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O S ÉCULO 21 Erosão, Transformação Tecnológica e Concentração do Poder Empresarial

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por Pat Roy Mooney

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O S É C U L O 21Erosão, Transformação Tecnológica eConcentração do Poder Empresarial

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EDITORAEXPRESSÃO POPULAR

Pat Roy Mooney

O S É C U L O 21

Erosão, Transformação Tecnológica eConcentração do Poder Empresarial

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Copyright © 2002, by Editora Expressão Popular

Tradução do original:El Siglo ETC - Erosión, Transformación Tecnológica y Concentração Corporativa em elSiglo 21 (Edição realizada em janeiro de 2002, co-publicação de Grupo ETC, DagHammarskjöld Foundation y Editorial Nordan-Comunidad. Montevidéu – Uruguai).

Tradução e revisão:Ana CorbisierGeraldo Martins de Azevedo Filho

Projeto gráfico, capa e diagramaçãoZAP Design

Ilustração da capaDiego Rivera, detalhe de O homem, controlador do universo (1934), afresco, Museu delPalacio de Bellas Artes, Cidade do México - México.

Impressão e acabamentoCromosete

Todos os direitos reservados.Nenhuma parte deste livro pode ser utilizadaou reproduzida sem a autorização da editora.

1ª edição: agosto de 2002

EDITORA EXPRESSÃO POPULARRua Bernardo da Veiga, 14CEP 01252-020 - São Paulo-SPFone/Fax: (11) 3105-9500Correio eletrônico: [email protected]

Pat Roy, MoonyO Século 21: Erosão, Transformação Tecnológica e Concentraçãodo Poder Empresarial / Moony Pat Roy. - São Paulo : ExpressãoPopular, 2002.224 p.

ISBN 85-87394-29-0

1. Ciências políticas - Novas tecnologias. 2. Ciências políticas -Transformação tecnológica. II. Título.

CDD 21.ed. 338.9260905CIP-NBR 12899

P314S

Vilma Apª Feliciano CRB 9/1152

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Biblioteca Central da UEM. Maringá - PR.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................... 7

INTRODUÇÃO AO SÉCULO 21 .............................................................. 15

EROSÃO ...................................................................................................... 27Erosão ambiental ........................................................................................... 29Erosão cultural .............................................................................................. 35Erosão da eqüidade ....................................................................................... 42

TRANSFORMAÇÃO TECNOLÓGICA.................................................... 53O início da era de Lilliput? ............................................................................ 55Biotecnologia ................................................................................................ 56Guerra biológica ............................................................................................ 62Nanotecnologia ............................................................................................. 83Outras tecnologias ......................................................................................... 99Sobre “Luddistas e “Eli-tistas” ..................................................................... 117

CONCENTRAÇÃO DO PODER EMPRESARIAL ................................ 131A Grande Fusão? ......................................................................................... 133Alimentos futuros: a indústria dos biomateriais .......................................... 148Saúde futura: a indústria bioquímica .......................................................... 165Informação futura: a indústria do silicone ................................................... 174Matéria do futuro: a indústria de macromateriais ....................................... 187A futura República do Binano ..................................................................... 191

ETC: BUSCANDO SOLUÇÕES PARA UMA NOVA ERA .................... 203Erosão ......................................................................................................... 205Tecnologia ................................................................................................... 208Concentração .............................................................................................. 212Quem decide? .............................................................................................. 214Das sementes a ETCétera ............................................................................ 222

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O Século 21 – Erosão, Transformação Tecnológica e Concentra-ção do Poder Empresarial constitui um oportuno mergulho nogrande conflito de nosso tempo: grande avanço tecnológico econcentração da riqueza nas mãos de um sexto da populaçãomundial – que se tem beneficiado do progresso científico,tecnológico e da apropriação da maior parte dos recursos natu-rais finitos, deixando para a maioria a degradação do meio am-biente e a ampliação do fosso entre pobres e ricos. O livro pro-põe, como paradigma analítico, a hipótese central de que a atualexpansão exponencial de nossa capacidade tecnológica, concen-trada nas mãos das empresas oligopolistas, tem promovido “aerosão exponencial de nossa biosfera”.

A erosão da biosfera compreende a erosão da eqüidade, a ero-são ambiental e a erosão cultural. A erosão da eqüidade decorreda intensificação das diferenças entre povos e no interior de cadapovo. A erosão dos direitos resulta da marginalização de segmen-tos substantivos de nossa sociedade. A erosão ambiental é conse-qüência da aceleração dos processos entrópicos de produção da

APRESENTAÇÃO

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agricultura, da indústria e da urbanização, determinados pelosinteresses das grandes corporações, produzindo impactos nafauna, na flora, na química e na física da Terra (água, solos e ar).A erosão cultural resulta do genocídio e da pasteurização dasculturas, para domesticá-las e submetê-las ao modo de vida, deprodução e de reprodução impostos pelas corporaçõesoligopolistas.

A obra explora as potencialidades e os impactos da concen-tração econômica e do controle político da biotecnologia e dananotecnologia, vislumbrando a possibilidade da fusão entreambas como forma de implantação da “Indústria da Vida” –oligopólio de poder inusitado – produzindo híbridos de origeminanimada e viva, resultando um mundo em que os sistemas deprodução estarão a serviço e sob controle dos oligopólios, obri-gando a existência de “Estados policiais”, não apenas nos paísesdo Sul e nos da ex-URSS, mas com tendência a se estender aospaíses da União Européia, para garantir, por meio do poder, ahegemonia mundial.

O texto sugere que a subordinação total da Humanidade,antevista por George Orwell em “1984”, não se materializa pelamão do “Grande Irmão” (“Big Brother” – Estado totalitário),mas através da comida, da roupa, da música, das linguagens, dasredes, das artes, das sementes, dos inseticidas, dos processos deprodução e do trabalho, dominados pela grandes corporaçõesoligopolistas multissetoriais. A sociedade totalitária não seriaimposta pelo Estado; estaria sendo imposta pelos processos deerosão cultural e ambiental e pela concentração do controle dastecnologias essenciais ao modo de produção vigente sob domí-nio das corporações. E recorre ao debate entre as concepções“elitistas” e “luddistas” da I Revolução Industrial para demons-trar que os fenomenais avanços da ciência e da tecnologia, desde

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então, surpreendem, não pelo muito que fizeram, mas pelo quedeixaram de fazer em favor do progresso social. Cada vez atecnologia é mais potente e a possibilidade de catástrofe é maior.As transnacionais controlam um terço dos ativos produtivos domundo e três quartos do comércio mundial. Neste contexto,conclui que aos governos nacionais resta o papel de manter omito da democracia, uma rede mínima de segurança social e ga-rantir a legalidade dos contratos.

O texto também preconiza que a emergente hegemonia dopoder da Erosão, da Tecnologia e da Concentração está funda-mentada na estratégia que compreende: a fusão das empresasvisando a concentração da produção e da distribuição de bens eserviços; as alianças entre empresas para compartilhar e contro-lar os mercados, fugindo das normas antitrustes dos Estados na-cionais; e a regulamentação da propriedade intelectual mediantelicenças e patentes, inclusive sobre a vida, objetivando a apropria-ção dos benefícios econômicos.

O processo analisado neste livro está presente e em aceleradoavanço na vida do Brasil: marcos determinantes foram a “Revo-lução Verde”, implementada no campo, nas décadas de 1960-70, e a reestruturação do setor produtivo e do Estado, ainda emcurso, iniciada no final dos anos 1980.

A implantação da “Revolução Verde”, sob a égide do governomilitar, acompanhou o processo de intensificação da urbaniza-ção e da industrialização. Políticas de financiamento condicio-nado à adoção de pacotes tecnológicos (sementes híbridas, de-fensivos, máquinas) promoveram a subordinação da produçãoagrícola aos setores financeiro e industrial e a concentração daprodução agrícola e a da terra, expulsando famílias. Parte dessasfamílias passou a fornecer a mão-de-obra requerida pelas indús-trias emergentes e pela construção civil do processo de urbaniza-

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ção; outra parte foi deslocada para as novas fronteiras agrícolas.O processo de erosão cultural ocorreu em três frentes: nas comu-nidades de origem, pela perda das raízes culturais e comunitárias;nas novas fronteiras agrícolas, impondo choques culturais e eco-nômicos entre os migrantes e as populações locais, especialmen-te os conflitos entre os colonos e as comunidades indígenas e osposseiros; e nas cidades, pelo choque econômico e culturaldesestruturador, que jogou parte desses migrantes na margina-lidade, nas favelas e no subemprego, criando um exército de re-serva de mão-de-obra urbana.

Este quadro compunha o processo de industrialização de-pendente implementado pelo governo militar. A agricultura passaa ser subordinada à indústria e ao setor financeiro. Na indústria,a subordinação se materializa via dependência de insumos –máquinas, sementes híbridas, defensivos, fertilizantes, correti-vos, inoculantes – e via comercialização dependente dos produ-tos agropecuários, controladas pela indústria de alimentos e pe-las comercializadoras multinacionais. O setor financeiro, alémde impor pacotes tecnológicos, passa a promover a concentraçãoda terra no atendimento à escala da produção financiável e nadesapropriação e tomada das terras dos inadimplentes, intensifi-cando a expulsão e a migração.

A reestruturação do setor produtivo e do Estado decorreu doesgotamento parcial do modelo de industrialização e financei-rização da produção agrícola e industrial, combinado com a re-dução das taxas de crescimento econômico mundial que, no Bra-sil, foram de menos de 3% ao ano na década “perdida” de 1980e menos de 2% ao ano na década “mais que perdida” de 1990.Como uma das conseqüências, parte dos expulsos do campo pela“Revolução Verde” e incorporados no processo de urbano-in-dustrialização passa a ser jogada na marginalidade pela

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reestruturação produtiva – alicerçada na microeletrônica, nainformatização e na automação, nos novos processos de trabalhoe na supressão dos direitos trabalhistas e previdenciários, deter-minando a redução e a extinção de postos de trabalho.

A reestruturação do setor produtivo e do Estado foi concebi-da por uma articulação envolvendo os grandes gruposoligopolistas multinacionais, agências multilaterais (Banco Mun-dial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial doComércio) e governos do G-7, liderados pelos EUA, para imporaos países do Terceiro Mundo a abertura do espaço econômicocompatível com a estratégia desses grupos multissetoriais. O re-lato a seguir proporciona uma visão de como se dão os processosconcretos, destacando o papel desses agentes para a consolidaçãodos interesses dos grandes grupos econômicos.

O Banco Mundial, além dos documentos publicados enun-ciando a sua política, possui outros, de caráter confidencial erestrito, detalhando as estratégias de “assistência” para cada país.Neste sentido, o depoimento, a Gregory Palast1 , da ação coorde-nada nos bastidores do FMI, do BM e do Tesouro dos EUA(detentor de 51% do BM), por Joseph Stiglitz, ex-economistachefe do BM, substituído da função por divergências, é ilustrativopela riqueza de detalhes sobre as formas de ação. Segundo Stiglitz,os estudos e a pesquisa local, desenvolvidos em cada país parasubsidiar a estratégia de “assistência”, raramente passam de ins-peções a hotéis cinco estrelas. São concluídos com um encontrocom o ministro das finanças, a quem é entregue um acordo dereestruturação, pré-rascunhado, para assinatura “voluntária”.

1 Palast, G. “IMF’S FOUR STEPS TO DAMNATION, how crises, failures, andsuffering finally drove a Presidential adviser to the wrong side of the barricades”, TheObserver, Londres, 29 de abril de 2001.

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Cada ministro recebe o programa contendo, invariavelmente, asmesmas quatro etapas:

Primeira etapa: privatização. Segundo Stiglitz, raramente avenda de indústrias estatais é objetada e muitos políticos – usan-do as demandas do BM e do FMI para silenciar os críticos locais– festejam a possibilidade de leiloar suas companhias de energia,saneamento, telecomunicações, rodovias, ferrovias etc: “... pode-se,inclusive, ver seus olhos brilhando diante da possibilidade decomissões para reduzir em alguns bilhões o preço de venda.”Stiglitz, com a credencial de ter sido também presidente do con-selho de assessores econômicos de Clinton, acusa que, mesmosabendo da deslavada corrupção no programa de privatizaçõesrussas de 1995 – o maior do mundo até então – o Tesouro norte-americano dizia não se importar; o importante era reeleger BorisYeltsin, mesmo que fosse em uma eleição corrupta. A Rússia aca-bou rapinada de sua base industrial pelos oligarcas apoiados pe-los EUA e sua produção caiu para menos da metade. O que diriamsobre o Brasil, que anunciou o “maior programa de privatizaçõesdo mundo”, após uma reeleição?

Segunda etapa: liberalização do mercado de capitais. Visa,teoricamente, garantir o livre fluxo dos capitais. Para Stiglitz,trata-se, na verdade, do ciclo do dinheiro quente: o dinheiro en-tra para especulação, no setor financeiro e imobiliário, fugindoao primeiro sinal de problemas. As reservas em divisas do país seevaporam. Para seduzir os especuladores a retornar, o FMI induzos países a elevar as taxas de juros para 30%, 50% e até 80% aoano. O resultado é previsível: juros mais altos reduzem o valordos imóveis, solapam a produção industrial, drenam as finançaspúblicas, provocam endividamentos monumentais.

Terceira etapa: preços de mercado. A liberalização dos preçosformados a partir de mecanismos que mimetizem relações de

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mercado está na base do processo de extração e de transferênciade renda nos espaços econômicos de infra-estrutura, recém-privatizados. O resultado final se traduz pelo aumento do preçoda eletricidade, do gás para cocção, da água e esgotos, dos telefo-nes, dos pedágios etc., além dos alimentos. Para Stiglitz, comoconseqüência, via de regra, ocorre a etapa “três e meio”, com aemergência de “manifestações de protesto FMI”, dolorosamenteprevisíveis. Quando o país está de joelhos, quebrado e subjuga-do, o FMI extrai as últimas gotas de sangue. Aperta até que ocaldeirão estoure, como na Indonésia, após a supressão dos sub-sídios dos alimentos e dos combustíveis e, no Equador, em de-corrência da elevação dos preços dos combustíveis e da eletrici-dade. A bancarrota das finanças públicas e o incêndio econômicoe social se traduzem em oportunidades de aquisições ainda maisdepreciadas do remanescente patrimônio de empresas estatais.Surge um padrão: uma multidão de perdedores e claros vence-dores – os banqueiros e investidores internacionais, o Tesourodos EUA. A estes pode-se acrescentar uma emergente elite local,recém emigrada da tecnocracia estatal, onde participou da pre-paração e da implementação do novo modelo, vendendo a seuspatrões, mais do que competência técnica, informações e capaci-dade de influenciar e arrancar privilégios nas novas instituiçõesque ajudou a criar.

Quarta etapa: livre comércio. O estágio superior do processoé o livre comércio, segundo as regras da OMC e do BM, queStiglitz compara à Guerra do Ópio, também “dedicada à aberturados mercados”. Como no século XIX, americanos e europeusestão hoje impondo a abertura dos mercados na Ásia, na Améri-ca Latina e na África para seus produtos e serviços e, ao mesmotempo, erigem barreiras (sanitárias e cotas), fora do âmbito daOMC, à entrada em seus mercados de produtos agrícolas e in-

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dustrializados. Na Guerra do Ópio, os bloqueios eram militares;hoje, BM e FMI “podem ordenar bloqueios tão eficazes e às ve-zes mais mortíferos”. Neste contexto, situa-se a pressão norte-americana pela criação da ALCA, ressalvando, porém, que suasbarreiras agrícolas e cotas, como as das indústrias do aço, eraminegociáveis.

O cenário pós-orwelliano, delineado pelo autor para o futu-ro, indica a necessidade de buscar caminhos e estratégias de re-sistência, capazes de congregar e organizar, não somente os ex-cluídos e oprimidos, mas toda a Humanidade, antes que tal ca-tástrofe se concretize. O caminho da resistência passa por negaro direito das patentes em todas as áreas: biotecnologia, nano-tecnologia, genes, espécies, variedades.

A tecnologia constitui patrimônio da Humanidade,construído por um modo de produção determinado por relaçõessociais no processo histórico; portanto, o desafio consiste emgarantir a apropriação de suas potencialidades em favor do con-junto da sociedade. O caminho da resistência passa também pelamobilização e organização dos movimentos sociais forjados nascontradições já produzidas pela Erosão, Tecnologia e Concen-tração.

ILDO LUIS SAUER, professor do Programa Interunidades dePós-Graduação em Energia da USP, com a colaboração de

DORIVAL GONÇALVES JR., professor da UFMT.Agosto de 2002

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Há mais de dez anos, a Fundação Dag Hammarskjoldpublicou “The Laws of Life: Another Development and the NewBiotechnologies” (As Leis da Vida: outro desenvolvimento e asnovas biotecnologias), em sua edição de Development Dialogue,de 1988, nos 1 e 2. Provavelmente, esta publicação ofereceu aseus leitores o primeiro panorama sobre a biotecnologia e suasimplicações para as sociedades do Terceiro Mundo. “The Lawsof Life”, escrito por quatro membros da Fundação Internacionalpara o Progresso Rural (RAFI), era também um relatório doseminário sobre “O impacto socioeconômico das novasbiotecnologias na saúde e na agricultura do Terceiro Mundo”,realizado em 1987, em Bogève, França. Este seminário,organizado pela Fundação Dag Hammarskjold e a RAFI, reuniuorganizações da sociedade civil e acadêmicos do mundo todopara um intenso debate político e filosófico sobre uma série deproblemas sócio-econômicos relacionados à engenhariagenética, no âmbito da saúde, da agricultura, do meio ambientee da guerra.

INTRODUÇÃO AO SÉCULO 21

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Pensávamos que a reunião seria o ponto de partida da articula-ção entre as organizações para influir energicamente no futurodebate sobre a biotecnologia. Estávamos equivocados. Nós, orga-nizações da sociedade civil, deveríamos ter começado a trabalharem 1980, ou até antes, para conseguir dar forma ao debate e reu-nir os recursos necessários para enfrentar a indústria e seus aliadosna comunidade de pesquisa. O presente trabalho, de caráterexploratório, tem o propósito de tentar evitar que cheguemos de-masiadamente tarde para enfrentar o novo conjunto de tecnologiasque hoje se delineiam no horizonte.

Além disso, em conversas da Fundação Dag Hammarskjoldcom a RAFI, chegamos à conclusão de que a ênfase posta pelasorganizações da sociedade civil nos problemas da biodiversidade eda biotecnologia implicou, sem querer, em que as novas tecnologiasemergentes passassem despercebidas. Um enfoque mais amplodeveria visar, no mínimo, a Erosão (cultural e ambiental), aTecnologia (em seu papel transformador das sociedades) e a Con-centração (do poder empresarial e do domínio de classe). E emsuma: ETC.

A Erosão inclui não apenas a erosão genética e a erosão de espé-cies, solos e da atmosfera, como também a erosão do conhecimentoe a erosão global das relações eqüitativas. Estamos perdendo tantonossos recursos biológicos quanto nosso conhecimento eco-espe-cífico desses recursos. A destruição ecológica faz aumentar a im-portância comercial das cada vez mais escassas “matérias-pri-mas” genéticas. Paradoxalmente, isso acontece justamente quandoas novas tecnologias têm mais necessidade de (e capacidade parautilizar) biomateriais em perigo.

Tecnologia, neste texto, significa a Caixa de Pandora de novastecnologias, como a biotecnologia, a nanotecnologia, a informáticae as neurociências. (Certamente, a tecnologia admite uma defini-

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ção muito mais ampla da definição que este documento adota;existem tecnologias sociais e culturais que também devem ser con-sideradas. Mas isso requer uma discussão muito mais extensa). Sebem algumas dessas tecnologias se apóiem muito em materiaisbiológicos, também se prestam a uma variedade cada vez maior demecanismos monopolistas, velhos e novos. A nanotecnologia, emparticular, apresenta, para os que estão no poder, uma visãodistorcida da importância dos biomateriais, partindo da suposiçãode que as necessidades do mundo podem ser satisfeitas por meiode uma oferta infinita de moléculas manufaturadas.

A Concentração se refere à reorganização do poder econômicoem mãos dos oligopólios globais da alta tecnologia. A inter-relaçãoentre os recursos biológicos em risco de desaparecimento, as novastecnologias controladoras da vida e o surgimento de tecnocraciasprivatizadas poderia ser a alavanca das mudanças tecnológicas epolíticas do amanhã. A combinação ETC poderia levar a ummundo de “frangos cibernéticos e reis anões”, um mundo semelhan-te – como O. Henry descreveu a América Central no alvorecer doséculo XX – a uma república bananeira. Se estivesse conosco agora,na fronteira do milênio, O. Henry bem poderia batizar a nova or-dem mundial que surge de “República do Binano”.

Em 1998, Jeremy Rifkin escreveu The Biotech Century, argu-mentando, de maneira convincente, que o século XXI estará do-minado por esse poderoso conjunto de ferramentas genéticas co-nhecido como biotecnologia. É verdade que a humanidade nuncaviu uma ciência mais poderosa do que esta, capaz de reestruturar avida. No entanto, nossa míope concentração nas terapias de genes,a clonagem de mamíferos, as plantas geneticamente modificadas(GM) e os “alimentos Frankenstein” nos impediram de ver as im-plicações de outros instrumentos científicos iminentes. É impor-tante lembrar as lições da história enquanto nos esforçamos por

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discernir nosso futuro, decididamente incomum. Possivelmente alição mais importante é que, uma e outra vez, temos sido incapazesde antecipar corretamente o futuro.

Não faz muito tempo, as letras GM numa manchete de jornalteriam significado para a maioria General Motors, que ainda é amaior multinacional do mundo. Agora, para muitos, é símbolo degeneticamente modificado. Há apenas um século, em 1893, KarlBenz, na Alemanha, e Henry Ford, nos Estados Unidos, apresen-taram seus “carros sem cavalos”. Os sábios predisseram o adventoda “Era do Automóvel”, comparando os efeitos deste com o inícioda Idade do Bronze ou com a Idade do Ferro, em milênios anterio-res. No entanto, em meados da década de 1920, o impacto doautomóvel fora igualado ao do avião, do rádio e até ao da humildeaspirina. A televisão e a energia nuclear (a Era Atômica) surgiamno horizonte para torturar-nos. Na realidade, nunca houve umaEra do Automóvel, por mais forte que tenha sido seu efeito naeconomia e na mente dos homens. Na melhor das hipóteses, hou-ve um Quarto de Século do Automóvel. Do mesmo modo, os queisolam a biotecnologia e se concentram nela, excluindo outras ciên-cias, em pouco tempo estarão fazendo parte do Quarto de Séculoda Biotecnologia. O século XXI vai presenciar a chegada à idadeadulta da nanotecnologia, da robótica, das neurociências, dastecnologias espaciais e de outras, que se unirão à engenharia gené-tica, não apenas para controlar a “vida”, em sentido físico, mastambém em sentido político. Estas novas tecnologias serão umaforça central no século ETC.

Chave: Se “o mundo todo é um cenário”, com quem está o roteiro?Em 1599, o Globe Theater de Londres abriu suas portas pela primeira

vez. Sua apresentação inaugural foi uma das peças mais apócrifas do milê-nio, Júlio César, de William Shakespeare. Esta peça expõe o conflito entre

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oligopólio e tirania, em forma de luta entre a democracia e a demagogia.Quatrocentos anos depois, Shakespeare ainda diria que “o mundo todo éum cenário”, mas também insistiria em que nosso cenário deve estar repletode diversidade: diversidade de atores, de obras e também de dramaturgos.Mas se nosso mundo é um cenário, perdemos nossos papéis e a peçaparece incompleta. Terminator, Monsanto, o patenteamento de formas devida e os OGM (organismos geneticamente modificados) são apenas algunsvilãos em um drama épico que até hoje não se resolveu. Sem o texto, osatores não podem representar seus papéis. Só percebemos que o cenário émuito mais amplo do que a biotecnologia. A própria peça parece ter trêssubargumentos: a Erosão, a Tecnologia e a Concentração (ETC). À medidaque se erodem os fundamentos básicos da vida, as ferramentas bio enanotecnológicas que manipulam a matéria se tornam cada vez mais poten-tes. E também vão ficando cada vez mais concentradas em mãos de umaelite empresarial que luta por dominar o resto do planeta. Se quisermos seratores nesta epopéia incerta, devemos buscar nossas chaves na história.

Prelúdios 1977 a 2000: das sementes à ETC

Sobre a Fundação Dag HammarskjöldA primeira vez que os membros da RAFI e da Fundação Dag

Hammarskjöld se reuniram foi para almoçar na sede provisóriado parlamento, em Estocolmo, no ano de 1981. Mas Pat Mooneynos lembra que quase nos encontramos – ou deveríamos ter nosencontrado – em 1975, em Nova Iorque, na Sétima SessãoEspecial da Assembléia Geral da ONU sobre Desenvolvimentoe Cooperação Internacional. A ocasião específica foi umaconferência de imprensa para apresentar “What Now: AnotherDevelopment”, o Relatório Dag Hammarskjöld 1975, queconstituía o fecho de um grande diálogo e exploração intelectualda Fundação, e que orientou grande parte de nosso trabalho e dotrabalho de outros desde então. Pat lembra que chegou tarde à

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reunião, na esperança de se encontrar conosco quando saíssemoscorrendo do salão, para outras entrevistas.

Parecíamos estar caminhando em direções diferentes. A Fun-dação Dag Hammarskjöld estava ajudando a formar e a esclare-cer as perspectivas de um Terceiro Sistema – a perspectiva doscidadãos sobre a sociedade, em contraste com a do Estado e dacomunidade empresarial – e a propor uma ação global com vis-tas a todo o espectro de problemas do desenvolvimento vitaispara os pobres e os impotentes. Naquela época, antes que existissea RAFI, Pat estava tentando concentrar seu campo de ação. Ti-nha renunciado a seu cargo como presidente fundador daInternational Coalition for Development Action (ICDA) e sepreparava para passar 14 meses viajando pelo mundo, com amochila nas costas. Buscava raízes e regressou com sementes.

Quando nos reunimos, em 1981, a brecha entre nossasperspectivas de curto e longo prazo parecia ter se fechado. A nossoconvite, Pat Mooney escreveu em 1983 “The Law of the Seed:Another Development and Plant Genetic Resources” (A Lei daSemente: Outro Desenvolvimento e Recursos Genéticos dasPlantas) (Development Dialogue 1983, nos 1 e 2) e, posteriormente,em 1985, contribuiu para uma nova edição de DevelopmentDialogue com “The Law of Lamb” (A Lei da Ovelha). Em 1987,a Fundação e a RAFI organizaram juntas a consulta a organizaçõesda sociedade civil sobre biotecnologia, em Bogève, França; em1988, os resultados desta reunião foram publicados emDevelopment Dialogue.

Quase ao mesmo tempo, começamos a falar sobre o contextodo trabalho de ETC (Erosão, Tecnologia, Concentração), pri-meiro em alguns encontros na Carolina do Norte e depois noCentro Dag Hammarskjöld, em Uppsala. Entretanto acontece-ram outras coisas e, de 1996 a 1998, Pat escreveu para nós outro

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número de Development Dialogue, intitulado “The Parts of Life”(As Partes da Vida). Observando retrospectivamente, talvez “TheParts of Life: Agricultural Biodiversity, Indigenous Knowledge, andthe Role of the Third System” (As partes da vida: Biodiversidadeagrícola, conhecimento indígena, e o papel do Terceiro Setor)completava uma trilogia que resumia o programa “velho” (masnão obsoleto) da RAFI.

Se alguma vez houve dúvidas acerca do sentido de nossosesforços comuns, El Siglo ETC deverá eliminá-las. Ao longo dosanos, poderia parecer que a RAFI tinha se movido “para baixo”:das sementes para os genes e destes para os átomos. No entanto,em El Siglo ETC, a RAFI mostra como controlar o pequeno podesignificar controlar o mundo. Certamente, os problemas dabiotecnologia, da nanotecnologia, das neurociências e da “Re-pública do Binano” são globais.

Desta forma, voltamos ao princípio. Vinte e cinco anos de-pois de What Now (E agora?), estamos iniciando outra explora-ção intelectual que culminará, esperamos, com uma nova visãoglobal que vai se chamar What Next? (E depois?). É com satisfa-ção que oferecemos El Siglo ETC como a primeira contribuiçãoao desenvolvimento desta nova visão para as décadas vindouras.O encontro de pessoas, que há 25 anos não aconteceu, transfor-ma-se hoje em um encontro de mentes.

Sobre a RAFIEsta edição de Development Dialogue marca uma transição. A

RAFI sempre assinalou, como momento de seu nascimento, umareunião internacional de ativistas da alimentação, convocada pormembros da RAFI em Fort Qu'Appelle, Saskatchewan (Canadá),em novembro de 1977. Naquela ocasião, as “sementes”, a erosãogenética, a concentração empresarial em agrotóxicos e sementes

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e os monopólios de propriedade intelectual sobre formas de vidaeram o problema. A transição para a inclusão da biotecnologiacomeçou, com muita relutância, em 1981, mas podemos rastrear,sobretudo, outra reunião de ativistas em Bogève, França, em 1987.Agora, a transição das “sementes” à “ETC” (sem abandonar demodo algum as sementes) ocorre com a mesma relutância. ARAFI está mudando de nome, a fim de contemplar melhor oobjeto cada vez mais amplo de seu trabalho.

Em 1993, a RAFI foi a primeira organização da sociedade civilque documentou a coleta de material genético indígena e opatenteamento de linhas celulares humanas em todo o mundo. Estapesquisa nos levou a lugares aonde nunca pensáramos ir. Nunca nosocorreu que poderíamos aventurar-nos ainda mais longe. Depois,o trabalho sobre a economia política das sementes e a coleta de li-nhas celulares humanas nos levou a estudar as implicações destasatividades na guerra biológica. Isso, por sua vez, levou-nos a exami-nar um conjunto muito pouco comum de tecnologias militares. Naseqüência, o relatório de Hope Shand em 1997, sobre “Bioservidão”– publicado como um número de RAFI Communique, dirigiu-nospara a “agricultura de precisão”, incluindo satélites e sensores. Estasnovas tecnologias propuseram questões surpreendentes sobre ocontrole da economia mundial e (mais profundamente) sobre ocontrole da democracia e da dissidência.

A RAFI sente que é importante apresentar à discussão estetrabalho, algo futurista, por três razões: primeiro, porque exami-na um conjunto de novas tecnologias e estratégias empresariaisde importância vital que, ainda que tenham relação com abiotecnologia, não recebem a atenção que seus efeitos merecem.Segundo, porque embora essas duas áreas estejam se desenvol-vendo muito rapidamente, a ação das organizações da sociedadecivil poderá modificar seu curso. Terceiro, porque as implicações

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para os mais carentes – e para todos nós – são simplesmentefundamentais demais para que possam ser ignoradas.

É possível que as inquietações que expressamos aqui estejamerradas, mas acreditamos que a trajetória anterior da RAFI devemotivar os leitores a considerar este relatório com atenção.

Nos bastidoresEmbora possa parecer o contrário, este trabalho levou mais de

um ano e meio para ser elaborado e foi beneficiado por muitosconselhos. No entanto, a responsabilidade pelo resultado é exclu-sivamente de Pat Mooney. Todos os membros da RAFI tentarammelhorar este documento durante o processo e não é culpa delesse algumas vezes o autor não ouviu seus conselhos ou não enten-deu seus comentários. Como sempre, Hope Shand fez todo o pos-sível para evitar erros científicos ou políticos, enquanto JeanChristie, Julie Delahanty e Silvia Ribeiro preencheram lacunas eesclareceram pontos onde era necessário. Kevan Bowkett, valiosovoluntário da RAFI, realizou um trabalho excelente na identifica-ção e no resumo de informações e idéias sobre tecnologia e socie-dade. Em especial, Beverly Cross em várias ocasiões resgatou otexto inteiro, funcionando como editora científica e de texto, aomesmo tempo em que administrava a RAFI. Para tanto chegou aponto de recrutar sua família para o trabalho, a fim de cumprirprazos sempre mutantes. Qualquer erro subsistente deve ser atri-buído unicamente ao autor, que continuou modificando palavrase parágrafos, às vezes até o momento de imprimir.

ProduçãoEste texto foi escrito durante o ano de 1999, enquanto todos

estávamos fazendo outras coisas. Começou nas férias de Natal,no Canadá, em 1998-1999, na Agência “central” da RAFI em

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Winnipeg, e terminou com as revisões finais em Sucre, na Bolí-via, em agosto de 2000. Durante o ano de 1999, o trabalho foimoldado por quatro diálogos com organizações da sociedade ci-vil com as quais mantemos assídua colaboração. O primeiro acon-teceu em Cuernavaca, México, em uma reunião convocada peloFórum Global sobre Agricultura, do IATP (Institute forAgriculture and Trade Policy). A segunda reunião aconteceu emLuleâ, Suécia, com apoio da Fundação Dag Hammarskjöld. Es-tas duas reuniões realizaram-se nas primeiras semanas de 1999,enquanto a terceira, em abril, foi a oportunidade de apresentarum rascunho mais extenso à Fundação Dag Hammarskjöld, emUppsala, Suécia. Em outubro houve uma discussão final do tex-to quase terminado com ativistas de biotecnologia em BlueMountain, no Estado de Nova Iorque. Tanto essas reuniões comoboa parte do pensamento subjacente a estas páginas foram esti-muladas por Kristin Dawkins e Mark Ritchie, do IATP; OlleNordberg e Niclas Hällström, de DHF; Harriet Barlow, da Fun-dação HKH e Jon Cracknell e Chris Desser que, junto comHarriet, orientaram a reunião de Blue Mountain. Wendy Daviese Gerd Ericson editaram e prepararam para a imprensa o manus-crito com todos os seus quadros, gráficos e notas, tarefa nadasimples de que eles deram conta de forma excelente. Em váriosmomentos, durante os últimos dois anos, Jerry Mander nos obri-gou a repensar nossas idéias sobre a tecnologia e a cultura, aindaque ele não o saiba.

Em primeiro planoEste trabalho é dedicado a Sven Hamrell, primeiro e único

presidente da RAFI (uma vez que estamos mudando de nome).Sven foi o primeiro a propor o marco ETC, em 1988, e foi ainspiração eclética da RAFI desde What Now. Com seu afasta-

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mento da RAFI, o problema para nós, e para todos os membrosda sociedade civil que acompanham suas contribuições ao Ter-ceiro Setor, passou a ser: E agora, quem?

Olle NordbergPat Roy Mooney

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Chave: “telões” para o cenário?

Talvez alguém se surpreenda pelo fato de que o desaparecimentode espécies e sistemas siga pelo mesmo caminho que a perda de línguas,culturas e conhecimento. Na realidade, surpreendente seria se não fosseassim. Essas erosões do meio ambiente e da cultura nunca poderiamocorrer se não fossem precedidas por uma erosão da eqüidade.

• Não menos de 4.000 e possivelmente até 90.000 espécies sãoextintas a cada ano;

• As selvas tropicais estão desaparecendo a um ritmo de quase1% ao ano;

• A diversidade genética das culturas está desaparecendo docampo a um ritmo de aproximadamente 2% ao ano;

• As raças tradicionais de gado domesticado estão se extinguindoa um ritmo de 5% ao ano;

EROSÃOA erosão no meio ambiente e na cultura contribui para umaprofunda erosão nos direitos humanos

O fato é que a esta altura o mundo já foi bastante saqueado.

William Bean, curador dos Kew Gardens, 19081

Um povo torna-se empobrecido e escravizado quando lhe roubam a língua que seus ancestrais

lhe legaram; está, então, perdido para sempre.Ignazio Butira, poeta siciliano2

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• Quase a quarta parte dos solos irrigados foi afetada pela ero-são;

• Estamos destruindo os solos pelo menos 13 vezes mais rapida-mente do que o tempo necessário para recuperá-los;

• Trinta e sete por cento dos 1,5 bilhões de hectares de terracultivada foi erodido desde a Segunda Guerra Mundial, e acada ano de 5 a 12 milhões de hectares sofrem erosão grave, aum custo de substituição de nutrientes/fontes de irrigação depelo menos 250 bilhões de dólares por ano;

• O consumo de água doce é quase o dobro de sua renovaçãoanual;

• Cinqüenta e dois por cento dos estuários costeiros dos EstadosUnidos estão tão contaminados pela água que chega carregadade elementos químicos das terras cultivadas, que a produçãomarinha está seriamente ameaçada;

• A cada ano são movimentadas vinte toneladas de terra por serhumano do planeta;

• A cada ano se extinguem 2% das línguas do planeta;• Mais de 80% de todos os livros traduzidos são traduzidos para

apenas quatro línguas européias;• Por volta de meados do século XXI, quase todos os ecossistemas

do mundo estarão ocupados por pessoas de língua não indígena,incapazes de descrever, usar e conservar a diversidadeporventura ainda existente;

• O direito de usar e desenvolver a diversidade está sendo erodidopela propriedade intelectual e pelo controle dos governos pelasempresas;

• Existe uma erosão planetária não quantificável da participa-ção e da inovação culturais;

• E o mais trágico é que, junto com a erosão do conhecimento,há uma erosão da consciência social e da esperança.

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Erosão ambiental

Em meados dos anos setenta, Garrison Wilkes escreveu queo desaparecimento em massa de variedades vegetais desenvolvi-das pelos agricultores, devido a sua substituição pelas variedadesproduzidas pelas corporações, era “como construir o telhado ti-rando pedras dos alicerces”. E o que ocorre com a erosão genéticadas culturas, ocorre também com todas as formas de destruiçãoda biosfera. Se a necessidade é a mãe da invenção, tal ameaça àMãe Natureza deveria estar estimulando muito a criatividade.Mas não é isso o que ocorre. A maior parte da energia criativahumana continua erodindo os fundamentos mais vitais da vidapara os mais carentes do mundo, para construir ou manter o tetosobre as cabeças dos mais ricos do mundo.

A RAFI calculou que o germoplasma vegetal está sendo erodidoà razão de 1 a 2% ao ano no campo.3 Mais de 34.000 espécies deplantas (12,5% da flora mundial) estão ameaçadas de extinção.4

Cada planta superior que desaparece leva consigo pelo menos ou-tras 30 espécies (insertos, fungos, bactérias).5 A diversidade de ra-ças animais domesticadas estaria sendo erodida à razão de 5% aoano, ou 6 raças por mês.6 É possível que um terço de todas as raçasdomesticadas esteja ameaçado de extinção. A cada ano o rio Ama-zonas lança no oceano Atlântico quase 900 milhões de toneladasde sedimentos, mas esse númro fica esmaecido quando compara-do com as mais de 1,1 bilhão de toneladas de solo que o rio HuangHo, na China, arrasta cada ano, ou os 3 bilhões de toneladas que osistema Ganges-Brahmaputra lança a cada ano na Baía de Benga-la.7 O mal manejo dos solos irrigados – entre as terras mais impor-tantes para a produção de alimentos – é particularmenteperturbador. Calcula-se que 24% dos 250 milhões de hectares ir-rigados podem ser considerados “danificados”.8

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Uma ameaça ainda maior pesa sobre a água que bebemos. Aágua que não está em forma de gelo ou cheia de sal é apenas ametade de 1% em todo o planeta. A chuva e o degelo contribuemcom 40 a 50.000 km cúbicos de água doce a cada ano, mas nossademanda populacional e indústrial de água duplica a cada vinteanos e, segundo o Fórum Internacional sobre Globalização, em2025 a necessidade poderia superar a oferta anual em 56%.9 Em2000, os governos desenvolveram uma “Visão Mundial da Água”(as organizações da sociedade civil chamaram a isso um “sonhoúmido”), tentando descrever e manejar o incontrolável enigmaque temos pela frente. Em 2025, 1,8 bilhões de pessoas, na maio-ria habitantes do Oriente Médio, do norte da África, do sul daÁsia e da China, enfrentarão escassez absoluta de água. Entreoutras palavras, terão que desviar água da irrigação e da produ-ção de alimentos para o consumo doméstico, o que significa quesuas importações de alimentos – e os preços deles – aumentarãoà medida que baixem os níveis dos lençóis freáticos.10

Chaves históricas: a erosão da confiança pública

Há cada vez mais evidências de que fumar tem... efeitosfarmacológicos realmente benéficos para os fumantes.

Joseph F. Cullman III, presidente da Philip Morris Inc., 1962

Em 1953, a Ford Motor Company garantiu ao público motorizado queos “resíduos gasosos” dos automóveis “não representam problema algumde contaminação do ar”. Em 1960, um executivo da companhia farmacêu-tica William S. Merrell confirmou que a talidomida era absolutamente segu-ra. Em 1974, a CIA alertou para o “resfriamento” global; e, em 1960, o novopresidente dos Estados Unidos assegurou aos estadunidenses que os resí-duos anuais de uma usina de energia nuclear poderiam ser guardados, semproblemas, sob sua escrivaninha na Sala Oval (uma proposta tentadora).Para não ficar atrás, um ano depois, o governador de Nova Iorque ofereceu-se para tomar um copo de PCB, e afirmou que esta toxina – hoje conside-

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rada uma das mais perigosas – não representava nenhum perigo, a menosque fosse ingerida por longos períodos durante a gravidez. Um ano depois aorganização de Defesa Civil dos Estados Unidos chegou à conclusão que o“lado positivo” de uma guerra nuclear é que aliviaria a pressão demográficae reduziria enormemente a contaminação indústrial. E os benefíciosterapêuticos do fumo? Quando, em 1996, o governo estadunidense tentouregulamentar os cigarros como “um sistema de distribuição de droga”, osprodutores de cigarro alegaram que os “efeitos farmacológicos” da nicotina“não são substanciais”. Três anos mais tarde, uma das companhias anun-ciou sua intenção de desenvolver drogas baseadas na nicotina e, no final de1999, a Philip Morris, a companhia que 37 anos antes declarara que fumarera benéfico, confessou que a nicotina é uma ameaça à saúde humana.

Entre 60 e 70% dos recifes de coral do mundo poderiam desa-parecer em uma geração.11 Pelo menos 70% das espécies marinhasdo mundo estão em perigo.12 Durante o último século, 980 espé-cies de peixes foram ameaçadas. As selvas tropicais estão desapare-cendo a um ritmo de 0,9% ao ano (29 ha por minuto).13 Durantea década de 1980, o mundo perdeu selvas com uma área equiva-lente ao Peru e ao Equador somados. Cerca da metade das selvastropicais plenamente desenvolvidas do mundo (que outrora co-briam 15 a 16 milhões de km2) foram cortadas ou “desaparece-ram”.14 Por exemplo, nos últimos 30 anos desapareceu mais dametade da selva montanhosa da Etiópia e, com ela, metade dadiversidade de sua mais importante exportação cultural: os arbus-tos de café arábica.15 A pior situação é a da Ásia e a do Pacífico,onde restam apenas 16% das selvas originais.16

Alguns analistas consideram que a perturbação causada noecossistema pelos seres humanos é igual à causada pela próprianatureza. A demanda dos consumidores obriga a “mover” 20toneladas de material (minérios, combustíveis, solos) por pessoaao ano, quantidade que só é igualada pelos vulcões, pelos terre-

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motos, pela sedimentação fluvial e pelo movimento das placastectônicas.17

Sem dúvida, a erosão e a extinção fazem parte da natureza.As espécies vêm e vão. Segundo algumas estimativas, apenas entre5 e 10% de todas as espécies que existiram algum dia sobrevivemhoje.18 Mas isso não significa reduzir a importância da extinçãode espécies, nem empregar o velho argumento de que, comotodos vamos morrer, podemos matar. A taxa de extinção édesnecessária e inaceitável Além disso, não tem precedentes desdeo aparecimento dos seres humanos. Para piorar as coisas, depoisque algumas espécies desaparecem, as causas subjacentes de suaextinção subsistem para aterrorizar os sobreviventes. Por exemplo,os Estados Unidos calculam que será de 1,7 bilhão de dólares ocusto para a limpeza dos depósitos de resíduos perigosos (fontede muitas extinções futuras) nos próximos 30 anos.19

Ao mesmo tempo em que se evaporam recursos biológicos es-senciais à vida, a contaminação indústrial, atacando por outro ân-gulo, está erodindo os recursos atmosféricos. Os resultados, asmudanças climáticas e a maior exposição aos raios ultravioletas,estão lançando desafios imprevisíveis à biosfera subsistente. OBanco Mundial, por exemplo, estima que uma elevação de, emmédia, 2 a 3 graus centígrados na temperatura global reduziriaentre um terço e metade da massa de glaciares de montanha, o queporia em risco um terço, pelo menos, das espécies que sobrevivemnas selvas. As mudanças na massa glacial e na área de florestasafetarão profundamente a produtividade agrícola. Espera-se que orendimento do milho na África caia de 6 a 8% devido ao aqueci-mento global. Um estudo feito no Senegal prevê que, nesse país, orendimento do milho reduzir-se-á de 11 a 38%. No sul da Ásia,calcula-se que o rendimento do arroz e do trigo sofrerá grandesflutuações. A colheita de milho do sul da Ásia e da América do Sul

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reduzir-se-á de 10 a 65%.20 De modo geral, a produtividade agrí-cola declinará no Sul, enquanto que, no Norte, ainda que de ma-neira bastante imprevisível, poderia inclusive aumentar. No en-tanto, o Norte não vai escapar dos efeitos da erosão atmosférica. Ametade ou mais dos bosques da Alemanha, Suíça, Holanda e Grã-Bretanha estão sofrendo as conseqüências da chuva ácida, e aindanão conhecemos as maiores implicações dessa contaminação.21 (Noinício do ano 2000, muita gente na Espanha se espantou – e seassustou – quando começaram a chover blocos de gelo, algunscom até 4 quilos de peso.)22 Ironicamente, até o Banco Mundialconcorda que o aquecimento global é um fenômeno provocadopela chamada revolução indústrial, obra dos países do Norte. Noentanto, as contas serão cobradas no Sul. As perdas de cultivos noNorte ameaçarão os excedentes de alimentos e frustrarão oportu-nidades de exportação. Não há dúvida de que os agricultores doNorte são uma espécie ameaçada. Mas, embora sua subsistência seveja afetada, o que está em perigo é sua forma de vida, não sua vidaem si mesma. As mesmas oscilações da produção no Sul ameaçammilhões de vidas humanas.

Estará a raça humana destinada a ser outra árvore a cair naselva? Entre 90 e 95% de todas as espécies que existiram algumdia estão extintas hoje. O mundo segue em frente. Enquantoespécie ameaçada, devemos nos preocupar conosco mesmos.Se desaparecermos, o mundo continuará, mas, se quisermospermanecer, devemos proteger a diversidade.

Além disso, está se pedindo ao Sul que corra os riscos daexperimentação de algumas assombrosas propostas para revertero efeito invernoso. Acadêmicos australianos e companhias japo-nesas, por exemplo, estão propondo que o Chile converta suaságuas costeiras em um depósito de carbono mediante adição no

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oceano de enormes concentrações de nitrogênio, que estimula-riam níveis artificiais de atividade biológica. O mais incrível des-ta proposta é que o governo chileno parece estar considerando-aseriamente.23

Os agricultores só podem estar seguros quanto à insegurança.A mudança climática significa mudanças inesperadas nas pragase nas doenças. Fazer frente a isto requer uma agilidade científicaque raramente se manifesta na pesquisa empresarial.

A ameaça à saúde da espécie humana (além da produção dealimentos) também está crescendo, mas é imprevisível. Existealgo de verdade na idéia popular de que doenças como a ebolasão a vingança das selvas úmidas invadidas. Haverá doenças no-vas.24 Os efeitos combinados do aquecimento global, com os efei-tos extremos do El Niño e a expansão da hidrocultura, já estãosendo acusados de alterar os sistemas de imunidade de espéciesmarinhas já submetidas a graves tensões e de fazer com que ve-lhas doenças migrem de uma espécie para outra. Isto está crian-do o que a revista Business Week chama de uma caixa de Petri(recipiente usado em experiências de laboratório) de tamanhooceânico.25 No verão de 1999, a cidade de Nova Iorque entrouem pânico diante de um surto de encefalite tropical e algumascidades européias presenciaram aterradas um brusco aumentode casos de malária onde há séculos não ocorria a doença. Serãonecessárias novas defesas para nos proteger de pragas desconhe-cidas e de pressões atmosféricas incertas.

Obviamente, nosso inusitado (e incerto) futuro serve aosinteresses de companhias de alta tecnologia que afirmam possuiros instrumentos patenteados necessários para enfrentar as novaspressões. O mesmo complexo químico que vem destruindo nossomeio ambiente – e que converteu doenças como a asma, que em1900 era quase desconhecida, num perigo que ameaçou mais de

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150 milhões de pessoas nos países indústrializados, no ano 200026

– agora se oferece para salvar-nos com suas invenções mais recentesque, como dizem mais uma vez, são totalmente seguras. Osmesmos que obrigarão os Estados Unidos a gastar 1,7 bilhões dedólares na limpeza de resíduos tóxicos esperam que lhes paguemesta soma para limpar o que sujaram.

Erosão cultural

Tragicamente, toda essa erosão ambiental chega num mo-mento de erosão do conhecimento igualmente sem precedentes.Em 1900 calculava-se que havia no mundo 10.000 línguas, mashoje sobrevivem apenas cerca de 6.700. E apenas 50% das quesubsistem são ensinadas às crianças. Isto quer dizer que numageração a metade das línguas atuais estará efetivamente extinta.Alguns estudos afirmam que 90% das línguas faladas em 1999serão “história” em 2099.27 A metade das línguas que existemhoje têm menos de 10.000 falantes (e a metade delas menos de1.000 falantes).28 Já na atualidade, um terço das terras da Américado Sul estão ocupadas por pessoas que não falam nenhuma lín-gua indígena.

O desaparecimento da maioria das línguas tem como paraleloo predomínio de umas poucas. 90% da população global fala300 línguas e as 10 línguas principais são as línguas maternas dequase metade do planeta. Mas isso subestima inclusive a medidade nossa homogeneização cultural. Na virada do milênio, TheEconomist anunciou alegremente que cerca de 25% dahumanidade consegue se comunicar em inglês.

As razões dessa perda são muitas. Uma causa importante é ovelho e conhecido genocídio. Também há genocídio cultural,

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em boa parte deliberado (e em parte devido à marcha inexorávelda invasora cultura do poder). Até as campanhas de alfabetiza-ção destroem cultura. Alguns programas de alfabetização quetêm grande simpatia pelas culturas locais também aniquilam lín-guas, quando não podem manter suas boas intenções devido aredução de orçamento ou a falta de materiais e de docentes qua-lificados. Quase inevitavelmente, a força étnica dominante des-trói os programas de estudo.29

Há uma geração, um presidente dos Estados Unidos prome-teu que sua geração seria a primeira na história que estenderiaos benefícios da civilização a toda a humanidade. Mas o queocorre é que nossa geração é a primeira na história que perdeumais conhecimento do que adquiriu.

O declínio das culturas indígenas não se limita de modoalgum a perdas sofridas por remotas populações vivendo nasselvas – grupos com os quais as culturas dominantes têm umaempatia absurdamente pequena. Em 1998, um estudo realiza-do pela UNESCO sobre 65 línguas, das quais havia dados de1980 e de 1994, concluiu que 49 delas (75%) havia sofridouma redução real no número de obras traduzidas para outraslínguas. Nesse período houve, além disso, uma queda no totalde traduções dessas línguas. Paralelamente, a proporção do in-glês no total de traduções aumentou de 43% em 1980 paramais de 57% em 1994. A proporção das quatro línguas maistraduzidas (inglês, espanhol, francês e alemão) aumentou de65% em 1980 para 81% em 1994. O francês e o alemão per-maneceram quase na mesma, enquanto que o espanhol cresceude pouco mais de 1% do total global de traduções para mais de3%. (Gráfico 1)

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GRÁFICO 1 – Traduções de outras línguas para o inglês, francês/alemão/espanhol ou outras línguas(em proporções relativas).

Mas, ainda assim, os dados da UNESCO subestimaram averdadeira “derrota” cultural a favor do inglês. Porque, entre 1980e 1994, a população mundial aumentou 25% e quase todo oaumento foi do mundo não anglofono. O número de pessoasalfabetizadas nessa população muito maior aumentou cerca de10%, o que significa um aumento muito significativo dos leito-res potenciais nesse período. Mas, em lugar de se beneficiaremcom isso, as traduções francesas e alemãs decresceram e o núme-ro de leitores só aumentou em inglês e em espanhol. E, aindaassim, não devemos nos enganar. O espanhol está aumentandodevido à pequena melhoria da situação econômica da populaçãode origem latina nos Estados Unidos e devido ao crescimento dapopulação e da alfabetização na América Latina – não porqueoutras pessoas do mundo tenham sido atraídas por essa língua.Só o inglês está ocupando terreno de outras línguas.

Tudo isso representa uma ameaça ao nosso conhecimentocoletivo. De cada língua que desaparece faz desaparecer arte eidéias. Isso está bastante claro. Embora – lamentavelmente – tal

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fato tenha muito pouco interesse para as culturas dominantes. Oque praticamente não se compreende é que estamos perdendoinformação científica e capacidade de inovação. Cada língua quese extingue faz desaparecer conhecimento sobre plantas e usosmedicinais que poderiam curar doenças atuais (e futuras).Estamos perdendo dados vitais sobre espécies, manejo deecossistemas e clima. Estamos perdendo conhecimentotecnológico essencial para a agricultura mundial. Se um terço damassa total da América Latina já não possui populações comlínguas indígenas, significa que perdemos a melhor informaçãocientífica possível para o manejo e desenvolvimento de um terçoda América do Sul.

No século XX, tivemos a oportunidade de utilizar a tecnologiapara liberar a criatividade e ampliar a participação cultural.Porém, ao contrário, as tecnologias foram utilizadas para limi-tar a participação e para controlar a criatividade.

Nosso alarme pelo que estamos perdendo deveria ser igual anossa consternação com relação ao que nos resta. No mesmoestudo mencionado antes, a UNESCO apresenta também dadosempíricos sobre o número de traduções dos 140 autores maispublicados no mundo. Em 1994, 90 desses 140 escreviam eminglês, em comparação com 64 (de 140), em 1980. O númerode autores franceses e alemães diminuiu ligeiramente. Os autoresda Rússia e de toda a ex URSS, por razões óbvias, desapareceramda tela do radar durante esse período.

O estudo mostra também que a erosão cultural não se limitaà queda no número de línguas traduzidas. Também há uma quedana qualidade. Seria difícil dizer que os autores mais traduzidosdo mundo representam o cume da excelência literária (ver Quadro

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1) A boa notícia é que seis dos dez autores mais traduzidos domundo em 1994 são mulheres. A má notícia é que seis dos dezeram autores de subliteratura. As três primeiras eram AgathaChristie, Danielle Steele e Victoria Holt.

QUADRO 1 – Os dez autores mais traduzidos no mundo

Autor No. de línguas

Agatha Christie 218Danielle Steele 131Victoria Holt 120Patricia Vanderberg 112Stephen King 110Julio Verne 109Barbara Cartland 98Robert L. Stevenson 96Enid Blyton 95Papa João Paulo II 93

Ao final do século XX, dois dos indicadores culturais maisimportantes – os livros e a música – chegaram a ser mais acessíveisdo que nunca. E no entanto, em geral, os livros que se escrevem,que são lidos e traduzidos são novelas sem valor, livros de cozinhae de dietas (!) e os descendentes degenerados de “Windows paratontos”. A música que mais se ouve é do tipo romântico efêmero,monogeracional e monotemática. Embora cada vez mais pessoaspossam ler, são cada vez menos (como parte da população total)as que criam histórias ou compõem música. Passamos de criadoresa consumidores no momento em que a tecnologia poderia terampliado nossas capacidades criativas.

Em outros tempos, pessoas culturalmente letradas que nãosabiam ler sentavam-se juntas para repetir lendas históricas e criarnovas narrações. Tratavam dos grandes problemas humanos e

Fonte: UNESCO, 1998, p. 187: Index Translationum, 3a ed. acumulativa, Paris,UNESCO, 1996.

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também descreviam as maravilhosas minúcias da vida cotidiana.Agora podem ler as etiquetas das latas de comida. Em outrostempos todos aprendiam a cantar ou a tocar um instrumento e adançar. Os membros de uma família ou de uma comunidade seentretinham mutuamente recriando os grandes clássicos de suacultura e inventando música e canções novas que descreviam ealegravam suas vidas. Agora imitam ídolos do rock em bares dekaraokê.

Música mundial?A indústria, é claro, nega a erosão cultural e até a UNESCO

indica os 80 grupos de Gamelan (música folclórica da Indonésia)que atuam nos Estados Unidos, e o crescimento da “músicamundial”.30 No entanto, a UNESCO também reconhece que omercado da música mundial é minúsculo e que seis companhiasmultinacionais (todas do Norte) controlam 80% do mercadomundial de música gravada (40 bilhões de dólares anuais). Cincomultinacionais – duas das quais controlam quase a metade dasvendas – dominam o negócio da publicação de música no mundo(controlando os direitos autorais).31 De fato, nos primeiros diasdo novo milênio houve fusões nessa indústria que aumentaramde forma espetacular sua concentração. Quando baixar a poeira,quatro companhias determinarão as opções musicais do mundointeiro.32

Acaso essas “multinacionais musicais” se interessam pelamúsica mundial multicultural? Há dez anos, entre 33 e 40% damúsica gravada alemã provinha da Grã-Bretanha (em inglês).Outro terço da música ouvida pelos alemães vem dos EstadosUnidos. Apesar do ingresso da MTV e da Sony no cenário musi-cal da Europa continental, as decisões são tomadas em Londres eNova Iorque e os artistas são empurrados para o inglês.33 As

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transnacionais, que não têm ouvido para a música, só queremouvir coisas que se possam tocar indistintamente no mundo todo.

Rede mundial?A indústria indica também a democratização das comunica-

ções que a Internet oferece, porém, mais de 80% da informaçãona Internet está em inglês, apesar de apenas 8% da populaçãomundial falar inglês como primeira língua. Longe de ser o gran-de denominador comum, a Internet serve aos ricos – onde querque estejam no mundo – e marginaliza ainda mais os pobres, asmulheres e as minorias étnicas.34 Na realidade, a Rede Mundial(www) não é muito mundial quanto a seu próprio controle.Calcula-se que 85% da renda gerada pela Internet e 95% docapital da Internet pertencem aos Estados Unidos.

Entre outros, os lingüistas começaram a reconhecer a gravi-dade da homogeneização, especialmente para os pobres. Pelomenos 70% da população do Sul recebe atenção médica de mé-dicos e curandeiros tradicionais. Junto com suas línguas, os po-bres estão perdendo seu conhecimento dos preparos tradicionaisque costumavam aproveitar da natureza. O idioma espanhol éum substituto, não apenas insuficiente, mas empobrecedor doquéchua, quando o professor e a escola não estão acompanhadospelo médico, o dentista, o hospital e a farmácia. E, ainda assim,se não há um equivalente espanhol do nome quéchua da parteda planta (ou até da própria planta) necessária para curar ummal estar, a cura morre com o quéchua. Falando de “uma des-truição da diversidade cultural e intelectual similar à que os bió-logos dizem que está ocorrendo nas espécies vegetais e animais”,os lingüistas advertem que apenas 5% das línguas que ainda exis-tem no mundo não estão em “perigo”.35 E, ainda, os falantesdaquelas línguas “em perigo” também estão em perigo.

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Estará o mundo perdendo mais conhecimento do que estáganhando? É impossível demonstrá-lo, mas quase certamente issoestá ocorrendo. Inclusive, o conhecimento que estamos adqui-rindo parece superficial ou insustentável. Durante mais de 2.200anos, a humanidade armazenou conhecimentos em pergaminhos,e essa informação continua acessível e utilizável hoje. No entan-to, nos últimos vinte anos, a maior parte do novo conhecimentodo mundo foi armazenada em disquetes cuja expectativa de vidanão passa de 30 anos.36 E, na realidade, até isso é um exageroporque a maioria dos dados armazenados eletronicamente nasdécadas de 70 e 80 utilizava softwares que, de lá para cá, foramperdidos e esquecidos. Isso pode resultar em algo mais que umadoença. Basta pensar no caso de programas escritos para mísseisnucleares nos anos 60 que hoje é impossível decifrar.

Uma das histórias que mais são contadas e que mais nos ale-gram sobre a globalização é a história de quando NelsonMandela conheceu umas crianças inuit no Ártico canadense,enquanto seu avião era abastecido, e com assombro ouviu-osdizer que tinham visto sua saída da prisão pela TV. Mandelapoderia ter se espantado também se soubesse que essas crian-ças lhe falavam em inglês porque já não podiam falar sua pró-pria língua e, por conseguinte, tampouco podiam compreen-der o conhecimento de seus antepassados sobre a proteção dosfrágeis ecossistemas do alto Ártico.

Erosão da eqüidade

E=TC2

Não é preciso ser um Einstein para reconhecer a nova equa-ção do poder. A erosão exponencial de nossa biosfera – somada à

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erosão de nossa capacidade de entender a biosfera – coincidecom uma expansão igualmente exponencial de nossa capacidadetecnológica para manipular grandes sistemas vivos, com ou semsegurança. O que resta da diversidade e de todas as tecnologiasque atentam contra a diversidade está se concentrando nas mãosdas empresas oligopolistas.

Nossos direitos estão sendo erodidos. A mesma mentalidadeindústrial que converteu a grande oportunidade representada pelaalfabetização e pelas tecnologias da comunicação em uma perdade criatividade e de diversidade agora se propõe a utilizar suasinovações de alta tecnologia para salvaguardar a biosfera e garan-tir nossa segurança alimentar. Podemos acaso confiar-lhes o con-trole dessas novas e poderosas ciências?

Estamos perdendo ou ganhando?No fim da Segunda Guerra Mundial, metade do mundo (pelo

menos de acordo com o que registram os dados da economiamonetária) estava na pobreza. Agora, apenas a quarta parte (no-vamente de acordo com cálculos baseados no dinheiro) é pobre.Os preços dos cereais para o consumidor baixaram 150% nosúltimos 20 anos. Estas deveriam ser provas de que progredimos.No entanto, a impressão acachapante é que o mundo está setornando cada vez menos eqüitativo, e não o contrário. No Nor-te, a classe média está sendo erodida, enquanto a classe alta enri-quece cada vez mais. A saúde e a educação se deterioram, assimcomo o meio ambiente. A pobreza e a doença das crianças che-gam a ser epidêmicas nos Estados Unidos e no Canadá. No Sul,as tendências animadoras que dominaram o terceiro quarto doséculo passado parecem estar se invertendo.37

Se, em 1960, correspondia aos países mais pobres do mundo(com 20% da população total) 4% das exportações globais, em

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1990 sua participação foi decrescendo até chegar a 1%. Ao mes-mo tempo, a parte das exportações dirigidas aos países desenvol-vidos duplicou, de 13% no começo dos anos 70 para 26% nocomeço dos anos 90.

Os prognósticos de que “não haverá pobres sempre” não setornaram realidade. Em 1990, houve prognósticos otimistas deque a porcentagem de pobres absolutos no mundo (os que têmrendimentos de menos de um dólar por dia) diminuiria para18% em 2000. Mas, em 1998, a cifra era de 24% e a linha detendência tinha se voltado para cima.

Alguns dos lucros tão festejados há duas décadas hoje pare-cem ilusórios. Os rendimentos de grãos e legumes de elevadoconteúdo protéico estão diminuindo. O que um estudo recentechama de “inesperada importância das deficiências e toxidadesdos microelementos” está afetando agora os solos mais produti-vos da Revolução Verde. Os danos são resultado da agriculturasuperintensiva e do amplo uso de insumos químicos externos.Além disso, a dispersão de elementos químicos – especialmentenitrogênio – das terras cultivadas está afetando toda a produçãode águas salgadas e doces. Sessenta por cento da população domundo obtém 40% ou mais de suas proteínas de fontes aquáti-cas. Agora, o legado da Revolução Verde está pondo em perigoessa fonte.

O efeito da agricultura com elevado uso de insumos não ape-nas foi injusto para com o meio ambiente, como também signi-ficou um impacto duríssimo para os agricultores. Entre os anos50 e 80, por exemplo, os agricultores estadunidenses experimen-taram um declínio de 20% em sua receita real, apesar de teremum grande incremento nos rendimentos. Durante o mesmo pe-ríodo, a parte do orçamento de alimentação destinada aos agri-cultores e a seus fornecedores caiu de 57 para 22%, e esse padrão

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continua. Um estudo que compara a eficiência de agriculturascom altos e baixos insumos na Colômbia, China, Filipinas, Esta-dos Unidos e Reino Unido, mostrou que, em geral, os agriculto-res com baixo uso de insumos eram, em média, cinco vezes maiseficientes no aproveitamento da energia que seus primos comelevado emprego de insumos. Agricultores das Filipinas desco-briram que, para obter um aumento de 116% no rendimento,eles teriam de concordar com um incremento de 300% no con-sumo de insumos de energia.

As iniqüidades ambientais crescem paralelamente aos riscosque correm as populações rurais expostas ao uso pesado deinsumos químicos. Nos Estados Unidos, considera-se que o cus-to anual, em termos de saúde pública e destruição de recursosnaturais, oscila entre 1,3 e 8 bilhões de dólares. Na América Cen-tral, calcula-se que de 28,4 a 57,8% dos trabalhadores agrícolasrelacionados com a produção de culturas de exportação adoe-cem cada ano, intoxicados por insumos químicos. Em 2000, aOrganização Mundial da Saúde, OMS, advertiu que a expectati-va de vida – calculada como anos de vida livre de doençasincapacitantes – está declinando em muitos países do Sul, de-pois de décadas de melhorias.

A distância social entre os ricos e os pobres – que em certaépoca acreditávamos que estivesse diminuindo – está se ampliandode novo. Talvez nada mostre melhor essa inversão do que adesonrosa degradação dos direitos dos agricultores do mundopor meio de mudanças introduzidas nas leis de propriedade in-telectual do Norte. Nos anos 60 e 70, os governos e as empresasde sementes estavam de acordo em que os agricultores tinham“direito” de guardar e inclusive de revender sementes. Nos anos80, esse “direito” se converteu em “privilégio”. Nos anos 90, oque fora um “direito” e depois um “privilégio”, passou a ser des-

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crito como “pirataria” por alguns desses mesmos governos e em-presas.

Supostamente, em troca da perda de seus direitos, os agricul-tores obteriam novas e potentes tecnologias que os tornariamcada vez mais sadios e mais ricos. Nos anos 60 e 70, essas novastecnologias foram os produtos químicos tóxicos de que já fala-mos. Nos anos 80 e 90, as novas tecnologias provêm da enge-nharia genética. Com carinho, outra vez?

A erosão da confiançaHoje, a indústria da biotecnologia e muitos governos nos

garantem que todos os organismos geneticamente modificadospodem ser liberados no meio ambiente sem nenhum risco, e quetodos esses alimentos transgênicos podem ser consumidos sempreocupação por animais e seres humanos. Talvez seja verdade.Mas a história de seus defensores é terrível. Considerando a evi-dência histórica, não temos outra opção razoável senão suporque estão equivocados. Que, na realidade, não sabem do queestão falando.

No seminário de Bogéve, chegamos à conclusão de que épreciso uma geração humana inteira para que se possa compre-ender as implicações de uma nova tecnologia importante. Pode-ríamos acrescentar, em conseqüência, que, como não estamosdiante de uma emergência humana, não há nenhuma razão cor-reta para introduzir tecnologias novas até que tenhamos com-provado sua utilidade e segurança.

A “carruagem sem cavalos” de um século atrás é um bomexemplo. É difícil imaginar que a sociedade se opusesse ao motorde combustão interna. Mas, com doses razoáveis de previsão eplanejamento, o mesmo poderia ter sido introduzido em umcontexto que enfatizasse o transporte público e minimizasse

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(inclusive taxasse) o transporte particular. Muitas vidas teriamsido poupadas. É inegável que estamos deixando de lado muitosoutros fatores críticos, como a geopolítica do petróleo e odiagnóstico precoce da contaminação atmosférica, mas atecnologia teria debutado em um meio sócio-político favorável àdetecção precoce e às soluções rápidas. Por muito que se possadizer que o transporte rápido nos trouxe as ambulâncias e oscarros de bombeiros, poucos negariam que as mortes causadaspelo automóvel são mais numerosas que as vidas salvas.

Há paralelismos entre o motor do automóvel e a engenhariagenética. A biotecnologia é “viver num vagão rápido”. Mais ain-da, é “viver mudando de vagão” à medida que passamos genes deuma espécie para outra. A biotecnologia se propõe não apenasreestruturar nossa paisagem, mas também reestruturar a vida. Oprincípio da precaução deveria ser o guia. Mas, onde estão ossinais de “reduza a velocidade” e de “perigo”?

Isto não significa opor-se, filosófica ou praticamente, àpossibilidade da eventual e razoável introdução de algumasbiotecnologias – nem tampouco argumentar contra todas astecnologias introduzidas recentemente. É uma argumentação afavor da comparação de riscos e benefícios. O desenvolvimentoda estrada de ferro, novas técnicas mineiras, o rápido crescimentoda indústria petroquímica, todos eles provocaram morte edestruição desnecessárias. Em todos os casos o governo e aindústria mostraram grande otimismo quanto à segurançapública, até que o custo em vidas fosse irrefutável. Em todos oscasos o tempo demonstrou que estavam totalmente equivocados.

Em meados de 1999, a Europa enfrentou o escândalo de terque comprovar a presença de toxinas em produtos avícolas naBélgica. Poucos dias depois, o governo belga se viu obrigado aretirar alguns produtos da Coca-Cola. Os estudantes belgas

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adoeciam diante de um duplo ataque. CO2 combinado na Coca-Cola carbonatada uniu suas forças a um fungo que crescia naembalagem de exportação. De alguma maneira esse fungo chegouàs crianças. Em poucos dias a Coca-Cola desapareceu das lojasde grande parte da Europa Ocidental. Que possibilidades existemde ocorrerem acidentes deste tipo? Muitas. Se estivessem vivos,poderíamos perguntar aos dois únicos condutores de Kansas City,Missouri, em 1905: apesar de terem a estrada só para eles,provocaram um dos primeiros choques frontais do Quarto deSéculo do Automóvel.38 Do outro lado do estado, em St. Louis,Missouri, a Monsanto (em fusão com Pharmacia-Upjohn) deveriatomar nota. Por acaso, governos e indústrias são mais cuidadososhoje? Até agora, na Grã-Bretanha, morreram mais de 70 pessoasdo “mal da vaca louca”. No fim de 1999, relatórios da UniãoEuropéia advertiam que a doença poderia ter se estendido à maiorparte do continente. Em meados de 2000, os governos nãopodiam descartar a possibilidade de que a doença se estendessetambém aos Estados Unidos e à Austrália.39 A doença da vacalouca é uma “burobacteria”: não teria ocorrido se os homens denegócios não fossem gananciosos, se os cientistas não tivessem seequivocado e se os burocratas não tivessem mentido. Não é oúnico exemplo atual. As vidas de centenas, talvez de milhares depessoas na França e no Canadá foram reduzidas porque burocratase políticos decidiram utilizar produtos sanguíneos contaminados.A indústria da informática é outro exemplo. Indústriasestadunidenses gastaram 150 bilhões de dólares – e os governosdo mundo outros 500 bilhões – ajustando seus computadorespara o ano 2000 (fenômeno Y2K). Aparentemente, há vinte anos,ninguém no mundo empresarial estadunidense era suficiente-mente esperto para perceber que o século estava por terminar. E,da mesma maneira que pagamos aos herdeiros da indústria

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química para limparem suas próprias lixeiras, agora pedimos aoscriadores do Y2K que nos indenizem. Nos primeiros dias do novomilênio, o governo dos Estados Unidos reconheceu publicamente– depois de 40 anos negando e de dezenas de milhões de dólaresgastos na defesa legal – que é possível que as vidas de até 600.000trabalhadores da indústria de armas nucleares daquele país tenhamsido reduzidas devido à contaminação radioativa. Um painel“investigativo” do governo admitiu também que as autoridadeshaviam estado inteiradas da realidade desse perigo durantedécadas.40

As empresas garantem que a realidade da erosão ambiental sópode ser resolvida com a biotecnologia, solução infalível.

Em 1992, ano em que muitos chefes de Estado foram ao Riode Janeiro para adotar protocolos e convenções relacionadas comas mudanças climáticas, a desertificação, a biodiversidade e asselvas, 5 milhões de crianças morreram por falta de alimento,água potável ou vacinas baratas. Em mortes, isso significa, o equi-valente a uma dessas excelentes inovações da Era do Automóvel,um ônibus escolar caindo de cima da barragem de Assuan a cada60 segundos.41

Notas

1. Bean, William, The Royal Botanic Gardens, Kew, Historical and Descriptive, Londres,Cassell and Como., 1908, p. 22.

2. Our Creative Diversity, UNESCO, 1996, p. 178.3. “Plant Genetic Resources”, Development Education Exchange Papers, United Nations

Food and Agriculture Organization (FAO), setembro de 1993, p. 3.4. Walter, K.S. e Gillett, H.J. (eds.), 1998. 1997 IUCN Red List of Threatened Plants,

comp. pelo World Conservation Monitoring Centre, IUCN – The World

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Conservation Union, Gland (Suíça) e Cambridge (Grã-Bretanha), xiv mais 862 p.Este estudo se baseia essencialmente em dados obtidos em países industrializados e,conseqüentemente, subestima a situação global.

5. Edwards, Rob, 1998, “Our pathogens”, New Scientist, 22 de agosto de 1998, p. 5.6. “New FAO World Watch list for domestic animal diversity Warns: Up to1.500 Breeds

are at risk of extinction”, Comunicado à imprensa, FAO, 5 de dezembro de 1995.7. World Science Report, UNESCO, 1996, fig. 3, p. 238.8. Ibid., fig. 5, p. 239.9. Barlow, Maude, “Blue Gold”, Inrternational Forum on Globalization, junho de 1999,

p. 3.10. IWMI (International Water Management Institute, Colombo, Sri Lanka), em Internet

http://www.iwmi.org, “Projections for World Water in 2025”. V. mapa e informaçãosobre a Visão Mundial da Água (World Water Vision).

11. Bryant, D. e L. Burke, “Reefs at risk: A map-based indicator of threats to the world’scoral reefs”, World Resources Institute, 1998.

12. “The State of World Fisheries and Aquaculture”, Depto. de Pesca, FAO, Roma, 1995,p. 8.

13. A estimativa de 29 ha por minuto foi tirada do comunicado à imprensa do ConsultativeGroup on International Agricultural Research (CGIAR), “Poor farmers could destroyhalf of remaining tropical forest”, 4 de agosto de 1996.

14. Colwell, Rita R. e Albert Sasson, “Biotecnology and Development”, in World ScienceReport 1996, UNESCO, p. 260.

15. “Fading Aroma”, in New Scientist, 24 de junho de 2000, p. 19.16. Pearce, Fred, “Going, going…”, in New Scientist, 10 de junho de 2000, p. 16-17.17. Berger, Antony, “Geosciences and the environment. Understanding human impacts

on natural processes”, in World Science Report 1996, UNESCO, p. 232.18. Ibidem.19. Colwell, Rita R. e Albert Sasson, op.cit., p. 24520. Watson, Robert, de sua apresentação no Encontro Intermediário do CGIAR em

Brasília, maio de 1998. Desta apresentação provêm estes dados.21. World Science Report 1996, UNESCO, Quadro 1, p. 240.22. New Scientist, 15 de janeiro de 2000, p. 5.23. Pearce, Fred, “A Cool Trick”, in New Scientist, 8 de abril de 2000, p. 18.24. Declaração do CGIAR na 4a reunião da Conferência das Partes da Convenção Sobre

Diversidade Biológica, CGIAR, Bratislava, Eslováquia, maio de 1998.25. “Is the sea now a giant petri dish?”, in Business Week, 20 de setembro de 1999, p. 82.26. Doyle, Roger, “Asthma Worldwide”, in Scientific American, junho de 2000, p. 30.27. Our Creative Diversity, UNESCO, 1995, p. 179.28. Maffi, Luisa, “Linguistic Diversity”, in Posey, Darrell A. et al. (eds.), Cultural and

Spiritual Values of Diversity, UNEP, 1999, p. 21-22.29. Mooney, Pat Roy, “The Parts of Life”, in Development Dialogue, órgão da Fundação

Dag Hammarskjöld, 1998, número especial, contém um exame mais aprofundadodeste assunto.

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30. Roberts, Martin D., “World Music: The relocation of culture”, in World CultureReport – Culture, Creativity and Markets, UNESCO, 1998, p. 204.

31. Ibid, p. 195-196.32. “The record industry takes fright”, in The Economist, 30 de janeiro de 2000 (edição

Internet).33. Negus, Keith, “Global Harmonies and Local Discords: Transnational Policies and

Practices in the European Recording Industry”, in Sreberny-Mohammadi, Annabelleet al. (eds.), Media in Global Context – A Reader, Arnold, 1997, p. 271-277.

34. Human Development Report 1999, PNUD, p. 62.35. Associated Press, “Languages: Modernization threatens cultural diversity”, 17 de maio

de 1999, distribuído por UN Wire.36. World Information Report, UNESCO, 1997-1998, Quadro 1, p. 345.37. A maior parte da informação contida nestes parágrafos provém de um esboço de

estudo para o Fórum Global sobre Pesquisa Agrícola, realizado em Dresden, Alema-nha, em maio de 2000. Esse estudo, de autoria de Filemón Torres, Martín Piñeiro,Eduardo Trigo e Roberto Martinez Nogueira, se intitula Agriculture in the XXI Century:Agrodiversity and Pluralism as a Contribuition to Adrdress Issues on Food Security, Poverty,and Natural Resource Conservation, Roma, GFAR, abril de 2000.

38. Freeman, Larry, The Merry Old Móbiles, Nova Iorque, Century House, 1944, p.111.Esta informação foi obtida por Kevan Bowkett, que trabalha regularmente comovoluntário para a RAFI e hoje é imprescindível.

39. MacKenzie, Debora, “Global Infection”, in New Scientist, 10 de junho de 2000, p. 4.40. New York Times, 29 de janeiro de 2000 (da edição Internet).41. Paterson, Christopher, “Global Television News Services”, in Sreberny-Mohammadi,

Annabelle et al. (eds.), Media in Global Context – A Reader, Arnold, 1997, p. 151.

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Chave: A "tecnologia"* está tomando o poder

Se as bases biológicas do planeta estão sendo destruídas, hámuitas novas tecnologias preparando-se para resolver o problema.Quem controlará as novas tecnologias? A que interesses servem?Existem tecnologias que sejam essencialmente “boas”, ou seja,democratizantes, descentralizadoras e tendentes a aumentar opoder das pessoas? Serão as tecnologias poderosas intrinsecamente“más”, ou seja, centralizadoras, distanciadoras e destrutivas? Po-derão os pobres confiar que os cientistas ricos (ou as empresas paraas quais trabalham) se preocupem com suas necessidades? Se abiotecnologia fez soar muitas campainhas de alarme entre as pes-soas, o que dizer da nanotecnologia? A única coisa segura é que oritmo de introdução de novas tecnologias está se acelerando.

TRANSFORMAÇÃO TECNOLÓGICAO aumento de poder e a complexidade ocorrejustamente quando as “matérias-primas” estão se erodindo

“Tudo o que se pode inventar já foi inventado”.

Charles H. Duell, Comissionado da Agênciade Patentes dos Estados Unidos, 1899.

* A versão em espanhol usou o termo "utileria".

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• Edson acendeu as luzes de Pearl Street, em Manhattan, em1882, mas passaram-se 30 anos antes que nos Estados Uni-dos houvesse equipamentos elétricos ao alcance da maioria.

• Um quarto de século depois da introdução do automóvel, nosEstados Unidos eram fabricados menos de 4 milhões de carros.

• Foram necessários 38 anos depois da introdução da primeiraestação de rádio para que o novo meio de comunicação al-cançasse um público de 50 milhões de ouvintes.

• A televisão chegou a 50 milhões de expectadores 13 anosdepois da comercialização dos primeiros programas.

• Passaram-se 16 anos depois da introdução dos computadorespessoais antes que esta tecnologia chegasse a ter 50 milhõesde usuários.

• O primeiro telégrafo transmitia informações a 0,2 bites porsegundo. Hoje, os cabos de fibra ótica transmitem dados a10 bilhões de bites por segundo.

• Apenas 4 anos depois de sua criação, Worldwide Web tinha50 milhões de usuários.

• Até 1996, o número de sites da Internet e de mensagens decorreio eletrônico duplicava a cada ano; atualmente o nú-mero de usuários da Internet duplica a cada 4 ou 5 meses.

• A quantidade de informação genética armazenada nos ban-cos de genes internacionais duplica a cada 14 meses.

• Mil cientistas trabalharam 10 anos para decodificar pelaprimeira vez o genoma de uma levedura.

• Há um quarto de século um laboratório precisava de doismeses para seqüenciar 150 nucleótidos (as letras molecularesque compõem um gene). Agora os cientistas são capazes deseqüenciar 11 milhões de letras em questão de horas.

• O custo do seqüenciamento do DNA caiu de cerca de US$100 por par de bases, em 1980, para menos de um dólar,hoje; em 2002, custará centavos.

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• Em outra época, a tecnologia padrão de sequenciamento degenes requeria pelo menos duas semanas e US$ 20.000 parapesquisar um só paciente por variações genéticas em 100.000SNP (single nucleotid polymorphisms – poliformismos sin-gulares de nucleótidos). Hoje 100.000 SNP são examina-dos em poucas horas por algumas centenas de dólares;

• Em 1991, a Agência de Marcas e Patentes dos EstadosUnidos tinha solicitações pendentes para 4.000 seqüênciasEST (expressed sequence tag – marca de seqüência expres-sa). Em 1996, eram 350.000. Em 1998, havia meio mi-lhão. Um ano mais tarde as três principais companhias degenoma humano admitiram que tinham apresentado maisde 3 milhões de solicitações de patentes sobre ESTs.

O início da era de Lilliput?

Pode parecer que entramos na “Era das coisas pequenas”.No princípio do século XX, lembramo-nos das leis da herançagenética1 e boa parte desse século se dedicou a entender e amanipular genes. Não muito depois do redescobrimento dasleis de Mendel, já estávamos absorvidos nas funções do átomoe na energia atômica. Agora, ao começar o século XXI, pode-mos estar gerando tecnologias novas que combinam nosso li-mitado conhecimento dos genes com nossa precária compre-ensão do átomo. Dado que fracassamos tão fragorosamenteao fazer as coisas grandes, seremos capazes de fazer bem ascoisas pequenas?

A incapacidade da indústria para compreender suas própriastecnologias não é nova. Thomas Alva Edson, um dos inventoresda maior utilidade comercial da era indústrial, não apenas seequivocou completamente com relação aos méritos de seu

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fonógrafo, como depois negou a viabilidade comercial dotelefone, do rádio, da televisão e do aeroplano. Não muitoantes de Kitty Hawk, Wilbur Wright disse a Orville que faltavameio século para que aparelhos mais pesados que o ar pudessemvoar (o Scientific American aparentemente concordava comele. Três anos depois de Kitty Hawk, a revista ainda duvidavaexplicitamente de que os irmãos Wright tivessem realmentevoado). O temível Albert Einstein zombou da energia nucleardoze anos antes de Hiroshima. E o maior erro farmacêuticodos últimos cem anos foi, seguramente, o desprezo inicial pelaaspirina por parte de Bayer, a pílula mais rentável do séculoXX e, possivelmente, do XXI também.

Mudaram os tempos? Terão os “especialistas” aprendido alição? Porque essas novas tecnologias mostram sua cara sob ovéu do novo milênio? Existem alguns processos que vale a penaexaminar.

Biotecnologia

A acreditar na propaganda, as biotecnologias fornecerãoos instrumentos de que a indústria necessita para “ajeitar” omeio ambiente. Segundo os “hits” do momento, a engenhariagenética permitirá a nosso sistema alimentar adaptar-se aoaquecimento global e alimentar os “inumeráveis milhões” queestão a ponto de superpovoar nosso planeta. A biotecnologiapoderia permitir-nos reconstruir populações de espéciesameaçadas. Alguns cientistas garantem que será possível com-pensar a perda de biodiversidade no presente, ao tornar possí-vel a criação nova e rápida de biodiversidade comercialmenteútil no futuro (isto é: em qualquer momento determinado podehaver menos diversidade presente, mas o processo de inova-

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ção dará origem a um fluxo contínuo de diversidade nova eútil à medida que for necessário). A biotecnologia é a varinhamágica que domina a imaginação pública da década de 1990até hoje.

Chaves históricas: deslizes estratégicos na introdução de novastecnologias

“(A aspirina é) típica charlatanice berlinense.O produto não tem nenhum valor.

Heinrich Dreser, diretor da Divisão Farmacêutica da Bayer, 1899

Em 1845 o serviço postal dos Estados Unidos recusou a oferta deSamuel Morse de vender por US$ 100.000 seu telégrafo patenteado, porconsiderá-lo inútil. Em 1877, a Western Union, companhia que finalmenteaceitou o telégrafo de Morse, recusou, pela mesma razão, o telefone deAlexander Graham Bell (que também lhe foi oferecido por US$ 100.000).Em 1907, uma das maiores companhias telefônicas dos Estados Unidosrecusou o rádio de Leo DeForest e, em 1926, o próprio DeForest chegou àconclusão de que a televisão não tinha futuro comercial. No fim dos anos70, os fabricantes de semicondutores acharam ridícula a idéia de fazer com-putadores pessoais e, em 1981, Bill Gates previa que nenhum PC necessi-taria de mais do que 640 kb de memória RAM.

Cinco peças não tão fáceisOs que lêem as matérias da RAFI, em geral estão bem in-

formados sobre biotecnologia. Com base neste pressuposto,mencionaremos apenas alguns dos processos-chave essenciaisque formaram nossa impressão sobre o futuro desta tecnologia.

A clonagem de Dolly, em fevereiro de 1997, e o anúncioconjunto dos doutores Francis Collins, do Projeto GenomaHumano, e Craig Venter, da Celera, em junho de 2000, deque tinham completado o primeiro mapa rudimentar dogenoma humano, são os eventos culminantes do quarto deséculo da biotecnologia. Os dois acontecimentos estão cerca-

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dos de confusão. A clonagem passava das ovelhas às vacas,enquanto os cientistas discutiam se o processo envelhecia osanimais de forma antinatural e o debate passava de institutoem instituto e de espécie em espécie em todo o mundo. Emseu entusiasmo com o primeiro mapa do genoma humano, aimprensa popular praticamente passou por cima das tremen-das implicações de outros mapas de genomas em elaboraçãoou já terminados, que vão do arroz aos tigres. Tanto o públicoquanto os políticos perderam os eventos principais.

Reversão da não expressão do DNAPor trás da Dolly, sem dúvida, estava a importantíssima

prova de que qualquer célula viva pode, teoricamente, serreprogramada para desempenhar qualquer função no organis-mo. O descobrimento da reversão da não expressão (quiesence)do DNA não só tornou possível a clonagem de ovelhas, vacase macacos (e a clonagem de um macaco tornou difícil, cienti-ficamente, fingir que não é possível clonar seres humanos),como significa que podemos imitar tecidos e órgãos de nossospróprios corpos para transplantes de órgãos ou de medula.Dolly e seus seguidores capturaram a atenção da mídia, mas oque poderá capturar o mercado é a capacidade de regenerarpartes do corpo.

Transferência de cromossomosEm 1998, pesquisadores japoneses nos mostraram que é

possível enxertar cromossomos inteiros – vários deles por vez– em outras espécies. Os cientistas japoneses enxertaram trêscromossomos humanos inteiros (de nossa dotação de 23) emum roedor. A possibilidade de mesclar e combinar cromos-somos inteiros que possam ser enxertados em qualquer coisa,dos fungos aos granjeiros, poderia não ter limites. Em 1999, a

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revista Nature informou que os cientistas tinham isolado um“gene da memória”, tinham feito sua réplica e a haviam copiadono DNA de ratazanas para melhorar sua capacidade derecordar.2 As implicações disto para a melhora do desempenhohumano são fascinantes e aterradoras ao mesmo tempo.

A brilhante apelação de Jeremy Rilkin, que obrigou a Agênciade Patentes dos Estados Unidos a debater sobre o que era ne-cessário para fazer um ser humano do ponto de vista genético,terá eco por várias décadas. Quantos cromossomos humanospodem ser postos em uma foca da Groenlândia antes que oGreenpeace passe a defender o peixe do qual a foca se alimen-ta? Se alguém inocula três cromossomos humanos em umaratazana, já pode concorrer às eleições? Se o gene humano damemória for copiado, a ratazana vai se lembrar de suas pro-messas eleitorais?

EpigenéticaEnquanto os cientistas britânicos e estadunidenses esta-

vam se felicitando por seu mapa do genoma humano, come-çava um debate enorme, mas muito menos divulgado, sobreas leis da herança genética e o papel incerto do chamado “DNAsilencioso”, ou seja, os 97% do genoma humano que Venter eCollins consideraram que não valia a pena incluir em seu mapa.Estão aparecendo indícios de que este material genético silen-cioso (material que se tornou irrelevante no longo período daevolução, à medida que nos formávamos em micro-organis-mos, nas aberturas termais das profundidades marinhas, nasalturas das realizações dos mamíferos), na realidade continuatendo um papel importante em nossa evolução e em nossaadaptabilidade imediata. Estão sendo revistas até as esqueci-das teorias evolutivas ambientais do justamente desprestigiadoLysenko (maligno e maníaco czar das ciências de Stalin). Mui-

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tos pesquisadores se surpreenderam, em meados do ano 2000,ao descobrir que este DNA silencioso poderia ser essencialpara silenciar um dos cromossomos X nas mulheres. Coisanada insignificante.3 Justamente quando acreditávamos ter o“mapa” nas mãos, descobrimos que ainda há hemisférios in-teiros por explorar.

Modificação intragênicaEm parte em função da reavaliação do DNA, os cientistas

estão começando a pensar que a era das manipulaçõestransgênicas ou “GM” (geneticamente modificadas) poderia es-tar chegando ao fim, quando apenas acaba de começar. Atéagora, o movimento de genes específicos, que mantêm traçosúteis ao serem transferidos de uma espécie para outra, foiatraente para os cientistas porque estes podem ver, por exemplo,a característica de tolerância ao frio ou a resistência a determi-nada doença, visivelmente manifestas em uma espécie. Portan-to, sabem que teoricamente podem isolar esta característica etransferi-la para outra espécie que considerem que necessitadela. Há algum tempo, os cientistas observaram também que ogene que confere resistência a determinada doença a uma espé-cie pode ser igual ao gene de resistência à doença de outra espé-cie muito diferente. Enquanto isso, os epigeneticistas nos lem-bram que temos a metade dos genes em comum com uma ba-nana e que estamos a um punhado de genes de distância de umasalamandra. Os cientistas especulam que estudando nossoDNA silencioso e ativando ou silenciando diversos genes, po-deremos obter a maior parte da diversidade genética de que ne-cessitamos para plantas, aves ou pessoas dentro da espécie. Nãosão necessários transgênicos.

Se isto está certo – e a RAFI aposta que sim – de todomodo não diz absolutamente nada sobre a segurança do meio

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ambiente ou da alimentação frente a tais modificações. Nãohá razão para pensar que a manipulação intragênica é maissegura que a transgênica. No entanto, os que se opõem àbiotecnologia partindo da premissa de que a transgênese éantinatural, sacrílega ou imoral, poderiam ter um problema.O resultado final pode parecer antinatural, mas de fato pode-rá produzir organismos que, teoricamente, a própria naturezapoderia criar se a deixassem em paz por tempo suficiente.

Nossa base para a ação política não deve se basear em umacompreensão estática do que é natural ou sobrenatural. Cadatecnologia pode e deve ser julgada por seus próprios méritos.Existem novas tecnologias como, por exemplo, aspectos daagricultura orgânica, que estimulam a democracia e adescentralização. Há outras sumamente antidemocráticas ecentralizadoras (como a energia nuclear), que devem ser avalia-das com muito mais cuidado.

A construção de organismos vivosO doutor J. Craig Venter e seus colegas explicaram que

agora podemos criar vida onde antes não existia. É certo que avida que ele formava – e que decidiu abandonar por razõeséticas válidas – fora construída com uns poucos genes de mi-cróbios.5 Mas o importante é que os humanos podem ocuparo centro do cenário junto com Deus, nesse clube exclusivodos que podem criar vida da argila.

A peça “Terminator”É grande a tentação de agregar a tecnologia Terminator

ou Traitor à lista das grandes mudanças científicas que estãodando forma ao futuro da biotecnologia. Na realidade, aestratégia Terminator da indústria se baseia em algumas das

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descobertas já mencionadas, mas lhes dá uma aplicaçãocomercial deletéria. Utilizando a tecnologia Traitor,encontraram uma forma altamente lucrativa de esterilizar assementes de uma planta no momento da colheita e depoisrevivê-las para a próxima semeadura. Essas sementes tipoLázaro poderiam ser comuns em pouco tempo. Falaremosmais sobre isso.

Às vezes, parece que estamos chegando ao fim da ficçãocientífica: o que considerávamos absurdo (ou a milênios dedistância) está agora a nosso alcance.

Guerra biológica

Nós, que acompanhamos o desenvolvimento da biotecno-logia, temos prestado pouca atenção a suas aplicações milita-res ou a seus efeitos sobre as instituições democráticas. Porisso, foi uma ocasião rara quando, em 11 de maio de 1996, arevista New Scientist publicou um relatório especial sobre“bioterrorismo”. Nele, Robert Taylor advertia que a utilizaçãode bactérias e vírus como armas era, não apenas provável, masquase inevitável. O relatório dizia que a guerra biológica nãorequer biotecnologias sofisticadas, mas que o enorme cresci-mento das biotecnologias aumentaria a efetividade dasbioarmas e que seria quase impossível monitorar as institui-ções e os cientistas capazes de desenvolver tais armas. Há maisde 1.300 “lojas” de biotecnologia apenas nos Estados Unidos,e mais 500 na Europa. A indústria biotecnológica estaduni-dense emprega mais de 60 mil cientistas especializados embiotecnologia; além de cerca de 6 mil que saem das universi-dades a cada ano. O informe assinalava ainda a capacidadecrescente do Sul de desenvolver suas próprias bioarmas.6

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Como até um “inimigo” pobre, medianamente capaz, poderiatransformar vírus em armas com a ajuda da escrita Java daInternet, todos os países têm uma desculpa para desenvolverseu bioarmamento chamado “defensivo”. Essas armas serãoutilizadas principalmente para a sabotagem econômica.

Futuros campos de batalhaO New Scientist publicou seu relatório no momento exato.

Também em maio de 1996, o exército dos Estados Unidosconvocou um seminário de dois dias sobre as futuras implica-ções militares da biotecnologia, organizado mediante um con-trato com Science Applications International Corporation(SAIC). “Biotecnology 20/20”, como se chamou o seminário,reuniu pessoas-chave da Diretoria de Missões e OperaçõesEspeciais do Pentágono, do Laboratório de Pesquisas do Exér-cito, da Diretoria de Batalhas Futuras, do Colégio de GuerraAérea, do Colégio de Guerra do Exército, do Comando deDefesa Químico-Biológica além de outros participantes dasmais altas patentes da Agência da Subdireção de Pessoal. Aoscientistas e estrategistas militares se somaram bioeticistas eantropólogos acadêmicos (por exemplo, do Center for HumanPerformance and Complex Systems da Universidade deWisconsin) e gurus empresariais da alta ciência, de compa-nhias como Nanotronics Inc. Também estiveram próximosórgãos governamentais não militares, como os Institutos Na-cionais de Saúde.

A RAFI soube do seminário pela edição de novembro de1996 do jornal Wired. Pesquisadores intrépidos como sempre,imediatamente fizemos uma solicitação de informações, pe-dindo as exposições, materiais prévios e relatórios, o que envia-mos à SAIC e ao Exército.

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QUADRO 2 – Os dólares da guerra biológica: uma amostra deempresas de armas biológicas sediadas nos Estados Unidos

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De janeiro a junho de 1997, diversas peças e engrenagensdas comunidades científico-militares e de inteligência dos Es-tados Unidos lutaram para recusar nossa solicitação (feita emcomum com o governo da Itália, a revista U.S. News and WorldReport e um contratado militar privado estadunidense). Emmeados de 1997, apesar dos esforços do Biological WarfareTreaty Compliance Chief (Chefe de Cumprimento do Trata-do sobre Guerra Biológica) e do diretor da Biological ArmsControl Treaty Office (Escritório do Tratado do Controle deArmas Biológicas), um tecnicismo obrigou o Laboratório dePesquisas do Exército a entregar os documentos. Demoramosum ano para estudá-los. Passaram a ser nossa leitura de verãoquando alguns membros da RAFI se reuniram na “HeritageFarm” do Seed-Savers Exchange, perto de Decorah, Iowa, emmeados de julho de 1998. Heritage Farm está o mais longepossível da guerra biológica, e provavelmente o mais pertoque se possa imaginar de uma verdadeira defesa cidadã contraa guerra biológica.

Em “Seed Savers”, um dos expositores nos lembrou umadas frases favoritas de Krishnamurti: “Não é necessariamentesadio estar bem adaptado a uma sociedade demente”. Estaspalavras nos voltaram muitas vezes à memória enquanto lía-mos a informação preparada e os cenários estratégicos de cam-pos de batalha. Oficiais como o Coronel Gerald Jaax (que setornou famoso por vários livros sobre o ebola, publicados háalguns anos), hoje diretor da Agência do Tratado de Controlede Armas Biológicas, opôs-se – sem êxito – a fornecer à RAFIos dados do seminário, alegando que o estilo de “livre pensa-mento” altamente futurista e especulativo do seminário pode-ria ser mal interpretado como representativo da política dogoverno dos Estados Unidos. Era uma preocupação honesta.Não é preciso ser um “falcão” para entender que a sociedade

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precisa se proteger contra as armas biológicas. Na realidade, seo exército dos Estados Unidos não tivesse provocado uma tem-pestade de idéias sobre a guerra biológica, teria sido razoávelque os cidadãos estadunidenses se levantassem e levassem to-dos a uma corte marcial por não cumprimento do dever. Umavez aceito que um aparato de “defesa” responsável deve tratardo inconcebível, todo o desfile de cenários cada vez mais gro-tescos e horrendos considerados no seminário adquire essa es-pécie de normalidade bem adaptada contra a qual nos adver-tia Krishnamurti.

Para falar claramente (e honestamente), em nenhum pon-to do documento enviado à RAFI os militares mencionam apossibilidade de que os Estados Unidos violem as proibiçõesestabelecidas nos atuais tratados sobre guerra biológica. Aocontrário, a análise da SAIC sobre a mentalidade militar dosEstados Unidos sugere uma aversão por esse tipo de guerra eum desejo, em princípio, de cumprir as obrigações dos trata-dos. No entanto, até Gerald Jaax reconhece que no direitointernacional há vastas áreas obscuras, onde o cumprimentodos tratados e as definições de guerra biológica encontramdificuldades. Só por essa incerteza há amplas razões para oescrutínio público e o debate informado.

Em 1970, o filme “Easy Rider” disse, da mesma forma queKrishnamurti: “Não adaptes tua mente. Há uma falha na rea-lidade”. O seminário “Biotecnology 20/20” examinou todo opanorama de novos brinquedos de ficção científica disponí-veis na atual “RMA” (Revolution in Military Affairs = Revo-lução nos Assuntos Militares). A questão é que é impossívelentender a biotecnologia fora do contexto de outras tecnologiasem desenvolvimento, como a robótica, a tecnologia espacial,as comunicações, as ciências da computação, a nanotecnologiae as redes neurais. Num estilo engenhoso, mas sempre desa-

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paixonado, os teóricos da SAIC chamaram a atenção dos par-ticipantes para uma variedade demasiadamente plausível debrinquedos mortais que poderão ser viáveis militarmente nosanos 2015-2020. Os avanços científicos estão levando nãoapenas à “morte da distância” (tema militar recorrente), mastambém ao fim dos campos de batalha. Não existe defesa. Asaúde mental sugere que o único caminho possível para o ge-neral desejoso de proteger a soberania nacional é a busca ur-gente da paz. A melhor defesa consiste em eliminar as desi-gualdades socioeconômicas e as deficiências democráticas quesempre foram a principal causa das guerras.

Mas embora os documentos do seminário reconheçam quemuitas das novas tecnologias estão proliferando pela Internete que a guerra biológica (em particular) é provavelmente bara-ta, todos ignoram a opção de paz; o enfoque do seminário é adefesa militar contra cada cenário indefensável.

A arma que será usadaEm Bogève, a RAFI resumiu nossas principais inquieta-

ções com relação à guerra biológica como segue:

• Não existem matérias-primas cruciais cuja extração,manufatura ou transporte possam ser monitorados comfacilidade. É possível extrair armas biológicas de umpedaço de carne podre ou sintetizá-las a partir do lixodo quintal.

• É barata. A maior parte do custo das armas modernas sedestina a levar o explosivo até o alvo. As armas biológi-cas podem viajar na classe econômica de uma empresade aviação comercial, ser vaporizadas em mariposasmigrantes ou enviadas pelo correio.

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• É fácil. Os novos programas de computador tipo Javaestão possibilitando aos cientistas de países pobres imi-tar a pesquisa em ciberlaboratórios a fim de projetar suaspróprias bioarmas com relativa rapidez e sem necessidadede equipamentos caros.

• É de armazenamento limitado. Quando necessário, pode-se tirar a toxina do congelador e prepará-la em umasquantas placas Petri ou em um barril de cerveja. Assim,o monitoramento é quase impossível.

• Ninguém saberá quem é o autor. Pode ser impossívelrastrear a origem do “ataque”.

• Ninguém saberá que foi feito. Se a arma escolhida é a mu-tação de uma doença conhecida, pode ser impossível de-monstrar que o “ataque” foi intencional. Até as vítimaspodem ficar convencidas de que foi um “ato de Deus”.

• As bioarmas podem ser usadas para a guerra econômica –apontando para culturas ou gado em lugar de pessoas.Quer se trate da mancha da batata ou do vírus do mo-saico do café, as armas biológicas podem aniquilar a eco-nomia ou o abastecimento de alimentos e derrubar ogoverno inimigo sem que ninguém suspeite que houvejogo sujo.

• Serão utilizadas. Os generais podem preferir fazer barulhocom as armas nucleares, mas as bioarmas são “a bombasA do homem/país pobre”. Por todas as razões citadasnesta lista, a guerra biológica será travada e poderá ou nãoser contida.

EtnobombasTodos estes problemas subsistem, mas em 1993 a RAFI

acrescentou à lista uma nova preocupação: a coleta global de

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material genético humano (em geral linhas de células) porpesquisadores médicos (incluindo o Projeto de DiversidadeGenética Humana) poderá permitir o desenvolvimento de ví-rus com alvos etnicamente determinados. O Projeto de Di-versidade Genética Humana e grandes organizações médicas– incluindo algumas organizações progressistas que monitoramcriticamente os desenvolvimentos no campo da genética – ri-ram desta afirmação. A RAFI não recebera uma vaia seme-lhante desde que advertimos, no inicio dos anos 80, que osfabricantes de herbicidas estavam comprando companhias desementes com o objetivo de desenvolver variedades de plantasque necessitassem de seus químicos.

No entanto, não estávamos tão adiantados com relação anosso tempo como pensávamos. Em 1996, o governo britâni-co advertiu a Convenção sobre Armas Biológicas e Tóxicas deGenebra que a informação derivada do Projeto Genoma Hu-mano “...poderia ser levada em conta para projetar armasdirigidas contra grupos étnicos ou raciais específicos...”7 E aGrã-Bretanha sabia porque o dizia. Durante a II Guerra Mun-dial planejou – mas não realizou – o que chamou de ataquesde “represália” contra seis das principais cidades alemãs. Des-ses ataques participariam 2.000 caças Lincoln, levando 500bombas em cacho, cada um dos quais contendo 106 bombasde antrax. Os militares britânicos calculavam que estas bom-bas matariam 50% dos habitantes das cidades e deixariam oterreno inabitável por muitos anos.8 Em 1998, a AssociaçãoMédica Britânica propôs uma resolução, adotada pela Associa-ção Médica Mundial, segundo a qual as “etnobombas” sãouma verdadeira ameaça para o bem estar humano e, em 1999,afirmou que essa década tinha presenciado esforços combina-dos de genocídio contra os curdos no Iraque, os tutsi emRuanda, e os povos de Timor Leste.9 Os governos da Grã-

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Bretanha e dos Estados Unidos reconheceram que cerca deuma dúzia de países estão pesquisando o uso de etnobombas.

Desde então, as armas genocidas não precisam ser etnica-mente dirigidas desde que a população alvo esteja geografica-mente concentrada. O antrax mata todo mundo. Lançado emum vale ou em uma ilha, não discrimina, e não é provável quese estenda além do território previsto.

No atual debate sobre as etnobombas, é instrutivo obser-var que o horror que parece inconcebível para os geneticistas,os mapeadores e os caçadores de genes, é considerado viável eaté provável por seus governos e ministérios da defesa.

Como já se disse, no início de 1999, Craig Venter anun-ciou que ia deter o desenvolvimento da primeira “forma devida criada”, por razões éticas. Venter disse à imprensa que acriação de algo vivo expõe para a sociedade, não apenas ques-tões éticas sem resposta, mas também que a simples bactériaque se propunha “criar” era tão comum e básica para a vidaque poderia entrar e sair de qualquer espécie e converter-seem um veículo mortal na guerra biológica. Essas mesmas pre-ocupações deveriam inquietar os cientistas que buscam agre-gar mais letras ao código genético que governa a maioria dosseres vivos. Em seu esforço por criar “DNA artificial”, capazde proporcionar proteínas sem igual à indústria e à medicina,os pesquisadores da Califórnia poderão estar se aventurandoonde Venter não se atreveu a por os pés.10

Terrorismo TerminatorA RAFI expressou pela primeira vez em Bogève, em 1987,

sua preocupação com a possibilidade de armas biológicas seremdirigidas contra culturas agrícolas; nossas advertências nãoprovocaram maior interesse até que, em 3 de março de 1998,

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1 Mt Bomba de hidrogênio 1.000 kg Sarin 100 kg Anthrax

a tecnologia Terminator obteve sua patente. Imediatamente, apossibilidade de acender ou apagar uma “seqüência suicida”nas sementes por meio de um promotor químico provocousérias preocupações quanto à sabotagem econômica, oautêntico eco-terrorismo. Seria possível enxertar Terminatorem sementes de exportação e manter oculta esta caraterísticadurante várias gerações, ou ativá-lo por controle remoto,químico, ou ainda por determinada condição atmosférica? Taisespeculações pareciam a muitos, paranóicas.

A história mostra que o “agroterrorismo” em grande escala so-mente pode ser promovido por governos, não por grupos radi-cais. A ameaça de que o terrorismo Terminator seja utilizadoem guerras econômicas (ou ecológicas), por agromercenários,em nome de Estados-clientes, é uma ameaça concreta.

No entanto, as bases para a preocupação ficaram clarasexatamente um ano antes da autorização da patente para

GRÁFICO 2 – Comparação entre diferentes armas genocidas (númeroestimado de pessoas mortas)

Fonte: Biotecnology Weapons and Humanity. British Medical Association,Harwood Academic Publications, 1999.

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QUADRO 3 – Alvos para o agroterrorismo: estimativa da África do Sulsobre os agentes patogênicos e culturas com mais probabilidades

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Terminator. Em 3 de março de 1997, o governo da África doSul, depois de admitir que o anterior governo do apartheid

Fonte: Grupo Ad Hoc dos Estados Participantes da Convenção sobre Proibição de Desenvolvimento,Produção e Armazenamento de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e Toxinas e sobre sua Destruição, “Plan

Pathogens Important for the BWC”, Working Paper da África

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empreendera pesquisas sobre guerra biológica tanto contraculturas agrícolas quanto contra grupos étnicos, publicou umalista de vinte agentes patogênicos de culturas, que haviam sidopesquisados para sua possível utilização como armas. O estudoda África do Sul foi apresentado em Genebra ao grupo ad hocde países que analisava formas de fortalecer os tratados sobreguerra biológica. (Ver Quadro 3)

Ataque à traiçãoEntão, em junho de 1999, Scientific American publicou

um relatório assombroso, de pesquisadores da Universidadede Bradford, na Grã-Bretanha, que descrevia a pesquisa emguerra biológica vegetal e animal, não apenas na África doSul, mas também nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Rússiae Iraque. Parte dessa história remonta à Segunda Guerra Mun-dial ou à Guerra do Vietnã, mas o trabalho do Iraque ocorreuna década de 90 e incluiu a bioengenharia de agentespatogêncios do trigo, que poderiam ter devastado a segurançaalimentar do Oriente Médio.11

Na realidade, o agroterrorismo, como tática entre as gran-des potências, não é a exceção, mas a regra. Na Primeira GuerraMundial, os franceses desenvolveram agentes patogênicos paraaniquilar os animais da cavalaria alemã e os alemães lançaramuma elaborada estratégia que arrasou o gado da Romênia, assimcomo o gado e o trigo armazenado (para ser exportado aos alia-dos na Europa) na Argentina e possivelmente em outros paísesda América do Sul. A campanha alemã também foi dirigidacontra embarque de cavalos de guerra e de tiro no leste dosEstados Unidos e ao longo de toda a frente ocidental.12

É amplamente reconhecido que os Estados Unidos destruí-ram a colheita de trigo do Vietnã do Norte na década de 60 etentaram disseminar doenças entre as culturas de exportação da

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Nicarágua no final dos anos 70. Correm também boatos emque se pode acreditar que os Estados Unidos – ou dissidentesapoiados por eles – atacaram culturas e animais em Cuba.

Em um estudo da campanha dos Estados Unidos para eli-minar as culturas de narcóticos nos Andes, Edward Hammond(ex-membro da RAFI, atualmente diretor do Projeto Sunshine)descobriu que tanto os Estados Unidos quanto a Grã-Bretanhacanalizaram fundos, por meio do programa antidrogas da ONU,para ter acesso a fungos microscópicos manipulados paraconvertê-los em armas no Uzbequistão (quando esta repúblicaainda fazia parte da URSS). Tanto os fungos quanto os cientis-tas participam agora da pesquisa dos Estados Unidos. Hammondafirma que o plano estadunidense de lançar fungos genetica-mente modificados a partir de aviões ainda não foi aprovadopelo governo colombiano.13 No entanto, em meados do ano2000, com bilhões de dólares de fundos de ajuda destinados àColômbia, a aprovação da assistência financeira passou a de-pender da disposição deste país para permitir a experimentaçãode armas biológicas contra suas culturas de narcóticos. Trata-sede uma pressão intolerável. Mesmo a pesquisa desses fungos eseu armazenamento deveriam ser vistos como uma violação doTratado sobre Armas Biológicas da ONU.

Chaves históricas: Os alimentos (e outras) armas políticas

“...os agentes biológicos modernos permitem apontar com sutilezaainda maior contra a agricultura e a mente humana, contra alvos agronô-micos e psicológicos, com agentes anticulturas ou do solo, por exemplo,

ou agentes psicotrópicos ou neurotrópicos insidiosos...”Dr. Robert Hickson, Prof. de Filosofia, Estratégia e Humanidades

Clássicas, United States Air Force Academy, 26 de julho de 1999.

Na Convenção de Haia (sobre armas), em 1899, o governo britânico“se opôs firmemente a qualquer restrição ao uso de suas (balas ocas dum-

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dum)... contra tribos selvagens”. Em 1919, Winston Churchill criticou o Mi-nistério das Colônias britânico por sua resistência ao uso de gás venenosocontra as “tribos não civilizadas” do Iraque. Em 1939, o governo da Grã-Bretanha começou a fazer experiências com anthrax, mas abandonou oplano de lançá-lo sobre cidades alemãs porque os ventos eram desfavorá-veis. Nos anos 50, Hubert Humphrey (mais tarde vice-presidente dos Esta-dos Unidos) apoiou o uso de alimentos como arma de política exterior e, em1974, Earl Butz, secretário de Agricultura dos Estados Unidos, reiterou seuapoio a esta política. Em 1999, os governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha pressionaram para proteger o uso da tecnologia Terminator naConvenção sobre Biodiversidade da ONU. Os dois países estão colaborandopara o desenvolvimento de fungos convertidos em armas para a destruiçãode plantações de narcóticos.

Entre março e julho de 2000, participei de uma reuniãocom organizações da sociedade civil, agrônomos e funcionáriosde governo em seminários sobre biotecnologia em La Paz, Sucree Cochabamba, na Bolívia. Apesar de que este país seria oprimeiro e principal alvo das armas biológicas para destruirsuas grandes plantações de coca, nem um único funcionárioou cientista ouvira falar da proposta de utilizar a Bolívia comocampo de experiência para os fungos bélicos. Até altos funcio-nários do Ministério do Meio Ambiente boliviano, que se ocu-pam de problemas de biossegurança, afirmaram não ter idéiaa respeito. Num centro de megadiversidade vegetal como sãoos Andes bolivianos, a guerra biológica poderá vir a ser umaameaça terrível à segurança alimentar, não apenas da Bolívia,mas também do mundo.

Enquanto o Congresso dos Estados Unidos pressionava osgovernos andinos, os Centros para Controle de Doenças(Centres for Disease Control), outros organismos governamen-tais e outros governos estavam reunidos em Atlanta, Geórgia,para discutir o terrorismo. Como sempre, os dementes e dissi-

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dentes que chantageiam os governos, ameaçando lançar “bom-bas” de anthrax sobre Chicago eram a grande preocupação.No entanto, o único “perigo claro e presente” de guerra bioló-gica provinha dos anfitriões da conferência e de seus aliadosbritânicos do outro lado do oceano.

Em novembro de 2000, numa carta a Edward Hammond,do Projeto Sunshine, a ONU confirmou categoricamente queabandonara todos os planos para usar armas biológicas em suaguerra contra as drogas na América do Sul. A decisão de aban-donar a iniciativa é possivelmente de julho, depois que o go-verno colombiano se negou a ceder às pressões estadunidensese se uniu ao Peru e ao Equador na oposição ao perigoso plano.Aparentemente, só a Bolívia concordou em acompanhar a es-tratégia dos Estados Unidos e da ONU.

Além do artigo do Scientific American, em junho de 1999houve dois outros acontecimentos que aumentaram a inquie-tação pública. Primeiro, Floyd Horn, diretor do Serviço dePesquisa Agrícola (ARS) do Departamento de Agricultura dosEstados Unidos (USDA), declarou ao Philadelphia Inquirerque estava seriamente preocupado com a possibilidade de queo “agroterrorismo” atacasse plantações geneticamente homo-gêneas nos Estados Unidos.14 Ao que parece, Horn e seu assis-tente haviam estudado o problema por algum tempo, tendoinclusive participado de reuniões de informação da OTANsobre este tipo de ameaça.15

Os artigos do Scientific American e do Inquirer apareceramao mesmo tempo em que em Montreal se reunia o Convêniosobre Diversidade Biológica da ONU para analisar o relatóriode uma mesa redonda científica encabeçada pelo doutorRichard Jefferson, sobre a patente Terminator original. Cha-mou-nos especialmente a atenção o parágrafo 84 deste críticorelatório.

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“...antecipamos que dentro de 3 a 7 anos haverá tecnologiassuficientemente poderosas para manipular genes endógenos, pormeio da intervenção molecular (por exemplo, mutagêneselocodirigida; recombinação homóloga), e que é preciso uma ati-tude ativa para tê-las em conta, a fim de prevenir as tendênciasnas Tecnologias de Restrição do Uso Genérico (GURTs). Consi-deramos que essas novas tecnologias moleculares para manipulaçãogenética serão mais robustas e penetrantes, mas, ao mesmo tempo,muito mais difíceis de detectar e controlar, devido à natureza sutil epossivelmente não transgênica das mudanças realizadas.” (Ênfasenosso.)

Ao mesmo tempo em que se apresentava este relatório, aRAFI descobria uma nova patente do tipo Terminator (Nº31), concedida à Universidade de Purdue, com fundos doDepartamento de Agricultura dos Estados Unidos. Esta pa-tente, seguindo o caminho paranóico temido pela RAFI, afir-ma que o caráter suicida poderia ser suprimido durante váriasgerações antes de ser ativado por um indutor químico remo-to. As afirmações de Purdue evocam um cenário perverso noqual a seqüência suicida permanece inativa enquanto for lan-çado sobre a plantação um determinado elemento químico(por exemplo, um herbicida), o que pode ser feito várias vezesdurante o período de crescimento das plantas. Se esse elemen-to químico não for aplicado, ou se sua presença for ocultamalevolamente, a plantação produzirá sementes estéreis. Defato, o caráter ativo ou inativo pelo indutor químico externopoderá estar codificado para atacar de imediato a cultura atual:reduzir o conteúdo protéico do arroz, elevar o nível de cianuretona mandioca, ou fazer com que o trigo germine precocemen-te, por exemplo. Isso é a Tecnologia Traitor (traidora). Tam-bém é pesquisa em guerra biológica ofensiva, contradizendo o

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Tratado sobre Guerra Biológica, de 1972, proposto e adotadoem primeiro lugar pelos Estados Unidos.

Chegará isto a acontecer? Em Montreal, 108 governos dis-cutiram quanto à adoção de uma resolução norueguesa quepedia uma moratória para a pesquisa e as provas de campo deTerminator, ou a aceitação de outra, da Grã-Bretanha, queequivale àquela mas não usa a palavra “moratória”, que temtanta carga política. Durante o debate, a delegação dos Esta-dos Unidos ameaçou abertamente outros países com represá-lias econômicas e possivelmente também da OMC se impe-dissem a comercialização da Terminator em seus territóriossoberanos. Será possível que os Estados Unidos utilizem atecnologia Terminator para impor sua própria interpretaçãode seu infame “campo de jogo semelhante”? Por que não? Afi-nal de contas, em épocas muito recentes, os Estados Unidosimpuseram o embargo econômico a Cuba e até minaram por-tos na Nicarágua. Floyd Horn, o diretor do Sistema de Pes-quisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos EstadosUnidos, que está tão preocupado com o agroterrorismo, nãoapenas apoiou Terminator, como seu escritório encabeça o tra-balho sobre os fungos convertidos em armas na Colômbia.16

O agroterrorismo é um assunto aceitável enquanto a con-versa se limita à possível ameaça de dementes e radicais extre-mistas. Não é aceitável quando se considera que a ameaça pro-vém de governos e de empresas. E é totalmente inaceitávelquando se trata de biotecnologia, como os fungos modifica-dos pela engenharia genética do Uzbequistão. Em meados deagosto de 1999, Julie Delahanty, da RAFI, enumerou três as-suntos inaceitáveis na reunião anual conjunta das SociedadesCanadense e Estadunidense de Fitopatologia, em Montreal.

Parecia o lugar perfeito para uma discussão séria. Osfitopatologistas (especialistas em doenças de plantas) tinham

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reservado uma sessão de meio dia para discutir o agroter-rorismo. Era uma mesa redonda de especialistas que reunia re-presentantes do FBI, dos militares estadunidenses, do Depar-tamento de Agricultura dos Estados Unidos, além de compa-nhias de biotecnologia. No entanto a sessão começou com umaadvertência da presidência no sentido de que não se devia dis-cutir a biotecnologia porque isso só daria mais força aos que cri-ticavam a indústria. Daí em diante a sessão se limitou às turvasações de solicitantes frustrados e estudantes que tentavam seenvenenar uns aos outros com compostos vegetais tóxicos. Porque isso devia ser causa de preocupação para a Força Aérea dosEstados Unidos e para o FBI, continua sendo um mistério. Apreocupação expressa por Delahanty – de que o únicoagroterrorismo em grande escala foi e é realizado por governose a pesquisa biotecnológica, como a empreendida para oTerminator, é o que se devia discutir – foi recebida com vaias emau humor.

Em um mundo em que um punhado de empresas transna-cionais domina a biotecnologia agrícola, em um mundo emque a tecnologia Terminator é a plataforma da qual partemtodos as novas experiências de melhorias biotecnológicas, nãoé difícil acreditar que as empresas ou os governos usem atecnologia para impor sua vontade. Uma disputa sobre o co-mércio de têxteis com o sul da Ásia, por exemplo, poderia le-var os Estados Unidos a negar licença de exportação para umherbicida modificado, necessário para assegurar o rejuvenes-cimento de sementes de algodão portadoras da seqüênciaTerminator. Uma disputa com a França sobre óleos vegetaispoderia provocar a mesma ameaça contra os plantios france-ses de milho BT. A colheita de soja no Brasil – um dos prin-cipais competidores dos processadores estadunidenses – fica-ria indefesa se o fitomelhorador de soja dos Estados Unidos –

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ou o governo dos Estados Unidos – não entregasse o “prote-tor” químico essencial. O ecoterrorismo poderia ser muitomais barato e rápido como meio de resolver disputas comer-ciais do que os processos de arbitragem da OMC, longos eincertos. Durante a década de 70, um secretário da Agricultu-ra dos Estados Unidos, nomeado pelo mesmo presidente quedesmantelou, unilateralmente, depósitos de armas biológicas,sentiu-se autorizado a reconhecer que a alimentação é umaarma política, fazendo-se eco do sentimento expresso por umvice-presidente dos Estados Unidos, quando era senador, nosanos 50. Esta política continua vigente.

Entusiasmados pelo nível de interesse governamental emsuas discussões, em meados de setembro, os fitopatologistasorganizaram um relatório especial para seu espaço na Internet.O relatório parecia destacar a necessidade mundial de maisfitopatologistas, com mais recursos e mais respeito, e toda umabateria de procedimentos para monitoramento e de emergên-cia que possibilitariam aos fitopatologistas salvar o mundo dosfitopatologistas loucos. Em nenhum momento falou-se embiotecnologia; nem uma palavra foi dita sobre Terminator ouTraitor. O que é realmente assombroso.

Conforme reconheceram Richard Jefferson e seus colegasno relatório ao Convênio de Biodiversidade, a terminologiaTerminator demonstra que é possível apagar e reter caracteresdas plantas. Sem dúvida, o caráter mais evidente comercial-mente é a capacidade ou incapacidade da planta de ter des-cendentes férteis, mas o controle remoto desta característicanão é particularmente atraente do ponto de vista militar. Defato, como a colheita semeada pode ser colhida e consumida,ninguém passará fome até o próximo ano. Como o castigo élento, dá ao adversário vários meses para buscar outra fonte desementes (ou de alimentos).

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No entanto, se esta caraterística puder ser utilizada paradecidir o valor do plantio atual, o valor militar de Terminatorpode ser enorme. Por exemplo, poderá ser devastador paradeterminado cultivo se elementos químicos externos (aplica-dos ou não) puderem controlar os níveis de proteínas ou aprodução de carboidratos, ser causa de germinação oureorientar a energia da planta para o desenvolvimento de fo-lhas em lugar de sementes.

Tal é a verdadeira ameaça. É muito mais séria do que al-guém conspirando com anthrax em um refeitório. Mas é umaameaça que só pode ser posta em prática por governos ouempresas, ajudados por fitopatologistas.

Durante a Cúpula Mundial da Alimentação de 1996, osEstados Unidos argüiram que o Direito à Alimentação nãodevia fazer parte da declaração final. Finalmente foram derro-tados. No entanto, este país ganhou a discussão sobre os Esta-dos soberanos não necessitarem ser auto-suficientes em ali-mentação caso sejam capazes de se auto-abastecer, isto é, casoestejam em condições de comprar a diferença entre a produ-ção nacional e a necessidade nacional de consumo. Agora, coma tecnologia Terminator, os países com déficit alimentar en-frentam a possibilidade de que sua produção nacional passe aser totalmente dependente das exportações estrangeiras deindutores químicos essenciais.

Terminator e GenocídioA tecnologia Terminator ameaça a vida e a subsistência de

1,4 bilhões de pessoas, cuja segurança alimentar depende dassementes guardadas pelos pequenos agricultores. A exporta-ção de sementes Terminator deveria ser questionada em fun-ção da Convenção de Armas Tóxicas e Biológicas e tambémem função do Art. 2o da Convenção sobre o Genocídio. A

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Convenção sobre Genocídio engloba amplamente qualquerato deliberado realizado para prejudicar grupos nacionais ououtros grupos identificáveis. Os pobres rurais e os agricultorese camponeses poderiam ser incluídos nos termos desta Con-venção.

Nanotecnologia

Há quatrocentos anos, enquanto o Júlio César deShakespeare enfrentava seu destino no Globe Theatre de Lon-dres, o filósofo e ex-dominicano Giordano Bruno era queima-do em Roma. Seu delito consistia em expor a teoria de quenosso globo girava em torno do sol e que os céus estavamcheios de milhões de estrelas iguais ao sol. Menos conhecidapela maioria das pessoas (mas igualmente herética para os pre-lados?) era a especulação de Giordano Bruno de que todamatéria viva é formada por partículas infinitamente peque-nas: os átomos. Embora a hipótese não fosse do agrado deRoma, na verdade suas idéias estavam muito mais próximasdas teorias atuais do que os postulados mais divulgados deCopérnico e Galileu.17 O conhecimento público sobre ananotecnologia não aumentou muito desde 1600.

Isto está mudando. Talvez o desinteresse do público pelananotecnologia não deva surpreender-nos. Afinal de contas,os materiais biológicos despertam o interesse e a defesa apai-xonada de conhecidos grupos humanos. A nanotecnologia,erroneamente vista como relativa a matérias sem vida, nãoprovoca o mesmo interesse. Enquanto todos estamos admi-rando os últimos brinquedos da biotecnologia, alguns cientis-tas, há algum tempo, depositaram sua confiança na Era Pós-Biotecnologia, que florescerá junto com o fim da era em que

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nossa subsistência dependia de recursos baseados no carbono.Em 1991, Jerry Mander lançou um alarme precoce em seulivro In the Absence of the Sacred (Na Ausência do Sagrado).18

Mander afirma que as novas tecnologias estimuladas peloscomputadores e a pesquisa em informática estão modificandoquase tudo. Muitas das mudanças indicadas por ele tem a vercom biomateriais, outras estão muito distantes. O que segue éum breve panorama de alguns processos em marcha em ou-tros setores científicos e de como podem afetar a sociedade, ocontrole social e a segurança. No próprio centro dessas outrasnovas tecnologias está a nanotecnologia.

A nanotecnologia é outra variante do “uso pacífico do átomo” – a“Era Atômica”, pronta para repetir o jogo. Desta vez poderia fun-cionar, servindo para impor a “paz”, acabando com os dissidentese entregando os meios de produção ao controle dos monopólios.

Que é a nanotecnologia?A nanotecnologia é, para a matéria inanimada, o que a

biotecnologia é para a matéria animada. Enquanto os que usama biotecnologia lutam para obter o controle de 40% da eco-nomia mundial baseada em biomateriais, os defensores dananotecnologia buscam novas maneiras de controlar o restoda Terra: não apenas os 60% de matéria inanimada, mas to-dos os recursos baseados no carbono As biotecnologias se ba-seiam no carbono, mas, embora a pesquisa em nanotecnologiase concentre por enquanto nos átomos de carbono, ela englo-ba potencialmente toda a Tabela dos Elementos; a vida se ba-seia no carbono. Os átomos que compõem as moléculas queestruturam o DNA são de carbono.

Claro que é possível conectar a biotecnologia e ananotecnologia, o que, aliás, está sendo feito. O desenvolvimento

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da nanotecnologia está hoje mais ou menos onde estava abiotecnologia há 25 anos. Mas isso não significa que faltem 25anos para que a nanotecnologia atraia o tipo de investimento decapitais de que se beneficia a engenharia genética. Os avançosem outros campos científicos, especialmente a informática,significam que o progresso da nanotecnologia será rápido.

Com exceção de Giordano Bruno e de alguns antecessoresmuçulmanos e gregos aterradoramente proféticos, os mais fa-mosos defensores da teoria da nanotecnologia foram os físicosRichard Feynman e Eric Drexler, do MIT (MassachussetsInstitute of Tecnology). Apresentaram suas teorias pela pri-meira vez em publicações científicas e também na imprensapopular, em 1959. Dessa vez ninguém foi queimado na fo-gueira, mas os dois cientistas foram objeto de brincadeiras edesprezo. A primeira conferência científica sobre nanotecno-logia, em 1992, atraiu um punhado de acadêmicos nervosos epouco à vontade. Em compensação, da reunião de 1997 par-ticiparam mais de 350 cientistas de excelente reputação. Estu-dos industriais (com tendência às mesmas hipérboles que co-nhecemos e que gostamos de ridicularizar na biotecnologia)calcularam que o mercado comercial para a nanotecnologiaera de 5 bilhões de dólares em 1997 e que sua tendência eramais que duplicar anualmente.19

Afinal de contas, a nanotecnologia só pode ser confiada a umasociedade que seja fundamentalmente justa. No entanto, seuma sociedade é fundamentalmente justa, talvez não precisecorrer os riscos que a nanotecnologia implica para terminarcom a pobreza e salvaguardar o meio ambiente. O primeiroobjetivo continua sendo – como foi durante toda a históriahumana – chegar à sociedade fundamentalmente justa. O restose resolve por si.

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O que é a nanotecnologia? Dito de forma simples, um nano(ou nanômetro) é um milésimo de milionésimo de metro, umpedacinho de matéria do tamanho de um átomo, capaz de semeter de contrabando em quase qualquer coisa. Em termoscomerciais, nanotecnologia é a manufatura e (o mais impor-tante e difícil) a réplica ou cópia de máquinas e produtos fi-nais construídos a partir do átomo.

O que a nanotecnologia pode fazer?Até há pouco tempo, o pináculo da nanotecnologia não ia

muito além de truques de salão, como empilhar as letras “IBM”átomo por átomo. Isso está mudando. Às vésperas de umagrande conferência sobre nanotecnologia em Londres, em1999, os delegados aplaudiam os últimos avanços: impresso-ras de jato de tinta com ajuda da nanotecnologia e bolhas dear de nível nanotecnológico. Os avanços na medicina são maisespetaculares: agora os nanotecnólogos se orgulham de novossensores manuais que permitem a análise quase instantâneade amostras de sangue, microbombeadores que permitem ad-ministrar doses medidas de drogas terapêuticas em lugares bemdefinidos, e no tratamento do câncer lançar nanopartículascobertas de elementos terapêuticos em órgãos específicos.20 Aúltima novidade é que cientistas israelenses utilizaram ananotecnologia para abrir novos caminhos no sistema nervo-so humano, a fim de substituir nervos danificados. Os novos“nervos” são uma combinação biônica de materiais vivos enanotecnológicos (de carbono).

Quando pesquisadores das universidades de Toronto eMichigan State uniram suas forças para projetar uma“nanobombeadora” (nanopump) que pudesse ser utilizada parafazer micromáquinas átomo por átomo, a imprensa científicaficou de orelha em pé e tomou nota.21 Os cientistas médicos

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estão buscando um modo de evitar – “enganar” – o sistemaimunológico do organismo para enviar drogas a determinadascélulas. Os sistemas de envio “mecânicos” poderiam ter a van-tagem de enganar o sistema imunológico, uma questão emque a terapia genética e outros agentes biológicos encontrammuita resistência. Outro grupo de pesquisadores, estes daUniversidade de Cornell, deu um grande passo para tornarisso possível quando conseguiu construir um biomotor ali-mentado por fotossíntese – a primeira nanomáquina a ener-gia solar do mundo.22 A nanotecnologia, que há dois anos eraignorada ou abertamente ridicularizada, agora aparece regu-larmente nos principais meios de comunicação científicos,sendo apresentada em artigos e anúncios de revistas empresa-riais. Está chegando a sua hora.

Cientificamente, a nanotecnologia inclui a química e abioquímica, a biologia molecular e a física. Tem ainda relaçãocom a engenharia elétrica e com a engenharia de proteínas,com sondas microscópicas e próximas, imagens atômicas e deposicionamento, eletrônica quântica e molecular, ciência demateriais e química computacional. Se a nanotecnologia al-cançar os objetivos mencionados por seus defensores, este com-plexo de tecnologias novas mudará o mundo mais do que qual-quer outro avanço tecnológico anterior, incluindo abiotecnologia.

A biotecnologia nos mostrou que teoricamente o DNApode se transferir de qualquer material vivo para outro. Épossível enxertar genes ou cromossomos inteiros de micró-bios e de mamíferos no DNA de plantas e vice-versa; umleque assombroso de DNA humano já foi enxertado em roe-dores. O material genético humano é visto cada vez maiscomo os blocos “Lego”, que podem ser misturados e combi-nados à vontade. Também a matéria inerte pode ser

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construída tipo Lego, átomo por átomo e molécula por mo-lécula. Dependendo de como se arme o Lego, o produto fi-nal pode ser um diamante, um narciso ou uma ceia paradois. Teoricamente, a nanotecnologia pode tirar do lixo e doar a matéria-prima atômica para fabricar casas e secadores decabelo mais fortes e duradouros do que qualquer dos que sepodem encontrar hoje no mercado.

A construção átomo por átomo de um secador de cabelopode ser cansativa, ou o produto final pequeno demais(50.000 nanotubos postos lado a lado têm a grossura de umcabelo humano), a menos que se faça algo que acelere o pro-cesso e aumente sua escala. A chave da nanotecnologia co-mercial é a capacidade de projetar milhões de nanorrobôs(robôs em nanoescala) inteligentes que possam ser progra-mados para construir produtos determinados. Para isso, osnanorrobôs devem ser também capazes de se construírem asi mesmos. Se os cientistas conseguirem manufaturarnanorrobôs que se auto-reproduzam, tudo mais é (ou poderáser) muito fácil.

Enquanto antigamente era cientificamente imprudente espe-cular sobre o que se poderia inventar, hoje é cientificamenteimprudente supor que algo não possa ser inventado.

Praticamente não existe área de atividade social ou de pro-dução econômica que não vá ser afetada pela nanotecnologia– desde nanorrobôs para atacar as células cancerosas na medi-cina até microfoguetes para explorar outros sistemas solares.Em um mundo biônico, onde se fundem a nanotecnologia e abiotecnologia, veremos biocomputadores em nanoescala ebiossensores capazes de monitorar tudo, desde reguladores docrescimento das plantas até assembléias políticas.23

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Nanotecnologia, milagres em miniatura?Segundo seus defensores, a nanotecnologia oferece:• “o fim da doença, tal como a conhecemos” (posto que

os nanorrobôs atacarão os elementos patogênicos den-tro de nossos corpos e que construiremos célulasnanotecnológicas);

• a eliminação e mesmo a reversão do processo de enve-lhecimento (porque os nanocirurgiões reconstruirão ocorpo e todos os seus órgãos);

• a erradicação da contaminação do ar e da água (por serpossível criar nanoprodutos a partir dos resíduos);

• o fim da fome (e da agricultura) por meio da nanopro-dução de alimentos;

• o fim da necessidade de combustíveis fósseis (porque ananoconstrução pode se basear na energia solar);

• a provisão de novos produtos de consumo, teoricamenteilimitada;

• “a criação de riqueza desconhecida até agora, suficientepara provocar mudanças radicais nas matrizes do poderpolítico e econômico do mundo.”

Tudo isso soa como os sonhos dos primeiros tempos da ener-gia nuclear, quando os defensores do “uso pacífico do átomo”prediziam uma fonte ilimitada de energia limpa que transforma-ria o mundo. A nanotecnologia também propõe o uso pacífico doátomo como bloco de construção. Alguns analistas projetamcomplicações negativas semelhantes... “a capacidade central, a deauto-reprodução, requer um cuidado sem igual para evitar riscosiguais ou maiores do que os relacionados à energia atômica. Pormais entusiasmante que a nanotecnologia possa ser para a huma-nidade, se não for controlada, poderá ser mais devastadora do quecem bombas de Hiroshima ou mil acidentes de Chernobyl.”24

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Se isso parece exagerado, lembre-se a história do Aprendizde Feiticeiro. Os nanorrobôs auto-reprodutores, capazes deacelerar em progressão geométrica a produção de máquinasincrivelmente duráveis (e invisíveis) poderão causar danosenormes. Que ocorrerá se não conseguirmos detê-los? Queimplicação tem isso para os planos militares e o terrorismo,especialmente o terrorismo de Estado? A mesma nanomedicinacapaz de combater um vírus também pode criá-lo. Tentardefender-se contra máquinas nanotecnológicas poderia ser,como diz Ray Kurzweil, mais difícil que encontrar um trilhãode agulhas invisíveis em um trilhão de palheiros. Na realidade,o próprio poder da nanotecnologia de fazer todas as coisasfísicas, visíveis e invisíveis, de forma barata e inesgotável, étambém sua maior ameaça. A nanotecnologia pode darcredibilidade à afirmação dos governos de que devem controlara sociedade a fim de salvaguardar a aplicação da tecnologia.

Por nossa própria segurança?Em vista dos roteiros incríveis propostos para a nanotecno-

logia, falar em rígida supervisão governamental parece mo-derado demais. Alguns gostariam de utilizar a nanotecnologiapara reconstruir a camada de ozônio, resistir aos gasespoluidores, criar água limpa ou dessalinizar a água do mar.Se é possível fazer re-engenharia de estruturas atômicas, nadaé impossível. Como o fator de risco em tudo isso é tãoimpressionate como as idéias, em nosso mundo privatizadoos governos atuarão para obter monopólios para as empresasque empreendam tais aventuras. As sociedades denomina-das democráticas renunciarão a boa parte de sua liberdadeem troca do uso “seguro” da nanotecnologia para esses pro-jetos colossais.

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Mito ou monstro?

Será que a nanotecnologia vai funcionar?Ou é simplesmente outra lenda urbana, como a Fusão Fria?

De fato, o senso comum diz que a nanotecnologia funcionará.A biotecnologia propõe que todas as coisas vivas podem ser re-duzidas a seqüências de DNA que se auto-reproduzem(clonagem de mamíferos etc.) e que podemos fabricar uma novavida a partir de materiais inertes (como afirma Craig Venter).Talvez não se consiga fazer essas coisas perfeitamente ou de for-ma segura. Poderão até ser feitas de forma desastrosa. Mas serãofeitas. Em 1995, a revista Wired interrogou cinco cientistas deprimeira linha sobre suas opiniões acerca da nanotecnologia edo provável cronograma para sua introdução. O Quadro 4 apre-senta suas estimativas, feitas há cinco anos . Entre eles, os maisotimistas eram Storrs Hall, da Rutgers, e Richard Smalley, daRice University (que obteve o Prêmio Nobel de Química e con-tribuiu para fundar o centro de nanotecnologia da Universida-de), mas todos previam grandes avanços entre 2010 e 2020. Aosituar a linha de comercialização entre 2010 e 2020, os cientis-tas indicam três tendências. Dizem que, a persistirem as ten-dências atuais, o número de átomos necessário para armazenaruma peça de informação chegará a ser “um” entre 2010 e 2020.Do mesmo modo, nessa data o número de átomos dopantes(dopant atoms), necessários para um transistor, também chegaráa “um”. E, finalmente, em algum momento entre 2010 e 2020,a energia dissipada por uma única operação lógica chegará mui-to perto da energia de uma única molécula de ar a temperaturaambiente.25 Se tudo isso parece um pouco abstrato para quequem não é um “nanomaníaco”, resumidamente significa que,nesse momento, a nanotecnologia passará a ser científica e eco-nomicamente viável.

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Etapa Hall Smalley Birge Drexley Brenner

Leis nanológicas 1995 2000 1998 2015 2036Comercialização 2005 2000 2002 2015 2000Montagem molecular 2010 2000 2005 2015 2025Reparação de células 2050 2010 2030 2018 2035Nanocomputador 2010 2100 2040 2017 2040

Fonte: Wired Magazine, 1995.

Existem, possivelmente, três métodos dignos de confiançapara medir se a nanotecnologia é um assunto sério ou não.Primeiro: existe uma massa crítica de interesse científico? Se-gundo: há suficiente investimento em pesquisa básica relacio-nada com esse campo? Normalmente, o grosso da pesquisabásica corresponde ao setor público. Por último: estamos ven-do o tipo de interesse empresarial que poderia indicar que apesquisa básica será acompanhada pela comercialização? Seesses três elementos forem visíveis, a nova tecnologia está quaseinevitavelmente a caminho do mercado.

Interesse científicoUm bom indicador do interesse e do compromisso cientí-

ficos é o número de referências à nanotecnologia na literaturacientífica. Se não há referências, significa que não há interesse.Em 1988, os títulos que incluíam a nanotecnologia no vene-rável ISI Citation Index eram menos de 250. Dez anos de-pois, segundo Michael Cross, autor de Travels to theNanoworld, o número de citações nos primeiros oito mesesde 1998 chegou a cerca de quatro mil e já era muito maiorque o total de citações sobre o assunto em 1997.26 Tudo fazsupor que desde o estudo de Cross até agora, a taxa de acelera-ção do interesse aumentou.

QUADRO 4 – Cronograma da nanotecnologia segundocinco cientistas importantes

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Investimento em pesquisa básicaE os governos, estarão destinando recursos econômicos à

nanotecnologia? Sem seu apoio, haverá pouco esforço em pes-quisa básica. A maioria dos observadores concorda que o Ja-pão e a União Européia estão gastando – de forma nada carac-terística – pelo menos o mesmo que os Estados Unidos empesquisa em nanotecnologia. A Grã-Bretanha estabeleceu umNanotechnology Link Programme e os franceses e os alemãescriaram um “nanovale” no Alto Reno. É possivel que o Japãoesteja ainda mais adiantado.27

GRÁFICO 3 – Citações sobre a Nanociência

Fonte: ISI Science Citation Index, e Michael Cross, Travels to Nanoworld.

Não que os Estados Unidos estejam defasados. Em junhode 1999, a Casa Branca soltou rumores de que queria duplicarou até triplicar o investimento em nanotecnologia nos próxi-mos anos. Em 1992, Al Gore, então senador, dirigiu as pri-meiras audiências do Congresso sobre nanotecnologia e desdeentão tornou-se um de seus maiores admiradores. Em 1997, oPentágono classificou a nanotecnologia como área prioritáriapara pesquisa estratégica e, em 1999, a Fundação Nacional deCiências indicou-a como a mais importante das novas

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tecnologias em desenvolvimento.28 Em meados de 1999, umanova rodada de sessões parlamentares elogiou a importânciada nanotecnologia, levando a revista Business Week a anunciarque a “matéria é software” e a prever que, por volta de 2020, osconsumidores disporão de nanocaixas onde, inserindo folhasde plástico e cartuchos nanotecnológicos especiais, poderão,segundo a revista, de seu computador, em sua casa, baixar daInternet receitas para praticamente qualquer bem manufatu-rável e depois cozinhar o produto em sua própria nanocaixadoméstica.29

Os gastos do governo estadunidense em pesquisa sobrenanotecnologia aumentaram de 116 milhões de dólares em1998 para 220 milhões em 2000 e mais de 460 milhões noano seguinte (ver o Gráfico 4).30 Instituições de primeira linha,desde a Fundação Nacional de Ciência e os Institutos Nacionaisde Saúde até os Departamentos de Energia e de Defesa, pensamque vale a pena desenvolver pesquisas em nanotecnologia. Àfrente do alvoroço, está a Marinha dos Estados Unidos, com

GRÁFICO 4 – Gastos do governo estadunidense em nanotecnologia (em milhões de dólares)

Fonte: Crawford, Marc, Nre Technology Week, 6.11.99.

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uma sólida reputação em pesquisas altamente inovadoras e desucesso. Prêmios Nobel e grandes universidades dos EstadosUnidos – Harvard, Cornell, MIT, Stanford, Rice e UC Berkeley– ocupam lugares proeminentes na pesquisa em nanotecno-logia.

Patrocinadores comerciaisMas a nanotecnologia não é reserva exclusiva de governos

e acadêmicos. Diferentemente da biotecnologia em seusprimeiros tempos, algumas empresas muito grandes estãoinvestindo também nesta tecnologia. Como a chave do êxitoda nanotecnologia está em sua capacidade de auto-reprodução,não deveria nos surpreender que um dos líderes da pesquisaseja a Xerox, a empresa que encabeçou a indústria global dafotocópia. Em seus laboratórios de Palo Alto, a Xerox conseguiucerto êxito no desenvolvimento de robôs modulares que seauto-ajustam.31 Outra antiga participante do negócio dasmáquinas de escritório, a IBM, também está examinandoformas de nanomáquinas se construírem a si mesmas – eprojetar novos computadores. Cientistas da IBM pensam quepoderiam desenvolver máquinas muito mais poderosas do queos supercomputadores de hoje. Esses computadores poderãoser postos no bolso, e trabalhar com o calor do corpo. A IBMespecula que seria possível injetar nanocomputadoressuperinteligentes na corrente sanguínea, operados por bateriasminúsculas, de vida mais longa que a do paciente, parapossibilitar diagnósticos instantâneos sobre a saúde do cliente.32

Esta pesquisa pioneira, excepcionalmente chegou aoconhecimento da revista Nature, o que é indício seguro deque a ciência convencional está levando a sério a nanotecno-logia. Além das empresas previsíveis, como a Xerox e a IBM,analistas industriais sugerem que grandes companhias

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aeroespaciais, como a Boeing, empresas de energia, como aExxon, gigantes eletrônicos, como a Toshiba, e fabricantesindustriais, como a 3M, estão muito interessadas nananotecnologia. É notável que as multinacionais da Fortune500 tenham se apressado em adotar a nanotecnologia. Avariedade dos entusiastas é também um testemunho sobre opotencial dessa tecnologia. Não há campo da atividadeeconômica que esteja fora do alcance da minúscula Nano.

Tal como ocorreu com a biotecnologia, a nanotecnologiajá inspirou a criação de suas próprias “butiques” empresariais.Assim como os engenheiros genéticos tiveram suas Genenteche Biogen, os nanotecnólogos têm Nanogen, nos Estados Uni-dos, Nanoway Oy, na Finlândia, e Nanofrance, na França.

Uma das melhores maneiras de medir o entusiasmo co-mercial pela nanotecnologia é monitorar o número de paten-tes concedidas cuja descrição abreviada inclua referências ànanotecnologia. O Gráfico no 5 indica a explosão havida nosEstados Unidos quanto às patentes relacionadas com ananotecnologia, a partir dos anos 80. Como cada patente sig-

GRÁFICO 5 – Patentes estadunidenses relacionadas com ananotecnologia 1989 – 1999 (número por ano)

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nifica um investimento significativo em gastos legais e de soli-citação, onde há fumaça há fogo.

Resumindo, é uma tecnologia com impulso. Para o bemou para o mal, irá adiante.

A nova revoluçãoDe acordo com um estudo patrocinado pela UNESCO,

em 1996, “a nanotecnologia será a base de todas as tecnologiasno próximo século”. O estudo prevê que “em 2010 ou 2020”a nanotecnologia poderá ter um impacto maior que o da Re-volução Industrial e afirma com entusiasmo que “a nanotecno-logia é a conseqüência lógica e o destino final de nossa buscade domínio e manipulação da matéria.”33

Não-não tecnologia?Assim como no caso da biotecnologia, não estou querendo

dizer que é preciso abandonar este campo de pesquisa. Masagora – antes que o entusiasmo comercial e as pressõesempresariais sejam demasiado grandes – a sociedade deveriaestabelecer as regras e as normas básicas para esta pesquisa. Eseria preciso ter o máximo cuidado para que – diferentementedo que aconteceu com a biotecnologia – a sociedade não percao controle desta tecnologia.

Em 1o de janeiro de 2000, o Wall Street Journal começou onovo milênio apresentando a seus leitores “o atrativo doliliputiano”. Em um artigo que resumia o potencial social ecomercial da nanotecnologia, o Journal terminava com umareflexão: “e finalmente, devemos perguntar-nos se é desejá-vel”.34 Em 21 de janeiro de 2000, Bill Clinton respondeu aesta pergunta, quando foi a Palo Alto, na Califórnia, para anun-ciar sua National Nanotechnology Initiative, com 497 milhõesde dólares de fundos disponíveis para o ano fiscal de 2001.

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QUADRO 5 – Comparação da biotecnologia em 1987 coma nanotecnologia em 2001

Biotecnologia Bogève (1987)

Na década de 80, cientistas convencionais, tanto naagricultura quanto na medicina, advertiramfreqüentemente que a engenharia genética chocar-se-iacom a infinita complexidade da natureza; que o quefunciona no laboratório fracassaria na vida real. Talveztivessem razão... mas hoje há 55 milhoes de hectaressemeados com OGM e proliferam as experiências combiodrogas e terapia genética.

Na década de 80, a maioria dos cientistas pensava que osprodutos da biotecnologia estavam muito distantes.Estavam redondamente enganados com relação ao avançodas tecnologias dos computadores e da seqüenciação dosgenes, que reduziram enormemente os custos e acelerarammuito a pesquisa e o desenvolvimento.

Na década de 80, as “butiques” de biotecnologia lutavampara sobreviver e prometiam este mundo e o outro. Muitasmorreram e as demais estão desaparecendo, absorvidaspelos Gigantes Genéticos. Depois de um começo lento, osnovos produtos (bons ou maus) estão saindo rapidamente.No entanto, o mundo não parece estar mais próximo doNirvana.

Um dos Gigantes Genéticos garantia, na década de 80, quea tolerância a herbicidas apenas seria viável para combatero capim “Johnson”s grass”, no Texas. Hoje, três quartaspartes da área transgênica mundial está dedicada avariedades tolerantes aos herbicidas. As empresas degenoma humano estão seqüenciando o mapa de genomasde plantas, buscando apropriar-se de nichos específicos demercado. Uma das características mais profundas dabiotecnologia é o amplo espectro de aplicação naagricultura, indústria farmacêutica, produtos de higienepessoal e manufaturas indústriais.

Ficção científica: não funcionará fora do laboratório.Esta engenharia desafia as leis naturais.

Progresso lento. Está a gerações de distância. Estamos apenas começando.

Hipérbole: É propaganda de Wall Street. Empresas desesperadas tentam convencer possíveis investidoresde que ao dobrar a esquina há novos produtos capazes de resolver todos os problemas do mundo.

Nicho de mercado: pode funcionar bem em casos especiais, mas não terá grande efeito sobre a formacomo produzimos as coisas.

Nanotecnologia Uppsala II (2001)

Alguns cientistas pensam que manipular a Tabela dosElementos provocaria um choque com as teorias da energiae com leis naturais ainda desconhecidas. No entanto, osátomos são o passo lógico depois dos genes. É possível quea nanotecnologia não seja segura e até que não funcionebem; mas chegará ao mercado.

Construir máquinas ou alimentos átomo por átomo parecelento hoje, mas as montadoras moleculares estão acaminho e os contínuos progressos da informática levarãoa nanotecnologia ao mercado muito mais depressa do quelevaram a biotecnologia.

Os que aproveitam o “nicho” da nanotecnologia estãosurgindo agora da mesma forma que antes surgiram asbiobutiques. Temos o mesmo tipo de publicidadeexagerada estilo “solução para tudo”. No entanto,diferentemente da biotecnologia, as empresas maiores aestão adotando desde o início.

Alguns garantem que a nanotecnologia é uma novidade;que apenas será usada para propósitos muito específicos,devido a seu custo e complexidade. Na realidade, o alcanceda nanotecnologia é muito maior que o da biotecnologia.Como já se pode ver claramente, pela variedade deempresas envolvidas, a nanotecnologia dominará todos osaspectos da economia global.

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Como prova do alcance da nova tecnologia, a iniciativa deClinton foi distribuída entre seis departamentos e programasgovernamentais: a Fundação Nacional de Ciências, a NASA eos Departamentos de Energia, Saúde, Defesa e Comércio.35

Outras tecnologias

A maioria das tecnologias resumidas brevemente a seguirtem relação com a nanotecnologia e com a biotecnologia.Embora cada uma delas seja importante por si mesma, astecnologias “centrais” do próximo século são as que governamas minúcias da matéria viva e inerte.

ComputadoresA sociedade está mais a par das mudanças tecnológicas nas

ciências da computação do que na biotecnologia. A transfor-mação dos últimos vinte anos é impressionante. Consultado

Os que estão hoje na nanotecnologia também sãopequenos e frágeis e lutam pela sobrevivência. A diferençaé que os 500 mais ricos da revista Fortune – os“nanobabos” – estão muito interessados na novatecnologia.

Vão obtê-las. Há poucas barreiras de patentes para ananotecnologia. A biotecnologia já estabeleceu precedentesde solicitações muito amplas. As limitações normativas ao“poder atômico” serão manipuladas até que se tornemineficazes.

Na década de 80, as “butiques” de biotecnologia erampequenas, raras e relativamente pobres. Os grandesgigantes agroquímicos e farmacêuticos pareciamdesinteressados e muitos previam que todos os queestavam começando iriam se fundir.

Conseguiram ambas. No final dos anos 80, a Agência deMarcas e Patentes dos Estados Unidos anunciou queautorizaria as patentes sobre plantas e animais, assimcomo sobre micro-organismos. As regulamentações doDepartamento da Agricultura, dos Institutos Nacionais deSaúde e a FDA (Food and Drug Administration) forammanipuladas para responder às necessidades da indústria.

Nanodólares: São diminutos e frágeis. Não têm o poder necessário nem para a ciência, nem para omercado.

Patentes e regulamentações: os governos não concederão as patentes e a flexibilidade normativanecessárias.

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pela Casa Branca, Ray Kurzweil, guru informático (já citadocom relação à nanotecnologia), prevê que nos próximos dezanos um computador de mil dólares será capaz de fazer maisde um bilhão de cálculos por segundo; que, muito antes determinar o primeiro quarto deste século, um computador domesmo preço fará o equivalente ao cérebro humano, e poucosanos depois mil dólares comprarão para as crianças ricas a ca-pacidade computadora de mil cérebros humanos.36

Já é verdade que o cérebro humano – ou pelo menos algode nosso DNA – pode formar parte de um computador. Ummilímetro cúbico de DNA “enxertado” num computadorpode abrigar dados que hoje encheriam um bilhão de CDs.Estão sendo construídas redes neurais com IA (InteligênciaArtificial) e VA (Vida Artificial) que poderiam monitorar emanejar as decolagens e aterrissagens de qualquer aeroportoda América do Norte, ou toda a atividade de telecomunica-ções do continente, ou todas as conversas do bairro. Hábiocomputadores capazes de manejar emergências policiais ouindicar as atividades consideradas “subversivas” medianteidentificação de complexos padrões de voz e maneira de falar.Todas estas tecnologias estão em adiantado processo depreparação, para serem utilizadas no mundo real em 2015 ou2020. A revista Scientific American informa que algunsestudantes conseguiram descobrir o código do Serviço Federalde Decifração de Informação dos Estados Unidos utilizandocomo computador um pedaço de DNA não maior do que umtorrão de açúcar. O biocomputador pode manejar até 10petabites (dez bilhões de milhões) de dados. Em meados de1999, cientistas do Instituto Weizman, de Israel, projetaramum biocomputador com um diâmetro de vinte e cincomilionésimos de metro.37 Quando a Casa Branca anunciousua Iniciativa em Nanotecnologia, a Agência de Imprensa

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previu uma possibilidade de armazenar toda a Biblioteca doCongresso em um dispositivo do tamanho de um torrão deaçúcar (não se mencionou a possibilidade de armazenardeputados).38 Além da vigilância, os usos militares incluemcomputadores postos em óculos ou capacetes, que poderãodar à infantaria acesso quase ilimitado a mapas, traduções eoutros dados, enquanto se movem pelos campos de batalha. Amesma tecnologia poderá ser utilizada para ajudar osagricultores a tomar decisões sobre insumos enquantopercorrem seus campos, ou auxiliar os formuladores depolíticas a tomar decisões informadas enquanto caminham.

Na primeira metade de 1999 foi implantado, no cérebro deum estadunidense com severas limitações físicas, um “chip” quelhe permite dirigir o cursor de seu computador sem usar a voz,nem o tato, nem movimento algum. Quase ao mesmo tempo,cientistas alemães desenvolveram a mesma capacidade na Euro-pa e cientistas escoceses formaram uma equipe de pesquisa paraestender essa nova oportunidade aos menos válidos e a outrasmáquinas e outros propósitos. Em meados de 1999, pesquisa-dores mostraram como a atividade cerebral podia ser dirigidapor computadores, fixando-se eletrodos no corpo de roedores eenviando impulsos que imitavam padrões que os incitavam abeber. As provas demonstraram que os computadores são capa-zes de copiar uma onda cerebral normal e depois enviar a men-sagem ao cérebro a partir de fora.39 Mais recentemente, várioscientistas desenvolveram um meio potencial para acelerar enor-memente a Internet, transmitindo dados a 100 gigabites porsegundo, através de impulsos luminosos. A essa velocidade, umcomputador pessoal pode baixar um filme de duas horas emDVD em um quinto de segundo.40 Quase ao mesmo tempo,outros pesquisadores estadunidenses projetaram um novo ser-vidor de Internet chamado “Principia Cybernetica Web”, que

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constrói e elimina vínculos com a rede, de acordo com as neces-sidades do usuário. A estratégia imita cuidadosamente a formacomo funciona o cérebro.41 E se você não confia em seus instin-tos, está sendo desenvolvido um computador tipo botão que sepode prender na lapela e que permitirá que indivíduos seme-lhantes (ou programados da mesma forma) se encontrem, nomeio de multidões ou nos bares de solteiros.42

Com a Morte da Discrepância, o “Direito a Saber” e a “Liber-dade de Informação” serão interpretados como o direito doEstado empresarial ter acesso a qualquer informação privada; eo “Direito à Privacidade” será considerado uma subseção doSigilo Comercial.

QUADRO 6 – Empresas líderes nas novas tecnologias da informáticaInstituto Bio DNA Nanotecnologia Física

molecular quântica

Bell Labs *Boston Univ. *Caltech Univ. *Delft Univ. *Duke Univ. *Harvard Univ. * *Hewlett-Packard *IBM * *Lawrence Berkeley *Los Alamos *MIT * *New York Univ. *NIST *Oxford Univ. *Princeton Univ. *Rice Univ. *Rockefeller Univ. *Stanford Univ. *UC Berkeley *UCLAUniv. Colorado *Univ. Wisconsin *Univ. Southern Cal. * *Yale *

Fonte: Technology Review, maio/junho de 2000.

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Em suma, o trabalho mais entusiasmante e mais ameaça-dor na tecnologia dos computadores tem a ver com chips deDNA (esforços para imitar o cérebro humano) e com o traba-lho em física quântica que se propõe condensar o passado e opresente (e o futuro?) em uma capacidade instantânea de com-putar tudo ao mesmo tempo. O quadro 6 desta seção identificaos principais campos de pesquisa e as maiores instituições quese ocupam deles.43

Às vezes os computadores desempenham o papel de Gran-de Denominador Comum. O conhecido programa Java e con-figurações ainda mais recentes encerram a possibilidade demuito melhor capacitação técnica a custos extremamente re-duzidos. Os estudantes não apenas podem ter acesso à infor-mação e à capacitação mais recentes e reputadas, mas tambémpodem realizar experiências altamente sofisticadas na tela, emlugar de um laboratório, que requer equipamentos de ultimageração e de preço exorbitante. O que é uma boa notícia, masobviamente preocupa a SAIC e seus colegas militares. O exér-cito estadunidense está angustiado com a idéia de que algunspaíses pobres e terroristas enlouquecidos possam se conectar àInternet, iniciar o Java e projetar suas próprias etnobombas.Toda a experimentação poderá ser feita diante da tela; só oproduto final exigirá manufatura.

SensoresAlguns dos complexos tecnológicos mais poderosos estão

associados a sensores capazes de detectar e transmitir imagens,sons, cheiros, composição química e variações de pressão. Naagricultura seria possível “semear” sensores em campos de cul-tivo e recuperar a informação obtida por meio de satélites emórbitas baixas ou por maquinaria agrícola que passe sobre eles.Isso poderia permitir aos grandes empreendimentos empresa-

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riais manejar grandes extensões de terra por meio de máqui-nas robô que ajustariam as taxas de sementes e de insumosquímicos a cada variável por metro de solo. Seus partidáriosafirmam que os biosensores, combinados com os robôs e comoutras tecnologias, logo poderão ser mais vantajosos do que asfamílias camponesas, no que se refere ao conhecimento da terrae aos custos.

Na indústria, os biosensores poderão ser utilizados tambémpara monitorar processos petroquímicos e manufatureiros. Osmilitares vêem os biosensores do ponto de vista defensivo, paramonitorar a periferia dos acampamentos e permitir às patrulhasdetectar a posição e o número de soldados inimigos diantedelas. Diz-se que já estão na prancheta sensores olfativos quepodem descobrir concentrações de testosterona, indicando quehá soldados por perto. No entanto, já hoje é possível confundiros sensores mediante aplicação de outros elementos, comorepelentes contra mosquitos ou perfumes.44 O exército dosEstados Unidos está pensando em biosensores montados sobrenanorrobôs que viriam com os biocomputadores e teriamcapacidade de adequar-se a ordens remotas e mudanças demissão. Os sensores robóticos poderiam ser instalados por trásdas linhas inimigas, praticamente nas salas de comando e nascantinas do inimigo, e transmitir informação em tempo real.Ainda que a nanotecnologia esteja um pouco mais distante,os sensores microrrobóticos poderiam ser igualmente difíceisde identificar. Um exemplo recente da interação entre abiotecnologia e outras tecnologias relacionadas é um dispositivode detecção de gás venenoso desenvolvido no laboratório defísica aplicada do Hospital John Hopkins. Este dispositivo,que utiliza cabos de fibra ótica, laser e um metal raro chamadoeuropium, pode ser usado em subterrâneos e aeroportos, paraprevenir ataques terroristas.45

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Os cientistas são sonâmbulos sociais quando garantem que suadedicação à ciência os exclui de toda responsabilidade social.Não têm o direito de enganar-se desta forma.

Às vezes, os biosensores podem ser micróbios ou insetosvivos. Pesquisadores do Savannah River Technology Center,da Carolina do Sul, desenvolveram bactérias geneticamentemodificadas para que brilhem quando comem trinitrotolueno(TNT), gás que escapa de cerca de 90% das minas de terra.Os cientistas enxertaram nelas um gene de fosforescência, aolado do gene que controla a digestão, de modo que, quandoas bactérias comem TNT, brilham, indicando que por pertohá uma mina.

Para não ficar atrás, um professor de biologia da Universi-dade de Montana está tentando usar as abelhas como detectoresde minas. O TNT do solo é absorvido por plantas cujo pólené recolhido por abelhas. Os pesquisadores buscam treinar asabelhas para associarem o cheiro do TNT a alimento e a guia-rem os soldados até as minas de terra.46

Há resultados tecnológicos notáveis que já estão a cami-nho do mercado. Em seu livro The Transparent Society, DavidBain informa que pesquisadores das Universidades de Tó-quio e de Tsukuba estão enxertando microprocessadores emicrocâmaras em baratas vivas, com o objetivo de buscarsobreviventes de terremotos. Segundo Bain, Sandia Labs fa-bricou um robô do tamanho de uma barata mecânica, capazde monitorar estações de energia nuclear.47 Um dos proble-mas dos sensores é a manutenção. Manter milhares de dis-positivos remotos, que precisam de energia para operar é, nomínimo, uma tarefa enorme. No entanto, é possível que aMarinha dos Estados Unidos já a tenha resolvido, aderindoseus sensores a microrganismos descobertos no fundo do mar,

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que parecem ser capazes de proporcionar-lhes energia eter-namente.48

Os “sensores” já são de uso comum para fins de segurança.Há mais de 300.000 câmaras de televisão em circuito fecha-do, monitorando estradas e vicinais na Grã-Bretanha e seuuso está se difundindo do mesmo modo em países como oJapão, os Estados Unidos, Cingapura e Tailândia. Sem chegarainda à nanoescala, há microunidades com todas as funçõesmenores do que um torrão de açúcar, e há lojas em Nova Iorqueque vendem unidades ocultas em qualquer coisa, desde rádiodespertadores até torradeiras e canetas.49 Nem todos os sensoressão necessariamente espiões. Uma empresa japonesa desen-volveu um sensor que pode ser posto no dedo, como um anel,e automaticamente ajusta o termostato do quarto à tempera-tura do corpo de quem o usa.50

RobóticaPelo menos desde a década de 50, a indústria vem anuncian-

do que os robôs vão se encarregar da maioria das tarefas damanufatura, excluindo a força de trabalho. Demorou, mas épossível que esteja chegando. Vinculados a redes neurais e abiosensores, os robôs poderão funcionar com inteligênciacognitiva. Assim, podemos imaginar um robô agricultor, ca-paz de realizar todas as tarefas importantes, da semeadura àcolheita, prestando atenção minuciosa ao solo, às pragas e aoclima. De acordo com a SAIC, existe uma terrível probabili-dade de que os micro – ou nano – robôs inteligentes cheguemantes de 2020. O micro-robô, capaz de esgueirar-se sem sernotado por trás das linhas inimigas, poderá enviar, não neces-sariamente apenas informes sobre movimentos de tropas emunições: poderá também acionar as munições. Não apenasinformar sobre as conversas dos generais no salão do estado

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maior ou no refeitório, mas também matar os generais. Osmilitares estadunidenses estão desenvolvendo atualmente “for-migas militares”: grandes quantidades de robôs inteligentesidênticos, capazes de agir cooperativamente (ou independen-temente) e desempenhar o que se descreve como um amploespectro de tarefas militares. A SAIC e a IS Robotics (empresaprivada estadunidense) projetaram, separadamente, robôs ca-pazes de limpar uma zona de minas por controle remoto.

Parte da tecnologia militar já foi transferida para o sistemade saúde, na forma do Robodoc, um cirurgião que atualmenteestá sendo testado em Sacramento, Boston e Pittsburgh, nosEstados Unidos. Parece ser capaz de trabalhar com cirurgiõeshumanos e de realizar operações diminutas que estão além dadestreza dos simples mortais.51

Existem também aplicações na indústria e nos transportes.Por exemplo, dois aviões robôs voaram da Terranova à Escóciasem incidentes. E, antes disso, um automóvel robô viajou semdificuldades da Pensilvânia, na costa atlântica, até a Califórnia,no Pacifico, percorrendo milhares de quilômetros de estradasinterestaduais e engarrafamentos de trânsito nas cidades. Nãohouve acidentes (embora quando o carro parou em Sacramen-to, em um engarrafamento, tiraram-lhe as calotas). Durante aprimeira metade do ano 2000, cada número da revista NewScientist trazia novas informações de robôs como “Flipper”, ocozinheiro de comida expressa que é capaz de fazer 500 ham-búrgueres por hora, fritar batatas e quebrar ovos,52 ou enfer-meiras robôs que sacodem os travesseiros, servem chá, regis-tram o estado de saúde do paciente e buscam ajuda quandonecessário.53 A polícia e os militares estão desenvolvendo ro-bôs que possam ir aonde ninguém mais quer ir, para desmon-tar bombas, detectar toxinas ou limpar depósitos de resíduosnucleares, e a NASA tem o “Nomad”, um robô inteligente

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destinado a varrer a Antártida Oriental em busca de meteo-ritos.54 O mais surpreendente de tudo é um computador robô,projetado como uma cobra, que pode deslizar até locais ina-cessíveis (por razões de segurança), serpentear escadas acima eabaixo e deslizar para seu colo quando você se dispõe a usarseu computador.55 E o mais inquietante é o trabalho de umaequipe mista da Universidade de Gênova e de duas universi-dades estadunidenses, que criou um “cyborg”: um robô mecâ-nico cujos movimentos são controlados pelo cérebro de umpeixe.56 Os pesquisadores acreditam que, se forem devidamenteeducados, poderão finalmente ensinar os seres humanos amanipular robôs do mesmo modo... ou ao contrário? Comoocorre com todas as coisas elétricas e digitais, o custo dos ro-bôs está caindo vertiginosamente.

BiomiméticaA forma é mais barata do que os materiais. Tal é a razão de

ser essencial da biomimética. Nossa compreensão da biologiae nossa crescente capacidade de miniaturização estão criandoeste novo campo cientifico. Os pesquisadores buscam cons-truir uma réplica da carapaça de um besouro capaz de supor-tar a força de um automóvel rodando a mais de 100 km porhora. Outros cientistas estão examinando a concha de ummarisco que consegue sobreviver às esmagadoras profundida-des do fundo do oceano. Em cada caso, a idéia é imitar a es-trutura da carapaça viva, molécula por molécula, com mate-riais inertes.57 Uma mosca que se extinguiu há 45 milhões deanos agora está sendo usada como modelo para melhorar aeficiência dos painéis solares em até 10% no decorrer de umdia. Essa mosca, encontrada incrustrada em um pedaço deâmbar exposto em um museu de Varsóvia, tem um olho com-posto com sulcos que traçam retículas sobre os diferentes seg-

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mentos, de forma que aparentemente capta mais luz, ao mes-mo tempo em que reduz o efeito do deslumbramento.58 Re-centemente, cientistas da Marinha estadunidense consegui-ram transferir o gene que permite fabricar seda das aranhastecelãs para bactérias,59 e prevêem que poderão fabricar rou-pas e capacetes a prova de balas com uma fibra capaz de absor-ver 100 vezes mais energia do que o aço, muito mais rápidodo que o algodão, e que se estira até 40% de seu comprimen-to.60 Outros pesquisadores estão explorando a qualidadecamaleônica de alguns líquens e traças como possível cami-nho para a criação de uniformes de camuflagem que mudemde cor segundo a luz do sol e outras condições atmosféricas.61

(Corre o boato de que já foram desenhadas roupas deste tipo,mas o tecido demora três dias para adaptar-se, por exemplo,de um ambiente urbano a um de selva, o que significa quecamuflar assim os soldados apenas dificultará o encontro deseus corpos pelos médicos.)

Sistemas microeletromecânicos (MEMs)Este subconjunto da nanotecnologia miniaturiza e combina

sistemas elétricos e mecânicos em dimensões de microns (dagrossura de um cabelo humano). Para esse fim, a ciência jáinventou engrenagens, válvulas e motores microscópicos.62

Teoricamente, as peles inteligentes MEMbrain podem serusadas para melhorar a estabilidade dos helicópteros e avelocidade dos aviões. Estão sendo desenvolvidos materiaispiezoelétricos, capazes de se expandir ou de se contrair com aeletricidade e a pressão. Os cientistas estão pensando em pontespênseis e arranha-céus capazes de se adaptarem aos ventos fortese aos terremotos. Além de seu uso na construção, estatecnologia poderá ser usada para desenvolver sensores altamentesofisticados.63

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Tecnologias multimídiaA optoeletrônica e a fotoeletrônica, junto com os compu-

tadores e os satélites, estão contribuindo para criar um ambi-ente novo nos meios de comunicação. Os consumidores dospaíses industrializados já conhecem bem produtos detecnologia multimídia, como o laser empregado pelos equipa-mentos de disco compacto e a medicina, assim como as telasdos computadores laptop e a televisão digital de alta resolu-ção. Só o uso comercial da optoeletrônica está saltando decerca de 50 bilhões de dólares anuais em todo o mundo, emmeados dos anos 90, para 200 bilhões de dólares, projetadospara o começo do novo milênio. O governo japonês diz que,no próximo ano, as tecnologias multimídia (incluindo aoptoeletrônica) vão gerar 6% de seu PNB (cerca de 1,2 bi-lhões de dólares estadunidenses): o triplo do que produz aenorme indústria automobilística japonesa.64

Há três décadas, Marshall MacLuhan anunciava que “omeio é a mensagem”. Naquele momento, suscitou um grandedebate, mas hoje poucos discutiriam a importância esmaga-dora das comunicações multimídia. Coletivamente, a misce-lânea de tecnologias oferece uma oportunidade enorme de fa-cilitar as comunicações efetivas e de melhorar tudo, da enge-nharia à pesquisa médica. As mesmas tecnologias permitemtambém esmaecer as distinções entre ilusão e realidade, e pa-cificar, adormecer e dirigir o pensamento social. Nos meiospopulares de comunicação, muito se falou sobre isso e nãotemos muito a acrescentar.

Tecnologias aero-espaciaisOs avanços na exploração do espaço também influirão nas

realidades sócio-econômicas em nossos lares. A General Electricvem desenvolvendo tecnologias muito precisas de GP (Global

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Positions = Posicionamento Global) que permitirão a civisdeterminar a posição de qualquer pessoa com precisãomilimétrica.65 Ao mesmo tempo, a Motorola requereu paten-tes que descrevem exatamente como quem quer que possua atecnologia (ou uma autorização da Motorola) pode ouvir ascomunicações por satélite,66 e o Departamento de Defesa dosEstados Unidos desenvolveu várias maneiras de utilizar partedessas mesmas tecnologias para criar uma nova geração deprojéteis, capazes de selecionar seus próprios alvos de acordocom condições preestabelecidas.67 Também em maio de 2000,os Estados Unidos retiraram os antolhos dos satélites espiõescivis, de modo que agora podem identificar, na Terra, objetosde até um metro de altura. Atualmente, é possível monitorardo espaço o movimento de um automóvel no meio do trânsi-to. Dentro de muito pouco tempo, será possível monitorarvisualmente um individuo, a partir de um satélite.

Recentemente, o MIT anunciou o desenvolvimento demicrofoguetes: motores do tamanho de uma moeda de 10centavos, com 20 vezes o impulso por unidade dos principaismotores dos “transportadores espaciais” (space shuttle). Cemdessas máquinas diminutas podem caber na palma da mão e,no entanto, unidas, podem por na órbita terrestre um satélitede quase 30 kg de peso.68 Se combinarmos esta descoberta comoutros avanços em detecção remota e tecnologia laser, teremoso potencial para lançar nuvens de satélites de minivigilância ede ataque para manipular e ou controlar qualquer coisa, desde aprodução agrícola até os dissidentes. Ao reduzir o peso mortonos lançamentos para exploração do espaço, as mininavesespaciais poderão também levar-nos a outros planetas e sistemassolares a um custo enormemente reduzido.

Recentemente, os filmes de Hollywood chamaram a aten-ção do público para a possibilidade de que satélites em órbita

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vigiem os movimentos de indivíduos. Embora no cinema seexagere muito, a possibilidade de rastrear visual ou biologica-mente um indivíduo será possível nos próximos 20 anos.

No começo de 1999, a revista The Economist relatou otrabalho tipo nanotecnologia de três institutos de pesquisa,que buscam desenvolver microveículos aéreos (MAVs) comoelementos de vigilância ou de ataque. Um protótipo conhe-cido como Viúva Negra, em desenvolvimento na companhiaestadunidense Aerovironment, chegou a decolar do solo.Mede 15 cm (6 polegadas) de diâmetro, pode penetrar pelajanela de um apartamento a cerca de 45 km/h, manter-se emvôo durante 15 minutos e levar de volta imagens gravadas.O MIT e a Geórgia Tech também estão desenvolvendominiaparelhos. A estadunidense DARPA (Defense AdvancedResearch Projects Agency = Agência para pesquisa de projé-teis avançados de defesa) que está financiando a maior partedesta pesquisa, espera que, quando se começar a produçãoem massa, o custo será de menos de 1.000 dólares por uni-dade. Cada microavião terá uma autonomia de vôo de pelomenos uma hora e poderá transmitir dados visuais, sonorose biosensoriais em geral a soldados (ou agentes de seguran-ça) individuais, em tempo real.69 Nem toda a pesquisa estásendo feita nos Estados Unidos: em Mainz, na Alemanha, oInstituto de Microtecnologia desenvolveu um microheli-cóptero de apenas uma polegada de comprimento, que pesamenos de um centésimo de onça (cada onça equivale a me-nos de 30 gramas).70

Esse potencial para monitorar a nós mesmos causa inquie-tação na maioria dos campos. The Economist expôs vários dosproblemas fundamentais em sua capa de 1o de maio de 1999,que anunciava “o fim da privacidade”, em sua nota principal:“A sociedade da vigilância”.71

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QUADRO 7 – As novas tecnologias: resumo parcial de algumas das novastecnologias e suas implicações

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NeurociênciasA pesquisa nas neurociências vincula a biologia à informatica.

Sua atenção se volta para o sistema nervoso, em nível moleculare celular. O entusiasmo comercial e militar chega ao máximoem relação ao potencial de “reconhecimento de padrões” nodesenvolvimento de redes neurais. O interesse do reconheci-mento de padrões está na possibilidade de automatizar omonitoramento e o manejo de sistemas complexos. Nos meiosde comunicação populares, isso pode se traduzir por “computa-dores inteligentes”, mas implica raciocínio cognitivo em má-quinas; suas aplicações poderiam incluir o controle de grandesusinas químicas, o cultivo de enormes extensões de terra, oualgo tão bobo, mas tão útil quanto “ouvir” – e erradicar – odesenvolvimento do mofo em cereais armazenados.72 As redesneurais poderão também dirigir o sistema de trânsito de NovaIorque, ou ouvir (e entender) todas as conversas telefônicas deum país inteiro.73 O Canadá, junto com a Grã-Bretanha, osEstados Unidos, a Nova Zelândia e a Austrália, estabeleceu osistema de monitoramento das comunicações por satélite, quepermite a seus órgãos de segurança monitorar simultaneamentecentenas de milhares de conversas telefônicas internacionais eselecionar as que empregam determinadas palavras e frases.74

Melhoramento do desempenho humanoEmbora a Melhoramento do Desempenho Humano (HPE

= Human Performance Enhancement) seja propriamente umsubconjunto das neurociências, este campo chega com uma cargamoral única, que inclui a escravidão e a eugenia. Segundo asprojeções dos analistas da SAIC, nas neurociências haverá “des-cobertas significativas nos próximos 10 a 15 anos”. Dois impor-tantes avanços na imaginologia cerebral, a criação de imagensmediante ressonância magnética funcional e a tomografia de emis-

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são de posição, permitem determinar que parte do cérebro faz oque, e tornam real a possibilidade de que a ciência seja capaz demonitorar e manipular as funções cerebrais. A SAIC diz que setrata de um “salto qualitativo” em nossa capacidade de manipu-lar seres humanos e afirma que, “uma vez aberta esta porta”, aciência estará em condições de manipular e melhorar funçõeshumanas. Os pesquisadores prevêem que os estudos de melhoriado desempenho humano poderão conduzir a uma interface semobstáculos entre pessoas e máquinas, oferecendo aos indivíduosa possibilidade de manejar tanques, tratores e equipamentos devigilância, de longe, sem utilizar as mãos.75

Mas no coração da pesquisa sobre melhoria do desempe-nho humano (HPE, sigla em inglês) está a possibilidade demanipular as emoções, os sentidos e as capacidades dos sereshumanos. Entre as aplicações mais interessantes, segundo aSAIC, está a possibilidade de reduzir o medo nos soldados, ouaumentar este sentimento nos combatentes inimigos. “Emoutras palavras, é possível que em futuro próximo sejamoscapazes de melhorar quimicamente a capacidade de atenção ede vigilância, aumentar a tolerância ao stress, aumentar a tole-rância à falta de sono, e melhorar a memória.”76 Claro que,como no caso da guerra biológica, a diferença entre pesquisaem “melhoria” e pesquisa em “enfraquecimento” está nosneurônios do pesquisador.

Neste campo, o progresso é vertiginoso. O Hospital da Uni-versidade Sahlgrenska na Suécia, e o Instituto Salk, dos EstadosUnidos, demonstraram que os seres humanos são capazes dedesenvolver novas células cerebrais – aumentando assim as pos-sibilidades de remediar doenças e dano cerebral – e de manipu-lar a estrutura cerebral.77 Enquanto isso, uma empresa britânicarecém chegada ao campo da biotecnologia, a Genostic Pharma,apresenta um dispositivo capaz de detectar variantes em mais

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de 2.500 genes, incluindo alguns que afetam o comportamentoe a inteligência.78 Que tipo de comportamento? Na EmoryUniversity, nos Estados Unidos, estiveram fazendo experiênciascom a oxitocina para estimular e atenuar o desenvolvimento dafamiliaridade entre indivíduos. Criaram roedores socialmenteineptos (todos não são?), geneticamente modificados para quenão tenham oxitocina: estes roedores parecem ser incapazes dereconhecer outros roedores que pouco antes conheciam inti-mamente. Esse mesmo hormônio atua do mesmo modo emseres humanos, o que significa que neste caso a terapia genéticapoderia ser uma seqüela lógica da “pílula do dia seguinte”: a“pílula da negação plausível”.79

Em resumo, os neurocientistas estão desenvolvendo estra-tégias que poderão manipular os interesses e as destrezas detrabalhadores (inclusive soldados), e que também poderão re-duzir a necessidade de trabalhadores se a chamada “interfacehomem/máquina”, com redes neurais cognitivas, tornar pos-sível o manejo de sistemas industriais e agrícolas complexos.

Se se pode fazer isso, também e possível ganhar eleições,ou então acabar de vez com toda a “democracia”.

Sobre “Luddistas e “Eli-tistas”

Algumas tecnologias, por sua natureza, contaminam, põemem risco ou ameaçam de algum modo o meio ambiente, nossasaúde e nossa segurança. No entanto, mais freqüentementedo que as novas tecnologias – utilizadas no contexto apropria-do em um ambiente consciente e socialmente sensível – podem(pelo menos teoricamente) ser benéficas. Em geral a questãoessencial se relaciona com a propriedade e o controle. Asociedade tem de discutir cada nova tecnologia. Também

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precisamos discutir a ciência e a tecnologia em geral. Não hádúvida que algumas tecnologias são intrinsecamente democrati-zantes, enquanto outras são tirânicas. No entanto, não devemosconfiar demais em nossa capacidade de decidir qual é o que.Como sempre, a história nos fornece lições...

Por que existe uma palavra para os que são vistos comoopositores das mudanças tecnológicas mas não para os que nosimpõem tecnologias não testadas? Aqueles que, como nós, ques-tionam a biotecnologia são “vidi-stas”?

Chaves históricas: Revolução Industrial - a outra face.

As máquinas menores estão em mãos dos pobres e as máquinaspatenteadas maiores estão nas mãos dos ricos... o trabalho é melhor

manufaturado pelas máquinas pequenas do que pela grandes.Protesto de trabalhadores têxteis da Grã-Bretanha, 1779

É possível que no século XX o camponês de Dorsetshire se consideremuito mal pago com 15 shillings por semana; que os diaristas estejam

pouco habituados a comer sem carne, como comem hoje pão de centeio;que a política sanitária e as descobertas médicas tenham acrescentado

vários anos à duração média da vida humana.Cit. no Scientific American, julho de 1849

Durante um século e meio, os artesãos da Europa – que é por si umcontinente de inventores inovadores – defenderam seus meios de subsistênciacontra o caráter destrutivo da “Revolução Industrial”, às vezes ilusória.Escolhemos recordar apenas a breve e violenta luta havida na região britânicados Midlands, em torno de 1811-1815. Trabalhadores têxteis ameaçadosatacaram com machados as fábricas e as máquinas. O primeiro discurso deLord Byron na Câmara dos Lordes foi uma apaixonada defesa de sua causa.Quando a terrível situação dos trabalhadores, apanhados no redemoinho dotumulto tecnológico, ganhou algumas simpatias, por volta de 1815, a rebelião,cujo epígono foi um tal Ned Ludd, terminou na forca. Hoje a rebelião deLudd é quase universalmente interpretada como um trágico exemplo da

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incapacidade da sociedade de compreender o progresso técnico, e quemquer que se oponha a uma tecnologia nova é desqualificado e chamado peloepíteto de “luddista”.

Mas, se a Revolução Industrial – representada pela nova maquinaria têxtil– teve efeitos devastadores para as famílias trabalhadoras dos Midlands, tam-bém provocou fomes maciças na Índia, onde os plantadores de algodão e ostecelões perderam tudo. A nova maquinaria, simbolizada pelo famoso “cottongin” ou máquina descaroçadora de algodão de Eli Whitney, produzia tecido dealgodão acabado, usurpando o lugar dos tecelões hindus que trabalhavamcom teares manuais. Em 1834, o governador da British East India escreveu:“A miséria dificilmente encontra igual na história do comércio. Os ossos dostecelões de algodão estão branqueando as planícies da Índia.”80

No entanto, nem toda devastação era devida à pressão supostamenteinexorável de “uma boa idéia, cuja hora chegou”. Um fator significativo natransição para as grandes máquinas têxteis na Grã-Bretanha foi a necessi-dade, que os vendedores de tecidos sentiam, de controlar seus trabalhado-res e salvaguardar seus rendimentos. Durante os séculos XVIII e XIX, ainquietação dos trabalhadores da indústria têxtil foi uma preocupação impor-tante, e os patrões viam as pesadas máquinas novas como uma forma deimpor disciplina à força de trabalho e, também, de reduzir o número detrabalhadores. Até Adam Smith admitiu que o sistema de fábricas, criadopelos empresários têxteis, representava uma forma de “mutilação mental”da força de trabalho.81 Anos antes das observações do governador britânico– e para desânimo dos proprietários de fábricas britânicas e dos proprietá-rios de escravos estadunidenses – a Índia continuara sendo competitiva diantedas novas tecnologias. Seus tecidos eram de melhor qualidade e seu preçoameaçava a bolsa e a propriedade dos novos industriais. Para salvaguardara marcha do progresso, os agentes britânicos impuseram cotas de produ-ção impossíveis e depois confiscaram os bens dos tecelões hindus que nãoas tinham cumprido. Em algumas ocasiões, em protestos desesperados, ostrabalhadores cortavam seus próprios polegares.82 Em 1814, ao mesmotempo que os luddistas eram enforcados, a Grã-Bretanha impôs duras res-trições à exportação de tecidos acabados da Índia, e os soldados usaramefetivamente seus mosquetões para esmagar os dedos dos tecelões rebel-des.83

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Há uma ironia poética nesta imagem. A descaroçadora de algodão pa-tenteada (1793) de Eli Whitney não foi a única arma utilizada contra osluddistas britânicos e hindus.84 Em 1798, Eli Whitney também patenteou oprimeiro mosquetão com partes intercambiáveis, e esta foi a arma utilizadapelos soldados britânicos para esmagar os dedos dos trabalhadores tece-lões da Índia.85 Os herdeiros ideológicos do mosquetão e da maquinaria deEli Whitney devem ser considerados hoje, duzentos anos depois, como os“Eli-tistas” da tecnologia atual.

Mas, quaisquer que fossem seus métodos, estariam certos os elitistas?Na Grã-Bretanha, a Revolução Indústrial levou a uma riqueza sem prece-dentes e ampliou a expectativa de vida. Na indústria têxtil, os preços detecidos e roupas caíram a níveis que, como se dizia, punham-nos ao alcanceaté dos pobres.86 (Os economistas em geral ignoram o fato de que antesestes faziam suas roupas, a um custo ainda menor).

Mas mesmo tendo havido, na Grã-Bretanha, um “lado positivo”, o impérioultramarinho da Inglaterra na Índia não recebeu nenhum benefício. Mesmo naInglaterra, como admitiu recentemente The Economist, em meados do séculoXIX, “o impacto inicial enriquecedor da Revolução Industrial cedera lugar àsmisérias dickensianas da vida urbana”. Até as companhias de seguros ingle-sas observaram que os trabalhadores agrícolas no campo viviam melhor queseus homólogos das fábricas nas cidades. Especialmente afetadas foram ascrianças urbanas. Um indicador bem documentado, a estatura dos soldadosbritânicos e estadunidenses, mostra que o constante aumento na estaturados novos recrutas, verificado de meados do século XVIII a começo do séculoXIX (época dos luddistas), inverteu-se até a década de 1850 e mesmo de-pois, não voltando aos níveis de 1800 até depois de 1900.87 Embora em gerala estatura das pessoas na Europa em vias de industrialização tenha aumenta-do significativamente mais do que em seus vizinhos não industrializados, du-rante o século XIX, muitos países, inclusive a Grã-Bretanha, a Suécia e aHungria, viveram várias décadas de altos e baixos, períodos em que a estaturamédia declinou visivelmente.88 Os luddistas teriam dito que, certamente, obem-estar social poderia ter sido melhor atendido.

Nossa experiência com a Revolução Industrial não é única.Sem dúvida, a mudança tecnológica mais profunda na história

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humana ocorreu há cerca de 12.000 anos, quando as sociedadesantigas abandonaram a caça e a coleta pela agricultura, naprimeira Revolução Agrícola do mundo. A teoria popular dizque essa revolução literalmente criou a “civilização”, ao permitirque as pessoas se tornassem sedentárias, desenvolvendo aarquitetura e a arte. A teoria diz que o abastecimento maisabundante de alimentos permitiu uma explosão demográficae que, em geral, contribuiu para o bem-estar social. No entanto,o estudo dos restos de esqueletos do período imediatamenteantes e durante a formação local da agricultura – em particularna bacia do Mediterrâneo e na América do Norte, mas tambémna Índia – parece indicar que o advento da agricultura deteveo crescimento das crianças e reduziu a estatura dos homensadultos (quase 10 cm, em regiões como a Grécia). Os ossosrecuperados de crianças camponesas entre dois e cinco anosmostram que, depois do desmame, o desenvolvimento de seusossos se atrasou e que houve um aumento das doençasrelacionadas com os ossos, em comparação com as criançasdos tempos dos caçadores e coletores.89 Em outras palavras, aintrodução imediata da agricultura – uma tecnologiauniversalmente aceita como benéfica para toda a humanidade– pode ter sido prejudicial, pelo menos, para as vidas dasprimeiras gerações que a adotaram.

O que não deveria surpreender-nos. Afinal de contas, oscaçadores-coletores conseguiam acompanhar a comida e a águaaonde quer que os levassem as estações e os climas. Os agricul-tores sedentários estavam muito mais à mercê do clima e domau tempo. Os caçadores-coletores podiam escolher entre umavastíssima variedade de fontes de alimentos vegetais e animais;os agricultores dependiam de um punhado de plantas cultiva-das e de animais domesticados. A formação da agricultura crioua oportunidade de controlar a terra e a água. Os caçadores-

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coletores tinham necessidade de mais cooperação para a caça eoportunidade de mais independência na coleta. Possivelmen-te, essa combinação estimulava um sentimento mais forte dejustiça comunitária da que existe nas sociedades sedentárias,onde os insumos da agricultura podem ser controlados poralguns, em detrimento das necessidades de outros.

O que ocorreu com a primeira Revolução Agrícola teráocorrido também com a Revolução Verde das décadas de 60 e70? A teoria dominante concede à Revolução Verde o mesmoprestígio reclamado pela Revolução Industrial e pelo nasci-mento da agricultura. Mas, como não foram feitos estudospreliminares e ainda estão por pesquisar os esqueletos e os ves-tígios dos pobres urbanos e dos trabalhadores rurais expulsosnaquela época, ninguém pode afirmá-lo com certeza. No en-tanto, como já vimos, a história costuma se repetir.

Nem bala mágica, nem dardo envenenadoSem ignorar nenhuma das preocupações já expressas sobre

as novas tecnologias, ainda devemos advertir contra otecnofatalismo. Nada está perdido. Ainda é possível tirar mui-tos beneficios de algumas das novas tecnologias.

Não possuímos os dados empíricos necessários para compa-rar as sociedades pré-coloniais ou pré-industriais às de hoje. Osprogressos em saúde e nutrição da atualidade serão a recupera-ção da perda ocasionada pelo colonialismo e pelo Eli-tismo?Dificilmente. As loas entoadas à Revolução Indústrial não têmsentido. As quedas reais da mortalidade infantil e as mortes pordoença provêm da água limpa, da melhora do sistema sanitárioe dos programas de imunização. Estes ganhos estão relaciona-dos, mas não existe conexão direta com nenhuma tecnologiatipo “bala mágica” (solução universal). Ao contrário, no Sul, oque houve neste século foi uma visível perda de conexão entre

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industrialização e desenvolvimento. Desde meados dos anos 40,a população mundial triplicou. A biologia básica nos ensinaque os números de uma espécie não crescem sem um abasteci-mento razoável de alimentos. Embora ainda haja cerca de 840milhões de pessoas que passam fome crônica neste planeta, aproporção do total que passa fome parece ter declinado. Desdea década de 60, a expectativa de vida no Sul aumentou de 46para 63 anos. Nos países menos desenvolvidos (ou seja, os queapresentam pouco ou nenhum desenvolvimento industrial), se-gundo a ONU, o aumento foi menos notável, mas ainda signi-ficativo: de 39 para 50 anos. Países como Sri Lanka e CostaRica têm, agora, cifras de expectativa de vida comparáveis às demuitos países industrializados. Se você estiver com 65 anos naTanzânia, hoje, tem probabilidades de sobreviver à maioria deseus amigos da União Européia. Isso não se deve a sua resistên-cia maior, mas a um estilo de vida mais sadio e a um país que jáconseguiu afastar as ameaças da mortalidade infantil e as doen-ças infecciosas mais comuns.

Desde os anos 70, a alfabetização dos adultos no Sul au-mentou de forma ainda mais espetacular que a expectativa devida: de 46% para 69%. Até os países mais pobres apresenta-ram um aumento na alfabetização de 29 para 46%.90 Apesarde nossa preocupação com a destruição de conhecimentoprovocada pelas campanhas de alfabetização em comunidadesindígenas e rurais, há alguma justificativa para utilizar a alfa-betização como um indicador de progresso potencial, pelomenos nas sociedades urbanizadas.

A quem – ou a que – atribuímos essas melhorias? Para osque vivemos estas décadas, o bom governo não é uma res-posta confiável. Pelo menos no que se refere à alimentação eà expectativa de vida, a mudança chegou por meio de práti-cas de base comunitária ou de saúde pública, em geral de

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QUADRO 8 – Sete pecados/virtudes de comissão/omissão.

A visão dos Eli-tistas

Veja como as coisas estão melhor agora. Reconheça quetrouxemos grandes melhoramentos, ainda que desiguais.

Somos os especialistas em nossa ciência e, portanto,podemos dizer que avançará mais lentamente/maisrapidamente do que pensam os luddistas e que não terá asimplicações que eles mencionam.

Esta tecnologia pode fazer maravilhas. Os luddistas nãovêem as vantagens de economizar trabalho e energia /buscar alimentos / benefícios para a saúde / redução dacontaminação / criação de riqueza.

O governo e a indústria conhecem seus eleitores / clientese defendem seus interesses. Além disso, existem leisantimonopólio e de proteção ao consumidor.

Os luddistas são alarmistas. O mundo não vai acabar.Sabemos como controlar esta tecnologia.

1. Concepção (todo tempo passado foi melhor/pior)

2. Conexão (tecnologias em cadeia)

3. Contexto (otimista/pessimista)

4. Controle (propriedade e osmose)

5. Conseqüência (tecnologia segura ou suicida?)

A resposta dos Luddistas

Não se trata dos melhoramentos, mas sim de que poderiater havido mais melhorias com menos complicações, se aciência se desenvolvesse em um contexto socialmente maisfavorável.

Os cientistas de uma especialidade costumam não ter idéiade processos tecnológicos articulados a outros (impacto damicroeletromecânica na microbiologia, da extração depetróleo na indústria automobilística, da indústria defoguetes nos materiais etc.), que possam afetar o ritmo damudança.

É preciso pelo menos uma geração para compreender asimplicações de qualquer tecnologia nova (motor decombustão interna, materiais sintéticos, energia nuclear,eletricidade ou as novas biotecnologias). O que nãosignifica estar contra a ciência, mas sim recomendarhumildade e cautela.

As tecnologias comerciais passam rapidamente a serpropriedade privada e contribuem para novasconcentrações de poder econômico (estradas-de-ferro,petróleo, meios de comunicação, biotecnologia). Há umefeito de osmose à medida que a força irresistível do lucropressiona o móvel objeto da legislação / regulamentaçãogovernamental para adequá-lo a suas necessidades (porex., cercar as áreas comuns na Inglaterra, certificarsementes, requerer patentes sobre a vida).

Digam isso aos trabalhadores ferroviários do começo doséculo XIX, aos mineiros e trabalhadores da indústriaquímica da primeira metade do século XX ou aostrabalhadores nucleares de hoje. É preciso uma geraçãopara entender as conseqüências (positivas e negativas) deuma nova tecnologia.

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baixo custo, apoiadas por tecnologias modestas. A contri-buição da indústria em termos de alimentação e segurançasocial foi marginal e até nociva. Os benefícios que a tecnologiaindustrial se atribui como obra sua são inexistentes ou sóforam obtidos com um tremendo custo para o meio ambientee com risco de um colapso econômico. Não parecem susten-táveis.

Como é que as mesmas indústrias que atrasaram o progressohumano agora reclamam para si o mérito dos pequenos bene-fícios obtidos? Examinando retrospectivamente os fenomenaisavanços da ciência no último século, o que surpreende não éque a tecnologia tenha feito tanto, mas que tenha feito tãopouco. Tanto barulho e tão pouco progresso social!

Infelizmente, a prova de insustentabilidade só pode serconfirmada postumamente. Cada nova tecnologia introduzidano decorrer deste século chegou proclamando ser uma balamágica ou um dardo envenenado. Até agora, as predições de

Se não beneficia diretamente toda a sociedade, pelo menosterá um efeito de gotejamento devido à criação de umanova riqueza, que finalmente beneficiará os pobres.

Os luddistas pintam tudo inexoravelmente em preto ebranco, simplificando tudo, anunciando a todos os meiosque o fim chegou e negando-se a fazer concessões. Porque não podem ser mais realistas e razoáveis?

6. Contribuição (subindo ou gotejando)

7. Conflito (pugilistas e polemistas)

Qualquer tecnologia nova introduzida numa sociedade quenão seja justa aumentará o fosso entre ricos e pobres. Seno final vai beneficiar os pobres depende de muitos fatoressociais. (A Revolução agrícola produziu o cerco dos terrenoscomunais, a Revolução industrial produziu efeitos nocivossobre a saúde, a Revolução Verde produziu muito maispobreza rural etc.)

Os eli-tistas mandam. Os luddistas têm uma oportunidadequando as novas tecnologias aparecem pela primeira vez.A oposição trava uma luta contra a corrente, com umamídia acrítica e fascinada. O fórum político é tal quequalquer compromisso é um passo em direção ao podertotal. A mensagem tem de ser clara e todo compromisso ésuspeito.

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ambos os lados foram prematuras. A história não nos oferecenenhuma razão seja para complacência, seja para desespero.

A verdade não é que até agora evitamos o desastre, masque décadas de descobertas científicas e tecnológicas não fize-ram o que poderiam ter feito facilmente: erradicar a fome e apobreza e cuidar do meio ambiente. Não há desculpa paraque, com tanto, tenha se feito tão pouco. Tampouco existealguma lei da natureza que garanta que cada nova introduçãotecnológica poderá percorrer com êxito a corda bamba sobreo abismo. Cada vez a tecnologia é mais potente e as possibili-dades de catástrofe se tornam maiores. A tecnologia não é maisque a manifestação do gênio humano acumulado, ruim oubom. De maneira que, como sempre, não é a tecnologia quedevemos temer ou confiar, mas a nós mesmos.

Notas1. A Lei de Mendel foi formulada na década de 1860, mas esteve perdida para a ciência

até seu redescobrimento, em 1900.2. Tang, Ya-Ping, Shimizu, Eiji, Dube, Gilles R. Rampon, Claire, Kerchner, Geoffrey

A., Zhuo, Min, Guosong, Liu, y Tsien, Joe Z., “Genetic Enhancement of learningand memory in mice”, http://www.nature.com/server – java/pro-pub/nature/401063AO.abs frameset

3. Knight, Jonathan, “Junk AND helps females avoid double trouble”, New Scientist,17 de junho de 2000, p. 21.

4. Chicurel, Marina, “Live and let die”, New Scientist, 29 de janeiro de 2000, p. 7.(N.E. esta nota não consta indicada no texto no original)

5. Fox, Maggie, “Scientists on Verge of Creating Artificial Life from Genes”, Reuters,24 de janeiro de 1999.

6. Taylor, Robert, “All Fall Down”, New Scientist, 11 de maio de 1996 (disponível nosite da revista na Internet, como informe especial).

7. Cit. em The British Medical Association, Biotechnology: Weapons and Humanity,Harwood Academic Publications, 1999, p. 54.

8. Ibid. p. 20.9. Ibid. p. 53.10. Schrope, Mark, “Expanding life”s alphabet”, New Scientist, 8 de abril de 2000, p. 12.11. Rogers, Paul; Simon Whitby e Malcolm Dando, “Biological Warfare Against Crops”,

Scientific American, junho de 1999, p. 70-75.

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12. The British Medical Association, Biotechnology: Weapons and Humanity, cit., p. 12-13.

13. Entrevista de Edward Hammond, 6 de agosto de 1999, baseada em sua pesquisa eem um trabalho em preparação. Este trabalho estará disponível na Internet.

14. Goldstein, Steve, “US could face new terror tactic: Agricultural Warfare”, Inquirer,Washington Bureau, 22 de junho de 1999.

15. Entrevistas com Simon Whitby e Malcolm Dando, por telefone, na Universidade deBradford, 22 e 24 de junho de 1999.

16. Entrevista com Edward Hammond.17. Landes, David S., The Health and Poverty of Nations, W.W. Norton Como., Nova

Iorque, 1999, p. 181.18. Mander, Jerry, In the Absence of the Sacred: The Failure of Technology and the Survival

of the Indian Nations, São Francisco, Sierra Club Books, 1991. Mander tambémcunhou o termo que utilizamos, “sonâmbulos tecnológicos”.

19. Kurzweil, Ray, The Age of Spiritual Machines – When Computers Exceed HumanIntelligence, Viking Press, 1999, p. 138.

20. Carta convite do Presidente, de 27 de abril de 1999, tal como foi retirada da Internet.21. Brooks, Michael, “Drawing a fine line”, New Scientist, 26 de junho de 1999, p. 11.22. Voss, David, “Nanomedicine nears the clinic”, site na Internet do MIT, notícias,

janeiro-fevereiro de 2000.23. “Biotechnology Future World Parameters”, Science Applications International

Corporation, SAIC, janeiro de 1996, p. 9.24. Smithll, Richard H., “Molecular nanotechnology: Research Funding”, Science &

Technology Policy, Virginia Tech Graduate School Science and Technologies Studies,6 de dezembro de 1995.

25. “Nanotechnology”, site na Internet: www.zyvex.com/nanotech/howlong.html26. Cross, Michael, Travels to the Nanoworld, Nova Iorque, Plenum Trade, 1999, p. 220.27. Ibidem, p. 219-220.28. Testemunho prestado no Comitê do Congresso sobre “Nanotechnology - Statement

and Supplemental Material”, de R.E. Smalley , Rice University, 22 de junho de1999.

29. Business Week, 30 de agosto de 1999.30. Crawford, Mark, “White House Eyes Major Nanotechnology Initiative”, New

Technology Week, 11 de junho de 1999.31. Bains, Sunny, “Xerox studies self-assembling modular robots”, in EE Times, 10 de

janeiro de 2000 (edição na Internet).32. Piller, Charles, “A Glimpse of Atomic-Scale Computing”, in Los Angeles Times, 3 de

fevereiro de 2000 (edição na Internet).33. Kaoundes, Lakis O., “Materials science and engineering”, World Science Report,

1996, UNESCO, p. 292.34. Aeppel, Timothy, “Think Small: Imagine changing a chair into a table at the flick of

a switch. Welcome to Nanotechnology – Call it the lure of the Lilliputian”, WallStreet Journal, 1o. de janeiro de 2000 (edição na Internet).

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35. “National Nanotechnology Initiative: Leading to the Next Industrial Revolution”,Escritório do Secretario de Imprensa da Casa Branca, 21 de janeiro de 2000.

36. Kurzweil, Ray, op.cit., p. 277-279.37. “A Cellular Automaton”, The Economist, 26 de junho de 1999, p. 94.38. “National Nanotechnology Initiative: Leading to the Next Industrial Revolution”,

cit.39. “Neurology – Mind versus Matter”, The Economist, 26 de junho de 1999, p. 95.40. “Quick as a flash”, New Scientist, 15 de abril de 2000, p. 1141. Brooks, Michael, “Global Brain”, New Scientist, 24 de junho de 2000, p. 22-27.42. McCrone, John, “You buzzing at me”, New Scientist, 15 de janeiro de 2000, p. 20-

23.43. Para uma discussão útil sobre as diversas estratégias de computação de alta tecnologia,

v. Technology Review, maio/junho de 2000. Todo este número, intitulado “BeyondSilicon”, é dedicado ao assunto.

44. “Biotechnology – Military Applications”, The Strategic Assessment Center, ScienceApplications International Corporation, SAIC, dezembro de 1995, p. 9-11.

45. “An ill-wind detector”, The Economist, 9 de janeiro de 1999, p.74.46. Bolin, Frederick, “Leveling land mines with biotechnology”, Nature Biotechnology,

vol.17, agosto de 1999, p. 732.47. Brin, David, The Transparent Society, Perseus Books, 1998, p. 285-286.48. “Switch on”, New Scientist, 5 de fevereiro de 2000, p. 10.49. Brin, David, ob.cit., p. 5-6.50. “Chilling Out”, New Scientist, 5 de fevereiro de 2000, p. 10.51. Science Applications International Corporation, SAIC, 1998, p. 4-5.52. “Droids are cooking”, New Scientist, 3 de junho de 2000, p. 5.53. “Robo carer”, New Scientist, 12 de fevereiro de 2000, p. 15.54. “Polar Pioneer”, New Scientist, 29 de janeiro de 2000, p. 7.55. “Slithery computer”, New Scientist, 24 de junho de 2000, p. 7.56. Graham-Rowe, Duncan, “Half-fish, half-robot”, New Scientist, 10 de junho de 2000,

p. 5.57. “Biotechnology – Military Applications”, cit., p. 7.58. “Seeing the Light”, New Scientist, 17 de abril de 1999, p. 21.59. Jelsma Jaap, “Military Applications of Biotechnology”, cap. 22, p. 291.60. Fox, Douglas, “The Spinners”, New Scientist, 24 de abril de 1999, p. 39.61. “Biotechnology – Military Applications”, cit., p. 8.62. Miser, George, “Taming Maxwell”s Demon”, Scientif American, fevereiro de 1999,

p. 24.63. “Biotechnology – Military Applications”, cit., p. 4-5.64. Kaounides, Lakis, op.cit., p. 289.65. “You are here”, New Scientist, 4 de março de 2000, p. 9.66. Fox, Barry,”The Spy who bugged me”, New Scientist, 17 de março de 2000, p. 15.67. Graham-Rowe, Duncan, “Prowling the skies – Missiles that choose their own target

are big money-savers”, New Scientist, 4 de março de 2000, p. 11.

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68. Andreopa, Nellie, “Wee Rockets That Pack a Big Wallop”, Business Week, 22 de feve-reiro de 1998, p. 147.

69. “A personal eye in the ski”, The Economist, 9 de janeiro de 1999, p. 73. V. referênciassemelhantes e relacionadas em “The Surveillance Society”, The Economist, 1o de maiode 1999, p. 21-23. Há informação adicional em “A bug”s lift”, Scientific American,abril de 1999, p. 51 e 54.

70. Brin, David, op. cit., p. 286.71. The Economist, 1o de maio de 1999, p.1, editorial principal p.15, nota nas p. 21-23.72. Walker, Matt, “Moaning Mould”, New Scientist, 17 de abril de 19999, p. 11.73. Science Applications International Corporation, SAIC, p. 16-18.74. “The Suveillance Society”, The Economist, 1o de maio de 1999, p. 22.75. “Biotechnology – Projections”, The Strategic Assessment Center, Science Applications

International Corporation, SAIC, novembro de 1995, p. 14-15.76. Hundley, Richard e Eugene Gritton, “Future Technology – Driven Revolution in

Military Operations, Results of a Workshop”, RAND, 1994, p. 49.77. Motluk, Alison, “Grow your own”, New Scientist, 12 de fevereiro de 2000, p. 25-28.78. Coghlan, Andy, “Nowhere to hide”, New Scientist, 11 de março de 2000, p. 12.79. Cohen, Philip, “Forget me not”, New Scientist, 1o de julho de 2000, p. 12.80. Cit. por Karl Marx, Capital: A Critical Analysis of Capitalist Production, vol 1, George

Allen & Unwin, Londres, 1949, p. 432.81. Zerzan, John e Paula, “Industrialism a=nd Domestication”, in Zerzan, John, e Alice

Carnes (eds.), Questioning Technology – Tool, Toy or Tyrant?, Philadelphia, New SocietyPublishers, 1991, p. 199-207.

82. Citado em Bolts, William, Consideration on Indian Affairs, Londres, 1772, p. 73, 83,191-192 e 194 sobre a seda em Bengala, mas as organizações da sociedade civil ingle-sas falam disso como algo contínuo, com a seda e o algodão, até bem entrado oséculo XIX.

83. Em maio de 1967, Roland Michener, Governador Geral do Canadá, deu esta infor-mação a um público de membros da Igreja Anglicana de Ottawa.

84. Há uma breve descrição dos problemas de Eli Whitney com o sistema de patentesem Joel Mokyr, The Lever of Riches, Oxford University Press, 1990, p. 249.

85. É impossível confirmar se os mosquetões de Whitney foram usados. Há indicaçõesde que naquela época os britânicos os estavam utilizando na Índia, mas não há provaconcludente de que estas armas tenham sido empregadas para quebrar dedos.

86. O custo em trabalho e em capital do rolo em linha (40 meadas por libra) caiu de 14shillings em 1779 para 1 shilling em 1812, segundo S.D.Chapman, The CottonIndustry and the Industrial Revolution, MacMillan Education, 2a. ed. 1987, tabela V,p. 37.

87. “Height and Welfare – Bigger is Better”, The Economist, 28 de fevereiro de 1998, p.83-84. Um estudo recente da Universidade de Oxford, também citado no artigo,mostra que os salários reais dos trabalhadores manuais no Reino Unido caíram (pormembro da família) entre 1780 e fins da década de 1850. Em troca, os suecos – quese industrializaram lentamente – perderam altura de 1850 a 1900, mas depois cres-ceram constantemente, superando tanto a Grã-Bretanha, quanto os Estados Unidos.

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Os europeus continuam crescendo, enquanto que a estatura dos cidadãosestadunidenses está estagnada desde a década de 1970.

88. “Physical growth during industrialisation”, The Cambridge Encyclopedia of HumanGrowth and Development, ed. por Ulijaszek, S.J., F.E. Johnston e M.A. Preese,Cambridge University Press, 1998, p. 392.

89. “Skeletal growth and time of agricultural intensification”, The Cambridge Encyclopediaof Human Growth and Development, cit., p. 387-389.

90. The Commission on Global Governance, Our Global Neighbourhood, OxfordUniversity Press, 1995, p. 19.

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Chave: Os “papéis” convergem

Exatamente cem anos antes que William Shakespeare apresen-tasse sua obra épica sobre a natureza corruptora do poder político,outro drama demonstrava a irmandade corruptora da política e daciência. Em 1499, Leonardo da Vinci deixou Milão para encontrarNicolas Maquiavel. Juntos, estes dois gênios da arte, da ciência e dapolítica planejaram construir represas, desviar rios, monopolizar aagricultura e dominar os recursos econômicos da Itália central. Nos500 anos que se passaram, terá mudado esta relação entre a tecnologiae a política?1 À medida que a base de nossa sobrevivência é erodida eque novas e incertas tecnologias abrem caminho em nossa infra-es-trutura social, novas configurações empresariais de extraordináriaforça vão substituindo os governos e organizando novos sistemas decontrole sobre quase qualquer coisa.

• Por volta de 1990, um terço das 500 empresas, que, 20 anosantes, estavam na lista da Fortune, haviam desaparecido, ten-

CONCENTRAÇÃO DOPODER EMPRESARIALA futura República do Binano

“Temos a metade de nossos genes em comum com a banana”.

Robert May, principal cientista da Grã-Bretanha,falando do Projeto Genoma Humano, junho de 2000.

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do sido compradas por outras; em 1995, outras 40% tinhamse fundido. Nos últimos 5 anos, o ritmo de extinções de empre-sas superou a perda de raças de animais domesticados.

• Em 1980, o UNCTC (Centro para Empresas Transnacio-nais da ONU) publicou um estudo sobre as indústrias dealimentos e bebidas de todo o mundo, em que identificou180 empresas que dominavam os mercados, naquela épocamuito segmentados. Hoje, um terço destas empresas tem apro-ximadamente o mesmo poder no mercado, e o UNCTC jánão existe.

• Há 20 anos, nenhuma das 7.000 empresas de sementes demaior peso no mundo tinha uma porção identificável do mer-cado comercial de sementes. Hoje, as 10 principais empresasde sementes dominam um terço do mercado mundial.

• Há 20 anos, as 20 maiores empresas farmacêuticas tinhamcerca de 5% do comércio mundial de medicamentos receita-dos. Hoje, as 10 maiores empresas controlam mais de 40%do mercado.

• Há 20 anos, 65 empresas de química agrícola competiamno mercado mundial. Hoje, 9 companhias detêm aproxi-madamente 90% das vendas de pesticidas.

• Há 20 anos, a RAFI não monitorava o mercado mundial deremédios veterinários. No entanto, hoje, 10 empresas detêmmais de dois terços das vendas mundiais.

• Há 25 anos, o valor total das fusões empresariais realizadasnos Estados Unidos em um único ano chegou a 11,4 bilhõesde dólares americanos. Em 1999, o valor total das fusões nosEstados Unidos chegou a mais de 1,7 trilhões.

• Em 1999, o valor total das fusões e aquisições globais se apro-ximava de 10% do PIB do mundo todo, mais de 3,4 trihõesde dólares americanos.

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• Há 20 anos, a propriedade intelectual era em grande parteum esporte de ricos, limitado a materiais inertes. Hoje, osmonopólios de propriedade intelectual intervêm em mais dametade de todos os bens e serviços (vivos e inertes) que secomercializam através das fronteiras nacionais.

• Pelo menos 70% de todos os pagamentos por patentes inter-nacionais são feitos entre matrizes e filiais.

• O número anual de patentes solicitadas na Europa cresceude apenas 3 mil por ano, no início dos anos 70, para mais de76 mil em 1999.

• Noventa por cento das patentes de tecnologias e produtos no-vos são controladas por transnacionais.

• A começar o novo milênio, as 200 principais empresas domundo representam 28% da atividade econômica global; as500 maiores representam 70% do comércio mundial e as1.000 maiores controlam mais de 80% da produção indus-trial do mundo.2

A Grande Fusão?

Se a biotecnologia e a nanotecnologia se fundirem, tambémvão se unir as duas grandes fontes do poder produtivo: minériose micróbios. Em 1987, no seminário de Bogéve sobrebiotecnologia, afirmamos que qualquer tecnologia novaintroduzida em uma sociedade que não seja fundamentalmentejusta tenderá, ao menos inicialmente, a exacerbar a diferença entrericos e pobres. A conjunção de nano e biotecnologias não apenassignifica, como sugerem os militares dos Estados Unidos, a “morteda distância”: anuncia a morte da dissidência. Quando chegar-mos à metade do século (se não muito antes), nossos filhos po-

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derão viver em um mundo controlado por um punhado deoligopólios empresariais.

Chaves históricas: a política da imprevisibilidadeEntre 1480 e 1700, foram editados na França duas vezes mais livros

sobre o perigo do Império Turco do que sobre as Américas. Nas últimasdécadas do século XX, foram escritos muito mais livros sobre o “ImpérioMalvado (russo)” do que sobre o perigo das fusões empresariais. A verda-deira ameaça ainda vem das Américas. Em 1849, a Scientific Americandizia que uma proposta para estender linhas telegráficas de St. Louis, noMissouri, através do Estreito de Behring, até as capitais da Europa, fracas-saria porque a “linguagem da liberdade“ que viajaria pelos cabos não seriabem recebida do outro lado do oceano. Em 1899 foi inventado o “telegráfono”,uma máquina de gravação em fita magnética, como resposta ao telefone deAlexander Graham Bell e frente à necessidade de registrar conversas im-portantes. Sete dias antes da queda da Bolsa de Valores, em 1929, um dosprincipais economistas de Yale chegou à conclusão que as ações tinhamalcançado “um nível alto permanente”. E, depois do terceiro dia de queda,35 empresas de Wall Street emitiram uma nota anunciando: “O pior já pas-sou”. Em 1936, grandes estudiosos britânicos previram que, em 50 anos,os alimentos, a moradia, o vestuário e a energia seriam tão acessíveis ebaratos que o desemprego seria universal ou inexistente. Em 1959, o dire-tor administrativo do Fundo Monetário Internacional anunciou a morte dainflação. Em 1940, Gandhi pensava que Hitler não era tão ruim assim. Gandhiestava só um pouco atrasado em relação a sua época. E, em 1932, WinstonChurchill previu que, em 50 anos, o mundo abandonaria “o absurdo” de criarfrangos inteiros para criar apenas peitos e asas “em um meio apropriado”.Apenas um pouco adiantado em relação a sua época?

Atualmente, as transnacionais controlam um terço dos ati-vos produtivos do mundo e três quartos do comércio mundial.3

Neste Mundo Novo, os governos funcionarão para manter o mitoda democracia, manter uma rede mínima de segurança social(para o que necessitam de poder para arrecadar impostos) e im-

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por a legalidade dos contratos. A nova hegemonia é facilitadapor três estratégias relacionadas.

As alavancas do poder: as fusõesO ritmo e o alcance das fusões multinacionais explodiu, pas-

sando de um recorde de 0,9 trilhões de dólares americanos em1996, para um impressionante total de 3,4 trilhões em 1999.4

Para muitos de nós estas cifras parecem incompreensíveis. O to-tal de fusões mundiais em 1999 equivale a uma soma quecorresponde a aproximadamente 10% do produto interno mun-dial total (a soma do PIB de todos os países).5 Nos últimos anosda década passada, as fusões globais superaram o total dos 8 anosanteriores.

Estamos falando de concentrações de poder súbitas e enor-mes. Um sinal do ritmo da mudança é que recentemente asindústrias de títulos e investimentos começaram a monitoraras fusões mundiais. No entanto, a RAFI vem monitorando asfusões e aquisições nos Estados Unidos desde 1974 e, portan-to, nossos dados históricos sobre as empresas estadunidensesproporcionam um panorama mais completo. Em 1974, o va-lor anual das aquisições nos Estados Unidos era de menos de12 bilhões de dólares estadunidenses. Em 1988 esse montantechegou a 330 bilhões, antes de cair ligeiramente nos anos derecessão imediatamente posteriores. Em 1999, a cifra das fu-sões nos Estados Unidos superava em muito os 1,7 trilhões dedólares americanos.6

Toda essa atividade não foi alimentada exclusivamente pelananotecnologia e pela indústria biotecnológica em sua prefe-rência pelo carbono. Na vanguarda disso estiveram as fusõesdas indústrias petrolífera e automobilística, assim como as in-dústrias financeira e de informática (telecomunicações e meios

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de comunicação). Na segunda metade do ano 2000, as fusõestransnacionais aumentaram 26% em relação ao ano anterior– que tinha quebrado todos os recordes – com um montantede mais de 1,9 trilhões de dólares americanos. Meio bilhão(sic – trilhões?) desse montante correspondia ao setor deinformática.7

Mas a “indústria da vida” (incluindo alimentos e saúde, as-sim como outros produtos baseados na biotecnologia) não fi-cou de fora. Segundo um estudo do PNUD, o valor das fusõesna indústria biotecnológica global (sem incluir a farmacêutica,por exemplo), cresceu de 9,3 bilhões de dólares desde 1988 –quando há dez anos a RAFI escreveu As leis da vida – a mais de172 bilhões de dólares em 1998.8 Num cálculo aproximado, os“casamentos”, no subsetor farmacêutico, que chegaram a 80bilhões de dólares no período 1994-1997, provavelmente jásuperaram hoje os 400 bilhões de dólares (entre compromissose matrimônios consumados). Nos primeiros 6 meses de 2000,as fusões de empresas farmacêuticas chegaram a um valor pró-ximo dos 100 bilhões de dólares.9 Enquanto um milênio ter-minava e outro começava, a Glaxo Wellcome e a SmithklineBeecham (duas empresas farmacêuticas britânicas) acertaramaquilo que por um momento foi a maior fusão do mundo naindústria farmacêutica (76 bilhões de dólares). Dias mais tar-de, a Pfizer apoderou-se da Warner-Lambert (duas das princi-pais empresas farmacêuticas dos Estados Unidos), numa tran-sação ainda maior que as anteriores, calculada em 90 bilhõesde dólares.10 Entre as dez maiores companhias farmacêuticasdo mundo, só a Merck não é considerada, no momento,vendedora ou compradora potencial. Na agro-indústria (in-cluindo os processadores de alimentos, distribuidores e empre-sas de insumos agrícolas), as fusões deram um salto espetacular

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em 1999, quando a DuPont comprou a maior empresa de se-mentes do mundo, a Pioneer Hi-Breed, por 7,7 bilhões de dó-lares. No entanto, em agrobiotecnologia, a líder em fusões é aMonsanto, com suas compras de quase 8,5 bilhões de dólaresem ações de empresas de sementes, em meados da década. Agora,a própria Monsanto foi adquirida pela Pharmacia & Upjohn (anova empresa chama-se Pharmacia), numa operação de 37 bi-lhões de dólares. Na primeira metade do ano 2000, o ritmoassombroso das fusões no setor de alimentos cresceu além dequalquer expectativa, com quase 150 bilhões de dólares emaquisições.11

GRÁFICO 6 – Valor estimado das fusões de empresas em nível global1996-1999 (em bilhões (sic – trilhões?) de dólares americanos)

Fonte: Financial Times e material da RAFI

As alavancas do poder: aliançasAs fusões empresariais são apenas uma das formas como as

empresas se apropriam de maiores territórios e tecnologias. Noentanto, fusão ou não, sempre há lugar para a promiscuidadeempresarial. Para evitar as leis antimonopolistas ou as políticasnacionalistas, as empresas se aliam cada vez mais para comparti-

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lhar patentes, know-how e espaços, de forma menos regulamen-tada. Entre 1996 e 1998, as maiores transnacionais do mundorealizaram mais de 20.000 alianças desse tipo. Por exemplo, em1998, as 20 principais firmas farmacêuticas tinham 375 aliançascom “butiques” biotecnológicas, enquanto 10 anos antes conta-vam com apenas 152 alianças. Quase todos eram acordos“transnacionais”. Desde o começo de 1990, a renda empresarialderivada dessas alianças duplicou, representando agora cerca de20% das rendas das empresas na Europa e 21% das 500 maisimportantes empresas estadunidenses, as “US Fortune 500”.12

Este tipo de aliança é uma cartada que dissimula o alcance domonopólio global na indústria farmacêutica ou na agro-indús-tria, o qual parece modesto de acordo com as regras antimono-polistas aplicadas convencionalmente na maioria dos países. Mas,quais eram as implicações, e qual foi o trato, quando a Monsantoacertou com a Pfizer comercializar seu medicamento, de extra-ordinário êxito, contra a artrite? O novo tratamento contra aartrite vende mais do que o famoso Viagra, também da Pfizer.Afirmar que as 10 principais firmas farmacêuticas detêm 43%do mercado global não impressiona uma comissão antimonopólioconcentrada obtusamente nos submercados da asma ou das doen-ças cardiovasculares. E os policiais anticartéis tampouco estãointeressados em monitorar toda a indústria de sementes ou deagrotóxicos, quando percebem que a concorrência se dá entrefitomelhoradores do milho ou fabricantes de pesticidas, e nãoentre tecnologias. Os governos mostraram pouco interesse – oupouca capacidade – na análise tecnológica transetorial. Mono-pólios estão surgindo no contexto de uma Indústria da Vida, decuja existência os governos nem sequer suspeitam. Está além desua compreensão que uma biotecnologia comum possa vincularo genoma humano à indústria farmacêutica, aos remédios vete-

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rinários, aos agroquímicos, às sementes, aos cosméticos, aos pro-dutos para limpeza da casa. A indústria da biotecnologia deixoumuito para trás a polícia empresarial. A indústria da nanotecno-logia fará o mesmo. As organizações da sociedade civil devemtrabalhar – como alta prioridade – para aumentar a capacidadedos governos de perceber, monitorar e opor-se aos monopóliostecnológicos.

As alavancas do poder: velhos e novos confinamentosA monopolização direta do conhecimento continua sendo o

“veículo preferido” da maioria das transnacionais. A propriedadeintelectual (patentes e “proteção” quanto a variedades de plan-tas) é uma força crescente (mas transitória?). Entre 1980 e 1994– período que se iniciou com a decisão da Suprema Corte deJustiça dos Estados Unidos de permitir as “patentes sobre a vida”e terminou com a Rodada do Uruguai do GATT –, o valor glo-bal do mercado de produtos feitos com alta tecnologia (patente-ados) cresceu de 12 para 24% e agora representa mais da metadedo Produto Nacional Bruto dos países da OCDE (União Euro-péia).13 Isto sem levar em conta que a esmagadora maioria dasmercadorias agrícolas produzidas e comercializadas pelos paísesda OCDE também está “protegida” por patentes ou por Direi-tos de Obtentor (patentes para plantas). Talvez o que melhorilustre o fato seja o número de requerimentos anuais de patentespor intemédio do Tratado de Cooperação sobre Patentes, quedisparou, de apenas 3.000 solicitações em meados dos anos 70,para mais de 76.000 em 1999 (Gráfico 7). A metade dos direitose dos pagamentos a título de autorizações recebidos pelos inven-tores em meados dos anos 90 ia para empresas dos Estados Uni-dos. Nada ilustra melhor o fato de os monopólios de patentesconstituírem uma estratégia para negar a outros o acesso aos

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mercados que os cálculos da Organização Mundial da Proprie-dade Intelectual, que indicam que 90% de todos os pagamentospor licenças transnacionais – e 70% dos pagamentos por licen-ças – se dão entre subsidiárias das mesmas multinacionais.14 Emseu Relatório de Desenvolvimento Humano 2000, o PNUD calcu-lou que 90% das patentes relacionadas com altas tecnologias sãopropriedade de empresas globais.15

GRÁFICO 7 – Requerimentos de patentes por ano sob oTratado de Cooperação em Patentes

Fonte: estatísticas do Relatório sobre Desenvolvimento Humano 1999, PNUD – Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento e OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual.

O campo de batalha “contra o patentear da vida”A campanha da indústria a favor do monopólio da proprie-

dade intelectual sobre formas de vida, que já leva um quarto deséculo, enfrentou sua maior batalha em 2000-2001. A vitória daindústria somente poderá ser impedida pela oposição popularorganizada. O campo de batalha será o Tribunal Europeu, napróxima rodada da Organização Mundial do Comércio (com apossível revisão dos Aspectos de Propriedade Intelectual relacio-

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nados com o Comércio – ADPIC), governos do Sul e organiza-ções da ONU, como a FAO, a OMPI e a Convenção sobreBiodiversidade. Apesar de ser uma “luta contra a corrente”, estabatalha deve ser nosso objetivo principal e urgente. Se conse-guirmos pelo menos definir os termos de participação, a experiên-cia do ano 2000 poderá capacitar as organizações para a luta amais longo prazo.

Se perdermos a batalha da ADPIC sobre as variedades vege-tais, de que futura batalha poderemos participar? A resposta é: abatalha para negar à indústria patentes monopolistas sobre as subs-tâncias da natureza. Muitas organizações já tomaram uma posiçãoclara e decidida contra patentear a vida, mas as maiores iniqüida-des de todo o sistema de patentes ainda não foram questionadas; enão afetam apenas formas de vida. As novas patentes emnanotecnologia – “patentes atômicas” – nos fazem pensar que po-deríamos ganhar a batalha sobre as patentes da vida e, no entanto,permitir que a indústria nanotecnológica obtenha o controlemonopolista sobre a agricultura e a saúde. A indústria procura

GRÁFICO 8 – Renda dos Estados por autorizações de patentes(em bilhões de dólares americanos)

Fonte: Rivette, Kevin G. e David Kline, Rembrandts in the Attic, Boston, 2000.

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obter patentes muito amplas que cubram todas estas formas detecnologia. Em alguns casos, os requerimentos não incluem for-mas vivas. Em muitos casos, referem-se apenas à matéria biônica.É necessário repensar urgentemente o quadro do debate sobre pro-priedade intelectual, a fim de desafiar, desde já, as novas tecnologias.

Pirataria intelectualNo final de 1992, a RAFI uniu-se a uma série de indivíduos,

membros de governos, indústrias e ciências, em um processo dediálogo sobre recursos fitogenéticos e propriedade intelectual. OGrupo Crucible, como se deu a conhecer, horrorizou-se quandoforam aprovadas duas patentes sobre “espécies” (soja e algodão),que dariam o monopólio do desenvolvimento biotecnológicodestas culturas à empresa Monsanto. Além do mais, o grupo viu-se obrigado a organizar consultas para questionar a concessão,aparentemente sem controle, de patentes sobre genes e conheci-mento indígena. Ao insistir para que se travasse o diálogo, a RAFIadvertia que os regimes de propriedade intelectual haviam se tor-nado cruéis e incontroláveis, e que já não havia “regras do jogo”.Afirmamos que as patentes já não eram incentivo para a inova-ção, e sim fichas de troca que as grandes empresas estavam utili-zando para negociar espaços entre si, excluindo as empresas me-nores. O custo de um litígio sobre patentes – calculado então emUS$ 225.000 por reclamante – convertera a propriedade inte-lectual em uma barreira (não alfandegária) para impedir a entra-da no mercado dos inovadores menores. Especulamos que, seessas tendências continuassem, chegaríamos a ver as patentesconvertidas em ativos negociáveis na bolsa – capazes até de de-senvolver sua própria “plataforma de intercâmbio” – e que osembargos, considerados sagrados, contra patentes para ciênciapura, métodos para fazer negócios e matemáticas, perderiam seu

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poder. Os participantes do Grupo Crucible, de orientação cien-tífica, pensaram que nossas preocupações eram fantasiosas.

Já não o são. Em 1998, os tribunais dos Estados Unidos confir-maram que os métodos de fazer negócios – especificamente aspráticas comerciais e as estratégias de investimento – são patenteá-veis. De fato, hoje é possível patentear Wall Street. Em 1999, umbanco de investimentos com base em São Francisco anunciou seusplanos de criar um mercado de futuros de patentes, “assegurando” ascarteiras de patentes empresariais e vendendo bilhetes de comprapara os investidores. Ao mesmo tempo, foi criado um site deintercâmbio virtual com yet2.com, para que empresas como 3M,Allied Signal, Boeing, Dow, DuPont, Ford, Honeywell, Polaroid eRockwell pudessem “intercambiar” tecnologias patenteadas.Rompendo a tradição de que todos os inventores são iguais dianteda Agência de Patentes, o governo japonês anunciou seu plano deconceder aos capitalistas de risco e aos grandes investidores empropriedade intelectual “vários tratamentos preferenciais”.16

Os meios de comunicação ficaram fascinados com asextravagâncias de empresas “ponto com”, como a Amazon, quebuscou patentear pedaços de Internet e de suas funções, mas osrequerimentos de propriedade intelectual mais surpreendentes einquietantes continuam vindo da Indústria da Vida. Emdezembro de 1999, a Agência de Patentes dos Estados Unidosconcedeu a patente número 6 milhões desde sua criação, há maisde 200 anos. Ainda não secara a tinta com que foi assinada estaconcessão e já três empresas de genoma admitiram, ao mesmotempo, que tinham pendentes requerimentos de patentes sobrecerca de 3 milhões de partes do DNA humano, assim como sobrefragmentos de genes. Já foram concedidas patentes sobre geneshumanos e SNPs (Single Nucleotide Polymorphisms, ouPolimorfismos de Nucleótido Único), cuja utilidade é totalmente

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desconhecida. Quando Tony Blair e Bill Clinton anunciaramque o mapa do genoma humano estava completo, não havia nemmais um pedacinho de nossa “humanidade” de que a Indústriada Vida não tivesse se apropriado.

Trata-se de pirataria e também de um patenteamento arrasa-dor. Não apenas em nosso DNA, como também nas selvas, noscampos e praias do Sul, as empresas de biotecnologia andambuscando diversidade nova (não patenteada) e apresentando re-querimentos de patentes sobre essas “novidades” sem ter ao me-nos idéia de como podem ser úteis, ou como foram utilizadaspor milhares de anos. No final dos anos 90, a Heritage SeedCurators, da Austrália, e a RAFI uniram suas forças para identi-ficar 147 casos em que patentes ou Direitos de Obtenção sobrematerial botânico haviam sido solicitados sem justificativa sufi-ciente. Foi possível identificar quase todos os possíveis abusosrevistando os registros australianos na matéria e descobriu-se quese tratava de, pelo menos, 6% de todos os requerimentos sobrevariedades de plantas neste país, desde que existe a legislaçãopertinente. Talvez, se forem realizados estudos similares, sobrerequerimentos de patentes para plantas em outros países, – emparticular na Nova Zelândia, Israel, África do Sul e o lado euro-peu do Mediterrâneo – escândalos semelhantes virão à tona.

Será patenteável a Tabela periódica dos elementos? Assim comoem outros tempos parecia impossível – e hoje é tristementepossível – patentear genes, espécies, SNP e processos vitais, aindústria nanotecnológica utilizará esse precedente biológicopara patentear as permutações e os processos associados aoselementos básicos. As “nanobutiques”, e depois seus proprie-tários, tomarão posse dos elementos conhecidos de variaçõespatenteadas e assim obterão o monopólio de fato dos blocosfundamentais de construção da matéria.

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Alguns quiseram pensar que o sistema de patentes é um globoa ponto de explodir; que se expandiu tão rápido e de forma tãoirracional que vai se romper. É possível. Certamente, seu tamanhoe sua força atrairão cada vez mais julgamento público e – espere-mos – oposição. Em 1990, a renda derivada de licenças de paten-tes chegou, ao todo, a 15 bilhões de dólares. Em 1998, os paga-mentos a título de licenças geraram 100 bilhões de dólares, e al-guns especialistas predizem justificadamente que por volta de 2005produzirão renda de meio trilhão de dólares anuais. Enquanto isso,o custo mínimo de um processo judicial chegou a cerca de meiomilhão de dólares por litigante. Se outrora as patentes constituíamum canto escuro e empoeirado do sistema legal, hoje já não o são.Estão no centro da Nova Ordem Mundial.

Além disso, as patentes poderão ter problemas simplesmenteporque os escritórios de patentes cometerão cada vez mais erros,à medida que as solicitações se tornem mais difíceis. Enquantoesses escritórios se afadigam, contratando e capacitando maisanalistas, tanto o número de solicitações quanto a complexidadedas tecnologias está tornando seu trabalho cada vez mais dificil.O resultado é que está sendo concedida uma onda gigantesca depatentes “estúpidas”. Nos Estados Unidos, desde 1995, o núme-ro de processos por propriedade intelectual que chegam aos tri-bunais federais aumentou 10 vezes mais rápido que outras açõeslegais. Só em 1999 houve 8.200 casos.17 Os litígios resultantes –públicos e privados – são tão ridículos que geram dúvidas sobretodo o sistema.

Novos confinamentosEm meio ao alvoroço sobre as patentes da vida, é essencial

que não percamos de vista o propósito principal da indústria, ouseja: a propriedade intelectual não é um fim, mas um meio. A

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indústria tem dois objetivos: primeiro, obter consentimento dasociedade para uma cultura global “proprietarista”, praticamen-te ilimitada; segundo, afirmar a propriedade intelectual comotrincheira, ao constituir uma barreira não alfandegária contra oingresso no mercado de todos aqueles que não são membros pri-vilegiados da elite empresarial. As megafusões – freqüentementeestimuladas por temores ou oportunidades relacionadas compatentes e tecnologias18 – já estão transformando a outrora bas-tante diversa Indústria da Vida em um punhado homogêneo deGigantes Genéticos. Os gigantes trocam patentes e espaço in-dustrial e geográfico entre eles, excluindo o público e as empre-sas privadas menores. A pesquisa pública independente está de-saparecendo. A ciência empresarial está se cotizando a partir do“pôquer” das patentes.

Como as patentes sobre mais tecnologias não são inteiramentedignas de confiança e como os processos judiciais são tão caroscomo incertos seus resultados, as transnacionais ficariam muitofelizes se encontrassem sistemas mais confiáveis de controlemonopolista. Para tanto, estão sendo desenvolvidos novos me-canismos de “confinamentos”, ou seja, terrenos privativos. Entreeles, as tecnologias negativas (como a tecnologia Traitor) sãoatraentes porque a exclusividade é parte de sua própria constitui-ção e devido ao amplo espectro de controles que pode exercer. Aspatentes agrícolas Terminator são as primeiras (e possivelmenteas piores) da geração da tecnologia Traitor. Estas têm a caracte-rística peculiar de que, ao proibir as patentes, proíbe-se tambéma tecnologia. O governo dos Estados Unidos garante, com certalógica, que as nações não podem proibir patentes argumentandoque são contrárias à moral pública e depois utilizar a tecnologia;pelo menos não sem que o assunto seja discutido na Organiza-ção Mundial do Comércio, em Genebra. A luta contra

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Terminator, embora seja apenas um elemento das iniciativas con-tra a tecnologia negativa, coloca em primeiro plano todo o deba-te sobre o patenteamento das formas de vida, ao mesmo tempoem que dá o alarme sobre a estratégia da tecnologia Traitor que aTerminator anuncia.

Além das estratégias biológicas, há outros “novos confina-mentos”. Em 1o de maio de 2000, o governo dos Estados Unidosanulou a lei que impedia as empresas de satélites comerciais deexaminar a Terra com resolução de um metro. Antes dessa mu-dança de política, os militares impediam que os satélites civistivessem exatidão fotográfica efetiva a menos de 10 metros. Adiferença é considerável. A um metro é possível distinguir a marcade um automóvel. A 10 metros, mal se pode distinguir a estrada.Os avanços anunciados no monitoramento por satélite permiti-rão monitorar indivíduos, assim como a composição genética deuma plantação no campo. De fato, na Tasmânia, já está sendofeita uma experiência em que há satélites examinando cada metroquadrado de terra cultivada, para vigiar o crescimento das plan-tas, as pragas e as condições do solo. Com a administração dosistema de alimentos nas mãos de algumas poucas companhias,as agroempresas não precisarão de patentes para manter submis-sos os agricultores; os tradicionais contratos serão suficientes(muito mais baratos e fáceis de impor em todo o mundo), juntocom “seu olho no céu”.

Outra estratégia que os Novos Confinamentos utilizam é aimposição de requisitos de saúde pública, por parte dos governos.Os protocolos de Biossegurança e de Nanossegurança podem serutilizados para impor o monopólio com o pretexto de que a neces-sidade de alimentar o mundo ou de salvaguardar o meio ambientecompensa o risco das soluções de alta tecnologia e, pelas mesmasrazões, as soluções de alta tecnologia só podem ser confiadas a

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empresas individuais. Não seria a primeira vez que o Estado ga-rantiria lucros privados em nome do bem público.

Para onde isso tudo estará nos levando? Na seqüência, umabreve projeção do caminho que nos estão forçando a trilhar emquatro amplos setores industriais e um panorama da nova Repú-blica do Binano, que nos espera se não agirmos.

Alimentos futuros: a indústria dos biomateriais

Do controle de características genéticas como insumos aocontrole de características genéticas pós-colheita.

A Geração X se encontra com a Geração TrêsPor fim, o mundo recusará o enfoque empresarial da

agrobiotecnologia? Do Rio Grande do Sul a Tamil Nadu e Seattleestá em marcha uma mobilização social impressionante, mas aindústria continua prevendo que os produtos trangênicos domi-narão nada menos que 80% do mercado de sementes comerciaisnos próximos dez anos. Em vista da hostilidade que cresce emtodo o mundo, é fácil pôr de lado as afirmações das empresas,como se fossem bravatas nascidas do desespero. No entanto, oProtocolo de Biossegurança adotado em 29 de janeiro de 2000(tão astutamente respaldado pela Novartis e tão absurdamenteapoiado pelo Greenpeace) bem poderia acalmar o mundo, fa-zendo todos acreditarem que, na trincheira dos alimentostransgênicos está tudo resolvido. Se fosse assim, praticamentetoda a agricultura que não seja de subsistência (e uma trágicaparte da de subsistência também) obedecerá aos ditames dabioindústria, seja pelo engano, ou pela força. Os agricultoresperderão o controle de seus insumos agrícolas, à medida que os

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progressos dos fitomelhoradores passem a integrar a plataformaTerminator. E, no outro extremo da linha de produção – na co-lheita – a estratégia Traitor (controle de outros caracteres de pro-dução e qualidade da planta), sempre vinculada a herbicidas e apesticidas patenteados, assegurará que o produtor só possa ven-der a um determinado processador. A Novartis tem patentes quedescrevem com exatidão esse tipo de conexão entre Terminator eo herbicida. O mesmo vale para outras patentes novas que inclueminvertebrados, animais domesticados e, óbvio, seres humanos.As ações da BASF, da Universidade do Texas e da Universidadeda Califórnia, em Berkeley, deixam abertas todas essas possibili-dades. Também nós podemos ser “Terminados”.

A combinação da tecnologia Terminator com a tecnologiaTraitor leva os agricultores a um vício de que não podem escapar.Mas se os consumidores continuarem recusando os produtos dabiotecnologia de primeira geração (insumos agrícolas imbricados,tal como sementes dependentes de um pesticida), poderemosver o mundo empresarial atropelando-se para dissociar-se de umatecnologia “perdedora”. Na realidade, antes do Protocolo deBiossegurança, a imprensa financeira previa para os EstadosUnidos uma redução de 20% ou mais da área cultivável semeadacom transgênicos de primeira geração. Por outro lado, se oProtocolo sobreviver ao processo de ratificação, a tática de perfilbaixo da indústria será substituída por um impulso renovadonos mercados e na mídia. Neste caso, haverá nova onda demegafusões, vinculando a agrobiotecnologia aos processadoresde alimentos e aos distribuidores. Esta segunda onda prenunciaráa segunda geração: produtos biotecnológicos com particularidadesgenéticas que poderão reduzir os custos de processamento,aumentando, por exemplo, o conteúdo de matéria seca dematérias-primas agrícolas, aumentando a vida comercial do

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produto, reduzindo os custos de transporte ou utilizando resíduospara fazer alimentos ou para outros fins. Como nenhum desseselementos trará benefícios reais aos agricultores ou aosconsumidores, é provável que encontrem a mesma resistência.No entanto, antes que termine a primeira década do milênio, abiotecnologia lançará a terceira geração – os chamados produtosnutracêuticos ou farmacêuticos que, pelo menos, simularãobeneficiar os consumidores ricos. Quando se chegar a esse ponto,os supermercados entrarão em cena, assim como as empresasgigantes, que suportaram os piores efeitos do rechaço dosconsumidores à primeira geração e provavelmente suportarãotambém o desprezo pela segunda geração.

Mas não nos enganemos. A Geração Três tem potencial parao bem e para o mal. As organizações da sociedade civil devemrefletir mais cuidadosamente e analisar a biotecnologia com maisrigor do que o fizeram até agora.

A indústria da vida, morta?Existe a teoria de que a Indústria da Vida nunca existiu – ou

morreu prematuramente. Os que defendem esta teoria indicamo movimento feito pela Novartis e pela AstraZeneca para unirseus departamentos de agricultura em uma nova empresa, co-nhecida como Syngenta, da qual é preciso manter prudente dis-tância. Se o mau cheiro da primeira geração da agrobiotecnologiaameaçar o bem-estar das principais seções das empresas matrizes– de produtos para a saúde – estas poderão tranqüilamente abrirmão da Syngenta. Outro exemplo citado é a surpreendente uniãode Pharmacia & Upjohn com a Monsanto. Os céticos afirma-ram que a empresa conjunta se chamaria Pharmacia (e tiveramrazão), mas que as empresas deixariam que as divisões agrícolasunidas continuassem funcionando com o nome de Monsanto,

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com a idéia de desfazerem-se da parte agrícola no futuro, casofosse conveniente. O que poderia também vir a ser uma prote-ção ou um “seguro” para o ramo farmacêutico das empresas fun-didas. Será possível que a Indústria da Vida – tão recentementeunificada – esteja se preparando para voltar a segmentar-se?

A primeira geração da biotecnologia: uma juventude perdidaRevisão da RAFI sobre os desastres científicos, políticos e de relações

públicas que assolaram a indústria da agrobiotecnologia desde a adoção doProtocolo de Biossegurança, em janeiro de 2000.

Janeiro de 2000Reputação no chão: Enquanto as delegações se preparavam para areunião de biossegurança a realizar-se em Montreal, pesquisadoresestadunidenses e venezuelanos confirmavam (contrariamente às pro-messas da indústria) que a toxina Bt no milho transgênico pode disper-sar-se no solo, matando larvas até 25 dias depois de ter sido libera-da...19

Fevereiro de 2000Irresistível? Cientistas canadenses reconheceram que os herbicidasRoundup (da Monsanto), Pursuit (da Cyanamid) e Liberty (da Aventis)perderam sua efetividade para exterminar o mato apenas dois ou trêsanos depois que um agricultor de Alberta semeou pela primeira vez assementes de canola que essas empresas modificaram geneticamente.20

Março de 2000Vocalizando: Um memorando do governo dos Estados Unidos, censu-rado por muito tempo, com data de 1993, revela uma experiência emque 4 de 20 roedores alimentados com FlavSavr (um tomate genetica-mente modificado que, atualmente, é propriedade da Monsanto) sofre-ram lesões sérias no estômago.21

Conspiração contra a sariguéia. Cientistas da Nova Zelândia propu-seram o desenvolvimento de uma cenoura geneticamente modificadapara esterilizar a sariguéia. Estes mamíferos ameaçam os cultivos da-

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quele país.22 Os cientistas desprezaram os sinais de alerta sobre o efei-to similar que as cenouras poderão ter sobre os seres humanos e insis-tem em que esta hortaliça geneticamente modificada poderia ser sepa-rada da cadeia alimentar humana, se necessário.O “Projeto da Bruxa de Blair”: Tony Blair retratou-se da posição quemanteve há um ano (“o Primeiro Ministro está convencido que os pro-dutos – geneticamente modificados – são seguros”.) e comentou, paraos leitores de The Independent que “não há dúvida que os alimentosgeneticamente modificados representam um risco potencial.”23 Maismudanças de opinião são esperadas.

Abril de 2000A guerra dos gorgulhos: Descobriu-se que algodão geneticamentemodificado chegou “voluntariamente” a campos semeados com sojageneticamente modificada e que pode ser a causa do temível gorgulhoalgodoeiro ter se tornado novamente uma das maiores pragas dos Es-tados Unidos.24

Uma batata quente: Os produtores de milho estadunidenses evitam ouso de semente geneticamente modificada, já que suas exportaçõespara a Europa caíram estrepitosamente, de 2 milhões de toneladas emum ano, a 137 mil toneladas no ano seguinte.25 O anúncio tornou-sepúblico quando meios importantes informaram que as principais em-presas dedicadas a processar batata e as principais cadeias de fastfood notificaram os plantadores do tubérculo para que evitassem o usode batatas geneticamente modificadas.

Maio de 2000“Seguras”... onde quer que estejam? Rotineiramente – ainda queacidentalmente – empresas forrageiras estadunidenses e canadensesembarcaram sementes geneticamente modificadas para a Europa. Pa-rece que essas empresas não conseguiram manter separadas as se-mentes convencionais das geneticamente modificadas.26 Nos mesesseguintes, este descuido no manejo de estoques se espalhou por todaa Europa Ocidental, pois um país atrás do outro viu seus campos conta-minados com culturas geneticamente modificadas proibidas e indesejadas

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(por outro lado, garantiu-se aos neozelandeses que esse problema demanejo de estoques nunca poderia ocorrer com a cenoura).“Seguras”... não importa o que sejam: A Monsanto informou a re-presentantes do governo estadunidense sobre uma conformação deDNA não identificado que “aparece misteriosamente” em suas semen-tes de soja geneticamente modificadas. A Monsanto assegurou àque-les representantes que o DNA desconhecido é perfeitamente seguro (eque não se tratava de um vírus querendo “passar por morto”).Barriguinha de abelha alemã: Na Saxônia, um pesquisador desco-briu que um gene da semente de colza geneticamente modificada setransferira para uma bactéria e um fungo descobertos no intestino dasabelhas produtores de mel. Antes, a indústria afirmara que esta transfe-rência era muito pouco provável ou mesmo impossível.

Junho de 2000Homem aranha: Um “gene saltador” utilizado na engenharia genéticarompeu a barreira entre as espécies pelo menos sete vezes, inclusiveuma entre as moscas e os seres humanos. Se forem liberados organis-mos modificados que contenham este gene promíscuo, corre-se o pe-rigo de outros saltos inesperados27 (foi assegurado aos neozelandesesque o gene não seria utilizado para desenvolver a cenoura transgênica).“Seguras”... seja lá o que forem: O governo neozelandês admitiuque em seu país há pelo menos 100 culturas geneticamente modifica-das em ensaios de campo ilegais...28 Depois de revistar a metade doscampos experimentais, o governo anunciou (assim como a Monsanto)que tudo vai bem (e que nenhuma das experiências envolvia sariguéiasnem cenouras).

Julho de 2000Não existe refúgio seguro: As plantações “refúgio” de milho conven-cional, que os agricultores semearam perto dos campos com milho ge-neticamente modificado, com o objetivo de diminuir a resistência destescampos a uma toxina bacteriana, simplesmente fracassaram. Os inse-tos vulneráveis das plantações “refúgio” recusaram-se a cruzar com osinsetos resistentes, provenientes dos campos geneticamente modifica-

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dos (no entanto, a sariguéia encontrou nos campos modificados umlugar ideal para reproduzir-se).Paixão perdida? No Reino Unido, um estudo em grande escala, sobrecampos semeados com sementes de colza para produção de óleo esobre seus parentes silvestres considerados “mato”, comprovou que épossível que ocorram cruzamentos entre eles, e que característica comoa tolerância aos herbicidas, incorporada às sementes geneticamentemodificadas de colza se transferiram ao capim que queriam combater.29

A coisa continua louca: Autoridades do Reino Unido informaram so-bre um novo caso de doença da vaca louca em uma ovelha nascidadepois do estabelecimento das mais severas restrições, em 1996.30 Osgovernos e cientistas tornaram pública sua desconfiança em relaçãoaos cultivos geneticamente modificados quando não puderam controlara doença da vaca louca.

Agosto de 2000E continua a loucura: Segundo um relatório do Reino Unido, duranteo ano 2000 aumentou significativamente o número de mortes em con-seqüência da doença da vaca louca. Até agosto daquele ano já haviamsido detectadas 15 mortes, em contraste com as 19 durante todo o anode 1999.31

O verdadeiro arroz dourado: Um estudo realizado por uma universi-dade dos Estados Unidos, que compreende diversas variedades de ar-roz, na China e nas Filipinas, mostrou que se forem cultivadas paralela-mente diversas variedades de arroz, o rendimento aumenta 89%, en-quanto que as doenças reduzem-se 98%. O estudo conclui que: adiversidade ultrapassa amplamente o desempenho das variedades ge-neticamente modificadas e homogêneas.32

Muda de ramo, borboleta! Pesquisadores do Estado de Iowa, nosEstados Unidos, confirmaram os resultados de um controvertido estudofeito em Cornell. Segundo este estudo, o milho geneticamente modifi-cado é uma ameaça para determinada espécie de borboleta. A indústriaquestionara os resultados do estudo feito em Cornell.33

Sariguéias etiquetadas? Devido à pressão pública, a Nova Zelândiae a Austrália anunciaram que ambas exigirão que todo o material gene-

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ticamente modificado seja etiquetado. Isto aproximou estes países daEuropa, deixando os Estados Unidos e o Canadá cada vez mais isola-dos, uma vez que resistem a adotar essa política.34

Setembro de 2000Corridas de “tacos”: Uma variedade de milho geneticamente modifi-cado (Starlink), proibida para consumo humano, mas permitida comoforragem nos Estados Unidos, apareceu nas panquecas com que pre-param comida rápida nos restaurantesTaco Bell. Esta situação fez comque surgissem novas preocupações com relação à capacidade da in-dústria e dos governos de controlar os produtos geneticamente modifi-cados.O velocino de ouro: No mês de maio, a tecnologia do arroz dourado,propriedade do setor público, foi cedida à gigante AstraZeneca; dizia-seque este arroz, modificado geneticamente para conter vitamina A, viola-va 105 acordos de propriedade intelectual. No entanto, tratava-se deuma informação falsa. Havia no máximo 11 patentes implicadas e, aoque parece, os donos destas patentes estariam dispostos a cedê-lascaso fossem solicitadas.“Segura”... não importa em que parte? Pesquisadores estaduni-denses fizeram um alerta ante um possível vácuo nas normas para abiossegurança de plantios geneticamente modificados. Consideraramos casos do tomate e da batata, em que a regra de “equivalência subs-tancial” só é válida para a parte comestível da planta, fazendo casoomisso das mudanças que possam ocorrer nas raízes e folhas. Adverti-ram que as alterações genéticas da parte não comestível poderiam re-presentar riscos para o meio ambiente.35

Outubro de 2000Hipodérmicas com a cara de Power Ranger: O escândalo da ca-deia Taco Bell se estendeu aos corn flakes da Kellogs. Com efeito, agigante produtora do cereal fechou uma fábrica, com medo de que umtipo de milho não permitido e geneticamente modificado (Starlink) tives-se infectado os cereais produzidos. Devido ao pânico gerado, a CasaBranca se apressou em enviar emissários ao Japão e à Europa, para

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tentar acalmar a preocupação de que o Starlink, da Aventis, tivesseingressado naqueles países. Entre os consumidores contava-se a piadaque a empresa teria que distribuir, dentro das caixas de cereais, serin-gas para tratar os ataques alérgicos, em vez de bonecos dos PowerRangers ou da Guerra das Galáxias, devido às possíveis reações dascrianças que os consumissem.36

Supercapim: Pesquisadores alemães informaram que uma beterrabageneticamente modificada, projetada para resistir a um herbicida, ad-quiriu por acidente resistência a um segundo herbicida. As normas debiossegurança da União Européia não permitem a dupla resistênciaporque esta aumenta as possibilidades de difusão dos genes no capim,criando assim um supercapim.37

De lenta aprendizagem: A doença da vaca louca = crise alimentar,que detonou a desconfiança quanto ao critério científico e à competên-cia governamental para regulamentar, apareceu também na França,quando veio a público a existência de novos casos de animais enfer-mos.38

A política de patentes da sariguéia: Uma mudança de política quepermitiria que a maior rede de pesquisa agrícola do mundo, dedicada àsegurança alimentar do Terceiro Mundo, patenteasse genes e seqüên-cias genéticas, foi rechaçada durante a reunião do Grupo Consultivosobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), em Washington. Estamudança teria favorecido os plantios geneticamente modificados.39

Novembro de 2000Monopolizar não é ético: A primeira reunião da mesa redonda sobreética (um grupo de respeitados agrônomos e especialistas em ética),dependente da FAO, concluiu que os plantios geneticamente modifica-dos são perigosos, que a tecnologia Terminator (de esterilização de se-mentes) é imoral, e que a patente sobre genes e outros materiais gené-ticos conduz à erosão genética dos plantios e a monopóliosincaceitáveis.40

O erro biotecnológico de um bilhão de dólares: Tendo-se compro-vado que o escândalo do milho Starlink se estendera a centenas deprodutos alimentícios e empresas, a Aventis calculou que os custos de

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reparação dos danos estariam próximos de um bilhão de dólares. Pos-teriormente, o milho geneticamente modificado apareceu no Japão e naCoréia do Sul...41

Dezembro de 2000A Montpellier tenta resgatar a Monsanto: A “biocracia” mundial sereuniu na França para debater a normatização da biossegurança eresgatar a Monsanto. Nunca antes tantas pessoas se reuniram paradebater algo tão importante como a biossegurança, em benefício detão poucos! Basicamente, o mercado de sementes geneticamentemodificadas, com operações de 2,5 bilhões de dólares americanos,envolve quatro grandes culturas industriais (soja, milho, algodão e colza-canola), que crescem em 3 países (Estados Unidos, Argentina e Ca-nadá possuem, no ano 2000, 98% da área total de culturas genetica-mente modificadas). Em 1999, as sementes da Monsanto represen-taram mais de 4/5 da área cultivada em todo o mundo, com produtosgeneticamente modificados.42 A demanda por sementes geneticamentemodificadas aumentou apenas 8%, o que significa uma brusca que-da, depois de anos em que duplicou ou quadruplicou. Os analistasprevêem que pelo menos até 2003 a demanda permanecerá igual ouaté menor. Em outras palavras, a reunião de Montpellier aconteceupara resgatar de seu próprio engano a Monsanto, os Estados Unidos,a Argentina e o Canadá!

Oxalá fosse isso mesmo! No entanto, trata-se de uma medidatática para, a curto prazo, permitir à indústria uma “negativaplausível” caso a primeira geração continue se autodestruindo.Outros processos menos divulgados do mercado estadunidenseindicam uma direção muito diferente. Quase ao mesmo tempoem que foi adotado o Protocolo de Biossegurança – talvezpressentindo a vitória – a ADM (Archer Daniels Midland)abandonou em silêncio seus planos de exigir a manipulaçãoseparada dos grãos (transgênicos e não transgênicos) em seus silos,elevadores e processadoras. Ao mesmo tempo, a DuPont fez um

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pacto com a General Mills (um dos maiores processadores dealimentos dos Estados Unidos) para desenvolver “alimentosfuncionais”. “Alimentos funcionais” é o eufemismo mais recenteda indústria para designar as culturas transgênicas quesupostamente fornecerão os nutracêuticos da terceira geração.Dias depois, a DuPont fez outro acordo com a Affymax,subsidiária da Glaxo, para colaborar na descoberta de novoscompostos pesticidas. Esses acordos, poucos dias depois doProtocolo, mostravam uma fé renovada na primeira geração.Também depois do Protocolo, a Novartis anunciou um grandecontrato com a Quaker Oats, outro grande processador dealimentos, para criar uma empresa conjunta na América do Norte(incluindo o México), chamada Altus. A Altus tambémdesenvolverá “alimentos funcionais”. Ao registrar este acordo emseu site na Internet, a Inverizon International Inc. comentou:“Isso significa outro passo no caminho da fusão dos aspectos demanutenção e saúde que estarão presentes nos alimentos dofuturo”.43

Genealogia da agrobiotecnologiaA primeira geração se refere a sistemas de controle de caracteres

relacionados a insumos, muito rentáveis para a indústria de sementes e deagroquímicos. Trata-se de cultivos geneticamente manipulados para tolerarherbicidas químicos ou para expressar genes inseticidas. O objetivo é modi-ficar o uso dos insumos químicos aplicados aos cultivos e ampliar ou prolon-gar as vendas de herbicidas e inseticidas das empresas.

A segunda geração se refere a sistemas de modificação de caracteresdo produto pós-colheita, orientados pelo interesse dos processadores dealimentos. Isso implica na manipulação das plantas, a fim de reduzir a ener-gia e os custos associados ao processamento, ao transporte e aoarmazenamento. Um exemplo clássico é o tomate de decomposição lentada Calgene, modificado para que dure mais, depois de colhido. A segunda

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geração está apenas entrando no mercado, mas já se suspeita que sofre damesma falta de credibilidade a que sucumbiu a primeira geração.

A terceira geração é a próxima geração de produtos agrobiotecno-lógicos, projetados para os distribuidores de alimentos e de remédios, in-cluindo vacinas comestíveis, verduras anticâncer, grãos que reduzem ocolesterol, plantas enriquecidas com micronutrientes e cravos azuis. O des-tino da agrobiotecnologia depende da aceitação da terceira geração pelosconsumidores.

Quem está no cume da cadeia da alimentação?Que empresas predominarão? Há pelo menos quatro grandes

grupos na contenda; possivelmente, cinco. Se os processadores ecomerciantes varejistas (dois dos grupos) desfrutam de maioresrendimentos, a Indústria da Vida tem lucros muito maiores e émuito mais hábil no manejo de novas tecnologias. Existe, ade-mais, uma grande possibilidade de que os processadores de ali-mentos cometam o mesmo erro que as empresas da primeirageração (que investiram nos caracteres dos insumos) e se lancemalegremente a investimentos na segunda geração. Qualquer ten-tativa de impor ao mercado produtos GM que reduzam os custosde produção em vez de oferecer aos consumidores nutracêuticoscom valor agregado, pode facilmente fracassar e causar sériosdanos (políticos e financeiros) às empresas envolvidas. Se as em-presas de insumos foram vítimas da primeira geração, e as queestão comprometidas com o processamento de comestíveis vão anocaute pela segunda, é muito possível que varejistas de alimen-tos, utilizando a vantagem da marca e sua íntima conexão comos consumidores, busquem controlar toda a cadeia alimentar eintroduzir a terceira geração.

Claro que também os varejistas de alimentos estão se unindo.Diz-se, por exemplo, que o gigantesco conglomerado holandêsAhold está interessado em comprar até 10 cadeias de supermerca-

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dos, com um total de vendas de mais de 35 bilhões de dólares.Três dessas cadeias estão na América do Norte, três na AméricaLatina e quatro na Europa.44 Como são as empresas mais próximasdos consumidores, os varejistas poderão unificar a venda dealimentos e de remédios, buscando apoderar-se dos sistemas deagricultura e de saúde.

Ainda veremos se os processadores, comerciantes ou varejis-tas têm a inteligência ou o dinheiro necessário para superar aIndústria da Vida, com seu domínio tecnológico e seus imensosrecursos. O lucro dos principais processadores de alimentos domundo equivale apenas a cerca de 3% de sua receita. Os lucrosdos principais varejistas de alimentos, os supermercados, domundo equivalem a menos de 3% das vendas. No entanto, naprimeira metade do ano 2000 ocorreu uma erupção sem prece-dentes de fusões na indústria tradicional de alimentos, evocandofusões e aquisições na indústria dos insumos para produção dealimentos há um quarto de século. Em um período de seis meseshouve combinações empresariais no valor de mais de 150 bi-lhões de dólares, cifra superada unicamente pelos estúdios decinema e pela indústria de telecomunicações de alta tecnologia.45

Entre os maiores negócios, a Unilever engoliu a Bestfoods, a Benand Jerry”s e a Slimfoods por quase 24 bilhões de dólares, e aPhilip Morris se apropriou da Nabisco e de uma empresa dehambúrgueres por mais de 15 bilhões de dólares. Em julho de2000, a General Mills e a Pillsbury (até então subsidiária daDiageo na Grã-Bretanha) começaram a negociar um acordo novalor de 11 bilhões de dólares, visando unir as duas processa-doras.46 Ninguém acredita que o festival de aquisições tenha ter-minado e abundam os rumores de que Cadbury-Schweppes,Hershey”s e outras empresas de doces também poderão ser assu-midas por outras, maiores.

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Poder global de mercadoEmbora seja certo que a atual taxa de fusões ao longo da cadeia

alimentícia é algo sem precedentes, o processo de concentraçãonão é nada novo. Em 1980, o desafortunado Centro de EmpresasTransnacionais da ONU (UNCTC) publicou uma análise semigual das 180 empresas de alimentos e bebidas mais importantesdo mundo. O estudo identificou níveis assombrosamente altos deconcentração do mercado em determinados segmentos comoprodutos lácteos, carne, frutas tropicais, cereais e bebidas tropicais.Vinte anos depois, Hope Shand, da RAFI, está tentando fazer outroestudo semelhante. No momento em que este texto é escrito, eleainda não terminara seu trabalho, mas os estudos iniciais parecemindicar que apenas um terço daquelas 180 empresas originaissobrevive hoje. Quase todas as empresas que desapareceram foramabsorvidas pelo terço sobrevivente. Hoje, as 5 maiores empresascomercializadoras de cereais controlam mais de 75% do mercadomundial de grãos,47 e há níveis de concentração semelhantes namaioria dos produtos comercializados em nível internacional. Deacordo com um estudo recente, um punhado de transnacionaiscontrola cerca de 90% do comércio global de trigo, milho, café,cacau e abacaxi; cerca de 80% do comércio de chá; 70% dosmercados globais de banana e arroz, e mais de 60% do comérciomundial de açúcar.48 Uma multinacional com sede no México(Pulsar) domina 40% do mercado estadunidense e 25% docomércio de sementes de vegetais em todo o mundo. Tambémestão se desenvolvendo níveis impressionantes de concentração nooutro extremo da cadeia alimentar, o ramo de distribuidores decomestíveis, tanto nos países da União Européia quanto nos paísesdo Sul. A metade da indústria nacional de verduras da Costa Ricaestá em mãos de uma única empresa. Uma companhia controla49% do mesmo mercado em Honduras. Cinco distribuidoras

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controlam 50% ou mais de todas as compras de alimentos naFrança, Alemanha e Grã-Bretanha.49

Se, como diz uma canção, “os compradores e os vendedores sãoos mesmos tios”, então a comida já “não será o que deveria ser”.

Seja quem for o vencedor, as implicações para agricultores econsumidores continuam sendo as mesmas. A tendência, a mé-dio prazo, é que as empresas se afastem da ênfase taticamenteestúpida que a biotecnologia põe nos caracteres relacionados aosinsumos para agregar peculiaridades aos produtos. O ritmo fe-nomenal de fusões na indústria de sementes na agroquímica/farmacêutica, como se disse, será seguido por um impulso seme-lhante que vinculará os Gigantes Genéticos a transnacionais doprocessamento, do comércio e (possivelmente) à venda varejistade alimentos (Nestlé, Unilever, Philip Morris, Cargill e Safewayou J. Sainsbury). Os agricultores entrarão em uma era debioservidão, em que terão que alugar germoplasma das subsidiá-rias genéticas dos processadores de alimentos. Esses processadoresserão, além disso, os únicos compradores dos produtostransgênicos (os quais conterão as características exigidas peloprocessador). Companhias como a DuPont e a Archer-Daniels-Midland já estão avançando nesta direção.50 Mas este livro ne-cessariamente não situa os processadores no cume da cadeia ali-mentar. A esta altura, a possibilidade da produção “orgânica”,“sustentável”, ou “agroecológica” de alimentos passa para o mundomítico dos bons tempos idos e das lendas.

Seguros para a Indústria da Vida?No reino das Indústrias da Vida tradicionais há um entrela-

çamento quase perfeito entre os interesses e as tecnologias agrícolas

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e os produtos farmacêuticos. Haverá uma luta entre empresas dealimentos e bebidas (os fabricantes de cerveja têm capacidade debiofermentação ou produção agrícola industrializada em grandeescala) por um lado, e as empresas farmacêuticas do outro. Mastambém é possível que as Indústrias da Vida que gerarem ogenoma já tenham sido patenteadas.51

“Alimentos não funcionais?”A mais longo prazo (2010-2020), no cenário industrial, ve-

remos a comercialização da nanotecnologia e seu encontro coma biotecnologia. O matrimônio entre as microformas de ciênciasbiológicas e materiais oferecerá novas dimensões à “agriculturade precisão” e à produção de alimentos. Este fenômeno é descri-to com freqüência como transferência de tecnologia militar(“transformar espadas em arados”), mas o mais provável é quedeixe os agricultores sem terra. As dimensões mais amplas daunião da biotecnologia e da nanotecnologia (binanos?)52 pode-rão eliminar os agricultores e a agricultura tal como os conhece-mos. Os teóricos da nanotecnologia dizem que, antes da metadedo século, estaremos construindo nossos alimentos átomo porátomo, em um aparelho caseiro não muito diferente do atualforno de microondas. Cozinhar átomo por átomo talvez não soeexatamente como fast food, mas, como já dissemos, a auto-repro-dução poderá nos situar diante de um Big Mac com suas batatasfritas em um nanosegundo.

O Quadro 9, dos setores industriais relacionados com a agri-cultura, deriva da lista das 500 (empresas) globais publicada pelaFortune Magazine em meados de 2000. Este quadro apresenta asprincipais indústrias biológicas/agrícolas, incluindo bebidas, ali-mentos, lojas de alimentos e de produtos farmacêuticos, produ-tos da selva e do papel, e também fumo. O quadro indica o nú-

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mero de empresas globais em cada ramo que forma parte das500 globais da Fortune e oferece para cada ramo os dados básicosde renda, lucros e empregos. Sob o “total” de cada ramo aparecea empresa com maiores rendimentos que, com freqüência, é tam-bém a que tem maiores lucros. Se não, menciona-se uma segun-da empresa, que é a que tem maiores rendimentos. O objetivodo quadro é dar uma idéia do tamanho e do poder dos principaiscompetidores na luta pela porção da economia que depende di-retamente de recursos agrícolas e florestais.

QUADRO 9 – Alimento do futuro: a indústria dosbiomateriais no ano 2000.

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Há 20 anos, Wes Jackson do Land Institute, de Nebraska,recordou, brincando, que, na Europa, os servos usavam túnicascom o escudo de seu senhor feudal. Hoje, os agricultores usambonés com o logotipo de seus amos empresariais. A mudançanão foi muito grande.

É muito conveniente que a aspirina venha sendo comercia-lizada há 100 anos. A Novartis, que em 1999 era possivelmentea mais poderosa Indústria da Vida, utiliza um parente próximodeste medicamento para controlar caracteres em sua versão atualda tecnologia Terminator. O que a Novartis faz é debilitar a ca-pacidade normal de resistência da planta e fazer com que o culti-vo dependa de um apoio químico externo. Se tudo isso faz vocêsentir-se ligeiramente enfermo, tome duas daquelas que você sabe,e chame o seu governo pela manhã!

Saúde futura: a indústria bioquímica

Dos remédios para “enfermos” aos produtos para “sadios”A indústria farmacêutica é um dos setores mais rentáveis e de

crescimento mais rápido da economia mundial. Há poucasdécadas, as 20 maiores empresas farmacêuticas controlavamapenas 5% do mercado mundial de remédios patenteados. Hoje,as 10 maiores empresas têm 47% do mercado e espera-se quenos próximos dois ou três anos esse mercado duplique seu atualvolume de vendas, que é de 297 bilhões de dólares.53 Como já sedisse, desde meados dos anos 90, a indústria sofreu fusões daordem de 400 bilhões de dólares, entre elas algumas das maioresda história. Assim como no item anterior, sobre os alimentos, oQuadro 10 mostra os diferentes ramos da indústria do setor saúde.O quadro se limita às “500 Globais da Fortune”, ou seja, as 500

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maiores empresas do mundo, e inclui os ramos farmacêutico, deatendimento à saúde, sabões e cosméticos e produtos químicos.Novamente, na primeira coluna aparece o nome de uma sóempresa, a que tem a maior renda e também os maiores lucrosnesse campo em todo o mundo. Quando aparecem duasempresas, a primeira tem a maior renda e a segunda os maioreslucros. A intenção é dar aos leitores uma idéia do tamanho e dopoder das empresas em questão.

No que se refere ao atendimento à saúde humana, a indústriaestá atuando em várias frentes. Primeiro, está se integrando ver-ticalmente, em companhias e outros serviços de “administração

QUADRO 10 – A saúde do futuro: a indústriada bioquímica no ano 2000.

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de serviços médicos”. Segundo, está estendendo sua pesquisa aos“medicamentos para pessoas sadias”. Terceiro, está ampliando oalcance de seu mercado ao longo da vida, desde a fase embrioná-ria até o túmulo, com o objetivo de dominar todas as etapas daatividade humana.

Manipulações genéticasA tendência à privatização do sistema de saúde deveria pro-

vocar alarme público. A Merck, por exemplo, comprou a Medco,o maior fornecedor de remédios de venda com receita dos Esta-dos Unidos. Em menos de um ano, o número de clientes daMedco aumentara 14% e o número de receitas escritas da em-presa crescera 30%. Podemos imaginar que proporção deste au-mento se converteu em vendas da Merck.

As companhias farmacêuticas estão entrando também emcertos tipos de serviços clínicos associados a suas principaistecnologias e medicamentos patenteados. Por exemplo, em 1997,a Zeneca (agora Astra-Zeneca, depois de sua fusão com a suecaAstra), segundo fabricante do mundo de drogas contra o câncer,assumiu o controle de 11 centros de tratamento de câncer nosEstados Unidos.54 E informa-se que outras indústrias farmacêu-ticas estão seguindo seu exemplo.

Nesse processo, as companhias farmacêuticas e do sistema desaúde dos Estados Unidos estão “espremendo” os idosos paratirar-lhes tudo o que têm. Os preços dos 50 principais remédiosutilizados pelos idosos aumentaram em média 3,9% em 1999,enquanto a inflação foi de apenas 2,2%.55 Os consumidoresestadunidenses viram duplicar seu gasto anual com remédiosvendidos com receita, desde 1995, de uma média de menos de250 dólares por pessoa para quase 500 em 2000, e existem pro-jeções de quase 700 dólares para 2002.56 Enquanto isso, as com-

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panhias que trabalham com planos de saúde, em um esforço parareduzir seus custos, expulsaram de seus programas milhões deaposentados pobres, numa medida política para obrigar a CasaBranca a pagar-lhes mais pelo atendimento aos idosos.

Produtos farmacêuticos de “estilo de vida”O segundo tipo de movimento da indústria bioquímica é o

projeto de remédios para pessoas que não precisam deles, queestão essencialmente “bem”. Isso foi previsto pelo principal exe-cutivo da Hoffman-La Roche desde meados dos anos 70, quan-do observou que as pessoas sadias continuam trabalhando e nãomorrem (com tanta facilidade) e, portanto, constituem um mer-cado mais seguro para os pesquisadores de produtos farmacêuti-cos e de suas aplicações em medicamentos. A partir desta obser-vação, as empresas farmacêuticas inevitavelmente dirigiram suaatenção para o que se chama de produtos de estilo de vida, nãoexatamente remédios, mas, por exemplo, produtos que modifi-cam o estado de ânimo ou reduzem a tensão; medicamentos paraas dietas relacionadas à diabete (preocupação muito séria e fre-qüente); produtos farmacêuticos que melhoram o desempenho(que facilitam – ou impedem – o sono, por exemplo), incluindoo célebre Viagra; e produtos farmacêuticos para a população ge-riátrica dos países industrializados, que cresce enormemente edispõe de grandes recursos econômicos.

Não é difícil afirmar que este enfoque nas pessoas sadias émuito lucrativo. A criatividade mercadotécnica converte essesprodutos em “medicina preventiva” e permite às companhias far-macêuticas apresentar dados que anunciam economias nos cus-tos com saúde no futuro. Por exemplo, as pessoas têm de ganhara vida. Mantê-las em boa forma significa “proteger os membrosmais débeis (mais jovens ou mais velhos) da família”. Quando a

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pesquisa se orienta para os “nutracêuticos” ou “agrocêuticos”,tais como pastéis sem gordura ou hambúrgueres vegetarianos, édifícil criticá-la, porque o público a quem se dirige consome es-ses produtos porque quer, não porque deles necessite. Pela pri-meira vez, em 1999, alguns agricultores plantaram milho e sojacom características que, teoricamente, poderiam melhorar a qua-lidade dos alimentos para o consumidor. O mercado dosnutracêuticos é quase ilimitado e as estimativas, a médio prazo,são de modestos 29 bilhões de dólares: 10% do mercado farma-cêutico global atualmente.

O lado obscuro dos produtos farmacêuticos para pessoas sa-dias tem a ver com os interesses na guerra biológica e com o usoda neurociência para estimular a HPE (Human PerformanceEnhancement, ou Melhora do Desempenho Humano). Volta-mos a Krishnamurti: aqueles que, como nós, caminham ao rit-mo de tambores que não concordam com um mundo enlouque-cido, estão tensos e com freqüência deprimidos. Mas a soluçãonão é drogar a pessoa, mas mudar a sociedade. As pessoas querealizam trabalhos monótonos ou pouco saudáveis deveriam en-contrar alívio na melhoria das condições de trabalho e não emdrogas que adormecem ou alteram a mente. No futuro, os traba-lhadores pagarão a conta, mas os verdadeiros “clientes” das em-presas farmacêuticas serão seus patrões, as empresas que buscam(e insistem em encontrar) drogas que por um lado reduzam oaborrecimento e a tensão e, por outro, aumentem a memória, avigília e a destreza dos empregados. Os remédios que mante-nham os trabalhadores alertas e contentes, que melhorem seusentido da visão, da audição ou do olfato (ou os atenuem), quemelhorem a memória de curto prazo, todas têm alto potencialcomercial para os fabricantes. Em algumas áreas, as HPE pode-rão representar uma alternativa para a custosa capacitação no

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local de trabalho. Os trabalhadores que quiserem progredir sen-tir-se-ão pressionados a entrar em um regime de remédios com oobjetivo de passar em provas de qualificação para um trabalhode dificuldade muito maior que o natural. Essa abordagem po-derá permitir aos patrões deixar de lado as controvérsias relacio-nadas com a discriminação genética, posto que os possíveis tra-balhadores não apenas tomarão – e pagarão – voluntariamenteos remédios HPE, mas também proporcionarão seus dados pes-soais aos médicos da empresa.

Do berço ao túmuloA terceira área de expansão da indústria está mais relacionada

à seleção genética e à eugenesia. Já desde 1999, era possível dis-tinguir uma corrente de patentes de genoma humano que come-ça antes da concepção (patentes relacionadas com óvulos eespermatozóides humanos), passa pelo cordão umbilical e pelaspatentes de células T, pelas patentes de genes de doenças, peloskits de diagnóstico de DNA e pela terapia genética. Há umasérie de empresas que já oferecem aos futuros pais a “oportuni-dade” de armazenar criogenicamente células troncais do feto emgestação, para que o futuro filho ou filha possa dispor de tecidose órgãos que seriam reconstruídos para serem usados durante avida. Há empresas farmacêuticas que se preparam para ofereceraos pais a possibilidade de conhecer as principais propensõesgenéticas e patológicas da criança por nascer e proporcionar àfamília, desde o nascimento, um estudo do possível destino ge-nético do filho. Com base nesse conhecimento, as empresas po-derão proporcionar às famílias seu potencial para fabricar “dro-gas de projetista”, derivadas da informação celular da criança,que poderão ser manufaturadas em levedura, estômago de inse-tos, trigo ou leite de vaca, como for necessário. Além disso, as

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empresas oferecerão nutracêuticos e outros “medicamentos parasadios”, feitos sob medida para cada indivíduo, a fim de apoiar aHPE (desempenho humano) e contribuir para que a criança“maximize seu potencial”. Este contrato, que vai “do berço aotúmulo”, exigirá um pagamento inicial para coleta da linha celu-lar, pagamentos anuais pelo armazenamento anual (da linha ce-lular), pagamentos pela manutenção da saúde (renováveis emintervalos diversos) e acertos financeiros especiais (incluindo“bônus por descoberta”) para as drogas de projetista do tipo HPEe também para doenças. Além de todos estes pagamentos pro-gramados e especiais, as empresas reservar-se-ão o direito de uti-lizar as linhas celulares armazenadas para outros fins de pesquisae terão direito de patentear qualquer coisa que descubram. Que-rem ainda conservar o cadáver do indivíduo, pelo menos parafazer sua autópsia, se é que não vão tirar-lhe órgãos e tecidos. E,claro, se os pais não confiarem em que tudo isso dará a seusdescendentes longevidade, amor e emprego, sempre poderãocomprar uma apólice de seguro da companhia subsidiária damesma empresa farmacêutica.

Se seu médico for também seu corretor de seguros, a luta pelaprivacidade genética vai parecer uma bobagem.

Esses processos podem estar mais próximos do que muitospensam. O hospital Mount Sinai, de Toronto, coletou com êxitoóvulos humanos conservados nos músculos traseiros de roedores.Os cientistas prognosticam que em 2001 poderão oferecer esseserviço de armazenamento de óvulos às mulheres que corram perigode ver seus ovários danificados durante algum tratamento médico.57

E, no outro extremo da vida, uma empresa funerária de Nagoyo,Japão, está oferecendo aos familiares pesarosos um cartão de

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lembrança, com o DNA do morto. Por menos de 300 dólares, afamília pode obter um cartão que, como diz a empresa, poderá serutilizado para clonar o morto ou como prova judicial post-mortemsobre a paternidade (ou não) do desaparecido.58 A Advanced CellTechnology, uma empresa biotecnológica estadunidense, que estátrabalhando com as premissas da recente descoberta de que épossível fazer com que células adultas “mudem de função” edesenvolvam órgãos de reposição, propõe-se a enxertar DNAhumano em óvulos de bovinos. Depois, as células humanas serãocoletadas dos óvulos e manipuladas para desenvolver partes docorpo. Assim será possível oferecer transplantes de órgãos às pessoas– que serão “clones” delas mesmas, sendo tais órgãos totalmentecompatíveis com seu sistema imunológico.59 Em abril de 1999, 10grandes empresas farmacêuticas uniram seus esforços para criar oque o New Scientist chama de “a era da medicina personalizada”,concordando em cooperar em um estudo sobre a variação genéticahumana que poderia permitir às companhias fabricar produtosfarmacêuticos de projetista, vinculados à estrutura genética exatade cada paciente.60

O debate sobre a rotulagem dos Organismos GeneticamenteModificados poderá estar a ponto de dar uma voltaparadigmática. Talvez no futuro o que se tenha que garantirseja a integridade genética das pessoas. Quem sabe se os quetenham de usar rótulo sejam trabalhadores e consumidores,em vez dos OMM (objetos materialmente modificados)?

Será prudente tudo isso? Uma vez mais é preciso ter presenteque os gigantes farmacêuticos são também os gigantes genéticosda agricultura, os “gênios” que inventaram a primeira geração detransgênicos. E são também as mesmas empresas, com a mesmafilosofia científica e lógica empresarial, que inventaram as indús-

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trias químicas e plásticas dos anos 60. A “primeira geração” do de-senvolvimento de terapia genética já apresenta problemas. OsEstados Unidos autorizaram a experimentação com terapia gené-tica em seres humanos há mais de 7 anos. Qualquer “evento adver-so” deve ser informado a um comitê especial, estabelecido pelosInstitutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health,NIH). Foi preciso que, no final de 1999, morresse um rapaz de 18anos para que se soubesse que, nos 7 anos transcorridos, apenas 55desses eventos adversos haviam sido registrados (39 em 691 ca-sos).61 Não pode haver melhor prova de que não devemos confiarnossas vidas a essa indústria.

Será a informação genética, em mãos das empresas, tratadacomo confidencial? Ou os empregados terão de renunciar a seusdireitos frente aos patrões e aceitar o direito das companhias aum novo tipo de “liberdade de informação”? Uma família quecompra os serviços do determinismo genético provavelmentetambém se submeterá ao determinismo dos patrões, com a espe-rança de garantir empregos para seus filhos. Essa erosão dos di-reitos coletivos e a criação de direitos empresariais são algumasdas grandes tendências de nosso tempo.

Jogando lenha na fogueira? Algumas empresas de genoma hu-mano sustentam que agora o envelhecimento e a morte nãosão mais do que uma série de doenças que podem ser preveni-das. Já não existe um ciclo de vida natural. Se esse ponto devista se tornar realidade, os que puderem pagar viverão muitomais tempo e se descobrirá que a Bíblia estava equivocada: ospobres não estarão entre eles!

Na realidade, estes prognósticos são tão lógicos, comercial ecientificamente, que sua realização parece quase inevitável. O únicoproblema comercial que permanece é se nesse panorama os reis

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empresariais serão os Gigantes Genéticos ou as companhias deseguros que poderão vir a comprá-los. Afinal: quem pode ganharmais com uma previsão exata da duração de sua vida?

Informação futura: a indústria do silicone

Da integração e do controle do “conteúdo” à integração eao controle do “canal”

Os fios que atam o sistema alimentar ao sistema de saúde sãofibras de DNA modificadas por tecnologias que entrelaçam omundo dos micróbios ao dos mamíferos. Os vínculos entre asindústrias de telecomunicações e a mídia são faixas de electronsque passam por chips de computadores, movem-se por cabos defibra ótica e ziguezagueiam entre satélites. Assim como, na ali-mentação, as tecnologias dos insumos e dos produtos finais es-tão se confundindo, na saúde os sadios se confundem com osenfermos e na Nova Ordem da Informação também estão se fun-dindo o canal (o hardware da comunicação) e o conteúdo (osoftware da imagem, texto e áudio).

A Sony, o gigante japonês da eletrônica, é um bom exemplo.Como disse The Economist, “pode haver sinergia entre fabricaraparelhos de televisão e produzir as imagens que mostram”. Combase nessa proposta, a Sony entrou no mercado dos meios decomunicação, comprando estações de televisão, cadeias e insta-lações de produção em todos os grandes mercados da Ásia, Amé-rica Latina e, agora, da Europa. Para deleite da UNESCO (ex-presso prematuramente) e de outros positivistas da mídia, a Sonyparece estar – pelo menos no começo – criando um nicho nomercado não inglês. Por exemplo, em 1999, produziu 4.000 horasde programas regionais em línguas diferentes do inglês, por meio

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de todas as suas empresas de televisão. Até agora, a Sony não estáentre as empresas de informação mais importantes do mundo,mas é uma das inovadoras mais observadas da indústria. Possui24 canais em 62 países e está competindo com a rede de TVcomercial mais importante da Índia. Além disso, produz música(é a número três no mundo) e filmes, além de possuir subsidiá-rias que distribuem filmes na Índia e na América Latina.62

Plataforma transversal de fusões nos Estados Unidos: osconteúdos

Este tipo de sinergia não deveria ser uma revelação para asindústrias eletrônicas e de telecomunicações. Há 80 anos, aWestinghouse, pioneira na então jovem indústria eletrônica, uniu-se à AT&T, recém-chegada às telecomunicações, e à United Fruit,para formar a RCA que, por sua vez, lançou a ABC, a primeirarede transmissora dos Estados Unidos. Sete anos depois, a RCAcriou também o segundo gigante da transmissão dos EstadosUnidos, a NBC. No entanto, em 1932, o Departamento de Jus-tiça obrigou-a a abrir mão das duas empresas. Para não ficar atrás,em 1953, a ABC forjou uma das primeiras plataformas transver-sais de fusões, com a Paramount Pictures. No entanto, durante aera Reagan, mais permissiva (ou verdadeiramente promíscua), avelha rival da Westinghouse em eletrônica, a General Electric,comprou a ABC e, um ano depois, a NBC. A Westinghouse, porsua vez, comprou a CBS (a única rede de televisão estadunidenseque chegou a possuir) em 1995. Naquele mesmo ano, a Disneycomprou a Capital Cities e, depois, se apropriou da tão discuti-da rede ABC. Só faltava decidir o destino da CNN, a dissidentedos meios de comunicação. O que foi considerado naquele mo-mento como uma enorme fusão transversal ocorreu em 1998,quando a Time Life (responsável pela maioria das revistas impor-

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tantes dos Estados Unidos, incluindo Time e Life e várias edito-ras de livros) devorou a Warner Brothers (estúdios cinematográ-ficos e empresas distribuidoras de filmes), para criar a TimeWarner. Em 1996, o monolito dos meios de comunicação agre-gou a seus domínios a Turner Broadcasting e todo o império daCNN a cabo.63 Este parecia ser o limite do crescimento para umaempresa, até que a própria Time Warner, em 2000, foi seduzidapor um acordo ainda maior. Não percam o próximo capítulo.

Em março de 1999, a empresa que começou tudo isso, aWestinghouse, vendeu seu vasto negócio de indústria de defesa epoder nuclear e decidiu dedicar-se inteiramente à mídia e às co-municações. Ao fazê-lo, abandonou o nome com que começou,em 1896, e optou pelo nome que criara em 1919, CBS. O quenão durou muito. Em setembro de 1999, a Viacom, uma relíquiaque sobrara da aplicação da lei antimonopólio dos anos 70, voltoua fundir-se com a nova CBS, em uma transação de valor próximoa 36 bilhões de dólares, criando um novo gigante da informação.

Se 1999 foi um ano extraordinário para as fusões na mídia,os primeiros dias de 2000 marcaram um novo recorde de con-centração nos meios de comunicação. Em 10 de janeiro, a TimeWarner anunciou que concordara em fundir-se com uma em-presa que ainda é demasiado jovem para andar sozinha. Por 156bilhões de dólares, a América Online, nascida em 1985, como orebento esplendoroso do comércio eletrônico pela Internet, absor-veu a Time Warner, nascida em 1923 – o que naquele momentofoi a maior fusão da história do mundo. O anúncio desencadeouuma nova e inacreditável onda de fusões na indústria da infor-mação.

A AOL Time Warner (como será conhecida a nova mons-truosidade mediática), a General Elecric, a Viacom e a Disneyestão hoje entre as 10 empresas de informação mais poderosas

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do mundo.Seu conteúdo se viabiliza a partir de seus jornais,revistas e livros, até o rádio, a televisão e o cinema. Seus siste-mas de canais vão desde cabos até satélites e Internet. Estão nocontrole.

Entre outros jogadores importantes do lado do conteúdo sedestaca (além da incontrolável Sony) a News Corp, o império deRupert Murdock, que inclui a rede intercontinental Fox comseus satélites Star (na Ásia), Sky (na América Latina) e BskyB (naEuropa). Também está entre eles a Bertelsmann AG, na Alema-nha, que é hoje a maior editora do mundo de livros em inglês eum dos quatro titãs da música. A essas empresas é preciso acres-centar uma série de rivais novos e não tão novos no âmbito doscanais. Os principais entre eles são a Microsoft, a AT&T, aVodaphone e outros demiurgos da Internet, como a Yahoo. OQuadro 11 resume as posições ocupadas pelos principais mons-tros dos meios de comunicação de massa.

Teatro do adquiridoA pressão para atravessar as plataformas de informação é tre-

menda. Em 1996, os membros do bloco não eram apenas asprincipais redes de televisão e de rádio dos Estados Unidos. Astransações em todo o negócio dos meios de comunicação e datelecomunicação chegaram a quase 140 bilhões de dólares. Em1997 houve nos Estados Unidos 24 fusões, no valor de mais deum bilhão de dólares cada uma. Entre os maiores acordos de1997 ficou a compra pela Westinghouse (agora Viacom) daAmerican Radio Systems, por 2,6 bilhões de dólares.64 De fato, aViacom entrou num frenesi de compras e agora é dona daParamount Pictures, da Blockbuster Vídeo e de redes a cabo queincluem a MTV, a ShowTime e a Nickelodeon.65

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QUADRO 11 – Impérios da mente

* O nível de sua fortuna e seus rendimentos, em todo caso, está significativamente desatualizado esubestimado devido às fusões ocorridas em 1999 e 2000.Nota: os nomes das empresas constam apenas como exemplo.Fontes: Numerosos documentos incluindo “How AOL Time Warner deal may affect other players”, in WallStreet Journal, 11 de janeiro de 2000, p. B12.

Chaves históricas: Você diz “banana” e eu digo “binano”

Naquela época tínhamos tratados com quase todos os demaispaíses, salvo a Bélgica e essa república bananeira, a Anchúria.

O.Henry, Cabbages and Kings (c.1899)

Foi há cerca de 100 anos (depois de 1896, mas antes de 1904) queWilliam Sydney Porter (O.Henry), escritor famoso e infame estafador, cunhoua frase “república bananeira”, ao escrever sobre a vida em Honduras. Des-creveu o país como um governo criado pela United Fruit Company, cujoúnico propósito era manter um ambiente empresarial cômodo para a expor-tação de bananas. Foi a United Fruit Company que se uniu à Westinghousee à AT&T para criar o primeiro império de mídia eletrônica do mundo. O que

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O. Henry disse de Honduras e da United Fruit Company há um século po-deria ser dito agora sobre todos os países da nova República do Binano quevem por aí.

O que está ocorrendo nas telas de televisão já ocorreu nassalas de cinema. Em 1998, calculava-se que cinco empresas con-trolavam 40% das salas de cinema do mundo. No total, o valorde todas as fusões em rádio e televisão em 1999 foi de 245 bi-lhões de dólares.66 Só na indústria cinematográfica as fusões rea-lizadas na primeira metade de 2000 chegaram muito perto dos200 milhões (sic – bilhões?) de dólares.67

Não muita músicaA enormidade da fusão AOL Time Warner quase conseguiu

fazer passar desapercebida outra integração que ocorreu em ja-neiro de 2000. A Warner Music e a seção de discos da EMI seuniram sob a bandeira da AOL Time Warner para assumir ocomando de 27,5% da indústria global de gravações. O que fezcom que o controle da indústria ficasse em mãos de quatro em-presas, que dominam 78% do mercado. Recentemente, a em-presa francesa Vivendi (que começou sendo uma companhia deserviços de água) comprou todos os negócios de lazer da Seagram”s(Universal Studios, incluindo filmes, televisão e música), o que asituou entre as quatro maiores. Depois vêm a Sony e aBertelsmann (BMG). É possível que agora as outras três estejambuscando novas aquisições a fim de enfrentar o potencial de dis-tribuição da Warner Music na Internet.68 O Gráfico 9 mostracomo está repartido hoje o bolo musical.

Como se pode marchar ao ritmo de um tambor diferente setodos os bateiristas foram contratados pela Warner Music?

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GRÁFICO 9 – O mercado global da música

Fonte: “The Record industry takes fright”, in The Economist, 30 de janeiro de 2000.

Notícias com jingle?Se no campo do lazer a concentração é impressionante, no

campo das notícias eletrônicas o oligopólio parece ser quase ab-soluto. Não nos surpreende que quase todas as empresas quedominam o entretenimento são as mesmas que dominam asnotícias que vemos na televisão, ouvimos pelo rádio ou lemosem revistas e jornais. A única surpresa é que as notícias são con-troladas mais de Londres do que de Hollywood, e que as empre-sas dominantes parecem não ter plena consciência de seu pró-prio e recente poder. Segundo o analista estadunidense de mídia,Christopher Paterson, “a Disney ainda está por descobrir que édona do segundo maior provedor internacional de notícias pelatelevisão”.

As notícias do mundo inteiro são determinadas por um pu-nhado de atacadistas e varejistas da televisão. A maior dos ataca-distas, a Reuters, tem 70 agências de notícias com 260 clientesque as transmitem em 85 países. Em 1992, a Reuters fundiu suaagência com a Visnews e com alguns serviços noticiosos britâni-

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cos e, agora, fornece a maior parte das notícias internacionaisfilmadas para a NBC e a CBS nos Estados Unidos, assim comopara a ITN e a cadeia Fox, da News Corp. A ABC, da Disney,obtém a maior parte de suas notícias internacionais da subsidiá-ria que parcialmente lhe pertence, a WTN (Worldwide TelevisionNews, resultado da união, em 1985, da UPI e de velhas empre-sas de filmagem de notícias da Europa e da América do Norte).O terceiro maior atacadista do mundo foi criado pela AssociatedPress, em 1994: é a APTV, que atende boa parte das necessida-des globais da BBC. Além de tudo isso, a CNN, da AOL TimeWarner, fornece a maior parte de seus próprios serviços a ataca-distas. A maioria dos varejistas de notícias europeus recebe suasimagens internacionais por meio da Eurovisão que, por sua vez,depende muito da WTN (pertencente, em parte, à Disney).

A cobertura de notícias internacionais no mundo que nãofala inglês é controlada de forma igualmente fechada. A redealemã VOX, por exemplo, é propriedade da News Corp e recebesuas imagens internacionais da Reuters, assim como sua concor-rente alemã N-TV, propriedade da AOL Time Warner. ATF e oCanal Um da França têm um novo vínculo com a ABC (Disney)e obtêm suas imagens de notícias internacionais da Reuters.69

O controle que as grandes agências de notícias exercem sobreo Sul é particularmente inquietante, em vista dos grandes esforçosfeitos nos anos 80 para criar agências de notícias favoráveis ao Sul.Um estudo feito em 1998 por Mohammed Musa revelou que aNAN, Agência de Notícias da Nigéria, obtinha mais de 37% desuas notícias estrangeiras da APU, da UPI e da Reuters; e só aReuters era responsável por mais de um terço do total de notíciasinternacionais. Além disso, a Reuters também dirigia 90% dasnotícias estrangeiras distribuídas pela Caribbean News Agency(CANA).70 Na Ásia, a maior empresa dos meios de comunicação é

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a News Corp,71 e há consenso de que a Sony domina as telas detelevisão na América Latina. Isso não é pluralismo.

Pluralismo privadoTão irritante quanto tudo o mais é a homogeneização maciça

e a monopolização global dos instrumentos de informação, queestá ocorrendo sob a bandeira do pluralismo dos meios de co-municação e da democratização da informação. Até a década de1990, as empresas que agora se fundem sob a pressão daglobalização e da privatização, e atravessando fronteiras nacio-nais, eram (na maioria dos casos) redes de telefone, de rádio oude televisão financiadas ou administradas pelo Estado. O nítidoresultado dessa liberalização comercial foi a apropriação barata,por monolitos multimídia transnacionais, de meios de comuni-cação de tendência nacionalista e culturalmente sensíveis. En-quanto em outros tempos, na Europa Ocidental, por exemplo,havia dezenas de fontes de transmissão pública (notoriamenteindependentes), agora a tendência é sua absorção por um peque-no grupo de empresas globais mundiais. Isto está muito longedo pluralismo, ou da Nova Ordem Mundial da Informação e daComunicação do começo dos anos 80, ou ainda da Nova (e per-missiva) Estratégia de Comunicações da UNESCO, criada maisrecentemente.72

Fusões dos “canais”

TelecomunicaçõesA maioria das pressões em favor das fusões na indústria da

informação teve origem do lado dos canais, ainda que atransformação ocorrida do lado dos conteúdos tenha sido muito

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importante. Desde 1996, houve, na indústria global, fusões novalor de mais de um bilhão (sic – trilhão?) de dólares, e mais dametade desta soma (569 bilhões) corresponde apenas a 1999.As companhias de telefones (fixo e móvel) e de hardware porsatélite, junto com gigantes do software, como a Microsoft,estão construindo pontes entre elas e em direção às companhiasque dominam os conteúdos. Em 1999, a AT&T comprou aMedia One73 por 68 bilhões de dólares e depois se aproprioude Telecommunications Inc., por outros 37 bilhões. Naseqüência, a Seagram, do Canadá, comprou a Polygram daPhilips Electronics por 10,4 bilhões de dólares. Somada àUniversal Music Group da Seagram, esta fusão converteu aoutrora humilde e, por um momento, independente empresaem um titã do negócio da música.74 Depois, em meados de2000, a Vivendi adquiriu os negócios de entretenimento daSeagram, em seu caminho para tornar-se um poderoso gigantedos meios de comunicação, depois de ser durante décadas umadas empresas de serviços de água menos interessante da França.75

A British Telecom fracassou em sua tentativa de comprar a MCI,dos Estados Unidos, mas a Vodaphone, da Grã-Bretanha,comprou a AirTouch, num negócio de 62 bilhões de dólares.76

Quase sem respirar, a Vodaphone AirTouch apoderou-se, nosprimeiros dias do ano 2000, da Manesmann, da Alemanha,para formar a maior empresa de comunicações do mundo, namaior fusão de toda a história (182 bilhões de dólares).

As aquisições da Vodaphone e da AT&T eclipsaram outrasnegociações recentes, como a planejada em 1999 pela GlobalCrossing – companhia de telecomunicações com sede nas Ber-mudas, que tem a única (até agora) rede submarina de fibra óticatransatlântica. Esta empresa pagou 11,2 bilhões de dólares pelooperador de telefone de longa distância Frontier e depois outros

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800 milhões de dólares pelo negócio de cabos submarinos davenerável Cable and Wireless, da Grã-Bretanha. Em maio, aUSWest (uma “babybell” com base em Denver) concordou emfundir-se com a Global Crossing com o nome da firma das Ber-mudas.77 Um mês depois, a Qwest Communications fez umaoferta pelo conjunto todo.78 Também na primavera de 1999, aDeutsche Telekom (a maior companhia telefônica da Alemanha)e a Telecom Itália (sua homóloga italiana) decidiram fundir-se.A Deutsche Telekom é parte de uma empresa mista, chamadaGlobal One, com a France Telecom e a Sprint. A Global Onecontrola companhias de telefone na Itália e na Europa Oriental.Além disso, a Global One compete com a AT&T e a BritishTelecom que, juntas, adquiriram 15% da Japão Telecom e tam-bém têm aspirações globais. Em terceiro lugar – depois das ten-tativas da Vodaphone e da união da AOL à Time Warner – mastambém na categoria das fusões mundiais, situa-se a megafusão,em 1999, da Sprint com a MCI Worldcom, num montante esti-mado de 126 bilhões de dólares. Os efeitos secundários, ramifi-cações e manobras semelhantes, buscando imitar os efeitos dosacoplamentos corporativos, dominarão as telecomunicações nospróximos anos.79

No fim de 1999 e nos primeiros dias de 2000, era impossívelacompanhar as fusões reais e potenciais dessa indústria. Não sepassava um dia sem que houvesse notas nos jornais sobre gran-des fusões ou aquisições. Existia também a possibilidade de quealguma autoridade proibisse algumas dessas associações. Em no-vembro, quando um tribunal estadunidense a acusou de mono-pólio, a Microsoft parecia estar a ponto de desmembrar-se (em“baby bills”, disse o Wall Street Journal, referindo-se a seu dono,Bill Gates). No fundo, estamos presenciando uma transforma-ção em massa.

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Monopolizando o meio e a mensagemPor que acontece tudo isso? Porque nós (os que vivemos na

parte rica do mundo) nos dirigimos a toda velocidade para ascomunicações de tela única. Muito em breve os jornais nãoserão impressos nem distribuídos: aparecerão em uma tela semfios, da grossura de um papel, podendo ser transportada, do-brada e lida em um ônibus. Do mesmo modo os livros e asrevistas poderão ser baixados da Internet para serem lidos ondese desejar. A música, incluindo as novas gravações, os filmes, astelenovelas e o prognóstico do tempo também estarão acessí-veis na tela única (talvez conectada ao estéreo doméstico ou auma tela familiar ainda maior). Não haverá custos insuportá-veis de produção, distribuição ou venda no varejo para os de-tentores da propriedade intelectual. Os consumidores pagarãopor canal, filme ou assinatura. As funções do telefone (e datelevisão), do correio eletrônico e da Internet também serãorealizadas em uma única tela, assim como uma grande varieda-de de comércio eletrônico, incluindo bancos e pagamentos. Nãose trata de um distante “paraíso”: é algo que está no futuroimediato – e a indústria da informação está em guerra pelocontrole da tela.

Atuam nisso, várias forças financeiras e políticas, muito gran-des. Em 1995 – e o ritmo das fusões se acelerou muito desdeentão – as 20 primeiras companhias de informação / comuni-cação tinham rendimentos anuais maiores que o PIB da Grã-Bretanha (um bilhão (sic – trilhão?) de dólares).80 No mundocomercial real já não é possível segmentar a constelação detecnologias novas que criam e transmitem informação. Está sur-gindo uma sinergia evidente entre as empresas que produzemsemicondutores (ou “chips”), as que desenvolvem software, ins-talam cabos de fibra ótica e torres de telefone móvel, e quem

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cria entretenimento multimídia ou diz que dá notícias. “O meioé a mensagem”. Em poucos anos, os consumidores de classemédia dos países industrializados receberão toda a sua infor-mação e seu lazer – e realizarão suas próprias comunicações –por meio de um único sistema. Tal sistema será controlado porum oligopólio.

A convergência está clara para todos. O montante total dasfusões no ramo das telecomunicações da indústria da informa-ção era de cerca de 6,8 bilhões de dólares, quando a direção daRAFI considerou pela primeira vez o século ETC, em 1988. Em1988, as fusões na indústria chegaram a um total de quase 266bilhões de dólares. Em 1988, as fusões no ramo de computado-res alcançaram a impressionante soma de 21,4 bilhões de dóla-res.81 Essa tendência deve continuar, até que exista apenas umaindústria da informação estreitamente interligada. Quando está-vamos preparando este documento para publicação, a DeutscheTelekom fez uma oferta para comprar a Qwest e havia boatos deque a Microsoft e a AT&T poderiam vir a fundir-se. Seguindo omodelo da AOL Time Warner, também havia rumores de que aDisney tentaria unir-se à Yahoo!, ou a algum outro dos princi-pais portais da Internet.

Nada disso é realmente uma novidade. A imprensa científicae popular está cheia de artigos sobre a unificação das novastecnologias das comunicações. A imprensa financeira está cheiade informação sobre as fusões na indústria. Como já se disse, aTelecom e outras empresas de equipamentos de comunicaçãototalizaram quase 300 bilhões de dólares nos primeiros seis me-ses de 2000.82 No entanto, quase não há informação sobre comoas tecnologias e as companhias (as “T” e as “C”) se relacionamentre si, ou com nossa democracia em rápido processo de erosão(a “E”).

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Matéria do futuro: a indústria de macromateriais

Do “material” ao “imaterial”Em 1972, o Clube de Roma publicou Os limites do cresci-

mento, que marcou um tento na avaliação (com ajuda dos com-putadores!) da existência finita de matérias-primas no mundo.De acordo com o informe, em 1975, as conseqüências combina-das do crescimento da população, da degradação ambiental, daescassez de alimentos e do desaparecimento de recursos nãorenováveis de energia e metais levariam ao colapso, a menos quemedidas fossem tomadas imediatamente. Um quarto de séculodepois de expirado o prazo, o mundo ainda está muito longe detomar medidas políticas, conforme recomendado pelo Clube deRoma. Também parece ter-se complicado nossa relação com osrecursos renováveis e não renováveis. A RAFI – e muitas outrasorganizações da sociedade civil – pensam que, embora os pressu-postos básicos da análise do Clube estejam corretos, se ananotecnologia for comercializada com êxito, é possível que sejapreciso rever as previsões.

Embora esta possa ser uma boa notícia para os que dominamo PIB planetário, poderá ser uma má notícia para as empresas deenergia e mineração, a menos que elas próprias consigam con-trolar as novas tecnologias. A nanotecnologia poderá marcar ofim da era de milhares de anos de escavações na terra e dos terrí-veis riscos que correm os mineiros para trazer-nos pedras precio-sas e metais. Da agilidade e da energia das empresas dependeráque isso represente o fim das companhias mineradoras ou queestas passem a ocupar um lugar central na nova economia.

Uma razão que deteve o colapso prognosticado pelo Clubeé que, há três décadas, a pesquisa científica dos materiais e dabiomimética modificou radicalmente a demanda mundial de

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metais básicos. A ciência dos materiais criou uma demanda demetais especiais, desconhecidos antes do Sputnik e dos aviões ajato. A indústria de mineração, talvez lentamente, adaptou-se:enquanto antes havia companhias mineradoras de ouro,estanho, níquel e ferro, agora existe um único setor de “matérias-primas” não combustíveis (diferentes do carvão, do urânio, dopetróleo e do gás). Este processo levou ao tipo de concentraçãoempresarial que vimos entre as indústrias de sementes e deprodutos químicos. Hoje, as dez principais companhias dematérias-primas possuem quase um terço da indústria globalde minérios não combustíveis. Em 1998, a indústria sofreufusões e aquisições no valor de 25 bilhões de dólares e existemem todo o mundo previsões de que ocorrerão mais fusões. Defato, em 1999, o principal fabricante de alumínio do Canadá,a Alcan, propôs uma fusão com seus principais competidoreseuropeus e a Alcoa, dos Estados Unidos, respondeu com outraproposta de fusão com a Reynolds Aluminum. Se forempermitidas estas duas combinações, as cinco maiores empresasde produção de alumínio reduzir-se-ão a duas. Não há dúvidade que o entusiasmo pela “globalização” impulsionou o ritmodas fusões. No entanto, os analistas da indústria mencionamtambém, como motivo das fusões, a pressão para que sedestinem volumosos recursos financeiros à pesquisa. Umaindústria, desacostumada a gastar quantias importantes napesquisa, vê-se obrigada a fazer grandes investimentos paracumprir as normas ambientais, beneficiar-se das oportunidadesde cortar custos que a biorreciclagem oferece (por exemplo,refinação de rochas já extraídas) e para produzir as novas ligasde que as indústrias aeroespacial e microeletrônica necessitam.

As fusões chegaram também às famosas Sete Irmãs petrolífe-ras. Só permanecem quatro; as outras três se mudaram para a

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casa de suas irmãs mais poderosas. Como sempre, mais mudan-ças são anunciadas.

A linha de fogo nesta batalha está entre os fornecedores dematérias-primas (de novo, empresas de insumos) e os fornecedo-res de produtos finais para consumo (empresas de produtos).Será a General Electric, a General Motors, a Exxon ou a Anglo-american? O Quadro 12 mostra os principais grupos que parti-cipam do patenteamento de tecnologias relacionadas com asnanotécnicas. Os nano-oportunistas vêm de todos os rincões daindústria. Neste momento, é impossível prever o resultado.

Quem ganha e quem perde no mundo empresarial é algoque só interessa aos acionistas. O destino das minas, dos minei-ros e dos países do mundo que dependem deles é outra história.Desde a bauxita da Jamaica ao cobre do Peru, ao estanho daBolívia e ao níquel da Indonésia, milhões de pessoas dependemda extração de matérias-primas não renováveis para sobreviver.O Quadro 13 mostra as principais empresas de mineração tradi-cional em 1998.

Estamos vivendo há tanto tempo de acordo com os pressupos-tos de Os limites do crescimento, que é difícil contemplar outraspossibilidades. Se a nanotecnologia funcionar, poderemos con-solar-nos pensando que não é que tenhamos estado realmenteequivocados todo esse tempo, e sim que Os limites do cresci-mento foram adiados por vários milhões de anos.

Uma mudança gradual é controlável. Uma mudança súbitasignifica a ruína. O Quadro 14, tomado do estudo original Oslimites do crescimento, mais que estabelecer os limites dos recur-sos não renováveis, descreve com muita precisão os limites dasobrevivência dos países que podem sair perdendo se as novastecnologias tiverem êxito.

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QUADRO 12 – Nanooportunistas: exemplos das principais instituições quepatentearam tecnologias relacionadas com as nanotecnologias

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QUADRO 13 – Às vésperas da nanotecnologia: os 10 maioresfornecedores de matérias-primas não combustíveis

A futura República do Binano

Quando “bio” e “nano” convergemÉ possível que as gerações futuras vejam os séculos XIX e XX,

ou o breve período compreendido entre as sublevações da épocapós-napoleônica e o ascenso da “globalização”, no último quarteldo século XX (período de notável experimentação em democraciapopular), como algo mais do que uma luta de classes enquanto opoder transitava dos senhores feudais aos barões industriais.Afinal, nas sociedades sedentárias, a democracia foi a exceção,não a regra.

As muitas tecnologias novas que vislumbramos claramenteno horizonte nos conduzem muito além da monopolização dos

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sistemas de alimentação e de saúde: indicam o controle de umanova sociedade global. Tal controle assume três formas.

Primeiro, as tecnologias na informática, reforçadas pelarobótica, pelos sensores, pelas tecnologias aero-espaciais e aminiaturização destas por meio da nanotecnologia, tornam pos-sível monitorar e controlar a dissidência e impor um Estadopolicial.

Segundo, a biotecnologia, junto com o trabalho dasneurociências, está tornando possível o controle do comporta-

QUADRO 14 – Os limites do crescimento ou os limites da sobrevivência?

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mento humano. Os chamados HPE, que podem intensificar ouatenuar as respostas e funções cerebrais humanas – e a manipula-ção médica dos empregados – poderão chegar a ser um pré-re-quisito “voluntário” para o emprego – e a sobrevivência – nonovo mundo que nos espera.

Terceiro, a futura fusão dos “micros” – microbiologia enanotecnologia – expõe uma transformação dos agentes deprodução incerta e sem precedentes. O futuro mundo “biônico”abrigará híbridos de materiais vivos e inanimados entrelaçados.Como as próprias biotecnologias vinculam agora a produçãode culturas alimentícias ao cuidado de humanos e animais,estamos presenciando a fusão dos ramos da Indústria da Vidaem um oligopólio muito poderoso. Pelas mesmas razões épossível que vejamos a fusão da Indústria da Vida com indústriasmanufatureiras tradicionais. O resultado será um mundo emque os sistemas de produção e de distribuição cheguem a estardominados por um oligopólio ainda mais poderoso. Em ummundo como esse, as instituições “estatais” – as chamadasinstituições democráticas – estarão a serviço do oligopólio. Ogoverno existirá para manter a aparência de democracia etambém para arrecadar impostos a fim de manter uma rede desegurança social rudimentar (para impedir níveis inaceitáveisde perturbação do comércio) e impor os desejos do oligopóliopor meio de força policial. Robert Kaplan, da revista AtlanticMonthly, fala do “momento democrático” e sustenta que omundo verá o surgimento de estados híbridos: estadosaparentemente democráticos a serviço de elites militares ouempresariais. Kaplan supõe que esses estados serão mais comunsno Sul e na ex-URSS,83 mas considerando os fatores ETC, éigualmente provável que a tendência se repita nos países daUnião Européia.

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A nanotecnologia prestar-se-á a usos mais sutis do que as ar-mas nucleares. Uma bomba só pode destruir coisas, mas asnanomáquinas podem ser utilizadas para infiltrar, tomar, tro-car e governar (o sublinhado não é do original) territórios. Nemsequer a polícia mais desapiedada pode usar armas nucleares,mas pode, sim, utilizar aparelhinhos para grampear telefones,intervir em assuntos de drogas, assassinatos etc.- C. Shipbaugh, 1991 (cit. pela SAIC)

O grande GATTman dos oligopólios galopantes!Que oligopólio ganhará a corrida pelo domínio da Econo-

mia Atômica? Há talvez demasiadas variáveis para poder fazeruma predição inteligente. Se utilizarmos como guia a lista das500 empresas globais da Fortune, o setor que aparece como maisforte é o financeiro (bancos e seguros), com seus 3,2 trilhões dedólares de rendimentos em 1999 (em conjunto, as 500 da Fortuneobtiveram 12,7 trilhões). Além disso, o setor de bancos e segurosteve em conjunto lucros de pouco mais de 201 milhões (sic –bilhões?) de dólares, equivalentes a 6,2% de seus rendimentos.(Mais claramente: em 1999, o setor financeiro recebeu cerca deum quarto da renda total das 500 e quase 40% de seus lucros).O setor financeiro tem o dinheiro em espécie e o setor de segurosentraria com o incentivo. Parece pouco provável que os tradicio-nais guardiões da concorrência e os monopólios permitam que aindústria avance nessa direção em circunstâncias normais. Noentanto, atualmente, essa força tão poderosa poderia derrotarqualquer autoridade normatizadora. Esse problema poderá fazercom que as finanças decolem mais lentamente e não sejam capa-zes de igualar o acervo científico de outros grupos.

Se a rentabilidade determina a vitória (como porcentagemdos rendimentos), a indústria da informática (baseada no silício)tem uma ligeira vantagem, de 6,4% sobre as finanças. No entanto,

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os rendimentos do grupo são menores. A informática (incluindocomputadores, telecomunicações e entretenimento) obteve poucomenos de 2 bilhões (sic – trilhões?) de dólares de rendimentos e126 bilhões de dólares de lucro. Diferentemente do setorfinanceiro, este é um grupo estimulado pela tecnologia, queinveste seriamente em ciência e pesquisa, e entende delas.

O setor de alimentação e agricultura (biomateriais, incluindoalimentos e produtos silvícolas da produção vendidos no varejo)tem o 6o lugar no que se refere aos rendimentos, com recuperaçõesde mais de 1 bilhão de dólares, mas com lucros que são umapequena fração dos obtidos pelo setor financeiro ou da informática:este lucro é da ordem de 44,1 milhões de dólares, humildes 4,1%de seus rendimentos. A indústria bioquímica (saúde e produtosquímicos, a indústria “irmã” da agricultura) se sai melhor. O setorinclui produtos farmacêuticos, produtos de higiene pessoal, decuidados com a saúde e produtos químicos industriais e, comrendimentos de apenas 653 bilhões de dólares, consegue obter umlucro de 60 bilhões – 9,2% da renda – a proporção mais alta detodos os setores. No entanto, o conjunto dos dois setores industriais,baseados na biotecnologia, exerce um poder significativamentemaior. E cada vez mais se convertem em um só!

O que deve nos preocupar no futuro não são as EmpresasMultinacionais, mas as Empresas Multisetoriais. Se assupertecnologias governam todo o cenário e as EmpresasMultisetoriais escrevem o roteiro, como podem manter a pers-pectiva as organizações da sociedade civil, definidas de manei-ra limitada com relação ao “meio ambiente”, à “saúde”, ou à“agricultura”? Se não houver alguém que compreenda o pano-rama total, o desempenho geral, os programas e as políticasdas organizações sempre estarão defasados e poderão vir a sercontraproducentes.

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A nanotecnologia e seus sócios poderão afetar negativamenteoutros três setores industriais, caso não tentem controlar estastecnologias em benefício próprio. Trata-se dos setores de trans-porte, macro-materiais (incluindo mineração, construção e in-dústria pesada) e combustão (energia), que tendem a obter taxasde lucro mais baixas (e, portanto, finanças menos flexíveis). Pelomenos a combustão e o transporte se beneficiam com a pesquisaem alta tecnologia. O único setor que poderia estar fora da cor-rida é o de serviços, formado por empresas atacadistas e varejistasnão associadas diretamente aos demais setores.

Mas nem mesmo estas previsões são seguras. No campo daprodução, estão ocorrendo convergências que sugerem a con-centração do mercado em mãos de um grande fabricante e deum grande distribuidor. Se continuarem as convergências, suaunião seria inevitável. Muito depende da medida em que ananotecnologia invada a manufatura – e da velocidade com queo faça. “O Wal Mart não é necessário se muros não forem neces-sários” (Jogo de palavras em inglês: There is no need for Wal Martif there is no need for walls). Por outro lado, o Wal Mart estáfundindo armazém de comestíveis e produtos para o lar, bens deconsumo, remédios e serviços financeiros em seus “supercentros”e, com vendas no varejo no valor de 156 bilhões de dólares, em1999, já controla assombrosos 5% do mercado varejista dos Es-tados Unidos, que totaliza 3 bilhões (sic – trilhões?) de dólares.Estará o Wal Mart superado ou é a onda do futuro? Se ananotecnologia penetrar gradualmente nos bens de consumo,então as companhias mais próximas ao consumidor, os varejis-tas, são os que têm mais probabilidades de se beneficiar. Se seuspróprios inventores conseguirem impor a nanotecnologia aomercado, os revendedores, que operam de seus armazéns, perde-rão frente ao comércio eletrônico pela Internet.

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O Século 21 197

QUADRO 15 – Indústria elementar

Fonte: "Fortune Global 500" in Fortune Magazine, 1999

Um exame superficial da lista das 500 empresas globais daFortune está longe de ser um estudo das principais forças inova-doras na economia global. Na melhor das hipóteses, sugere o“peso” que pode ser atribuído a algumas configurações de poderfinanceiro. O número de empresas em cada setor da lista das 500Globais da Fortune vai desde um mínimo de 84 nos transportes,até quase o dobro no setor geral. No entanto, esta lista indica osprincipais atores da economia mundial e sugere o poder econô-mico que estes atores poderiam usar para obter o domínio deuma sociedade transformada pela tecnologia.

Nosso Futuro não ComumMuitas organizações da sociedade civil, que trabalham para

que a segurança alimentar seja fruto do progresso da agricultura,estão sendo levadas, pela tecnologia, a campos nunca imaginados.Faz 20 anos que a RAFI publicou Seeds of the Earth, a primeiraanálise política da indústria de materiais genéticos e de regimesde patentes sobre a vida. Naquela época, ninguém tinhaconsciência da bioteconologia – que nem mesmo tinha nome –e ninguém previa o mundo em que vivemos agora. Hoje estamos

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198 Pat Roy Mooney

além do ponto em que é possível enfrentar as crises ou astecnologias que se sucedem umas às outras. Estamos além doponto em que é possível isolar setores especiais, como aagricultura, a indústria farmacêutica ou a da segurança. Sempreentendemos os vínculos teóricos (e, claro, as conexões são semprevisíveis nas culturas rurais), mas agora esses vínculos estão setornando universais. As organizações da sociedade civil devemperceber e começar a pensar de outra forma, acompanhando osnovos tempos. Estamos às vésperas da nova República do Binano,global e empresarial.

Notas1. Masters, Roger D., Fortune is a River, Plume Books, 1998. O tema deste livro é a

relação entre Da Vinci e Maquiavel e sua conspiração para controlar a Itália central2. Kaplan, Robert D., “Was Democracy Just a Moment?”, in Atlantic Monthly, dezem-

bro de 1997, p. 71.3. Bridgstock, Martin, et al., Science, Technology, and Society: An Introduction, Cambridge

University Press, 1998, p. 227.4. Corrigan, Tracy, “Cross-border M&A deals at record levels”, in Financial Times, 5 de

abril de 1999, p.16. O artigo situa a cifra, para os primeiros três meses de 1999, em855 bilhões de dólares – um pouco menos do recorde global de 1996 – mas há razõespara crer que esta cifra aumentará um pouco nos ajustes finais. O mesmo artigo situao total global de F&A em 1998 em 2,5 trilhões de dólares. Tanto o artigo da FinancialTimes quanto a RAFI utilizam como fonte principal o site de Securities Data naInternet.

5. Our Creativity Diversity, UNESCO, 1995, p. 138.6. Para um exame mais completo do ambiente estadunidense e global no que se refere

às fusões, no período 1974-1997, v. Development Dialogue, Número especial de 1996,da revista da Fundação Dag Hammarsjöld, “The Parts of Life”, capítulo 7, “PrivateParts”, p. 134-137, de Pat Mooney, da RAFI.

7. “Business this Week”, in The Economist, 8 de julho de 2000, p. 5.8. Human Development Report 1999, PNUD, p. 67.9. “Business this Week”, cit., p. 5.10. Pilling, David, e Adrian Michael, “Pfizer seals Warner-Lambert deal”, in Financial

Times, 8 de fevereiro de 2000 (a nota sobre o negócio está em ft.com, na Internet).11. “Business this Week”, cit., p. 5.12. “Mergers and Alliances hold my Hand”, in The Economist, 15 de maio de 1999 (da

biblioteca de The Economist na Internet).13. Human Development Report 1999, PNUD, p. 67 e 57, respectivamente.

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O Século 21 199

14. Ibid., p. 68.15. Human Development Report 1999, PNUD, destaque 49, p. 84.16. Rivette, Kevin G., e David Kline, Rembrandts in the Attic: Unlocking the Hidden

Values of Patents, Boston, Harvard Business School Press, 2000, p. 8-10.17. Mullaney, Timothy J., e Spencer E. Ante, “Information Wars”, in Business Week, 5 de

junho de 2000, p. 107.18. “Fear of the Unknown”, in The Economist, 4 de dezembro de 1999, p. 61.19. “Toxic Leak”, in New Scientist, 4 de dezembro de 1999, p. 21.20. “Resistance is Useless”, in New Scientist, 19 de fevereiro de 2000, p. 21.21. Edwards, Rob, “Is it or isn’t it?” in New Scientist, 4 de março de 2000, p. 5.22. Graham-Rowe, Duncan, “Possums on the Pill”, in New Scientist, 4 de março de

2000, p. 18.23. “Just give us the facts”, Editorial, New Scientist, 15 de abril de 2000, p. 17.24. Coghlan, Andy, “Pockets of Resistance”, in New Scientist, 15 de abril de 2000, p. 5.25. “Maize malaise”, in New Scientist, 27 de maio de 2000, p. 4.26. Coghlan, Andy, “Sowing Dissent”, in New Scientist, 27 de maio de 2000, p. 4.27. Edwards, Rob, “Look before it leaps”, in New Scientist, 24 de junho de 2000, p. 5.28. “Red faces all around”, in New Scientist, 10 de junho de 2000, p. 5.29. Sample, Ian, “Modified crops could corrupt weedy cousins”, in New Scientist, 15 de

julho de 2000, p. 6.30. “Young, but mad”, New Scientist, 8 de julho de 2000, p. 5.31. “CID creeps up”, New Scientist, 12 de agosto de 2000, p. 19.32. “Triumph for Diversity”, New Scientist, 19 de agosto de 2000, p. 21.33. Kilman, Scott, “Modified Corn a Threat to Butterfly, Study Says”, Wall Street Journal,

22 de agosto de 2000.34. “Stick a Label on it”, New Scientist, 5 de agosto de 2000, p. 5.35. Coghlan, Andy, “Killer Tomatoes”, New Scientist, 23 de setembro de 2000, p. 9.36. “Shells off the shelves”, New Scientist, 30 de setembro de 2000, e Mennella, Noelle,

Paris, 9 de novembro de 2000 (Reuters).37. MacKensie, Debora, “Stray genes highlight superweed danger”, New Scientist, 21 de

outubro de 2000, p. 6.38. MacKensie, Debora, “La folie française”, New Scientist, 28 de outubro de 2000, p. 6.39. A RAFI participou da reunião do CGIAR, em Washington, de 23 a 27 de outubro,

e participou ativamente na oposição ao rascunho “New IPR Guiding Principles”.40. FAO, Mesa Redonda de Especialistas Eminentes sobre Ética na Alimentação e na

Agricultura, primeira sessão, Roma, 26-28 de setembro de 2000.41. Mennella, Noelle, Paris, 9 de novembro de 2000 (Reuters).42. Comunicado à imprensa da Monsanto, 10 de fevereiro de 2000.43. As referências à ADM, DuPont e Novartis, com relação aos alimentos funcionais, se

baseiam em notícias publicadas em Inverfield News, 12 de fevereiro de 2000, no siteInverizon International Inc, na Internet.

44. Cramb, Gordon, “Ahold Eyes 10 Takeovers Targets”, in Financial Times, 1o de no-vembro de 1999, p. 16.

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200 Pat Roy Mooney

45. The Economist, 8 de julho de 2000, p. 5.46. Calian, Sara, “Diageo has discussions on Pillsbury”, Wall Street Journal, 14 de julho

de 2000, p. B8.47. Torres, Filemón, Martin Piñeiro, Eduardo Trigo e Roberto Martinez Nogueira,

Agriculture in the Early XXI Century: Agrodiversity and Pluralism as a Contribution toAddress ssues o ood (sic) Security, Poverty, and Natural Resource Conservation, DRAFT,GFAR, Roma, abril de 2000, p. 14.

48. Ibid., fig. 1.49. Ibid., p. 14-15.50. Ver o Communiqué da RAFI, “The Gene Giants”, março/abril de 1999.51. Ver o Communiqué da RAFI, “Phase II for the Human Genome Project”, janeiro-

fevereiro de 2000.52. Em 1998, a RAFI conseguiu obter do Exército dos Estados Unidos, por meio da Lei

de Liberdade de Informação estadunidense, documentos de um seminário sobre ar-mas biológicas e novas tecnologias associadas. Como o Exército dos Estados Unidosenvolvera em seu seminário vários civis (cientistas e empresas de biotecnologia), osdocumentos tinham de ser apresentados ao público, se alguém os solicitasse. Duran-te os meses seguintes, a RAFI utilizou esses documentos, combinados com outrasfontes de informação, para desenvolver o quadro geral sobre as tecnologias associa-das, apresentado neste livro.

53. Ver o Communiqué da RAFI, “The Gene Giants”, março/abril de 1999.54. Rosenthal, Elizabeth, “Maker of Cancer Drugs to Oversee Prescriptions at 11 Cancer

Clinics”, in New York Times, 15 de abril de 1997.55. “Clinton vs. the Drugmakers, Part 2”, in Business Week, 8 de maio de 2000, p. 62.56. “Prescription Drug Spending Soars”, in Wall Street Journal, 27 de junho de 2000, p.

A6.57. Day, Michael, “Mice to the Rescue”, in New Scientist, 1o de julho de 2000, p. 7.58. Fitzpatrick, Michael, “Life after Death”, New Scientist, 24 de junho de 2000, p. 7.59. Cohen, Philip, “Supercell”, in New Scientist, 24 de abril de 1999, p. 32-37, e desta-

que da p. 35 referente à Tecnologia Celular Avançada.60. Walker, Matt, “Vive la Différence”, in New Scientist, 17 de abril de 1999, p. 12.61. Boyes, Neil, “Inquiry discovers hidden gene trial casualties”, in New Scientist, 12 de

fevereiro de 2000, p. 12.62. “Entertainment – The weakling kicks back”, in The Economist, 3 de julho de 1999

(Economist Internet Library).63. Barber, Benjamin, “Signifiant Mergers in the Telecommunications Industry”, New

York Times, publicado na Internet pelo CEP, em 26 de junho de 1997.64. Veronis, Suhler & Associates, “Communications Industry Transactions Report –

Highlights”, do site da empresa na Internet, publicado em 1999.65. “Viacom Redstone says era of big media mergers is over for now”, Fox News Release,

28 de outubro de 1998.66. “The World is not Enough”, Securities Data Corp., 5 de janeiro de 2000, publicado

em http://www.securitiesdata.com

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O Século 21 201

67. The Economist, 8 de julho de 2000, p. 8.68. “The Record industry takes fright”, The Economist, 30 de janeiro de 2000, em http:/

/www.economist.com69. Paterson, Christopher, “Global Television News Services”, in Sreberny-Mohammadi,

Annabelle, et al. (eds.), Media in Global Context – A Reader, Londres, Arnold, 1997,p. 145-154.

70. Musa, Mohammed, “From Optimism to Reality: An Overview of Third World NewsAgencies”, in Golding, Peter e Phil Harris (eds.), Beyond Cultural Imperialism, Lon-dres, Sage Publications, 1997, p. 128 e 139.

71. Margolis, Mac, “In the Company of Giants”, in Woodbull, Nancy e Robert W. Snyder(eds.), Media Mergers, New Brunswick e Londres, Transaction Publications, 1998, p.148.

72. Our Creativity Diversity, UNESCO, 1995, p. 106-107.73. “Mergers and Alliances Hold my Hand”, in The Economist, 15 de maio de 1999.74. Veronis, Suhler & Associates, “Communications Industry Transactions Report –

Highlights”, do site da empresa na Internet, publicado em 1999.75. “Going Hollywood”, in Business Week, 3 de julho de 2000, p. 124-129.76. “Telecommunications: Look no wires”, in The Economist, 3 de janeiro de 1999, Bi-

blioteca de The Economist na Internet.77. “Telecoms gold from fibre”, in The Economist, 22 de maio de 1999, Biblioteca de The

Economist na Internet.78. Securities Data Corporation, junho de 1999, de seu site na Internet.79. “European Telecoms in a Table”, The Economist, 22 de maio de 1999, Biblioteca de

The Economist na Internet.80. Human Development Report 1999, PNUD, p. 67.81. Ibidem.82. The Economist, 8 de julho de 2000, p. 8.83. Comunicado pessoal, 3 de março de 1999. V. também Kaplan, Robert D., “Was

Democracy just a Moment?”, Atlantic Monthly, dezembro de 1997, p. 55-80.

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Chave: Os “heróis” esquecem seus parlamentos

• Há cinco décadas as organizações não governamentais (ONG)estavam preocupadas principalmente em aliviar a fome e osdesastres. Poucas estavam interessadas no que mais tarde che-gou a ser conhecido como “desenvolvimento”; menos ainda eramas que tinham ouvido falar em meio ambiente.

• Há quatro décadas, a palavra-chave era “desenvolvimento” eo foco estava na agricultura, na saúde e na educação.

• Há três décadas, como o “desenvolvimento” não fazia maioresprogressos, as ONG ampliaram seu horizonte para incluir ocomércio e a mudança política.

• Há duas décadas, as ONG descobriram o “meio ambiente” e o“gênero” e algumas começaram a estabelecer vínculos entre odesenvolvimento, o meio ambiente e a inclusão política.

• Há uma década, as organizações da sociedade civil (OSC)tomaram consciência da “globalização” e começaram a se mover

ETC: BUSCANDO SOLUÇÕES PARAUMA NOVA ERADe Binano a Platão?

Para escapar à interminável profusão, fragmentação e complicação da ciência moderna e recuperar o elemento

da simplicidade, devemos perguntar-nos sempre:como Platão teria abordado uma natureza que é ao

mesmo tempo simples na essência e múltipla na aparência?Goethe1

A democracia se converte em despotismo.

Platão, A República, Livro VIII

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204 Pat Roy Mooney

além dos problemas do momento, em busca de um programamais geral.

• Hoje, temos ainda à nossa frente um longo caminho, no as-pecto institucional, programático e intelectual, antes de estar-mos preparados para enfrentar os desafios do Século ETC.

Nas primeiras semanas de 1999, apresentamos as primeirasversões deste documento em duas reuniões muito diferentes. Aprimeira, em Cuernavaca, México, convocada pelo IATP (Institutefor Agriculture and Trade Policy) para o Fórum Global sobre Agri-cultura, reuniu ativistas agrícolas de todas as partes do mundo.Seu objetivo principal era a biotecnologia agrícola e a concentra-ção empresarial dos agronegócios. A segunda aconteceu em Luleâ,Suécia, organizada entre outros pela Fundação Dag Hammarskjöld,e reuniu pessoas com pontos de vista diferentes, para discutir asimplicações mais amplas de todas as formas de biotecnologia. Emambos os casos, o documento provocou, aparentemente, mais cons-ternação e depressão do que energia ou ação. No começo de abrilde 2000, tive a oportunidade de apresentar um rascunho maisextenso a um grupo de acadêmicos interessados, no Centro DagHammarskjöld de Uppsala, Suécia. A última revisão do texto, quasepronto, foi compartilhada com cerca de 25 ativistas de biotecnologiade todos os rincões do mundo, que se reuniram em um bosquenas Blue Mountain, no Estado de Nova Iorque, na primeira meta-de de outubro. De novo, o efeito do documento sobre as organiza-ções da sociedade civil foi similar ao de Terminator nas sementes:estimular o suicídio.

Esta não era a minha intenção. Não me falta otimismo. Atéagora só estou sugerindo o que acontecerá se a sociedade nãoresponder, e se não responder rapidamente. Creio que é possívelatuar em várias frentes. Aqui apresentarei um breve resumo.

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Erosão

A erosão de liberdades e de direitos culturais deve ser enfati-camente vinculada à erosão do ecossistema e ao declínio geraldos direitos humanos, em fóruns nacionais e internacionais. Claroque é mais fácil dizer do que fazer, mas já existe um grande mo-vimento nesta direção. No excelente trabalho da Comissão deDireitos Humanos da ONU sobre o direito à alimentação e seuscontínuos esforços em prol dos direitos dos povos indígenas, háamplo espaço para estabelecer o vínculo com a Declaração Uni-versal e começar a elaborar modelos operativos e organizativoscapazes de salvaguardar o meio ambiente e também as pessoasque vivem nele. O trabalho pioneiro da FAO sobre os direitosdos agricultores e o importante trabalho da ONU sobre direitosculturais fazem parte desse esforço. E o mais significativo, o Re-latório sobre Desenvolvimento Humano 2000, do PNUD, Direi-tos Humanos e Desenvolvimento Humano, abre a porta para umadiscussão muito mais completa sobre os vínculos entre erosões edireitos humanos.

As organizações ambientais da velha guarda não conseguiramreconhecer a conexão entre o conhecimento indígena e a so-brevivência do ecossistema, entre a eqüidade e a erosão. Deve-riam “fechar suas portas”, ou então buscar transformar suasorganizações em um novo movimento pela diversidade, capazde vincular a eqüidade e a erosão aos direitos humanos.

A tarefa central, aqui, consiste em entrelaçar os problemas deerosão e direitos humanos. No entanto, também é urgente e ne-cessário estender isso à análise das convenções e protocolos quepoderão contribuir para salvaguardar a dissidência e regulamen-tar a introdução de tecnologias não experimentadas.

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206 Pat Roy Mooney

Algumas medidas que poderiam ser tomadas imediatamente:

• As organizações da sociedade civil (OSC) e os orga-nismos multilaterais e bilaterais deveriam avaliar seusprogramas de alfabetização, a fim de se certificar de queestão contribuindo para a conservação e o avanço dossaberes indígenas e locais e não os estão destruindo semperceber.

• Organismos da ONU, como a UNESCO, o PNUD, aOMS e a FAO, deveriam empreender uma avaliação deseus próprios programas de conservação genética e doecossistema, para assegurar que haja reconhecimento, res-peito e proteção ao papel do saber indígena e tradicional.

• O CGIAR, as associações de jardins botânicos e as associa-ções acadêmicas relacionadas à conservação e ao melhora-mento de recursos biológicos deveriam agir para integrar,de forma respeitosa, o papel do conhecimento indígena asuas atividades, sem piratear esse conhecimento.

• As comunidades e os países deveriam considerar acriminalização da pirataria cultural e da biopirataria (in-cluindo material genético ou conhecimento local) por meiode legislação local, nacional e internacional.

• As organizações profissionais que representam agrônomos,fitomelhoradores, médicos, antropólogos, etnobotânicosetc., deveriam rever e atualizar seus códigos éticos a fim deincorporar a necessidade de conservar e estimular a diver-sidade em todas as suas manifestações.

• Os organismos governamentais e as organizações da socie-dade civil dedicadas ao meio ambiente deveriam rever suasprioridades para enfrentar a erosão ambiental também doponto de vista dos direitos humanos e da justiça social, e

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prestar a devida atenção à desproporcional carga de des-truição ambiental que recai sobre grupos marginalizados.

• As organizações da sociedade civil e os consumidores de-veriam exigir indicadores ambientais e de justiça social nasetiquetas dos produtos, e evitar as “marcas monopólicas”,que marginalizam ainda mais os agricultores pobres.

• Deveria ser criado um Inventário de Erosão / DireitosHumanos da ONU, para monitorar e assegurar que o temados direitos humanos seja integrado a todos os programase atividades relacionadas com a erosão cultural e ambiental.

As organizações da sociedade civil que poderão, se quiserem,desempenhar um papel de liderança aqui, são obviamente as or-ganizações de povos indígenas e de agricultores. Também o mo-vimento de mulheres e o movimento ambientalista deverão de-sempenhar papéis importantes.

Proposta de Inventário da Erosão / Direitos Humanos da ONUJustificativa: as iniciativas intergovernamentais relacionadas com o

ecossistema – os pontos programáticos do CNUMAD (Rio 92) sobrebiodiversidade, florestas, desertificação e mudanças climáticas – estabele-cem conexões muito limitadas com a erosão cultural e menos ainda com adestruição das relações eqüitativas. Outros trabalhos intergovernamentaisde apoio à diversidade cultural – por exemplo, os da UNESCO e da OIT –possivelmente subestimam os vínculos com a erosão ambiental. Torna-senecessário um inventário do que se está fazendo para integrar os direitos eas erosões ao sistema da ONU e desenvolver a capacidade para integraresses elementos em um programa de trabalho conjunto entre organismosda ONU e em nível nacional.

Elementos do inventário: O inventário deveria identificar e destacar ca-sos de erosão simultaneamente cultural e ambiental de grupos vulneráveis(que são os que geralmente sofrem mais abusos em termos de direitoshumanos). Com base nesses resultados, o inventário deveria examinar os

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208 Pat Roy Mooney

compromissos já assumidos no marco da ONU. Alguns exemplos de áreasde inventário com relação às distintas formas de erosão seriam:

• A situação dos Povos Indígenas no fim de sua década.• A situação dos Direitos dos Agricultores e do Direito à Alimentação a

partir da UNCED e da Cúpula Mundial da Alimentação.• O papel das mulheres desde a primeira grande Conferência sobre as

Mulheres, da ONU.• Os mecanismos intergovernamentais utilizados e necessários para

conservar e integrar esses elementos.Processo político: Esta iniciativa poderia ser tomada pelo Alto

Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, como contribuição à Con-ferência UNCED + 10, programada para 2002, na África do Sul.

Tecnologia

Nós, que temos lutado durante a história da biotecnologia,aprendemos, entre muitas outras coisas, a enfrentar politicamentea complexidade de uma ciência em rápida evolução. É uma liçãoimportante. Deveria permitir-nos formular o marco legislativo,regulador e social necessário para guiar a avaliação – e (quandofor o caso) a introdução – de novas tecnologias. Ao considerar ananotecnologia e seus parentes próximos, deveríamos ser capa-zes, desde logo, de postular o seguinte:

• Os negociadores que fazem as revisões finais da Conven-ção sobre Armas Biológicas e Tóxicas deverão levar plena-mente em conta os perigos das etnobombas e doagroterrorismo de Estado e aceitar as propostas feitas porgrupos como a British Medical Association e os excelentesacadêmicos da Universidade de Norwich.

• Os mesmos negociadores deverão também condenar atecnologia Terminator como exemplo de arma biológica.

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O Século 21 209

• De acordo com as preocupações expressas pelo ProjetoSunshine, as experiências dos Estados Unidos comagroterrorismo (e seus possíveis usos) com relação aos cul-tivos de narcóticos deverão ser condenadas pelos governosem todos os fóruns intergovernamentais apropriados.

• A Convenção sobre Diversidade Biológica e sobre aConferência da FAO deve sair de “cima do muro” e pedira proibição total da tecnologia Terminator.

• Os governos deverão impor uma moratória ao desenvolvimentode nanomaquinaria auto-reprodutora a menos e até que possamser adotados acordos intergovernamentais que estabeleçamnormas e garantam a segurança das nanotecnologias.

• É necessário estabelecer, em nível nacional e internacional,as regulamentações e os recursos necessários para asseguraruma verdadeira compreensão social e um discursoinformado sobre os objetivos sociais adequados a uma novatecnologia e à possiblidade de sua introdução.

• É necessário fazer e discutir avaliações do impacto de qual-quer possível “erosão” (ambiental, ética, cultural ou de di-reitos humanos) antes de se introduzir qualquer tecnologianova.

• É preciso dispor dos estudos de referência e dos instru-mentos de monitoramento necessários para rastrear e con-trolar a proposta de introdução de uma tecnologia nova.

• É preciso que os mecanismos legais necessários para reverefetivamente e/ou retirar uma tecnologia já introduzida quese torne destrutiva estejam disponíveis e em condições defuncionar.

• No processo de CNUMAD + 10 (Rio + 10) deverá sernegociada uma Convenção Internacional para Avaliaçãodas Novas Tecnologias.

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210 Pat Roy Mooney

A atual e crescente preocupação social com a biotecnologia,junto com as implicações – às vezes impactantes – de outras novastecnologias, deveriam permitir à sociedade civil pressionar os go-vernos, os cientistas responsáveis e os consumidores, a fim de queenfrentem esses problemas agora, antes que seja tarde demais.

Este é um terreno em que os participantes do debate sobre abiotecnologia podem unir forças com os movimentos de traba-lhadores e consumidores para apoiar ações legislativas.

CIENTProposta para uma Convenção Internacional de Avaliação deNovas Tecnologias

Justificativa: Todos os que participaram da elaboração do Protocolo deBiosegurança de Cartagena (inclusive a indústria) deveriam estar de acordoem que o protocolo é “demasiadamente pouco, demasiadamente tardio”.Devido em parte a que a biotecnologia agrícola teve uso comercial muitosanos antes do protocolo, as pressões políticas exercidas pela indústria dabiotecnologia e organizações da sociedade civil distorceram a avaliação cien-tífica e social da tecnologia e os riscos e oportunidades a esta associados.Todos concordam quanto a alguns pontos básicos importantes, que deveriamlevar os governos a negociar uma convenção sobre tecnologia:

• Quanto mais cedo uma tecnologia for avaliada, mais probabilidadesexistem de que a avaliação fique livre de distorções.

• Quanto mais cedo a avaliação for realizada, mais probabilidades exis-tem de que as tecnologias inaceitáveis para uso público possam serdetidas ou retardadas enquanto não estiverem prontas para uso pú-blico, o que significa menos custos e riscos para os proponentes epara os beneficiários.

• É necessária uma convenção sobre tecnologia. Existem poderosastecnologias novas no horizonte – e muitas outras além do horizonte,com impacto igual ou maior do que o da biotecnologia.

Elementos de uma convenção: Como é compreensível, cada tecnologianova exigirá formas especializadas de avaliação, de forma semelhante ao pro-

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O Século 21 211

cedimento que seguem os escritórios de patentes, ou seja, o desenvolvimen-to de habilidades específicas para cada tecnologia, a fim de determinar aaceitabilidade das invenções. No entanto, uma convenção global poderia forne-cer um “modelo básico” que determine a participação social, os prazos e outrospontos do processo. As Nações Unidas poderiam convocar uma convenção in-ternacional legalmente obrigatória, incluindo os seguintes elementos:

• Instaurar mecanismos acessíveis e transparentes, capazes de identi-ficar tecnologias novas potencialmente significativas, que requeiramavaliação nos termos da convenção.

• Determinar os estudos de referência e os sinais de desenvolvimentonecessários para permitir a avaliação da tecnologia e o acompanha-mento de sua evolução.

• Assegurar a plena e efetiva participação na avaliação de todos ossetores da sociedade, especialmente aqueles que os responsáveispela nova tecnologia identifiquem como possíveis afetados (positivaou negativamente), mas incluindo também todos os setores sociaishabitualmente excluídos, como os pobres, as mulheres, as associa-ções de deficientes físicos, os povos indígenas, os trabalhadores, osconsumidores e os cientistas do setor público.

• Estabelecer processos consultivos acessíveis e transparentes, assimcomo prazos para avaliação de cada tecnologia.

• Por meio de processos de estudo e de consulta, estabelecer os ter-mos e as condições em que uma tecnologia nova poderá ser introduzidana sociedade e no meio ambiente e os termos e condições em que atecnologia deve ser retirada se, depois, mostrar-se ameaçadora.

• Monitorar o impacto de uma nova tecnologia depois de sua introdução.

Processo político: O 10o aniversário da “Cúpula da Terra”, de 1992(CNUMAD, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De-senvolvimento), em 2002, será a ocasião para uma revisão completa daAgenda 21. O processo preparatório desta conferência de revisão é o mo-mento perfeito para que governos e organizações da sociedade civil pressio-nem pela realização de uma Convenção Internacional. Na CNUMAD + 10, acomunidade internacional deveria acertar a realização desta convenção efixar o prazo e o processo para sua negociação e aplicação.

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A CNUMAD + 10 não terá muito que celebrar. Em lugar de limitar-nosa examinar seus fracassos, deveríamos adotar programas para revertê-los.

ConcentraçãoO Fórum Internacional sobre Globalização e todos os orga-

nismos que lutaram tão bem contra o Acordo Multilateral sobreInvestimentos (AMI) parecem perceber claramente que têm umaoportunidade e um papel importante na oposição às empresastransnacionais. Mas precisarão de mais aliados, de mais dados ede mais recursos. Também necessitarão da participação enérgicado movimento sindical. Uma vez mais, iniciativas nacionais einternacionais poderão ajudar em muito a definir o marco ne-cessário para defender a sociedade contra a concentração do po-der empresarial. Entre as possíveis ações concretas estão:

• Maior desenvolvimento dos pontos de referência e dosmecanismos legais necessários para monitorar a democra-cia e as instituições democráticas, com especial ênfase nainclusão e na informação.

• Maior desenvolvimento legal do direito à dissidência e dosmecanismos de monitoramento e imposição necessáriospara salvaguardar este direito.

• Em uma iniciativa relacionada com a anterior, moderniza-ção da legislação que protege o indivíduo e a comunidade,não apenas de novas invasões tecnológicas, mas tambémde novas demandas empresariais e estatais.

• Desenvolvimento de leis sobre monopólios e sobre con-corrência com base nas novas tecnologias que facilitem omonitoramento da tecnoconcentração e assegurem a ca-pacidade reguladora para impedi-la.

• Ressurreição de políticas e leis sobre a concorrência, assimcomo códigos de conduta.

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• Restabelecimento pela ONU de seu Centro sobre Empre-sas Transnacionais e abandono de seu desonroso PactoGlobal com as empresas transnacionais.

• Intensificação dos esforços pela reforma do sistema finan-ceiro global dominante, a fim de conter a destrutiva espe-culação financeira e as megafusões de empresas.

• Análise, pela Assembléia Geral da ONU, da possibilidadede convocar uma Sessão Especial da Assembléia sobre“genoma e tecnologias associadas”, uma “Cúpula doGenoma” (ver o destaque).

Os três dogmas dos ativistas da biotecnologia têm sido: ostransgênicos são antinaturais; patentear a vida é imoral; atecnologia é uma armadilha empresarial. Que faremos quandoas espécies se modificarem geneticamente a si próprias, osoligopólios empresariais já não necessitarem de patentes e aserosões forem tão completas que teremos de depender das no-vas tecnologias para sobreviver?

Esta lista não pretende excluir outras iniciativas para recusarou redefinir a situação das empresas ou das instituições “deresponsabilidade limitada” (Cia. Ltda.). São objetivos úteis eválidos, embora a RAFI lamente que só seja possível alcançá-losdepois de uma transformação social em grande escala.

Proposta para uma Cúpula do Genoma:Uma Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU sobre NovasTecnologias para o Genoma – Conservação, Controle e Uso

Justificativa: Embora a ciência e as tecnologias sejam similares e muitosde seus usos se entrelacem, os mecanismos reguladores governamentais eas instituições intergovernamentais tratam o problema da conservação, docontrole e do uso de recursos genéticos de forma muito diferente, dependen-do se seu uso final é agrícola, médico, ambiental ou em outras indústrias. O

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desenvolvimento dos nutracêuticos e de produtos farmacêuticos e a fusão dabiotecnologia com outras tecnologias novas, como a nanotecnologia, mos-tram claramente que essa separação é artificial. E tão similares quanto osinstrumentos de manipulação são os instrumentos de propriedade e de con-trole do genoma e das tecnologias associadas. Nesta situação vital e emrápida transformação, é necessário que a ONU estude todo o problema rela-cionado com o genoma na sociedade.

Elementos da Sessão Especial: entre os elementos-chave que a As-sembléia Geral deveria rever estão:

• Problemas de propriedade, incluindo a propriedade intelectual e ou-tros mecanismos biológicos, mecânicos e legais que podem outorgarcontrole monopolista.

• Problemas éticos, incluindo normas e diretrizes para pesquisadores,coletores e os que comercializam produtos e processos relacionadosaos genomas.

• Problemas de armamento, incluindo a possibilidade de armas biológi-cas contra populações e sua subsistência.

• Problemas setoriais, incluindo a análise específica dos usos agrícolas,médicos, ambientais e outros das tecnologias dos genomas.

• Problemas de novas ameaças, incluindo o exame de possíveis efeitosnegativos de tecnologias dos genomas em desenvolvimento.

Processo político: Uma sessão especial da Assembléia Geral da ONUpermitirá aos governos e organismos da ONU enfrentar as complexidadesdo genoma e suas implicações para as sociedades humanas nos anos queestão por vir. A iniciativa contribuirá para os esforços das organizações dasociedade civil para ampliar a compreensão dos problemas e estimularáuma avaliação mais cuidadosa e completa das tecnologias.

Quem decide?

Quando analisamos as possíveis soluções, voltamos sempreao problema do governo e da inclusão. Quem toma as decisões

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Cientistas Fundos Artigos Patentes

Sul Norte

sobre a ciência futura? Quem são os que negociam as políticas?Na realidade, as pessoas que “decidem” são muito poucas, e osque estão nos cargos de poder provêm precisamente de um pu-nhado de empresas, de um número ainda menor de países, etendem a ser homens, brancos, de meia idade e de classe média.(Muito semelhantes a este autor...)

No entanto, há pelo menos três fóruns onde seria politica-mente possível melhorar (embora talvez não resolver) os proble-mas de participação na formulação da política e da ciência: asnegociações no sistema da ONU; as comunidades religiosas; e,por meio dos esforços das organizações da sociedade civil, a in-clusão das populações marginalizadas (mulheres, povos indíge-nas e os tão esquecidos grupos de deficientes).

GRÁFICO 10 – Quem decide a ciência futura?Comparação entre países do Norte e do Sul

Negociações no sistema da ONUEmbora nunca tenha sido maior o ceticismo quanto à ONU,

esta nunca foi tão necessária, e raras vezes mostrou maior poten-cial para a ação como agora. Na Comissão de Direitos Humanos,na OIT, na FAO e na OMS há dirigentes experientes, enérgicos e

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independentes que, separadamente e em conjunto, podem fazeruma diferença enorme. A nova Corte Internacional de Justiça e aCorte Penal Internacional oferecem novas possibilidades de açãolegal global. A ONU tem muitos profissionais altamente qualifi-cados e politicamente capazes, de orientação progressista. Eles de-vem compreender que neste momento é preciso correr riscos. Separa a tecnologia esta é a Época de Lilliput, por parte dos dirigen-tes, necessitamos de grandeza.

As próprias secretarias da ONU devem enfrentar as grandesinjustiças que existem nas negociações intergovernamentais. Osestudos em curso na Agência Sueca para o Desenvolvimento Inter-nacional (ASDI) e no Banco Mundial explicitaram dolorosa falta deconexão na formulação de políticas governamentais, enquanto osministros de comércio, meio ambiente ou agricultura correm deuma reunião da ONU para outra reunião da ONU. Isso não é umproblema exclusivo do Sul, mas as conseqüências costumam sergraves para os países do G 77.2 Esta iniqüidade se exacerba aindamais pelas diferenças quanto a acesso às comunicações e à informa-ção. No início dos anos 90, por exemplo, quando o mundo nego-ciava problemas vitais de comércio, meio ambiente, patentes e re-cursos genéticos, mais de 90% das bases de dados sobre a África sópodiam ser encontradas na Europa.3 Não só a informação não estavaao alcance dos formuladores de políticas que mais precisavam dela,como a capacidade de comunicar-se também era desigual. EmTóquio ou Manhattan há mais telefones do que na África inteira;4

custa 75 dólares para os negociadores que estejam em Madagascarou na Costa do Marfim trocar, através de portador, um texto de 40páginas (o que demora 5 dias), enquanto o mesmo texto pode ir (emdois minutos) de Camberra para Genebra por 20 centavos, além domais com cópias para todos os demais negociadores da União Eu-ropéia, por muito pouco tempo e custo adicional.5 O custo das via-

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gens também age contra a justiça das negociações. Recentemente,Kate Harrison, do IDRC (International Development ResearchCentre, Ottawa), examinou a participação de governos nosubcomitê científico da Convenção sobre Biodiversidade em suasquatro reuniões em meados de 1999. Utilizando como medida oÍndice de Desenvolvimento Humano em três níveis do PNUD,Harrison descobriu que a participação de governos das nações maispobres do planeta era não só muito menor que a de seus vizinhosmais ricos, mas também fora diminuindo perceptivelmente à me-dida que os doadores dos países ricos foram perdendo interesse emfinanciar a participação de Estados paupérrimos. E a situação é ape-nas marginalmente melhor nas 4 “COPs” analisadas (Conferênci-as das Partes). O Gráfico 11 mostra que, se bem a assistência tenhaaumentado, a participação que cabe aos países mais pobres não o fez.Um voluntário da RAFI, Kevan Bowkett, descobriu, além disso quea participação dos países do terceiro nível nas negociações sobregermoplasma na FAO (para um acordo legalmente obrigatório doSul, sobre intercâmbio de germoplasma) também era absurdamente

GRÁFICO 11 – Quem decide a política sobre biodiversidadeno Convênio de Diversidade Biológica?

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Número de delegados segundo as categorias do relatório sobre DesenvolvimentoHumano do PNUD

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GRÁFICO 12 – Quem decide sobre o germoplasma nos plantios?

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baixa (ver Gráfico 12). Organismos da ONU que têm recursos e de-dicação podem fazer muito, pressionando os governos para acabarcom essa desigualdade. E também as organizações da sociedade ci-vil têm um papel a desempenhar neste caso.

Entre as medidas concretas que poderiam ser tomadas pelasSecretarias da ONU estão:

• Os organismos deveriam documentar e informar a partici-pação dos Estados em cada reunião, segundo as categoriasgeopolíticas e do Índice de Desenvolvimento Humano,além de documentar cuidadosamente e publicar o númerode participantes de cada país.

• Ao descrever a participação dos governos nas negociações,os organismos deveriam identificar quais indivíduos vêmdas capitais e quais da missão local.

• Os organismos deveriam garantir que o número de sessõesparalelas em qualquer reunião não seja maior do que onúmero de delegados de nenhum dos países participantes,a menos que os países afetados renunciem unanimementea seu direito de participar de todas as sessões.

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• No início de cada reunião, os organismos deveriam infor-mar publicamente as datas de distribuição de cada docu-mento da reunião, por idioma, com uma resposta formaldas delegações dizendo quando receberam efetivamenteestes documentos.

• Os organismos deveriam informar também o número dedelegações (incluindo indivíduos) capazes de participar emsua língua materna de cada reunião de negociações.

• Toda a informação descrita deveria ser entregue em ummodelo que permitisse a comparação no tempo, e em formaacessível aos governos e ao público imediatamente antesou depois de cada reunião.

As organizações da sociedade civil que costumam monitoraras reuniões da ONU deveriam pressionar pela adoção desses pro-cedimentos e, se as secretarias não acedessem imediatamente,deveriam comprometer-se a fazer suas próprias análises de dadosde cada reunião, assim como um exame completo da negativa doorganismo em colaborar.

A participação moral e a comunidade da féHá 20 anos, o Conselho Mundial das Igrejas realizou sua

histórica conferência sobre Fé, Ciência e Sociedade. É hora defazer outra reunião. Apesar de muitas exceções efetivas einspiradoras, nos últimos 20 anos a comunidade religiosa estevelonge de funcionar como uma “voz profética”. Em geral, temfaltado à “comunidade da fé” coragem, competência e convic-ção. Está entrando em uma época em que a natureza da vida e asdimensões do viver possivelmente mudarão a ponto de tornar-seirreconhecíveis. Deve preparar-se, e não apenas com orações. Acomunidade religiosa fez alianças diplomáticas desonrosas. Se

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perdeu a fé em sua própria capacidade de participar do discursomoral, há outros que ainda acreditam que esses assuntos deveriamser expostos à sociedade.

A inclusão da política científica – povos marginalizadosAlém da negociação política, a participação do Sul na ciência

convencional também é pobre. No Sul estão 28% dos cientistasdo mundo (“ocidental”), mas apenas têm acesso a 12% dos fun-dos para pesquisa, produzem 6% dos trabalhos analisados por seuscolegas e recebem menos de 2% de todas as patentes. O que nãoreflete a qualidade da ciência do Sul, e sim os sestros doestablishment cientista dominante. Aqui o problema central não éa correção dos trabalhos ou as patentes, mas a inclusão das neces-sidades do Sul na política e no planejamento sobre a ciência.

Ainda mais sério é o problema da participação das mulherese de outras populações marginais. A maioria dos observadoresconcorda que as mulheres rurais e indígenas tendem a ser asmaiores depositárias do conhecimento científico local, assimcomo as principais inovadoras nos sistemas de pesquisa de basecomunitária. Portanto, a perspectiva e a participação das mulhe-res na reversão da erosão e na avaliação de tecnologias é vital.Igualmente essencial é sua análise sobre os efeitos da concentra-ção. A sociedade civil deveria ter uma capacidade substancial defazer crescer a participação das mulheres e dos povos indígenasna formulação das políticas. Até agora fracassamos quanto a isto.

Em meados dos anos 90, a proporção de mulheres que parti-cipava de organismos governamentais de assessoria científica eraassombrosamente pequena. Por exemplo, na Comissão para oDesenvolvimento Europeu de Ciência e Tecnologia da UniãoEuropéia, em 30 membros, havia uma única mulher. Dos 40membros do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia da Fran-

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ça, apenas dois são mulheres. As principais mesas redondas deassessoria científica da Holanda e da Grã-Bretanha – 12 mem-bros cada uma – só dispõem de um lugar para as mulheres. Omaior número corresponde ao conselho do presidente dos Esta-dos Unidos, onde 6 dos 18 assessores são mulheres.

Caberia esperar que os países da União Européia fossem par-ticularmente sensíveis à participação de mulheres em mesas re-dondas científicas de alto perfil. Mas, de fato, sua participaçãopolítica nessas mesas redondas é inferior à sua participação naeducação científica. Em meados dos anos 90, o analfabetismoentre as mulheres do Sul era quase o dobro do que entre os ho-mens (557 milhões em comparação com 315 milhões). A pro-porção de mulheres inscritas em cursos de ciência e tecnologiaaumentou até quase 40% na América Latina e cerca de 35% naÁsia e no Pacífico. No entanto, na África, onde as mulheres ocu-pam apenas 10% dos lugares nas aulas de ciência e tecnologia,sua participação se mantém igual ou diminuiu desde o começodos anos 70. O papel das mulheres nas ciências relacionadas coma nanotecnologia, como a física, é particularmente pobre. Detodos os que estudavam física nas universidades, em 1990, asmulheres eram menos de 5% em países de alta tecnologia, comoEstados Unidos, Alemanha, Canadá e Suíça, e pouco mais de5% na Grã-Bretanha e na Holanda. A maior porcentagem demulheres estudantes de física está em países como as Filipinas ePortugal, onde, ainda assim, apenas chegam a 30%.6

Especialmente inquietante é a participação das mulheres napesquisa agrícola, área da qual sua perícia está ausente há muitotempo e onde é urgentemente necessária. Em países como BurkinaFaso, Etiópia, Nigéria e Zâmbia, as mulheres não chegam a sernem 10% dos estudantes. No Brasil, um em cada 5 estudantesde ciências agrícolas é mulher e, no México, um em cada três.

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Entre os estudantes de medicina, a porcentagem de mulheresoscila entre o quinto e o quarto lugares na África, mas na AméricaLatina está próxima dos dois terços.7

E a participação de outros grupos marginalizados? Não dis-pomos de estatísticas sobre esse assunto. Ninguém pensa sequerem contá-los. Poderá haver coisa pior?

Das sementes a ETCétera

Estas propostas deveriam tornar-se possíveis e alentadoras portrês razões. Primeiro, é possível que tenhamos alguns anos, antesque a nanotecnologia e seus sócios estejam em condições de exer-cer o tipo de força política de que precisariam para impedir essasleis. Segundo, as organizações da sociedade civil têm uma expe-riência cada vez maior em enfrentar problemas sócio-científicoscomplexos e estas são coisas que poderíamos muito bem conse-guir. Terceiro, temos a nosso favor a crescente preocupação socialquanto à direção que toma a ciência privatizada.

Estas possíveis áreas de ação não pretendem ser as únicas.Falta ainda muito debate e estudo por parte das pessoas afetadas.É preciso aprofundar as análises. Além do mais, esta breve listade algumas possibilidades de ação refere-se à legislação nacionale internacional, e aos interesses de legisladores e advogados. Aquinão se fala da capacidade cada vez maior da sociedade civil dedesenvolver comunidades alternativas e estratégias em nível co-munitário e familiar que, no entanto, certamente é um recursoda maior importância e, sobretudo, um ideal.

Uma mensagem subjacente a toda esta análise é que, paraque o mundo enfrente os graves desafios que propõe o séculoETC, a sociedade civil deve por-se à frente em todos os níveis. É

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certo que precisamos trabalhar em associação com os pesquisa-dores progressistas, com os que tomam as decisões e com muitosoutros, mas a sociedade civil está em uma posição única paratomar iniciativas e pressionar por mudanças reais.

Com grande parte de nossa energia – e, mais ainda, de nossocoração – ainda no combate pela “Lei da Semente”, a via que nosconduziu a ETC não está tão distante como poderíamos pensare o caminho a percorrer continua cheio de incertezas com asquais aprendemos a lidar e que aprendemos a desafiar.

Equação da introdução de tecnologia proposta pela RAFIE=TC2. A Erosão é criada pela Tecnologia introduzida no contexto da

Concentração do poder empresarial e de classe. Por cada “Luddista” quebusca estabelecer controles sociais na introdução de novas tecnologias in-suficientemente experimentadas, há um “Eli-tista” que utiliza controles sociaispara impor novas tecnologias. Qualquer tecnologia importante introduzidaem uma sociedade que, por sua natureza, não seja uma sociedade “justa”exacerbará o abismo entre ricos e pobres.

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Em nossa tecnologia do silicone, as sementes, até certo ponto,atuam como máscaras... É necessário achar a maneira

de substituir as sementes por algum objeto manufaturado. Estasubstituição é fisicamente concebível (...) poderiam ser utilizadassubstâncias micromodeladas como sementes, para criar elementos

ativos, auto-organizados, como nanoestruturas e moléculas...D.Bois, France Telecom9

Estou convencido de que o próximo século fará com que este, em comparação, pareça tranqüilo.

Dr. Richard Smalley, guru da nanotecnologia e

Prêmio Nobel de Química, in Christian Science Monitor

Notas1. Naydler, Jeremy, Goethe in Science – An Anthology of Goethe”s Scientific Writings, Floris

Books, 1997, p. 44.2. Bengtsson, Bo, e Carl-Gustaf Thornström, “Biodiversity and Future Genetic Policy:

A Study of Sweden”, ESDAR, Special Report no 5, The World Bank and Sida, abrilde 1998. V. também: Collins, Wanda, e Michel Peit, “Strategic Issues for NationalPolicy Decisions in Managing Genetic Resources”, ESDAR, Special Report no 4,The World Bank, abril de 1998.

3. PNUD, Human Development Report 1999, p. 60.4. Our Creativity Diversity, Relatório da Comissão Mundial sobre Cultura e Desenvol-

vimento, UNESCO, 1996, p. 107.5. PNUD, Human Development Report 1999, p. 58.6. Harding, Sandra, e Elizabeth McGregor, “The Conceptual Framework”, World Science

Report 1996, UNESCO, Quadros das p. 305, 312 e 319.7. Makhubu, Lydia, “Global Perspectives” World Science Report 1996, UNESCO, p.

330.8. Cohn, David, “Combustion on Wheels – An Informal History of the Automobile

Age”, Boston, Houghton Mifflin, 1944, p. 58. Esta pesquisa foi feita por KevanBowkett, voluntário da RAFI.

9. Bois, D., “The 1980’s and 1990’s Microelectronics Logbook: Guidelines for the Future”,in Luryi, Serge, Jimmy Zu e Alex Zaslavsky (eds.), Future Trends in Microelectronics –The Road Ahead, Nova Iorque, John Wiley and Sons Inc., 1999, p. 10.