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Segurança Marítima, Pirataria e Cooperação: Lições para a Marinha do Brasil dos Casos da EU-NAVFOR Atalanta e do Golfo da Guiné Antonio Henrique Lucena Silva 1 Amanda Maria Costa de Lima 2 Caetano Azevedo Gomes da Silva 3 Mariana Moreira da Costa Soares 4 Rayana Lílian Rodrigues Maciel 5 Wesley Felipe da Silva Siqueira 6 Este trabalho tem como objetivo analisar o combate à pirataria nos casos da EU-NAVFOR Operação Atalanta no Golfo de Áden e o caso do Golfo da Guiné para extrair lições para a Marinha do Brasil no contexto do Atlântico Sul. O artigo teve como medotologia um estudo comparativo-exploratório dos casos supracitados, atrelando a análise documental e análise dos dados estatísticos. Esse texto buscou abordar as dificuldades e divergências sobre os conceitos de segurança marítima e pirataria, assim como as suas implicações. Posteriormente, os casos de pirataria no Golfo da Guiné, seu aumento exponencial, e a missão de sucesso na redução dos atos de ataques à navios no Golfo de Áden, a Operação EU-NAVFOR Atalanta Operação Somália são analisados. Os marcos legais de como o Brasil entende a questão da pirataria, suas implicações no Atlântico Sul, e a estratégia marítima do Brasil são objetos de discussão na seção seguinte. Conclui-se que é importante a cooperação internacional e o fortalecimento de meios de superfície da Marinha do Brasil para o combate a essa modalidade de crime, no intuito de reforçar a segurança no Atlântico Sul e na proteção da Amazônia Azul. PALAVRAS-CHAVE: Segurança Marítima; Pirataria; Cooperação. 1. INTRODUÇÃO Os ataques de piratas na região do Golfo de Áden, na costa da Somália, e o sequestro de populações dos navios levaram a comunidade internacional a ter maior atenção aos crimes que estavam sendo praticados nesta parte do globo. O aumento significativo desse tipo de investida levou a uma reação internacional: a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se mobilizou para atacar o problema. Em seguinda, a União Europeia também reunir forças para auxiliar, lançando em 2008 a EU-NAVFOR Operation Somalia – Atalanta, ou Operação Atalanta, conduzida de acordo com o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Estendida até o ano de 2020, a operação tem como missão proteger os navios do Programa Alimentar Mundial e outros navios vulneráveis; deter, proteger e reprimir a pirataria e o roubo 1 Professor de Segurança Internacional e Estudos Estratégicos da Faculdade Damas da Instrução Cristã, Recife - PE. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Membro do Grupos de Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI – UFPB). 2 Graduanda em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE. 3 Graduando em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE. 4 Graduanda em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE. 5 Graduanda em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE. 6 Graduando em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 8º período, Recife-PE. 1

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Segurança Marítima, Pirataria e Cooperação: Lições para a Marinha do Brasil dosCasos da EU-NAVFOR Atalanta e do Golfo da Guiné

Antonio Henrique Lucena Silva1 Amanda Maria Costa de Lima2

Caetano Azevedo Gomes da Silva3

Mariana Moreira da Costa Soares4

Rayana Lílian Rodrigues Maciel5

Wesley Felipe da Silva Siqueira6

Este trabalho tem como objetivo analisar o combate à pirataria nos casos da EU-NAVFOROperação Atalanta no Golfo de Áden e o caso do Golfo da Guiné para extrair lições para aMarinha do Brasil no contexto do Atlântico Sul. O artigo teve como medotologia um estudocomparativo-exploratório dos casos supracitados, atrelando a análise documental e análise dosdados estatísticos. Esse texto buscou abordar as dificuldades e divergências sobre os conceitosde segurança marítima e pirataria, assim como as suas implicações. Posteriormente, os casosde pirataria no Golfo da Guiné, seu aumento exponencial, e a missão de sucesso na reduçãodos atos de ataques à navios no Golfo de Áden, a Operação EU-NAVFOR Atalanta OperaçãoSomália são analisados. Os marcos legais de como o Brasil entende a questão da pirataria,suas implicações no Atlântico Sul, e a estratégia marítima do Brasil são objetos de discussãona seção seguinte. Conclui-se que é importante a cooperação internacional e o fortalecimentode meios de superfície da Marinha do Brasil para o combate a essa modalidade de crime, nointuito de reforçar a segurança no Atlântico Sul e na proteção da Amazônia Azul.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança Marítima; Pirataria; Cooperação.

1. INTRODUÇÃO

Os ataques de piratas na região do Golfo de Áden, na costa da Somália, e o sequestro depopulações dos navios levaram a comunidade internacional a ter maior atenção aos crimesque estavam sendo praticados nesta parte do globo. O aumento significativo desse tipo deinvestida levou a uma reação internacional: a Organização do Tratado do Atlântico Norte(OTAN) se mobilizou para atacar o problema. Em seguinda, a União Europeia também reunirforças para auxiliar, lançando em 2008 a EU-NAVFOR Operation Somalia – Atalanta, ouOperação Atalanta, conduzida de acordo com o Conselho de Segurança das Nações Unidas.Estendida até o ano de 2020, a operação tem como missão proteger os navios do ProgramaAlimentar Mundial e outros navios vulneráveis; deter, proteger e reprimir a pirataria e o roubo

1 Professor de Segurança Internacional e Estudos Estratégicos da Faculdade Damas da Instrução Cristã, Recife - PE. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Membro do Grupos de Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI – UFPB).

2 Graduanda em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE.

3 Graduando em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE.

4 Graduanda em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE.

5 Graduanda em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 7º período, Recife-PE.

6 Graduando em Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã do 8º período, Recife-PE.

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armado no mar; monitorar atividades pesqueiras na costa da Somália; apoiar outras missõesda União Europeia e de outras organizações internacionais que lutam para fortalecer asegurança marítima.

Após o sucesso da Operação Atalanta, os países da região do Golfo da Guiné sedepararam com o incremento exponencial dos ataques a navios e pirataria. Esses crimestrazem preocupação e geram questionamento sobre as ações conjuntas que estão sendotomadas para enfrentar a problemática. Com base nesses eventos, o presente artigo analisaessas questões e traz como pergunta de pesquisa: Como a EU-NAVFOR Operação Atalanta noGolfo de Áden e o caso do Golfo da Guiné podem ser usados para extrair lições para aMarinha do Brasil no contexto do Atlântico Sul? No sentido de dar uma resposta a essaindagação, o trabalho fez uma análise dos casos mencionados. Utilizou-se como metodologiauma análise comparativa-exploratória dos eventos supracitados, atrelando o examedocumental e investigação dos dados estatísticos gerados pelas operações. Também serealizou um levantamento de como o Brasil entende a questão da pirataria no seu entornoestratégico.

Tendo como objetivo extrair lições para a Marinha do Brasil no reforço da segurançatanto do Atlântico Sul como na proteção da Amazônia Azul, o artigo está dividido da seguinteforma: na seção sobre segurança marítima e pirataria, são abordados o desenvolvimentoconceitual e as divergências existentes sobre os termos empregados. Posteriomente, os casosde combate à pirataria são no Golfo de Áden, na costa da Somália, e na região do Golfo daGuiné são tratados. A defesa e a estratégia marítima brasileira é assunto abordado na seção 4onde se discute o Atlântico Sul e a priorização da Amazônia Azul. Por fim, nas consideraçõesfinais, é feito um balanço das operações tratadas no artigo e as suas implicações.

2. SEGURANÇA MARÍTIMA E PIRATARIA: DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL

Os mares e oceanos têm suma importância no desenvolvimento da vida humana desdea antiguidade; os povos se desenvolvem em litorais e se especializam em navegações,utilizando-as amplamente para comércio, como os fenícios, ou para conquista de outrosterritórios, como os vikings. E, mesmo com o passar do tempo, atualmente a situação não étão diferente, visto que 80% do comércio mundial é feito através dos portos, com modalmarítimo7. Com o crescimento das navegações internacionais e desenvolvimento do comércio,foi necessária uma codificação ou jurisdição a fim de regular os direitos marítimos; dessaforma, foi efetuada, no ano de 1982, em Montego Bay, Jamaica, a Convenção das NaçõesUnidas sobre Direito do Mar (CNUDM).

No direito brasileiro, a Convenção supracitada foi aprovada pelo Congresso Nacionalem 1987 e ratificada pelo governo em 1988, tornando-se parte do seu ordenamento jurídico.Entre as razões de sua importância, consta a conceituação de termos como mar territorial,zona contígua, águas internas, alto mar, zona econômica exclusiva e outros, o estabelecimentode direitos e deveres para Estados costeiros e implantação de uma jurisdição internacional quedelimita questões de guerra, proteção a recursos vivos, e etc.

No que tange ao conceito de segurança marítima, é interessante perceber que não háum consenso de definição, sempre sendo utilizada a ideia geral de “segurança” como umconceito amplo e de acordo com o seu contexto político (SANTOS, 2016)8. Nos textosoficiais, como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, é possível ver o termo

7 Retirado da reportagem “ONU: Comércio marítimo internacional atinge 9,2 bilhões de toneladas pela primeiravez na história”. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-comercio-maritimo-internacional-atinge-92-bilhoes-de-toneladas-pela-primeira-vez-na-historia/>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

8 Para mais informações, ver “Segurança e Globalização: A Perspectiva dos Estudos Críticos de Segurança” de Álvaro Moreira dos Santos.

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como “segurança da navegação”, “segurança no mar” ou “segurança da vida no mar”. Umaexplicação razoável para esse fenômeno seria a questão da não-jurisdição dos Estados sobre omar; quando pensamos que o oceano não constitui território de ninguém – exceto asmarcações já delimitadas por lei, como mar territorial e outros. Ele é, portanto, regido pelasleis internacionais de forma ampla.

Por essa razão, a pirataria se categoriza como o primeiro crime cuja jurisdição foi emgeral reconhecida pelo direito internacional comum; no entanto, nessa área não havia umadefinição para esse conceito, embora fosse necessária a intenção de roubar para se classificarcomo tal (HALBERSTAM, 1988)9. Ao longo do tempo, a pirataria foi considerada ato deguerra por parte dos monarcas, e até mesmo autorizada por eles por meio de cartas de corso;no entanto, essa atividade foi separada em julgamento, embora sua atividade permanecessesimilar: os piratas eram considerados criminosos, enquanto os corsários faziam saques emnome de suas majestades, os isentando de responsabilidades penais.

Atualmente, a Convenção sobre Alto Mar de 1958, em seu artigo 15º, define piratariacomo:

“Constituem pirataria os actos a seguir enumerados: 1) Todo o acto ilegítimo de violência, de detenção ou toda a depredação cometidapara fins pessoais pela tripulação ou passageiros de um navio privado ou de umaaeronave privada, e dirigidos: a) No alto mar, contra um outro navio ou aeronave, ou contra pessoas e bens a seubordo; b) Contra um navio ou aeronave, pessoas ou bens, em local fora da jurisdição dequalquer Estado. 2) Todos os actos de participação voluntária para utilização de um navio ou de umaaeronave, quando aquele que os comete tem conhecimento de factos que conferem aeste navio ou a esta aeronave o carácter de navio ou aeronave pirata. 3) Toda a acção tendo por fim incitar a cometer os actos definidos nas alíneas 1) e 2)do presente artigo ou empreendida com a intenção de os facilitar.”

Como visto acima, para constituir pirataria é necessário que o ato seja feito por partede uma embarcação privada e em local fora da jurisdição dos Estados, estabelecendo, assim,um crime de direito internacional; caso a violência (seja ela física ou moral) ocorra dentro doslimites de jurisdição de um Estado, caracteriza-se como “roubo armado contra navios”,segundo o Código de Prática para Investigação de Crimes de Pirataria e Roubo Armado contraNavios, resolução 1025 da Organização Marítima Internacional. Em razão disso, caso ocorrao crime dentro da jurisdição do Estado, este é responsável pelo julgamento e punição,podendo inclusive embarcar outras leis internas.

Também é importante notar que há três formas de se envolver com esse crime: apirataria em si, a participação ou o auxílio a ela, todas elencadas no artigo expostoanteriormente. Além do supracitado, o International Maritime Bureau ramifica a pirataria emtrês tipos: roubo armado de baixo nível, roubo e assalto de médio nível e maior sequestrocriminal. Tamanha é sua relevância nos quesitos de segurança marítima que o HeritageFoundation’s Maritime Security Working Group10, uma organização voltada para pesquisas emodificação de políticas estatais, em seu primeiro relatório, estabeleceu uma lista de desafiosenfrentados para estabelecer uma segurança marítima que incluía “Maritime criminalactivity”, constando pirataria, tráfico humano, de drogas e de armas.

A razão disso é, principalmente, a alta incidência da pirataria atrapalhando as rotascomerciais; estas, como já foi citado, são de suma importância visto que 80% do comércio

9 Para mais informações, ver “Terrorism on the High Seas: The Achille Lauro, Piracy and the IMO Convention on Maritime Safety”, de Malvina Halberstam.

10 Para mais informações, ver “Heritage Special Report” publicado pela Heritage Foundation, disponível em: <https://apps.dtic.mil/dtic/tr/fulltext/u2/a506760.pdf>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

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internacional é pelo modal marítimo. O International Maritime Bureau (IMB), uma divisãoespecializada da International Chamber of Commerce11 que se ocupa de zelar e vigiar as rotascomerciais marítimas, revelou em seu relatório anual que houve um aumento de casos entre2017 e 2018 (180 e 201, respectivamente)12. De acordo com o relatório ao vivo de 2019, jáocorreram sessenta e cinco casos de pirataria registrados esse ano, até a data de 21 de maio13.

Figura 1 - Mapa de pirataria e roubo armado

Fonte: International Maritime Bureau Piracy & Armed Robbery Map 2019 (até a data de 21/05/2019).

Em amarelo, tentativas de ataques; em laranja, embarcado; em azul, disparos contra asembarcações; em magenta, navio sequestrado e, finalmente, em roxo, navio suspeito. Como épossível perceber pela imagem acima, embora a maioria dos ataques ocorram pela rotaafricana, não são exclusivos dessa área. Por essa razão, é importante que haja uma percepçãoe conscientização do problema para que se tomem medidas relativas aos casos de pirataria.

De acordo com o Heritage Special Report de 2009, entre os anos de 2003 e 2007, ospaíses com maior ocorrência de ataques piratas nas Américas eram Peru (33 casos), Brasil (27casos), Venezuela (27 casos), Jamaica (24 casos) e Colômbia (19 casos). Sendo o Brasil o paísde maior economia da América Latina14 e potência regional, é de interesse que suas rotascomerciais sejam devidamente protegidas, tanto para comércio interno quanto externo.

O Brasil e a pirataria têm história desde a época colonial onde a costa brasileira, queapresentava 7.367 km de extensão, era alvo de piratas e corsários ingleses, holandeses eespanhóis por conta da negligência portuguesa sob suas possessões. Nos dias atuais, apirataria marítima contemporânea vem sendo cada vez mais presente nos debates dos países,

11 A Câmara Internacional do Comércio é a maior organização de comércio do mundo, representando mais de 45 milhões de companhias. Para mais informações, ver <https://iccwbo.org/about-us/>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

12 Além do site oficial, há uma matéria disponível em: <https://www.portosenavios.com.br/noticias/navegacao-e-marinha/ataques-de-pirataria-maritima-duplicaram-no-oceano-atlantico-em-2018>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

13 Para mais informações ou atualização de dados, ver <https://www.icc-ccs.org/index.php/piracy-reporting-centre/live-piracy-map>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

14 Dados retirados do site da Central Intelligence Agency (CIA): <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/br.html>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

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mesmo que ainda não tenha uma atenção adequada. Para o Brasil, um país de posiçãoestratégica importante no Atlântico Sul, é de interesse o que ocorre nas águas do OceanoAtlântico.

Desse modo, podemos notar que a Marinha do Brasil tem um papel importante nocombate à pirataria na região. Segundo o ex-ministro da defesa Celso Amorim (2012) “Àsvezes as pessoas esquecem que o Brasil tem a maior costa atlântica do mundo, que precisa serguardada. Não há como delegar isso, não só em relação a potenciais agressores ou à defesa dopré-sal, mas também em relação a temas como pirataria ou pesca predatória”15. A piratariamarítima é um risco caro para os navios mercantes; o último caso de pirataria no Brasil foi emmarço de 2019 no Macapá, onde dois piratas portando facas subiram em cordas com ganchose entraram a bordo de um graneleiro que estava atracado. Por contas dos vigilantes dentro donavio, ao sinal de perigo, foram acionados os alarmes e os piratas fugiram sem levar nada,tripulação e navio saíram ilesos – as autoridades foram informadas do ocorrido16.

Tendo em vista o risco que temos na costa brasileira, o mesmo ocorre na costaafricana, com muito mais intensidade e violência. Os países africanos do lado ocidental nosúltimos anos tiveram um aumento expressivo, especialmente no Golfo da Guiné, de ataquespiratas. Segundo o Relatório do International Maritime Bureau (IMB), a Nigéria e Benin,países banhados pelo Golfo da Guiné, são os que mais sofreram ataques de piratas. Entre 2015até março de 2019, foram 60 ataques reportados na Nigéria; 14 deles só nos primeiros trêsmeses deste ano. Em Benin foram 6 ataques, sendo 5 deles em 2018. A maioria das ofensivassão em navios petroleiros. Segundo os dados disponíveis sobre os assaltos ocorridos em 2019na Nigéria, em 2 dos 14 incidentes ocorreram danos sérios com vítimas fatais, em um caso noqual o guarda nigeriano veio a óbito em uma troca de tiros com os piratas e, em outro, atripulação foi sequestrada e mantida refém. Dessa forma, notamos que a segurança doAtlântico Sul é de fundamental importância para os países que nele é banhado e indispensávelpara uma boa ordem das rotas comerciais da região.

Gráfico 1 - Total de incidentes por região do mundo entre janeiro e março de 2019

15 Declaração retirada do “jornal” do senado. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/upload/201201%20-%20marco/pdf/em%20discuss%C3%A3o!_marco_2012_internet.pdf>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

16 Informações retirados no relatório da IMB o “Piracy and armed robbery against ships – report for the period1 January – 31 march 2019”. Disponível em: <https://www.icc-ccs.org/reports/2019Q1_IMB_PiracyReport.pdf>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

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Fonte: ICC – IMB Piracy and Armed Robbery Against Ships Report – First Quarter 2019.

De acordo com o gráfico acima, notamos como a segurança no Atlântico Sul estásendo ameaçada por essa modalidade de crime. Em fevereiro deste ano, o chefe do Escritóriodas Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Yury Fedotov, advertiu ao Conselho deSegurança sobre os perigos das questões piratas e outras atividades ilícitas que afetam a vidamilhares de pessoas17. Além de Fedotov, o ministro das Relações Exteriores da GuinéEquatorial, Simeon Angue, destacou que, na última década, 30% dos ataques piratas foram noGolfo da Guiné. O chanceler guinéu-equatoriano vai postular ajuda dos membros do Conselhode Segurança para “lutar contra o terrorismo e a pirataria e no desenvolvimento sustentáveldos países do Golfo”. Florentina Ukonga, a secretária-executiva da Comissão do Golfo daGuiné, salienta que os atos piratas cometidos no Golfo da Guiné devem ser tratados como“ameaça à paz e segurança do mundo”. Ademais, Fedotov (2019) anuncia no primeiro debatedo conselho sobre crimes internacionais “Dois terços da superfície do mundo são de oceanos.Quase tudo isto está além de águas territoriais dos Estados e amplamente fora de quaisquerjurisdições criminais estatais” e, por fim, sinaliza a questão mais importante do debate “Ocrime organizado transnacional no mar na região do Golfo da Guiné pode ser reduzido comuma intervenção melhor e mais coordenada em níveis nacional, regional e internacional”,finaliza o dirigente18.

A segurança marítima sempre foi uma questão para os Estados, até onde os paísespodem agir de acordo com as convenções internacionais e leis internas, são questões maisprofundas que incessantemente estão presentes nas nações de todo o mundo. Segundo Piedade(2018), o conceito de segurança marítima está ligado com “a proteção contra a prática de atosilegais e deliberados”. O autor vai elencar que o conceito de segurança marítimaconstantemente sofre uma justaposição com o conceito de “maritime safety”, esse último temcomo finalidade “prevenção ou minimização de potenciais acidentes no mar, que possamocorrer como resultado da não conformidade com as normas aplicáveis à construção,equipamento e operação de navios”, apenas é possível diferenciar os dois conceitos pelo

17 Informação disponível em: <https://nacoesunidas.org/pirataria-e-crimes-em-alto-mar-estao-mais-sofisticados-alerta-agencia-da-onu/>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

18Todas as informações apresentadas no parágrafo estão disponíveis no endereço: <https://nacoesunidas.org/pirataria-e-crimes-em-alto-mar-estao-mais-sofisticados-alerta-agencia-da-onu/>. Acesso em: 07 jun. de 2019.

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propósito do caso em que estiver sendo discutido. Piedade (2018), ratifica que os doisconceitos estão “inter-relacionados”, como no caso dos acidentes marítimos ocorridos nocontexto da pirataria. É importante sempre manter em mente que a segurança marítima estáassociada ao desenvolvimento econômico, por essa razão garantir a segurança da navegaçãomarítima é de suma relevância.

O relatório do secretário-geral da ONU, de 2008, elenca sete tipos de ameaça “(1)pirataria e assalto à mão armada, (2) atos terroristas, (3) tráfico ilícito de armas de destruiçãomaciça, (4) tráfico ilícito de narcóticos, (5) contrabando e tráfico de pessoas pelo mar, (6)pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (inn), (7) danos intencionais e ilegais aoambiente marítimo” (PIEDADE, 2018). Por fim, o autor informará que a “segurança marítimapode ser analisada de diferentes sentidos para indivíduos ou organizações diferentes,dependendo dos interesses e/ou das orientações políticas e ideológicas”. Observamos queconceituar “segurança marítima” é complexo e ainda são necessários muitos estudos ediálogos entre os organismos internacionais para conseguir entrar em consenso sobre esteconceito.

A partir desse entendimento, notamos que existe uma vulnerabilidade na questão decomo se tratar da segurança marítima, até pela falta de conceituação, bem como é complexo ecustoso fazer a proteção dos mares e oceanos, pois além das águas territoriais de cada Estado,há uma imensidão de rotas comerciais passíveis de pirataria, cuja proteção depende dacooperação estatal e da jurisdição internacional. Como visto anteriormente, o Golfo da Guinéé uma área vulnerável na qual já se está tomando advertência; além desta, é possível perceberque também o Atlântico Sul começa a mostrar vestígios de atividades piratas, tornandoimprescindível que países como o Brasil e outros Estados sul-americanos evidenciem maisatenção à região.

3. CASOS DE COMBATE À PIRATARIA

3.1 Perspectivas do Atlântico Sul e o cenário no Golfo da Guiné

Rota marítima com grande relevância geopolítica e comercial, o Atlântico Sul vemfomentando destaque no cenário internacional, principalmente após o início dos anos 90.Além de ser aquecida por discussões acerca das reservas petrolíferas, descoberta de riquezas esua exploração, a região enfrenta a ameaça securitária representada pelo crescente número deatentados, saques e sequestros piratas a navios realizando operações comerciais em seuscanais marítimos.

Embora tais recursos e descobertas catalisem interesses econômicos e conflitosterritoriais na região, cobiçada pelos Estados Unidos, alguns países da Europa e China comomodo de minimizar suas respectivas dependências do Oriente Médio com relação ao petróleo,a rota se estabeleceu como alternativa aos canais do Panamá e de Suez (DE LOS REYES,2009), considerando suas limitações na contemporaneidade das operações e evolução dosnavios de carga comerciais.O Brasil, que faz parte na mencionada retomada de atenção do Atlântico Sul, embora jápossua notável histórico e relações prévias dentro da região, determina seu vínculo a partirdos esforços de estabelecer uma regionalização estratégica – institucionalizada por meio daZona de Paz Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) – com os países localizados namargem da rota (ABDENUR; SOUZA NETO, 2014), visando um processo autônomo decooperação administrativa que confira segurança e estabilidade. O que faz sentido,considerando a relevância do litoral brasileiro em termos geográficos, biológicos e,principalmente, econômicos.

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Considerando todos esses panoramas que envolvem a região, o Golfo da Guiné, maisespecificamente, correspondendo aos países costeiros africanos entre Angola e Guiné-Bissau,é um dos maiores hotspots de atividade pirata no mundo atualmente, não somente pelo seufácil acesso, mas também graças ao seu petróleo e suas abundantes reservas de óleo(DIETERICH, 2014). De acordo com o relatório do Escritório Naval de Inteligência dosEstados Unidos datado do dia 30 de maio de 2019, em 2018 foram registradas 146 atividadespiratas não-confidenciais no Golfo, apresentando uma taxa percentual de crescimento anualde 21,66% em relação aos dados do ano anterior (como pode ser observado na tabela 1abaixo).

Tabela 1 - Resumo dos eventos de pirataria no Golfo da Guiné19

Fonte: HORN OF AFRICA/GULF OF GUINEA/SOUTHEAST ASIA: Piracy Analysis and Warning Weekly (PAWW) Report for 23 - 29 May 2019.

As causas desses ataques, de forma a introduzir os debates e a implantação demecanismos defensivos e securitários empregados na região, podem ser datadas dos temposcoloniais africanos que, utilizados como áreas de interesse e prospecção exclusivamenteeconômica pelos colonizadores europeus, não desenvolveram uma base administrativa estávelnesses países, atualmente sem ferramentas institucionais e capacitação para realizar operaçõesestratégicas de proteção da vasta área necessária de fiscalização e, impreterivelmente, deprevenção aos ataques piratas (MATOS, 2012).Essa conjuntura, somada a questões sociopolíticas e econômicas que vêm precarizando arelação entre governo e população através do tempo, além das próprias adversidades ligadasao frágil instrumento normativo e executivo estatal, não somente fortalecem e intensificamesses ataques, mas também inviabilizam uma resposta autônoma desses países para solucionara questão. Como resultado, impasses no desenvolvimento econômico, instabilidade estatal ecrises sociais que só fomentam a atividade pirata – atividade essa que, embora ilegal eprejudique ainda mais o aparato estatal, traz grande e rápido retorno financeiro. Porconseguinte a tal situação, alguns países iniciaram a providenciar assistência para modificar arealidade explanada, promovendo capacitação militar, aumento do poderio bélico e outraspráticas cooperativas.

A problemática acabou gerando posicionamento do Conselho de Segurança daOrganização das Nações Unidas (ONU) que, primeiramente em 2012, denunciou as atividades

19 A tabela 1 é um resumo de eventos piratas que ocorreram essa semana, esse mês e ao decorrer dos anos * atividade militante não é mais listada na tabela.

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e ataques piratas no Golfo da Guiné, sugerindo a cooperação entre os países para sanar oproblema; e então, em 2017, aprovando uma resolução que confere permissão às forçasmilitares estrangeiras para perseguir e capturar piratas na Somália e estimulando aconsolidação de normativas domésticas contra pirataria (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2017).

Porém, como observado em relatórios dos anos anteriores, em detrimento das medidasrealizadas contra a prática da pirataria na região, podemos observar um aumento não contínuode casos entre os anos de 2015 até 2018 (tabela 1). Ademais, anteriormente, entre 2012 e2014, foram reportadas 138 ocorrências (PACHECO, 2015) – embora pouco menos da metadedesse quantitativo tenha ocorrido na região da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e águasterritoriais e interiores nigerianas. Estabelecendo um crescimento paralelo ao período no qualiniciativas cooperativas internacionais foram efetivadas ou já se encontravam em vigor, comopor exemplo o estabelecimento da Rede Inter-regional do Golfo da Guiné (GOGIN) e oauxílio promovido pela Organização Marítima Internacional (IMO), agência da ONU.

3.2 Disposição da conduta e posicionamento brasileiros

Nesse sentido, o Brasil se apresenta como notável ator no âmbito da cooperação comos Estados africanos, com os quais o governo brasileiro cultiva uma relação diplomática,histórica e socioeconômica de décadas. Com uma vasta extensão territorial – a maior doAtlântico Sul – e populacional litorânea, o país construiu propriedade e experiência emquestões securitárias, normativas e, mais especificamente, operacionais marítimas(GUIMARÃES, 2014), incluindo operações search and rescue (SAR), patrulha, pesquisas e aexploração de riquezas naturais, como a camada de Pré-Sal, parte integrante da ZEEbrasileira.

Demonstrando apoio à situação instaurada no Golfo da Guiné e visando promovermedidas proativas para auxiliar a resolução da questão abordada, o Brasil se afirma favorávela realizar operações conjuntas com os países da região, focadas em realizar operações contra apirataria no mar, além de “[...] contribuir também com a parte das operações policiaispropriamente ditas”, assim como dito pelo diretor do Departamento de Produtos de Defesa doMinistério da Defesa, general Aderico Mattioli, na V Cúpula de Chefes de Estado e Governodo Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), em 2011, segundo a revista doSenado Federal, Em Discussão.

O próprio contexto brasileiro de ataques piratas, de acordo com o Piracy and ArmedRobbery Against Ships – 2018 Annual Report do International Maritime Bureau (IMB), doscasos conhecidos, correspondendo ao período entre os anos de 2014 e 2018, contabilizam umtotal de cinco ocorrências – uma em 2014 e os quatro casos restantes reportados no anopassado. Desses últimos quatro ataques em 2018, três deles ocorreram nos ancoradouros deMacapá, capital do estado do Amapá, no extremo norte do país.

Não obstante, deve-se também salientar a natureza auto-interessada do Brasil emrelação a sua afirmação cooperativa com a conjuntura do Golfo da Guiné – e, de forma maisabrangente, do Atlântico Sul. Tais medidas de auxílio para a região, além de significarem umgrande ponto positivo para a política externa e estabelecimento no sistema internacional dopaís, e simbolizarem a consequência das limitações dos canais de comunicação marítima deSuez e do Panamá, como já mencionado; coincidem com os projetos diplomáticos ecomerciais do Brasil de se estabelecer como a grande influência do comércio local (ROCHA,et al., 2017).

Ainda segundo ROCHA, et al (2017, p. 5), em artigo disponível nos arquivos onlinedo Ministério da Defesa:

“[...] o Brasil já vem buscando garantir seu espaço legal através de meios nãobelicosos, por intermédio da Convenção das Nações Unidas para o Direito no Mar.

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Neste contexto, a nação brasileira solicitou à Organização Marítima Internacional(OMI) a ampliação de seu território marítimo, provando com argumentos geológicosque nossa Plataforma Continental se expande além de nossa Zona EconômicaExclusiva”.

Ao mesmo tempo em que foca na capacidade tecnológica e logística da contínuaexploração e extração de seus recursos marítimos, o país necessita resguardá-los de forma afocar em normativas securitárias para conseguir sua manutenção e protegê-los, considerandoque a atenção e interesse exteriores nesses recursos é diretamente proporcional aodesenvolvimento dessas capacidades.

Frente à natureza de não militarização do Atlântico Sul da ZOPACAS e a crescenteaproximação estadunidense – de acordo com a Escola Naval, evidenciada pela reativação daIV Frota –, se faz necessário o fortalecimento da Marinha brasileira. A adesão da questão naagenda internacional, mediante um possível aumento de proporções alarmantes emocorrências de pirataria, a consequente evidência mundial e possíveis males que possam serdifundidos para outras regiões, resultariam, justamente, em um maior grau de interferênciaoriunda de fora da região do Atlântico Sul.

Visto isso, embora essa hipótese tenha pouca probabilidade de se concretizar, osesforços promovidos pelo Brasil para com a região somente fortaleceriam a relação jáestabelecida com tais países africanos, o que não somente garante o objetivo nacionalexplicitado anteriormente, mas também certifica os proveitos dessa relação para o país, emdetrimento aos outros Estados interessados.

3.3 A situação do Golfo do Áden no Oceano Índico

Assim como no Golfo da Guiné, o Golfo do Áden também gera preocupação mundialpor conta dos ataques piratas na região, principalmente na Somália. Esse é um país que selocaliza no Chifre da África e é banhado pelo Oceano Índico, próximo ao Golfo do Áden.Como explica Silveira (2014), esse oceano é hoje muito relevante por fazer parte deimportantes rotas comerciais internacionais entre a Europa, a Ásia e as Américas. Com odesenvolvimento econômico asiático, o Oceano Índico se tornou um dos mais importantescentros do comércio mundial e regional. Os Estados Unidos aumentaram sua presença naregião20 com o objetivo de proteger seus navios mercantes, além de estabelecer um equilíbriocom a grande influência chinesa21. No Golfo do Áden transitam produtos dos maisimportantes tipos, como recursos energéticos, matérias-primas, sendo rota da maioria docomércio euro-asiático.

De acordo com o Piracy and Armed Robbery Against Ships Report do ano de 2008,92% dos ataques piratas foram realizados na região do Golfo do Áden, porcentagem quepreocupou internacionalmente devido à importância geoestratégica do golfo. Avulnerabilidade da região devido à guerra civil, à ausência de um governo central efetivo e àeconomia instável, tornou a Somália um dos maiores alvos de piratas do mundo. Silveira(2014) explica que a pobreza, o desemprego, a baixa segurança, e entre outros fatores, fazemcom que haja maior atração para a pirataria.

20 Os Estados Unidos passou a liderar a “Combined Maritime Forces (CMF)”, uma coalizão de 33 nações com o objetivo de proteger o fluxo livre do comércio, melhorar a segurança marítima e deter a atividade ilícita na Área de Operações da CMF. É comandada por um vice-almirante da Marinha dos EUA, também comandante da Central da Marinha dos EUA (NAVCENT) e da Quinta Frota da Marinha dos EUA. Informações encontradas no endereço: <https://combinedmaritimeforces.com/about/> Acesso em 10 de jun. de 2019.

21 É grande a influência chinesa na região, e a frota da marinha do país já escoltou mais de 6.000 navios no Golfo do Áden e nas águas da Somália desde sua primeira missão em 2008. Informações encontradas em <http://www.xinhuanet.com/english/2019-04/19/c_137990862.htm> Acesso em 10 de jun. de 2019.

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Os ataques, alguns mundialmente conhecidos, se caracterizavam por tornar tripulaçõesreféns por longos períodos de tempo, sendo eles de poucos meses a três anos. O autor explicaque, por ser uma importante rota comercial, os Estados passaram a dar uma atenção maior aeste problema e lançar programas de securitização. Segundo o gráfico abaixo da Piracy andArmed Robbery Against Ships Report, houve inicialmente um aumento de ataques e tentativasde ataques após a resposta internacional, não gerando efeitos imediatos na região, masdiminuindo drasticamente a longo prazo. É importante relembrar que os piratas somalis seestendem às regiões do Mar Vermelho, Mar Arábico, Oceano Índico e Omã.

Gráfico 2 - Ataques e tentativas de ataques atribuídos a piratas da Somália

Fonte: Relatórios anuais de 2005, 2009 e 2014 do IMB: “Piracy and Armed Robbery Against Ships”.

Para solucionar o problema destacado, o Conselho de Segurança das Nações Unidasorientou que os Estados realizassem operações de segurança – tanto marítima quanto aérea –na área próxima à Somália, e protegessem os navios mercantes. Muitos países atenderam aessa solicitação e, a partir de 2008, diversas operações internacionais tomaram conta doOceano Índico. Em outubro de 2008, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte)iniciou a operação Allied Provider, que visava escoltar navios – principalmente os de ajudahumanitária - e impedir que esses fossem sequestrados e as tripulações levadas como reféns.A operação Allied Protector sucedeu essa operação em 2009, continuando a contribuir com aproteção das rotas marítimas.22 No mesmo ano, a OTAN lançou a operação Ocean Shield, aqual possui um sentido mais amplo, garantindo a segurança marítima da região e oferecendotreinamento aos países da região para que estes desenvolvam a capacidade de combater apirataria.

A União Europeia também se mobilizou para auxiliar, lançando em 2008 a EU-NAVFOR Operation Somalia – Atalanta, ou Operação Atalanta, conduzida de acordo com oConselho de Segurança das Nações Unidas. Estendida até o ano de 2020, a operação temcomo objetivo proteger os navios do Programa Alimentar Mundial e outros naviosvulneráveis; deter, proteger e reprimir a pirataria e o roubo armado no mar; monitoraratividades pesqueiras na costa da Somália; apoiar outras missões da União Europeia e deoutras organizações internacionais que lutam para fortalecer a segurança marítima23.

22 Informações encontradas no endereço: <https://www.emgfa.pt/pt/operacoes/missoes/oceanshield>. Acesso em: 03 jun. de 2019.

23 Informações encontradas no endereço: <https://eunavfor.eu/mission/>. Acesso em: 04 jun. de 2019.

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A operação trabalha com cinco prioridades: construindo estruturas políticas robustas eresponsáveis; contribuindo para a resolução e prevenção de conflitos; mitigando ameaças desegurança provenientes da região; promovendo o crescimento econômico e apoiandocooperações econômicas regionais24. A Operação Atalanta garante que os navios mercantes oude ajuda humanitária não viajem desprotegidos pela costa somali – como os navios doPrograma Mundial de Alimentos e da Missão da União Africana na Somália. Além disso, osnavios de guerra da EU-NAVFOR patrulham o Golfo do Áden, junto a helicópteros,reconhecendo as embarcações que circulam na região. Também há treinamento acerca dapirataria junto a marinheiros e pescadores locais, com o intuito de conduzir as melhorespráticas contra a pirataria.

Representantes da indústria marítima europeia costumam se reunir com a equipe daOperação Atalanta para discutir a situação da Somália, pois, sendo rota importante de diversosprodutos, é vital proteger seus navios e garantir segurança na região. Para os representantes,se o número de ataques hoje é mínimo, foi através dos esforços e das ações combinadas entrediversos atores. Para isso, os armadores também disponibilizam recursos para auxiliar nacontinuidade da operação.

Os resultados das operações internacionais, em especial a Operação Atalanta, foramexcelentes. O número de ataques piratas na região diminuiu significativamente. Entre os anosde 2014 e 2018, por exemplo, só ocorreram de fato 4 ataques na região do Golfo do Áden, e olocal hoje possui menos ataques comparado a regiões como Bangladesh, Gana e Indonésia25.O IMB Piracy Report Centre recomenda que sempre sejam reportados ataques piratas,tentativas ou suspeitas, pois é de suma importância para que se possa dar início aosprocedimentos de resposta, assim como transmitir alertas para os navios próximos à região26.

4. DEFESA E ESTRATÉGIA MARÍTIMA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

4.1 Atuação da Marinha no contexto da Política de Defesa

As diretrizes e objetivos definidos pela Política Nacional de Defesa (PND)representam os direcionamentos mais relevantes do país no tocante à garantia dos poderesconstitucionais, defesa da pátria e emprego das forças armadas. Neste mesmo sentido, aEstratégia Nacional de Defesa (END) determina as medidas necessárias para a implementaçãoe execução da PND, bem como o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) esclarece asinformações sobre as atividades de defesa para a sociedade brasileira. A partir destesdocumentos, tem-se, entre as forças armadas, o emprego do Poder Naval – cumprido a partirda Política Naval (PN) – e a atribuição de Autoridade Marítima conferidas à Marinha doBrasil (BRASIL, 2012a). Estes documentos27 guiarão o presente trabalho na identificação dos

24 Informações encontradas no endereço: <https://eunavfor.eu/wp-content/uploads/2019/05/20190520_A4-booklet-1_EU-U-1.pdf>. Acesso em: 04 jun. de 2019.

25 Informações encontradas no endereço: <https://www.icc-ccs.org/reports/2018-Q2-IMB-Piracy-Report.pdf>. Acesso em: 04 de jun. de 2019.

26 Informações encontradas no endereço: <https://www.icc-ccs.org/index.php/piracy-reporting-centre/advice-to-masters>. Acesso em: 05 jun. de 2019.

27 No período de desenvolvimento do presente trabalho - entre abril e junho de 2019 - as versões mais atualizadas da END, PND e do LBDN ainda não haviam sido oficialmente publicadas, embora aprovadas pelo Congresso Nacional. Existe apenas o acesso às minutas cujos textos disponíveis ao público não estão finalizados.Desta forma, consideramos as versões anteriores mais recentes, ambas da revisão de 2012. Para mais informações ver “Novas diretrizes para a defesa nacional já estão em vigor”, disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/12/20/novas-diretrizes-para-a-defesa-nacional-ja-estao-em-vigor>. Acesso em: 6 jun. de 2019.

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posicionamentos oficiais do Brasil cujos desdobramentos se relacionem direta ouindiretamente à prevenção, combate e dissuasão da pirataria marítima em águas na esfera deinteresse do país.

Por sua vez, a Marinha detém algumas atribuições específicas em seu campo deatuação, cuja expressão é encontrada em alguns dos pressupostos básicos que concebem aPolítica Naval do Brasil, o qual destacamos a contribuição para a segurança marítima doAtlântico Sul; a proteção das linhas de comunicação marítimas de interesse nacional; acooperação naval internacional, em especial com países sul-americanos; e a sistematização deatividades referentes à proteção marítima, à segurança da navegação, à salvaguarda da vidahumana no mar e à preservação ambiental; entre outros (MARINHA DO BRASIL, 2019b).

Neste sentido, o Poder Naval brasileiro, sob os princípios de monitoramento econtrole, mobilidade e presença, é orientado pelas Diretrizes da Estratégia Nacional de Defesaa dissuadir ameaças nos limites das águas jurisdicionais brasileiras, onde a Marinha possuitarefa de vigilância. Sobretudo, sublinha-se como as maiores preocupações de defesa oOceano Atlântico em sua porção ao Sul, bem como se ressalta a importância da Marinhaadensar sua presença na região da foz do Rio Amazonas e nas grandes bacias fluviais doAmazonas e do Paraguai-Paraná (BRASIL, 2012b). Ademais, a Autoridade Marítimabrasileira é comprometida com a prontidão em resguardar as linhas de comércio marítimo e asplataformas de petróleo em casos de eventuais instabilidades no sistema internacional(BRASIL, 2012b).

Com isso, algumas prioridades são estabelecidas na configuração das forças navaismediante as circunstâncias de negação do uso do mar para forças inimigas, de controle deáreas marítimas relacionadas ao Brasil, e de projeção de poder naval (BRASIL, 2012b). Estespressupostos orbitam em torno dos Objetivos Estratégicos das Forças Armadas no contexto daMarinha, que são focadas em defender proativamente plataformas petrolíferas, instalaçõesnavais e portuárias, arquipélagos e ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais brasileiras (AJB);na capacidade de responder a ameaças, inclusive criminosas, às vias marítimas de comércio; ena participação em operações internacionais e em organismos multilaterais regionais(BRASIL, 2012b).

4.2 Priorização estratégica do Atlântico Sul e da Amazônia Azul

O Brasil reconhece na América do Sul um ambiente regional estratégico no qual,através de medidas cooperativas e de integração, viabiliza o alcance do planejamento dedefesa do país que prioriza o Atlântico Sul e a Amazônia. Respaldada pela vocação marítimabrasileira, a Marinha direciona suas capacidades para exercer vigilância, controle e defesa daságuas jurisdicionais brasileiras, assim como para manter a segurança das linhas decomunicações marítimas, principalmente na região estratégica do Atlântico Sul (BRASIL,2012b; MARINHA DO BRASIL, 2019b).

Nestes termos, torna-se explícito o interesse do país na proteção do lado Sul doOceano Atlântico, majoritariamente devido ao seu papel como meio alternativo ao canal doPanamá e ao de Suez, através das passagens ao sul e pela rota do cabo da Boa Esperança,respectivamente; por conta do espaço intercontinental vital para o comércio internacionalentre a África Ocidental e o nordeste brasileiro (ou a chamada “Garganta Atlântica”); além depossuir reservas de recursos naturais essenciais ao comércio mundial, tais como o petróleo,presente na plataforma continental brasileira e nas vias de circulação do produto pelo atlântico(BRASIL, 2012a; CAVALCANTI; LIMA, 2013; MARINHA DO BRASIL, 2019b).

De igual modo, a Marinha brasileira concentra seus esforços na região conhecida por“Amazônia Azul” - área de aproximadamente 4,5 milhões de quilômetros quadrados – a qualabriga fontes energéticas essenciais ao desenvolvimento do país, como petróleo e gás, e outros

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recursos naturais. Assim, o Poder Naval do Brasil se encarrega em dissuadir riscos criminososou não convencionais a suas áreas estratégicas, concentrando esforços em monitorar e vigiarpermanentemente a Amazônia Azul e o Atlântico Sul, visto que a insegurança nessas águasimplicaria em ameaças a suas integridades e recursos (BRASIL, 2012b; CAVALCANTI;LIMA, 2013; MARINHA DO BRASIL, 2019a.)

4.3 Segurança marítima sob nova perspectiva

Alguns fatores, como a falta de redirecionamento de recursos orçamentários às áreasde Defesa, têm criado vulnerabilidades que colocam em xeque a capacidade de resposta dospaíses que porventura tenham sua segurança comprometida. Neste sentido, apesar deinúmeros avanços consolidados pela defesa brasileira, algumas vulnerabilidades ainda podemser identificadas em sua estrutura, cuja Autoridade Marítima vislumbra como uma dasmedidas de implementação de melhorias a “articulação das Forças Armadas, compatível comas necessidades estratégicas e de adestramento dos Comandos Operacionais, tanto singularesquanto conjuntos, capaz de levar em consideração as exigências de cada ambienteoperacional, em especial o amazônico e o do Atlântico Sul” (BRASIL, 2012b, p.116).

O novo cenário das relações internacionais do século XXI apresenta as chamadas“novas ameaças” aos campos de segurança, consequentes do aprimoramento científico etecnológico e de mudanças significativas no sistema internacional, por exemplo, ao mesmotempo em que ressurgem atores que desafiam a autoridade dos Estados. A crescentediversificação dos temas de defesa e segurança é reconhecida pelo Brasil, o qual elenca entreessas ameaças, por exemplo, atos terroristas, narcotráfico, tráfico de pessoas, desastresnaturais e a pirataria marítima (BRASIL, 2012a; MARINHA DO BRASIL, 2019a), comodiscutida no escopo deste trabalho. Os Estados, portanto, possuem vulnerabilidades, internas eexternas, que permitem o decrescimento do nível de resposta defensiva no contexto de suasrespectivas seguranças. A PND ressalta, sobre isso, que:

A segurança de um país é afetada pelo grau de estabilidade da região onde ele estáinserido. Assim, é desejável que ocorram o consenso, a harmonia política e aconvergência de ações entre os países vizinhos para reduzir os delitos transnacionais(...). A existência de zonas de instabilidade e de ilícitos transnacionais pode provocaro transbordamento de conflitos para outros países da América do Sul. A persistênciadesses focos de incertezas é, também, elemento que justifica a prioridade à defesa doEstado, de modo a preservar os interesses nacionais, a soberania e a independência(BRASIL, 2012b, p. 22).

Alguns pontos consolidados na defesa brasileira abordam, de uma forma ou de outra, aquestão da pirataria marítima ou da segurança marítima nas águas estratégicas do Sul.Retoma-se, desta forma, alguns dos Objetivos Navais da Marinha: A Defesa da Pátria, quetambém remete a proteção dos recursos nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e linhas decomunicação marítimas, visualizando como fator de dissuasão a presença naval no AtlânticoSul e na Amazônia Azul; Prover a Segurança Marítima, a qual envolve a proteção dotransporte de cargas e pessoas nas principais linhas de comunicação marítimas e hidrovias;Ampliar a consciência situacional marítima das áreas de interesse, cujo objetivo é aimplantação de sistemas de monitoramento contínuo das principais vias navegáveis do país,visando à defesa dos interesses nacionais; e Apoiar a política externa, como forma deinteração entre forças navais da região para a proteção marítima do Atlântico Sul em ambientede cooperação (MARINHA DO BRASIL, 2019b).

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4.4 Medidas de defesa marítima do Brasil

Concretamente, existem três principais medidas já implementadas pela Marinhabrasileira que, quando integradas, merecem destaque como meios de prevenção, dissuasão ecombate à pirataria marítima nas águas de interesse de preservação e proteção pelo Brasil. Aprimeira medida é o Programa Nuclear da Marinha, que visa construir um submarinobrasileiro de propulsão nuclear, com armamentos convencionais (conforme afirmado eminstrumentos internacionais), como forma de elevar a capacidade defensiva brasileira(BRASIL, 2012a). O submarino de propulsão nuclear deverá assegurar a tarefa de negaçãodo uso do mar a potenciais inimigos e ameaças, contribuindo para a defesa e preservação dosinteresses nacionais na área marítima, especialmente no Atlântico Sul, possibilitando aproteção de recursos naturais na plataforma continental e das rotas comerciais; odesenvolvimento tecnológico e a manutenção da livre navegação (BRASIL, 2012a; BRASIL,2012b).

Em seguida, tem-se o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), quemonitora e controla duas áreas marítimas prioritárias: a faixa de Santos (SP) à Vitória (ES) e aárea adjacente à foz do rio Amazonas. O SisGAAz integra dados obtidos de diversas fontes desensoriamento remoto, o qual foi concebido para ser o principal sistema de comando econtrole da Marinha, proporcionando a melhoria de consciência situacional sobre o ambientemarítimo e o posicionamento dos meios operativos disponíveis necessários para planejar eexecutar operações navais (BRASIL, 2012a; MARINHA DO BRASIL, 2019b).

Por fim, o Brasil exerce um importante papel na cooperação marítima internacionalpor meios diplomáticos e militares. O combate à pirataria exige, sobretudo, um trabalho dedissuasão garantido pela presença de forças navais legítimas que evitem ameaças a liberdadesdas atividades no mar (CAVALCANTI; LIMA, 2013). Ao mesmo tempo em que o Alto-mar éum espaço compartilhado entre todos os Estados, isto é, trata-se de águas internacionais,também existe a necessidade de se estabelecer requisitos mínimos em relação a circulação deembarcações, de forma a diferenciar atividades comerciais das atividades de pirataria, porexemplo (MARINHA DO BRASIL, 2019a).

Lidar com ameaças que podem se aproveitar de vulnerabilidades, como a piratariamarítima, exige, por parte dos Estados, uma capacidade de combate estruturada com umsistema de gerenciamento e monitoramento que seja reforçado pelo compartilhamento deinformações e cooperação com outras instituições, incluindo as Marinhas dos demais países(MARINHA DO BRASIL, 2019a). Neste sentido, a Marinha brasileira têm promovidoexercícios conjuntos com países do Atlântico Sul, principalmente da África Central eOcidental, os quais incluem manobras de adestramento com navios de patrulha oceânicavisando a ações antipirataria, além do intercâmbio de pessoal técnico promovido entremembros dos poderes navais do Brasil e das nações cooperantes no Atlântico(CAVALCANTI; LIMA, 2013).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto ao longo do texto, o modal marítimo é responsável por 80% do trânsitocomercial do mundo, tornando os mares e oceanos de suma importância para o comérciointernacional. A dificuldade de controle surge quando não há um responsável pela área e,afinal, quem é dono dos oceanos? A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Marsurge para conceituar e indicar as responsabilidades dos Estados para com seus territóriosmarítimos; juntamente com as jurisdições delimitadas, surge a conceituação de pirataria, o

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primeiro crime regido por leis internacionais e um dos maiores problemas na logísticamarítima comercial.

O Brasil apresenta uma extensa área de costa onde é de extrema importância para aMarinha brasileira assegurar a livre circulação de navios nesta localidade. Com o aumentosignificativo de ataques piratas no Atlântico Sul, acendeu-se um alerta nos países banhados daregião para combater essa modalidade de crime. A segurança marítima é uma indagação entreas nações do mundo, existe uma dificuldade em definir este conceito, e, com isso, cria-se umatrito em relação ao padrão de comportamento que os países devem dispor em relação àpirataria. Ademais, a segurança marítima está agregada com o desenvolvimento econômico,com isso, eleva-se o tema para pauta de discussão nos fóruns internacionais.

Fica clara a importância da cooperação internacional para diminuição e resolução doproblema apresentado. As operações realizadas pela OTAN e União Europeia, assim como asiniciativas individuais dos países, fortaleceram a proteção e a segurança do Golfo do Áden, oqual possuía números exorbitantes de ataques e tentativas de ataques piratas. A OperaçãoAtalanta foi uma das mais bem-sucedidas, e aponta boas estratégias de combate à pirataria asquais envolvem aumento da frota naval e do monitoramento da região, contato e cooperaçãocom a indústria marítima e com pescadores.

Especificamente no contexto do Golfo da Guiné, área ainda martirizada por crescentenúmero de atentados e ataques piratas, o Brasil se apresenta como um grande atorcooperativo, visando auxiliar não somente no âmbito securitário, mas de forma a capacitar eotimizar as próprias aptidões e conhecimentos da população regional. Assim, conferindo aautonomia e os mecanismos necessários para combater e modificar o atual cenário,exemplificado pela notável iniciativa de inserir alunos nacionais de alguns dos paísesafetados, como jovens nigerianos, na Escola Naval brasileira.

Essa articulação determina uma abordagem horizontal, especialmente favorávellevando em consideração a dinâmica já estabelecida e favoravelmente reconhecida dorelacionamento brasileiro com esses países africanos. Nesse sentido, o Brasil oferta seuextenso know-how sobre a temática, enquanto assegura seus interesses comerciais e políticos,fomentando a retirada da já mencionada regionalização estratégica do papel, além de garantira continuidade das logísticas econômicas instauradas na região. Por outra vez conferindoforça ao potencial de importância e vitalidade que a cooperação exerce e ainda deve exercerse continuamente estimulado dentro da problemática aqui explorada.

Partindo da atuação contemporânea da defesa nacional, identificou-se o papel exercidopela Marinha brasileira enquanto poder naval que protege, monitora, controla e vigia recursos,bens, embarcações e pessoas que circulam nas águas de interesse e de atuação do Brasil; e queprevine, dissuade e combate atores que sejam potenciais ameaças a esses elementos. Emespecial, a Autoridade Marítima do Brasil defende, para além de suas águas jurisdicionais, osespaços estratégicos da Amazônia Azul e do Atlântico Sul – este último, demonstra-se noradar de ataques piratas em tempos recentes sob o atual contexto de segurança marítimainternacional. Visualizando esse cenário, a Marinha brasileira dispõe de três importantesmedidas que, em diferentes níveis, vão ao encontro dessas questões, as quais são o ProgramaNuclear da Marinha, o SisGAAz e a constante cooperação marítima internacional.

Dada a pertinência e atualidade da pirataria, conforme demonstrado empiricamentepor este trabalho, faz-se necessário o aprofundamento do papel já desempenhado pelo podernaval brasileiro em vias de uma maior priorização desses assuntos na pauta de defesa. Istopode ser alcançado, inclusive, por meio de um aumento expressivo no orçamento direcionadoao Ministério da Defesa, a fim de que o órgão possa investir naquilo que tem potencial deampliar a capacidade de resposta a ameaças contemporâneas como a pirataria marítima.

Assim, a Base Industrial da defesa brasileira pode ser ampliada, equipamentos podemser modernizados e aprimorados, a cooperação internacional pode ser intensificada e projetos,

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como o submarino nuclear, podem ser finalizados. Expandir esses recursos pode, portanto,para além de reduzir as vulnerabilidades da defesa do Brasil, garantir o cumprimento dos jáconsolidados objetivos e diretrizes do poder naval no contexto da PND e da END, bem comosalvaguardar os recursos e interesses estratégicos nos espaços que servem como plataformasde projeção de poder e prestígio internacional do Brasil, sobretudo na região Sul do OceanoAtlântico.

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