul. 2002.

É certo que a jurisprudência trabalhista não veda o reconheci-

mento do vínculo de emprego como o acionista. Devendo, para

tanto, ser observada a presença ou não da subordinação jurí-

dica na relação entre as partes. In casu não se comprovou a exis-

tência deste elemento fático necessário à configuração do

vínculo pretendido . Ao contrário, embora não haja nos autos

documentos relativos à eleição e posse do autor como Diretor,

vê-se, pela notificação de fl. 37, que a empresa solicitou a sua

presença para resolução de pendência da área de tecnologia e

operações, o que se deu após a sua saída.

Nos ensinamentos do Professor Maurício Godinho Delgado

(Curso do Direito do Trabalho, 1 edição, Editora LTR, SP, 2002,

p. 34):

A corrente clássica tem a seu favor forte inclinação jurispru-dencial, assentada no Enunciado 269, do TST, que se fundana clara noção de incompatibilidade de situações (excetose comprovada a ocorrência de efetiva subordinação jurí-dica na relação de trabalho pactuado) (...). Há, contudo,importante ressalva a ser enfatizada: ainda que venha a serconsiderados empregados (acolhendo a moderna teseintervencionista), os diretores serão regidos por algumasnormas jurídicas especiais que não podem ser desconside-radas pelo operador jurídico.

Em primeiro lugar, seus contratos seriam pactos a prazo, já que

a legislação societária impõe a observância de mandato prees-

tabelecido (o artigo 243, III, da Lei 6.404/76 estabelece

mandado de até três anos). Em segundo lugar, tais diretores

seriam sempre demissíveis ad nutum, em face da peculiaridade

de seus contratos e de expressa legal (artigo 143, caput, Lei nº

6.404/76). Tais circunstâncias colocariam em seus pactos a

termo, automaticamente, para todos os efeitos cláusula assecu-

ratória do direito recíproco de rescisão antecipada, referida no

artigo 481 da CLT.

Ao que se depreende do conjunto probatório, como já dito, o

reclamante exercia, de fato, o cargo de Diretor de Tecnologia,

como se vê dos demonstrativos de pagamentos de pró-labore de

fls. 43-46, sendo que a prestação de serviços se destinou ao

desenvolvimento e implementação do software mencionado à

fl. 9 da inicial, como se verifica do depoimento do autor e pelas

declarações da testemunha Sr. Marco Aurélio (fl. 223).

O autor participou da contratação e dispensa de uma equipe da

área de tecnologia, segundo declarou o Sr. Marco Aurélio à

fl. 223. Ao fim dos trabalhos, o próprio reclamante se desligou

da empresa, sem, contudo, perder a condição de acionista.

Neste contexto mantenho a r. sentença de origem, refrisando-se

que:

Os documentos juntados aos autos, tanto pelo reclamantecomo pela primeira reclamada, comprovam que o recla-mante é parte integrante do quadro societário da primeirareclamada desde o início da prestação de serviços,conforme se verifica às fls. 22-31 e 98-107.

A qualidade de sócio também foi confessada pela reclamante

em audiência, por ocasião da tomada de seu depoimento

pessoal, tendo afirmado, inclusive, pelo mesmo, que ainda

permanece como sócio da primeira reclamada.

Restou comprovado, ainda, pelos depoimentos pessoais e teste-

munhais, que a qualidade de sócio não se limitava apenas aos

documentos, pois no exercício de suas atividades, de diretor de

tecnologia, atuava o reclamante como autêntico empregador,

pois tinha poderes não apenas para admitir e dispensar empre-

gados, como também para administrar o negócio, participando

12/2008 41

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 43: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

de assembléias e reuniões que decidiam sobre os rumos da

primeira reclamada.

As razões recursais são insuficientes à conclusão diversa, razão

pela qual desprovejo o apelo (fls. 105-108).

Interpostos embargos de declaração pelo Reclamante (fls. 110-124),

assim decidiu o Eg. TRT:

Inicialmente, cumpre observar que a Quarta Turma desteRegional não estava preventa para apreciação do recursoordinário, que foi distribuído nos termos do artigo 86, capute artigo 46, I, “a” e “b” do Regimento Interno (vide fl. 250),inaplicáveis ao caso os artigos citados pelo embargante.

Também não se verificam as omissões apontadas. O Acórdão

apreciou, detidamente, a questão do vínculo de emprego,

sendo que o Julgador não se impõe a obrigatoriedade de decidir

respondendo os questionamentos trazidos pelas partes,

bastando que demonstre o seu convencimento e fundamente o

Julgado de modo suficiente ao deslinde da controvérsia.

E o Acórdão o fez, na forma do artigo 131, do CPC. Com o

entendimento explicitado, que rejeita tese básica do embar-

gante, então recorrente, tornou-se desnecessário rebater cada

um dos pontos subjacentes, já decaídos no conjunto do deci-

dido, que não pode mais ser modificado por essa via.

Por outro lado, as razões de decidir guardam perfeita sintonia

com a decisão, não havendo falar-se em contradição.

Inexistente omissão, contradição ou obscuridade no Acórdão

embargado, nego provimento (fls. 126-127).

Na revista, o Reclamante sustenta não ter sido eleito em assem-

bléia geral para o exercício do cargo de diretor da Reclamada.

Argúi ausência de poderes para representar a empresa, bem

como para desempenhar a gestão dos negócios de forma válida.

Acrescenta, ainda, subordinação aos diretores eleitos em

assembléia geral e aos acionistas controladores. Lastreia o apelo

em ofensa aos artigos 3º da CLT, 12, VI, do CPC, 138, 143 e 144,

da Lei 6.404/76, 6º e 7º do estatuto social da empresa e contrari-

edade à Súmula 269/TST. Colaciona arestos para o cotejo de

teses.

Sem razão o Reclamante.

A análise da indicada violação do artigo 3º da CLT pressupõe o

exame de elementos fático-jurídicos componentes da relação

de emprego. O Regional, mediante estudo minucioso da prova

dos autos, em especial da documental, reconheceu que o

Reclamante permaneceu como parte integrante do quadro so-

cietário da empresa, exercendo, de fato, atividades inerentes ao

cargo de sócio.

Registre-se, por oportuno, que o Regional deixou assentado

que, ao ocupar o cargo de diretor, o Reclamante tinha poderes

não apenas para admitir e dispensar empregados, como

também para administrar o negócio, participando de assem-

bléias e reuniões que decidiam sobre os rumos da Reclamada,

isto é, concentrando em sua pessoa o núcleo básico e central do

processo decisório cotidiano da organização empresarial.

Tem-se que a situação do Reclamante nos moldes em que ficou

consignado pelo Eg. Regional é de efetivo órgão da sociedade.

Destarte, o objeto da irresignação do obreiro está assente no

conjunto fático-probatório, ainda que alegue o contrário, este

se esgota nas instâncias ordinárias. Adotar entendimento em

sentido oposto àquele formulado pelo Regional implicaria o

revolvimento de fatos e provas, inadmissível em sede de recurso

de revista, a teor da Súmula 126/TST.

Em síntese, o profissional contratado como diretor da entidade

societária, sendo ainda seu sócio, pode se enquadrar quer

dentro de relação jurídica não empregatícia (caso assumindo

poderes incompatíveis com a subordinação), quer no âmbito da

relação de emprego (caso configurada a subordinação inerente

ao artigo 3º, caput, da CLT). Na primeira situação, o diretor será

efetivo órgão da sociedade; na segunda, tenderá a ser mero

ocupante de cargo de alta confiança. O específico enquadra-

mento jurídico da situação fática examinada supõe o minucioso

revolvimento do conjunto probatório dos autos o que é vedado

à Corte Superior (Súmula 126 do TST).

Os artigos 12, VI, do CPC (representação processual), 138, 143

e 144 da Lei 6.404/76 (representação e possibilidade de

comando da atividade empresarial) não guardam pertinência

temática, porquanto alheios à matéria discutida nos autos, que

se restringe análise da existência ou não do vínculo empregatí-

cio. Incólumes, portanto.

Prejudicada a verificação da afronta aos artigos 6º e 7º do esta-

tuto social da empresa, na medida em que a admissibilidade da

revista exige estrita obediência ao artigo 896 da CLT.

No que tange à contrariedade à Sumula 269/TST, melhor sorte

não socorre o Reclamante, uma vez que não se trata de empre-

gado eleito para ocupar cargo de diretor; ao revés, o Regional

consignou que o Reclamante era parte integrante do quadro

societário da Reclamada desde o início da prestação de servi-

ços.

Por fim, os arestos colacionados na revista são inservíveis para

comprovação de dissenso pretoriano porque são inespecíficos,

ou seja, não traduzem a mesma realidade fática delineada pelo

Regional. Incidência da Súmula 296, I/TST.

Por todo o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Egrégia Sexta Turma do Tribunal

Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao

agravo de instrumento.

Brasília, 15 de outubro de 2008.

Mauricio Godinho Delgado – Relator

12/2008 42

COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Page 44: Seleções Jurídicas ADV_Dez-2008 (2)

TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO

TRT-3ª REGIÃO

� RO 414-2008-018-03-00-6DJ-MG 5-11-2008

EMENTA

FALÊNCIA DO EMPREGADOR COM EXTINÇÃO DOESTABELECIMENTO NO CURSO DA SUSPENSÃO DOCONTRATO DE TRABALHO – PRESCRIÇÃO – EFEI-TOS.

Ocorrendo a falência do empregador, com a imediata extinçãodo estabelecimento e, conseqüentemente, dos contratos detrabalho de seus empregados, também se dará por extinto ocontrato que, até então, encontrava-se suspenso por força deconcessão de auxílio-doença a determinado empregado. Daípor que, se ele tinha créditos a receber oriundos do contratoextinto, deveria fazê-lo no prazo impostergável de 2 (dois) anoscontados daquele marco, sob pena de dar-se por prescrito o seudireito de ação contra o ex-empregador.

VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de RecursoOrdinário, interposto contra decisão proferida pelo MM. Juiz da18ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte em que figuram comoRecorrente Elke Carvalho Correia e como Recorridos PlatinaCosmético Ltda. e outros e Layff Kosmetic Ltda., como a seguirse expõe:

RELATÓRIO

O MM. Juiz da 18ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, pela r.sentença de fls. 467/471 e decisão de embargos de declaraçãoàs fls.474/475, cujo relatório adoto e a este incorporo, rejeitou aargüição de ilegitimidade passiva e acolheu a alegação defen-siva de prescrição total (artigo 7º, XXIX, CR/88) e declarouextinto o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo269, IV do CPC.

Inconformada a Reclamante interpõe recurso ordinário àsfls. 477/483, sustentando que sua pretensão não pode ser fulmi-nada pela prescrição.

Pede provimento.

Contra-razões às fls. 485/486.

Dispensável a intervenção do MPT.

É o relatório.

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE

Conheço do recurso ordinário, eis que aviado a tempo e modo eregular a representação.

2. MÉRITO

PRESCRIÇÃO TOTAL. OCORRÊNCIA

A sentença decretou a prescrição total do direito de ação edeclarou extinto o feito, com resolução, de seu mérito, tendoem vista que “a autora ajuizou a presente ação em prazo supe-rior a dois anos após o efetivo término de seu contrato de traba-lho”.

Colhe-se dos autos que a decretação da falência da primeiraReclamada ocorreu em 19-5-2005 (fls. 233/234 e 15), quando aReclamante encontrava-se afastada em gozo do benefício do

auxílio-doença, concedido pelo INSS, que terminaria em julhode 2006.

Ocorre que não mais pende dúvidas de que o contrato de traba-lho cessa com a extinção das atividades empresariais, a teor daSúmula 173 do TST.

No presente caso, a decretação da falência da primeira Recla-mada, que imediatamente encerrou as suas atividades, impli-cou a cessação da prestação dos serviços e, conseqüentemente,extinguiu o contrato de trabalho da Reclamante. Não se desco-nhece que decretação da falência pode não acarretar a extinçãoautomática do contrato de trabalho, quando o síndico dá conti-nuidade às atividades empresariais do falido, mantendo todosou alguns empregados prestando serviços à própria massafalida. Mas esta hipótese não ocorreu no caso dos autos, onde,com a falência, houve imediata extinção do estabelecimento ede suas atividades empresariais.

Portanto, aqui não há falar em suspensão da contagem do prazoprescricional com base na Lei de Falências, porquanto estabeneficia apenas os credores comuns, não se estendendo aoscréditos de natureza trabalhista. No primeiro caso, a regra sejustifica pela impossibilidade dos credores não-trabalhistasajuizarem ações individuais contra o devedor após a decreta-ção de sua falência. Mas, no segundo, poderão os empregados,de imediato e desde o término do contrato de trabalho, perse-guir os créditos trabalhistas junto a esta Justiça, exatamente oque deveria ter feito a Reclamante. E se não o fez, o seu caso trazà baila o conhecido brocardo latino do dormientibus nonsuccurrit jus.

Nesse sentido é a doutrina de Amador Paes de Almeida (in Osdireitos Trabalhistas na Falência do Empregador, LTr, 1ª edição,1996):

“Os conflitos surgidos em decorrência de relação discipli-nada pela legislação trabalhista devem ser dirimidos pelaJustiça do Trabalho, não obstante o processo falimentar. Talação será proposta perante a Justiça do Trabalho, e não noJuízo da Falência. Declarada a falência do empregador, naimpossibilidade de manutenção do contrato de trabalho,ver-se-á o empregado constrangido a acioná-lo, visandoaos seus direitos trabalhistas”.

Logo, certificado nos autos que a reclamatória foi ajuizada apóstranscorridos mais de dois anos da cessação da atividadeempresarial, com a conseqüente extinção do contrato de traba-lho, deve ser mantida a sentença de 1º grau que extinguiu ofeito, sem resolução do mérito, ante a decretação da prescrição(artigo 7º, inciso XXIX, da CF/88).

O simples fato de estar a Reclamante afastada em gozo de auxí-lio-doença não daria ensejo à suspensão do prazo prescricionalpara o exercício do direito de ação. Isso porque a suspensão docontrato de trabalho não acarreta, como corolário, a suspensãoda prescrição, por inexistência de previsão legal.

A matéria relativa à suspensão ou interrupção da prescrição é deordem pública, estando todas as suas possibilidades exaustiva-mente previstas em dispositivos legais e constitucionais. Nocaso de suspensão do contrato de trabalho, em razão de afasta-mento e percepção do auxílio-doença, nenhuma previsão éencontrada no ordenamento jurídico.

Neste sentido o seguinte aresto da SBDI-1 do C. TST.

“EMBARGOS – SUSPENSÃO DO CONTRATO DETRABALHO – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO –PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL – TRANSCURSO NORMAL

12/2008 43

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1. A suspensão da prescrição só tem lugar se as condiçõesfáticas impossibilitam ao titular do direito buscar em juízo areparação pelas lesões eventualmente sofridas. Assim é –para citar o exemplo legal indicado pelo Reclamante – coma pendência de condição suspensiva do contrato. Segundoo dispositivo, pendendo condição que levante a eficácia dedeterminado contrato, não correrá contra o titular do dire-ito a prescrição em razão das lesões que só ocorrerão seestabelecida – ou restabelecida – a eficácia do contrato.2. Na espécie, ao contrário, o Reclamante, que tevesuspenso o contrato de trabalho em razão de percepção deauxílio-doença, pleiteou, após o prazo relativo à prescriçãoparcial, reparação por eventos ocorridos anteriormente àsuspensão.3. Assim, está correta a C. Turma ao confirmar a prescriçãoparcial pronunciada pelo Eg. Tribunal Regional. Preceden-tes da C. SBDI-1. Embargos não conhecidos.(TST-E-RR-167/2002-027-12-00.4, Ministra Maria CristinaIrigoyen Peduzzi, Subseção I Especializada em DissídiosIndividuais, DJ 19-5-2006)"

No mesmo sentido:

“SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHOPROVENIENTE DA CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA– EFEITO SUSPENSIVO OU INTERRUPTIVO DO PRAZOPRESCRICIONAL – NÃO-OCORRÊNCIA. I – A concessãode auxílio-doença, mesmo sendo motivo de suspensão docontrato de trabalho, não se enquadra em nenhuma dascausas impeditivas, suspensivas ou interruptivas do prazoprescricional, enumeradas quer nos artigos 168, 169, 170 e172 do Código Civil de 1916, quer nos artigos 197, 198,199, 200 e 202 do Código Civil de 2002. II – Tampouco épossível considerá-lo causa oficiosa de interrupção ou sus-pensão da prescrição a partir do princípio geral de direito,segundo o qual contra non volent agere non curit praes-criptio, isto é, contra quem não pode agir judicialmentenão corre a prescrição.Isso porque não há provas de que a doença que acometeraa recorrente, em razão da qual fora afastada do serviço emgozo do benefício previdenciário, a tivesse impedido deingressar em juízo.III – Esse impedimento é sabidamente de ordem objetiva,pelo que se mostra irrelevante eventual escusativa de quenão pudesse demandar, na pendência daquele benefício,até porque a prescrição extintiva pauta-se pelos pressupos-tos da inércia e do decurso do tempo, não cabendo indagardas razões psicológicas da atitude omissiva do titular dodireito.IV – Nesse sentido decisão recente da SBDI-I, na qual,revendo orientação anterior, o Colegiado passou a sufragaro mesmo entendimento. Recurso não conhecido(RR-503/2004-002-20-00, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Leve-nhagen, decisão unânime, DJ 23-2-2007)"

Não sobra dúvida, portanto, que o prazo prescricional nestecaso teve início em 19 de maio de 2005, data da decretação dafalência.

Nego provimento.

3. CONCLUSÃO

Ante o exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito,nego-lhe provimento.

MOTIVOS PELOS QUAIS, o Tribunal Regional do Trabalho daTerceira Região, em Sessão da sua Nona Turma, hoje realizada,analisou o presente processo e, à unanimidade, conheceu dorecurso ordinário; no mérito, por maioria de votos, negou-lheprovimento, vencida a Exma. Juíza Convocada Revisora.

Belo Horizonte, 28 de outubro de 2008.

João Bosco Pinto Lara – Juiz Convocado Relator

TRT-9ª REGIÃO

� RO 96035-2005-011-09-00-3DJ-PR 7-11-2008

CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL –CLÁUSULA DEL CREDERE – DESCONTOS REALI-ZADOS NAS COMISSÕES DO REPRESENTANTEDECORRENTES DE INADIMPLÊNCIA – IMPOSSIBI-LIDADE.

EMENTA

Os autos demonstram que apesar de defeso (artigo 43, da Lei nº4.886/65) no contrato de representação celebrado entre as partesexistia cláusula estipulando que “O Contratado responde pelodel credere, ou seja, é responsável pelo pagamento do preço donegócio que intermediou”. Provou o autor, ademais, mediante ajuntada aos autos de diversos documentos, bem assim por meioda oitiva testemunhal, que a ré efetuava descontos por tal con-ceito. Trata-se de descontos proibidos razão pela qual nãomerece reparos a r. sentença que condenou a requerida a proce-der ao pagamento dos valores descontados indevidamente doautor. Recurso da parte ré ao que se nega provimento.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordiná-rio, provenientes da MM.ª 11ª Vara do Trabalho de Curitiba-PR,sendo Recorrente Bebidas Astecas Ltda. e Recorrido A.R.S.

I – RELATÓRIO

Inconformada com a r. sentença de fls. 112/119, proferida peloExmo. Juiz do Trabalho Valdecir Edson Fossatti, que acolheuparcialmente os pedidos, recorre a parte ré.

Em razões aduzidas às fls. 133/140, postula a reforma da r.sentença quanto a: incompetência da Justiça do Trabalho,devolução de descontos e rescisão contratual.

Custas recolhidasàs fls. 139.Depósito recursal efetuadoàs fls. 140.

Contra-razões apresentadas pela parte autora às fls. 145-149.

Considerando-se o disposto no Provimento nº 1/2005, da Corre-gedoria-Geral da Justiça do Trabalho, entendo que os interessesem causa não justificam a remessa prévia dos autos ao Ministé-rio Público do Trabalho.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, ADMITO orecurso ordinário, bem assim as regulares contra-razões.

2. MÉRITO

a) INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Argumentando que o Juízo monocrático procedeu à anulação deescritura pública que “somente pode ser promovida perante aJustiça Comum estadual” (fls. 134), pretende a recorrente que sejadeclarada a incompetência desta Especializada “para apreciaçãode tal pedido, declinando a competência a uma das varas daJustiça comum da Comarca de Presidente Prudente/SP” (fls. 136).

O pleito patronal não merece ser acolhido, fundamentalmenteem virtude de que a recorrente não se ateve ao que foi funda-mentado nem, tampouco, ao que realmente foi decidido peloJuízo a quo.

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Com efeito, a decisão primeira foi clara, taxativa e corretaquando nela se explicou que “a pretensão relativa à declaraçãode nulidade de escritura pública de ratificação de representaçãocomercial, encontra-se inserida no mérito do pedido principal edesta forma, será apreciada de forma incidental.”

Nesse contexto, não há como se falar em incompetência comoaduzido pela ré. Observe-se que restou incontroversa a compe-tência da Justiça do Trabalho “para decidir causas envolvendorepresentantes comerciais” questão levantada pela ré nacontestação (fls. 61) e não renovada nas razões recursais.

Assim sendo, uma vez que a lide, incontestavelmente, versasobre matéria a ser decidida por esta especializada, para o Juízode fundo poder entregar a prestação jurisdicional que lhe foisolicitada, devia, de maneira inexorável, enfrentar a questãorelativa à escritura pública.

E, como bem alertado na r. sentença, no caso vertente, a decisãofoi necessariamente tomada de forma incidental, para poderchegar ao resultado pretendido pelas partes, isto é, insista-se, aentrega da prestação jurisdicional.

Em virtude do exposto, nada a deferir.

b) DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS E RESCISÃO CONTRA-TUAL

Pondera a recorrente que “quanto à devolução de valores tidoscomo descontos, jamais em tempo algum existiu entre as partes,tanto que, nenhuma prova logrou produzir a respeito, nãojuntando qualquer documento comprobatório” (fls. 136).

Aduz que a prova oral produzida a suas expensas é categórica parademonstrar a inexistência de tais descontos, ao passo que as teste-munhas do autor demonstraram não “conhecer o expedientehavido entre reclamante e reclamada, pois, residiam e laboravam aalguma distância das atividades do mesmo reclamante.” (fls. 136).

Acrescenta que tampouco há prova “no que se refere à rescisãocontratual” e mesmo assim foi deferido em favor do autor “oaviso prévio no importe e 1/3 do valor das comissões auferidasnos últimos 3 (três) meses” (fls. 136).

Nesse contexto, obtempera que é “inconcebível a r. sentença defls., evidentemente que, agiu mal e errou o R. Julgador ao prola-tar referida sentença.” (fls. 137) e em consequência pugna pela“reforma no que diz respeito à matéria enfocada” (fls. 138).

Sem razão a recorrente. Não merece provimento seu apelo.

Em primeiro lugar deve ser destacado que a fundamentação dadecisão de primeiro grau iniciou-se a partir da existência dachamada cláusula del credere no contrato celebrado entre aspartes. Este aspecto é extremamente importante, pois acaba poresboçar o tipo de relação predominante entre as partes.

Segundo foi declinado pelo Juízo monocrático, “a cláusulacontratual XIII do contrato de representação comercial reve-la-se ilegal e, assim, deve ser declarada nula de pleno direito,em flagrante ofensa à disposição legal contida no artigo 43 daLei nº 4.886/65.”

O mencionado dispositivo legal estipula que “É vedada nocontrato de representação comercial a inclusão de cláusulas delcredere”; não obstante, no contrato foi pactuado que ”O Contra-tado responde pelo del credere, ou seja, é responsável pelo paga-mento do preço do negócio que intermediou." (fls. 21).

Assim como o fez na peça contestatória, também no arrazoadorecursal a demandada permaneceu silente quanto ao tema. Temaque, insista-se, é essencial para o deslinde da controvérsia.

Ocorre que é por meio da cláusula del credere que se observa avalidade da prova documental carreada ao caderno processualpelo demandante.

Com efeito, ao revés do que insistentemente menciona a recor-rente, o autor apresentou provas das suas alegações e provasque, ao final, podem ser catalogadas como robustas.

No seu apelo tampouco se preocupou a ré em engendrar umaexplicação convincente, calçada nas provas constantes docaderno processual, quanto aos documentos apresentados peloautor para demonstrar os descontos que lhe foram impingidos.

Como consequência, o que se impõe é depreender que háprovas concretas nos autos para demonstrar as alegações dodemandante.

Assim, aliando-se a cláusula contratual ajustada em flagranteilegalidade, a prova documental juntada aos autos, e o que foideposto pela testemunha ouvida a convite do autor de que“ficou sem receber durante 70 dias em razão de cheques devol-vidos de clientes”, permite-se firmar a convicção, como feitopelo Juízo de fundo, de que, realmente, a ré efetuava descontosem função da responsabilidade que atribuía ao autor pelo paga-mento das vendas por este realizadas.

Em contrapartida às provas produzidas pelo autor, observa-seque a ré ficou no campo das alegações.

Diga-se, a propósito, que esta poderia contrapor-se ao autortrazendo à lide os comprovantes dos pagamentos efetuados, osdemonstrativos das vendas por este realizadas, enfim, documentospara patentear que não havia descontos, principalmente porquena exordial o demandante afirmou que “a requerida efetuavadescontos ilegais nas comissões devidas ao requerente” (fls. 8).

Todavia, preferiu oferecer na tênue e infértil tentativa de produ-zir prova a seu favor, os depoimentos de dois dos seus emprega-dos.

Sobre tais depoimentos afigura-se correto, principalmente emvirtude do que foi aqui exposto e com fulcro do que consta docaderno processual, o que foi inferido pelo Juízo de fundo: “astestemunhas ouvidas a convite da defesa (fls. 95/96), evidencia-ram em seus depoimentos tendência a favorecer a requerida,afirmando que o autor não sofria qualquer desconto no paga-mento de suas comissões, em total descompasso com a previsãocontratual imposta pela requerida (cláusula XIII) e documentosacostados aos autos pelo autor (fls. 31 e seguintes) os quais reve-lam que competia ao requerente a proceder à cobrança dosvalores inadimplidos.”

Destarte, não merece reparos a r. sentença no que pertine aotema descontos efetuados.

No que tange à rescisão contratual também está correto o racio-cínio do Juízo monocrático no sentido de que “o requerentepossuía interesse na manutenção do contrato de RepresentaçãoComercial” e, nessa vertente, alegando a ré que a rescisão ocor-reu por iniciativa do autor, cabia a esta a prova contundentesobre o ponto.

Ao passo que nas razões recursais nada se traz sobre o assunto,há que se dizer que da redação da escritura pública não hácomo depreender que tenha sido demonstrado, por parte doautor, “interesse em tal rescisão”, consoante argumento expen-dido na peça defensiva às fls. 65.

De outro modo, pelos mesmos motivos mencionados alhures, aprova oral não socorre as pretensões da ré; inversamente, dotestemunho obtido por iniciativa do autor denota-se que, igual-mente ao que aconteceu com o autor, depois de ter assinadouma escritura pública, “o depoente teve o contrato rescindido

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haja vista que o supervisor veio a sua residência e informou queo depoente estava fora do réu”.

Em virtude do exposto, MANTENHO a r. sentença.

III – CONCLUSÃO

Pelo que,

ACORDAM os Juizes da 4ª Turma do Tribunal Regional doTrabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, em admitir orecurso ordinário da parte ré, assim como as respectivascontra-razões.

No mérito, por igual votação, em negar provimento ao recursoordinário nos termos da fundamentação.

Custas inalteradas. Intimem-se.

Curitiba, 22 de outubro de 2008.

Sueli Gil El Rafihi – Desembargadora Relatora

TRT-12ª REGIÃO

� RO 1527-2007-046-12-00-8DJ-SC 22-10-2008

CONTRATO DE FACÇÃO E CONTRATO DEPRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – DIFERENÇAS –EFEITOS SOBRE AS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS.

EMENTA

Constitui típico contrato de facção o ajuste que tem por objeto aentrega de produtos acabados a serem elaborados no âmbito daempresa de facção e por seus empregados, que lá executamsuas tarefas sem nenhum tipo de ingerência por parte da contra-tante. O Enunciado n° 331 do TST, a seu turno, diz respeito aoscontratos que têm por objeto a prestação de serviços envol-vendo empresa tomadora e prestadora. Nessa hipótese, osempregados ficam à disposição da empresa tomadora, ondedesempenham as funções contratadas. Uma vez reconhecidoque a relação havida entre as recorrentes e empregadora ocor-reu na forma de contrato de facção, não há como atribuir-lhes aresponsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas daautora, por absoluta falta de amparo legal.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordiná-rio, provenientes da 2a Vara do Trabalho de Jaraguá do Sul, SC,sendo recorrentes A. C. B. M. (menor) e outro (2) e recorridos 1.Crisbel Confecções Ltda. – EPP e Outro (2) e 2. Triesse Con-fecções Ltda., 3. Terezinha Koslowski – EPP (Menina Linda).

Da sentença que julgou improcedente a ação das autoras emface das reclamadas Triesse Confecções Ltda. e TerezinhaKoslowski – EPP (Menina Linda) e procedentes em parte os pedi-dos por elas formulados em face de Crisbel Confecções Ltda.EPP e Manibel confecções Ltda. – EPP, recorrem as autoras aeste Egrégio Tribunal.

Em suas razões requerem a condenação solidária/subsidiária daterceira e quarta reclamadas ao pagamento dos créditos reco-nhecidos na ação, tendo em vista que as duas primeiras nemsequer possuem qualquer patrimônio.

Contra-razões são apresentadas pelas recorridas.

É o relatório.

VOTO

Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade, conheçodo recurso e das contra-razões.

MÉRITO

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

A responsabilidade subsidiária, de que trata a Súmula nº 331 do

TST, é aplicável aos casos em que o empregado é contratado

por uma empresa (prestadora de serviços) para trabalhar para

outra empresa (tomadora de serviços). Portanto, o objeto do

contrato é a mão-de-obra, a prestação de determinado serviço,

o que é feito dentro da empresa tomadora. Outra característica

desse tipo de contratação consiste em que, mesmo não configu-

rada a subordinação característica do vínculo de emprego, as

funções do empregado terceirizado, justamente por serem

desempenhadas nas instalações da empresa tomadora, acabam

sofrendo algum tipo de ingerência por parte desta. Para essas

situações é que a Súmula do TST estabeleceu a responsabili-

dade subsidiária da empresa tomadora em relação às obriga-

ções trabalhistas inadimplidas pela prestadora.

No caso em análise, incontroverso que as duas primeiras

demandadas prestaram serviços de facção às empresas recorri-

das (terceira e quarta reclamadas), ou seja, forneciam produtos

acabados e não mão-de-obra. Esses produtos são elaborados na

empresa de facção por seus empregados que lá executam suas

tarefas sem ingerência por parte dos contratantes, justamente

por serem as empresas de facção dotadas de autonomia econô-

mica e administrativa.

Sobre a matéria em discussão, vale transcrever trecho da pales-

tra proferida pelo Ministro do TST Vantuil Abdala, que tratou do

tema: “Terceirização: atividade-fim e atividade-meio –Respon-

sabilidade subsidiária do tomador dos serviços”, in verbis:

“Quando se contrata uma empresa para o fornecimento de

um produto, pronto e acabado, elaborado fora dos limites

da empresa contratante, longe de suas vistas, não há possi-

bilidade alguma de mergir daí uma relação trabalhista entre

contratante e a fornecedora, ou mesmo entre os emprega-

dos desta e aquela” (publicada pela Revista LTr 60-5/587).

Ademais, a prova emprestada ou a não juntada do contrato

pelas recorridas não tem o condão de descaracterizar o contrato

de prestação de serviços firmado entre as partes, pois, como já

exposto, a prestação de serviços de facção é incontroversa.

Assim, não carece de reforma a decisão de primeiro grau.

Nego provimento ao recurso.

Pelo que,

ACORDAM os Juízes da 3ª Turma do Tribunal Regional do

Trabalho da 12ª Região, por unanimidade, conhecer do

recurso. No mérito, por igual votação, negar-lhe provi-

mento.

Intimem-se.

Participaram do julgamento realizado na sessão do dia 9 de

setembro de 2008, sob a presidência da Exma. Juíza Lília Leonor

Abreu (Relatora), os Exmos. Juízes Gisele Pereira Alexandrino e

Gracio Ricardo Barboza Petrone (Revisor). Presente o Exmo. Dr.

Keilor Heverton Mignoni, Procurador do Trabalho.

Florianópolis, 13 de outrubro de 2008.

Lília Leonor Abreu – Relator

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� RO 5775-2007-016-12-00-6DJ-SC 7-11-2008

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA – UNICIDADE CONTRA-TUAL.

EMENTA

Não obstante seja certo que é licita a terceirização dos serviçosde vigilância, na forma estabelecida no inciso III da Súmula nº331 do TST, comprovada a subsistência de condições idênticasde trabalho prestado à mesma empresa e o prejuízo pecuniáriosuportado pelos trabalhadores com a suposta terceirização,resta evidenciada a intenção de burlar os seus direitos trabalhis-tas, em afronta ao disposto nos artigos 7º, inciso VI, da Constitui-ção Federal e 9º da CLT. Impõe-se, assim, declarar a nulidadedo contrato firmado com a empresa prestadora de serviços devigilância e reconhecer a existência de contrato único.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário,provenientes da 2ª Vara do Trabalho de Joinville-SC, sendorecorrente A. B. e outro (2) e recorrido Whirlpool S.A. (UnidadeEmbraco).

Inconformados com a decisão que declarou a prescrição dodireito de ação dos contratos de trabalho firmados com a ré,extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos doartigo 269, IV, do CPC, recorrem os autores a esta Corte, postu-lando a sua reforma.

Alegam nas razões recursais que o objeto da presente demanda é adeclaração de unicidade contratual e, desse modo, não se opera aprescrição, em face da natureza declaratória da pretensão.

Aduzem que a terceirização dos serviços de vigilância imple-mentada pela ré em março de 1999 é nula, por afronta aodisposto nos artigos 9º e 468 da CLT, e que a prestação de traba-lho para a ré prosseguiu sem solução de continuidade e nosmesmos moldes anteriores à rescisão inquinada.

Requerem seja reconhecida a unicidade contratual, com oconseqüente afastamento da prescrição declarada na sentençae a determinação de retorno dos autos ao Juízo de origem paraanálise dos pleitos condenatórios, bem como o deferimento dehonorários advocatícios.

Há oferecimento de razões de contrariedade ao recurso às fls. 330a 343.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso e das contra-razões, por satisfeitos os pres-supostos legais de admissibilidade.

Conheço dos documentos acostados às fls. 320 a 326, por setratar de mero subsídio jurisprudencial.

MÉRITO

1. PRESCRIÇÃO TOTAL

A ré postula, em contra-razões, a declaração de prescrição totaldo direito de ação, uma vez que decorram mais de cinco anosda data da dispensa e a posterior contratação pela prestadora deserviços, o que atrai a aplicação do entendimento consubstan-ciado na Súmula nº 294 do TST.

Cumpre esclarecer que a ré suscitou a matéria na contestação, oque, no entanto, não foi apreciado pelo Juízo a quo. A despeitode tal omissão não ter sido objeto de embargos declaratórios,entendo ser necessária a manifestação a respeito, diante daregra insculpida no § 5º do artigo 219 do CPC.

Entretanto, considerando que o pleito está fundado na alteraçãocontratual a que alude a Súmula nº 294 do TST, a sua aprecia-ção deve ser precedida da análise da existência ou não da unici-dade contratual.

2. UNICIDADE CONTRATUAL

Os autores alegaram, na inicial, que laboraram para a ré, deforma ininterrupta, no período de 2-8-89 a 15-3-99 (primeiroreclamante) e 24-10-83 a 15-3-99 (segundo reclamante) comcontrato formal, e, de 16-3-99 a 6-7-2007, mediante empresainterposta.

Aduziram que não se operou a rescisão contratual na realidadefática, mantendo-se intactas as obrigações e as condições detrabalho, à exceção do salário, que foi reduzido pela empresaterceirizada, acarretando-lhes prejuízo pecuniário.

O primeiro autor, A.B., alegou que foi contratado pela ré em2-8-89 para exercer a função de guarda industrial (posterior-mente denominada de vigilante) e que, a partir de meados de1994, trabalhou nas residências dos diretores da empresa.O autor S. A. asseverou que foi admitido em 24-10-83, exer-cendo as mesmas atribuições do primeiro autor até o final dacontratualidade ocorrido em 2007.

Acrescentaram que, no período imprescrito, em que efetuarama vigilância nas residências dos diretores, cumpriram as mesmastarefas, utilizaram a mesma arma e o mesmo uniforme, emcondições idênticas àquelas anteriores à alteração registrada naCTPS. Afirmaram, ainda, que, antes dos atos perpetrados pela réem março de 1999, reportavam-se ao chefe E. B., que, após aterceirização inquinada, passou a apresentar-se como patrão.

Postularam o reconhecimento da unicidade contratual comfundamento na ilicitude da terceirização e a condenação da réao pagamento de diferenças decorrentes da redução salarialocorrida com a contratação pela prestadora de serviços.

A ré refutou o pleito dos autores, sob a alegação de que oscontratos de trabalho foram extintos em 15-3-99, com o paga-mento de todos os direitos trabalhistas, e que posteriormenteforam contratados pela empresa GLOBALSEG Serviço de Segu-rança Ltda., com a qual a demandada firmou contrato de presta-ção de serviços terceirizados.

Afirmou que o departamento em que estavam lotados os autoresfoi extinto e todos os empregados que efetuavam a vigilânciaindustrial foram dispensados, tendo sido realizada a terceirizaçãodessa atividade através de contrato firmado com a empresa presta-dora de serviços de vigilância, na forma prevista na Lei nº7.102/83, a qual possuía sede própria, tendo sido a ela disponibili-zados apenas alguns móveis e equipamentos. Asseverou que partedos ex-empregados que aceitaram as condições oferecidas pelaGLOBALSEG firmaram contrato de trabalho com essa empresa devigilância, enquanto outros optaram por não trabalhar para ela.

Sustentou que o modelo administrativo adotado pela empresa, deterceirizar os serviços de vigilância, contratando empresa de pro-priedade de ex-empregados, não padece de qualquer ilegalidade.

O Juízo, ao apreciar a controvérsia, apontou, inicialmente, asincorreções de procedimento dos reclamantes quanto à perfeitaformação da relação processual e reconheceu a licitude daterceirização ocorrida em 1999.

Ressaltou o Magistrado que a atividade de vigilância não seinsere na atividade-fim da empresa demandada e que a ré extin-guiu por completo o seu departamento de segurança e, a partirde então, com respaldo na Lei nº 7.102/83, passou a ser toma-dora de serviços especializados ligados à atividade-meio,enquadrando-se à hipótese a que alude o inciso III da Súmula nº331 do TST.

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A sentença afastou a unicidade contratual e declarou prescritosos direitos relativos aos contratos de trabalho firmados entre aspartes no periodo de 2-8-89 a 15-3-99 (primeiro autor) e24-10-83 a 15-3-99 (segundo autor).

Ouso divergir desse entendimento.

Não obstante seja certo que é licita a terceirização dos serviçosde vigilância, na forma estabelecida no inciso III da Súmula nº331 do TST, compartilho do entendimento expendido em deci-são proferida pela 3ª Turma, cuja cópia se encontra colacionadaaos autos, na qual se apreciou matéria idêntica e se reconheceu aunicidade contratual, em face da fraude perpetrada pela ré.

Consoante salientou a Ex.ma Juíza Tereza Regina Cotosky noacórdão prolatado nos autos do Processo RO02286-2007-028-12-00-2, o que enseja o reconhecimento daunicidade contratual é a incontroversa subsistência de condi-ções idênticas de trabalho prestadas à mesma empresa mesmoapós a suposta terceirização.

Com efeito, o representante da ré admitiu que o reclamante pres-tou serviços para a reclamada nas funções de Vigilante, traba-lhando notadamente nas residências dos Diretores; que houve arescisão do contrato com o reclamante e com os demais funcio-nários da área de vigilância; que isso ocorreu, pois toda a área devigilância foi terceirizada, que todos os funcionários do setorforam comunicados, sendo que 80% deles continuaram a traba-lhar para a nova empresa; que em relação ao reclamante nãohouve qualquer alteração quanto ao serviço prestado. (fl. 253).

A prova testemunhal confirma a tese da exordial, porquanto atestemunha N. C. C. afirmou que em 1999, aproximadamente,tomaram conhecimento que o contrato a partir de então tinhasido transferido para GLOBALSEG;... não houve qualquer alte-ração no trabalho por ocasião daquela transferência do empre-gador, continuando utilizar os mesmos equipamentos e mate-riais; o chefe se manteve o mesmo, Sr. Borges; todo o pessoalcontinuou a ser o mesmo; o próprio pessoal da portaria daEmbraco coletou as referidas CTPS para fazer a anotação donovo contrato de trabalho; quando receberam de volta a carte-ira é que tomaram ciência da GLOBALSEG (fl. 255).

A testemunha arrolada pelo réu, E. B., também corroborou ainalterabilidade das condições de trabalho, ao declarar que apartir de 16 de março passou a prestar serviço através daGLOBALSEG; o trabalho continuou a ser feito no mesmo localmas sobre (sic) subordinação diferente; o depoente como traba-lha na área administrativa passou a ser subordinado aos donosda GLOBALSEG, Srs. Dércio e Borges; que ditos senhores naépoca também eram funcionários da Embraco;...os uniformesusados pelos vigilantes mudou apenas o bolso onde passou a seraposto o logotipo da GLOBALSEG no local em que se usava ologotipo da Embraco;... que os salários sempre foram deposita-dos na mesma conta pessoal dos empregados e na mesma agên-cia em que recebiam quando da Embraco;... os procedimentosde trabalho de uma fase para outra continuaram os mesmos,porém sobre outra fiscalização, geralmente dos lideres quetambém migraram na Embraco... (fls. 255 e 256).

Por outro lado, a análise dos documentos colacionados às fls. 17a 19 e do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (fl. 210)demonstra o prejuízo pecuniário suportado pelo autor com asuposta terceirização, evidenciando a intenção da ré de burlaros direitos trabalhistas dos autores, em afronta ao disposto nosartigos 7º, inciso VI, da Constituição Federal e 9º da CLT. Issoporque, por ocasião da rescisão contratual, a remuneração doautor era de R$ 3,89 por hora, o que resultava em um saláriomensal de R$ 855,80 para 220 horas de trabalho e a remunera-ção anotada pela GLOBALSEG é de R$ 600,00 mensais.

Diante do exposto, impõe-se declarar a nulidade do contratofirmado com a empresa prestadora de Serviços de Vigilância,

GLOBALSEG SERVIÇOS DE SEGURANÇA LTDA., e reconhe-cer a unicidade contratual com a ré até 6-7-2007.

No tocante à prescrição suscitada pela ré, diante do reconheci-mento da unicidade contratual, a sua incidência deverá serobjeto de apreciação pelo Juízo de primeira instância quantoaos pedidos de natureza condenatória.

Dou provimento ao recurso neste tópico para declarar a nulidadedo contrato firmado com a empresa GLOBALSEG SERVIÇOS DESEGURANÇA LTDA. e reconhecer a continuidade do vinculoempregatício estabelecido com a demandada até 7-2-2007,determinando a retificação da CTPS dos autores e o retorno dosautos à origem para o julgamento dos demais pedidos.

3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Os autores renovam o pleito de condenação da ré ao paga-mento de honorários advocaticios, com fundamento nodisposto no artigo 22 da Lei nº 8.906/94.

A pretensão não merece acolhida.

Na Justiça do Trabalho, os honorários de advogado, ditos assis-tenciais, somente são devidos quando presentes os requisitosprevistos no artigo 14 da Lei nº 5.584/70, quais sejam, o empre-gado deve estar assistido por procurador credenciado pela enti-dade sindical da categoria profissional e deve perceber salárioigual ou inferior ao dobro do mínimo legal ou prestar declara-ção de que sua situação econômica não lhe permite demandarsem prejuízo do sustento próprio ou da família (item I da Súmulanº 219 do TST).

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho já assentou entendi-mento, na Súmula nº 329, no sentido de que:

Honorários advocatícios. Artigo 133 da Constituição daRepública de 1988. Mesmo após a promulgação da Consti-tuição da República de 1988, permanece válido o entendi-mento consubstanciado no Enunciado 219 do TribunalSuperior do Trabalho.

No caso presente, embora os autores tenham declarado a suahipossuficiência econômica (fl. 05), fizeram-se representar noprocesso por advogado particular, não credenciado pelo sindi-cato da categoria, o que obsta o deferimento dos honoráriosassistenciais.

Assim, não estando os autores assistidos por advogado creden-ciado pelo sindicato de classe, é indevida a verba honorária.

Nego provimento ao pleito recursal.

Pelo que,

ACORDAM os Juízes da 3ª Turma do Tribunal Regional doTrabalho da 12ª Região, por unanimidade, conhecer dorecurso. No mérito, por maioria, vencido o Exmo. Juiz GilmarCavalieri, dar-lhe provimento para, declarando a nulidade docontrato firmado com a empresa GLOBALSEG SERVIÇOS DESEGURANÇA LTDA., reconhecer a continuidade do vínculoempregatício estabelecido com a demandada até 7-2-2007,determinando a retificação da CTPS dos autores e o retorno dosautos à Vara de origem para o julgamento dos demais pedidos.

Intimem-se.

Participaram do julgamento realizado na sessão do dia 7 deoutubro de 2008, sob a presidência do Exmo. Juiz Gerson PauloTaboada Conrado (Revisor), os Exmos. Juízes Gisele PereiraAlexandrino (Relatora) e Gilmar Cavalieri. Presente a Exma.Dra. Angela Cristina Pincelli, Procuradora do Trabalho.

Florianópolis, 28 de outubro de 2008.

Gisele Pereira Alexandrino – Relatora

12/2008 48

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