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Page 1: Segredo Industrial - Denis Borges Barbosa  · Web viewExclusividade sem Propriedade 5. ... A noção de segredo de negócio foi mais amplamente elaborada pela doutrina e legislação

Do Segredo Industrial

Denis Borges Barbosa (2002)

SEGREDO INDUSTRIAL......................................................................................................................... 1

O KNOW HOW. ......................................................................................................................................... 1Técnica e a Prática.........................................................................................................................................3Exclusividade sem Propriedade......................................................................................................................5O segredo da arte de lucrar.............................................................................................................................7

O know how e o segredo de indústria..................................................................................................7O SEGREDO DE FÁBRICA ........................................................................................................................... 8

Trade Secret americano...................................................................................................................... 8O secret de fabrique francês...............................................................................................................9A proteção do segredo no direito brasileiro......................................................................................10

História dos Segredos de Negócio no direito brasileiro.................................................................................11O segredo industrial na lei em vigor.............................................................................................................11

Elementos do tipo penal do segredo..................................................................................................12Divulga, explora ou utiliza-se…...................................................................................................................13sem autorização…........................................................................................................................................13conhecimentos, informações ou dados confidenciais….................................................................................13utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços...........................................................................16excluídos aqueles que sejam de conhecimento público.................................................................................16ou que sejam evidentes para um técnico no assunto......................................................................................17a que teve acesso mediante relação contratual ou empregaticia.....................................................................17mesmo após o término do contrato...............................................................................................................17Violação de segredo sem relação de confidencialidade.................................................................................18Bibliografia: Know how e segredos ...............................................................................................................19

Neste estudo trataremos de três figuras jurídicas relativas à proteção das tecnologias ou, pelo menos, se nem sempre encontramos “tecnologia” como o querem os engenheiros, da oportunidade concorrencial resultante da detenção certas informações. Tais fenômenos, apesar de guardarem estreita analogia por não serem objeto de exclusividade legal, e, além disso, por serem construídas em torno do fato de um segredo objetivo, ou confidencialidade subjetiva, têm peculiaridades legais e práticas que justificam tratamento distinto numa obra como a presente.

O know how.Enquanto que a patente define-se como uma exclusividade de direito, o know how 1 resume

1 Expressão alienígena, o know how ingressou no Direito Brasileiro por força da lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994, que dispõe: Art. 3º.XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: a) know how ou segredo de indústria a que venha ter acesso em função da franquia (…). Vide Domingues, Douglas Gabriel, Breves conceitos sobre know how, Revista do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará,

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uma situação de fato: a posição de uma empresa que tem conhecimentos técnicos e de outra natureza, que lhe dão vantagem na concorrência, seja para entrar no mercado, seja para disputá-lo em condições favoráveis 2.

O know how é o corpo de conhecimentos, técnicos e de outra natureza, necessários para dar a uma empresa acesso, manutenção ou vantagem no seu próprio mercado. Esta vantagem poderia ser obtida por outras formas: concentração de meios financeiros, situação legal privilegiada, capacitação dos dirigentes, acesso a fontes de matéria prima, poder político, etc.

No entanto, toda vez que o acesso, manutenção ou vantagem no mercado de uma empresa resultam da maneira que ela se estrutura para produzir, no plano técnico, administrativo, comercial, etc., o modelo desta micro-estrutura de produção é o objeto do know how. O know how, é assim, o conjunto de conhecimentos disponíveis a respeito do modelo de produção específico de uma empresa, 3 que lhe permite ter acesso a um mercado, manter-se nela, ou nele desfrutar vantagens em relação a seus competidores.

Freqüentemente tal noção é usada em seu sentido restrito - para alcançar somente o conhecimento de certos segmentos da estrutura técnica de produção (know how técnico). Por tal razão, tende-se a reduzir o know how ao segredo de indústria 4. No entanto, o que o define não é o segredo de uma técnica, mas a falta de acesso por parte do público em geral ao conhecimento do modelo de produção de uma empresa.

Outros concorrentes podem ter o mesmo segredo, e dele fazerem uso, mas o know how específico não é acessível a todo e qualquer competidor, atual ou potencial. Neste sentido, é secreto no seu sentido etimológico, ou seja, segregado ou afastado: não é algo que ninguém - salvo o detentor - sabia, mas algo que certas pessoas não sabem.

Não menos freqüentemente, tende-se a resumir o know how ao conjunto de prestações técnicas entre empresas, a que se dá o nome de “assistência técnica” 5. Sobre isso, dá testemunho o tributarista Bernardo Ribeiro de Moraes, falando do ISS:

“Existem diversos serviços de assessoria ou assistência, que é gênero, sendo espécie:

vol 2 n 2 p 11 a 30 1989. 2 Nem sempre a manutenção de uma tecnologia em segredo importa em uso anti-social da propriedade; podem ocorrer razões justificáveis para o segredo. Freqüentemente, o detentor de tais conhecimentos não solicita a exclusividade jurídica de sua utilização porque os conhecimentos de que dispõe não são mais totalmente secretos, ou absolutamente originais; as informações, embora ainda sendo escassas, já está à disposição de outras empresas. Outras vezes, pelo fato de ser legalmente impossível conseguir a patente; outras ainda, por não haver competidores tecnológicos ou econômicos, que o possam ameaçar em sua exclusividade de fato. Vide Trade Secret & Know how Throughout the World, Aaron Wise. Clark Boardman Co. Ltd, New York. Vol.II..3 A noção se distingue, assim, da de aviamento, que é o conjunto de bens incorpóreos da empresa, incluindo marcas, patentes, a capacidade dos dirigentes, etc., vide Rotondi, in Rev. Mex. de la Propriedad Industrial. Dez. 1973, pág. 379. Aperfeiçoa-se, desta feita, a definição proposta no nosso artigo "El Concepto Jurídico de know how", Revista de Derecho Industrial, 1979.4 Vide nossos artigos El Concepto Jurídico de know how, op. cit., pg. 755; Know how e Poder Econômico, op. cit., pg. 24 a 45.5 Não nos demoraremos a analisar as diferenças entre know how e Assistência Técnica, se é que existem, ante a enorme imprecisão terminológica quanto aos dois termos. Para o aspecto tributário do problema, vide Tributação da Propriedade Industrial e do Comércio de Tecnologia, Ed. Res. Tributária, 1983. Fora do contexto tributário brasileiro, é freqüente usar a expressão "Assistência Técnica" para o treinamento de pessoal, envio de técnicos, etc., necessários na fase de implantação de tecnologia na empresa

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assessoria técnica, assessoria administrativa, assessoria econômica, artística, etc.”.

Assessoria técnica é a prestação de serviços, por pessoas especializadas, àqueles que carecem de certos conhecimentos indispensáveis. A especial habilidade técnica, perícia ou conhecimentos denominados know-how - são frutos de um processo de estudo e investigação e, podemos dizer, constitui mesmo objeto de segredo, tal o seu valor. O terceiro pode necessitar de tais conhecimentos técnicos para melhorar sua situação competitiva no mercado ou para criá-lo. Daí a contratação de compra de serviços, ou melhor, no caso, de técnicos ou conhecimento (know-how). O assistente, na qualidade de titular de know-how, transmitirá ao assistido, durante determinado prazo, a técnica desejada. Hoje é comum a importação de know-how, pedindo a vinda de técnicos estrangeiros.

O assessoramento técnico pode também consistir na realização de estudos ou investigações especiais, bem como na prestação, bem como na prestação de serviços enriquecidos por conhecimentos ou técnicas secretas, v.g., na compra de bens de capital da empresa.

A assistência técnica pode ser prestada pessoalmente ou através de visitas de pessoal especializado, inclusive por meio de folhetos, catálogos, ilustrações, instruções, etc.

Em resumo, podemos afirmar ser o contrato de assistência técnica, ou de assessoramento, um acordo pelo qual uma das partes (transmissora de tecnologia ou assistência técnica) oferece à outra (receptora), mediante remuneração, conhecimentos e elementos materiais de caráter técnico. 6

Técnica e a Prática

O Decreto 16.164, de 19 de dezembro de 1923, a lei de patentes que regeu a industrialização dos anos 30’, previa em seu artigo 41 que o depositante de um privilégio de invenção deveria submeter à Diretoria Geral da Propriedade Industrial um relatório.

“que descreva com precisão e clareza a invenção (...) de maneira que qualquer pessoa competente na matéria possa obter o produto ou o resultado, empregar o maio, fazer a aplicação ou usar do melhoramento de que se tratar”.

No artigo 72, no entanto, versando sobre as violações de privilégio de invenção, considerava-se agravante da infração.

“Associar-se o infrator com o empregado ou operário do concessionário ou cessionário, para ter conhecimento do modo prático de se obter ou se empregar a invenção”.

Reconhecia a norma legal, assim que, a par da invenção uma figura suplementar, o “modo prático”, ao qual se concedia tutela jurídica por via de agravante à infração de violação de privilégio. O padrão abstrato da “pessoa competente na matéria” que, por imposição, estaria apta a realizar o invento, não se aplicava necessariamente ao concorrente material, carente do auxílio dos empregados ou operários para empregá-la de um “modo prático”.

O sistema do Dec. 16.264 ilumina a natureza do conflito. Seria patenteável, à época, a invenção nova, ou melhoramento que tornasse mais fácil o fabrico do produto, ou aumentasse a sua utilidade industrial; e a novidade seria apurada segundo o princípio de que, até a data do pedido, não deveria ter sido o produto ou processo empregados ou usados, descritos ou publicados de forma a que pudessem ser empregados ou usados, dentro ou fora do país. Para que fosse concedido o privilégio, a par da novidade, era necessário que o invento tivesse utilidade industrial.

Enquanto na punição se ia alcançar o “modo prático”, os critérios da concessão do

6 Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e prática do ISS.

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privilégio remontavam à “utilidade industrial”, ao “estado da arte” apurado a nível global. Não é demais lembrar que o “prático”, para uma empresa operando mesmo no capitalismo brasileiro de 1923, é, em última instância, função de reditibilidade de um invento, de sua aptidão para o mercado, e não somente de sua utilidade industrial.

Tal característica, aliás, é objeto de decisão judicial conhecida (Mycole Corp. of America v. Pemco Corp. (1946) 68 U.S.Q. 317):

“O know how é constituído por conhecimentos técnicos, os quais, acumulando-se após terem sido obtidos através de experiências e ensaios, põem aquele que os adquirir em condições de produzir algo que não poderia ser produzido sem eles nas mesmas condições de exatidão e de precisão necessárias ao sucesso comercial”.

Um exemplo ilustra a afirmação. Suponhamos uma nova forma de destilação de bebidas espirituosas pelo emprego de altas temperaturas. Entre mil e mil e cem graus, obtém-se o produto, com as características da bebida em que falava o decreto, poderia conseguir o efeito industrial visado. No entanto, apenas a 1061 graus, a bebida teria a cor, o gosto e a leveza que garantiria seu sucesso no mercado, em competição com suas congêneres obtidas com processos convencionais.

A patente, desta maneira, protegeria a invenção, nos seus parâmetros de utilidade; o “modo prático”, a informação suplementar não revelada no relatório, alcançaria a reditibilidade. No caso mencionado, de resto proverbial entre os especialistas do setor, o privilégio impediria o uso do “meio prático”, conquanto não patenteado, e a informação não revelada seria legalmente indisponível.

Existe, contudo, uma diferença entre a proteção conferida ao titular do privilégio, como único realizador legal do invento, e a que o Dec. 16.264 lhe dava, como detentor dos “meios práticos”. A violação dos direitos de propriedade industrial se perfaz pelo desempenho da atividade empresarial cuja exclusividade fora conferida ao dono da patente; no exemplo, pelo emprego do processo de destilação que, pela aplicação de calor entre mil e mil cem graus, produziria a bebida. A incidência na agravante só se daria pela obtenção de um conhecimento, comunicado ao infrator pelos empregados ou operários do titular da patente.

Caso a informação sobre o “modo prático” de realizar o invento já estivesse à disposição do contrafator, ou se ele obtivesse de terceiros, nenhuma agravação resultaria.

Ora, tanto o direito de propriedade industrial quanto aquele outro, aos “meios práticos”, podem ser exercidos contra todos, em geral, sem que, previamente, haja sido pactuado a obrigação de não fazer - não usar o processo, não obter a informação. Consistem ambos, numa faculdade de agir de determinada forma (realizar o invento, conservar a informação para si), contraposta a um dever geral, inespecífico, de não interferir na ação do facultado. São, na classificação tradicional do Direito, poderes absolutos, por oposição aos que se constituem em relação a pessoa determinada, cujo exemplo mais flagrante é o dos direitos de crédito.

Exclusividade sem Propriedade

Vejamos, agora, como funciona essa forma específica de bem jurídico, sobre o qual não existe propriedade.

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As “maneiras práticas” não são objeto da mesma exclusividade que uma patente. Muito embora haja o direito de manter a informação reservada, sem comunicá-la a qualquer outro, os poderes absolutos, no caso, não impedem que terceiros criem, obtenham, ou descubram os dados por dispêndios ou trabalho próprio. A significação econômica destas “maneiras práticas” está, assim, na dificuldade material de obter tais informações, no custo, risco ou esforço necessário para isto.

Por não serem objeto desta exclusividade objetiva, Ascarelli nega às “maneiras práticas” serem protegidas por direitos absolutos:

“Tudo ció però non permette, a mio avviso, e non puo permettere di fare un passo ulteriore deducendo, dalla decisione del suggeto de tenere segreta una determinata notizia, un suo diritto assoluto (e v’è chi parla di “proprietà” ció che mi sembrerebbe comunque inessato) all’altrui astensione da ogni atto volto a conoscere il (dato) segreto o a utilizzarlo. (...) É cosi lecito, a mio avviso, (...) cogliere - ad essempio atraverso l’ispezione di un produtto e poi utilizzare il retrovato, seppure il suo autore volesse tenerlo segretto.” 7

No entanto, como vimos, o direito em questão, sendo um poder (de não divulgar) ao qual se apõe um dever geral de abstenção, constitui um direito absoluto, embora não exclusivo8. Paralelo ilustrativo, no campo dos direitos personalíssimos, é a proteção ao nome próprio, insuscetível de ser utilizado por quem não seja o titular, embora não oponível aos homônimos legais. É preciso concordar com Ascarelli, contudo, quanto aos limites da proteção oferecida pela lei aos “meios práticos”.

Certamente, nenhuma proteção haverá quando estes “meios práticos” são evidentes, ou seja, quando o simples uso dos produtos, criados com o auxílio daqueles, revelar “os meios” que estão por trás. Também nenhuma proteção haverá se os meios forem revelados pela desmontagem conceptual do produto, o chamado reverse engineering. A informação nestes casos resultou de uma análise ou decifração, constituindo-se num trabalho, risco, ou dispêndio autônomo. O que se tutelava, no velho Dec. 16.264, era a obtenção da informação por comunicação dos empregados e operários do titular: o poder de não divulgar difere do poder de usar com exclusividade a mesma informação.

A formulação do Decreto de 1923 ainda permite distinguir as demais características dos “meios práticos”. Claramente, tais “meios” são transmissíveis, pois é sua comunicação que se pune; não se trata do uso de habilidades pessoais, pois o dispositivo menciona “para ter conhecimento”. Serão de obtenção difícil, pois, embora o titular dispusesse dos “meios, e terceiros também deles pudessem dispor, o contrafator precisaria do auxílio de empregados e operários do titular. A redação do dispositivo também não deixa margem a dúvidas de que estes "meios práticos” não serão coisas materiais, pois não se pune o furto, ou a apropriação indébita; senão, quando muito, informações sobre coisas materiais.

É interessante notar que não se veda no Dec. 16.264, a associação com os empregados ou operários, pela subtração de mão-de-obra qualificada, versão terrestre da “sedução de marinheiro” que prevê o art. 500 do Código Comercial. A tutela recai, realmente, sobre as informações reservadas, sobre algo que, passando a dispor o contrafator, não perde o

7 Teoria della concorrenza e dei beni immateriali - A Giuffré Ed. 1960 - pg. 284.8 Com esta formulação concorda Pontes de Miranda, ao conferir o segredo de fábrica "eficácia erga omnes, mas não real”, no sentido de que "todos têm de admitir que exista, e não seja violado”. Tratado de Direito Privado, v. XVI Bor-soi, 1971. Par. 2005.

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titular; mas algum dano, alguma lesão aos direitos do patenteado deve haver e, a se julgar da natureza da lei tutelar (de direito comercial), não será infração a um direito personalíssimo, uma simples violação de sigilo individual.

Não se pode perder de vista que o patenteado, por efeito de seu privilégio, adquire uma vantagem considerável sobre seus concorrentes, sendo o único a poder desempenhar a atividade de explorar o invento; a infração do contrafator consiste em ultrapassar as barreiras da exclusividade legal, realizando a mesma atividade. Quanto aos “meios práticos”, a exclusividade legal não existe, mas mesmo assim, o fato de dispor deles, enquanto o contrafator não é tão bem aquinhoado, dá ao titular uma vantagem concorrencial sobre o infrator. Ao fim do período de proteção do privilégio, o contrafator teria, em tese, livre disponibilidade da informação patenteada para efeitos de sua produção; o antigo titular, no entanto, saberia como fazer melhor, e mais adequadamente, o resultado do invento, graças aos “meios práticos”.

A lesão, assim, é a perda da vantagem concorrencial que o detentor dos “meios práticos” teria sobre o contrafator, e se expressa nos lucros cessantes, após a ocupação do concorrente de sua nova posição perante o mercado. Os “meios práticos” se incluem assim entre os bens concorrenciais, que consistem em uma oportunidade, juridicamente protegida, de participar de um mercado, de obter réditos.

Sintetizando, os “meios práticos” de que falava a revogada lei de patentes de 1923 seriam informações transmissíveis, suplementares às constantes do relatório descritivo de uma patente, que permitem que o seu detentor produzisse, em condições de mercado, o invento privilegiado e que, por não serem geralmente disponíveis, resultam em uma vantagem concorrencial. Tal definição se aproxima da que Mousseron formula para o know how:

“Le savoir faire consiste en une connaissance technique, transmissible, non immédiate -ment accessible au public et non brevetée.” 9

Além da peculiaridade da antiga lei brasileira, de só punir os meios práticos subsidiários a um privilégio, as principais diferenças entre a definição dos “meios práticos” e o savoir faire de Mousseron está, de um lado, na diferença entre o técnico (adotado pelo tratadista francês) e o prático (previsto no Dec. 16.264/23) e, de outro, na exclusão, na segunda definição, da noção de bem concorrencial de que acima falamos.

Com efeito, nem todos os “meios práticos” deverão ser “técnicos”; não é técnica, no sentido estrito, a informação sobre a melhor divisão de trabalho para realizar o invento, e, no entanto, é um dado relevante para otimizar sua reditibilidade; tal dado estaria, contudo, sob a noção mais empresarial de “meios práticos”. De outra parte, haveria um savoir faire num conhecimento técnico, transmissível, não acessível ao público e não patenteado apto a produzir bens insuscetíveis de produção para um mercado; e não estaríamos, aí perante um “meio prático”.

O segredo da arte de lucrar

Muito mais perto da definição do “meio prático” do Dec. 16.264/23 está a noção de

9 Apud. R. Fabre, Le Know how. Librairies Techniques, 1976, pg. 13. Vide também Chavanne e Burst: Droit de la Pro-prieté Industrielle. Dalloz, Paris, 1976 nr. 425.

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Magnin 10: o know how seria uma arte de fabricação, a reunião das experiências, conhecimentos e habilidades para produzir um bem. Ao lado dois inventos patenteados, em torno deles e mesmo sob eles, haveria o know how.

No seu entendimento, compõe o know how a habilidade técnica do operário ou artífice: o tour de main, o virtuosismo individual. Tal componente, porém, é intransmissível, inseparável da pessoa que detêm este tipo de arte. Integra, também, o know how a experiência técnica, a aquisição pessoal, mas transmissível, no trato contínuo com um método de produção, aquela parcela da arte que o mestre ensina ao aprendiz, e que pela assistência pessoal do técnico se repassa ao contratante de transferência de tecnologia.

O núcleo do know how, no entanto, está nos conhecimentos técnicos, categoria que reúne, para Magnin, as informações técnicas que um engenheiro ou especialista no setor produtivo normalmente tem, somadas àquelas que integram o estado da técnica, o conjunto dos dados disponíveis sobre uma área tecnológica, protegidos ou não por patente. Sob a mesma classificação estão os resultados de pesquisas, ainda não divulgados.

Ainda são conhecimentos técnicos, “da ordem empírica”, os dos detalhes de aplicação de um processo, que se vai adquirindo progressivamente através de uma seqüência de experimentos e falhas, até chegar à otimização deste mesmo processo. É isto que se entende por know how entre os técnicos e engenheiros, e que se expressa empresarialmente pela superação do risco técnicos do uso de um determinado método de produção; o valor da eliminação deste risco se integra diretamente no ativo não contabilizável da empresa como uma vantagem sobre os competidores que, mesmo indispondo de vontade gerencial e capacitação tecnológica, teriam de submeter-se aos azares da criação autônoma.

O know how e o segredo de indústria

Ao contrário do secret de fabrique hierático, obscuro e rocambolesco, guardado em pergaminho no cofre do patrão, o know how é simplesmente a conformação da empresa para a produção; e é perfeitamente possível que permaneça despercebido até que, por exemplo, seja necessário estabelecer uma nova unidade industrial ou atender um contrato de transmissão de conhecimentos técnicos. É o momento em que a empresa, como o personagem de Le bourgeois gentilhomme, percebe que é detentora de um know how.

Por esta razão, o contrato de know how tem muito mais importância econômica do que a licença de patentes 11. Ao transferir o know how, o seu detentor cria uma capacidade de produção industrial nova, mas também uma relação de concessão, em que o fornecedor é o senhor da capacidade produtiva ou competitiva; é o dominus da tradição romana - o proprietário. Mas apenas por via contratual: é o senhor entre as partes 12.

10 F. Magnin. Know how et proprieté industrielle. Librairies Techniques, 1974.11 Por esta razão , vale privilegiar a análise do contrato de know how, em vez das licenças de patente.12 A noção de propriedade de sua posse (o exercício efetivo de alguns dos direitos elementares da propriedade) permeia as definições correntes de know how. Demin (1969, apud Martins, 1969:598), por exemplo, entende que, no contrato, a pessoa se obriga a fazer "o contratante fruir dos direitos que ela possui sobre certas fórmulas e processos secretos, durante um certo tempo, e por um certo preço". Outros autores preferem definir o objeto do contrato pelos conhecimentos técnicos a serem transmitidos, como Magnin (1974), que entende ser o know how uma "arte de fabricação". Similarmente, Martins (1969) o define como "certos conhecimentos ou processos, secretos e originais, que uma pessoa tem, e que, devidamente aplicados dão como resultado um benefício a favor de quem o emprega". Tal

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Com isto se enfatizam dois aspectos essenciais do know how e de sua contratação. O valor do know how está, principalmente, em sua inacessibilidade: sua valoração leva em conta a oportunidade comercial que resulta do acesso a ele. Em segundo lugar, o know how não é fórmula cabalística, mas modelo de produção; a execução do contrato de know how implica reprodução, conforme certos limites, de uma estrutura de produção específica, existente na empresa ofertante/locadora e copiada pela empresa receptora/locatária.

Outras informações secretas também têm valor por sua inacessibilidade, mas não resultam em transmissão de know how. A notícia de uma nova região petrolífera, distribuída em conta-gotas, pode fazer a fortuna de uns tantos felizardos, mas não vai ensiná-los a acompanhar profissionalmente as idas e vindas da bolsa de forma a poder constituir uma empresa a partir da especulação momentânea. A corretora tem o know how, o inside-trader tem a “dica” ····13.

O segredo de fábrica

Trade Secret americano

A noção de trade secret foi amplamente elaborada pela jurisprudência estadual americana, que apresenta a definição mais difundida desta figura de direito 14 o de um conjunto de informações, incorporadas ou não a um suporte físico, que por não ser acessível a determinados concorrentes representa vantagem competitiva para os que o possuem e o usam. Tal definição tem sido também aplicada ao know how 15.

A noção de segredo de negócio foi mais amplamente elaborada pela doutrina e legislação estadual americana. No Restatement of Torts, seção 757. pg. 5; Comentário (1939), encontra-se a preciosa definição:

“A trade secret may consist of any formula, pattern or device or compilation of informa -tion which is used in one business and which gives him an opportunity to obtain an advan-tage over competitors who do not know or use it. It may be a formula for a chemical com -pound, a process for manufacturing, treating or preserving materials, a pattern for a ma-chine or a list of costumers.”

definição , com exceção da questão da originalidade e do segredo (apenas relativos), constitui boa base para um conceito adequado de know how, bastando que se tenha em mente de que “benefícios" realmente se trata.13 Tais informações reservadas fazem parte do trade secret na sua definição tradicional e se encontram previstas na proteção penal concedida pela lei brasileira em vigor.14 Eckstrom (1976):”if know how is to be considered licensable property, it should be virtually synonymous with the term trade secret."15 Para o bom entendimento da natureza jurídica do trade secret, é preciso enfatizar o caráter confidencial que a elaboração do direito dos países desenvolvidos de economia de mercado tem tradicionalmente exigido para a proteção das informações sigilosas: é preciso que haja uma relação de confiança, quebrada com a revelação do segredo, para que haja sanção jurídica. E.I. Du Pont de Nemours Powder Co. v. Masland, 244 U.S. 100 (1917), relator o Justice Holmes; "The word 'property' as applied to trademarks and trade secrets is an unanalyzed expression of certain sec-ondary consequences of the primary fact that the law makes some rudimentary requirements of good faith. Whether the plaintiffs have any valuable secret or not the defendant know the facts, whatever they are, through a special confidence he accepted. The property can be denied, but the confidence cannot be". O segredo em si, dentro do entendimento clássico da doutrina, é plenamente suscetível de penetração , por exemplo, através da reverse engineering, favorecendo, assim, o sistema de patentes. Dentro de tal tradição , nunca existiu a proteção do segredo em si, como núcleo inviolável de intimidade.

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Tal definição, introduzida na legislação e aceita pela jurisprudência de vários estados, têm sido considerada como aplicável ao know how:

“(...) If know-how is to be considered licensable property, it should be virtually synony-mous with the term trade secret.” 16

O secret de fabrique francês

Existe uma noção similar - secret de fabrique - elaborada pela jurisprudência francesa. Desde 1810, tal proteção está prevista no Código Penal Francês 17. O segredo de fábrica é um conhecimento tecnológico, dotado de utilidade industrial e secreto: não se exige que seja novo nem que represente atividade inventiva - o que o distingue do invento patenteável.

Certos autores enfatizam a diferença entre a noção estática e pontual do secret de fabrique e o know how, considerando o segundo um fluxo contínuo de informações, um modo de permanecer sensível ao desenvolvimento tecnológico e, principalmente, às possibilidades empresariais deste desenvolvimento 18. O secret de fabrique, tratado sob uma perspectiva dinâmica, será o know how.

Desta maneira, a noção de “arte de fabricação” – o know how - se distingue da idéia de “segredo de fábrica”, do Código Penal Francês. O segredo de fábrica é um conhecimento tecnológico, dotado da utilidade industrial e secreto: não se exige que seja novo nem que represente uma atividade inventiva, o que o distingue do invento patenteável.

Como o notam Chavane e Burst, por um lado, e Mathély 19, por outro, o segredo de fábrica, na sua versão francesa, é uma parcela especial do know how, à qual se confere proteção penal específica. Para tanto, é preciso que a divulgação seja feita, por empregado ou diretor da firma, com intento doloso.

Mas Magnin distingue as duas noções um pouco mais claramente do que os autores já citados. Tirante os aspectos peculiares do direito francês, Magnin nota que a habilidade técnica própria às pessoas físicas que desempenham atividade técnica é parte do know how (e são transmissíveis pelo que propriamente se poderia chamar assistência técnica - o

16 M. C. Eckstrom. Licensing in foreign and Domestic Operations. Clark Boardman Co. Ltd. 1976.17 A lei francesa atual se acha assim redigida: Article L.152-7 du Code du Travail. Le fait, par tout directeur ou salarié d'une entreprise où il est employé, de révéler ou de tenter de révéler un secret de fabrique est puni de deux ans d'empri -sonnement et de 200 000 F d'amende. Le tribunal peut également prononcer, à titre de peine complémentaire, pour une durée de cinq ans au plus, l'interdiction des droits civiques, civils et de famille prévue par l'article 131-26 du code pé -nal.18 Outros dispositivos legais também podem ter influência na proteção legal do segredo: o Regulamento dos Serviços Postais (Decreto 29151/51); o Art. 202 do Código Penal (invasão de estabelecimento), 328 e 326 (violação de sigilo funcional de funcionário público e violação de sigilo de proposta de concorrência); 151 e 152 (violação de concorrência, comunicação telegráfica, radiotelegráfica ou telefônica; correspondência comercial); 153 e 154 (divulgação de segredo e violação de sigilo profissional), ampliam o âmbito de proteção existente sem completá-la. No âmbito trabalhista, o Art. 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) considera falta grave a violação de segredo de empresa.

19 Chavanne e Burst, op. cit. nr. 448. Mathély: Le Droit Français des Brevets d’invention. Journal des Notaires, Paris, 1974, pg. 857.

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aprendizado pessoal), mas não entra no segredo de fábrica. Em segundo lugar, o segredo de fábrica é um conhecimento isolado, identificável, enquanto o know how é todo o conjunto de uma produção a arte de fabrica, enfim.

Porém a “arte de fabricação” de Magnin se distancia do segredo de fábrica, segredo de indústria ou segredo de empresa também pelo fato de se constituir em um fluxo contínuo de informações, um modo de permanecer sensível ao desenvolvimento tecnológico, e principalmente às possibilidades empresariais deste desenvolvimento.

“On sait que, selon la formule de Leprince Ringuet, “les Techniques de fabrication, au -jourd’hui, ne se conservent guère plus longtemps que le poisson”. 20

É esta disposição empresarial, este aviamento especializado, que consiste em capacitar-se para captar, absorver, processar e aplicar empresarialmente a massa de conhecimentos técnicos livres ou privilegiados, de direcionar as pesquisas tecnológicas para os fins empresariais, de gerenciar as habilidades e experiências técnicas, e de administrar o risco da aplicação de novas técnicas, que vêm a ser know how. Como tal, o know how é intransmissível por via de contrato, salvo a cessão de estabelecimento; mas os resultados das opções empresariais, os ganhos concorrenciais efetivamente realizados, estes sem, são transmissíveis, e é quanto a eles que o antigo dec. 16.264 se referia ao mencionar os “meios práticos”.

Ora, cada uma destas opções, principalmente as que a realização prática demonstrou serem valiosas, é um segredo de empresa no sentido estático, embora não um segredo de fábrica ao estilo do art. 418 do Código penal Francês de 1810. É bem verdade que, ao serem transmitidos a outras empresas, não pertencentes ao mesmo grupo econômico, o know how surge como “conhecimentos técnicos” como segredos de fabricação, extraídos do know how verdadeiro, do “por que optar por tal solução, em face do mercado”. Assim Magnin, ao considerar o know how como um bem econômico transmissível, pode reduzi-lo à “arte de fabricação”.

A proteção do segredo no direito brasileiro

O trade secret, conforme a tradição clássica, também tem proteção formal no direito brasileiro em vigor. Como vimos no tocante à concorrência desleal, o art. 195 da Lei 9.279/96- a lei vigente sobre crimes contra a propriedade industrial e de concorrência desleal - prevê, a repressão penal à utilização ou divulgação não autorizada de segredo 21.

20 Magnin. Op. cit. pg. 114. 21 Vide o art.39 do Acordo GATT/TRIPS: 1 - Ao assegurar proteção efetiva contra competição desleal, como disposto no ART.10”bis" da Convenção de Paris (1967), os Membros protegerão informação confidencial de acordo com o parágrafo 2 abaixo, e informação submetida a Governos ou a Agências Governamentais, de acordo com o parágrafo 3 abaixo. 2 - Pessoas físicas e jurídicas terão a possibilidade de evitar que informações legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento, de maneira contrária a práticas comerciais honestas, desde que tal informação: a) seja secreta, no sentido de que não seja conhecida em geral nem facilmente acessível a pessoas de círculos que normalmente lidam com o tipo de informação em questão, seja como um todo, seja na configuração e montagem específicas de seus componentes; b) tenha valor comercial por ser secreta; e c) tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta.

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História dos Segredos de Negócio no direito brasileiro.

O segredo da fábrica vem encontrar sua ressonância no Art. 39, 6o. do Dec. 24.507 de 29 de junho de 1934, nossa primeira lei de repressão à concorrência desleal. Diferentemente da versão francesa, o item punia tanto a divulgação de segredo de “indústria” quando o de “comércio”; tanto a fórmula cabalística quanto o dado sobre a divisão de trabalho ou até mesmo a lista de clientes. A integração aproxima a figura infracional à “arte de fabricação”, com a vantagem, sobre os “meios práticos” do Dec. 16.264, de se conceber como entidade autônoma, não atrelada ao privilégio:

“(...) desvendar a terceiros quando em serviço de outrem, segredos de fábrica ou e negócio conhecido em razão de ofício”.

Na mesma linhagem, o Dec. 7.903, de 27 de agosto de 1945, nossa lei vigente até 1997 sobre crimes contra a propriedade industrial e de concorrência desleal, previa em seu art. 178. XI, XII, a repressão penal da utilização ou divulgação não autorizada de segredo de indústria havido em conseqüência de serviço a terceiro, durante a duração do vínculo de trabalho ou serviço; e também a de segredo de empresa, mesmo após o término do vínculo 22.

Desta forma a captação de informações empresariais, sem penetração num recinto, por exemplo, para obter dados sigilosos, não era ilícito penal; nada impedia, penalmente, que um competidor instalasse um sensor de grande potência, capaz de escutar ao longe as decisões de uma diretoria de empresa, nem a fotografia aérea de uma instalação industrial reservada. A única proteção viria da ação civil, com base no art. 178, Par. único do Dec.-Lei 7.903/45, como um ato de concorrência ilícita.

O segredo industrial na lei em vigor

O art. 195 da Lei 9.279/96 considera crime o ato de quem divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; ou divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude.

Note-se que a tutela prevista no art. 195 do CPI/96 presume um contexto de concorrência. Quando não há tal concorrência, aplica-se o disposto no Código Penal:

Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

§ 1o- A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 9.983, de 14.7.2000).

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

22 Vide Celso Delmanto: Crimes de Concorência Desleal. Edusp/Bushanski, 1975

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§ 2o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.983, de 14.7.2000).

Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

No tocante aos funcionários públicos e demais servidores da Administração, cabe ainda lembrar o disposto no capítulo pertinente do Código Penal:

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.

§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.983, de 14.7.2000).

I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Alínea acrescentada pela Lei nº 9.983, de 14.7.2000).

II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Alínea acrescentada pela Lei nº 9.983, de 14.7.2000).

§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.983, de 14.7.2000).

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

A tutela penal é complementada pela civil, como se enfatizou ao falarmos da doutrina da concorrência desleal. Na sua modalidade penal, temos um crime de perigo, que se configura ainda que sem comprovada a lesão ao paciente do ilícito. Na modalidade civil, a proteção, que pode ser acautelada inclusive pela sanção judicial das obrigações de não fazer, depende, porém da prova do dano efetivo ou possível.

Elementos do tipo penal do segredo

Vejamos, a seguir, os elementos do tipo penal dos incisos XI e XII do Art. 195 do CPI/96, igualmente importantes para determinar a natureza civil do instituto jurídico.

Divulga, explora ou utiliza-se…

Os atos descritos importam em crime; outros atos, além destes, podem ser tidos como ilícitos civis, tais como o apropriar-se das informações, sem delas utilizar-se, privando o interessado de sua exploração 23.

O divulgar não só compreende o episódio de lançar a informação em disponibilidade

23 A proteção pode-se dar pelas regras da responsabilidade civil ou pela ação de n re verso: vide Lucas, La Protection des créations industrielles abstraites, p. 246.

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pública, reduzindo ou eliminando a vantagem concorrencial, como o repassar a terceiros, especialmente a concorrentes, eliminando tal vantagem em face do recipiente. Assim, há que se distinguir o dever de não comunicar a terceiros, mantendo o segredo relativo, e o lançar em conhecimento público, diluindo ou extinguindo com isto a possibilidade de vantagem concorrencial para qualquer um. Nos contratos de know how cada um destes atos - diluir ou transferir - é usualmente objeto de disposições diversas.

Explorar é Utilizar-se das informações para proveito próprio. A modalidade traz ao foco central um elemento crucial da concorrência desleal: a concorrência, exigência essencial antes da deslealdade. A utilização, fora do âmbito da concorrência, certamente não é crime, e muito menos ilícito. A informação tecnológica não patenteada, ela mesma (excluindo a hipótese de outros ilícitos intercorrentes), não é objeto de propriedade, ou uso exclusivo. O que é vedado, aqui, é a prática de atos lesivos à concorrência. A utilização de informações privilegiadas de cunho comercial ou societário é apreciada segundo parâmetros diversos, mas ainda aqui - para estes ilícitos de que se fala - a concorrência é imprescindível.

sem autorização…

O ilícito requer a ausência de autorização, ou o excesso em face de uma autorização limitada, inclusive contratual. A autorização presume assim cessão de oportunidade de mercado, consistente na transferência de meios tecnológicos, comerciais ou de outra natureza, a concorrente atual ou potencial. O ilícito, reversamente, é a apropriação ilícita desta oportunidade.

conhecimentos, informações ou dados confidenciais…

Não se trata aqui de bens materiais; os bens concorrenciais tutelados são intangíveis, expressos ou não em forma escrita. Mesmo o conhecimento intelectual é sujeito à tutela legal, pois não é sua natureza materializada que é relevante, mas sim seu valor concorrencial.

O princípio constitucional da liberdade de trabalho apresenta aqui especial importância. Se o conhecimento se incorpora à pessoa, como se restringirá à movimentação do engenheiro, do técnico, ou empregado em geral?

A lei trabalhista veda a competição do empregado durante toda a relação pertinente (art. 483, alínea “g” da CLT) 24. Certas decisões judiciais emprestam a mesma noção para a relação entre sócios. E depois? A lei anterior de propriedade industrial refletia este impasse, ao distinguir o segredo de negócio e o segredo industrial. Aquele, consistente em conhecimentos, informações ou dados confidenciais de caráter não técnico (por exemplo: listas de clientes), guardava restrição tanto antes, como depois da relação de trabalho. O segredo industrial, de outro lado, de caráter técnico, sofria restrição só durante a relação laborativa. Assim, a presunção legal era de que o conhecimento não técnico não se incorpora à pessoa, enquanto que o técnico é dela indestacável.

A verdade que a política legal não se conformava aos fatos. Há conhecimentos técnicos cuja complexidade e extensão não comportam incorporação, no sentido subjetivo. A nova

24 Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (... ) g) violação de segredo da empresa;

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lei elimina a distinção, mas não o problema.

A doutrina francesa tem uma longa intimidade com a questão, sob o tema geral do tour de main. A habilidade técnica pessoal, o que se aprende como pratica manual ou inconsciente, é tida como incorporável, não assim os segmentos destacáveis dos conhecimentos, informações ou dados confidenciais. Estes segmentos destacáveis são o núcleo sob proteção da lei atual.

Para Magnin 25 o elemento protegível é uma arte de fabricação, a reunião das experiências, conhecimentos e habilidades para produzir um bem. No seu entendimento, é suscetível de tutela através dos mecanismos dos contratos de know how até mesmo a habilidade técnica do operário ou artífice: o “Tour de Main”, o virtuosismo individual. Tal componente, porém, não constituiria o segredo industrial, pois intransmissível, inseparável da pessoa que detêm este tipo de arte. Integra, também, tanto o know how quanto o segredo industrial a experiência técnica, a aquisição pessoal, mas transmissível, no trato contínuo com um método de produção, aquela parcela da arte que o mestre ensina ao aprendiz, e que pela assistência pessoal do técnico se repassa ao contratante de transferência de tecnologia.

O núcleo da tutela, como segredo industrial ou know how, no entanto, está nos conhecimentos técnicos, categoria que reúne, para Magnin, as informações técnicas que um engenheiro ou especialista no setor produtivo normalmente detém, somadas àquelas que integram o estado da técnica, o conjunto dos dados disponíveis sobre uma área tecnológica, protegidos ou não por patente. Sob a mesma classificação estão os resultados de pesquisas, ainda não divulgados.

Ainda são conhecimentos técnicos, “da ordem empírica”, os dos detalhes de aplicação de um processo, que se vai adquirindo progressivamente através de uma seqüência de experimentos e falhas, até chegar à otimização deste mesmo processo. É isto que se entende por know how entre os técnicos e engenheiros, e que se expressa empresarialmente pela superação do risco técnico do uso de um determinado método de produção; o valor da eliminação deste risco se integra diretamente no ativo não contabilizável da empresa como uma vantagem sobre os competidores que, mesmo dispondo de vontade gerencial e capacitação tecnológica, teriam de submeter-se aos azares da criação autônoma.

Como Magnin, entendo como constituindo o conjunto protegível pela lei em vigor o conjunto de informações, fixadas ou não em qualquer meio, suscetíveis de transmissão a terceiros, constituindo qualquer dos seguintes conjuntos:

1. As informações técnicas que um engenheiro ou especialista no setor produtivo normalmente detém, que integram o estado da técnica;

2. O conjunto dos dados disponíveis sobre uma área tecnológica, protegidos ou não por patente.

3. Os resultados de pesquisas, ainda não divulgados.

4. Os conhecimentos técnicos, “da ordem empírica”, que representam a superação do risco técnico do uso de um determinado método de produção.

O último elemento a considerar é o da confidencialidade. Dois elementos devem ser levados em conta: a materialidade do segredo - que as informações pertinentes não sejam

25 F. Magnin. know how et proprieté industrielle. Librairies Techniques, 1974.

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de domínio geral, ou pelo menos, do concorrente 26 - e a manifestação de uma intenção de reserva delas em face de sua utilização na concorrência. O elemento subjetivo da propriedade (embora, ressalte-se, não é de propriedade que se fala) a que se referia Savigny aparece aqui como requisito inafastável.

Se há a intenção de reserva, mas as fontes da informação são livremente acessíveis, segredo não há 27. Mas se a matéria não é acessível, a presença ou ausência da intenção manifestada de reserva é essencial, pois, como lembra Verdi em Nabucodonosor, o pensamento é livre em suas asas de ouro. Em outras palavras, salvo a vontade manifesta (e não presumida pelo fato de ser empresa em concorrência) em meios e controles, não há tutela jurídica das informações 28.

Voltamos agora à noção do caráter relativo, e não real, do direito aplicável ao segredo industrial ou comercial. Pois que o segredo não é uma propriedade, como nota a famosa e sempre repetida decisão da Suprema Corte Americana:

The word property as applied to … trade secrets is an unanalyzed expression of some secondary consequences of the primary fact that the law makes some rudimentary re-quirements of good faith. Whether the plaintiffs have any valuable secret or not the de-fendants knows the facts, whatever they are, through a special confidence that he ac-cepted. The property can be denied, but the confidence cannot be29.

A relação de confidencialidade, prévia à transferência ou constituição do segredo, é assim parte do requisito subjetivo de proteção: a intenção de manter o sigilo deve ser exteriorizada numa relação entre as partes de caráter confidencial. Na relação de emprego, a confidencialidade é um pressuposto legal; em outros casos, ela tem de ser regulada obrigacionalmente. Por exemplo, no contexto de uma subcontratação, já descrevemos os seguintes requisitos de confidencialidade:

Sigilo - As informações técnicas e comerciais recebidas do contratante, assim como aquelas geradas pelo contratado principal e pelo próprio subcontratado durante a execução de suas respectivas obrigações e para o propósito destas não devem ser repassadas a terceiros sem expressa autorização do contratante, nem divulgadas entre o seu próprio pessoal além do estritamente necessário para a execução do contrato. O contratado principal e seus subcontratados estabelecerão medidas, aprovadas pelo contratante, para que tal obrigação se estenda aos administradores, sócios, empregados e terceiros que possam ter acesso às informações mencionadas, não só durante o período de suas funções ou empregos, mas também por um prazo razoável posterior. O contratado e o subcontratados deverão seguir um programa de segurança física de sigilo, a ser aprovado pelo contratante. Quando pertinente, os regulamentos oficiais de salvaguarda de assuntos sigilosos se aplicam na mesma extensão 30.

Assim, se não demonstrada, com base em lei ou num laço obrigacional específico, a

26 Cour de Cassation, 13 de julho de 1966, JCP 1967, II.15131. Precisam Burst e Chavanne Proprieté Industrielle, Dalloz, 1992, no. 639: o procedimento deve ter uma certa originalidade e oferecer um interesse prático e comercial. Há que ter um segredo relativo - não absoluto - em face de todos ou pelo menos algum dos concorrentes.27 Burst e Chavanne, no. 640. 28 Uniform Trade Secret Act, Comment to Art. 1. Electro Craft Corp. v. Controlled Motion, 332 N.W.2d. 890, 220 U.S.P.Q. 811 (Minn. 1983). 29 E.I. du Pont de Nemours & Co. v. Masland, 244 U.S. 1016 (1917)30 Licitações, Subsídios e Patentes, p. 58.

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confidencialidade, em seu aspecto objetivo e subjetivo, não há que se falar em ilícito. Dir-se-á: estes requisitos dificultam a tutela judicial. Assim é: em todos países, em todas jurisdições, o número dos casos judiciais sobre segredo industrial ou comercial é infinitamente menor do que o de patentes ou marcas. Quem quiser maior transparência e facilidade na defesa de seus direitos, há que buscar outros meios, especialmente a proteção patentária.

No entanto, a lei preserva o segredo processual. Diz o CPI/96:Art. 206. Na hipótese de serem reveladas, em juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça, vedado o uso de tais informações também à outra parte para outras finalidades.

Disposição similar se encontra na Lei do Software, introduzido como sugestão do autor e de Manoel Joaquim Pereira dos Santos.

utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços

O requisito aqui é que o conjunto de informações seja de natureza concorrencial - utilizável por um dos ramos da atividade econômica. A expressão da lei, “utilizáveis”, cobre tanto as informações efetivamente já utilizadas - um procedimento de fabricação ou dados sobre clientes - quanto os que potencialmente o podem ser - resultados de pesquisa ainda não reduzidos à prática. No caso de pesquisas puras, não suscetíveis de aplicação industrial, a lei só é aplicável no tocante à concorrência entretecida na atividade - hoje também empresarial - de pesquisa.

A lei anterior, com sua noção de segredo de indústria e de negócio, parecia aplicável a certos segmentos da atividade empresarial; a atual visa cobri-los por inteiro.

O principal requisito da modalidade criminosa ou da versão civil é o da concorrência desleal: há que haver concorrência no contexto fático pertinente, e o segredo tem de ser relativo a essa concorrência.

excluídos aqueles que sejam de conhecimento público

Não são suscetíveis de proteção as informações desprovidas da materialidade confidencial - aquelas disponíveis para todos os concorrentes. Note-se que tal materialidade não pode ser confundida com a novidade própria das patentes. Para estas, a novidade é apurada segundo um parâmetro abstrato, levando em conta o conceito de estado da arte. No contexto da concorrência desleal, certas informações, tecnicamente integrantes do estado da arte, podem não ser efetivamente acessíveis pelas empresas num determinado segmento da concorrência: por exemplo, uma técnica de panificação, utilizada no Séc. XIX na Itália, e descrita na literatura técnica de então, estará no estado da técnica, mas pode ser segredo industrial para padarias brasileiras, que não tem evidentemente equipes de pesquisa histórica para destrinçar os arcanos dos panifícios da época.

De outro lado, o parâmetro “conhecimento público”, não obstante os critérios estritos da lei penal, não devem ser tomado no sentido de conhecimento pelo público em geral. Estamos na esfera da concorrência desleal, e a expressão será entendida como de “de acesso livre à concorrência”, contextualizada segundo os fatos.

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ou que sejam evidentes para um técnico no assunto

A exclusão é alternativa: ou seja de livre acesso aos concorrentes ou evidentes para um técnico no assunto. Mal fez a lei de incluir tal parâmetro, que foge completamente ao sistema da concorrência desleal, para o qual o contexto, e não um critério abstrato, é sempre aplicável. Assim, para compatibilizar o dizer da lei com o querer do Direito, é preciso entender - um técnico no assunto como pertinente à atividade econômica posta em concorrência.

Assim, na hipótese do pão italiano, o técnico no assunto não será o catedrático de panificação de uma escola culinária de Siena ou Bolonha, mas o forneiro médio do mercado pertinente. Não se resguarda, na concorrência desleal, o progresso técnico da humanidade, mas simplesmente parâmetros de lealdade entre padeiros numa cidadezinha do Estado de Tocantins.

a que teve acesso mediante relação contratual ou empregaticia

Não se fala, aqui, do técnico no assunto, sujeito da cláusula anterior, mas do agente do ato ilícito. É o agente do crime quem teve acesso ao segredo mediante uma relação contratual, inclusive empregatícia. Outra vez disse mal, pessimamente, a lei. O que importa é a relação de confidencialidade, que pode ser estatutária, ou obrigacional, sem ser contratual. Mas agora a norma penal não pode ser estendida: o ilícito do funcionário público, ou do legatário vinculado a segredo é simplesmente civil.

Note-se que, pelo § 1º. do art. 195 do CPI/96, incluem-se nas hipóteses aqui estudadas também o empregador, sócio ou administrador da empresa, que incorrer nas tipificações estabelecidas no mesmo art., inciso XI e XII. Assim, além da relação contratual ou empregatícia, também ficam sujeitas ao dever da confidencialidade outras pessoas, sob vínculo contratual-societário ou estatutário-societário.

Sobre a questão do sócio que viola o segredo, já se pronunciou o Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão sob a lei anterior:

mesmo após o término do contrato

Ao contrário da lei anterior, a atual transpõe a tutela para além do fim da relação de confidencialidade, mesmo no caso de segredos técnicos. Mas, como vimos imediatamente acima, disse mal, reduzindo os casos de violação de confidência legal ou obrigacional, mas não por contrato, para a esfera civil.

Sobre a lei Anterior, disse Gama Cerqueira:“Tratando-se de ex-empregado, a exploração do segredo de fábrica não constitui crime (Código de 1945, art. 178, XI), nem ato de concorrência desleal, pois seria contrário à liberdade de trabalho impedir que um indivíduo se utilizasse dos conhecimentos que adquiriu no emprego. Contra esse risco, o patrão poderá se garantir, no contrato de trabalho, assumindo o empregado a obrigação de não se utilizar dos segredos de fabricação que lhe forem revelados, sob a pena que for estipulada” 31

Não diz a lei, mas decorre da aplicação da doutrina da concorrência, que o dever de manter

31 Tratado da Propriedade Industrial. RT SP 2ª ed. 1982. vol. II, pág. 1.283.

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o segredo após o contrato é moderado pelas mesmas regras gerais que, como vimos acima neste livro, limitam o pacto de não concorrência. Não se vedará, com base num contrato, o que o contrato mesmo não pode limitar, inclusive em respeito à liberdade constitucional de trabalho. No entanto, no que toca ao segredo industrial, cuja duração fática é ilimitada, temos que a proteção é extensiva no tempo, se não quanto à hipótese do uso ou comunicação a terceiros, certamente quanto à de lançamento ao domínio público.

Violação de segredo sem relação de confidencialidade

A segunda modalidade delituosa penal alvitra um ato de concorrência desleal cometido fora da relação confidencial. É uma hipótese nova: serão crime os atos relativos aos conhecimentos obtidos por meios ilícitos - por via de crime ou ilícito civil. Não serão criminosos os atos relativos às informações obtidas licitamente, mas utilizadas contra direito (mas uma vez, o caso do legatário ou funcionário), remanescendo para tais casos a tutela civil.

A fraude, aqui, deve ser entendida em sua acepção técnica. É a consecução de vantagem ilícita, com emprego de meio fraudulento, resultando em erro causado ou mantido por esse meio, com nexo de causalidade entre erro e vantagem, configurada a lesão patrimonial. É o estelionato, mas como forma especializada, em que o resultado não é uma vantagem econômica em geral, mas a obtenção de um segredo cujo valor resulta do contexto concorrencial. Como tal, é já um ato ilícito, mas de requisitos ainda mais constritos do que a ilicitude genérica do primeiro membro da cláusula.

Não se tomará, no entanto, a “fraude” aqui como uma das suas modalidades civis - por exemplo, a fraude contra credores, ou contra execução. A sanção de tais ilícitos é a típica das leis civis, e não se criminalizará a título de concorrência desleal - na ausência de fatores propriamente penais - o que o direito civil comina com a anulabilidade ou inoponibilidade 32. Sem dúvida, a inoponibilidade típica da fraude à execução - que, aliás, independe de prova de dolo - alcançará a alienação do valor ativável, ainda que não efetivamente ativado, consistente da oportunidade comercial alienada através da comunicação do segredo, caso o negócio jurídico seja lesivo ao credor.

De qualquer forma, não se pune na modalidade criminal aqui em análise a fraude em si, mas como um qualificativo do meio de obtenção do segredo.

Bibliografia: Know how e segredos Bortolotti, Fabio. A Tutela do Know-How No Ordenamento Italiano. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Nova Fase, Vol. 30 N 23/25 P 242 A 274 1980/1982.

Domingues, Douglas Gabriel. Breves Conceitos Sobre Know-How. Revista do Centro de Ciências Jurídicas Da Universidade Federal Do Para, Vol. 2 N 2 P 11 A 30 1989.

Domingues, Douglas Gabriel. Segredo Industrial, Segredo de Empresa: Trade Secret e Know-How e Os Problemas de Segurança Nas Empresas Contemporâneas. Revista Forense, Vol. 85 N 308 P 27 A 33 Out./Dez 1989.

32 Magalhães Noronha, no verbete "Fraude” da Enciclopédia Jurídica Saraiva: "não há diferença ontológica entre a fraude civil e a fraude penal , sendo vãs todas as teorias que procurem traçar in abstracto um princípio que as distinga; não obstante, há casos de fraude para os quais a política criminal não julga necessária a pena. Incumbe ao juiz a distinção entre esta fraude e aquela sujeita ao ministério punitivo”.

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Reale Junior, Miguel. Desvio de Clientela e Violação de Segredo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Vol. 1 N 1 P 112 A 120 Jan./Mar 1993.