schopenhauer - da negação da vontade a Ética

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1 SCHOPENHAUER: DA NEGAÇÃO DA VONTADE À ÉTICA Tarcísio Alves dos Santos * Ainda hoje há uma profunda discussão sobre a problemática do no campo ético. A tradição filosófica tem elevado a racionalidade uia para nossa conduta ética! "uase "ue completamente ani"uilando sentimentos. #orém! não é difícil perceber "ue os sentimentos tem na sociedade e na conduta ética. $emos no nosso dia%a%dia & sobret cenas "ue realmente chamam nossa atenção por atitudes de tend'ncia de alumas pessoas. (ntretanto! não nos "uestionamos sobre "ua papel t'm os sentimentos nessas aç)es! simplesmente os suprimimos em detrimento como se o homem fosse constituído apenas de ra ão e não de sentime verdadeira import,ncia dos sentimentos no campo moral- filósofo Arthur Schopenhauer /0122%02345 trabalhou bem essa temática e não viu na "ue pudesse fundamentar a moralidade! mas sim um sentimento6 o sen compai7ão. 8 através da compai7ão "ue o $éu do mundo é encontrar a verdadeira moralidade. #ara ele! o "ue leva as pessoas a airem de forma malina e humano! "ue busca tudo para si e nada para o pró7imo. mundo é do essa é a base do pensamento schopenhaueriano. (ssas duas sensaç)es ess'ncia do mundo. Sobre isso Schopenhauer di 6 s esforços infindáveis para acabar com o sofrimento conseuem a simples mudançade sua fiura! "ue é oriinalmente car'ncia! necessidade! preocupação com a conservação da vida. Se! o "ue é muito difícil obtém ao reprimir a dor nessa fiura! loo ela ressure em milhares de outras formas /variando de acordo com a circunst,ncias5 como impulso se7ual! amor apai7onado inveja! ódio! an9stia! ambição! avare a! doençaetc. :inalmente! caso não ache a entrada em nenhuma outra assume a roupaem triste! cin a do fastio e do tédio "uais todos os meios sãotentados. +esmo se em 9ltima inst,ncia se conseue afuentar a estes! dificilmente isso acontecerá sem "ue a dor assuma uma das fiuras ante * * +estrando em :ilosofia pela ;niversidade :ederal do <io =rande do >or

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Ver os aspectos da ética no filósofo Arthur Schopenhauer.

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SCHOPENHAUER: DA NEGAO DA VONTADE TICA

Tarcsio Alves dos Santos[footnoteRef:1]* [1: * Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).]

Ainda hoje h uma profunda discusso sobre a problemtica dos sentimentos no campo tico. A tradio filosfica tem elevado a racionalidade como uma espcie de guia para nossa conduta tica, quase que completamente aniquilando o papel dos sentimentos. Porm, no difcil perceber que os sentimentos tem um papel importante na sociedade e na conduta tica. Vemos no nosso dia-a-dia sobretudo nos noticirios cenas que realmente chamam nossa ateno por atitudes de tendncia cruel ou bondosa de algumas pessoas. Entretanto, no nos questionamos sobre qual papel tm os sentimentos nessas aes, simplesmente os suprimimos em detrimento do uso racional, como se o homem fosse constitudo apenas de razo e no de sentimento. Mas qual a verdadeira importncia dos sentimentos no campo moral? O filsofo Arthur Schopenhauer (1788-1860) trabalhou bem essa temtica e no viu na racionalidade algo que pudesse fundamentar a moralidade, mas sim um sentimento: o sentimento da compaixo. atravs da compaixo que o Vu do mundo rasgado e podemos encontrar a verdadeira moralidade. Para ele, o que leva as pessoas a agirem de forma maligna e cruel o egosmo humano, que busca tudo para si e nada para o prximo. O mundo dor e sofrimento, essa a base do pensamento schopenhaueriano. Essas duas sensaes fazem parte da essncia do mundo. Sobre isso Schopenhauer diz:

Os esforos infindveis para acabar com o sofrimento s conseguem a simples mudana de sua figura, que originalmente carncia, necessidade, preocupao com a conservao da vida. Se, o que muito difcil obtm-se sucesso ao reprimir a dor nessa figura, logo ela ressurge em cena, em milhares de outras formas (variando de acordo com a idade e as circunstncias) como impulso sexual, amor apaixonado, cime, inveja, dio, angstia, ambio, avareza, doena etc. Finalmente, caso no ache a entrada em nenhuma outra figura, assume a roupagem triste, cinza do fastio e do tdio, contra os quais todos os meios so tentados. Mesmo se em ltima instncia se consegue afugentar a estes, dificilmente isso acontecer sem que a dor assuma uma das figuras anteriores, e assim a dana recomea do incio, pois entre a dor e o tdio, daqui para acol, atirada a vida do homem. (2005, p. 405-406)

O que nos resta uma alternncia entre a dor e o tdio, pois no momento em que a dor cessa, o tdio entre em cena como alternativa melindrosa, porm por pouco tempo, at que uma nova vontade venha e, com ela, surgiro novas dores em um ciclo interminvel. Assim, para o filsofo alemo, esse no um mundo perfeito, mas sim, o pior dos mundos possveis[footnoteRef:2], um mundo de maldade, de crueldade e de dor, o qual seria prefervel que jamais tivesse existido. Um mundo perfeito de alegrias e felicidades uma utopia, uma iluso, um mundo que se apresenta na forma de um sonho pelas representaes que fazemos dele, o qual ele nada mais que um [2: Schopenhauer contrape a ideia de Leibniz de que estaramos no melhor dos mundos possveis, assim invertendo a sentena. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de insultar. Trad. Eduardo Brando e Karina Jannini. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 58. ]

vu de MAIA, o vu da iluso, que envolve os olhos dos mortais, deixando-lhes ver um mundo do qual no se pode falar que nem que no , pois assemelha-se ao sonho, ou ao reflexo do sol sobre a areia tomado a distncia pelo andarilho como gua, ou ao pedao de corda no cho que ele toma como uma serpente. (Tais comparaes so encontradas, repetidas, em inumerveis passagens dos Vedas e dos Puranas.) O que todos pensam e dizem, entretanto, no passa daquilo que ns tambm agora consideramos, ou seja: o mundo como representao submetido ao princpio de razo suficiente. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 49)

Para Schopenhauer, o vu de Maia vem sobre o efeito da individualidade e do egosmo humano, donde o bem e o mal so apenas conceitos. Cada indivduo, no mbito do seu desejo, relativiza o que bom ou mau para si e, assim, impossibilita uma virtude autntica. A virtude e a bondade no podem ser ensinadas, somos em ltima instncia produtos a servio de algo maior, a essncia de todas as coisas, a Vontade, uma vontade cega, insatisfeita e egosta, que no cessa o seu querer. As essncias das coisas esto muito alm da nossa capacidade de conceituar, de nossos pensamentos abstratos, mas sim esto contidas na nossa intuio e sentimentos. Para compreendermos como podemos amenizar o sofrimento do mundo e chegarmos verdadeira fonte moral, necessrio ento que possamos ver como Schopenhauer o enxerga. O filsofo abre sua obra magna, O mundo como Vontade e Representao (1819), com a seguinte frase: O mundo minha representao. Tal frase, para o filsofo, apresenta uma verdade vlida a todo ser que vive, porm, somente no homem essa verdade atinge a conscincia refletida e abstrata. O que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro to somente objeto em relao ao sujeito, intuio de quem intui, numa palavra representao (SCHOPENHAUER, 2005, p.43). Schopenhauer conserva o transcendentalismo kantiano de que o mundo fenmeno e coisa em si, aquilo que Kant denominou como fenmeno, Schopenhauer chama de Representao, e a coisa em si ele chama de Vontade. O mundo para Schopenhauer assume uma dupla significao, um mundo como Vontade e Representao, como se fosse as duas faces de uma mesma moeda. Segundo Schopenhauer (2005, p. 526) a distino de fenmeno e coisa em si seria o grande mrito de Kant. Mas para chegar nessa distino preciso rever como o autor alcana essa dupla significao do fenmeno como Representao e coisa em si como Vontade. atravs do principio de razo suficiente que o estado fenomnico do mundo aparece, ou seja, entre causa e consequncia. O mundo como representao necessita do intelecto humano e est intimamente ligado pelas formas representativas que unem e complementam o sujeito e o objeto. A representao a maneira correlata de como sujeito e objeto se relacionam de maneira essencial e inseparvel. As representaes tornam a realidade do mundo enquanto o objeto que aparece para o sujeito cognoscente, dessa maneira, pela possibilidade do princpio de razo, do qual as formas so: o tempo (responsvel pela finitude - sucesso), o espao (responsvel pela multiplicidade - situao) e a causalidade (responsvel pela necessidade - conceito). Por essas formas, o mundo fenomnico conhecido. Schopenhauer inclui ainda a causalidade, que em Kant s aparece na famosa tbua dos juzos. O filsofo rejeita as outras onze categorias kantianas, pois acredita que Kant faz uma inverso entre representaes intuitivas e abstratas, assim causando uma desvantagem da intuio pelo pensamento. Com a causalidade vemos que objetos e sujeitos se relacionam. Os dados dos sentidos fazem com que nossa atividade cerebral seja ativada, levando assim a um entendimento, a uma intuio emprica que intelectual. Somente depois disso que chegamos a formular conceitos abstratos. Para Schopenhauer, a intuio intelectual porque concluso do entendimento a partir da causa/efeito. Como exemplo, ele coloca o estrabismo. Conforme Vilmar Debona (2010, p.11), mesmo uma pessoa tendo uma viso dupla e vendo os objetos de maneira simultnea pelo estrabismo, elas conseguem orden-los sem o auxlio de culos a sua frente. Essa funo de fixao dos objetos diante do sujeito cabe ao entendimento pela causa e efeito, no apenas ao mero sentir. Assim, formas de possibilidade do entendimento para nosso filsofo so encontradas na conscincia do sujeito a priori, e so elas que do a possibilidade do mundo fenomnico. O processo de conhecimento para Schopenhauer parte do corpo. pelo corpo que chegamos ao autoconhecimento da vontade. o corpo que nos faz sentir as sensaes, que o objeto imediato do conhecimento, por ele somos afetados, por ele passamos a intuir o mundo e ter entendimento, ele que principia a causalidade e que ser, portanto, a essncia metafsica da Vontade. O homem no apenas razo, ou como diz nosso filsofo, uma cabea de anjo alado destituda de corpo (SCHOPENHAUER, 2005, p.156). A resposta para o Vu do mundo no se encontra fora do mundo, mas em ns mesmo, em nosso prprio corpo. De um lado o corpo objeto imediato do entendimento, quando se depara com os outros objetos por meio das sensaes (corpo/Vontade) e, por outro, mediato, quando o corpo passa a ser como outros objetos, por meio da intuio emprica (Representao). Dessa forma, alm de ele ser revelado como Vontade, tambm passa a ser objeto para o meu conhecimento, enquanto Representao. Mas por que o corpo? Primeiro, porque o corpo matria como as demais matrias que existem no universo. Segundo, porque o corpo afirmao e conservao direta da Vontade metafsica do mundo. Mas para que a gente possa entender como chegar ao fundamento da moral schopenhaueriana pela negao da Vontade necessrio entender como tambm esse prprio corpo, que material, uma causa de discrdia com o prprio mundo. Esse mundo que estamos imersos , em ltima instncia, apenas objeto para uma vontade cega, irracional, que governa tudo e no governada por nada. origem sem ser razo, sem significado, que faz com que seus sujeitos se encontrem ora em dor, sofrimento, ora em tdio e monotonia. Nas palavras de Schopenhauer (2005, p. 178), essa vontade pode ser compreendida como aquela essncia que em ns segue seus fins luz do conhecimento, aqui, nos mais tnues de seus fenmenos, esfora-se de maneira cega, silenciosa, unilateral e invarivel. Estamos presos a uma Vontade de querer sem fim. Essa vontade obscura revelada pelo corpo torna tambm o corpo apenas um objeto de manipulao de seu querer, para o qual o mundo se torna dor e sofrimento, pois A vontade csmica quer viver nos seus mais diferentes graus de hierarquia e em todas suas formas de objetivaes, desde o inorgnico ao orgnico[footnoteRef:3]. Sendo a vontade de viver a causa de todo corpo, a prpria Vontade entra em discrdia consigo mesma, no momento em que crava uma briga eterna, pois cada grau de objetivao da Vontade entra em um combate com outros por matria, espao e tempo, em uma luta atroz (SCHOPENHAUER, 2005, p. 211), luta essa que comea com o nascimento e s termina com a morte. Realmente, como diz nosso autor, esse para ser o o pior dos mundos possveis. [3: Schopenhauer faz uma analogia do corpo humano com as demais formas de objetivaes da vontade, porm s a Vontade nica e indivisvel. Podemos ler no O Mundo 27, p. 27 a seguinte afirmao: Justamente porque todas as coisas do mundo so a objetidade de uma nica e mesma Vontade, conseguintemente idnticas segundo a sua essncia ntima, no apenas tem de haver entre elas aquela analogia inegvel, mas tambm em cada coisa menos perfeita j tem de se mostrar o vestgio, a aluso, o dispositivo das coisas mais perfeitas. ]

Assim, a Vontade de vida crava continuamente os dentes na prpria carne e em diferentes figuras seu prprio alimento, at que, por fim, o gnero humano, por dominar todas as demais espcies, v a natureza como um instrumento de uso (SCHOPENHAUER, 2005, p.211).

Nessa luta sem trgua Schopenhauer v apenas uma possibilidade de um mundo moral, um mundo que negue a prpria Vontade. Porm, se tentarmos a negao da vontade pelo caminho da representao, seria a mesma coisa que qualquer um de ns pegssemos um nibus e descssemos na mesma parada antes mesmo da partida, assim seria pela via racional representativa a tentativa de chegar a moralidade. Ora, tendo em vista que a vontade impera sobre todas as formas representativas, de nada adiantaria usar do conhecimento abstrato para neg-la. O prprio carter humano servo da Vontade. Schopenhauer divide o carter em dois: o inteligvel e o emprico, e em ambos Vontade reina poderosa. O que existe um inatismo no carter. O que cada um , aquilo que ele sempre ser. No so as condies sociais e a educao que tornam algum bom ou mau, no mximo a educao e a jurisdio fazem uma luta constante para combater o egosmo humano que sem limites. Por meio de uma punio e recompensa tentamos em vo tornar os homens melhores. O filsofo alemo v em Aristteles algo que fundamenta esse carter inatista:

Todo o mundo admite, com efeito, que cada tipo de carter pertence a seu possuidor, de qualquer modo, por natureza: pois somos justos, temperantes ou fortes e assim por diante desde o momento de nosso nascimento. (ARISTTELES apud SCHOPENHAUER, 2001, p. 91).

O mundo permanece entregue ao Vu de Maia enquanto representao, de modo que a racionalidade representativa no serve para fundamentar a moralidade, pois se tem de ir alm das aparncias do mundo, e pelo conhecimento abstrato racional tanto podemos ter grande bondade, quanto grande maldade (SCHOPENAHUER, 2005, p. 141) mediante sua natureza feminina e receptiva, de modo que no cabe a ela tornar algum virtuoso.

A virtude to pouco ensinada quanto o gnio; sim, para ela o conceito to infrutfero quanto para a arte e em ambos os casos deve ser usado apenas como instrumento. Por conseguinte, seria to tolo esperar que nossos sistemas morais e ticos criassem caracteres virtuosos, nobres e santos, quanto que nossas estticas produzissem poetas, artistas plsticos e msicos (SCHOPENHAUER, 2005, p. 353-354).

Para Schopenhauer, no podemos tornar algum virtuoso por meios do intelecto, a filosofia apenas um conhecimento terico da razo e no capaz de tornar algum bom ou mau. Os conceitos de bom e mau dizem respeito s formas representativas enquanto exteriorizao da Vontade, pois ela que impera quanto os nossos sentimentos, desejos e aes.

Portanto, tudo o que favorvel Vontade em alguma de suas exteriorizaes e satisfaz seus fins pensado como BOM, por mais diferente que essas coisas possam ser noutros aspectos. Eis por que dizemos boa comida, bom caminho, bom tempo, boas armas, bom augrio etc., em sntese, chamamos de bom tudo o que exatamente como queremos que seja. Assim, algo pode ser bom para uma pessoa, embora possa ser exatamente contrrio para outra. O conceito de bom divide-se em duas espcies, a saber, a da satisfao imediata e momentnea da vontade em cada caso, e da satisfao apenas mediata da vontade em relao ao futuro. Noutros termos, o agradvel e o til. O conceito oposto, desde que no se trate de seres no cognoscentes, expresso pela palavra RUIM, mais rara e abstratamente pela palavra NOCIVO, que portanto indica algo no favorvel ao esforo da vontade em cada caso. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 459-460)

O conceito de bom e mau sempre relativo e diz respeito a exteriorizaes da Vontade. E, em ltima instncia, o que predomina o agir egostico, do querer, de uma razo serva da Vontade. A razo e os conceitos no fazem de ningum caridoso e reto, pois pelo agir refletido, prudente, planejado e metdico, o que temos s vezes justamente o contrrio, ou seja, o fato de sermos injustos e perversos (SHOPENHAUER, 2001, p. 61). Dito de outro modo, a Vontade a causa do sofrimento do mundo, de nossos conflitos, dores, de uma luta diria de todos contra todos, de um desejo que no cessa, a vida inteira dor e sofrimento. O homem Lobo do Homem e o egosmo humano impera impiedoso. A pergunta que se pode fazer : como fugir do egosmo humano para a negao da Vontade, sendo ela mesma incognoscvel, ou, como a prpria Vontade negaria a ela mesma? Cacciola (1994, p.24) nos remete a essa resposta dizendo que a Vontade no nenhum absoluto, mas a coisa em si em relao representao, ou seja, paralelo ao mundo enquanto Vontade, o mundo representativo contm dois aspectos: a representao submetida ao principio de razo e ao da Ideia. Ainda conforme Cacciola: A Ideia, sendo a primeira objetivao da Vontade, anterior a qualquer multiplicidade que resulta do principium individuationis. Desse modo, possvel chegar viso verdadeira da tica enquanto essncia comum a todos os seres pela negao da Vontade a mesma vontade que afirma a si mesma enquanto Vontade de vida a mesma que se nega ao querer findar-se pois a particularidade dos fenmenos no so mais motivos do seu querer, j que ao ver a outra face, a essncia do mundo, que espelha a Vontade, e que vem da apreenso das Ideias, suprime a si mesma (SCHOPENHAUER, 2005, p. 369-370), visto que ela toma a conscincia de si enquanto fora geradora do mal para si mesma. Somente atravs da negao da Vontade e tambm das formas representativas submetidas ao princpio de individualizao que conseguimos banir o egosmo humano e chegarmos verdadeira fonte da moralidade. atravs da negao da Vontade que podemos chegar ao em si do mundo, essncia de todas as coisas. Essa negao completa da Vontade se d por meio da compaixo, pois ela e por ela que entendemos que somos uma e mesma essncia, ou como nos textos snscritos, a expresso: isto s tu. Para chegar compaixo, que para Schopenhauer inata, espontnea e isenta de qualquer dogma, religio ou ensinamentos, primeiro ele analisa e investiga o campo emprico para saber se h realmente aes que possam ter verdadeiro valor moral, observando vrios exemplos da prpria vida em diversos momentos histricos. Posteriormente, apresentar uma abordagem metafsica da compaixo. Fazendo um exame emprico ele tenta investigar as aes antimorais, que para ele so aes fundamentadas no egosmo, tanto no homem quanto no animal. Em seguida ele analisa se h realmente aes dotadas de valor moral isentas de qualquer egosmo. na via emprica que Schopenhauer tem a convico que algumas pessoas agem com pura bondade e compaixo, como ele mesmo diz:

Acredito que so muito poucos os que duvidam disso e no tm convico, a partir da prpria experincia, de que, muitas vezes, as pessoas se comportam de modo justo e nico e exclusivamente a fim de que no ocorra com os demais qualquer injustia e de que haja pessoas para quais o princpio de fazer justia aos outros como que inato e que, portanto, no se aproximam de algum interesseiramente, que no buscam incondicionalmente a prpria vantagem, mas tambm consideram os direitos dos outros, e que por deveres recprocos aceitos, vigiam no apenas para que seja dado ao outro o que dele, mas tambm que este receba aquilo que seu, pois a essas pessoas lealmente no querem que aquele que trata com elas fique para trs. (SCHOPENAHUER, 2001, p. 130).

Duvidar disso, para Schopenhauer, seria como praticar uma cincia sem objeto real, igual astrologia ou alquimia. Em sua anlise ele chega concluso que existem motivaes realmente morais, e que tambm as motivaes, no que se refere ao agir humano, pertencem ao seu bem-estar e ao seu mal-estar. Podemos dizer que tais motivaes o que contra ou favorvel vontade. Dessa forma, existem trs motivaes no agir humano: O egosmo, que age sempre pensando em si mesmo e no seu prprio bem; a crueldade, a pessoa que comete mal ao outro por querer; e a compaixo, que o agir pelo bem do outro. A compaixo o sentimento que fundamenta a moralidade, pois nenhuma outra motivao humana age contra egosmo. Em um segundo momento Schopenhauer trata de explicar a metafsica da compaixo, a nica que tem o verdadeiro valor moral. O filsofo encontra nos ensinamentos dos Hindus, no Budismo e at mesmo no cristianismo a sua explicao, pois nesses textos encontra-se a renncia do amor de si mesmo, do egosmo, tendo como base a caridade, castidade, e at mesmo um verdadeiro esforo para a santidade. Em suma, quando percebemos que eu e o outro temos a mesma essncia, quando no h mais diferena entre o eu e o outro, quando sinto as dores do outro como se fossem as minhas, chego essncia ntima de todas as coisas, consigo perceber que entre eu e o outro no existe diferena, as barreiras do princpio de individualizao foram quebradas. somente na compaixo que se pode encontrar a virtude genuna, o verdadeiro altrusmo, a verdadeira caridade e o verdadeiro amor. nela que reconhecemos a dor do outro como se fosse a nossa e que reduz a zero a inveja, o dio, a crueldade, que no visa o bem-estar particular, que reta e mansa de corao. Somente ela a fonte da verdadeira moralidade e tica. Como exemplo disso, Schopenhauer cita os santos e os ascetas que negaram sua prpria Vontade, e que por vezes deram sua vida por amor aos outros, por exemplo, Cristo. Porm, temos de lembrar que, para Schopenhauer, o carter humano inato, tanto quanto a bondade ou a maldade de algum, sendo assim, como poderia existir atos verdadeiramente morais e compassivos? O mundo dor e sofrimento. Para ele a compaixo o maior mistrio da tica, no podendo ser revelada, apenas descrita. Entretanto, para os mais otimistas, podemos dizer que tambm o que somos verdadeiramente permanece como um mistrio, nossa verdadeira essncia carece de significado, misteriosa, e s aparece a ns por meio de imagens abstratas do nosso conhecimento (SHOPENHAUER, 2001, p. 200-2002). Somos e permanecemos fenmenos da Vontade. Porm, quem sabe aparecer uma luz que guie a humanidade em sua essncia mais ntima e que consiga desprender o homem dos grilhes da Vontade?

Referncias Biogrficas:

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representao. So Paulo: UNESP, 2005._______________________. Sobre o fundamento da moral. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

_______________________. A arte de insultar. Trad. Eduardo Brando e Karina Jannini. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

CACCIOLA, Maria Lucia de Melo e Oliveira. Schopenhauer e a questo do dogmatismo. So Paulo: Edusp, 1994.

DEBONA, Vilmar. Schopenhauer e as formas de razo: o terico, o prtico e o tico mstico. So Paulo: Annablume, 2010.