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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL ARTIGO FINAL ÁREA: Língua Portuguesa NOME DO PROFESSOR PDE: Lucimary Bateloqui Gomes NOME DO ORIENTADOR: Prof. Dra. Sandra Aparecida Pires Franco Maringá-Pr 2009

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Page 1: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA … · A ESTÉTICADA RECEPÇÃO E O GOSTO PELA LITERATURA: A CRÔNICA QUE DIVERTE E HUMANIZA. LUCIMARY BATELOQUI GOMES1 RESUMO:

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOSUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁPROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

ARTIGO FINAL

ÁREA: Língua Portuguesa

NOME DO PROFESSOR PDE: Lucimary Bateloqui Gomes

NOME DO ORIENTADOR: Prof. Dra. Sandra Aparecida Pires Franco

Maringá-Pr2009

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Lucimary Bateloqui Gomes

A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E O GOSTO PELA LITERATURA: A CRÔNICA

QUE DIVERTE E HUMANIZA

Artigo apresentado à Secretaria de

Estado e Educação para conclusão do

Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE.

Maringá-Pr

2009

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A ESTÉTICADA RECEPÇÃO E O GOSTO PELA LITERATURA: A CRÔNICA QUE

DIVERTE E HUMANIZA.

LUCIMARY BATELOQUI GOMES1

RESUMO: Este artigo descreve a experiência obtida com o trabalho desenvolvido no Programa Educacional do PDE de 2008, cujo objetivo foi o de minimizar as muitas dificuldades encontradas pelos professores para promover a leitura do texto literário em sala de aula na escola, bem como destacar o papel da escola na promoção desse tipo de leitura de forma sistematizada. Na tentativa de minimizar essa lacuna entre o aluno e o texto literário, esta pesquisa teve por objetivo atender alunos do 1º ano do Ensino Médio, que nesta etapa de sua escolarização terão o estudo da Literatura de forma mais sistematizada, procurando desenvolver o gosto pela literatura, delineado pela concepção teórica da Estética da Recepção, contemplada nas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008), a qual considera fundamental no processo da leitura a figura do leitor. Consideramos que o grande benefício gerado para a escola está no fato de o projeto ser uma tentativa de promover o gosto pela leitura do literário de forma divertida.

Palavras-chave: Estética da recepção. Leitura. Leitor. Crônicas. Incentivo.

ABSTRACT: This article describes the experience of the work whose goal was to propose an better way to reading in which it was possible to discover the various possibilities of the literature that the issue brings. We conduct with the students first year of high school, for a term, the reading of the crhonics. In the end it was possible to conclude that the Esthetic of Reception as theoretical and methodological support, is effective aid to improve the reading performed by the students.

Key words: esthetic of reception,reading,reader,crhonics,

1. INTRODUÇÃO

1.1. O GOSTO PELA LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO

1 Professora da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná. Email: [email protected]

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É bastante vasta a literatura que aborda as questões relativas às

dificuldades encontradas pelos professores para promover a leitura do texto literário

em sala de aula, assim como é inegável o papel da escola na promoção desse tipo

de leitura de forma sistematizada. Na tentativa de minimizar essa lacuna entre o

aluno e o texto literário, este projeto tem por objetivo atender alunos do 1º ano do

Ensino Médio, que nesta etapa de sua escolarização terão o estudo da Literatura de

forma mais sistematizada, procurando desenvolver o gosto pela literatura, delineado

pela concepção teórica da Estética da Recepção, contemplada nas Diretrizes

Curriculares do Estado do Paraná (2008), a qual considera fundamental no processo

da leitura a figura do leitor. Este é visto como um co-participante na produção de

sentido do texto; na medida em que o leitor leva para o texto suas expectativas,

suas experiências passadas, com as quais, seguindo pistas deixadas pelo autor,

elabora hipóteses, refutando ou reafirmando idéias e, dessa forma, constrói um

sentido para o texto. Para tal desenvolvimento, será utilizado o gênero literário

Crônica, por seu caráter leve e despretensioso que atrai e estimula a atenção do

leitor, na medida em que fala de coisas aparentemente banais e cotidianas, mas

carregadas de sensibilidade e profundidade. Assim sendo, a crônica atende a

intenção primordial desse projeto que é o de incentivar a leitura do texto literário pelo

prazer estético que o mesmo possibilita e, conseqüentemente, por seu caráter

humanizador, uma vez que satisfaz a necessidade de fantasia de todo ser humano.

Por entendermos que o incentivo à leitura do texto literário deve nortear a

prática da leitura que se realiza na escola, propomos que o nosso trabalho se dê sob

a perspectiva da Estética da Recepção, tomando a crônica como texto primeiro para

promover o gosto pela leitura.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E LEITURA

O foco do nosso trabalho é o incentivo à leitura de textos literários e sabemos

que nessa leitura o espaço do leitor é ainda maior do que o espaço do qual dispõe o

leitor de outros tipos de textos. Para tanto, vamos nos ater às idéias sobre leitura

apresentadas pela teoria literária, a partir das teorias que enfocam mais

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especificamente o leitor e a forma como este se apropria e cria sentidos para o texto.

Entre os teóricos que se dedicam a essa abordagem destacamos Hans R. Jauss,

um dos expoentes da Estética da Recepção, assim como Iser.

Para Jauss (1994), o valor de uma obra literária decorre da percepção estética

que a obra desperta no leitor, ao mesmo tempo em que contraria a expectativa do

leitor. Uma de suas teses refere-se ao relacionamento entre literatura e a vida

prática, em que procura examinar as relações da literatura com a sociedade. Nas

suas palavras: “a relação entre literatura e leitor pode atualizar-se tanto no terreno

sensorial como estímulo à percepção estética, como também no terreno ético

enquanto exortação à reflexão moral.” (JAUSS, 1994)

Em outras palavras, pode-se dizer que quando o leitor mergulha no texto vai

fazendo previsões em todo momento, durante toda a leitura e, tais previsões, com

certeza, serão construídas a partir do seu universo particular e é isso o que

estabelece a diferença entre as formas de ler um texto e as formas de completá-lo,

haja vista que nele há trilhas, como se fosse um bosque, as quais se bifurcam e o

leitor decide se segue a trilha da direita ou a da esquerda, porque quando o texto se

cala, deixando lacunas, espaços vazios, silêncios, o leitor exerce sua função de co-

autor, completando o sentido do texto.

Iser (1999) diz que a descrição da interação entre texto e leitor deve referir-se

em primeiro lugar aos processos constitutivos pelos quais os textos são

experimentados na leitura. Desse modo, deve-se substituir a velha pergunta sobre o

que significa determinado texto, pela de quais efeitos causou no leitor no momento

de ler, e depois, já que a obra literária tem dois pólos: um, artístico, que é o próprio

texto criado pelo autor; e um pólo estético, que é a concretização produzida pelo

leitor. O objeto ideal não é dado pela obra e sim o constitui o leitor. Isso não significa

que o leque de possibilidades que a obra abre para o leitor, dê a oportunidade de

uma interpretação aleatória, pois os elementos de indeterminação permitem, sem

dúvida, certo espectro de realização, mas isso não significa que a compreensão seja

aleatória, pois representa a condição central para a interação entre texto e leitor.

2.2. A LITERATURA E A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

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Para definir Literatura, apresentamos o conceito dado por Eagleton (2001) que

parece dialogar com as idéias da Estética da Recepção. Para ele, a Literatura não

pode ser definida objetivamente, pois “a definição de literatura fica dependendo da

maneira pela qual alguém lê, e não da natureza daquilo que é lido” (EAGLETON,

2001, p.11). Como podemos ver, ele dá importância ao leitor, considerando-o um

agente do processo literário, e não aos aspectos estruturais que podem intervir

também no processo de atribuir significado à leitura literária. Referindo-se

especificamente a um outro aspecto presente quando a tarefa é definir literatura e

determinar seus limites, o autor diz que a literatura inglesa no século XVII incluía

tanto as obras de Shakespeare, quanto os ensaios de Francis Bacon, os sermões de

John Donne e a autobiografia espiritual de Bunyan, ou seja, não havia, nessa época,

uma distinção entre “fato” e “ficção”. A esse respeito, ele questiona algumas

classificações, pois diz que: “se a literatura inclui muito da escrita ‘fatual’, também

exclui uma boa margem de ficção. As histórias em quadrinhos do Super homem e os

romances de Mills Boon são ficção, mas isso não faz com que sejam geralmente

considerados como literatura, e muito menos como Literatura.”( EAGLETON, 2001,p.

2).

Dessa afirmação, podemos inferir a dificuldade de classificar o literário e o não

literário, pois esses critérios também apresentam mudanças espaço-temporais. O

autor diz que talvez não seja o fato de ser ficcional ou “imaginativa” o que classifique

um texto como literário ou não, mas o fato “de empregar a linguagem de forma

peculiar.” (EAGLETON, 2001, p. 2). Nesse sentido, ele cita as palavras de

Jakobson, que diz que a literatura é uma violência contra a fala comum e acrescenta

que a literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se

sistematicamente da fala cotidiana. Ele exemplifica com a seguinte afirmação:

Se alguém se aproximar de mim em um ponto de ônibus e disser: “Tu, noiva ainda imaculada da quietude”, tenho consciência imediata de que estou em presença do literário. Sei disso porque a tessitura, o ritmo e a ressonância das palavras superam o seu significado abstrato – ou, como os lingüistas diriam de maneira mais técnica, existe uma desconformidade entre os significantes e os significados. (EAGLETON, 2001, p. 3).

Explica o autor, após dar esse exemplo, que a literatura usa um tipo de

linguagem que chama a atenção sobre si mesma, traço distintivo da definição de

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“literário” apresentada pelos formalistas russos, que afirmavam que a literatura era

“uma organização peculiar da linguagem.” (EAGLETON, 2001, p. 3). Nessa linha de

reflexão, o mesmo autor ainda afirma que a Literatura, impondo-nos uma

consciência dramática da linguagem, renova as reações habituais, tornando os

objetos mais perceptíveis, e, que o discurso literário aliena a fala comum, porém, ao

fazê-lo, “paradoxalmente nos leva a vivenciar a experiência de maneira mais íntima,

mais intensa.” (EAGLETON, 2001, p. 5), ou seja, o autor explica claramente que a

literatura diferencia-se dos textos não literários, pois oferece ao leitor a possibilidade

de vivenciar e de sentir intensamente aquilo que é apresentado pelo artista.

Como parte integrante do nosso trabalho, vamos ressaltar o conceito de

literatura dado por Antônio Candido (1995), uma vez que nos interessa, também,

enfatizar o caráter humanizador da literatura. O referido autor preocupa-se com

outro aspecto da literatura e percorre uns caminhos poucas vezes apresentados por

outros teóricos: o do direito dos indivíduos à literatura, ou seja, para o autor, além de

outras definições, a literatura é um direito. Ele analisa a sociedade, dando ênfase

nas classes sociais e nas enormes diferenças que as separam. A partir desse ponto,

ele diz que é preciso criar, desde a infância, a consciência de que os pobres têm

direito aos bens materiais, ao lazer, à arte e à literatura. Diz que compreende

Literatura, de forma muito abrangente, abarcando todas as criações de caráter

poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade e em todos os

tipos de cultura. Abrangente também, diz ele, devem ser os grupos favorecidos com

a literatura. Nesse sentido, faz uma espécie de chamamento à sociedade, com as

seguintes palavras:

Para que a literatura chamada erudita deixe de ser privilégio de pequenos grupos, é preciso que a organização da sociedade seja feita de maneira a garantir uma distribuição eqüitativa dos bens. Em principio só numa sociedade igualitária os produtos literários poderão circular sem barreiras, e neste domínio a situação é particularmente dramática em países como o Brasil, onde a maioria da população é analfabeta, ou quase, e vive em condições que não permitem a margem de lazer indispensável à leitura. Por isso, numa sociedade estratificada deste tipo, a fruição da literatura se estratifica de maneira abrupta e alienante. (CANDIDO, 1985, p. 257).

Como podemos ver, o autor faz um enfoque claramente social do direito à

literatura, chamando-a de bem humanizador, por permitir ao homem encontrar na

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literatura aspectos de sua própria humanidade, devolvendo-lhe uma consciência

humana modificada pela leitura da obra literária. Este enfoque social também

apresenta uma crítica à sociedade por negar esse bem a uma grande parte da

população. Isso nos leva a pensar que a Literatura, ao ser abordada como um bem

social e ao reconhecer que a leitura de um texto literário provoca efeitos no leitor,

deve ser repensada na sociedade, obrigando a fazer uma análise da sua forma de

inserção na escola e do tratamento dado à disciplina em todo o contexto sócio-

cultural.

Tentando elaborar um conceito sobre literatura e de resumir as idéias de

diferentes autores em relação ao tema, podemos dizer que literatura é um tipo de

texto que exige uma forma especial de leitura, baseada em convenções que se

aprendem. O principal traço que caracteriza o literário é a representação de um

mundo ficcional, que mesmo tendo falas, personagens e fatos que possam ser

semelhantes com o mundo real, não tem compromisso com a verdade e, portanto,

não deve ser vista como a expressão da opinião ou posicionamento de um autor

para informar ou persuadir, pois muitas vezes a opinião do autor difere muito da

opinião do narrador. Literatura é uma manifestação artística, e, como tal, apresenta

diferentes faces ao longo da história, pois reflete as características que dão

peculiaridade ao momento em que se produz a obra, recebendo e proporcionando

fortes influências artísticas, culturais e sociais, numa interação com a sociedade,

além de ser um fato social, porque é um produto de consumo, de lazer e de

comunicação.

2.3. O MÉTODO RECEPCIONAL

Tendo em vista que o objeto de estudos será o incentivo à leitura do texto

literário, enfatizando seu caráter humanizador, delineado pela concepção teórica da

Estética da Recepção ficaram estabelecidas leituras sobre: a teoria da literatura, os

pressupostos teóricos da Estética da Recepção, bem como da formação do leitor.

Alguns autores pesquisados para esses estudos foram: Antonio Candido (1985),

Bordini & Aguiar (1993), Eagleton (2001), JAUSS (1994), Zilberman (1989), entre

outros. Foram lidos também autores sugeridos nos cursos gerais das IES, textos

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indicados nas referências bibliográficas do PDE e as Diretrizes Curriculares do

Estado do Paraná (2008). O tempo destinado aos estudos também foi usado na

elaboração do resumo e proposta de plano de trabalho.

Considerando que a arte de modo geral tem uma função social e que, em

especial, a obra literária contribui para a inserção cultural e social dos indivíduos,

centraremos nossa atenção nas necessidades dos alunos e na escolha de

elementos que sejam indispensáveis para sua formação. Para dar ênfase às nossas

reflexões sobre a importância da educação literária e de que essa atenda às

necessidades e interesses dos alunos, devemos dizer que por meio do

conhecimento e da formação literária, atingir-se-á uma conquista maior, que é a de

humanizar e de contribuir para a expressão da visão do mundo, assim como para

realizar um registro da história do homem e das gerações, segundo Antonio Candido

(1985).

Para Zilberman (1989), geralmente as atividades pedagógicas relacionadas com

a leitura provocam tédio e fazem o aluno vivenciá-las como se tratasse de

aprisionamento, controle ou obrigação, porque o professor não incorpora a leitura no

universo do ensino. A autora diz também que a “imaginação pertence ao mundo

interior de todo individuo, mas não pode ser acionada sem os estímulos

provenientes do exterior”. (ZILBERMAN, 1989, p.25). Esse exterior seria o texto

literário, palavras escritas que enriquecem com mais propriedade o imaginário, pois

podem ir de encontro a situações pessoais ou a situações inusitadas, produzindo,

nas palavras da autora, o “afastamento do cotidiano ou o retorno a ele, estando o

leitor agora de posse de uma nova experiência, que o prepara melhor para o

enfrentamento da experiência existencial”. (ZILBERMAN, 1989, p.25). A leitura do

texto literário contribui com o sujeito despertando a curiosidade, ajudando a

desenvolver a criatividade, a sensibilidade, dando lugar à fantasia e à expressão de

sentimentos.

Como se pode observar pela discussão aqui proposta, a literatura constitui-se

um componente curricular fundamental para a formação dos leitores. Neste sentido

propomos, a seguir, uma metodologia centrada no leitor, fazendo uso do método

recepcional, que segundo Jauss amplia o horizonte de expectativas do leitor, na

medida em que tanto em termos temáticos quanto formais, a obra se aproxima ou se

distancia dos conhecimentos do leitor.

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O método recepcional de ensino da literatura enfatiza a comparação entre o

familiar e o novo, entre o próximo e o distante no tempo e no espaço”. (Bordini &

Aguiar, 1993, p.86). Esse método apresenta, com relação ao leitor, cinco etapas:

determinação, atendimento, ruptura, questionamento e ampliação do horizonte de

expectativas do leitor.

2.4. DESCRIÇÃO DA APLICAÇÃO E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A

PROPOSTA

Trataremos agora das atividades propostas aos alunos na implementação do

projeto, destacando as cinco etapas do método recepcional, que são:

1. Determinação do horizonte de expectativas;

2. Atendimento do horizonte de expectativas;

3. Ruptura do horizonte de expectativas;

4. Questionamento do horizonte de expectativas;

5. Ampliação do horizonte de expectativas.

1. Determinação do horizonte de expectativas

Com a finalidade de determinar o horizonte de expectativa do nosso leitor,

foram feitos alguns questionamentos oralmente com relação a sua experiência como

leitor: Que tipos de texto você já leu? Cite alguns? Você tem dificuldade para ler e

compreender algum texto? Há textos mais difíceis ou mais fáceis de compreender?

Você se lembra de algum texto ou história lida que você achou engraçado? Qual? O

que mais chama sua atenção em um texto? O assunto? O tamanho? A maneira

como foi escrito? Diante de um texto mais longo ou difícil de entender, qual é a sua

atitude ou reação? Insistir na leitura? Pular partes? Desistir?

As respostas dadas aos questionamentos acima nos levam a perceber o gosto e

a preferência dos alunos com relação à leitura, tais como: diante de um texto mais

longo tendem a desistir da leitura, pular partes do texto, fazer de conta que estão

lendo (isso quando a leitura ocorre dentro da sala de aula), preferem ler textos mais

curtos e com um vocabulário mais acessível e próximo ao deles, ou seja, quando há

uso da linguagem mais informal e coloquial. A grande maioria diz que lê textos

literários apenas na escola, nas aulas de Português, ou os livros que o professor

indica. Embora leiam pouco dizem que acham a leitura importante para melhorar o

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desempenho escolar, conhecer outras culturas, para aprender mais. Afirmam que o

assunto do texto pode prender a atenção se for algo interessante ou atraente para

eles.

As respostas foram sendo listadas no quadro e depois analisamos aquelas que

mais se repetiam, o que nos permitiu traçar um perfil dos nossos leitores.

2. Atendimento do horizonte de expectativas

Neste momento propusemos aos alunos a leitura da crônica “A velha

contrabandista”, por se tratar de um texto fácil, curto e engraçado bem ao gosto de

suas expectativas, uma vez que estamos levando em conta os resultados obtidos

na etapa anterior.

Leitura e estudo do texto:

A Velha Contrabandista

(Stanislaw Ponte Preta)

Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava

pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal

da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.

Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega

mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:

- Escuta aqui, vovozinha, a senha passa por aqui todo dia, com esse saco aí

atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?

A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais outros, que ela

adquirira no odontólogo, e respondeu:

- É areia!

Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a

velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal

esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que

fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.

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Mas o fiscal desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e

no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela

passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o

que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou

e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as

vezes, o que ela levava no saco era areia.

Diz que foi aí que o fiscal se chateou:

- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa

coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é

contrabandista.

- Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando

o fiscal propôs:

- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não

apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o

contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?

- O senhor promete que não "espáia"? - quis saber a velhinha.

- Juro - respondeu o fiscal.

- É lambreta.

Algumas considerações a respeito do texto e que foram propostas aos alunos

para que comentassem oralmente e fizessem uma breve análise do mesmo foram:

Quais são os personagens do texto? Quais são suas principais características?

Existe no texto um narrador? Ele participa dos fatos narrados ou apenas conta?

Você achou o texto engraçado? O que dá ao texto seu tom humorístico? Trata-se de

um fato real (algo que realmente aconteceu) ou é apenas ficção? Comente. Embora,

no texto, os personagens sejam ficcionais, podemos dizer que é possível encontrar

pessoas como o fiscal ou a velhinha?

Como havíamos previsto os alunos não tiveram dificuldade para ler e analisar o

texto, uma vez que este é de fácil entendimento, levando-se em conta a sua etapa

de escolarização e perfil da turma. De modo geral gostaram do texto por ser fácil,

pela linguagem utilizada, pelo tom humorístico que se revela ao longo do texto e,

principalmente, pelo final.

Num segundo momento foi feito a leitura e estudo do texto:

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O Homem NuFernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher:

— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito

com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade,

estou a nenhum.

— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.

— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente

as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não

faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar —

amanhã eu pago.

Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho,

mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café.

Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse

completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-

se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do

parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos,

porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada

pelo vento.

Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera,

olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro

interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já

era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:

— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.

Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.

Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir

lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!

Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador

passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos

nervosas o embrulho de pão:

— Maria, por favor! Sou eu!

Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares,

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vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e

assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal

ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder.

Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a

empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada.

Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.

Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.

— Ah, isso é que não! — fez o homem nu, sobressaltado.

E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo,

podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava

sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um

verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e

desvairado Regime do Terror!

— Isso é que não — repetiu, furioso.

Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a

parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que

sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo

continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito

bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência,

largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.

— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem

nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.

Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se

com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:

— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso. — Imagine que eu...

A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:

— Valha-me Deus! O padeiro está nu!

E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:

— Tem um homem pelado aqui na porta!

Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:

— É um tarado!

— Olha, que horror!

— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!

Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou

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como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho.

Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.

— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.

Não era: era o cobrador da televisão. (Fernando Sabino in: O homem nu. Rio de

Janeiro: Record,2005).

Esta é uma das crônicas mais famosas do grande escritor mineiro Fernando

Sabino. Após a leitura realizada pelos alunos foram propostas algumas questões

oralmente e por escrito: Quem é o personagem principal do texto? Por que o homem

combinou com a mulher de não abrir a porta se alguém batesse? Por fez silêncio

dentro do apartamento, quando o homem nu bateu na porta querendo entrar? O

homem nu apresenta diversas reações que mostram seu estado emocional, o que

dá um tom humorístico ao texto,pois mostra o desespero dele. Como ele se sentiu

quando: a) Ouviu que outra porta se abria atrás de si:____________________; b)

Ouviu passos na escada, lentos, vindos lá debaixo:_____________; c) Encontrou-se

com a velha do apartamento vizinho:______________; d) A porta interna do

elevador se fecha e ele começa a descer:_______. Por que depois de passar por

tanto sufoco, na tentativa de escapar do cobrador da televisão, o homem nu acabou

abrindo a porta para ele? Explique com suas palavras. O narrador participa dos fatos

ou apenas conta o que aconteceu? Podemos dizer que nos textos lidos, os

personagens são tipos comuns? Quanto à linguagem utilizada nos textos, pode-se

dizer que se trata de uma linguagem comum, do dia a dia? Cite um exemplo de cada

texto.

Pudemos constatar que os alunos gostaram do texto, acharam engraçadas

as situações enfrentadas pelo personagem central e, apesar de ser um pouco mais

longo, não tiveram dificuldade na leitura e análise do mesmo. Procuramos aqui

enfatizar o uso da linguagem empregada no texto, comparando-o ao texto anterior.

Os alunos ressaltaram o uso de gírias, expressões populares, o uso dos diálogos

como elementos que atraem e estimulam a leitura.

Solicitamos aos alunos, como tarefa de casa, uma pesquisa breve sobre os

autores: Fernando Sabino e Stanislaw Ponte Preta, apenas para levantar dados

biográficos dos dois autores no site: www.releituras.com. No momento seguinte,

alguns alunos leram para a sala o que acharam mais interessante sobre os autores,

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além de outras crônicas que encontraram no referido site.

3) Ruptura do horizonte de expectativas

Nesse momento foi a organização dos grupos, de acordo com as afinidades

da turma. Foram formados nove grupos com quatro alunos cada, totalizando trinta e

seis alunos, pois até este momento uma aluna havia sido transferida. Realizou-se

então a leitura das crônicas dos livros da biblioteca da escola que foram levados

para a sala. Em seguida os grupos comentaram sobre as crônicas lidas, destacando

o porquê da escolha, o que chamou a atenção deles durante a leitura, se

apareceram novos temas, além do tema humor presente nos textos estudados

anteriormente.

Este momento foi bastante proveitoso, pois houve um bom rendimento na

leitura, além de os alunos ter a oportunidade de manusear os livros, onde as

crônicas foram publicadas.

Dentre os quarenta livros distribuídos, foi realizado um sorteio dos e livros

preferidos pelos alunos e dos autores a serem pesquisados. Entre eles: O homem

nu, de Fernando Sabino; O melhor de Stanislaw Ponte Preta, de Stanislaw P.

Preta; O nariz, de Luís Fernando Veríssimo; Elenco de cronistas modernos,

Carlos D. de Andrade e outros; O invisível cavalo voador, de Lourenço Diaféria;

Quatro histórias de ladrão, de Paulo Mendes Campos; Fuga do hospício, de

Machado de Assis; Elenco de cronistas modernos, de Rubem Braga e outros;

Comédias para ler na escola, também de Luís Fernando Veríssimo.

Num segundo momento, retomamos a leitura dos livros para que os alunos,

ainda distribuídos nos grupos formados na aula anterior, procedessem à escolha de

duas crônicas que farão parte do cartaz ou banner sobre cada um dos autores. Em

seguida foram passadas as demais orientações com relação ao trabalho a ser

entregue no nosso último encontro previsto para o dia vinte e nove de abril de dois

mil e nove. Além das crônicas e um comentário, justificando a escolha delas, o

trabalho deverá conter uma foto do autor, dados biográficos dos respectivos autores

e a bibliografia.

Neste momento os alunos tiveram um pouco de dificuldade para determinar

as crônicas que comporão o trabalho em função da preferência de cada integrante

do grupo. Mas por outro lado, isso enriqueceu a discussão e a argumentação para

justificar a escolha feita.

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4) Questionamento do horizonte de expectativas

O que propomos neste momento é levar os alunos a se questionarem

sobre seus horizontes de expectativas, o que foi realizado oralmente. Foram feitos

alguns questionamentos, tais como: Ao pesquisar e ler várias crônicas percebe-se

que é um texto de linguagem mais fácil e acessível? É um texto que estimula o leitor

por ser mais simples ou mais fácil de compreender? Embora se trate de um tipo

único (crônica), os temas ou assuntos abordados são os mesmos? Trata-se de um

texto que apenas diverte pelo seu humor ou também leva a reflexão sobre temas

mais complexos?

Os alunos foram capazes de perceber que além do humor presente

nas crônicas dos autores escolhidos há também temas que levam à reflexão, à

análise e crítica de costumes e comportamentos da sociedade em que vivemos,

como, por exemplo, a solidão em que vivem muitas pessoas como os personagens

da crônica “ Lixo”, de Luís Fernando Veríssimo, ou hipocrisia dos parentes de Seu

Irineu, na crônica “A vontade do falecido”, entre outros.

Procedemos, então, a leitura do texto abaixo, destacando os aspectos formais

da crônica ali apresentados.

A CRÔNICA

Do grego chronikós, relativo a tempo e do Latim, ‘crônica’; o vocábulo

designava, nos tempos mais antigos, uma relação ou listagem de acontecimentos

históricos, em ordem cronológica. Os antigos cronicões eram uma espécie de

história, sem a preocupação de fazer-se uma análise ou mesmo interpretação dos

fatos. Eles foram muito comuns entre os séculos II até aproximadamente o século

XV. A partir desse momento, o termo utilizado para esse tipo de relato cristalizou-se

como ‘História’. Mas o termo crônica continuou a ser empregado ainda durante o

século XVI.

Com o passar do tempo, a conotação historicista do vocábulo ‘crônica’ foi se

desfazendo até ganhar sua acepção moderna, ou seja, a de texto um caráter com

literário, mas ainda assim híbrido por circular amplamente na imprensa. Foi no

século XIX que, a partir da ampla difusão e circulação dos jornais, a crônica

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estabeleceu a sua adesão definitiva aos jornais. Tornou-se comum nos jornais

franceses e não tardiamente chegou ao Brasil. Ao final do século XIX, o Brasil tinha

já importantes cronistas como J. de Alencar, Machado de Assis e outros. Já no

século XX, João do Rio, Lima Barreto fazem o gênero ganhar larga difusão. As

décadas de 30/40 contam com a presença de Rubem Braga, Raquel Queirós,

Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade. Hoje

ponteiam os jornais de grande circulação Luís F. Veríssimo, Lourenço Diaféria, João

Ubaldo ribeiro, Raquel de Queirós e outros.

Características do gênero:

Exatamente por estar situada num suporte de natureza efêmera e que trata

do cotidiano,a crônica oscila entre a reportagem e a literatura,entre o relato de

acontecimentos triviais e a recriação do cotidiano por meio da fantasia. Nesse

sentido, será tanto mais literária quanto mais fugir da mera descrição ou comentário

do cotidiano. Por isso, a crônica literária tende sempre à conotação, sua alma são

metáforas, as comparações, o humor que dão ao fato/acontecimento comentado

uma visão sempre particular e aguçada realidade por parte do cronista.

Marcas formais:

1.Brevidade: em geral,a crônica é um texto curto, em virtude de seu suporte,

o jornal.

2. Presença forte de subjetividade do cronista: numa crônica avulta sempre

o ‘eu’ particular do cronista que incide sobre o fato/acontecimento comentado a sua

visão muito particular. A veracidade positiva dos acontecimentos cede lugar à

veracidade emotiva com que o cronista olha o mundo.

3.Constante interlocução com o leitor: o cronista fala diretamente com o

leitor, ele é seu alvo no sentido de transmitir uma visão da realidade, a sua visão.

Embora haja esse interlocutor explícito, MOISÉS (1983) considera a crônica um

monodiálogo, já que o cronista fala o tempo todo de si mesmo, mesmo que a

propósito de um certo acontecimento do cotidiano.

4.Linguagem literária:diferentemente dos outros textos que figuram um jornal

ou revista, a crônica tem uma linguagem que lhe é muito própria .Ela é diferente da

linguagem objetiva do texto jornalístico, pois é marcada pelo estilo literário,cheio de

metáforas,ironias,alegorias,etc. Por tratar de temas cotidianos, a crônica é marcada

pela oralidade,muito embora não deixe de lado certo filosofismo ou mesmo uma

análise mais contundente do fato/acontecimento do qual trata o cronista.’Se,por

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vezes,como nos crônicas dum Rubem Braga,dum Fernando Sabino ou dum Carlos

Drummond de Andrade, para citar apenas três dos maiores, uma transcendência

emana do acontecimento,trata-se duma transcendência ainda rasteira, a que o leitor

pode aceder prontamente: transcendência que se pode assimilar com uma simples

leitura,sem apelo à reflexão ou à inteligência crítica;transcendência que aflora ao

sabor da conversa descontraída,não a que emerge da análise exigente e vertical de

uma complexa questão ‘ (MOISES,1983)

5.Efermidade: “Ambigüidade, brevidade, subjetividade, diálogo, estilo entre

oral e literário, temas do cotidiano,ausência do transcendente,- eis os requisitos

essenciais da crônica, a que falta adicionar tão-somente um outro, anteriormente

mencionado: a efermidade. Ainda que incorrendo no pecado da repetição creio

apropositado retomar o tópico mesmo porque se relaciona com o próprio núcleo da

crônica: destina-se ao consumo diário, como nenhuma obra que se pretenda

literária.” (MOISÉS, 1983)

MOISÉS, Massaud. Crônica. In:______. A criação literária (prosa). São

Paulo: Cultrix,1993.

Nesse momento, cada grupo elaborou um texto, relatando os pontos

principais apresentados na discussão oral realizada até esse momento. Não foi

possível elaborar todo o texto em sala, por isso tiveram de terminar em casa e trazer

na aula seguinte. Pode-se perceber que os alunos, de modo satisfatório,

conseguiram identificar as características do gênero crônica nos textos que leram e

analisaram.

3. CONCLUSÃO

Se um dos objetivos do ensino da literatura e da leitura é criar condições

para que o educando atue de maneira plena no seu meio social a proposta

desenvolvida alcançou o seu objetivo.

Os textos estudados sob a perspectiva da Estética da Recepção

possibilitaram que a leitura passasse a ter uma finalidade real que extrapola a

finalidade da escola. É possível desenvolver um trabalho de leitura que oportunize

ao aluno exercer e exercitar a sua liberdade de pensar e expor suas idéias ainda

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que inseguros no começo. Queremos ressaltar aqui que as etapas do método

recepcional facilitam o desenvolvimento das atividades uma vez que vão num

crescendo, partindo do conhecimento do leitor até se chegar a um estágio de

ampliação do seu horizonte de expectativas.

Para Zilberman (1989), geralmente as atividades pedagógicas relacionadas

com a leitura provocam tédio e fazem o aluno vivenciá-las como se tratasse de

aprisionamento, controle ou obrigação, porque o professor não incorpora a leitura no

universo do ensino. A autora diz também que a “imaginação pertence ao mundo

interior de todo individuo, mas não pode ser acionada sem os estímulos

provenientes do exterior”. (ZILBERMAN, 1989, p.25). Esse exterior seria o texto

literário, palavras escritas que enriquecem com mais propriedade o imaginário, pois

podem ao encontro de situações pessoais ou a situações inusitadas, produzindo,

nas palavras da autora o “afastamento do cotidiano ou o retorno a ele, estando o

leitor agora de posse de uma nova experiência, que o prepara melhor para o

enfrentamento da experiência existencial”. (ZILBERMAN, 1989, p.25). A leitura do

texto literário contribui com o sujeito despertando a curiosidade, ajudando a

desenvolver a criatividade, a sensibilidade, dando lugar à fantasia e à expressão de

sentimentos.

Portanto, o trabalho é longo, não se esgota em um projeto, ao contrário,

este apenas marca seu início. Um trabalho com a literatura que seja efetivo exige a

harmonia entre todos os trabalhos de leitura realizados dentro da escola, pois só

assim uma leitura efetiva e prazerosa se consolidará em nossos alunos.

REFERÊNCIAS

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_________________"O direito à literatura". In: Vários escritos. 3. Ed. revista eampliada. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

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EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução de Waltensir Dutra.São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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________. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução J. Kretschmer.São Paulo: Editora 34, 1999. v.2

JAUSS, H. R. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. S.Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994.

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SABINO, Fernando. O homem nu. Rio de Janeiro: Record, 2005.

ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989.

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