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SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDECOORDENADORIA DA IGUALDADE RACIAL

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Sumário

Apresentação .................................................................................... 05

Introdução ......................................................................................... 09

1 Imaginário social, racismo e saúde: por um SUS com equidade ...... 13

2 Revisitando Conceitos ................................................................ 19

3 Quesito Cor ............................................................................... 27

Referência Bibliográfica ..................................................................... 31

Anexos ............................................................................................... 33

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Apresentaçao O Sistema Único de Saúde – SUS assegura o Direito Fundamental à

Saúde. O Sistema está organizado a partir de três princípios fundamentais: a universalidade, a equidade e a integralidade. O SUS é uma conquista da sociedade que se institui enquanto política de Estado para garantir a saúde como direito efetivo para todas e todos em todos os níveis de complexi-dade.

O Brasil é um país formado por 51% de negros e negras, que historica-mente não tem tido seus direitos assegurados, inclusive no acesso à saúde, o que vem gerando vulnerabilidades.

A equidade em saúde pode ser entendida como a promoção da igualda-de a partir de diferenças identificadas. Trocando em miúdos, por um lado há doenças que são mais prevalentes na população negra, e por outro o racismo institucional presente no cotidiano das unidades de saúde, deter-mina as desigualdades na atenção e acesso a essa população, culminando em agravos à saúde e até mesmo mortes, a exemplo dos indicadores de mortalidade materna.1

Nessa perspectiva, o Projeto para “Promoção da Equidade no Aco-lhimento e na Atenção à Saúde Integral da População Negra” visa a

1 De acordo com dados do último Relatório Socioeconômico da Mulher, elaborado pelo Go-verno Federal, a população negra é a mais morre por causas obstétricas (62,8% de mulheres negras x 35,6% das mulheres brancas). Fonte: Senado Federal/Jun-2015. http://www12.sena-do.leg.br/senado/procuradoria/noticias/pauta-feminina-debate-mortalidade-materna-na-po-pulacao-negra.

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formação de profissionais da área da saúde das mais diversas especialida-des para a compreensão da importância da coleta adequada do quesito raça/cor, promovendo a elaboração de diagnósticos que norteiem o poder público na formulação de políticas públicas mais adequadas para esse seg-mento populacional, promovendo a igualdade.

A Cidade de Guarulhos, desde 2001, vem implementando ações que visam a melhoria das condições socioeconômicas, redução das desigualda-des e valorização da diversidade cultural da população.

As demandas da I Conferência Municipal de Políticas de Igualdade Ra-cial (2005), do Pacto pela Vida que tem início com a proposta da realização de diagnóstico sobre a qualidade dos dados desagregados e dos instru-mentais de coleta do dado raça/cor, bem como a atenção dada às pato-logias de maior incidência e prevalência na população negra culminaram na retomada do Grupo de Trabalho com profissionais de áreas e setores estratégicos da saúde e técnicas da Coordenadoria da Igualdade Racial, com o objetivo de fortalecer a atenção dada à Saúde da População Negra.

Por iniciativa deste GT a temática racial foi incluída na formação inicial dos e das Atendentes SUS. Seguindo até os dias de hoje com o objetivo de ampliar essa qualificação a todos os profissionais da saúde com a perspec-tiva de manter a pauta sobre a discussão do quesito raça/cor no reconheci-mento do racismo institucional.

Considerando o tamanho do nosso município, uma ação de maior abrangência era esperada. Em 2013, a Prefeitura consegue aprovação jun-to ao Ministério da Saúde do Projeto para “Promoção da Equidade no Acolhimento e na Atenção à Saúde Integral da População Negra”, com

DIA DA MobIlIzAção NAcIoNAl Pró- SAÚDE DA PoPUlAção NEgrA

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o objetivo de formar 2500 servidoras e servidores da área da saúde, corres-pondendo atualmente mais de 30% dos profissionais da rede.

O Projeto, portanto, não se trata apenas de uma formação, mas do com-promisso da cidade com a qualidade do serviço oferecido, com a humani-zação no atendimento, a valorização da diversidade e com a prevenção de agravos em saúde.

SEcrEtArIA MUNIcIPAl DA SAÚDEcoorDENADorIA DA IgUAlDADE rAcIAl

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Introduçao

A saúde é um direito universal de todas e todos cidadãs e cidadãos, no entanto, é necessário destacar que é papel do SUS promover a equida-de, considerando as especificidades da população, neste caso específico, da população negra. Entende-se como equidade a atenção qualificada de acordo para as necessidades e especificidades das pessoas e populações.

Para compreendermos as condições de saúde da população negra no Brasil é necessário referirmos o processo de marginalização social a que está população foi e é submetida em grande medida. Vítimas de tráfico de pessoas e submetidos ao trabalho escravo durante quase quatro séculos, foram considerados “inadequados” para o trabalho livre. Não lhes foi ofe-recido emprego, salário, educação ou moradia após a “Abolição da Escra-vatura”, expostos a condição de vulnerabilidade e criminalização.

O processo de vitimização e marginalização ao qual a população negra foi submetida ainda incide em seu cotidiano, cujas consequências podem ser mensuradas nos indicadores de saúde. Informações do Plano Municipal de Saúde de Guarulhos 2014/2017 indicam um aumento do número de notificações de sífilis em gestantes nos últimos dois anos. Considerando a variável raça/cor, houve um aumento de 18% do número de casos notifica-

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dos em pardas e pretas2 em relação a 2009, passando de 49% para 58% do total em 2012”. PMG/SS/Guarulhos, pág. 44-45.

Ainda, “no período de 2009 a 2012 foram realizadas 5698 notificações de Violência Doméstica, Sexual e Outras Violências. Referente ao quesito raça, cor e etnia, os brancos representaram 41,83 %, pretos e pardos 53,20 % PMG/SS/Plano Municipal de Saúde 2014/2017, pág. 55.

Conforme o Censo IBGE 2010, 45% da população de Guarulhos é com-posta por pretos e pardos. Tomando como base os dados apresentados, observamos que há uma maior incidência de sífilis e violência na população negra de Guarulhos.

Evidencia-se maior prevalência de algumas doenças na população ne-gra, tais como: a hipertensão arterial, o diabetes, o glaucoma, a anemia falciforme, as doenças psicossociais, a pré-eclâmpsia em gestantes, entre outras. Tais agravos estão relacionados com a desigualdade social e com a prática do racismo, sobretudo do racismo institucional3.

A consolidação do preenchimento do quesito raça/cor nos sistemas de informações da Secretaria Municipal de Saúde permitirá a produção de diagnósticos mais precisos sobre a incidência de doenças na população negra, indígena e cigana4. A coleta dos dados possibilitará o mapeamento e a elaboração de indicadores, com vistas a adoção de ações e estratégias mais acertadas com foco no processo de saúde e doença da população negra.

2 Parda e preta são as categorias de raça/cor utilizadas oficialmente pelo IBGE. Entende-se que a população negra é a somatória dessas duas categorias.

3 A análise das txas de mortalidade desagregadas por três dígitos da CID-10 mostra a maior mortalidade de homens e mulheres pretos por tuberculose, HIV/Aids, Diabetes Mellitus, cân-cer do esôfago, colo de útero e próstata, acidente vascular cerebral em ambos os sexos. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102005000600019 4 A Portaria 940/2011 do Minsitério da Saúde dispensa a população cigana de comprovação de endereço para obtenção do Cartão SUS. A escassez de informação sobre os ciganos é uma das causas da invisibilidade desta população.

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Nesse sentido, é preciso observar a lei 8.080, de 19 de setembro de 1990 que discorre sobre:

a) universalidade do acesso, compreendido como acesso garantido aos serviços de saúde para toda a população, em todos os níveis de assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

b) integralidade da atenção, entendida como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigido para cada caso, em todos os níveis e complexidade do sistema;

c) igualdade na atenção à saúde.

Para tanto, faz-se necessário investir numa política de educação perma-nente em saúde que considere que as prioridades de formação e desen-volvimento dos trabalhadoras e trabalhadores estejam pautadas pelas ne-cessidades de saúde dos sujeitos e populações a partir do território onde vivem, que favoreça espaços coletivos de reflexão e promova a desconstru-ção de velhos paradigmas visando a superação de estigmas e preconceitos etnicorraciais entre trabalhadoras/es e usuárias/os do Sus.

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, instituída pelo Ministério da Saúde em 2009, propõe a inclusão da temática da ques-tão racial na pauta das diversas áreas da saúde, como política transversal, que fortaleça uma atuação articulada entre as redes de atenção à saúde e problematize no cotidiano das equipes o racismo institucional como fator de agravo a saúde das populações.

A formação para Promoção da Equidade no Acolhimento e na Aten-ção à Saúde Da População Negra construído pela Secretaria da Saúde, em parceria com a Coordenadoria da Igualdade Racial de Guarulhos, re-presenta um importante passo para a garantia desse debate de maneira permanente na pauta das políticas públicas no município, numa perspec-tiva transversal, contribuindo para a efetivação e fortalecimento do Grupo de Trabalho Permanente e Intersetorial da Saúde da População Negra, o qual inclui a Secretarias da Saúde, Coordenadoria da Igualdade Racial, Se-cretarias da Educação, Assistência Social, entre outras.

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1 Imaginário social, saúde e racismo : por um SUS com Equidade.

“A atenção é a percepção aplicada, vivenciada. É percepção capaz de espanto, de se ex-por ao estranho, ao não-familiar.A falta de atenção é a percepção engessada.A atenção supera a percepção para a qual fo-mos obrigados socialmente.” (gonçalves Fº)

Segundo Werneck (2013), após muita luta do movimento negro brasi-leiro, existe hoje uma grande quantidade de instrumentos capazes de de-monstrar a existência do racismo. Somos um país racista!

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Reconhecer esta realidade é o primeiro e imprescindível passo para via-bilizar qualquer política que busque a equidade.

Vale destacar que a marca da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é o ”reconhecimento do racismo, das desigualdades ét-nico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das con-dições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde”.

É necessário também levar em conta que a construção da subjetividade dos sujeitos é influenciada por marcadores tais como gênero, raça/cor, clas-se, orientação sexual etc. Esses marcadores fazem diferença na trajetória de indivíduos e grupos. Ser homem ou mulher, negro ou branco, pobre ou rico, heterossexual ou homossexual, entre outros, significa ter que atuar no mundo de maneiras diferenciadas. Uma sociedade patriarcal, racista e heteronormativa produz códigos de reconhecimento, acesso e mobilidade distintos.

Assim, falar em “combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS” requer, por um lado, reflexão sobre o imaginário social e as representações de brancos e não-brancos na nossa sociedade. E, por outro lado, sendo o Brasil, segundo IBGE, o país com o maior número de negros e negras fora da África, é preciso conhecer esse contexto:

segundo o IBGE/Pnad (2013), os negros somam 107 milhões, o que representa 53,1% da população brasileira;

segundo IPEA, 70% dos pobres e 71% dos indigentes do país são negros;

segundo a Fundação Seade, no biênio 2011-2012, os negros ocupavam cargos de execução muito mais do que de direção e planejamento. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, 61,1% dos negros estavam ocupados em atividades de execução e 5,7% em atividades de gestão. No setor de Serviços (faxineiros, domésticos, lixeiros e serventes) 22,8% dos trabalhadores eram negros e 11,1% de não negros;

segundo IBGE/Pnad, em 2011, no Brasil, 61% das mulheres ocupadas nos serviços domésticos eram negras.

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Esses dados, aliados a indicadores socioeconômicos, analisados no con-texto de nossa história, especialmente no capítulo que se refere à escra-vização dos povos africanos, podem atuar como determinantes do lugar social e do lugar simbólico no imaginário da sociedade brasileira, contri-buindo para a perpetuação de preconceitos e do racismo, sustentados por práticas de discriminação e exclusão de grande parcela da sociedade.

No Brasil, os indivíduos são classificados racialmente, logo ao nascerem, e sob a influência do preconceito racial ainda presente na sociedade, aos que são “classificados socialmente” como brancos recaem atributos e sig-nificados positivos ligados à identidade racial a que pertencem. Aos que são “classificados socialmente” como negros são destinados os atributos negativos.

Racismo, Preconceito e Discriminação estão imbricados e determinam a dinâmica das relações raciais no Brasil, são determinantes sociais das desi-gualdades e das condições de saúde da população negra.

Para além da realidade da população negra, é também necessário com-preender o que significa ser branco e branca no Brasil.

Para Schucman (2014), “... a nossa sociedade atribui à identidade racial branca um valor estético, moral e intelectual superior a outras identidades raciais”. É preciso “demonstrar a suposta neutralidade da identidade racial branca que faz com quem grande parcela da sociedade tenha privilégios, mas não os perceba”.

Bento (2002) também fala desta condição da branquitude enquanto “um lugar de privilégio social, econômico e político, no qual a racialidade, não nomeada como tal, carregada de valores, experiências, de identificações afetivas, acaba por definir a sociedade”.

Para transformar essa construção social precisamos refletir individual e coletivamente, pois o racismo é um fenômeno ideológico, muitas vezes alimentado de forma inconsciente, à revelia da opinião pessoal, ou do de-sejo.

O SUS se constrói e se realiza no dia-a-dia, em todos os níveis de com-plexidade, desde as decisões federais até as atividades cotidianas dos agentes de saúde. O reconhecimento do valor das diferenças deve ser en-carado como uma ação de enfrentamento a todo e qualquer tipo de dis-criminação e intolerância. A população atendida pelo SUS é constituída de 78% de negros e negras, portanto conhecer a Política Nacional de Saúde

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Integral da População Negra se faz necessário, pois ela é um importante instrumento para a construção de um SUS com equidade.

E, por fim, todos e todas - gestores, trabalhadores em saúde e usuários - são chamados ao envolvimento e com-prometimento efetivos na luta pelo SUS que queremos.

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2 Revisitando Conceitos

É comum certa confusão entre alguns dos principais termos presentes na discussão sobre ralações raciais. Assim, vale o exercício de rever os que seguem: estereótipo, preconceito, discriminação racial, racismo e racismo institucional.

EStErEótIPo

O estereótipo funciona como um simples CARIMBO: marca os membros de um determinado grupo atribuindo-lhes atributos, e parte de uma gene-ralização apressada, tornando-se verdade universal.

O estereótipo impede que as pessoas sejam vistas por suas característi-cas reais e elas passam a ser julgadas pela marca recebida.

Os conteúdos dos estereótipos servem ao preconceito e têm função social e individual: auxiliam na categorização, impedem a identificação e evitam a reflexão. São clichês, rótulos, imagens ou comportamentos pro-duzidos de maneira automática. São chavões que são repetidos sem serem questionados.

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Quando uma opinião tende ao estereótipo, os atos tendem a acontecer como um impulso sem nenhuma preparação consciente. Quanto mais agi-mos automaticamente, mais emitimos opiniões estereotipadas.

Articulação para o Combate ao Racismo Institucional – Identifica-ção e abordagem do racismo institucional. São Paulo, DFID, 2006.

Declaração sobre a raça e os preconceitos raciaisAprovada e proclamada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris em sua 20.º reunião, em 27 de novembro de 1978.

Artigo 21. Toda teoria que invoque uma superioridade ou uma inferiorida-de intrínseca de grupos raciais ou étnicos que dê a uns o direito de dominar ou de eliminar aos demais, presumidamente inferiores, ou que faça juízos de valor baseados na diferença racial, carece de fundamento científico e é contrária aos princípios morais étnicos da humanidade.

2. O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas nos preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que pro-vocam a desigualdade racial, assim como a falsa idéia de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificáveis; manifesta-se por meio de disposições legislativas ou regulamentárias e práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos antisociais; cria obstáculos ao desenvolvimento de suas vítimas, perverte a quem o põe em prática, divide as na-ções em seu próprio seio, constitui um obstáculo para a coopera-ção internacional e cria tensões políticas entre os povos; é contrário aos princípios fundamentais ao direito internacional e, por conse-guinte, perturba gravemente a paz e a segurança internacionais.

3. O preconceito racial historicamente vinculado às desigualdades de poder, que tende a se fortalecer por causa das diferenças eco-nômicas e sociais entre os indivíduos e os grupos humanos e a justificar, ainda hoje essas desigualdades, está solenemente des-provido de fundamento.

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PrEcoNcEItoDo latim prae, antes, e conceptu, conceito, este termo pode ser definido como o conjunto de crenças e valores aprendidos, que levam um indivíduo ou um grupo a nutrir opiniões a favor ou contra os membros de determinados grupos, antes de uma efetiva experiência com estes.CASHMORE, Ellis. Dicionário de Relações Étni-cas e Raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000.

O Preconceito, em psicologia social, é um fenômeno político, portanto, excede a corriqueira definição de que seria simplesmente um conceito an-tes da experiência ou independente da experiência. É um fenômeno que faz parte do grupo mais inconsciente e compulsivo das atitudes, é um caso de atitude automática que combina estereótipo e compulsão.

CRI, Articulação para o Combate ao Racismo Institucional – Identificação e abordagem do racismo institucional. São Paulo, DFID, 2006.

DIScrIMINAção rAcIAlTambém conhecida como racialismo, é a expres-são ativa ou comportamental do racismo e visa negar aos membros de certos grupos um acesso igualitário aos recursos escassos e valiosos. Trata-se de algo mais do que pensar desfavoravelmente a respeito de certos grupos ou manter crenças negativas a seu respeito: a discriminação racial envolve colocar essas crenças em ação. O racialis-mo e o racismo reforçam-se mutuamente de forma autoconsumatória, pois, ao negar a determina-dos grupos o acesso aos recursos e serviços, são criadas condições sob as quais esses grupos não podem fazer mais do que confirmar os próprios estereótipos que inspiram a crença racista original.CASHMORE, Ellis. Dicionário de Relações Étni-cas e Raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000.

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Discriminação racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundadas na raça, cor, descendência ou origem nacional ou ét-nica que tenha por fim ou efeito anular ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos domínios político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.

Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais to-madas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, con-tando que, tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos(4).

Artigo 1º da Convenção internacional sobre a eliminação de to-das as formas de discriminação racial (1968). Adotada pela Reso-lução 2.106-A (XX) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21.12.1965 - ratificada pelo Brasil em 27.03.1968

rAcISMoPalavra usada com vários sentidos. Até o final da década de 1960, a maioria dos dicionários e manuais a definiam como doutrina, dogma, ideologia ou conjunto de crenças. O elemento essencial dessa doutrina era que a “raça” determinava a cultura, e dela derivavam as alegações de superioridade racial. A palavra foi usada na década de 1960 num sentido ampliado para incorporar práticas, atitudes e cren-ças; nesse sentido, o racismo denota todo o com-plexo de fatores que geram a discriminação racial e designa às vezes, mais livremente, também aqueles fatores que produzem as desvantagens raciais. CASHMORE, Ellis. Dicionário de Relações Étni-cas e Raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000.

racismo é tratar alguém de forma diferente (e inferior) por causa de sua cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional.

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Situações consideradas racismo:

Negar ou dificultar entrada e circulação em estacionamentos comerciais e órgãos públicos de qualquer tipo, privados ou residenciais.

Restringir acesso às entradas e elevadores sociais em edifícios públicos.

Impedir o uso de qualquer transporte público.

Recusar matrícula em escola pública ou privada.

Dificultar acesso a cargo público ou negar um emprego.

Pagar salários menores ou dar condições desiguais de trabalho.

Impedir o serviço nas Forças Armadas.

Impedir ou dificultar o casamento ou convivência familiar e social.

Ofender a dignidade de alguém, atribuindo-lhe qualidades negativas relacionadas à cor (xingar de “negro safado”, “negro fedorento” etc).

A legislação brasileira define punições específicas para cada situação mencionada.

A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

“A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. (Constituição Brasileira de 1988, Capítulo 1, Artigo 5)

Ministério Público de Pernambuco – Racismo – começa com ofen-sa, termina com justiça. Informações práticas para denunciar crimes raciais. Recife, GT Racismo, 2011.

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rAcISMo E DIScrIMINAção rAcIAl

constituem graves violações de todos os direitos humanos e obstáculos ao pleno gozo destes direitos, e negam a verdade patente de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e di-reitos, constituem um obstáculo para relações amis-tosas e pacíficas entre povos e nações, e figuram entre as causas básicas de muitos conflitos internos e internacionais, incluindo conflitos armados e o consequente deslocamento forçado das populações. DURBAN. Declaração e Programa de Ação. Adotada em 8 de setembro de 2001 em Durban, África do Sul.

rAcISMo INStItUcIoNAl

O conceito de racismo institucional foi definido pelos ativistas integran-tes do grupo Panteras Negras, Stokely Carmichael e Charles Hamilton em 1967, para especificar como se manifesta o racismo nas estruturas de orga-nização da sociedade e nas instituições. Para os autores, “trata-se da falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissio-nal às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica”.

No Brasil, o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) im-plementado no Brasil em 2005, definiu o racismo institucional como “o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discrimi-natórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações.” (CRI, 2006, p.22).

Mais recentemente, Jurema Werneck definiu o racismo institucional como “um modo de subordinar o direito e a democracia às necessidades do racismo, fazendo com que os primeiros inexistam ou existam de forma precária, diante de barreiras interpostas na vivência dos grupos e indiví-

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duos aprisionados pelos esquemas de subordinação desses último5”. Seu impacto na vida da população negra no Brasil pode ser percebido tanto na sua relação direta com os serviços e as instituições que deveriam garantir seus direitos fundamentais, quanto no cotidiano de suas vidas.

A ausência reiterada do Estado, em alguns casos, e a baixa qualidade dos serviços e dos atendimentos prestados pelas instituições à população negra em geral, são sinais explícitos do racismo institucional a partir do qual essas instituições operam historicamente.

Guia de Enfrentamento do Racismo Institucional. Realização: Ge-ledés – Instituto da Mulher Negra. Coordenação: Geledés – Insti-tuto da Mulher Negra e Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria.

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3 Quesito CorA cor ou raça é um dado tão importante quanto idade, sexo, escolarida-

de, data de nascimento, etc, além do que é uma variável necessária para a compreensão do processo de adoecimento e das causas de morte a que estão submetidos os diferentes grupos populacionais.

Na área da saúde, a coleta do quesito cor teve início na década de 80, vejamos alguns exemplos de sistemas de informações já implementados:

SIM Sistema de Informações de Mortalidade (Declarações de Óbito)

SINASc Sistema de Nascidos Vivos (Declarações de Nascido Vivo)

SIH Sistema de Informações Hospitalares (Autorização de Internação Hospitalar - AIH)

SIA Sistema de Informações Ambulatoriais

SINAN Sistema Nacional de Agravos Notificáveis

SI–ctA Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento

SUS Formulário de Cadastro do Cartão

O tema saúde da população negra não se restringe à doença falciforme.

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Passado esse tempo, é curioso constatar que ainda hoje há profissionais e/ou usuários que consideram a coleta do quesito cor um procedimento discriminatório.

Mas certamente, perguntar “qual é a sua cor?” não é racismo e nem discriminação, pois com essa informação podemos identificar as diferenças e as desigualdades de incidência de morbidade/mortalidade, e ter parâ-metros para a formulação de políticas públicas específicas para atender as necessidades da população de diferentes origens étnico raciais.

Segundo o IBGE, as cinco categorias utilizadas para a classificação racial são: branca, preta, parda, amarela indígena.

O método de identificação, em geral, utilizado é o da autoclassificação, ou seja, a própria pessoa indagada deve responder qual é a sua cor ou raça, a partir do seu pertencimento às categorias propostas. Recomenda-se a heteroclassificação, método no qual outra pessoa define o grupo racial do sujeito, em situações de nascimento e de óbito.

A coleta do quesito cor deve ser padronizada, e de acordo com a classi-ficação e metodologia do IBGE possibilitando o tratamento e o cruzamento dos dados de forma a garantir a produção de estatísticas em nível nacional.

A maior dificuldade para a coleta do quesito cor é de origem cultural, passa necessariamente pelo modo em que estão estabelecidas as relações raciais no Brasil. E isso aponta para um grande desafio na implementação da coleta do quesito cor nos serviços, pois além da condição técnica que envolve a formação dos profissionais, a organização do sistema de infor-mação, o tratamento dos dados, e outros, é preciso criar estratégias para a superação de obstáculos gerados por condições subjetivas.

Vejamos alguns exemplos5, Dificuldade em se reconhecer a existência do racismo na sociedade brasileira. Na maioria das vezes, o racismo age de forma sutil e naturalizada, por meio de gestos, piadas, códigos. Se o racismo não é reconhecido como um fenômeno social que opera num regime de etnicidade acentuando preconceitos e hierarquias, não há o reconhecimento das diferenças e desigualdades entre os grupos com base na cor/raça/etnia.

5 Extraídos do Manual: Como e para que perguntar a cor raça/etnia no Sistema Único de Saú-de, 2009. Disponível em http://www3.crt.saude.sp.gov.br/arquivos/arquivos_biblioteca_crt/livro_quesito_cor.pdf

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Existe um constrangimento por parte de quem pergunta e de quem responde “qual é a sua cor ou raça/etnia”. Isso se deve ao fato de durante muito tempo os conceitos cor e raça terem sido usados de maneira pejorativa sustentando práticas discriminatórias.

Há ainda um receio em perguntar e responder sobre a cor ou raça/etnia. Isto acontece porque quem pergunta teme ofender e quem responde teme ser discriminado ou prejudicado.

Muitas pessoas discordam das categorias do IBGE, há aqueles que não aceitam autoclassificar-se como pretos. E também aqueles, negros e brancos, que se negam a responder ao coletor, e simplesmente devolvem a questão: “O que você acha?”, “Você não está vendo qual é a minha cor?”.

Vale destacar que esses exemplos refletem o impacto que a subjetivida-de pode ter sobre uma política pública.

Sugestões para enfrentar essas dificuldades:Promover ou participar de processos formativos sobre os temas racismo, desigualdades raciais e suas relações com a saúde da população negra.

Desenvolver estratégias de gestão para o combate e prevenção do racismo.

Naturalizar a coleta do quesito cor ou raça/etnia, pois a cor é uma característica do indivíduo.

Se o usuário se queixar ou questionar a pergunta, explique-lhe a importância da coleta do quesito cor ou raça para a formulação de políticas públicas adequadas à realidade.

Se o usuário do sistema público tiver dúvida sobre sua origem racial, explique as possibilidades de pertencimento étnico-racial a partir das categorias.

Dialogue sempre, essa via facilita e acolhe.

Nunca minimizar ou banalizar as queixas de preconceito e de discriminação raciais

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Referência BibliográficaBRASIL, Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP. Perguntar não ofende, responder ajuda a prevenir: qual é a sua cor ou raça/etnia? São Paulo, 2009(ORG) DIAS, J.; GIOVANETTI, M.R. ; SANTOS, N. J. S.

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ANEXOSbIS - boletim do Instituto de Saúdenº 31 - Dezembro 2003

Perguntar a cor e raça é racismo?O impacto da autoclassificação na rotina de um serviço de saúde pública em São Paulo

Andréa Santos Rafael6

Me desculpe, mas qual é a sua cor? Hoje esta frase carrega um sentido provocati-vo, porém há bem pouco tempo ela traduzia nosso embaraço ao consultarmos os usuários quanto ao quesito cor e raça, no nosso primeiro contato com a autoclas-sificação, no Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT/DST-Aids) de São Paulo.

Nem tínhamos ideia das possíveis transformações que se iniciavam em nós, profis-sionais de saúde de um serviço que atende aproximadamente 3.500 portadores de HIV/ Aids em um dos seus ambulatórios e que precisava atualizar urgentemente os dados de identificação dos seus usuários.

Nosso foco de atenção era o contrato de segredo que iríamos estabelecer com cada indivíduo, com relação às formas do CRT entrar em contato com seus clien-tes, tendo em vista o enorme número de falsos endereços e telefones que nossos pacientes nos forneciam. Ninguém queria ser localizado em seu trabalho ou do-micílio, com medo de ser revelada a sua situação de portador do HIV. Apesar de que a supervisão dos cuidados quanto à ética e ao sigilo no contato com nossos usuários fosse uma preocupação constante, ainda não havíamos passado por uma situação de campanha, nossos dados estavam desatualizados, não conseguíamos, por exemplo, desmarcar ou remarcar consultas adequadamente. Esta limitação de comunicação trazia prejuízos e desgastes para o serviço, e para os usuários, que, muitas vezes, só sabiam do reagendamento, quando compareciam ao CRT. Por tudo isso chegara o nosso momento de uma reflexão conjunta sobre a ética, sigilo, cidadania e respeito mútuo entre instituição e clientela. Convocamos voluntários para aplicar a ficha de atualização de matrícula com seu respectivo contrato de

6 Médica Infectologista, Mestre em Doenças Infecciosas pela Faculdade de Medicina da Uni-versidade de São Paulo, Assistente da Diretoria CE-DST/Aids – SP. Email: [email protected]

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sigilo, mas era preciso parar e rever todo o processo, havia uma tarefa adicional: in-corporar a autoclassificação para cor e raça ao nosso questionário...”Quer dizer que a gente vai ter de perguntar também aos usuários qual é a cor e a raça deles?”; “

Mas perguntar sobre a cor e raça das pessoas não é racismo?” Reagimos com es-tupefação e algum incômodo começou a brotar, pois, a partir daquele momento, percebemos o quanto é difícil falar sobre a cor da pele ou raça das pessoas no Brasil, tanto para quem pergunta quanto para quem responde.

Neste país, até há poucos anos escravocrata, chamar as pessoas de “preto (a)” tor-nou-se quase sinônimo de desmerecimento. A cor da pele e/ou raça das pessoas é assunto vetado em nossos círculos de família ou de amigos. No entanto comentá-rios sobre questões raciais permeiam as conversas de pé de ouvido, ou desabafos irônicos nos elevadores, cozinhas e corredores. No Brasil não é costume perguntar a cor/raça das pessoas. Este traço da nossa cultura também estava introjetado em nós, profissionais de saúde, que não nos sentíamos nem um pouco à vontade nem entendíamos a necessidade de pesquisarmos desta forma este item. Afinal de con-tas, todo mundo, lá matriculado, já tinha sido identificado por outro profissional como pertencente ao mundo dos brancos, pardos, negros ou amarelos, no clássico método de heteroclassificação.

Para que perguntar isso a cada um deles na campanha de atualização de matrícula?

Nossa experiência talvez possa ajudar outros serviços, pois, no início, não estáva-mos preparados para esta rotina, e nosso primeiro passo foi entender melhor e compartilhar com a equipe de profissionais e voluntários o objetivo e importância deste dado. Tivemos de passar por um processo de discussão, no qual constatamos que o primeiro fator importante é a maneira pela qual cada indivíduo se reconhece, e não a ideia que fazemos dele, ao olharmos a cor da sua pele. Existem pessoas de cor preta que não se identificam como pretos, assim como há pessoas de pele clara enraizadas na cultura negra.

Esta foi a nossa primeira lição, a heteroclassificação é falha e não reflete o conjunto de valores étnico-raciais a que pertence um indivíduo ou grupo de pessoas, como os nossos pacientes.

A segunda etapa foi discutir com a equipe a necessidade de levantar este dado, momento de aprender sobre as desigualdades de incidência de mortalidade pelo HIV/

Aids nos indivíduos negros e brancos, incluindo dados do próprio CRT. Aos poucos, foi tornando-se evidente que precisávamos realizar um diagnóstico mais adequado para avaliar se estratégias adicionais deveriam ser pensadas para esta ou aquela po-pulação. Foi um longo processo de discussão, envolvendo toda a equipe e, muito mais profundamente, os voluntários, que fariam o corpo a corpo com os usuários. Revimos nossos conceitos e sentimentos, em relação ao racismo, assistimos a víde-os e palestras epidemiológicas, foi um trabalho de treinamento e capacitação, para que nossos entrevistadores pudessem perguntar mais tranquilamente aos usuários a qual cor/raça eles pertenciam. Nem sempre foi um processo sereno, alguns usuá-rios respondiam “ué, não tá vendo não?” Outros ainda ficavam incomodados e di-

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ziam “isto é racismo”, mas a equipe procurava esclarecer a importância e o objetivo de levantar este dado desta maneira.

Foi uma experiência realmente transformadora, não só em nossas vidas mas tam-bém pelos principais resultados levantados. Um deles foi o surgimento de uma população que se autoclassificou como indígena, formada por 24 usuários da ins-tituição que haviam sido anteriormente classificados (heteroclassificação) como brancos (22) e negros (2). A oportunidade de expressão e reflexão das pessoas sobre as questões étnico-raciais foi muito enriquecedora, deu-nos oportunidade para perceber falhas, possibilitando melhorar nosso atendimento, rever estratégias e ampliar nosso olhar de cuidadores da saúde mais adequados às singularidades de cada indivíduo.

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SUgEStão DE lEItUrAS, VIDEoS E FIlMES

leituras

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Programa de Combate ao Racismo Institucional - PCRI Disponível em: Parte 1 – http://www.youtube.com/watch?v=WST6IltiNqI Disponível em: Parte 2 - http://www.youtube.com/watch?v=9kTfjX82R4c

Promovendo equidade na atenção à saúde. DFID Disponível em: Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=JLwaE-zGmuE Disponível em: Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=6bHfCCsaOvM

Quesito Cor. PCRI - Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=gh9MJEBZJLE

Filmes

Raça. Direção Joel Zito Araújo, 2012 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=lzFNKi3_ykk

Vista a minha pele. Direção Joel Zito Araújo, 2003 http://www.youtube.com/watch?v=LWBodKwuHCM

Abolição. Direção: Zózimo Bulbul, 1998. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=WaIork3ZF38

Narciso Rap. Direção Jeferson De, 2004 - Ficção, 2003, Brasil Duração: 18 min. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=5BA3PR3AjTk

Zumbi Somos Nós. Documentário, 52 min. 2006. Realização: coletivo Frente 3 de Fevereiro. Disponível em: http://www.frente3defevereiro.com.br/

Olhos Azuis Disponível em: http://www.youtube.com/watch?-v=N-1EPNmYKiI#aid=P9HD5hMcNTY

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