se dilma sofresse impeachment

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MAI/JUN 2015 34 O ex-presidente Fernando Col- lor de Mello conquistou o car- go devido ao temor da popu- lação de que um governo Lula pudesse ser desastroso. Dilma só chegou ao poder graças ao apoio de Lula. Collor venceu uma eleição aperta- da. Dilma venceu uma eleição apertada. Collor contou com a ajuda de uma exce- lente estratégia de marketing político. Dil- ma deve sua eleição não apenas a Lula mas também a João Santana. Collor es- treou no cargo com o pé esquerdo. Dilma teve um péssimo início de segundo man- dato. Collor confiscou a poupança. Dilma enfrentou boatos de que confiscaria a poupança. A ministra da Economia de Col- lor só fez bobagem. Guido Mantega só fez bobagem. Collor fez campanha prometen- do que caçaria marajás. Dilma começou o governo dizendo que faria uma faxina éti- ca. Collor dizia que governaria para os des- camisados. Dilma diz que seus adversá- rios representam apenas os interesses da elite. Collor caiu por causa de denúncias de corrupção contra seu tesoureiro. Dilma tem um tesoureiro de campanha que está enrolado até o pescoço. Collor não tinha paciência para atender os pleitos de parla- mentares. Dilma não tem traquejo para li- dar com o Congresso. O povo foi às ruas para pedir a saída de Collor. O povo foi às ruas para pedir a saída de Dilma. Collor so- freu um processo de impeachment e re- nunciou ao cargo antes de perdê-lo. E se Dilma sofresse o impeachment? Em primeiro lugar, é importante enten- der como funciona o impeachment, um processo bastante longo que se inicia na Câmara. Um deputado precisa apresentar o pedido de impeachment, que não pode ser rejeitado pelo presidente da Câmara. Levado ao plenário, o projeto terá de ser aprovado por dois terços dos 513 deputa- dos antes de ser enviado ao Senado. Para que o impeachment continue possível, é preciso que dois terços dos 81 senadores também aprovem o projeto. Uma nova vo- tação será então realizada no STF (Supre- mo Tribunal Federal), que precisará ratifi- car a decisão do Congresso. A votação no Supremo deve ocorrer em até 180 dias – período em que o presidente já não estará no exercício de suas funções. O vice-presi- dente – no caso, Michel Temer (PMDB) – assumirá o cargo até a realização da vota- ção. Se o processo não for julgado em 180 dias ou se a o STF tomar uma decisão dife- rente do Congresso, a presidente reassu- me suas funções. Nos demais cenários, INVESTIMENTOS Analistas acreditam que a Bolsa subiria se o processo de impeachment prosperasse, mas estudo mostra que não foi nada disso que aconteceu nos últimos meses do governo Collor POR MARINA NEVES { E SE } DILMA SOFRESSE O IMPEACHMENT?

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Impeachment

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Page 1: Se Dilma Sofresse Impeachment

MAI/JUN 201534

O ex-presidente Fernando Col-lor de Mello conquistou o car-go devido ao temor da popu-lação de que um governo Lula pudesse ser desastroso.

Dilma só chegou ao poder graças ao apoio de Lula. Collor venceu uma eleição aperta-da. Dilma venceu uma eleição apertada. Collor contou com a ajuda de uma exce-lente estratégia de marketing político. Dil-ma deve sua eleição não apenas a Lula mas também a João Santana. Collor es-treou no cargo com o pé esquerdo. Dilma teve um péssimo início de segundo man-dato. Collor confiscou a poupança. Dilma enfrentou boatos de que confiscaria a poupança. A ministra da Economia de Col-lor só fez bobagem. Guido Mantega só fez bobagem. Collor fez campanha prometen-do que caçaria marajás. Dilma começou o

governo dizendo que faria uma faxina éti-ca. Collor dizia que governaria para os des-camisados. Dilma diz que seus adversá-rios representam apenas os interesses da elite. Collor caiu por causa de denúncias de corrupção contra seu tesoureiro. Dilma tem um tesoureiro de campanha que está enrolado até o pescoço. Collor não tinha paciência para atender os pleitos de parla-mentares. Dilma não tem traquejo para li-dar com o Congresso. O povo foi às ruas para pedir a saída de Collor. O povo foi às ruas para pedir a saída de Dilma. Collor so-freu um processo de impeachment e re-nunciou ao cargo antes de perdê-lo. E se Dilma sofresse o impeachment?

Em primeiro lugar, é importante enten-der como funciona o impeachment, um processo bastante longo que se inicia na Câmara. Um deputado precisa apresentar

o pedido de impeachment, que não podeser rejeitado pelo presidente da Câmara. Levado ao plenário, o projeto terá de ser aprovado por dois terços dos 513 deputa-dos antes de ser enviado ao Senado. Para que o impeachment continue possível, é preciso que dois terços dos 81 senadores também aprovem o projeto. Uma nova vo-tação será então realizada no STF (Supre-mo Tribunal Federal), que precisará ratifi-car a decisão do Congresso. A votação no Supremo deve ocorrer em até 180 dias – período em que o presidente já não estará no exercício de suas funções. O vice-presi-dente – no caso, Michel Temer (PMDB) – assumirá o cargo até a realização da vota-ção. Se o processo não for julgado em 180 dias ou se a o STF tomar uma decisão dife-rente do Congresso, a presidente reassu-me suas funções. Nos demais cenários,

INVESTIMENTOS

Analistas acreditam que a Bolsa subiria se o processo de impeachment prosperasse, mas estudo mostra que não foi nada disso que aconteceu nos últimos meses do governo CollorPOR MARINA NEVES

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Temer fica no cargo até o final de 2017.Mas existe embasamento jurídico para

o impeachment? O jurista Ives Gandra Martins, de 80 anos, elaborou um parecer de 64 páginas em que defende que há elementos jurídicos para o impedimento de Dilma. No período em que ocupou a presidência do conselho da Petrobras e depois na Presidência da República, Dilma teria cometido os crimes culposos de im-perícia, omissão e negligência, segundo ele. “Quando, na administração pública, o agente público permite que toda a espé-cie de falcatruas seja realizada sob sua supervisão ou falta de supervisão, carac-teriza-se a atuação negligente e a impro-bidade administrativa por culpa.” O pare-cer foi considerado bastante polêmico porque Ives Gandra o elaborou a pedido do advogado José de Oliveira Costa - partici-

pante do conselho e da diretoria da Fun-dação Fernando Henrique Cardoso e ad-vogado pessoal de FHC.

Em entrevista ao InfoMoney, o próprio Ives Gandra admitiu que, apesar de seu parecer, o impeachment parece imprová-vel neste momento. “Se a presidente con-seguir recuperar a economia, acho impro-vável um impeachment nos próximos meses. Se ela realizar um ajuste fiscal sem aumentar a tributação, ela passará por um ano ruim, mas sairá ilesa. Mas tudo está nas mãos dela.” O jurista também vê para-lelos entre a situação de Dilma e as dificul-dades enfrentadas por Collor, que levaram a sua renúncia. “Com Collor, a população se manifestou e ele perdeu. Dilma não está nessa fase ainda, mas, se ela continuar afundando o país, pode dar condições para que isso ocorra”, afirmou.

Especialistas em política também des-cartam o impeachment como cenário mais provável. A consultoria Eurásia, que se destacou durante as eleições presiden-ciais por defender, durante todo tempo, que Dilma era a favorita à vitória, estima a chance de impedimento em 20%. Já a consultoria Arko Adivce fala em 30%. O cientista político Cristiano Noronha, da Arko, diz que não há indícios nem provas de que Dilma esteve pessoalmente envol-vida nos escândalos de corrupção na Pe-trobras durante o mandato de presidente – o que enfraquece a tese. “Algumas pes-soas podem até culpá-la por ter sido presi-dente do conselho de administração da Petrobras no momento da compra da refi-naria de Pasadena. Naquela época, no en-tanto, ela era ministra de Minas e Energia”, explica. “Não há como pedir um impeach-

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Manifestação em 15 de março: as ruas deram um recado claro a Dilma

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ment com base em atos de mandatos pas-sados – com exceção de crimes hedion-dos”, lembra. O cientista político também diz que a presidente tem uma base de sustentação mais forte que Collor. “A infla-ção não se compara à da época de Collor. Dilma é filiada a um partido muito maior e de muito mais importância política que o de Collor. E o principal é que ela não foi pessoalmente atingida por nenhum es-cândalo de corrupção como Collor.”

Apesar de Dilma já não ter o controle da base aliada e de sofrer sucessivas derro-tas no Congresso, não parece interessar a ninguém o impeachment neste momen-to. As principais lideranças do próprio PSDB dizem abertamente que preferem deixar Dilma no cargo porque ela parece enfraquecida demais para fazer um go-verno bom o suficiente para manter o PT no poder daqui a quatro anos. O PT não quer o impeachment por motivos óbvios, apesar de não fazer força para aprovar as medidas necessárias para tirar o país da recessão. Já o PMDB se uniu para tomar o poder de Dilma sem o impeachment. Te-mer e os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduar-

do Cunha (PMDB-RJ), já têm tomado diver-sas decisões sem combinar com a presi-dente. O eixo de poder se deslocou do Palácio do Planalto para o Congresso. Mesmo o ex-presidente Lula e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já tratam as-suntos de relevância diretamente com o trio do PMDB. Após quatro anos de medi-das erráticas e resultados pífios, Dilma se transformou em uma espécie de “rainha da Inglaterra”, que pouco apita nos rumos da política e da economia.

E A BOLSA?Mas o que interessa para qualquer inves-tidor é como reagiria a Bovespa se Dilma se encaminhasse para sofrer um bem-sucedido processo de impeachment. Um estudo realizado pelo professor de fi-nanças Alan Ghani, da FIA (Fundação Ins-tituto de Administração), analisou o re-torno real do Ibovespa entre janeiro de 1990, período da posse de Collor, até abril de 1992, mês em que o então presi-dente apareceu envolvido nos escânda-los que o derrubaram. Durante esses 26 meses, houve um ganho real de 1,76% ao mês. “Escolhi o Ibovespa pois é o me-

lhor índice para entender as expectati-vas de mercado. Calculei o retorno real do índice, uma vez que o período era marca-do por inflação muito alta. E o retorno real foi calculado pela variação nominal do Ibovespa subtraído do IPCA”, explica o professor.

Ghani então calculou o retorno real do Ibovespa de maio a dezembro de 1992, quando efetivamente houve a renúncia de Collor para escapar do impeachment no Senado. Nesse período de grande tur-bulência política e enormes incertezas, o principal índice da Bolsa paulista teve uma queda real de 6,96% ao mês. Por fim, para medir o humor dos investidores com a confirmação de Itamar Franco como su-cessor de Collor, o professor calculou o re-torno real da Bolsa de janeiro a dezembro de 1993, percebendo que os investidores alcançaram uma rentabilidade real de 6,58% ao mês – ou seja, mais do que sufi-ciente para compensar toda a queda do período anterior ao impeachment.

Se o Ibovespa reagisse da mesma ma-neira a um eventual processo de impedi-mento de Dilma, inicialmente haveria perdas devido às incertezas políticas e seus efeitos sobre a economia. Depois, com a posse de Temer, poderia haver um grande alívio. Agora, no entanto, o mer-cado acredita num cenário oposto. Ricar-do Zeno, gestor da AZ Investimentos, diz que a Bolsa subiria fortemente se as chances de impeachment fossem gra-dualmente aumentando. As eleições do ano passado, afirma, deixaram claro que os investidores não veem com bons olhos o governo Dilma, dado que a Bolsa pas-sou todo o ano de 2014 subindo quando a presidente caía nas pesquisas, e vice-versa. O mesmo ocorrerá agora se o im-peachment ganhar tração, aposta ele. A alta, no entanto, só seria sustentável se o novo governo tomasse decisões pró-mercado. É praticamente o que aconte-ceu no final de março e no começo de abril, quando Lula, Levy, Temer, Renan e Cunha ocuparam o vácuo de poder deixa-do por Dilma e tomaram diversas medi-das para ajeitar a economia. Dilma se re-traiu, e a Bolsa aplaudiu de pé.

Michel Temer: o vice assumiriaa Presidência em caso de impeachment

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