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Secretaria de Estado da Educação – SEED Superintendência da Educação - SUED Diretoria de Políticas e Programas Educacionais – DPPE Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA A PARTIR DA LEI FEDERAL 10639/03 E A POLÍTICA DO BRANQUEAMENTO TOLEDO – PR NOVEMBRO DE 2008

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Page 1: Secretaria de Estado da Educação – SEED...O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA A PARTIR DA LEI FEDERAL 10639/03 E A POLÍTICA DO BRANQUEAMENTO Artemio Ten Caten∗ Resumo:

Secretaria de Estado da Educação – SEEDSuperintendência da Educação - SUED

Diretoria de Políticas e Programas Educacionais – DPPEPrograma de Desenvolvimento Educacional – PDE

O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA A PARTIR DA LEI FEDERAL 10639/03 E A POLÍTICA DO BRANQUEAMENTO

TOLEDO – PR

NOVEMBRO DE 2008

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ARTEMIO TEN CATEN

O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA A PARTIR DA LEI FEDERAL 10639/03 E A POLÍTICA DO BRANQUEAMENTO

Artigo Científico do Professor/PDE: Artemio Ten Caten, apresentado como exigência das atividades finais à Comissão do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da SEED/SETI/IES – PR, cujo título: O Ensino de História na Educação Básica a partir da Lei Federal 10639/03 e a Política do Branqueamento, sob a orientação do Professor Doutor: Gilberto Grassi Calil.

TOLEDO – PR

NOVEMBRO DE 2008

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O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA A PARTIR DA LEI FEDERAL 10639/03 E A POLÍTICA DO BRANQUEAMENTO

Artemio Ten Caten∗

Resumo: Trata-se de pesquisa desenvolvida no PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná. Tem como objeto a implantação da Lei Federal 10639/03, que inclui a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira e da África no currículo oficial da rede de ensino da Educação Básica. Tal indicação é paradoxal em relação à política de branqueamento da população presente no chamado processo “civilizatório” do Brasil, refletido nos currículos e na prática de ensino da disciplina de História da Educação Básica e na formação de professores. Em virtude disso, pergunta-se: como está ocorrendo o debate entre os professores da Educação Básica, na região oeste do Paraná na sua maioria “brancos” para a superação de um currículo eurocêntrico e “branco” e buscar uma educação de respeito à diversidade étnica? Por outro lado, podemos entender que a discriminação racial não é uma construção individual, feita pelo sujeito que deve ser reeducado, e sim uma construção histórica de classe social através de uma política de branqueamento da população a serviço da exploração do trabalho. Como contribuição deste momento, elaborei um “Folhas”, ou seja, um material didático para abordar a história e cultura dos afro-brasileiros em sala de aula. Podemos observar que esta Lei está permeada por contradições uma vez que é uma reivindicação do movimento negro (denominado popular e de classe social) é também incorporada pelos discursos dos organismos financeiros e internacionais na perspectiva de manutenção do sistema capitalista. Estas contradições estarão presentes no processo de implementação.Palavras-chave: Lei 10639/03, política do branqueamento, ensino de história.

Resumen: Se trata de la pesquisa desarrollada en el PDE- Programa de Desarrollo Educacional de Estado de Paraná. Tiene como objeto la implantación de la Ley Federal 10639/03, que incluye la obligatoriedad de la temática Historia y Cultura Afro brasileña y de África en el currículo oficial de la red de enseñanza de la Educación Básica. Esta indicación es paradójica en cuanto a la política de blanqueamiento de la población presente en el llamado proceso ”civilizatorio” de Brasil, reflejando en los currículos y en la práctica de enseñanza de la asignatura de Historia de la Educación Básica y en la formación de profesores. Por esa razón, se pregunta: ¿cómo está ocurriendo la discusión entre los profesores de la Educación Básica, en la región oeste de Paraná en su mayoría “blancos” para la superación de un currículo euro céntrico y “blanco” y buscar una educación de respeto a la diversidad étnica? Por otro lado, podemos entender que la discriminación racial no es una construcción individual, hecha por el sujeto que debe ser reeducado, sino una construcción histórica de clase

Graduado em Filosofia com Licenciatura em Filosofia, História e Psicologia/Unioeste-Toledo. Professor da Rede Estadual de Educação Básica do Estado do Paraná, na disciplina de História. Professor PDE/Seed-Pr – Turma 2007/2008. Professor de História da Rede Pública Estadual/Núcleo Regional de Educação/Toledo/PR; Professor do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE /SEED/SETI/IES – PR; E-mail: [email protected]. Trabalho orientado pelo professor Doutor Gilberto Grassi Calil, Docente da UNIOESTE/MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR; Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Atuação em História do Brasil, com ênfase em História do Brasil República.

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social a través de una política de blanqueamiento de la población a servicio de la explotación del trabajo. Como contribución de este momento, elaboré un “folhas”, o sea, un material didáctico para abordar la historia y la cultura de los afro brasileños en clase. Podemos observar que esta ley está permeada por contradicciones una vez que es una reivindicación del movimiento negro (denominado popular y de clase social) es también incorporada por los discursos de los organismos financieros e internacionales en la perspectiva de manutención del sistema capitalista. Estas contradicciones estarán presentes en el proceso de implementación.Palabras Clave: Ley 10639/03. , política de blanqueamiento, enseñanza de historia.

1. Introdução

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Meu tema de pesquisa é a implantação da Lei Federal 10639/03 que inclui a

obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira” no currículo oficial da

rede de ensino e o ensino de História na Educação Básica.

O histórico dessa pesquisa tem início com o Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE, que é um programa de capacitação dos professores da Educação

Básica da rede pública estadual do Paraná. Após o processo de seleção e inscrição no

programa recebemos a orientação da coordenação do PDE que deveríamos apresentar

um projeto de pesquisa sobre um “problema” a ser investigado no âmbito da Educação

Básica. Assim, decidi estudar a Lei Federal 10639/03 e o Ensino de História.

Especificamente estudar a abordagem da história e cultura dos afro-brasileiros em sala

de aula.

O programa tem duração de dois anos, sendo que no primeiro ano o professor

fica afastado do trabalho escolar, permanecendo em contato com a Universidade,

participando de uma série de atividades programadas para o PDE. No segundo ano o

professor retorna ao Colégio e tem afastamento de oito horas semanais para

implementação da proposta de trabalho, com material elaborado pelo mesmo.

Particularmente elaboramos um Folhas1.

Para mim sempre foi angustiante o abismo que existe entre o “dar aula” na

Educação Básica e a pesquisa ou produção de conhecimento na Universidade. Entre o

professor repassador de conteúdos e o professor pesquisador há uma lacuna a ser

preenchida que o PDE pode minimizar.

A determinação da Lei Federal 10639/03 é paradoxal em relação à política de

branqueamento da população presente no chamado processo “civilizatório” do Brasil,

refletido nos currículos e na prática de ensino da disciplina de História da Educação

Básica e na formação de professores. Em virtude disso, pergunta-se: como está

ocorrendo o debate entre os professores da Educação Básica, na região oeste do

Paraná na sua maioria “brancos” para a superação de um currículo eurocêntrico e

“branco” em virtude de uma educação de respeito à diversidade étnica? Até que ponto

1 Folhas é um material didático elaborado pelo professor da rede estadual de Educação Básica do Estado do Paraná, sob incentivo da Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná. Especificamente este pretende ser instrumento para abordar a história e cultura dos afro-brasileiros em sala de aula. No desenvolvimento teórico metodológico apresentamos textos sobre a política do branqueamento e a luta dos escravizados contra a escravização, apresentando os escravizados como sujeitos da história. Na interdisciplinaridade dialogamos com Filosofia para abordar a construção ideológica da discriminação racial, e com Biologia sobre a racialização do século XIX e a questão da raça humana única.

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trabalhar com a questão da cultura afro-brasileira, indígena e branca conduz a

hierarquização cultural e pode significar uma forma truncada de racialização? Por outro

lado, podemos entender que a discriminação racial não é uma construção individual,

feita pelo sujeito que deve ser reeducado, e sim uma construção histórica de classe

social através de uma política de branqueamento da população a serviço da exploração

do trabalho. Percebe-se que esta Lei está permeada por contradições uma vez que é

uma reivindicação do movimento negro (denominado popular e de classe social) é

também incorporada pelos discursos de organismos financeiros e internacionais na

perspectiva de manutenção do sistema capitalista.

Como projeto inicial, alterado posteriormente, configurava a seguinte proposição:

conhecer as diferenças e contradições entre a legislação educacional sobre o racismo

e a prática escolar e social que reproduz e justifica a discriminação racial. Entendia que

tal contradição ocorria porque no interior do sistema educacional reinava uma

mentalidade centralizadora que se caracteriza pela ação dos agentes da Secretaria

Estadual da Educação do Estado do Paraná e que o professor era apenas um executor

de atividades e ações que não havia debatido e nem optado por implementar. Poderia,

então, revelar os limites das políticas educacionais em atingir os objetivos que se

propõe a perseguir. Principalmente quando se trata de uma perspectiva ideal, abstrata,

de educação deslocada do sistema econômico-social.

Segundo Rocha (2005), o histórico da Lei Federal 10639/03 está marcado pelas

lutas do movimento negro e pelo debate sobre a discriminação racial e exclusão social

a nível nacional e internacional. No decorrer de sua história o movimento negro

conseguiu inserir suas reivindicações na pauta do Partido dos Trabalhadores e

influenciar a agenda política deste partido. Com a eleição do presidente Lula, em 2002,

lideranças do movimento negro participaram do processo de transição do governo de

Fernando Henrique Cardoso para o governo Lula e formularam um acordo para a

criação de um ministério, ou estrutura semelhante para enfrentar a questão da

discriminação racial no Brasil. De início o governo Lula não criou esta estrutura

conforme acordara com o movimento negro e sancionou a Lei Federal 10639/03 como

resposta as possíveis inquietações do movimento negro.

Esta Lei foi apresentada na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº:259,

em 11 de março de 1999, que foi aprovado e remetido ao Senado em 05 de abril de

2002, e acabou sendo sancionada pelo Presidente Lula em 09 de janeiro de 2003. Com

esta alteração da LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação – todos os sistemas da

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Educação Básica recebem a determinação de incluir nos currículos o ensino da História

e Cultura dos Afro-brasileiros e da África.

“A Lei nº. 10.639/03 apresentada de imediato teve como função precípua responder a antigas reivindicações do Movimento Negro ou distraí-lo com novas preocupações, principalmente com a implantação da mesma. Com isso o governo consegue o intento de não ser pressionado de imediato por este segmento da sociedade que ao meu ver, poderia causar constrangimentos ao início da gestão Lula. Parece que a estratégia foi acertada, mas não impediu que as pressões internas e externas impedissem a criação do prometido órgão responsável por promoção de igualdade racial no país. Cria-se na estrutura de governo a SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no dia 21 de março de 2003, data em que se comemora o dia internacional contra a discriminação racial.”DIAS (2004 p.6).

Além de indicar para a distração imediata do movimento negro suponho que o

enredo desta Lei também pode desmobilizar ou considerar inadequado as

interpretações que partem da base material/econômica, para compreender a sociedade

capitalista, a luta de classes e a emancipação da classe trabalhadora ou a

emancipação humana.

“Anti-racismo e anti-sexismo têm identidades sociais específicas e geram forças sociais vigorosas. Mas não é tão evidente que a igualdade racial e de gêneros sejam antagônicas ao capitalismo, nem que o capitalismo seja incapaz de tolerá-las, assim como é incapaz de garantir a paz mundial ou a respeitar o ambiente. Ou seja, cada um destes bens-econômicos tem uma relação específica com o capitalismo.” WOOD(1995 p.229).

Ellen Wood argumenta que o sistema capitalista, primeiramente, não explora as

pessoas pelo fato de pertencer a determinadas identidades sociais. “A extração da mais-

valia dos trabalhadores assalariados acontece numa relação entre indivíduos formalmente iguais e livres

e não pressupõe diferenças de condição política ou jurídica” WOOD(1995 p.229). O capital tende a

minimizar diferenças e identidades como raça e “luta para absorver as pessoas no mercado de

trabalho e para reduzi-las a unidades intercambiáveis de trabalho, privadas de toda identidade

específica” WOOD(1995 p.229).

Por outro lado a questão das identidades como raça e gênero podem ser

aproveitas pelo capitalismo em benefício e para mascarar a luta de classes.“...o capitalismo é muito flexível na capacidade de usar, bem como de descartar, opressões sociais particulares. Parte das más notícias é que o capitalismo é capaz de aproveitar em benefício próprio toda opressão extra-econômica que esteja histórica e culturalmente disponível em qualquer situação. Tais legados culturais podem, por exemplo, promover a hegemonia ideológica do capitalismo ao mascarar sua tendência intrínseca a criar subclasses. Quando os setores menos privilegiados da classe trabalhadora coincidem com as identidades extra-econômicas como gênero ou raça, como acontece com freqüência, pode parecer que a culpa pela existência de tais setores é de causas outras que não a lógica necessária do sistema capitalista.” WOOD(1995 p.229).

Não se trata de pensar a partir do senso comum que é uma conspiração do

sistema capitalista para enganar os pobres. O racismo tem razão de ser na lógica que

impera na sociedade do capital porque é capaz de gerar vantagens para alguns grupos

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da classe trabalhadora nas condições de competição do mercado de trabalho. Mesmo

tirando vantagens do racismo “...o capital não tem tendência estrutural para a desigualdade racial

ou opressão de gênero, mas, pelo contrário, são eles que escondem as realidades estruturais do

sistema capitalista e dividem a classe trabalhadora.” WOOD(1995 p.229).

O ensino de História, na Educação Básica, contribui para a reafirmação do

racismo quando apresenta uma preocupação civilizatória e considera a Europa como

berço da civilização. O que se pretende com a lei 10639/03 que todas as etnias

possam ser discutidas não somente a etnia afro brasileira. O movimento negro quer

uma reparação cultural, ou seja, fazer com que a história e a cultura do afro brasileiro e

da África possam fazer parte do ensino da história de maneira igual aos outros

conteúdos. Significa superar o eurocentrismo.

Em suma: como os professores, da região oeste do Paraná, na maioria brancos

e os agentes da secretaria estadual da educação interpretam a Lei Federal 10639/03.

Pretendemos analisar duas questões em relação à implantação da Lei 10639/03

e o ensino de história na Educação Básica: a política de branqueamento da população

e a luta dos escravizados contra o regime de trabalho escravo.

Inicia-se pela política do branqueamento como um período da história do Brasil

em que alguns intelectuais defendiam a superioridade da raça branca em relação ao

negro e o índio e justificavam o branqueamento da população brasileira com a

imigração, principalmente, de alemães e depois italianos, para a constituição de uma

identidade nacional ou uma nação. Neste momento da história do Brasil, o racismo é

publicamente justificado através do discurso de intelectuais como o de Nina Rodrigues2

que descreve a inferioridade dos negros e índios em relação ao branco europeu. A

primeira preocupação será em descrever o contexto histórico da política de

branqueamento no Brasil, situada no final do século XIX e início do século XX.

Entendemos que não é possível compreender esta política fora de seu contexto

histórico.

Apresentando os escravizados como sujeitos da história descrevemos como os

Africanos e descendentes lutaram contra a escravização, praticamente inviabilizando o

trabalho escravo. A Lei Áurea servira para o Rei entrar na história e para impedir um

2 Médico brasileiro pesquisou sobre os afro-brasileiros, no Brasil, no final do século XIX. Nascido no Maranhão, filho de Francisco Solano Rodrigues e Luisa Rosa Rodrigues, criou-se na fazenda da família. Formando-se em medicina e ocupou cargo de médico no Departamento de Medicina Pública na Bahia. Publicou, entre outras obras: Os Africanos no Brasil; As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil.

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possível levante dos escravizados contra os interesses dos donos das propriedades

rurais e dos comerciantes. Neste sentido a política do branqueamento adquire um

significado de proteção ao capital.

2. A Política do Branqueamento da População

A formação social brasileira apresenta uma grande diversidade étnico-racial,

resultado do processo de colonização e constituição sócio-econômica. A partir do

século XVI diferentes grupos, oriundos dos diferentes lugares se instalaram no território

brasileiro até então ocupado pelos povos posteriormente denominados de indígenas,

que são diferentes tribos que habitavam o território que seria o Brasil. Com a

colonização chegam os europeus/brancos/livres/portugueses, e os

africanos/negros/escravizados, também com diferentes costumes, hábitos e

conhecimentos.

No final do século XIX e durante o século XX são integrados os diferentes

grupos de europeus, destacam-se na região centro-sul os alemães e italianos. Entre os

chamados povos asiáticos são os japoneses que formam o maior número de

comunidades no Brasil.

Aqui no Brasil a divisão étnica coincide com a divisão social, principalmente no

inicio do século XX. O branco fora denominado “rico”, dono das propriedades rurais e

dos estabelecimentos urbanos emergentes, e o negro, “pobre”. No período da

produção rural e escravista o branco é livre, o negro escravizado. “As diferenças culturais e

físicas foram usadas como lógica da dominação criada ao longo de quase quatro séculos.” SILVA (2007,

p. 139).

A idéia é pautar a política do branqueamento como ideal civilizatório da

sociedade dos “ricos”. Percebemos uma cultura letrada e etnocêntrica, que está

vinculada aos chamados conteúdos curriculares formais e particularmente identificada

com a classe dominante. Culturas não vinculadas a esta homogeneização cultural

identificada com a cultura da classe dominante são negadas ou relegadas a segundo

plano.

A luta do movimento negro exerceu pressão social para a aprovação da Lei

10639/03. Representantes deste movimento pretendem uma “reparação cultural” e não

uma “indenização financeira”. Líderes do movimento negro apregoam que todas as

etnias podem ser discutidas. Estes entendem como reparação cultural, via Educação

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Básica, que a História do negro e da África passa fazer parte igual os outros conteúdos.

A indenização financeira se refere aos judeus escravizados na Alemanha e que

pediram uma indenização em dólar. A reparação cultural tem como eixo principal a

superação do ensino e da organização dos currículos que insistem em abordar a

questão dos afro-brasileiros a partir do regime escravocrata e silenciam sobre a história

e cultura da África. Trata-se de superar o eurocentrismo que lança uma visão truncada

sobre este povo por uma visão profunda, tanto dos afro-brasileiros como da África.

Ocorre que entre o objetivo proposto pelo movimento negro - contemplado pela

Lei 10639/03 e a prática curricular nas unidades de ensino da Educação Básica - existe

uma lacuna a ser superada.

Estamos convencidos que os professores brancos em sua maioria com

formação acadêmica centrada no eurocentrismo enfrentarão dificuldades nesta

alteração curricular. A resposta a esta questão influenciará as atividades curriculares

que serão desenvolvidas para superar a discriminação racial. A discussão da

discriminação racial, pautada no discurso classista estará apontando, em última

análise, para a superação do sistema capitalista, denunciando o racismo com uma

mazela do sistema.

Há um longo caminho a ser percorrido para que a Lei 10639/03 integre

efetivamente a pauta curricular das unidades de ensino. Não se trata de uma questão

que estará superada com a organização de algumas atividades no dia 20 de novembro,

dia da Consciência Negra. Algumas propostas de atividades são limitadas pela

apresentação de danças que caracterizam a África como tribal. Além de não ser

suficiente, representa uma racialização cultural. Não se busca uma visão complexa dos

elementos da história e cultura afro-brasileira e da África para que ocorra a reparação

cultural.

Pensando numa realidade próxima de nós: outro elemento que dificulta a

aplicação da Lei 10639/03 está presente na mentalidade colonizadora de Toledo (PR)3.

A população escolhida pela colonizadora Maripá4, a descendente de alemães e

italianos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, com experiência na agricultura. Foi

3 Cidade da região oeste do Estado do Paraná, fundada em 1946, hoje com aproximadamente 120.000 habitantes.4 Conforme Silva (1988), a empresa Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A – Colonizadora Maripá - foi fundada em 13 de abril de 1946, em Porto Alegre. De acordo com seus estatutos, ela foi fundada para comprar e vender terras, exportar e industrializar madeira. Esta empresa adquiriu uma extensa área de terra na, hoje denominada, região Oeste do Paraná, cujo título de propriedade está registrado em nome da Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A, no Registro Geral de Imóveis de Foz do Iguaçu, em 16 e setembro de 1946.

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excluído o afro-brasileiro neste empreendimento, atuando a margem desse processo

como ilegal residente em Pouso Frio5.

Como o professor atuante numa escola que está inserida numa sociedade de

classes e reproduz a ideologia da classe dominante interpretará esta questão da cor da

pele e da classe social? Por um lado a escola reproduz a ideologia da classe

dominante, por outro lado ela é também um espaço de constituição e trânsito de

ideologias subalternas. É neste limite e nesta possibilidade que pode ocorrer à

reparação cultural

Como esta legislação está sendo interpretada pelos agentes da secretaria

estadual da educação e como esta legislação é recebida pelos professores da região

oeste, na sua maioria brancos e influenciados pela ideologia da política de

branqueamento da população?

Inicialmente uma série de ações estão sendo encaminhadas, em razão desta

Lei, a partir da Secretaria da Educação através de programas de capacitação,

formação de comissões para implantação do Ensino de História e Cultura dos Afro-

brasileira e da África no interior das unidades de ensino. Inclusive, algumas atividades

vem sendo desenvolvidas, como grupos de danças e de capoeira nas escolas. O dia 20

de novembro está inserido no calendário das escolas paranaenses como “dia da

consciência negra”. Ao mesmo tempo em que são tomadas estas iniciativas, ocorrem

também posicionamentos críticos que indicam que estas atividades estariam

representando uma racialização cultural, principalmente no caso das danças que

refletem o aspecto “tribal” da África.

O histórico de desmontagem do Império brasileiro e a montagem do governo

republicano no Brasil, no final do século XIX, ocorrem em meio ao chamado processo

de modernização brasileira, indicando para a institucionalização generalizada do

trabalho livre e assalariado e a conseqüente proibição do trabalho escravo ou relações

escravistas de trabalho. Concorrem à imigração de europeus, a formação de centros

5 Pouso Frio refere-se à ocupação ilegal que se deu a margem esquerda do Rio Toledo, em terras que não foram adquiridas pela Colonizadora MARIPÁ. Esta aplicou seu plano de colonização e formação da cidade de Toledo a margem direita do Rio Toledo, atuando dentro da legalidade e instalando seus colonos descendentes de italianos ou alemães, vindos do Sul. Aqueles que não compraram terras a margem direita do Rio, e trabalhavam em diferentes atividades, conforme a demanda da cidade em construção ocupam as terras que não adquiridas pela colonizadora, pois estas pertenciam a Moisés Lupion, que não efetuou nenhuma ocupação. Terras não adquiridas pela MARIPÁ, pois se encontravam em tramitação judicial. Neste local constituiu-se o chamado Pouso Frio, reservado para os nordestinos, paraguaios e outros.

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urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, a saída dos ex-escravizados das áreas

rurais para as emergentes cidades.

Retomando o processo da política do branqueamento podemos compreender que a

discriminação racial não tem fundamento biológico e sim é uma construção ideológica.

No século XIX o conhecimento da biologia apontava para a existência de três raças: a

branca, a amarela e a negra. Esta classificação era hierárquica e de valor. O padrão

era europeu ocidental. Tem como objetivo principal destacar qual raça era mais apta

para o progresso. Já faz parte do senso comum que no século XIX e XX ocorre uma

nova forma de imperialismo. O capitalismo dos países de centro, precisando de novas

fontes de matéria prima e mercados para colocar seus produtos articulam projetos de

modernização dos países chamados periféricos, dentre eles, o Brasil. É nesta trajetória

da expansão imperialista que se lançam os fundamentos da política do branqueamento

da população para formação de um povo para desenvolver o Brasil e constituir a nação

brasileira. No caso do Brasil, trata-se do debate entre a modernização e

industrialização com o modelo agrário de plantação. A tese do determinismo racial

justificara que o homem branco tem a potencialidade para o progresso sendo o negro,

os povos nativos e o miscigenado responsáveis pelo atraso. Forma dos “ricos” resolver

o problema racial no Brasil, justificando a exclusão dos afro brasileiros através da idéia

de inferioridade em relação ao branco.

O ensino de História, na Educação Básica, não tem focado suficientemente esta

questão do determinismo racial e a conseqüente política do branqueamento da

população. A abolição da escravatura no Brasil, geralmente, é o ponto final do estudo

sobre o negro brasileiro, nos programas da disciplina de História, na modalidade da

educação básica. Os textos didáticos fazem uma descrição da difícil vida do

escravizado durante o Brasil colônia e o período imperial. Destacam as diferentes

formas de lutas dos escravos em busca de liberdade. A formação de quilombos, a fuga

dos escravos.

A discussão abolicionista, como conteúdo curricular, retoma o histórico da

legislação antiescravista, como a proibição do tráfico de escravos, lei do ventre livre, a

lei do sexagenário e finalmente, a Princesa Izabel assinou a Lei Áurea, após a “guerra

com o Paraguai” quando já estava dificultada a manutenção do regime de escravidão e

a história do capitalismo dizia que agora é a vez do trabalho assalariado e “livre”. Ainda

faz-se a observação que o ex-escravo não tinha aptidões para o trabalho livre e que ele

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fora substituído pelo imigrante europeu que já vem com experiência e conhecimento

para o trabalho assalariado.

A resistência dos escravizados geralmente é identificada com a existência dos

quilombos, como o Quilombo dos Palmares.“De modo inexato se referem alguns historiadores a Palmares como a feito único, a um(sic) só mesmo Estado. No decurso dos seus 67 anos de existência, por mais que uma vez, parece ter-se rompido ali a continuidade na sede da sua ocupação de contínua mudada ou transferida; na direção governativa dos seus chefes, que porventura foram diversos zambis; a até, é quase certo, nas gerações que por ali passaram e que, no pensar de alguns, se contaram por quatro”. (RODRIGUES, 1976, p.72).

Se por um lado Nina Rodrigues contribuiu para entender que a resistência do

afro-brasileiro escravizado foi significativa, por outro lado não deixa de expressar a

idéia de inferioridade do negro quando descreve a organização e funcionamento de

Palmares. “Não se pode tomar à letra a eletividade do Zambi ou chefe, em que aquela denominação

se inspirou, pois esta eletividade não era a das repúblicas modernas, mas, como em toda a África

selvagem, o do chefe mais hábil ou mais sagaz”. (RODRIGUES, 1976 p.75). A expressão África

selvagem revela o que se pensava em relação a este povo.

A repressão aos escravizados revoltosos acontecia através da “pedagogia da

violência”: Bartolomeu Bueno apresentou “como troféu da vitória 3.900 pares de orelhas tiradas

aos negros destrossados e mortos”. (RODRIGUES, 1976 p.96).

Esta exibição pedagógica teria como objetivo tranqüilizar os escravizadores

sobre rumores de possíveis levantes dos negros que teriam como objetivo matar os

brancos. Existia a preocupação e medo dos escravizadores sobre a possibilidade de

generalização dos conflitos e conseqüente perda de controle social.“A história das demais revoltas de escravos e de ataques a mocambos é em geral muda em informações ao ponto que nos preocupa. Em São Tomé, terrível insurreição de escravos destruiu o estabelecimento. Em 1772, em São José do Maranhão, os negros fugidos aliados aos índios atacaram a povoação e tiveram de ser aniquilados”. (RODRIGUES, 1976, p.75).

O ideal do branqueamento da população brasileira é justificado por intelectuais

defensores do determinismo racial e ligados à elite agrária e aos comerciantes. Numa

sociedade marcada pelas desigualdades econômicas, como a nossa, a discriminação

racial é uma das formas de justificar a dominação econômico-social conforme já

mencionamos anteriormente. É importante considerar, conforme Schwarcz (1993) que

em 1853 o Conde francês Joseph Arthur Gobineau publicou o “Ensaio Sobre a

Desigualdade das Raças Humanas” que inspira o racismo moderno e deflagrou o

racismo científico cujas idéias culminaram com a eugenia, a tese nazi-fascista da

superioridade ariana. Gobineau fora ministro da França e “conselheiro” de D. Pedro II.

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Via o Brasil como um país “sem futuro” devido a grande quantidade de negros e

miscigenados. Defendia que o Brasil deveria branquear a população. “O resultado da

mistura é sempre um dano dizia Gobineau, buscando comprovar os diagnósticos negativos do

poligenistas”. (SCHWARCZ, 1993, p.64).

No Brasil o determinismo racial no final do século XIX e inicio do século XX tinha

presente os monogenistas, os poligenistas, a antropometria, a frenologia, antropologia

criminal, etnologia, os eugenistas e o chamado darwinismo social.

Schwarcz (1993) conceituou essas teorias:

a) Os monogenistas e poligenistas estão centrados na explicação da origem da

humanidade.

b) Os monogenistas defendem que a origem do homem é única. É a explicação

do jardim do Éden a partir da bíblia. Os diferentes tipos de pessoas ou raças

resultaram do aperfeiçoamento ou da degeneração de “Adão”.

c) Os poligenistas contestam a explicação bíblica e afirmam que o homem tem

origem em vários lugares e momentos diferentes.

d) A frenologia considera as conformações do crânio para definir o caráter e as

funções intelectuais. Portanto determinista.

e) A antropometria é a técnica de medida do corpo e as várias partes. Estas

duas técnicas relacionavam possível tamanho do cérebro e capacidade

intelectual.

f) A antropologia criminal, que tem como principal representante Cesare

Lombroso, segue o pensamento determinista. Este considera que o crime

está relacionado à constituição física e hereditária.

g) A etnologia estuda os aspectos culturais das populações consideradas

primitivas. Evolui depois para antropologia cultural.

h) A eugenia (boa geração) procura intervir na reprodução das populações. Foi

criada por Francis Galton, em 1883. A herança determinaria a capacidade da

pessoa e não a educação.

i) O darwinismo social traz a idéia de seleção ou predomínio do mais forte sobre

o mais fraco. No caso do racismo: o europeu sobre o afro brasileiros e o índio. Em

relação aos negros predomina a idéia de que eles viviam no mais baixo estágio da

civilização humana.

Essas teorias copiadas dos europeus e aplicadas no Brasil na tentativa de

construir uma identidade nacional. Foram usadas para discutir qual seria o povo da

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nação brasileira. Que grupo teria a capacidade civilizatória. Porém não se trata de uma

simples submissão as teorias européias. A elite brasileira tinha um projeto de

modernização para ser implantado pelo alto:“De fato, os intelectuais brasileiros não estavam apenas respondendo as idéias de fora. Eles escolheram aquelas que lhes permitiram sintonizar-se melhor com a realidade brasileira contemporânea. Sem esta suposição, como podemos explicar sua indiferença a outras idéias, como o marxismo e o anarquismo, por exemplo, durante o mesmo período? É óbvio que os intelectuais brasileiros aceitaram certas ideologias européias e deixaram outras de lado. A questão é saber porque eles selecionaram idéias racistas, que enfatizavam a superioridade branca, quando no Brasil apenas 40% da população, por volta de 1870, podia ser oficialmente considerada branca e quando alguns membros da elite não podiam estar seguros de sua “pureza” racial”. (COSTA, 1985. p,255).

Nina Rodrigues (1976), médico brasileiro, fez um estudo sobre o afro-brasileiros

no Brasil, no final do século XIX. Representante do determinismo racial, este autor era

eugenista na medida em que defendia que a miscigenação era degenerativa. Para ele

os melhores negros eram sudaneses, os muçulmanos que não tinham mistura através

do processo de miscigenação e sabiam ler e escrever. Foi também um darwinista

social e poligenista à medida que defendeu em suas teses científicas a hierarquização

das raças, classificando-as como inferiores e superiores. Argumentou a favor do

branqueamento da população através da proibição de cruzamentos e casamentos

entre as raças. Acreditava que a raça negra, os indígenas e miscigenados, os

nomeados de degenerados, fossem se extinguir e estaria constituído o povo para a

nação brasileira.

Nina Rodrigues (1976) era contra a miscigenação porque acreditava que nos

cruzamentos inter-raciais se produzia uma nova raça não pura, portanto inferior ou

degenerada.“(...) Os extraordinários progressos da civilização européia entregaram aos brancos o domínio do mundo, as suas maravilhosas aplicações industriais suprimiram a distância e o tempo. Impossível conceder, pois, aos negros como em geral os povos fracos e retardatários, lazeres e deslongos de uma aquisição muito lenta e remota de sua emancipação social”. (RODRIGUES, 1976, p. 264).

Este autor também não acredita na possibilidade de inclusão do afro brasileiros

na chamada constituição de uma nação, que deveria ser branca.

As revistas dos museus, institutos históricos e geográficos e das faculdades de

medicina e direito publicavam as idéias dos pesquisadores brasileiros e europeus que

passavam um período no Brasil como Louis Agassiz (suíço) que em 1868 descreve o

Brasil:“...que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal entendida filantropia, a botas abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não pode

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negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental (1868:71)”Apud: (SCHWARCZ, 1993, p.13).

A idéia principal é fazer a condenação da mestiçagem e usá-la para explicar o

eventual atraso do Brasil em relação à industrialização européia. As teorias raciais

também serviriam para justificar a dominação imperialista.

No Brasil as teorias raciais são utilizadas para justificar a pobreza e a exclusão

dos afro-brasileiros, e ao mesmo tempo não dividir a riqueza produzida.“A primeira evidência a ressaltar é que nossa classe dominante conseguiu estruturar o Brasil como uma sociedade de economia extraordinariamente próspera. Por muito tempo se pensou que éramos e somos um país pobre, no passado e agora. Pois não é verdade. Esta é uma falsa obviedade. Éramos e somos riquíssimos! A renda per capita dos escravos de Pernambuco, da Bahia e de Minas Gerais - eles duravam uns cinco anos no trabalho - mas a renda per capita dos nossos escravos era, então a mais alta do mundo. Nenhum trabalhador, naqueles séculos, na Europa ou na Ásia, rendia em libras - que eram os dólares da época - como um escravo trabalhando num engenho no Recife; ou lavrando ouro em Minas Gerais, ou, depois, um escravo ou mesmo um imigrante italiano num cafezal em São Paulo”. (RIBEIRO, 1979, p.14-15).

A classe dominante se apropriou da riqueza produzida, e vendeu a ilusão de

pobreza de atraso e de um povo inapto para o progresso.

Os eugenistas chegaram a propor a esterilização da população não saudável.

Estes estão ligados a Faculdade de Medicina. Eles acreditavam que a mistura das

raças levaria a degeneração. Em 1921, Dr. Renato Kehl em Boletim Médico, publica:“Se fosse possível dar um balanço entre nossa população, entre os que produzem, que impulsionaram a grande roda do progresso de um lado e do bem estar do outro lado os parasitas, os indigentes, criminosos e doentes que nada fazem, que estão nas prisões, nos hospitais e nos asilos; os mendigos que perambulam pelas ruas... Os médicos eugenistas convencidos desta triste realidade procuram a solução para esse problema e de como evitar esse processo de degeneração... É preciso evitar a proliferação desses doentes, incapazes e loucos... Com esses exemplos chego a seguinte conclusão eugênica: a esterilização fará desaparecer os elementos cacoplatos da espécie humana, ou melhor sua proporção será reduzida...” (SCHWARCZ, 1993, p. 233-234).

Os que produzem seriam os brancos e os que não produzem, os negros... a casta

negra é o atraso, a branca o progresso, a evolução" (BM, 1904:178). (SCHWARCZ, 1993, p. 223).

Neste texto podemos perceber como os eugenistas brasileiros tinham uma idéia

diferente da população afro-brasileira e mestiça em relação à avaliação posterior de

Darcy Ribeiro. O médico eugenista indica para a urgente limpeza da população que

considerava degenerada pela mestiçagem. Já Darcy Ribeiro demonstra a organização

da classe burguesa ou dominante, para se apropriar da riqueza produzida e justificar a

pobreza da maioria pela pobreza da própria nação do Brasil.

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Outros intelectuais da época, como João Batista Lacerda, apostavam nos

casamentos entre as raças para que ocorresse o branqueamento da população. “A tese do branqueamento, apresentada por um de seus formuladores no campo da antropologia, João Batista de Lacerda, afirmava a inferioridade de negros, índios e da maioria dos mestiços, mas esperava que mecanismos seletivos, operando na sociedade (a busca de cônjuges mais claros), pudessem clarear o fenótipo no espaço de três gerações”. (SEYFERTH, 2002, p.32).

Pensava que a raça branca era superior e nos cruzamentos entre raças,

predominariam as características dos brancos.

A legislação brasileira do governo republicano provisório, apesar de seu

fundamento jurídico-político centrado na igualdade formal, em relação à imigração,

também manifesta a idéia do branqueamento da população. “... o Decreto 525, de 28 de julho de 1890, abria o Brasil para todas as pessoas válidas e capazes para o trabalho, desde que não estivessem sob processo criminal em seus países de origem, “com excepção dos africanos e asiáticos” (Decreto do Governo Provisório, 6º fasc., Rio de Janeiro, 1890)”. (SCHWARCZ, 1993, p. 184). No debate entre o determinismo racial e o liberalismo no Brasil, o imigrante

europeu foi considerado mais livre para celebrar o contrato de trabalho do que o ex-

escravizado.

Podemos também notar a presença da idéia do branqueamento na colonização

de Toledo. Segundo o relatório da colonizadora Maripá, estudado por Schreiner(1996),

o elemento humano escolhido é o descendente de imigrantes europeus brancos,

alemães ou italianos, vindos do Rio Grande do Sul ou Santa Catarina.

Na construção da imagem do pioneiro colonizador Willy Barth, também não

aparece nenhum traço afro. Se examinarmos cuidadosamente a historiografia sobre a

história de Toledo que ressalta a ação dos pioneiros não descobrimos a presença de

outros elementos que não seja o branco europeu.

O ensino da história, na educação básica, também contribui para a reafirmação

do racismo quando apresenta uma preocupação civilizatória e considera a Europa

como berço da civilização. Segundo Bento (2005, p.44): “Um dos mais importantes veículos

de reprodução do estereótipo, do preconceito e do racismo na escola é o conteúdo dos livros de

História”.

O que se pretende com a lei 10639/03 é permitir que os conteúdos da cultura e

história dos afro-brasileiros e da África possam ser estudados sem estigmas e

preconceitos. O movimento negro quer uma reparação cultural, ou seja, fazer com que

a história e a cultura dos afro brasileiros e da África possa fazer parte do ensino da

história de maneira igual aos outros conteúdos. Significa superar o eurocentrismo.

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“Aqui no Brasil, crianças brancas e negras aprendem sobre figuras e fatos importantes de brancos – como Pedro Álvares Cabral e Tiradentes. Porém pouco ou nada sabem sobre os descendentes de africanos, povo que compõe metade da população brasileira. Se perguntarmos a uma criança branca quais são seus heróis, líderes, sábios, ela saberá apontar alguns. A criança negra, no entanto, terá dificuldade para identificar heróis negros, porque a memória de seu grupo foi omitida ou deturpada”.(BENTO, 2005, p.44).

O fato de a legislação brasileira obrigar a efetivação do ensino da história e

cultura dos afro-brasileiros e da África pode ser entendido como uma denúncia da

existência do branqueamento no currículo da educação básica e sua busca de

superação.

Retomamos o já escrito que movimento negro pretende uma “reparação cultural”

e não uma “indenização financeira”. A reparação cultural tem como eixo principal a

superação do ensino e da organização dos currículos que insistem em abordar a

questão dos afro-brasileiros a partir do regime escravocrata e silenciam sobre a

História e Cultura da África. Trata-se de superar o eurocentrismo que lança uma visão

truncada sobre este povo por uma visão profunda, tanto dos afro-brasileiros como da

África. Encontramos nos “Cadernos Temáticos” da Secretaria de Estado da Educação

do Estado do Paraná, orientação para ampliar o foco dos currículos escolares.“É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz européia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e européia.” (PARANÁ, 2006, p.24).

3. A Luta dos Escravizados pela libertação

A abolição da escravatura no Brasil, como está acima, geralmente é o ponto final

do estudo sobre o negro brasileiro nos programas da disciplina de História na

modalidade da educação básica. Os textos didáticos fazem uma descrição da dura vida

do escravo negro durante o Brasil colônia e o período imperial. Destacam as diferentes

formas de lutas dos escravos em busca de liberdade. A formação de quilombos, a fuga

dos escravos, a falta de dedicação no trabalho...

Na discussão abolicionista aparece um histórico da legislação anti-escravista,

como a proibição do tráfico de escravos, Lei do Ventre Livre, a Lei do Sexagenário e a

Lei Áurea. Ainda faz-se a observação que o ex-escravo não tinha aptidões para o

trabalho livre e disciplinado, sendo substituído pelo imigrante europeu que já vem com

experiência e conhecimento para o trabalho assalariado.

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Existia a preocupação e medo dos escravizadores sobre a possibilidade de

generalização dos conflitos e conseqüente perda de controle social.

Após a Guerra do Paraguai aumentou muito a fuga de escravos. Os já livres

ajudavam os que queriam fugir. O assassinato de vários capitães do mato, de feitores,

de donos de escravos e proprietários rurais foi criando um ambiente considerado

inviável para o trabalho escravo. "Em 1882 continuam os relatos de incitamento de escravos por

elementos de fora das fazendas, ao mesmo tempo que vão em curso pequenas sublevações e

atentados individuais ou em grupos de cativos contra senhores e feitores." (AZEVEDO, 2004, p.172)

Também tem os abolicionistas que não representaram uma proposta de ruptura

com os proprietários rurais e escravocratas e sim se apossaram da luta dos escravos

pela liberdade para evitar uma possível "desordem" social que poderia ferir os

interesses dos escravocratas. Defendem, ainda, que a escravidão e a monarquia são

empecilhos para que o Brasil pudesse ser comparado às nacionalidades européias.

Queriam que os escravos, após a liberdade fossem obrigados a trabalhar, como

diz um texto abolicionista citado por (AZEVEDO, 2004, P.191): "Somos acaimados de precipitados, de incendiários, quando aconselhamos a abolição imediata da escravidão (...) Não pense o escravocrata que queremos a desordem, a vagabundagem (...).

Entendemos que o liberto que não quiser trabalhar, preferindo a vadiação e a mendicidade, deve ser coagido ao trabalho, sob as mais severas penas. (...) Portanto, a abolição imediata da escravidão é uma necessidade palpitante para o deslumbramento da riqueza geral do país, prendendo-a, sem dúvida, medidas preventivas."

A idéia abolicionista é de reforma, sem provocar ruptura e o ex-escravizado

disponível para o trabalho assalariado em outras formas de trabalho a semelhança do

imigrante europeu. Apresentavam-se como defensores dos escravos, porém

acreditavam que era preciso "... sancionar leis capazes de conter a desordem, de coíbi-la, de

apressar o fim da escravidão, por um lado, e de ordenar aquele período em termos da manutenção de

força de trabalhos nas fazendas, por outro”. (AZEVEDO, 2004 p.194)

Na medida que os abolicionistas tinham esta preocupação do controle social ou

com uma possível submissão dos escravizados "as áreas rurais eram atravessadas por

bandos de negros armados e dispostos a tudo para se verem livres de cativeiro". (AZEVEDO, 2004,

p.176)

Após a saída das fazendas os ex-escravizados procuravam resolver o que fazer

de diferentes maneiras. Alguns se reuniam pelo mato em grupos, outros praticavam

saques. Também teve aqueles que ficaram nas fazendas em troca de salários. No

centro dos cafezais, muitos encontraram o chamado caminho de Santos e foram ao

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quilombo de Jabaquara. Este se formou a partir de 1882 sob o controle dos

abolicionistas "preocupados com a manutenção da ordem na província." (AZEVEDO, 2004, p.176).

Para que serviu a Lei Áurea? Um aspecto a considerar é que tanto a Lei Área

como a Lei 10639/03 são sancionadas após intensos protestos do denominado

movimento, respectivamente ao final dos séculos XIX e XX, e início do XXI. Não é a

legislação que cria a ação do movimento negro, e sim este pressiona para a sansão

das leis.

4. Conclusão

Há um longo caminho a ser percorrido para que a Lei 10639/03 integre

efetivamente a pauta curricular das unidades de ensino. Não se trata de uma questão

que estará superada com a organização de algumas atividades no dia 20 de novembro,

dia da Consciência Negra. Algumas propostas de atividades são limitadas pela

apresentação de danças que caracterizam a África como tribal. Além de não ser

suficiente, representa uma “racialização cultural” caracterizada por uma abordagem

truncada dos conteúdos da História e Cultura Afro-brasileira e da África. Não se busca

uma visão complexa dos elementos da história e cultura afro-brasileira e da África para

que ocorra a reparação cultural.

Pensando numa realidade próxima de nós, outro elemento que dificulta a

aplicação da Lei 10639/03 está presente na mentalidade colonizadora de Toledo,

Estado do Paraná. A população escolhida pela colonizadora Maripá é a descendente

de alemães e italianos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, com experiência na

agricultura. Está excluído o Afro-brasileiro neste empreendimento, atuando a margem

desse processo como ilegal residente em Pouso Frio7. Uma observação preliminar na

epiderme das pessoas que trabalham no comércio e no Shopping de Toledo ou nas

7 Pouso Frio refere-se à ocupação ilegal que se deu a margem esquerda do Rio Toledo, em terras que não foram adquiridas pela Colonizadora MARIPÁ. Esta aplicou seu plano de colonização e formação da cidade de Toledo a margem direita do Rio Toledo, atuando dentro da legalidade e instalando seus colonos descendentes de italianos ou alemães, vindos do Sul. Aqueles que não compraram terras a margem direita do Rio, e trabalhavam em diferentes atividades, conforme a demanda da cidade em construção ocupam as terras que não haviam sido adquiridas pela colonizadora, pois estas pertenciam a Moisés Lupion, que não efetuou nenhuma ocupação. Terras não adquiridas pela MARIPÁ, pois se encontravam em tramitação judicial. Neste local constituiu-se o chamado Pouso Frio, reservado para os nordestinos, paraguaios e outros.

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chamadas “melhores ocupações” nos mostra que esta idéia do branqueamento está

presente na relação do emprego em Toledo.

Como o professor atuante na escola que está inserida numa sociedade de

classes e reproduz a ideologia da classe dominante interpretará esta questão da cor da

pele e da classe social? Por um lado a escola reproduz a ideologia da classe

dominante, por outro lado é também um espaço de constituição e trânsito de ideologias

subalternas. É neste limite e nesta possibilidade que pode ocorrer à reparação cultural

Como esta legislação está sendo interpretada pelos agentes da Secretaria

Estadual da Educação e como esta legislação é recebida pelos professores da região

oeste, na sua maioria brancos e influenciados pela ideologia da política de

branqueamento da população?

Inicialmente uma série de ações são encaminhadas pela Secretaria de Estado

da Educação, em razão desta Lei, através de programas de capacitação, formação de

comissões para implantação do Ensino de História e Cultura dos Afro-brasileira e da

África no interior das unidades de ensino. Inclusive, algumas atividades vem sendo

desenvolvidas, como grupos de danças e de capoeira nas escolas. O dia 20 de

novembro está inserido no calendário das escolas paranaenses como “dia da

consciência negra”. Ao mesmo tempo em que são tomadas estas iniciativas, ocorrem

também posicionamentos críticos que indicam que estas atividades estariam

representando uma racialização cultural, principalmente no caso das danças que

refletem o aspecto “tribal” da África.

Em suma: como os professores e professoras, da região oeste do Paraná, na

sua maioria brancos e os agentes da Secretaria Estadual de Educação do Paraná

interpretam e contribuem com a implantação do ensino da História e Cultura dos Afro-

brasileiros e da África? Esta é uma questão que não foi suficientemente abordada

neste trabalho e poderá servir de impulso para uma pesquisa posterior. Neste

momento, estou convicto que o respeito à diferença não é uma tarefa que cabe

somente a educação formal ou escolar resolver. Está presente acima que para a

superação da discriminação racial não é suficiente reeducar o sujeito no processo de

escolarização.

Em que consiste a educação? Numa perspectiva ideal, redentora, de promover o

desenvolvimento econômico, de conduzir a felicidade, de garantir um bom emprego, a

educação tem a finalidade essencial de transmitir e assimilar o conhecimento científico

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historicamente acumulado para um maior número de pessoas. E que isto se faça com o

objetivo de preparar e capacitar os indivíduos.

Orso (2008) divide a educação em formal – realizada na sala de aula,

programada, com conteúdos, professores e objetivos definidos – e informal – está

fundamentada nas leis, costumes, tradições, na aprendizagem da vida. Numa só

definição de Orso (2008, p.50): “poderia se dizer que a educação é a forma como a própria

sociedade prepara seus membros para viverem nela”. Assim compreende-se a educação após

compreender a sociedade. Inicialmente consideramos que educação não é sinônimo de

escola. A escola é um dos elementos pelos quais a sociedade educa seus indivíduos.

E como pretende-se compreender a sociedade?“Partindo do princípio de que, após o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, a história da humanidade tem sido a história das lutas de classes e que atualmente vivemos no modo de produção capitalista, baseado na extração da mais-valia, na exploração, na competição e na concorrência, a educação, submetendo-se às determinações da base material, no geral acaba contribuindo para a reprodução desta sociedade,(...) a educação tende a “refletir” a sociedade que a produz , pois, expressa o nível de compreensão dos que a fazem, permitida pela sociedade de cada época, de acordo com a etapa de desenvolvimento e das relações sociais”. ( ORSO, 2008, p. 50-51 ).

A esta sociedade capitalista corresponde um tipo de educação, chamada como

formal, identificada como “adestramento, disciplinarização, treinamento e docilização dos

indivíduos, do que como meio de transformação social”. ( ORSO, 2008, p. 51 ).

E mais o autor continua escrevendo que mesmo aquelas poucas experiências

que pretendem ser críticas, trazendo questionamentos para o sistema, são envolvidos

pelo aparato burocrático e disciplinar com poucos espaços para a realização de

experiências alternativas.

Como apontamos no texto acima, a abolição da escravatura no Brasil,

geralmente, é o ponto final do estudo sobre o negro brasileiro. Os textos didáticos

fazem uma descrição da difícil vida do escravizado durante o Brasil colônia e o período

imperial. Destacam as diferentes formas de lutas dos escravos em busca de liberdade.

A formação de quilombos, a fuga dos escravos. Acrescenta-se um histórico da

legislação abolicionista, já atropelado pela substituição do trabalho escravo pelo

trabalho assalariado. A apresentação truncada dos conteúdos leva ao conformismo, a

alienação, a adaptação sem maiores questionamentos a sociedade capitalista.“Esta forma de educação corresponde à esta sociedade, que tem na alienação da força de trabalho e, conseqüentemente, na alienação da consciência um meio de se reproduzir e se perpetuar. E não poderia admitir outra, pois se o fizesse, corresponderia a outra sociedade e não a de classes. Como ela não é construída por um bloco monolítico, também é permeada por contradições e, eventualmente, até pode permitir a realização de algumas experiências diferentes. Todavia, no geral, predomina um tipo de educação abstrata,

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necessária a essa sociedade, pois, sendo o determinante maior a base material, ela condiciona a consciência estabelecendo-se assim um tipo de educação correspondente a ela. Ou seja, uma educação voltada para estimular o individualismo, para fomentar a competição, para enaltecer a concorrência, para premiar pela produtividade e punir pelos resultados não desejados, permitindo, assim, selecionar os mais aptos e mais adaptados, de acordo com os valores vigentes nessa sociedade- uma educação para a subserviência”. ( ORSO, 2008, p. 50-51 ).

Este objeto de pesquisa protagoniza educar para respeitar as diferenças, sem

hierarquizar para discriminar, educar pelo alto. Não está em discussão o sistema

econômico-social, centrado na propriedade privada dos meios de produção, na luta de

classes, ou seja, o modo de produção capitalista.

5. Referências

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