segismundo spina - introdução a poética clássica

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Interpretação da poética de Aristoteles

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SEGISMUNDO SPINA Wa Universidade de Sao Paulo)

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i Filosofia da Univt>rsidadt> de Siio Paulo, no periodo lt'tivo de 1965. E notorio o desconhccimenlo que os Pstudantes de letras tem. J certas no filosofia, dt> historia da cultura e de filosofia da artP, mas dos problemas fundamentais da estetica literaria. Ern nossos cursos a prop!Jsito da pmsia camoniana, nunca pudemos Pnlender que o aluno em de pureza quase absoluta, falto dt> uma nas grandes questcs do formalismo classico. A si-stemiitica que re\'Plam os de letras. a qua,.:c pela literatura clilssica, explica-se pnfeitamenlt' por lacuna dt sua forma((iio intclectual; mas vimos ohservando ('!)In profundo prazer que, a mt>dida que l!algam 0." umhrai,.; da do Classicismo, CamoPs sc lhes torna um molivo de alra((iio, dt renla((iio t' de entontro. Qut' isto succda tom os oulros tsnilorts cJiissicos C 0 llOSSO objetivo. Dai explicar-se quP, a falta de uma hihliografia Pspecializada SO hre o campo em lingua portuguesa, imaginiissPmos. muito modcslamcnlc, esho ti logo contentar-te. E necessiirio ser um tempo mudo! Ouvir, e !er somente: que aproveita Sem armas, com fervor cometer tudo? Caminha por aqui. Esta e a direita Estrada dos qut> sobem ao alto monte Ao brando Apolo, as nove lrms aceita. Do bom escrever, saber primeiro e fonte. Enriquece a memoria de doutrina Do que um cante, outro ensinr, oulro lt' conte. Isto me disse srmpre uma divina Voz a orelha; isto entrndo, crrio. Isto ora me castiga, ora mt t>nsina. Ca da um para St'U firn busca St'U meio: Quem no sabe do oficio, niio o trata. Dos qur sem salwr escrrnm o mundo e cheio. Se ornares de fino ouro a branca prata Quanto mais, e mclhor ja rt>splandece, Tanto mais val o rngcnho, St' a arte se ata, Nao prende logo a planta, no florece. Sem st'r da destra miio limpa, e regada, Co tempo, t' arte flor, fruto part'Ct'. Questo foi jit dt' muitos disputada Se obra rm nrso arte mais, se a natureza. l'ma sem outra val ou pouco, ou nada. ::\las eu tomaria anles a dureza DaquPlr. que o trahalho, e artt' abrandou, Qut' dcstoulro a correnlc. e vii prestrza. Vence o trabalho tudo: o que cansou Sru esprito, e O'eus olhos, alguma hora .\1o-strara parte alguma do que achou A palavra, que saiu uma \ez fora, Mal se sabe tornar: e mais seguro No le-la. que escusar a rulpa agora. Vejo Ieu Yerso brando, estilo puro, Engenho, arte, doutrina; so qu!'fia Tempo. e lima de inwja forte muro. Ensina muito, e muda um ano, e um dia Corno t>m pintura os erros Yai mo5lrando DqJOis o ttmpo, qulo sao, Tornando-o, em vez de orna-lo, t>ntiio disforme. 0 vicio, que se da ao pintor, que a miio l\"ao sabe erguer da tabua, fuge: a gra apolinea das coisas. Os gregos - dizem Alfred e Maurice Croiset - talvez pelo habito de viverem s.:>b um ceu constantemente puro e de terem sob os olhos horizontes quase sempre nitidamente limitados, revelaram desde cedo nas cria' esta qualidade verdadeiramente nacional - o sentimento da medida ( 1) . Nas artes plasticas do Renascimento, a chamada "gravidade classica" e o resultado do equilibrio entre duas for'recer uma obra fria, mediocre, sem o grande timbre. Os poetas cliissicos a11tigos julgavam indtspt>nsavel a inspirac;iio no momento da criac;iio artistica. Apolo, JVIi11erva, as Musas, como as fo11tes de Hipocrene e de Castiilia, figuravam formalmenie E'ssa CTPnc;a no podt>r da inspirac;o. Platiio, em varias de suas ob ras ( no Ion, no Menon, na Apologia, 110 Protagoras, no Fedro, no Cratilo e no Banquete) abordou com certo desenvolvimento ( cmbora as vezes de forma contraditoria ou irnica) o problema da dwsa moira ( {}E[a !-lOlQU), isto e, da i11spirac;aa divina, desse Oll deJirio poetico de que se se11te possuido o artista no momento da criac;o, mo-

mento em que o poeta deixa de ser um simples mortal para ser o interprete dos deuses. A Idadc Media, ainda que desconhecesse Plato, manteve viva a ideia da "loucura divina": Santo Isidoro de Sevilha imaginou para o termo carmen duas fantasiosas etimologias, entre elas a que fazia deriva-la de carere mente, porque os que cantavam se supunham loucos ( l) . Antes de Plato ja Democrito de Ahdera exagerava a eficacia do Juror sagrado, dizendo que sem ele nao era possivel o grande poeta. Cicero, no De Oratore, reproduz a opinio de Democrito como sentimento comum nos homens cloutos de seu tempo: "Pois eu st>mpre ouvi dizer ( e tal opinio pa-ssa por haver sido transmitida por Democrito e Plato em seus escritos) que no ha verdadeiro poeta sem o acompanhamento do entusiasmo e de certa inspirac;o quc se as5emelha ao delirio" (2). Tal teoria conduziu Horacio a defender a importiincia da arte no talento poetico ( 3). Aristoteles, numa passagem um pouco controwrtida, parece fazer distinc;ao entre as duas categorias que para nos corresponderiam aos termos talento e genio; ou simplesmenie ao temo genio nas suas duas acepc;es possiveis a de disposir;iio natural (e portanto capacidade para a ficc;o) e a de loucura ou extase ( Capaeidade para 0 transporte, isto e, para evadir-se de si mesmo) : "a arte da poesia e propria Oll dos bem dotados ( fUnas aquelas partes imperfeitas e menos essenciais. Na mimese seletiYa, em que o poeta associa belezas parciais para formar

1)

I) 88

Cf. Cicero, De lnventione, II, I.

a Fama, a mais veloz de todas as pragas: sua mobilidade lhe da vigor e o correr redobra suas frc;as. Ao principio e pequena e timida, logo remonta pelos ares, passeia pelo solo e esconde a cabec;a entre as nuvens ... Seus pes so ligeiros e rapidas suas asas; e um monstro horrivel e descomunal: quantas penas tem no corpo, tantos olhos vigiam por debaixo delas, oh maravilha! e tantas linguas, tantas bocas falam, e aguc;a outras tantas orelhas. De noite voa atraves do ceu e da sombra da terra rechinando, sem entregar os olhos ao doce sono. De dia esta parada como sentinela, ou no cume de um alto teto, ou nas torres elevadas, aterrorizando as grandes cidades ... (Eneida, IV, 174-187).

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um todo ideal, esta claro que estas belezas parciais se referem a objetos da mesma especie. Se o artista confunde especies diferentes, cai na chamada ficr;iio monstruto.m: tal que procurasse ajuntar a de uma mulher ao corpo de um cavalo, as penas das aves com a cauda de um peixe, ou fizesse sair de uma flor a de um homem. Os Centauros ( monstros mitol6gicos formados de e corpo de ho. mem com corpo e patas de cavalo), o Tritiio (semideus marinho. que tinha a figura de homem ate a cintura e de peixe na parte infC'rior)' as Sereias ( seres C'stranhos, com corpo de an, peito e de mulher), os Sr.itiros ( divindades campestres, homens incompletos tambem, com cornos e patas de cabra), as Es finges ( monstros com asas e corpo de leoa) etc., etc., pertencem a chamada ficr;iio monstruosa, e o seu uso se desculpa por ter a como principio e a alegoria como objeto. A mitologia oferece-nos tambem os casos de de um genero para outro, como e o caso das metamorfoses: a transforde uma Dafne num loureiro, das naus em ninfas (Verg., Eneida, IX, 120), do Gigante Adamastor num promont6rio. Denominarn-se, estas, jiCf;oes fantr.isticas. Vimos que o poeta pode transferir a realidade de um lugar para or.tro; mas ninguem faria um javali viver no mar e os golfinhos no mato junto as feras; como seria absurdo fazer um poema em que Carlos :Magno tivesse que viver na China. Se o poeta pode transferir as qualidade;; de um ser ou um objeto para outro, jamais faria de o poeta um cordeiro um animal feroz ou vice-versa. Na devia observar tambem certos Jimites, impostos peJa coerencia Oll pe\a So o Polifemo, com a sua extraordinaria, era capaz de remover a pedra que servia de porta a sua gruta; porem, jamais o poeta figuraria o gigante Ciclope com a estatura to alta que atravessaria as nuvens, ou que metido no mar as aguas no lhe atingissem a cintura. No seu poema epico Tebaida (I), narra Estacio a proeza de um homem que, atocaiado por 50 homens, conseguiu safar-se da matando 49 e perdoando a vida ao deiTadeiro. Ern Pindaro a por e levada ao absurdo: refere ele, na ode 4 de suas Nemeias, que Alcinoo, ignorante em pe!Pjar, eom apenas uma pedra conseguiu doze carros e matar Yinte e quatro dos mais famosos guerreiros de Alcides ( l).

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Tda hipotese poetica deYe, portanto, ser possirel; as impossiveis no se admitem seno como alegorias. Mas alem de possiveis as ficpoeticas devem srr verossimeis, ist-.:> e, confvrmes as leis do mundo fisico e moral. As poeticas possiveis tem como fundamento a verdade metafisica; as impossiveis, - como e o cas0 das monstruJsas e fantasticas - , tem como fundamento a verdade aleg6rica; as baseadas no mundo fisico e moral, a verdade fisica; Desta forma, a wrdade e o fundamento de tda ( l).

E)

A li\IITA(:O DOS ANTIGOS

1)

Ver P. J. da Fonseca, Elementos da Poetica, p. 86. Pindaro parece, todaYia, ter tido consciencia da da passagem, quando acrescentou, procurando justificar a Yeracidade do fato: Quem se surpreenda deste desastre, demonstrara no conhecer os azarcs clos combates; pois quem Jeya a termo grancles fa