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Maria Angélica dos Santos Spinelli Simone Carvalho Charbel Nina Rosa Ferreira Soares Fátima AparecidaTicianel (Organizadoras) Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso editora Sustentável Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso Maria Angélica dos Santos Spinelli Simone Carvalho Charbel Nina Rosa Ferreira Soares Fátima AparecidaTicianel (Organizadoras)

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Maria Angélica dos Santos SpinelliSimone Carvalho CharbelNina Rosa Ferreira SoaresFátima AparecidaTicianel

(Organizadoras)

Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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Ministério da EducaçãoUniversidade Federal de Mato Grosso

Reitora

Maria Lúcia Cavalli Neder

Vice-Reitor

João Carlos de Souza Maia

Coordenadora da EdUFMT

Lúcia Helena Vendrúsculo Possari

Conselho Editorial

Presidente

Lúcia Helena Vendrúsculo Possari (IL)

Membros

Ademar de Lima Carvalho (UFMT Rondonópolis)Antônio Dinis Ferreira (ESAC – IPC – Portugal)

Ana Carrilho Romero (FEF)Andréa Ferraz Fernandez (IL)

Eduardo Beraldo de Morais (FAET)Giuvano Ebling Brondani (ICET)

Janaina Januário da Silva (FAMEVZ)Lucyomar França Neto (Discente - FD)

Maria Cristina Theobaldo (ICHS)María Eugenia Borsani (CEAPEDI – Argentina)Maria Santíssima de Lima (Técnica – SECOMM)

Maria Thereza de Oliveira Azevedo (IL)Marina Atanaka dos Santos (ISC)

Marliton Rocha Barreto (UFMT - Sinop)Maurício Godoy (IF)

Michèle Sato (IE)Roberto Apolonio (FAET)

Solange Maria Bonaldo (UFMT – Sinop)Yuji Gushiken (IL)

UFMT

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Maria Angélica dos Santos SpinelliSimone Carvalho CharbelNina Rosa Ferreira SoaresFátima AparecidaTicianel

(Organizadoras)

Cuiabá-MT 2014

Sustentável

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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Ficha técnicaSupervisão Técnica: Janaina Januário da Silva (EdUFMT)Revisão Textual e Normalização: Vânia Siqueira de Lacerda Projeto gráfico, editoração e finalização: Téo de Miranda (Ed. Sustentável)Capa: Téo de Miranda (Ed. Sustentável) à partir da obra de Adir SodréAssistente de editoração: Mayara Dias

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)____________________________________________________

S255 Saúde, trabalho e cidadania em Mato Grosso / Maria Angélica dos

Santos Spinelli ... [et al.] (Orgs.) .— Cuiabá : EdUFMT, 2014.

295 p. : il. (algumas color.)

Inclui bibliografia

ISBN 978-85-327-0538-9 (e-book)

1. Saúde pública – Mato Grosso. 2. Saúde coletiva – Univer-

sidade Federal de Mato Grosso. 3. Educação em saúde – Mato

Grosso. 4. Saúde pública – Aspectos sociais. I. Spinelli, Maria

Angélica dos Santos, org. II. Charbel, Simone Carvalho, org. III.

Soares, Nina Rosa Ferreira, org. IV. Ticianel, Fátima Aparecida,

org.

CDU 614(817.2)____________________________________________________

Copyright © Maria Angélica dos Santos Spinelli, Simone Carvalho Charbel, Nina Rosa Ferreira Soares e Fátima Aparecida Ticianel, organizadores, 2014.A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.A EdUFMT segue o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor no Brasil desde 2009. A aceitação das alterações textuais e de normalização bibliográfica sugeridas pelo revisor é uma decisão do autor/organizador.

Editora Sustentável (Téo de Miranda) E-mail: [email protected]: (65) 3054-3078/ (65) 9977-0835

Editora da Universidade Federal de Mato GrossoAv. Fernando Correa da Costa, 2.367.Boa Esperança. CEP: 78060-900. Cuiabá-MT.Contatos:[email protected]: (65) 3615-8322 / 3615-8325

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Prefácio

A estruturação desta segunda coletânea de textos traz ao debate público questões resultantes de pesquisas realizadas sobre o conjunto de temas que orientam as atividades da Estação “Saúde, Trabalho e Cidadania”, do Observatório de Recursos Humanos, sediada na Universidade Federal de Mato Grosso.

A Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde é uma iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) que congrega os países do continente e tem como finalidade o acompanhamento permanente das políticas destinadas à formação, desenvolvimento e gestão dos trabalhadores de saúde. A rede opera no Brasil desde 1999 sob cogestão da Opas e do Ministério da Saúde e congrega diversas instituições de ensino, pesquisa e serviços na área da saúde.

A Estação “Saúde, Trabalho e Cidadania”, implantada em 2008 e sediada no Instituto de Saúde Coletiva, é coordenada no âmbito do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS/ISC/UFMT) e tem atualmente em sua condução, a Profa. Maria Angélica dos Santos Spinelli. A Estação estabelece a relação entre instituições e profissionais das áreas de ensino, pesquisa, serviços e movimentos sociais em saúde, o que lhe favorece uma abordagem plural e abrangente dos temas tratados, nem sempre alcançada, desde logo. É uma das estações do Observatório no Brasil e tem como objetivo tratar das questões mais gerais da área de recursos humanos, no âmbito do sistema público de saúde estadual.

Para a realização de seus trabalhos, a Estação estabeleceu parcerias com a Faculdade de Enfermagem (FAEN/UFMT), a Escola de Saúde Pública (ESP/SES-MT), o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems-MT), a Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá (SMS-Cuiabá), a Fundação Uniselva/UFMT, ou com membros destas instituições.

As pesquisas desenvolvidas no âmbito da Estação abrangem temas da realidade regional relativos às políticas de gestão do trabalho e educação permanente. Destacam-se algumas preocupações presentes desde o início dos trabalhos da Estação como: formação profissional, formação de gestores municipais, gestão do trabalho em saúde em municípios de pequeno e médio porte, absenteísmo, avaliação da implantação do curso de graduação em saúde coletiva, entre outros.

A organização dos artigos aqui apresentados guiou-se pela necessidade de fazer uma exposição clara e coerente dos trabalhos que, para tal finalidade, foram agrupados em três blocos de artigos.

O primeiro delineia tópicos da história da Estação Saúde, Trabalho e Cidadania; do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS/ISC/UFMT) e do próprio Instituto de Saúde Coletiva (ISC), que abriga a Estação e o Núcleo,

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todos circunscritos no âmbito da UFMT. Esse bloco tem a intenção de atingir os seguintes objetivos: a) apresentar o contexto da década de 1990, em que foi iniciado o processo de construção do SUS no país e no estado de Mato Grosso; e b) evidenciar a importância do papel das instituições e dos atores envolvidos, para a execução dos trabalhos aqui apresentados.

Arruda e Soares, em estudo intitulado “Núcleo de Desenvolvimento em Saúde: um espaço de fortalecimento do SUS em Mato Grosso (1984-1992)”, nos trazem o contexto dos anos 1980, marcados por grandes debates pela reforma sanitária e pelo pioneirismo do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde, que institucionalizou o campo da saúde coletiva no âmbito da Universidade Federal de Mato Grosso.

Ticianel e Charbel nos relatam os esforços, as dificuldades e as conquistas da Estação “Saúde, Trabalho e Cidadania” em sua breve, mas profícua existência.

O segundo conjunto de artigos aqui apresentados tem como temática central a gestão do trabalho. Machado e Aguiar Filho nos trazem a história da gestão dos recursos humanos e dos conceitos que fundamentaram as diferentes teorias da administração em artigo “Trabalho em Saúde: a evolução do conceito e suas implicações para o setor saúde no Brasil”. Para os autores acima citados, o conceito de gestão do trabalho trata das relações de trabalho a partir de uma concepção na qual o trabalhador é percebido como sujeito que atua sobre a realidade em que está inserido e não apenas um mero recurso, cumpridor de funções previamente estipuladas. Nesta perspectiva, delimita o campo do trabalho em saúde e estabelece a relação desta atividade como prática social concreta.

Nessa abordagem, o trabalho é visto como um processo criativo e coletivo. Este é o sentido que une os diferentes artigos incluídos neste segundo bloco. Medeiros e Silva analisam a situação da gestão do trabalho em municípios de pequeno e médio porte de Mato Grosso e revelam aspectos importantes da gestão municipal do SUS, enquanto Kehrig, Nemes e Silva nos brindam com um estudo de caso sobre a gestão participativa do trabalho na Atenção Primária em Saúde, no município de Chapada dos Guimarães. Correa da Costa et al. oferecem aos nossos leitores dois trabalhos sobre o absenteísmo em ambiente hospitalar, onde analisam seus determinantes entre a categoria profissional da enfermagem. Duarte, Santos e Mamede discutem o trabalho da equipe de enfermagem no cuidado pré-natal.

A terceira parte desta coletânea aborda os trabalhos sobre a educação permanente e a comunicação em saúde. Aqui, a educação permanente em saúde é tomada como o processo de ensino-aprendizagem que ocorre no trabalho, no cotidiano das pessoas e das organizações, a partir dos problemas enfrentados

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na realidade e no qual a construção do conhecimento é coletiva e crítica, por considerar a experiência e o saber próprio dos participantes.

Neste sentido, Anjos explora a política de educação permanente no SUS estadual no período 2003 a 2007 e Ferreira discute o processo decisório desta mesma política para conselheiros e agentes sociais em Mato Grosso. Martinelli, Santos e Spinelli analisam as práticas da educação permanente, em estudo de caso no município de Campo Novo do Parecis, enquanto Müller Neto et al. trazem a experiência do Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em 50 municípios mato-grossenses. Silva, Barsaglini, Luna e Vilas Boas avaliam a implementação do Curso Modular e Integrado em Saúde da Família, experiência conduzida pela Escola de Saúde Pública de Mato Grosso. Encerrando este bloco, Moreira e Spinelli trazem uma contribuição inovadora à compreensão do processo de comunicação entre jovens e equipes de saúde da família, em uma perspectiva da educação popular em saúde.

A divulgação dos trabalhos realizados é pautada pelo compromisso de compartilhar o conhecimento produzido, seja para devolver aos gestores e trabalhadores da saúde uma reflexão sistematizada sobre algumas de suas práticas, seja para estabelecer novas perspectivas políticas e pedagógicas na integração entre ensino-serviço na área da saúde, orientadas pelo debate sobre os reais problemas existentes na área. Que não são poucos nem de pouca monta. A importância e a oportunidade dessa iniciativa de divulgação avultam-se ao considerarmos que a agenda atual do debate no âmbito do sistema público de saúde neste país e neste estado passa por temas e questões controversas da área da gestão do trabalho e formação profissional em saúde, a exemplos da prioridade para a contratação de Organizações Sociais em Saúde (OSS), em Mato Grosso e do Programa “Mais Médicos”, de âmbito nacional.

Finalmente, é preciso ressaltar o trabalho das organizadoras desta coletânea, que somente veio à luz graças à perseverança e dedicação com que conduziram o processo. Do planejamento da coletânea até a revisão final da obra, as organizadoras mantiveram a crença na viabilidade deste projeto e ultrapassaram todo tipo de percalços e dificuldades. Merece ser destacada a competência e motivação de Simone Carvalho Charbel, quem “secretariou” exemplarmente a organização deste livro e da própria Estação, a colaboração de editoria científica de Marina Atanaka dos Santos, a revisão e normalização de Aline Paula Motta e, no momento de publicação, a revisão ortográfica e gramatical e normalização de Vânia Siqueira de Lacerda.

Nunca é demais assinalar a importância dos apoios dados à iniciativa por parte dos dirigentes e técnicos da Fundação Uniselva, da Editora (EDUFMT), do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS), do Instituto de Saúde

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Coletiva (ISC), todos da UFMT, da Escola de Saúde Pública do Estado de Mato Grosso (ESP/SES/MT) e da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS), decisivos para o alcance dos objetivos propostos pelos trabalhos aqui apresentados.

Novos projetos, novos atores, inserção mais orgânica nas instâncias de ensino, pesquisa e prestação de serviços de saúde são os desafios a serem enfrentados a partir de 2014 pelo ObservaRH. A capacidade de sobreviver e de se reinventar demonstrada pela equipe da Estação “Saúde, Trabalho e Cidadania” permite-nos afirmar que teremos novos trabalhos e novas publicações de qualidade como esta coletânea.

Cuiabá, 28 de fevereiro de 2014

Júlio S. Müller NetoDoutor em Ciências pela Escola Nacional de

Saúde Pública – ENSP/Fiocruz

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Sumário

PARTE I - Espaço de Institucionalização: ObservaRH, NDS e ISC ........11Observatório de Recursos Humanos em Saúde - Estação Saúde, Trabalho e Cidadania: histórico e ações................................................. 13Fátima Aparecida TicianelSimone Carvalho Charbel

Núcleo de Desenvolvimento em Saúde: um espaço de fortalecimento do SUS em Mato Grosso (1984-1992) .......25Patrícia dos Santos ArrudaNina Rosa Ferreira Soares

As circunstâncias da institucionalização da Saúde Coletiva na Universidade Federal de Mato Grosso - 20 anos do ISC/UFMT .......... 33Marta Gislene Pignatti Maria Angélica dos Santos Spinelli

PARTE II - Gestão do Trabalho .............................................................. 51Gestão do trabalho em saúde: a evolução do conceito e suas implicações para o setor saúde no Brasil .......53Maria Helena Machado Wilson Aguiar Filho

Gestão do trabalho na saúde em municípios de Mato Grosso, 2008 e 2009 .... 67Alba Regina Silva Medeiros Ageo Mário Cândido da Silva

Gestão coletiva dos processos de trabalho como aprendizado na atenção primária de saúde: o caso do município de Chapada dos Guimarães/MT ..................................................................................... 85Ruth Terezinha Kehrig Sílvia Ângela Gugelmin Amaury Ângelo Gonzaga Luiz Fernando Gonçalves da Silva Elen Rose Lodeiro Castanheira

Absenteísmo / Presenteísmo: A Enfermagem Hospitalar em Foco ...... 109Aldenan Lima Ribeiro Corrêa da Costa Eliziani Gonçalves da Silva Karla Gomes de Almeida Sônia Ayako Tao Maruyama Laura Filomena Santos de Araújo Elizabeth Jeanne Fernandes Santos Gabrielle Taques Silva Carla Rafaela Teixeira Cunha Jonatan Costa Gomes

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Gestão do cuidado no pré-natal pela equipe de enfermagem .............. 127Sebastião Junior Henrique Duarte Neuci Cunha dos Santos Marli Villela Mamede

PARTE III - Educação e Comunicação em Saúde ............................. 137Política de Educação Permanente em Mato Grosso: medidas adotadas entre 2003 e 2007 .................................................. 139Vera Lúcia Honório dos Anjos

O processo decisório da política de educação permanente em saúde para conselheiros e agentes sociais em Mato Grosso ........... 161Nídia Fátima Ferreira

Educação Permanente & Educação Continuada: gestão e planejamento das práticas educativas em município de menor porte .................................................................. 185Nereide Lucia Martinelli Marina Atanaka dos Santos Maria Angélica dos Santos Spinelli

Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso ......................................................................... 205Julio S. Müller Neto Fátima A. Ticianel

Aline Paula Motta Sônia M. de Souza Correa Diogo do Araguaia Vasconcelos

O Curso de Especialização Modular e Integrado em Saúde da Família em Mato Grosso: desafios da Educação na Saúde no SUS ...... 245Maria da Anunciação Silva Reni A. Barsaglini Stella Maris Malpici Luna Vanessa T. B. Vilas Boas

Jovens Urbanos: Comunicação Centrada na Educação Popular em Saúde .................... 277Benedito Dielcio Moreira Maria Angélica dos Santos Spinelli

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PARTE I

Espaço de Institucionalização: ObservaRH, NDS e ISC

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Observatório de Recursos Humanos em Saúde - Estação Saúde, Trabalho e Cidadania: histórico e ações

Fátima Aparecida Ticianel1

Simone Carvalho Charbel2

A Estação Saúde, Trabalho e Cidadania do Observatório de Recursos Humanos em Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso foi criada em 2008 e está vinculada ao Instituto de Saúde Coletiva (ISC), sob coordenação do seu Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS).

A Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde (ObservaRH) é uma iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e congrega 21 países da Região das Américas com a função de monitorar tendências que repercutem nas políticas de recursos humanos em saúde nos respectivos países (ObservaRH, 2013).

No Brasil, a Rede ObservaRH foi constituída em 1999 e atualmente está sob a coordenação nacional da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS), em conjunto com o Programa de Cooperação Técnica da Representação da OPAS/OMS no Brasil e parceria com instituições formadoras e outras entidades (BRASIL, 2004).

Santos Neto e Araújo Júnior (2012) ressaltam que a Rede ObservaRH foi criada em resposta às necessidades dos países das Américas nos anos 1990, relacionadas à carência ou inexistência de dados sobre formulação, execução e avaliação de políticas de recursos humanos.

A Rede ObservaRH agrega um conjunto de estações de trabalho, sediadas em universidades e secretarias de saúde. As atividades são desenvolvidas em parceria com as instituições de gestão, ensino e pesquisa na área da saúde com a finalidade de propiciar amplo acesso às informações e análises sobre o trabalho e a educação na saúde no País e contribuir para a formulação, o acompanhamento e a avaliação de políticas e projetos na área. Desde o início da sua formação, houve a preocupação em tornar pública a produção das estações, com a criação de sítios web próprios (BRASIL, 2004).

1 Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso. Enfermeira da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá. Pesquisadora Associada do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva/UFMT.

2 Mestre em Saúde e Ambiente pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso. Assistente Social da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso. Pesquisadora Associada do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva/UFMT.

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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Objetiva-se neste trabalho descrever a criação e aspectos da implementação da Estação ObservaRH Saúde, Trabalho e Cidadania a partir de consulta aos documentos e depoimentos de pessoas que participaram da Estação, caracterizando os atores, as ações e as iniciativas desenvolvidas no período de 2008 a 2013.

Foram os participantes da Estação que aceitaram o convite para registrar o processo histórico vivenciado em sua implementação. Os respondentes são professores do Instituto de Saúde Coletiva e da Faculdade de Enfermagem e técnicos da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso.

Destaca-se nos relatos que se seguem, a capacidade de articulação da equipe que formulou e conduziu inicialmente a Estação, as parcerias estabelecidas e a política permanente de comunicação e informação por meio do site, boletins e eventos, o que nos permitem afirmar a existência de um coletivo vivo e atuante que coloca no centro de suas preocupações a questão da gestão do trabalho e da educação na saúde.

Formulação e implantação da Estação Saúde, Trabalho e Cidadania

Em Mato Grosso, a Estação Saúde, Trabalho e Cidadania caracteriza-se por uma articulação de instituições e profissionais com diferentes inserções e interfaces com o SUS, que atuam nas áreas de ensino, pesquisa, extensão, serviços e movimentos sociais. Essa articulação e pluralidade de olhares sobre o SUS acrescentam à Estação uma visão mais ampliada dos diferentes desafios a serem enfrentados e uma capacidade potencial de resposta aos mesmos, na busca da consolidação do SUS no estado de Mato Grosso (UFMT, 2007).

Algumas iniciativas foram realizadas para implantar a Estação, como: articulação política interna e externa ao ISC; formulação do projeto e negociações junto ao MS e OPAS; organização e gestão da Estação no NDS de modo integrado às demais atividades do ISC e desenvolvimento do site com características singulares.

Sobre a formulação do projeto acima referido, foi relembrado por um respondente que a implantação da Estação Saúde, Trabalho e Cidadania recolocou em pauta a temática da gestão do trabalho e da educação na saúde em Mato Grosso, assunto “proibido” desde 2003, quando o governo de Mato Grosso tentou incorporar a Escola de Saúde Pública (ESP) à Escola de Governo do estado. Tentativa frustrada, graças às ações em defesa da Escola organizadas pelos profissionais de saúde, que contaram com a participação dos Secretários Municipais de Saúde e da sociedade mato-grossense.

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Observatório de Recursos Humanos em Saúde - Estação Saúde, Trabalho e Cidadania: relato de experiência – histórico e ações

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A criação da Estação Saúde, Trabalho e Cidadania partiu da iniciativa do prof. Júlio Müller Neto e teve participação da diretoria e de docentes do ISC, da Enfermagem e de técnicos da SES e da SMS de Cuiabá.

A experiência de diálogo e de articulação entre os profissionais dessas instituições contribuíram para viabilizar a articulação entre seus saberes e práticas (JSMN, 2012):

[...] Nossa proposta era que a Estação de Trabalho tivesse uma composição que juntasse os trabalhadores de saúde e os professores e pesquisadores da universidade para poder estabelecer o diálogo permanente entre ambos os campos de práticas e saberes. Para isso, era necessário ainda que nossos objetivos na Estação fossem ampliados e incluíssem temas correlatos de interesse das políticas, da gestão, da formação e do processo de trabalho em saúde [...] O NDS foi a incubadora que acolheu o Observatório, entre outras iniciativas, e propiciou seu nascimento, crescimento e desenvolvimento até a presente data. No processo de elaboração coletiva do plano diretor organizamos um seminário em 2005, com a contribuição de Maria Helena Machado e Pedro Miguel, que contou com a presença de mais de 200 participantes, entre professores e alunos dos cursos da área da saúde, trabalhadores estaduais e municipais de saúde, representantes do Cosems/MT e membros dos conselhos de saúde estadual e municipais. (JSMN, 2012).

A discussão do Observatório e dos respectivos projetos do seu Plano Diretor se deu coletivamente entre parceiros interessados e contemplou temas das políticas, da gestão, da formação e do processo de trabalho em saúde. Tal construção estava embasada na perspectiva dos pesquisadores e das instituições envolvidas, sem perder de vista a perspectiva finalística do ObservaRH. Assim, desde a sua formação em 2008, o desenvolvimento da Estação Saúde, Trabalho e Cidadania tem como característica a produção de conhecimentos e a cooperação política e técnica com os atores sociais e governamentais da área de saúde. O primeiro Plano Diretor foi aprovado pelo MS em 2007, a assinatura da Carta Acordo pela Opas ocorreu em 2008 e o início da execução do primeiro projeto se deu nesse mesmo ano (UFMT, 2008).

Segundo o relato da professora MAS, que participou da fase de criação do referido Observatório, o processo de elaboração do projeto inicial além de lhe definir uma marca, imprimia ao ObservaRH, em Mato Grosso, o potencial de construção de conhecimento de melhoria das práticas.

[...] O processo de elaboração do Projeto do Observatório oportunizou um grande aprendizado e creio que a divulgação dos resultados das atividades tenha contribuído para a construção do conhecimento e reconstrução das práticas em saúde em Mato Grosso. Imagino que uma importante missão do Observatório seja identificar, organizar, analisar e divulgar a dinâmica do trabalho e educação na saúde em MT, sendo detentor de um banco de dados que permita analisar periodicamente esta dinâmica. (MAS, 2012).

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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De acordo com o projeto de implantação, as áreas de interesse da Estação Saúde, Trabalho e Cidadania seguiram os objetivos gerais da Rede ObservaRH, adequados ao contexto do Estado de Mato Grosso para contemplarem as dimensões da política de saúde, da gestão do trabalho e da educação em saúde, e promoverem as seguintes ações:1. desenvolver metodologias e análises da implementação de políticas de saúde nos

municípios mato-grossenses no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde (SES/MT), em seus aspectos relacionados à gestão do trabalho e da educação;

2. monitorar os aspectos demográficos, políticos e sociais da oferta e da demanda da força de trabalho do setor saúde;

3. acompanhar, analisar e orientar o desenvolvimento das estratégias e metodologias de formação e capacitação de profissionais e trabalhadores do SUS, em especial na área da gestão em saúde e saúde da família;

4. acompanhar e analisar as relações de trabalho e emprego no setor da saúde;

5. realizar análises sobre gestão da força de trabalho e discutir recomendações adequadas para a realidade dos municípios e estado de Mato Grosso e apoiar a implantação das diretrizes do Plano de Cargos Carreiras e Salários (PCCS) do SUS como instrumento de gestão da força de trabalho em saúde, devendo para isso, analisar e propor alternativas adequadas para os diferentes contextos municipais.

6. apoiar o ISC/UFMT em seus processos de qualificação dos trabalhadores do SUS no estado e na região Centro Oeste, produzir análises sobre a formação e gestão do trabalho em saúde, voltadas para os problemas prioritários de Mato Grosso, para influenciar a agenda de prioridades da SES/MT e as linhas prioritárias dos editais de fomento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Mato Grosso.

7. estabelecer parcerias com a Escola de Saúde Pública do Estado de Mato Grosso para o aprofundamento e a delimitação de áreas de interesse e de atuação comum, como também com as áreas de vocação mais específicas de cada uma das instituições parceiras, visando a complementação e a otimização de seus resultados; e

8. identificar, para as academias, as demandas para a formação de recursos humanos e de formadores em saúde (UFMT, 2008).As atividades da Estação ocorreram graças ao apoio financeiro do MS/

SGTES e OPAS e a seus dois Planos Diretores. O primeiro foi realizado no período de 2008 a 2010 e o segundo, de 2010 a 2014. Os projetos desenvolvidos por meio do ObservaRH Estação Saúde, Trabalho e Cidadania, apresentados a seguir, estão agrupados por áreas temáticas de suas atividades.

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Observatório de Recursos Humanos em Saúde - Estação Saúde, Trabalho e Cidadania: relato de experiência – histórico e ações

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Na execução do primeiro Plano Diretor, priorizou-se o processo de implantação da Estação de Trabalho e de seu funcionamento, com a criação e o funcionamento do site www.ufmt.br/observarh e a execução de seis projetos com atividades nas seguintes áreas: educação permanente (1); gestão do trabalho (2); avaliação de cursos de especialização (2) e formação profissional (1) (UFMT, 2007).

O segundo Plano Diretor também foi estruturado em dois componentes, um contemplando atividades da Estação de Trabalho e nove projetos atividades nas seguintes áreas: formação acadêmica - graduação em enfermagem e saúde coletiva (3) e pós-graduação em saúde coletiva (1); qualificação em gestão do trabalho e educação na saúde e desenvolvimento gerencial para gestores e profissionais da saúde (2); qualificação profissional na atenção básica e tecnologias de comunicação e saúde (2); e avaliação de cursos de saúde da família (1) (UFMT, 2011). Os resultados dos projetos executados nesses Planos são apresentados nesta publicação.

A importância da Estação para o desenvolvimento de estudos em Recursos Humanos, envolvendo o ensino de graduação e de pós-graduação articulados à participação dos alunos de iniciação científica, foi assim ressaltada pela professora entrevistada ALRSCC.

[...] A realização da pesquisa articulou os Cursos de Graduação em Enfermagem e de Mestrado em Enfermagem (FAEN/UFMT) à Linha de Pesquisa “Direitos, ética e cidadania no contexto dos serviços de saúde” e ao Grupo de Pesquisa Enfermagem Saúde e Cidadania (GPESC). Na pesquisa foram inseridas: 03 pesquisadoras/docentes do curso de enfermagem, 01 mestranda, 04 alunos de iniciação científica. [...] A participação da equipe da pesquisa “Faltas ao trabalho, um problema para a gestão do cuidado hospitalar”, foi composta por 09 pessoas em um trabalho conduzido de modo articulado entre docentes, mestranda e alunos de graduação do curso de enfermagem. (ALRSCC, 2012).

A Coordenação da Estação de Trabalho tem desempenhado papel estratégico na articulação dos projetos, no compartilhamento de experiências, metodologias e resultados, conforme mostra o depoimento da professora ALRSCC.

[...] Durante o período de realização da pesquisa estivemos envolvidos nas atividades propostas pela coordenação geral do projeto matricial da “Estação Saúde, Trabalho e Cidadania”, destacando-se as reuniões para compartilhamento do andamento dos projetos, treinamento para utilização do programa de análise de dados qualitativos Atlas-ti, reuniões para troca de ideias sobre a formulação do site do Observatório “Estação Saúde, Trabalho e Cidadania”, reunião para apresentação do relatório final da pesquisa na UFMT. (ALRSCC, 2012).

Comparece também como importante, o papel da acima referida Coordenação para:

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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A devolução dos resultados para a instituição parceira onde os dados foram coletados, quando foram apresentados os produtos das seguintes pesquisas: 01 dissertação de mestrado: A experiência de adoecimento de uma trabalhadora de enfermagem de uma instituição hospitalar de Cuiabá-MT; 03 trabalhos de iniciação científica: 1) Experiência de adoecimento e licença médica: o caso de uma técnica de enfermagem; 2) Entre registros e controles – os discursos sobre o absenteísmo na enfermagem hospitalar; 3) Direito à licença médica para tratamento de saúde: a trajetória de uma trabalhadora de enfermagem na instituição empregadora; e 01 Trabalho de conclusão de curso: O Enfermeiro assistencial frente às faltas na equipe de enfermagem do setor de emergência em um hospital público. Na ocasião foi também apresentado o relatório final desta última pesquisa contendo a descrição como um todo e o cálculo das faltas ao trabalho. (ALRSCC, 2012).

Execução das atividades da Estação: gestão, divulgação e equipe de trabalho

O modelo de gestão adotado pela Estação incorporou o seguinte conjunto de estratégias e ações: coordenação acadêmica e executiva, oficinas de acompanhamento de projetos atividades, seminários, orientação de estagiários de graduação, encontros e trabalhos em parcerias com estas instituições: Faculdade de Enfermagem/UFMT, Escola de Saúde Pública /SES-MT e Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá.

A coordenação acadêmica é de responsabilidade de docentes vinculados aos programas de ensino do ISC/UFMT, geralmente da pós-graduação e indicada pela direção do ISC. A coordenação executiva tem sido realizada com a participação de técnicos cedidos pela SES/MT e SMS Cuiabá, contratados por convênio de cooperação técnica.

O Professor Júlio S. Müller Neto assim destaca a importância da contribuição dos diretores do ISC e da coordenação do NDS para a implantação da Estação e no processo de articulação de recrutamento de técnicos para a constituição da equipe de execução da referida Estação Saúde, Trabalho e Cidadania:

[...] Participei ativamente de todo esse processo como coordenador do NDS e membro da equipe da Estação de Trabalho. Com minha saída e de outra professora [...] para cursarmos o Doutorado, em 2008, tivemos dificuldades para recompor a equipe de direção da Estação e do próprio NDS. Nesse momento, foi fundamental a participação da então diretora do Instituto, [...] que decidiu assumir pessoalmente a responsabilidade tanto pelo NDS como pela Estação de Trabalho, delegando as funções executivas a uma pesquisadora visitante [...]. A execução do primeiro plano diretor, a criação do site, a implantação da Estação, o acompanhamento da execução dos projetos aprovados e a prestação de contas foram já produtos do trabalho da nova equipe da Estação e do NDS, sob a condução dessa pesquisadora. (JSMN, 2012).

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a) Equipe da Estação e seu trabalho

O trabalho da Estação Saúde, Trabalho e Cidadania foi possível ser realizado somente pelas parcerias existentes entre o ISC/UFMT e as instituições já citadas.

O Quadro 1 indica os atores que estiveram na direção do ISC, na coordenação do NDS, na coordenação da Estação e a equipe de formulação e execução de projetos da Estação. Destaca-se a que maioria dos profissionais envolvidos na execução das atividades da Estação era parte integrante dos convênios de cedência de servidores da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá ao ISC/UFMT.

Quadro1 - Atores envolvidos na formulação e desenvolvimento da Estação de Trabalho NDS/ISC/UFMT, 2007 a 2014

Direção do ISCCoordenação

do NDSCoordenação da Estação

Equipe de Formulação/ Execução

2007 – Formulação do Projeto

Maria Clara Vieira Weiss

Júlio S. Müller Neto

EliseteDuarte

Elisete Duarte Maria Anunciação Silva

2008-2010 – Implantação e execução do 1º Projeto

Maria Angélica dos Santos Spninelli

Júlio S. Müller Neto

Fátima Ticianel Schrader

Ilva Félix do Nascimento - Vice CoordenadoraRodolfo B. Benevides - Secretário ExecutivoJúlio S. Müller Neto – Assessoria Técnica no desenvolvimento do Site e Coordenação do Boletim Saúde e CidadaniaAline P. Motta – Desenvolvimento e gerenciamento do Site web Regiane de Oliveira - Gerenciamento do SiteEquipe Técnica: Lydia M. B. Tavares; Maria José Vieira da Silva; Nina Rosa F. Soares; Simone Carvalho Charbel.Bolsista: Raiana K. Silva Lira

2011-2014 – Execução do 2º Projeto

Marta PignattiNina Rosa Ferreira Soares

MariaAngélica dos Santos Spinelli

Simone Carvalho Charbel - Vice CoordenadoraRodolfo B. Benevides – Secretário ExecutivoJúlio S. Müller Neto – Assessoria Técnica no desenvolvimento e gerenciamento do Site e Coordenação do Boletim Saúde e CidadaniaRaiana K. Silva Lira - Gerenciamento do SiteApoio Técnico: Fátima Ticianel, Landrimar Trindade; Maria José Vieira da Silva; Márcia de Campos; Aline Paula Motta e Patrícia dos Santos Arruda. Bolsistas: Tuanny K. Souza Ramos; Marianne Cardoso Júlio, Thiago Piraciaba de Mattos, Luan Cuiabano.

Fonte: Construção das autoras.

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O relato a seguir retrata a vivência profissional e pessoal de um membro da equipe de execução da Estação, participante da equipe de reelaboração do Projeto para sua aprovação no Ministério da Saúde. O processo de desenvolvimento vivenciado por ele na função de secretário executivo da Estação no primeiro e segundo planos de trabalho é mais um retrato da importância desse projeto na vida das pessoas que dele participam.

[...] Eu era servidor cedido em julho de 2005 pela SES/MT, trabalhava na Secretaria Lato Sensu do Instituto de Saúde Coletiva e fazia o Curso de Especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde (CEGSSS), quando fui convidado [...] para fazer parte da equipe da secretaria executiva da Estação de Trabalho do NDS/ISC, nas atividades I Plano Diretor. [...] Após a aprovação e repasse dos recursos, trabalhei, junto à equipe de coordenação, como secretário executivo fazendo a parte orçamentária e financeira junto à Fundação Uniselva, que administrava os recursos. Fiquei responsável pela organização e controle dos recursos de todos os projetos do Observatório. Como pesquisador fiz parte do Projeto de Gestão do Trabalho [...] que estudou sete municípios de Mato Grosso. Participei como pesquisador no projeto sobre a formação dos gestores municipais nos Cursos de Especialização e na organização do Livro “A Formação dos Gestores Municipais de Saúde”, no qual foi publicado um artigo meu. [...] uma experiência muito rica, como aprendizado e crescimento pessoal e intelectual. (RBB, 2012).

Dentre as ações desenvolvidas pelo Observatório destacam-se as relacionadas com a realização de oficinas de acompanhamento dos projetos atividades como espaços de trocas de informações, debates, avaliações e correções de rumos. Participaram dessas oficinas, a coordenação da Estação, os coordenadores e membros das equipes dos projetos atividades, os convidados do ISC e os convidados externos. Além dessas oficinas acima mencionadas, merecem ser referidas as seguintes ações:• realização da oficina de capacitação sobre o Software AtlasTi para os

integrantes dos projetos da Estação, que contou com os facilitadores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) (UFMT, 2010); e a

• realização de Seminários para debates e reflexões organizados para opúblico de docentes, discentes, gestores, profissionais e trabalhadores do SUS e representantes dos usuários nos Conselhos de Saúde, com as exposições das seguintes temáticas e lançamentos:

i. o papel da Rede ObservaRH no SUS; Sistemas de Informações Gerenciais e Levantamento do Perfil da Força de Trabalho;

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ii. lançamento oficial do site por coordenadores locais da ENSP/FIOCRUZ e exposição do tema “Trabalho em equipe na saúde”, por docentes ENSP/FIOCRUZ;

iii. realização do terceiro seminário “Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde” como atividade vinculada ao Projeto de Fortalecimento da Capacidade Gestora de Recursos Humanos das Secretarias de Saúde de Municípios de Mato Grosso, que contou com a presença de 162 pessoas, de 21 municípios mato-grossenses (UFMT, 2012a); e

iv. realização do “Seminário Avançado em Gestão do Trabalho”, em 2013;• organização da Disciplina Tópicos em Saúde Coletiva I – Profissão e

Gestão, oferecido no Curso de Mestrado, em parceria entre ISC e ENSP/FIOCRUZ; e

• colaboraçãodaEstaçãonolivro“AFormaçãodosGestoresMunicipaisdeSaúde – uma experiência político-pedagógica compartilhada”, organizado por Duarte e Barsaglini e publicado em 2012.O Observatório contribuiu de modo decisivo para a inserção da disciplina

sobre gestão do trabalho e da educação em saúde nos cursos de Especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde (45 h) e de Graduação em Saúde Coletiva, ambos ofertados pelo Instituto de Saúde Coletiva/UFMT.

b) Site: criação e implantação

O site www.ufmt.br/observarh, vinculado à Estação Saúde, Trabalho e Cidadania, foi inaugurado em 2010 e constitui um importante canal de comunicação e informação online em saúde voltado a docentes, pesquisadores, alunos, gestores, trabalhadores, usuários do SUS, instituições e movimentos sociais no campo da saúde.

O site está estruturado em quatro módulos. O primeiro contém oito recursos: apresentação; mapa do site; notícias e newsletter; fale com o Observatório; eventos/galeria de fotos; links úteis; FAQ e enquete. O segundo módulo é constituído por produções/biblioteca; estrutura administrativa e de infraestrutura e coordenação de projetos. O terceiro módulo contempla informações sobre cursos e busca de conteúdos. O quarto módulo é destinado ao gerenciamento do sistema administrativo do site.

O gerenciamento do site ocorre por meio de um colegiado de gestão que se reúne semanalmente e é constituído por docentes, técnicos e discentes do ISC/UFMT envolvidos no Observatório. A seleção dos conteúdos que serão inseridos no site é feita coletivamente pelos membros desse colegiado (UFMT, 2012b).

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Além de divulgar as produções da UFMT, o site www.ufmt.br/observarh divulga notícias sobre a saúde em geral. Dessa forma, são noticiadas legislações, programas e projetos relacionados à área, informações sobre o Curso de Graduação em Saúde Coletiva e demais cursos da área da saúde, além de vagas para seleções ou concursos públicos (UFMT, 2012b).

Uma nova perspectiva a ser adotada para o acima referido site será a de acompanhar o desenvolvimento das Políticas Nacional, Estadual e Municipal de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e assim contribuir para discussão e informação sobre essa temática junto ao público interessado.

No relato a seguir, percebe-se que o trabalho desenvolvido no site está articulado ao Boletim Eletrônico Informativo Saúde e Cidadania, armazenado no mesmo, elaborado e veiculado semanalmente pelo NDS/ISC/UFMT (UFMT, 2012b). Recentemente, o site foi reestruturado visando atender novas necessidades que emergiram a partir da dinamicidade cotidiana do trabalho (UFMT, 2012b).

O trabalho de comunicação e informação do site e boletim amplia o debate dos temas da saúde coletiva, da política de saúde da formação e do trabalho em saúde e da gestão do SUS:

[...] No NDS já elaborávamos o Boletim Saúde e Cidadania desde 2004 com apoio dos estudantes de graduação e estagiários. Minha sugestão, acatada pela equipe e pelos novos dirigentes do NDS, foi a de incorporar o boletim ao site, estabelecendo um processo de apoio mútuo entre ambos os instrumentos de comunicação. O boletim é elaborado pelos estagiários dos cursos de graduação em saúde coletiva e comunicação social e já ultrapassou a marca de duzentos números editados. Sua periodicidade alimenta a atualização do site, ambos subordinados aos objetivos da Estação, qual seja, um espaço para a discussão e o debate ampliados sobre temas relevantes do campo da saúde coletiva, bem como da formação e do processo de trabalho em saúde, da produção de conhecimentos, da política e da gestão do SUS, orientando-se sempre pelos caminhos do cotidiano das práticas dos sujeitos. (JSMN, 2012).

Considerações Finais

A Estação de Trabalho “Saúde, Trabalho e Cidadania” vem demonstrando sua importância no fomento ao debate, no desenvolvimento de estudos e investigações para o fortalecimento da área de gestão do trabalho e da educação na saúde no SUS em Mato Grosso, apesar do seu pouco tempo de vigência.

Destaca-se a parceria com a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e a Escola de Saúde Pública, as Secretarias Municipais de Saúde do estado, a Faculdade de Enfermagem da UFMT e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde no desenvolvimento de atividades específicas e no

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processo de articulação para divulgação dos trabalhos. Destaca-se, também, a importância da parceria do MS e OPAS para o apoio e o desenvolvimento dos projetos nos estados, a gerar novas oportunidades.

A expectativa é que o desenvolvimento de novas práticas de ensino e pesquisa, com a integração entre os serviços e a academia, possa aprofundar o debate e a contribuição para a formulação de políticas para a área da gestão do trabalho e da educação permanente no SUS.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos aos colaboradores externos: Pedro Miguel dos Santos Neto, Patrícia Santos, Elizabeth Artmann, Maria Helena Machado, Neuza Moysés e Eliane de Oliveira, que contribuíram em diferentes momentos do nosso trabalho.

À direção do ISC e do NDS, aos coordenadores, professores, técnicos, discentes e bolsistas do NDS pela permanente contribuição ao trabalho da Estação, gerenciamento do site, organização dos eventos e divulgação da produção, contribuindo para aquecer e fomentar novos estudos e experiências inovadoras.

Aos Professores Júlio S. Müller Neto, Maria Anunciação Silva, Aldenan da Costa e Rodolfo Bezerra Benevides, pelos seus relatos, que muito contribuíram para o registro histórico e a reflexão sobre a Estação Saúde, Trabalho e Cidadania, que também indicaram pistas e desafios enfrentados para a implantação e manutenção do Observatório.

Em especial, à equipe do NDS na colaboração à produção deste artigo: Aline, Rodolfo, Raiana, Maria José, Márcia, Ilva e Patrícia.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Portaria SGTES nº 1, de 11 de março de 2004. Dispõe sobre o funcionamento da Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde. Brasília: MS, 2004.

DUARTE, E.; BARSAGLINI, R. A. (Orgs.). A formação dos gestores municipais de saúde: uma experiência político-pedagógica compartilhada. Cuiabá: EdUFMT, 2012.

OBSERVARH – Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde. Repertório com a Produção da Rede ObservaRH – Brasil. Disponível: <www.observarh.org.br>. Acesso em: 20.nov.2013.

SANTOS NETO, P. M. dos; ARAÚJO JÚNIOR, J. L. A. C. de. Observatórios

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de Recursos Humanos em Saúde no Brasil: origens e perspectivas. Divulgação em saúde para debate, Rio de Janeiro, n. 47, p. 142-148, maio 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Instituto de Saúde Coletiva. Núcleo de Desenvolvimento em Saúde. Observatório de Recursos Humanos em Saúde – Estação “Saúde, Trabalho e Cidadania”. Plano Diretor 2007-2010. Cuiabá: ObservaRH NDS/ISC/UFMT, 2007.

______. ______. ______.______. Relatório Parcial das Atividades - Plano Diretor 2007-2010. Cuiabá: ObservaRH NDS/ISC/UFMT, 2008.

______. ______. ______. ______. Relatório Final das Atividades - Plano Diretor 2007-2010. Cuiabá: ObservaRH NDS/ISC/UFMT, 2010.

______. ______. ______. ______. Plano Diretor 2011-2014. Cuiabá: ObservaRH NDS/ISC/UFMT, 2011.

______. ______. ______. ______. Relatório do Seminário “Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde” – 10 a 12 de abril de 2012. Cuiabá: ObservaRH NDS/ISC/UFMT, 2012a.

______. ______. ______. ______. In: 10° CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA, 2012, Cuiabá. Estruturação e funcionamento do site do Observatório de Recursos Humanos em Saúde - Estação Saúde, Trabalho e Cidadania/UFMT. Cuiabá: ObservaRH NDS/ISC/UFMT, 2012b. (Banner).

______. ______. ______. ______. Relatório do Seminário Avançado em Gestão do Trabalho - 14 a 18 de outubro 2013. Cuiabá: ObservaRH NDS/ISC/UFMT, 2013.

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Núcleo de Desenvolvimento em Saúde: um espaço de fortalecimento do SUS em Mato Grosso (1984-1992)

Patrícia dos Santos Arruda1

Nina Rosa Ferreira Soares2

Introdução

O Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS) foi criado, em 1984, com a finalidade de agregar docentes das faculdades de medicina, enfermagem e nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) para a elaboração de uma política de pós-graduação e de projetos de pesquisa e extensão. Isso ocorreu logo após a execução do projeto Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE), que reuniu professores e alunos da UFMT e pesquisadores de instituições municipais, estaduais e federais, com o objetivo de estabelecer a aproximação entre a academia e as organizações formuladoras e executoras da política de saúde no estado de Mato Grosso.

As atividades organizadas pelo NDS, inseridas no contexto da Reforma Sanitária, foram de muita importância para o estado de Mato Grosso, a exemplo da participação na elaboração do capítulo da saúde, no período constituinte em Mato Grosso e das leis orgânicas municipais, em 1989 e 1990; a capacitação de recursos humanos; a cooperação técnica com os municípios e a constante elaboração de projetos voltados à implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir desse contexto, foi pensada, então, a criação de um instituto para manter a estrutura e ampliar as ações do NDS voltadas para a saúde coletiva.

O Instituto de Saúde Coletiva (ISC) foi criado em 1992 para unir as áreas de Saúde Pública dos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição e integrar à sua estrutura e o Centro de Saúde Escola.

O Instituto se apresenta como um marco para a saúde pública do estado de Mato Grosso já que ao longo dos últimos 20 anos, vêm promovendo cursos de especialização em Saúde Pública, Saúde do Trabalhador, Saúde da Família, entre outros. Em 1993, criou a pós-graduação stricto sensu em Saúde e Ambiente, ampliada em 2003 pelo Mestrado em Saúde Coletiva, contribuindo dessa forma, com a qualificação profissional no território mato-grossense.

1 Especialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde, Biomédica, vinculada ao Núcleo de Desenvolvimento em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (NDS/ISC/UFMT).

2 Mestre em Educação, Assistente Social, técnica do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (ISC/UFMT).

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O NDS foi uma forma encontrada pela UFMT para se aproximar dos serviços de saúde, principalmente dos gestores do SUS de vários municípios do Estado, a unir pesquisa, ensino e extensão, tripé tão valioso para a qualificação de recursos humanos.

Este artigo descreve a trajetória do NDS, desenvolvida no período compreendido entre 1984 a 1992, anterior à criação do ISC, e sua importância para o fortalecimento da gestão do SUS. Trata do processo de sua criação, os seus principais projetos e trabalhos voltados para a gestão do SUS.

Este trabalho foi realizado com base na análise de documentos produzidos pelo NDS no período acima referido e entrevistas com informantes-chave que apoiaram e participaram da dinâmica de implantação desse Núcleo. As entrevistas seguiram um roteiro previamente estabelecido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller (Parecer nº 656 CEP HUJM/09).

O surgimento dos Núcleos de Estudo em Saúde nas Universidades Brasileiras

Os Núcleos de Saúde Pública surgiram no interior das Universidades na década de 1980, em um contexto de crise econômica e política da ditadura militar e de fortalecimento dos movimentos sindicais e populares na luta pela democratização do país e por condições de vida digna, incluindo a questão do acesso à saúde de qualidade.

Nesse debate sobre a mudança do modelo de saúde no país, o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira envolvia não só a população, mas também os estudiosos inseridos nas universidades. Dai ter-se criado vários núcleos de discussão e atuação em prol do desenvolvimento de projetos na área de Saúde Coletiva.

Nesse sentido, surgiram, entre outros, o Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (NESCON), em 1983, junto à Pró-reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); o Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP), em 1986, ligado à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB); o Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESCO), associado às universidades estaduais de Londrina, Ponta Grossa e Maringá, com sede no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina; e o NDS, em 1984, ligado ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFMT.

As universidades, por meio dos Núcleos, extrapolaram os limites da área acadêmica, na medida em que atuaram no âmbito da Reforma Sanitária Brasileira, apoiaram a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde e participaram do processo Constituinte. Na mesma direção e sentido, o nível

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Núcleo de Desenvolvimento em Saúde: um espaço de fortalecimento do SUS em Mato Grosso (1984-1992)

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de integração das universidades com os serviços públicos foi aumentado com a oferta aos municípios de cursos de especialização na área da saúde e de participação em assessorias técnicas, trabalhos estes realizados com base nas necessidades reais de cada administração municipal, sem perder de vista a atribuição histórica da universidade, que é a de estimular e propiciar a produção de conhecimentos.

A criação do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde e o consequente fortalecimento da gestão do SUS em Mato Grosso

A Pesquisa em Saúde Pública no POLONOROESTE, financiada pelo Banco Mundial, tinha por objetivo diagnosticar as demandas de saúde, o perfil epidemiológico e analisar o inquérito soroepidemiológico das principais doenças nos municípios situados em torno da BR-364. Esse trabalho evoluiu para a formação de um grupo de saúde pública, constituído por docentes dos departamentos de Nutrição, Enfermagem e Medicina, os quais visavam a realização de pesquisas relacionadas com os serviços de saúde disponibilizados no estado de Mato Grosso.

Com a experiência adquirida pelos pesquisadores do POLONOROESTE, passou-se a discutir a criação de uma estrutura formal para a realização desses estudos, uma instância que pudesse congregar os docentes e discentes dos departamentos da UFMT e os profissionais das instituições conveniadas. O Projeto POLONOROESTE fomentou o debate científico por meio de Seminários entre pesquisadores locais e de Universidades como USP, UNICAMP, USP-RP, UFPR, UFRS, UNB, entre outras.

O núcleo de pesquisa foi idealizado pelo Coordenador da Pesquisa do POLONOROESTE, o Prof. Severino Márcio Pereira Meirelles, então docente do Departamento de Medicina/UFMT. Essa proposta fundamentou-se em um estímulo dado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em um seminário sobre a “Formação de Recursos Humanos” e de outras experiências concretizadas dentro da referida universidade, que já possuía em sua organização, dois núcleos criados pelo Departamento de História: o Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR) e o Centro de Estudos e Pesquisa do Pantanal, Amazônia e Cerrado (GERA) (MEIRELLES, 1986).

Os Núcleos que surgiram vinculados às Universidades, a maioria, eu acho que é desse período, mas o NDS, ele foi fundado em 1984, não tenho muita certeza, mas foi por aí. (Era) um contexto político de luta pela redemocratização do país, no governo militar, não se pode esquecer que 1984 foi o ano das diretas, um grande movimento das Diretas

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Já. Então havia uma efervescência de participação de lutas pela democracia do país. Havia uma crise financeira causada pela ditadura, que repercutia na governabilidade da ditadura. Nós tínhamos tido aí um sério problema de déficit, o país estava realmente em uma grande dívida externa, um problema de ordem econômica, política e isso também gerou um contexto de crise no próprio campo da saúde. Porque a saúde estava, nesse momento, atravessada não só nessas contradições, mas também sob uma discussão sobre modelo, que tipo de política se queria. Nesse início da década de 1980 houve uma efervescência também muito grande da relação entre saúde e democracia grandes debates sobre democracia, trazidos por várias instituições como CEBES, como ABRASCO, havia um contexto de Reforma das Políticas Públicas. Então a Previdência Social, que era toda poderosa e cheia de dinheiro, estava em crise também porque não estava conseguindo manter o funcionamento dos direitos e garantir a assistência à saúde de qualidade. Nesse contexto, surgem várias iniciativas de reforma, como plano CONASP, depois as AIS, isso no início da década de 1980 e um ressurgimento da importância da saúde pública no contexto brasileiro e internacional, sob o fluxo da famosa Conferência de Alma Ata. [Nessa Conferência][...] em 1978, onde se definiu: “Saúde para todos no ano 2000”. Nós já passamos de 2000 e não teve saúde para todos, valeu a intenção. Nesse momento tinha toda aquela movimentação e focada, sobretudo, nos cuidados primários de saúde. Então esse era o contexto mundial, um contexto nacional favorável à saúde. Isso se repercutiu em Mato Grosso, sobretudo no âmbito da Universidade onde os cursos de saúde encontravam-se recém-instalados: o curso de Medicina começou em 1980, Enfermagem já tinha começado, Nutrição começou um pouquinho antes, e o de Serviço Social, um pouquinho antes. Mas, enfim, neste contexto dos cursos de saúde se discutiu muito a importância de se ter um eixo que nucleasse na área da saúde e havia essa intenção que o eixo fosse o eixo da saúde pública, uma percepção sem a visão individualista da saúde. (INFORMANTE-CHAVE 1).

De fato, em Mato Grosso, a formação de especialistas na área da Saúde Pública teve início em 1980, a partir da parceria estabelecida entre a UFMT e a Universidade de São Paulo (USP) e, num segundo momento, com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). Assim foram formados os primeiros sanitaristas, em Mato Grosso, o que causou impacto na política estadual de saúde. Os cursos eram coordenados pela Secretaria de Pós-Graduação (SPG), conforme expresso neste relato:

[...] nós tínhamos tido aqui na Universidade um dos primeiros cursos de especialização em Saúde Pública realizados em Mato Grosso em 1980, em uma parceria da Universidade com a USP e com a Faculdade de Saúde Pública da USP. No ano seguinte, tivemos um segundo curso de especialização, com a ENSP e o pessoal também da Universidade. Daí desse movimento, desses cursos, formaram os primeiros quadros da saúde pública no estado, formaram os primeiros sanitaristas do estado. De modo a começar influir na política das instituições (INFORMANTE-CHAVE 1).

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Vários movimentos surgiram em torno desses cursos de especialização, sendo um deles organizado para os profissionais e docentes que atuariam no Centro de Saúde Escola. Esse estabelecimento, situado em um bairro pobre de Cuiabá, foi uma experiência de integração entre o ensino e a prática, na medida em que foi campo de estágio dos estudantes dos diversos cursos da área de Saúde da UFMT. Essa foi uma iniciativa inovadora no campo acadêmico e beneficiou os alunos e a população como um todo:

[...] a criação do Centro de Saúde Escola em 1982, eu fui do grupo do Centro de Saúde Escola. Eu estava na Faculdade de Medicina e ajudei a fundar o Centro de Saúde Escola, que a gente via como grande espaço das práticas de saúde voltadas para a coletividade. Na época a nossa ambição era mostrar que era possível um Centro de Saúde Escola funcionar bem; não tínhamos maior ambição (do) que essa. A Universidade teve uma parceria com o estado e desenvolveu o Centro de Saúde Escola que tinha vários profissionais da medicina, da nutrição que trabalhavam essas experiências [...] (INFORMANTE-CHAVE 1).

A partir do movimento desses especialistas e da criação do POLONOROESTE, surgiu o NDS, que, a princípio, foi idealizado para realizar pesquisas ligadas aos serviços de saúde do Estado e dos municípios, conforme afirma o depoimento do Informante-chave 1: “[...] o movimento foi o da criação do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS) que teve um perfil voltado à pesquisa, ele foi idealizado e implementado por um colega recém chegado, que tinha terminado o seu doutorado na USP de Ribeirão Preto que foi o Severino Márcio Meirelles.”

O NDS surgiu em 1984, com o objetivo de desenvolver pesquisas no campo da saúde pública e em demais áreas de saúde, inter-relacionando os serviços de saúde com a universidade e fomentando, assim, a integração entre essas instâncias. O regimento elaborado para o funcionamento do NDS foi aprovado pela Sub-Reitoria de Pesquisa e Ensino em Pós-Graduação da UFMT, em 28 de março de 1984.

Vinculado ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), o NDS seguia as diretrizes da Sub-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós Graduação. Sua finalidade era atender à organização administrativa da universidade, para que os professores passassem a ter em sua carga horária, o espaço para a realização das pesquisas e, segundo o regimento do Núcleo, estariam vinculados a ele até finalizá-las.

No que se refere ao contexto nacional, o NDS surgiu em um momento muito peculiar da história da Saúde Pública, em época que ocorriam mudanças políticas importantes nesse campo em que se discutia a Reforma Sanitária

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Brasileira. Neste Estado, essa discussão foi introduzida através não só do meio acadêmico, mas também do campo político. Na verdade, o NDS foi o embrião da discussão em torno da Reforma Sanitária instalada em Mato Grosso:

O surgimento do NDS vinha da necessidade de se ter na UFMT um setor que discutisse os preceitos do movimento da Reforma Sanitária e principalmente pudesse trabalhar com as demandas geradas pelo convênio Polonoroeste com financiamento do Banco Mundial, que previa ações de investimento na formação de recursos humanos na área de saúde pública. (INFORMANTE-CHAVE 2).

O NDS também coordenou cursos de especialização em Saúde Pública, em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso (SES/MT) e em Medicina do Trabalho, o que aponta para o fato de que, além de desenvolver pesquisas, contribuiu substancialmente para a formação de profissionais especialistas, conforme relata um dos entrevistados: “O NDS desenvolvia atividades de execução dos Cursos de especializações [da UFMT] articulado com órgãos de formulação de políticas de saúde; tais como o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS) e ainda desenvolve projetos de cooperação técnica com agências operativas do SUS.” (INFORMANTE-CHAVE 2).

Alguns projetos tiveram destaque, como o da elaboração de uma metodologia de análise das leis orgânicas municipais, com a participação de representantes da sociedade civil e vereadores em vários fóruns municipais para a discussão dessas leis; o da municipalização da saúde em Mato Grosso, no qual foi feita uma análise desse processo no estado, e o da cooperação técnica para assessorar os secretários municipais de saúde na organização dos sistemas municipais e na criação de secretarias municipais de saúde, em parceria com o COSEMS.

Para atender a essas demandas, o NDS contava com uma equipe técnica qualificada, formada por integrantes dos quadros da UFMT e profissionais dos serviços de saúde de órgãos municipais e estaduais.

As atividades desenvolvidas pelo NDS começaram a ter importância significativa, pois constantemente elaborava projetos e dava continuidade à cooperação técnica com os municípios do estado e a parceria com a SES/MT. A partir daí foi pensada a criação de um Instituto de Saúde, que contasse com algumas características do NDS, mas tivesse a possibilidade de regularizar a participação dos profissionais do serviço, os quais passariam a integrar essa nova estrutura.

Assim, por congregar profissionais da saúde dos departamentos, uma proposta maior foi elaborada em 1990, a criação do ISC, cuja concretização só ocorreu em 1992, com a reforma administrativa da UFMT. O ISC herdou toda a estrutura física do NDS e assumiu o importante papel de capacitar os professores da saúde

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Núcleo de Desenvolvimento em Saúde: um espaço de fortalecimento do SUS em Mato Grosso (1984-1992)

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na área de Saúde Coletiva, o que antes era atribuição do departamento de origem. A partir da experiência acumulada pelo NDS com os cursos de especialização, discutiu-se um projeto para a oferta de cursos de pós-graduação stricto sensu em Saúde e Ambiente para a formação do “pesquisador interdisciplinar”.

Desde então, o NDS passou a fazer parte do ISC, atuando como um núcleo de pesquisa e extensão, mas não perdeu a sua função principal de propiciar a cooperação técnica e a produção de conhecimento em parceria com os serviços de saúde do estado de Mato Grosso.

Considerações Finais

Neste capítulo procurou-se fazer uma descrição da trajetória do NDS, desde a sua criação, em1984, até a implantação do ISC, em 1992, dando ênfase às principais atividades desenvolvidas por aquele órgão.

Tais ações foram de muita importância para o estado de Mato Grosso, no primeiro momento, para a formação de especialistas nas áreas de Medicina do Trabalho e Saúde Pública e, no segundo momento, para as discussões de leis orgânicas e desenvolvimento de projetos relevantes destinados a assessorar as secretarias municipais de saúde na organização dos sistemas municipais, em parceria com o COSEMS.

Assim, a importância deste estudo reside em evidenciar que o NDS, como os demais núcleos de saúde pública do Brasil, ocupou um espaço de relevância para Mato Grosso, não apenas pelas ações desenvolvidas, mas também por viabilizar a criação do ISC, que até os dias de hoje vem atuando em conjunto com as instituições públicas de saúde do estado e dos municípios, no processo de qualificação profissional e no fortalecimento da gestão do SUS.

Referências

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Núcleo de Desenvolvimento em Saúde. Plano de Trabalho Anual do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde: 2005/2006. Cuiabá: UFMT, 2005.

______. Normas Internas do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Revista da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, n. 3, p. 14-18, set./dez. 1984.

______. Proposta da criação do Instituto de Saúde em Mato Grosso. Cuiabá: UFMT, 1990.

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MEIRELLES, Márcio Pereira et al. Leis Orgânicas Municipais em Mato Grosso: capítulo da saúde. Saúde em Debate, Londrina, v. 30, p. 61-65, dez. 1990.

MEIRELLES, Severino Márcio. O processo de municipalização da saúde em Mato Grosso: notas prévias. Saúde em Debate, Londrina, v. 33, p. 90-93, dez. 1991.

PARANÁ. Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva. Informações sobre o NES CO. Londrina, 2010. Disponível em: <www.ccs.uel.br/nesco/>. Acesso em: 31 mar. 2010.

PEREIRA, Dejair et al. Projeto de Cooperação Técnica Pró-Organização dos Sis temas Municipais de Saúde. Saúde em Debate, Londrina, v. 33, p. 94-95, dez. 1990.

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As circunstâncias da institucionalização da Saúde Coletiva na Universidade Federal de Mato Grosso - 20 anos do ISC/UFMT

Marta Gislene Pignatti 1

Maria Angélica dos Santos Spinelli 2

O tempo histórico é a irreversibilidade dos acontecimentos sociais [...] (Heller, 1992, p.3)

Este ensaio procura resgatar a circunstância histórica da institucio-nalização da Saúde Coletiva na Universidade Federal de Mato Grosso, entendendo circunstância como “unidade de forças produtivas, estrutura social e formas de pensamento, ou seja, um complexo que contém inúme-ras posições teleológicas, a resultante objetiva de tais posições teleológicas” (HELLER, 1992) é filosoficamente o conjunto das especulações que se aplicam às noções de finalidade e às causas finais.

A Saúde Coletiva, considerada como um campo interdisciplinar do conhecimento e de práticas (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998), traz, no seu bojo, a necessidade de pensar saúde como um processo biológico e social, que compõe visões e abordagens múltiplas e complementares para desvendar a realidade dos fenômenos. Tarefa árdua para a construção de um pensamento integrado e complexo aproximando-se dos nexos entre natureza e sociedade, entre posições teleológicas e ações objetivas concretas.

Neste sentido, o corpus de pesquisadores, constituído no interior do campo ideológico de esquerda sofreu as influências do campo intelectual do grupo de agentes que o produziu (BOURDIEU, 2007).

Assim, a tessitura do campo intelectual em Saúde Coletiva comporta relações e incorporação de diversas ideologias, de perspectivas políticas, de pesquisa e de intervenção social na saúde, dada pelas incorporações de várias correntes de pensamento, cuja hegemonia na década de 1970 foi originária da corrente marxista latino-americana (GARCIA, 1983).

1 Doutora em Saúde Coletiva, Professora Associada III do Instituto de Saúde Coletiva – UFMT.

2 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Associada do Instituto de Saúde Coletiva – UFMT.

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A dimensão social do processo saúde doença como resultante do processo produtivo e da posição de classe, produzindo e reproduzindo doenças, leva a um posicionamento político em relação às mudanças sociais e à busca da equidade em saúde.

No plano científico, o campo intelectual da Saúde Coletiva é revestido da busca do poder simbólico pelo conhecimento, atravessado por posições de grupos lotados em Universidades tradicionais de formação, como Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo (FSP-USP); Escola Nacional de Saúde Pública - Fiocruz (ENSP-FIOCRUZ); Universidade de Campinas (UNICAMP); Universidades Federais do Rio Grande do Sul e da Bahia e outras, que tiveram programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade doutorado como motor da produção científica e foram formadoras dos quadros de doutores do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT.

A intelectualidade de esquerda, tomada aqui no sentido atribuído por Sader (1995), ou seja, pessoas que se posicionam contra a desigualdade social, encontram na construção do campo de atuação da Saúde Coletiva canais de possibilidades concretas de militância para as mudanças sociais em prol da equidade em saúde.

O milagre econômico brasileiro, na década de 1970, resultou numa agudização da desigualdade e iniquidade social em saúde, levando a sociedade civil a se organizar em diversos movimentos reivindicatórios. O movimento da reforma sanitária nasce nesse contexto, tendo o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) e posteriormente a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) como seus principais articuladores nacionais (NUNES, 1994).

O processo de redemocratização da sociedade brasileira, após a ditadura militar (1964-1984), trouxe esperança para os grupos de esquerda no processo de interferência nos rumos da Política Nacional de Saúde, institucionalizadas na Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a Saúde como Direito de todos e dever do Estado, numa perspectiva social-democrática (TEIXEIRA, 1989; BRASIL, 1988).

No período militar, em que pese à organização social urbana com os principais grupos de resistência à ditadura militar e de apoio à redemocratização do país, ao governo importava desbravar e ocupar as terras rumo à Amazônia brasileira, sendo o Centro Oeste e o estado de Mato Grosso considerados estratégicos nesta jornada nacionalista.

Os Planos e Programas governamentais induziram a um movimento interno de redistribuição da população pelo território desde a década de 1930, intensificado na década de 1970, pelos projetos de colonização privada ou pública governamental. Nessa perspectiva, foram criados o

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Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), os Planos de Integração Nacional, os polos de colonização: Poloamazônia e Polonoroeste e construídas as Rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Perimetral Norte (FIGUEIREDO, 1993).

O Polonoroeste (Programa para Desenvolvimento Integrado do Noroeste) foi iniciado em 1981, abrangendo Rondônia e parte de Mato Grosso, o que totalizava uma área de 410.000 km2. Além da pavimentação da BR 364, esse programa tinha como objetivo beneficiar cerca de 30.000 famílias que já haviam colonizado o noroeste do país e criar condições para assentar outras 15.000. Captou recursos do Banco Mundial, que condicionou o empréstimo ao cumprimento de metas sociais e ecológicas, como reorganização fundiária e proteção ao meio ambiente e às comunidades indígenas (FIGUEIREDO, 1993).

As possibilidades de “enriquecimento rápido”, advindas da doação de terras e da exploração das riquezas minerais (ouro em aluvião), trouxeram para o território de Mato Grosso os excluídos urbanos: pequenos proprietários do Sul e Sudeste e os nordestinos fugidos da seca para aqui se tornarem os “amansadores da terra”. Fossem aventureiros, fossem empresas colonizadoras estatais e privadas que, no ímpeto da exploração dos recursos naturais e a garantia de sobrevivência, depararam-se com a explosão de doenças, principalmente a malária e com a ausência de serviços de saúde no interior do estado (MORENO, 2007; MEIRELLES, 1984).

A Universidade Federal de Mato Grosso, criada na década de 1970, fez parte da jornada nacionalista e expansão da fronteira econômica para contribuir com o “desenvolvimento socioeconômico e cultural da região” (BRASIL, 1970). Assim, no processo de institucionalização, a criação da UFMT inseriu-se nesse momento de universalidade, tendo por conteúdo os sistemas de normas que orientam a socialização e a ideologia e, conforme Lourau (1996), o instituído.

A ordem institucional foi realizada de forma gradativa e a UFMT inicialmente reconhecida como Universidade da Selva, atingiu importante significado para a formação de mão de obra de nível superior e passou a ser referência regional em ensino, pesquisa e extensão. Foi na expansão de cursos de graduação e pós-graduação lato e stricto sensu, onde se inseriu o embrião da Saúde Coletiva e posteriormente o Instituto de Saúde Coletiva (UFMT, 1985).

Alguns aspectos da particularidade da institucionalização da Saúde Coletiva no âmbito da Universidade Federal de Mato Grosso, tomando o momento como “instituinte” em suas diversas manifestações, ou seja, como campo de conhecimento, movimento social e práticas inseridas na realidade regional, contextualizados de maneira geral nas circunstâncias econômicas e políticas do Estado de Mato Grosso serão abordados neste ensaio de forma cronológica por décadas.

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A institucionalização da Saúde Coletiva enquanto campo interdisciplinar de conhecimento, movimento social e práticas na UFMT

Saúde Coletiva na década de 1980

No contexto da Universidade Federal de Mato Grosso, o embrião do Instituto de Saúde Coletiva foi o Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS), aninhado no âmbito do então Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. O NDS reunia professores dos Departamentos de Medicina, Enfermagem e Nutrição que tiveram papel importante na formação de especialistas em Saúde Pública em seus 11 cursos oferecidos até 1992, em parceria com a ENSP-FIOCRUZ.

A institucionalização formal do Núcleo ocorreu em 1984, após o desenvolvimento do projeto de pesquisa interdisciplinar na área da saúde denominado “Diagnóstico de Saúde e Epidemiologia das Principais Doenças do Polonoroeste – MT (CNPq-UFMT – SES/MT). Do ponto de vista do campo de conhecimento interdisciplinar, o Projeto Polonoroeste tornou-se o espaço agregador de docentes estudantes de diversos Departamentos da UFMT e possibilitou o diálogo mais estreito com outras Universidades do país (USP, UNICAMP, UNB, UFPel, UFR).

O desenvolvimento da pesquisa e a realização de seminários temáticos com participantes da UFMT e das Universidades acima citadas fizeram dessas experiências um momento efervescente de produção e debate do conhecimento sobre a realidade mato-grossense e seus ecossistemas: pantanal, cerrado e floresta amazônica. A formação através da integração teoria e prática e a produção de monografias de estudantes e bolsistas dos cursos de especialização permitiu que muitos deles, posteriormente, ingressassem na UFMT, como docentes ou técnicos.

Destaca-se, também, neste seu primeiro período de institucionalização, a articulação do NDS com o movimento sanitário nacional, principalmente no tocante à assessoria na elaboração da Constituição Estadual e de Leis Orgânicas Municipais (MEIRELLES, 1984), e a sua contribuição para a sociedade mato-grossense. Isso porque para além dos cursos de formação de sanitaristas, três dos docentes participantes do NDS foram atuar através de mandatos eletivos de vereador e deputado e no exercício executivo, da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá.

Salienta-se, ainda, nessa década de 1980, o papel articulador do professor Severino Márcio Pereira Meirelles (in memoriam), um dos poucos doutores na área de Saúde Pública à época, responsável pela disciplina Saúde da Comunidade do Departamento da Medicina da UFMT, que atuou como Coordenador do Polonoroeste e posteriormente do NDS e, também, como idealizador do programa de pós-graduação stricto sensu em Saúde e Ambiente.

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A formação profissional no campo da Saúde Coletiva ocorria basicamente sob duas modalidades: por meio de disciplinas inseridas nos currículos de diversos cursos da área de Saúde e áreas correlatas como Medicina, Enfermagem, Nutrição e Engenharia Sanitária e, em um sentido mais pleno, no âmbito da pós-graduação, principalmente do lato sensu.

A experiência em ensino, serviço e pesquisa em Saúde Pública foi compartilhada no Centro de Saúde Escola do Bairro Grande Terceiro em Cuiabá. Este modelo de trabalho também utilizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, teve a influência da forma de organização dos serviços de saúde, da escola norte-americana de formação médica.

O Centro de Saúde Escola (CSE) foi criado em 1982, para atender as práticas de Saúde Pública dos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição e Serviço Social e gerenciado inicialmente por médicos sanitaristas, então lotados no Departamento de Medicina da UFMT. Aquelas práticas concentravam-se na assistência médica na área de clínica geral, ginecologia e pediatria, que basicamente atendia a população através dos Programas como Atenção à Saúde Integral da Mulher, Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente, Atenção à Saúde do Idoso, numa perspectiva interdisciplinar e na promoção e prevenção à saúde.

Do trabalho com idosos originou o primeiro grupo de terceira idade em Cuiabá, que atuou na Constituinte Estadual de 1989, ao elaborar um documento de Proteção ao Idoso. Destaca-se, também, a participação dos grupos organizados da comunidade na gestão do CSE, modelo este adotado posteriormente pelos serviços de saúde municipais (UFMT, 1992).

Estrategicamente também foram estruturados, no âmbito das práticas em Saúde Pública/Coletiva, os Internatos Rurais de Saúde em municípios do interior do estado, com atuação em áreas urbanas e rurais. Os Internatos foram desenvolvidos, inicialmente, com os estudantes de medicina e enfermagem, na perspectiva de contribuir com a interiorização dos futuros profissionais de saúde. Os docentes atuaram como assessores nas Secretarias Municipais de Saúde quando estas faziam a implementação de sistemas e de serviços de saúde em seus municípios.

Com a reestruturação administrativa da Universidade Federal de Mato Grosso e a criação do Instituto de Saúde Coletiva, em 1992, os profissionais da área de Saúde Pública ligados ao ensino médico, de enfermagem e de nutrição migraram para o recém-criado Departamento de Saúde Coletiva. O DSC, o NDS, o Centro de Saúde Escola e a coordenação de programas de pós-graduação, juntos, compuseram a estrutura formal inicial do Instituto de Saúde Coletiva. Sua Congregação contava com a participação dos movimentos sociais na área da saúde.

Salienta-se que, ao final desse período, houve investimento institucional para a formação e capacitação do quadro docente em Cursos de Doutorado

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e Mestrado. Dos trinta profissionais que migraram para o Departamento de Saúde Coletiva, cinco deles estavam afastados para a conclusão do Doutorado (USP, UNICAMP, dois na ENSP e um no ISC/UFMT), sete possuíam o título de mestre, sete eram mestrandos (FMUSP, USP-RP, ENSP, UNICAMP, dois no ISC/UFMT) e 10 eram especialistas (Planejamento, Epidemiologia e Educação em Saúde). Dois docentes já doutores integraram o Departamento de Saúde Coletiva: um originário da área de Botânica e outro, da Medicina Comunitária, que inclusive assumiu a primeira direção do ISC (UFMT, 1992).

No primeiro ano da criação do Instituto foram oferecidos Cursos de Especialização em Saúde Pública, Saúde e Ambiente e Enfermagem e Medicina do Trabalho. No entanto, para a institucionalização do Instituto de Saúde Coletiva como unidade acadêmica era necessária a criação de um curso de formação stricto sensu, para além dos cursos lato sensu, tradicionalmente oferecidos.

Debates internos foram realizados com a participação de pesquisadores externos, tendo a perspectiva da incorporação de diversas áreas do conhecimento para além das tradicionais do campo, necessárias ao pensamento complexo para o estudo dos fenômenos relacionados à questão ambiental e impactos na Saúde Humana.

A estratégia utilizada e articulada por Meirelles foi a de criar um curso interdepartamental em Saúde e Ambiente, congregando doutores de diversas áreas do conhecimento e atuantes na Universidade Federal de Mato Grosso.

Anos noventa: saúde e ambiente na pós-graduação stricto sensu

Além de intensos conflitos sociais entre grupos indígenas, posseiros, pequenos proprietários e os grandes latifundiários em Mato Grosso, a expansão dos negócios capitalistas no campo gerou um intenso processo de urbanização e exploração dos recursos naturais. Tais condições exacerbaram a exclusão social e provocaram a poluição provenientes de diversas origens: rios, desmatamentos, queimadas e capitalização da exploração das riquezas do subsolo de forma predatória (HOGAN et al., 2000).

As reformas estruturais introduzidas em 1990, com a abertura comercial, privatização e desregulamentação da economia, impactaram positivamente o agronegócio. Os impostos à exportação e o controle de preços foram eliminados e os mercados agrícolas ficaram expostos à competição internacional. A viabilidade econômica da agricultura de exportação encontrava-se no estabelecimento de uma infraestrutura de escoamento e armazenagem da produção (BECKER, 2006). Para Figueiredo (1993), a ocupação capitalista nas regiões de fronteira implicou não só em mudanças econômicas e sociais, mas também em formas de produção mais agressivas ao meio ambiente do que aquelas adotadas pelas populações tradicionais.

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No cenário internacional, a questão ambiental foi se tornando palco de intensos debates, desde a retomada de teses neo-malthusianas nos anos 1970, até a perspectiva sustentabilista nos anos 1990, de subordinar o crescimento econômico à capacidade de suporte dos ecossistemas naturais, por meio da polissemia do desenvolvimento sustentável.

O governo brasileiro, então, estabeleceu políticas para minimizar os efeitos da degradação e poluição ambiental e incluiu, posteriormente, políticas que contemplavam a relação entre ambiente e saúde humana, induzidas externamente pelo Banco Mundial e internamente, pela pressão das organizações da sociedade civil (PIGNATTI, 2005).

O fato de o Brasil sediar a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente (ECO - 92) mobilizou os profissionais de Saúde a ressignificar as abordagens clássicas em que o ambiente era considerado parte da tríade ecológica das doenças transmissíveis, tal como incorporado pela Medicina Preventiva e Social3, sob uma forma a-histórica como denominou Arouca (2003).

O recém-criado Instituto de Saúde Coletiva da UFMT apresentou uma proposta pioneira no Brasil, o Programa de Mestrado e de Doutorado em Saúde e Ambiente (1993), concebidos de forma interdisciplinar e interdepartamental. Visou titular e formar docentes e profissionais atuantes nas áreas de saúde e ambiental. Comunidade em geral, de grande importância para o cenário da Amazônia, região esta, na década de 1980, sob intensa pressão política e econômica (PIGNATTI; MARTINS, 1999).

As áreas de concentração do Programa de Pós Graduação em Saúde e Ambiente estavam relacionadas com as seguintes disciplinas: Etnobotânica, Epidemiologia e Processo Saúde-Doença, Farmacologia, Química ambiental e Saúde e Sociedade. Embora sediado no Instituto de Saúde Coletiva e reconhecidos pela CAPES na área de Saúde Coletiva, o Programa de Pós Graduação não possuía nos seus quadros de docentes doutores suficientes oriundos do Departamento de Saúde Coletiva, por isso contou com a parceria de professores de outras unidades da UFMT e externos, convidados pela área.

Na década de 1990, dos cinco docentes do DSC da UFMT em capacitação para doutorado, somente um retornou com doutoramento, que foi realizado no Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade de Campinas, UNICAMP-SP (1998), abriu a linha de pesquisa em Políticas de Saúde e passou a orientar dissertações de mestrado nessa temática.

3 A Medicina Preventiva e Social adotou a História Natural da Doença como forma de compreender e de intervir sobre as doenças infecciosas. O foco dessa abordagem se restringia aos aspectos biológicos da doença, do individuo e do ambiente. Não considerava, na analise, as dimensões sociais, culturais e econômicas que envolvem os processos de saúde e de adoecimento.

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No âmbito de atuação nas ações diretas relacionadas à implantação do SUS em Mato Grosso, a formação acadêmica de três docentes foi interrompida para serem cedidos pelo ISC para assunção de cargos de direção superior junto a diferentes instâncias administrativas do SUS estadual, inclusive a gestão da Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso no governo Dante de Oliveira (1995-2002).

Registra-se a tensão entre os interesses da academia, de expansão da pós-graduação e a condução da política estadual de saúde, nesta fase decisiva para a implantação do Sistema Único de Saúde em Mato Grosso, marcada pela disputa por profissionais qualificados. Nesse contexto, ganhou a gestão da SES por ser capaz de imprimir políticas pioneiras para a definição do SUS estadual. No âmbito do Instituto, essa situação implicou em docentes cedidos e no retardamento da abertura de novas linhas de pesquisa na pós-graduação stricto sensu (UFMT, 1995; DUARTE et al., 2012).

Por iniciativa da Associação de Universidades da Amazônia (UNAMAZ) e do International Development Research Center (IDRC) do Canadá foi desenvolvido um projeto sobre a “Avaliação de impactos sobre a saúde e ambiente na Amazônia”. Com participação de pesquisadores vinculados ao Curso, esse projeto resultou, em 1992, na formulação de um Programa Regional que tinha por objetivo, estabelecer uma rede entre os oito países do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) para contribuir com o estudo e a prevenção dos impactos negativos na Saúde e no Ambiente das populações amazônicas, mediante a formação de pesquisadores e profissionais nessa temática e cooperação científico-tecnológica entre os membros (PIGNATTI; MARTINS, 1999).

A inclusão do Instituto de Saúde Coletiva – como um Centro Nacional de Referência no Brasil – propiciou não só intercâmbios do ISC com instituições canadenses, mas também a oferta pelo referido Instituto de diversos cursos de capacitação, especialização em Avaliação de Impacto em Saúde e Ambiente e a organização de três Simpósios sobre Saúde e Ambiente na Região Amazônica (1996, 1998, 2000).

A produção de pesquisas oriundas das dissertações e teses dos cursos de especialização e mestrado do ISC/UFMT foi publicada na revista “Saúde e Ambiente”, organizada e editada pelo Instituto de Saúde Coletiva, que priorizava artigos temáticos sobre os efeitos ambientais da queimada, da contaminação por mercúrio e agrotóxicos, entre outros, na saúde humana (UFMT, 2000).

Editada no período de 1998 a 2002, essa revista de circulação bimestral, foi extinta próxima a atingir a pontuação Qualis. Concomitantemente, aconteceu o descredenciamento do curso de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Saúde e Ambiente, pela CAPES, a mesma instituição de pesquisa que, paradoxalmente, titulou no período compreendido entre 1993

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a 2002, cerca de 130 mestres, dentre estes professores da UFMT. Dos seis doutorandos matriculados no Programa, quatro concluíram seus estudos em outras instituições. Os avaliadores da área de Saúde Coletiva da CAPES alegaram que os cursos oferecidos pelo ISC/UFMT haviam se distanciado do eixo da Saúde Coletiva, entre outras questões (UFMT, 2001).

No âmbito geral das universidades públicas federais, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o MEC restringiu o financiamento direto para o desenvolvimento de pesquisas e de cursos. Como alternativas frente a tais restrições, foram criadas o que foi chamado de Fundação de Apoio, para buscar recursos de fontes públicas e privadas para financiar atividades de ensino e pesquisa. Entre outras medidas, uma das mais cruéis desse período, foi a de concentrar em Centros de Excelência do Sul e do Sudeste, os financiamentos às pesquisas. Por articulação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) e outros, esse projeto foi parcialmente implantado, com continuidade e menor ênfase durante o governo Lula (ANDES, 2006; D’INCAO, 2001).

A partir de 1990, os Conselhos de Saúde integraram o arcabouço jurídico do Sistema Único de Saúde (SUS). Os Conselhos são instâncias deliberativas (dos níveis federal, estadual e municipal de governo), suas atribuições estão definidas em lei e são compostos por representações governamentais, não-governamentais e de usuários do SUS. A representação dos usuários (50%) é paritária aos demais segmentos.

No Estado de Mato Grosso, o Conselho Estadual de Saúde foi estabelecido em 1992, após intensos conflitos entre governantes executivos estaduais, representantes no poder legislativo, entidades representativas de classes profissionais, usuários e movimentos populares. No decorrer dessa década, o Conselho Estadual ganhou força política, enquanto o Conselho Municipal tornava-se dependente da perspectiva político-ideológica partidária dos Secretários de Saúde (SOARES, 2012). Registram-se oscilações e conflitos estabelecidos devidos aos interesses das forças políticas.

No âmbito da Reforma do Estado, (1995) visando o ajuste fiscal e o alcance de maior eficiência das políticas sociais, o governo incentivou a formação de ONGs (Organizações Não Governamentais), organizações da sociedade civil com fins públicos, para a execução dos serviços e ou programas sociais, que depois foram transformadas em OSCIPS (Organização Civil Pública), por decreto presidencial. Muitas dessas organizações tornaram-se braços do governo para a execução de suas políticas governamentais (PIGNATTI, 2005).

Os movimentos sociais na área da saúde se institucionalizam. Nessa década, em Mato Grosso, o Movimento Popular de Saúde (MOPS) ligado à Pastoral da Saúde da igreja católica e o Grupo de Saúde Popular (GSP), passaram a entidade jurídica, não governamental, de caráter filantrópico e com a finalidade de realizar ações de assessoria e de articulação entre serviços de saúde e movimentos sociais (SOARES, 2012).

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Os ideólogos da Reforma Sanitária, lotados no Ministério da Saúde, passaram a ser executores das políticas de implementação e consolidação do SUS, por meio das Normas Operacionais Básicas (NOBS) e outras regulamentações que fortaleceram o processo de municipalização da Saúde (SCATENA; TANAKA, 2001;). Dos municípios brasileiros, 99% haviam se habilitado em uma das formas de gestão dos sistemas municipais de saúde, propostas pela NOB 1996, ao final de 2000 (LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2003). Consequentemente, o Ministério divulgou editais públicos para formação e capacitação de profissionais de saúde. Foi neste contexto, que o ISC buscou recursos para a execução de cursos de Especialização em consonância com a implementação das Políticas de Saúde no Estado de Mato Grosso.

Com o processo de municipalização e descentralização das ações de Saúde no SUS, as práticas ligadas ao ensino no campo da Saúde Coletiva, em disciplinas e estágios dos cursos de graduação em Medicina, Enfermagem e Nutrição da UFMT, que na década anterior, eram realizadas no Centro de Saúde Escola passaram a serem feitas na rede municipal de Serviços de Saúde.

No final dessa década, o Internato Rural, um estágio realizado pelos formandos em Medicina, passou a ser realizado em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde e o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Teles Pires e contribuiu para a construção da Estratégia da Saúde da Família, em Sorriso (NEVES; SPINELLI, 2008). Mais tarde, os convênios foram celebrados diretamente com os municípios mato-grossenses (UFMT, 2010b).

Anos dois mil: saúde coletiva na pós-graduação e graduação

O crescimento econômico do Estado de Mato Grosso, decorrente do modelo exportador de grãos, atinge seu auge na década de 2000 e, no mesmo nível, a voracidade do agronegócio em diversificar seus investimentos, para além da concentração fundiária.

No ano de 2010, o estado de Mato Grosso foi apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) como o maior produtor de soja (15 milhões de toneladas) e algodão em pluma (1,1 milhão de toneladas), o segundo maior produtor de arroz (1,7 milhão de toneladas), o quinto produtor de cana-de-açúcar e o sétimo de milho, além de responder pelo maior rebanho de corte nacional.

No período compreendido entre 2002 a 2010, no contexto do governo estadual de Blairo Maggi, um dos maiores produtores individuais de soja da América Latina, os ruralistas se impuseram em todas as esferas da administração pública estadual. No caso da Saúde, tomaram assento nos principais cargos

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públicos, os administradores das empresas privadas havendo uma ruptura no papel da Secretaria de Estado da Saúde, como indutora das políticas de saúde compromissadas com o SUS e, consequentemente, o esvaziamento do papel do Conselho Estadual de Saúde. Neste período, não houve expansão de hospitais públicos, permanecendo a predominância do setor privado na esfera da assistência hospitalar. Construiu-se assim, um terreno fértil para a propositura de modelo privado de gestão dos hospitais públicos por meio das Organizações Sociais (OSs), pelo governo seguinte de Sinval Barbosa (2010-2014). Em que pese à expansão de equipes de Saúde da Família e Atenção Básica nos municípios do Estado de Mato Grosso, este programa não tem conseguido, romper com o modelo biomédico, e não tem alcançado os índices de resolutividade esperada nessa esfera de atenção.

Na Universidade Federal de Mato Grosso, ganham visibilidade e importância estratégica os cursos de pós-graduação stricto sensu nas áreas de agronomia, veterinária e economia, subsidiando em parte o desenvolvimento de tecnologias para o agronegócio. Na área da Saúde são criados cursos de pós- graduação sticto sensu em Enfermagem, Nutrição e Ciências da Saúde, sendo este último nas modalidades de mestrado e doutorado (UFMT, 2012). Neste contexto, o ISC formula novo projeto de pós-graduação stricto sensu em Saúde Coletiva, contemplando as áreas básicas do campo: Epidemiologia, Políticas e Planejamento em Saúde e Ciências Sociais em Saúde. Os investimentos na capacitação dos docentes e na área de pesquisa em Saúde e Ambiente foram reestruturados após alguns anos, em Grupos de pesquisas e linhas de concentração atendendo a estrutura do novo Curso de Mestrado.

Destaca-se, nessa década (2000-2010), a inserção de pesquisadores do ISC em projeto interdisciplinar coordenado pela área de Ecologia da UFMT, no Programa Ecológico de Longa Duração – PELD Pantanal (UFMT/CNPq) no período de 2003-2011, com o subprojeto 19: Vigilância e Promoção da Saúde da população do entorno da Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN do Serviço da Indústria e Comércio – SESC - Pantanal (PIGNATTI, 2011).

Visando o escoamento da produção agrícola mato-grossense, os planos do governo Lula (2002-2010) priorizaram a melhoria da estrutura viária na região produtora. Ao compatibilizar com essa ação do governo, o Edital DECIT/CNPq induzia a relacionar pesquisa com o mote do desenvolvimento sustentável e oferecia financiamento de pesquisas com questões relacionadas à Saúde, na área de influência da BR-163. Esse Edital permitiu a realização de pesquisas mais amplas, desenvolvidas no período de 2007 a 2009, que contemplaram diversas linhas de concentração do Mestrado de Saúde do ISC/UFMT e alimentaram três grupos de pesquisa desse Instituto, a saber: Grupo de nutrição e insegurança alimentar;

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Grupo de políticas e avaliação de programas de saúde com ênfase na Atenção Básica e Grupo de estudos ambientais e Saúde do Trabalhador (UFMT, 2009a). Com o retorno de professores Doutores ao magistério, outras linhas de pesquisas foram sendo paulatinamente incorporadas em projetos individuais ou coletivos.

Salienta-se, também, a participação de pesquisadores e docentes do ISC na execução de Projetos nas áreas de Avaliação e monitoramento de impactos na saúde e doenças endêmicas na região atingida pela barragem da Usina Hidrelétrica de Manso (1999 a 2005) e no programa de Assistência à Saúde Indígena (2003-2008), todos em Convênios com a Fundação Uniselva.

No tocante ao NDS, novas formas de assessoria aos serviços foram sendo implementadas, através de convênios tríplices: Ministério da Saúde, Instituto de Saúde Coletiva e Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso (COSEMS/MT). A Fundação Uniselva vem atuando, até os dias atuais, como executora financeira. O ISC tem contado com a cooperação de técnicos dos Serviços estaduais e municipais de saúde, via convênios, na execução dos novos projetos. Por essa forma, foram desenvolvidos Cursos de Desenvolvimento Gerencial do SUS (CDG-SUS), seis cursos de Especialização em Gestão de Sistema e de Serviços de Saúde e um curso de Especialização em Políticas de Saúde (UFMT, 2010b).

A discussão sobre a formação na graduação em Saúde Coletiva começou a ter ressonância interna a partir da participação de docentes em Fóruns Nacionais da Saúde (BOSI; PAIM, 2010) e da consolidação do Mestrado em Saúde Coletiva.

Nesse processo, a construção de um perfil didático pedagógico foi compreendida como derivada de vários elementos nos quais se incluíam: a) a necessidade de articulação entre ensino, realidade social e saúde regional; b) a articulação desse novo profissional com as demais profissões da área da saúde; e c) a interdisciplinaridade, como mediadora na intervenção dos problemas de saúde das populações em suas realidades sociais e econômicas, pautada no paradigma sanitário. Esses elementos, construtores de um modelo valorizador da integração setorial, profissional e comunitária, passaram a exigir novos saberes e práticas em saúde, o uso de metodologias diferenciadas e instrumentos de ação orientados por uma visão ampliada de saúde e o resgate da universalidade, equidade e integralidade (UFMT, 2009b).

Tendo em vista esse paradigma, a identificação e a análise das fragilidades, dos problemas e das necessidades dos diferentes grupos atuarem com fundamentos do planejamento e da implantação de ações em saúde e com princípios pautados em uma consciência político-ideológico-sanitária entre profissionais e usuários dos serviços de saúde (CASTELLANOS, 1995), é que foi elaborado o Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Saúde Coletiva.

Corroborou com esta perspectiva, o MEC, em 2001, ao aprovar as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos da área da Saúde, recomendando a articulação

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entre as políticas do Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. Segundo essa proposta, a formação dos profissionais de saúde deve sempre contemplar as necessidades sociais de saúde, com ênfase no SUS e atender as competências relacionadas com as novas funções da Saúde Pública (BOSI; PAIM, 2010).

Com base no acima exposto, conclui-se que a graduação em Saúde Coletiva implica a antecipação da formação do “sanitarista”, cujo perfil contempla um conjunto de competências gerais relacionadas à área de saúde. Sua formação deve então receber tanto a contribuição das Ciências Sociais em Saúde para fazer a análise crítica das questões econômicas sociais relacionadas ao processo saúde-doença-cuidado, quanto o compromisso com as ações emanadas pela Reforma Sanitária e pelos princípios do Sistema Único de Saúde.

No tocante à especificidade técnica, espera-se que os graduados, imbuídos pela postura ética em Saúde Coletiva, sejam capazes de: analisar e monitorar a situação de saúde; fazer planos, programação, gestão e avaliação de sistemas e serviços de saúde; estabelecer ações para promoção da saúde e prevenção de riscos e agravos à saúde; e gerenciar os processos de trabalho coletivo em saúde.

Sobre o mercado de trabalho para o profissional graduado em Saúde Coletiva, espera-se a inserção desses egressos no âmbito político-gerencial e no técnico-assistencial em Saúde. Espera-se, ainda, que os profissionais de Saúde Coletiva possam se responsabilizar pelas práticas de formulação de políticas, gestão, planejamento e avaliação de sistemas e serviços de saúde. Conta-se, inclusive, com a contribuição deles para o fortalecimento das ações de promoção da saúde e das ações de vigilância ambiental, sanitária e epidemiológica e de outras ações estratégicas, para a consolidação do processo de mudança do modelo de atenção (UFMT, 2009b).

O Projeto do Curso de Graduação em Saúde Coletiva do ISC/UFMT foi aprovado no ano de 2009. O novo Curso de Graduação tem entrada semestral e funcionamento noturno para atender prioritariamente o estudante trabalhador. A sua primeira turma foi iniciada no primeiro semestre de 2010. A responsabilidade institucional com a formação e inserção destes profissionais no mercado de trabalho se fazem imperativas.

Desafios e perspectivas futuras do ISC

Do ponto de vista da manutenção dos programas de graduação, pós-graduação sticto sensu e lato sensu, das pesquisas e extensão – a colonização dos espaços públicos de saúde pelo poder e dinheiro rompe com o sentido da produção acadêmica, de formar pesquisadores críticos e comprometidos com a saúde e a qualidade de vida da população.

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As dificuldades para a manutenção dos Cursos de pós-graduação stricto sensu, pontuados principalmente pelo número de publicações do corpo docente permanente, produzem e reproduzem uma esquizofrenia institucional coletiva na busca não mais da produção do conhecimento, mas na reprodução do mesmo (CASTIEL; SOUZA-VALERO; RED, 2007).

Assim, o Instituto de Saúde Coletiva, que nasceu no ideário da Reforma Sanitária Brasileira, tomou-a como referência para a implementação do SUS no Estado de Mato Grosso e a produção de pesquisas acadêmicas comprometidas com as mudanças sociais. Paulatinamente se transforma e se institucionaliza nos preceitos das Políticas Educacionais, de Pesquisa e de Saúde ditadas para a formação de profissionais e pesquisadores no campo.

Como partícipes da Reforma Sanitária Brasileira, docentes do Instituto de Saúde Coletiva guardam o compromisso com a defesa do SUS e do meio ambiente. A exemplo disso, em 2011, o ISC atuou como um dos organizadores do Fórum Nacional contra o Uso de Agrotóxicos e pela Vida. E junto com os profissionais de saúde, com o Sindicato dos Médicos participou da discussão sobre e contra as Organizações Sociais de Saúde (OSs) na gestão dos hospitais públicos de Mato Grosso. Ao reativarem o núcleo do Centro de Estudos Brasileiro de Saúde (CEBES)4 regional reiniciam, de forma ainda que incipiente, a defesa dos serviços públicos e da qualidade de vida.

Os novos ventos trazidos com a renovação dos quadros de docentes e a formação de novos sanitaristas quiçá ressignifiquem o propósito da esquerda de busca da equidade social em saúde e o cumprimento da Missão institucional do ISC, de: “Garantir a formação de profissionais e a produção de conhecimento científico no campo da saúde coletiva, por meio do ensino, pesquisa e extensão, visando a qualidade de vida da população.”

Agradecimentos aos que escreveram parte desta história e formaram o ISC em 1992

Docentes: Ângelo Figueiredo, Benedito de Figueiredo (in memoriam); Edna Massae Yoko, Elias Nogueira Peres, Elisete Duarte, Enelinda Scalla, Erotides Botelho, Gilney Viana, Janil de Azevedo, Joana D’Arc Almeida, Joana D’Arc Silva, João Henrique Scatena, José Rondon, Júlio S. Müller Neto, Lenir Vaz

4 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, criado em 1976, na 32º Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, visando a democratização e reconstrução do pensamento em saúde (PAIM, 2008).

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Guimarães, Márcia Lotufo, Maria Angélica dos Santos Spinelli, Maria Clara Weiss, Maria Helena Rosa, Maria Sílvia Martins, Maria Virgínia Ventura, Maria Yolanda e Silva, Mário Favalesca, Marta Gislene Pignatti, Nagib Sadi (in memoriam), Ricardo Rodrigues (in memoriam), Rubens Apoitia, Sérgio Henrique Allemand Motta, Severino Márcio Meirelles (in memoriam), Vicentina Santana, Waldir Bertúlio e Wanderlei Pignati.

Técnicos: Delma Perpétua, Hailton Pinho, José Tomé (in memoriam), Jurema Morbec e Nina Rosa Ferreira Soares.

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CASTELLANOS, P. L. Sobre o conceito de saúde/doença: descrição e explicação da situação de saúde. Tradução de Eliana F. Ferreira. In: SÓRIO, Rita Elisabeth da Rocha (Org.). Planejando a saúde no município: proposta metodológica para capacitação. Rio de Janeiro: IBAM-ENSUR, Núcleo de Saúde, 1995. p. 29-36.[Convênio IBAM/FNS].

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______. ______. Folheto Criação ISC. Cuiabá: EdUFMT, 1992.

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______. ______. Coordenação Curso de Mestrado. Relatório Avaliação Capes. Cuiabá: EdUFMT, 2001.

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______. ______. Relatório de Pesquisas. Cuiabá: EdUFMT, 2009a.

______. ______. Proposta Político Pedagógica do Curso de Graduação em Saúde Coletiva. Cuiabá: EdUFMT, 2009b.

______. ______. Relatório de Gestão Biblioteca Setorial. Cuiabá: EdUFMT, 2010a.

______. ______. Departamento de Saúde Coletiva. Relatórios de Estágios 2000-2010. Cuiabá: EdUFMT, 2010b.

______. Pró reitoria de pós graduação. Cursos de Mestrado e doutorado da UFMT. Disponível em: <http//www.ufmt.br>. Acesso em: jun. 2012.

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PARTE II

Gestão do Trabalho

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Gestão do trabalho em saúde: a evolução do conceito e suas implicações para o setor saúde no Brasil 1

Maria Helena Machado 2

Wilson Aguiar Filho 3

Introdução

Embora a tentativa de coordenar a capacidade de trabalho das pessoas tenha existido desde a antiguidade, somente no final do século XIX “é que essa questão assume a relevância necessária para merecer uma sistematização dos conhecimentos acumulados até então.” (DUTRA, 2009, p. 27).

A história da gestão de recursos humanos tem como marca o período conhecido como Revolução Industrial, “que se iniciou na Inglaterra por volta de 1730, com a substituição progressiva do sistema artesanal pelo sistema fabril, por meio da introdução de máquinas capazes de realizar tarefas antes dependentes do esforço humano.” (AGUIAR FILHO, 2012, p. 20).

Mas é nos Estados Unidos que a industrialização vai florescer e tornar-se realidade e onde também ocorrerá o primeiro movimento visando proporcionar fundamentação teórica às atividades administrativas para substituir a improvisação e o empirismo então existentes. Com efeito, é no início do século XX que a gestão de recursos humanos se estrutura, “com base na Escola de Administração Científica. Esse fato condiciona a gestão de pessoas durante todo o século XX aos paradigmas de gestão criados por esse movimento na história da administração.” (DUTRA, 2009, p. 28).

Os protagonistas desse processo foram Frederick Taylor (1856-1915) e Henry Ford (1863-1947) nos Estados Unidos e o francês Jules Henri Fayol (1841-1925), que objetivaram com suas medidas:

1 Artigo oriundo do Capítulo 2 da Dissertação de Mestrado elaborada por Wilson Aguiar Filho, sob o título A gestão do trabalho em saúde no MERCOSUL (Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz, 2012).

2 Doutora em Sociologia, Socióloga, Pesquisadora Titular da ENSP/FIOCRUZ, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recursos Humanos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (NERHUS/ENSP/FIOCRUZ) e da Estação de Trabalho ObservaRH/ENSP/FIOCRUZ.

3 Mestre em Saúde Pública, Enfermeiro, Pesquisador Colaborador do NERHUS/ENSP/FIOCRUZ e da Estação de Trabalho ObservaRH/ENSP/FIOCRUZ.

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[...] diminuir as ações provenientes do conhecimento puramente empírico da sua força de trabalho. Com seus estudos de tempos e movimentos, Taylor pretendia racionalizar os esforços empregados nos processos de produção em busca de maior produtividade. Ford defendeu a especialização do trabalho, designando cada funcionário a uma função única com a contrapartida de bons salários e menor jornada de trabalho. (CABRAL, 2010, p. 4).

Na visão de Taylor, o operário não teria capacidade, nem formação, nem meios para analisar cientificamente o seu trabalho e estabelecer racionalmente qual o método ou processo mais eficiente. Até o advento da Administração Científica, era comum o supervisor deixar ao arbítrio de cada operário a escolha do método ou processo para executar o seu trabalho, para encorajar sua iniciativa. Porém, com a Administração Científica, a administração (gerência) passou a se responsabilizar pelas atividades de planejamento (estudo minucioso do trabalho do operário e o estabelecimento do método de trabalho) e de supervisão (assistência contínua ao trabalhador durante a produção) - e o trabalhador ficou somente com a execução do trabalho. Essa tentativa de substituir métodos empíricos e rudimentares pelos métodos científicos, segundo o preconizado por Taylor, recebeu o nome de Organização Racional do Trabalho.

Henry Ford, fundador da Ford Motor Company, aplicou, na sua fábrica, os princípios de racionalização do trabalho defendidos pelo taylorismo:

A introdução das chamadas linhas de montagem, por Ford, foi uma das técnicas por ele concebidas que vieram a revolucionar a industrialização. Nas linhas de montagem, utilizadas até hoje em vários setores, principalmente na indústria automobilística, o processo produtivo é dividido em estações de trabalho e o produto a ser fabricado vai passando de uma estação para outra, aonde vai recebendo as peças e acabamentos necessários. (AGUIAR FILHO, 2012, p. 21).

Com isso, Ford tinha condições de produzir uma grande quantidade de automóveis (um a cada 98 minutos), a baixo custo, além de poder oferecer salários mais atrativos a seus funcionários – 5 dólares por dia, quando o salário nessa época (1914) era a metade desse valor.

Por sua vez, o pensamento administrativo de Fayol fundamentava-se em quatorze princípios básicos (PEARSON EDUCATION DO BRASIL, 2010, p. 7): 1. divisão do trabalho - especialização dos funcionários em todos os níveis –

desde o topo da hierarquia até os operários – aumentando dessa forma a eficiência e a produtividade;

2. autoridade e responsabilidade - autoridade é o direito dos superiores de darem ordens e exigir obediência e responsabilidade é a contrapartida da autoridade, devendo haver um bom equilíbrio entre ambos;

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Gestão do trabalho em saúde: a evolução do conceito e suas implicações para o setor saúde no Brasil

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3. unidade de comando - cada empregado deve receber ordens de apenas um chefe, evitando, dessa forma, contraordens;

4. unidade de direção - o controle único é possibilitado através da aplicação de um plano para grupo de atividades com os mesmos objetivos;

5. disciplina - de fundamental importância, uma vez que sua ausência gera o caos na organização;

6. subordinação dos interesses individuais aos interesses gerais da organização;

7. remuneração - deve ser justa, de modo a garantir a satisfação dos funcionários e da própria organização;

8. centralização - a concentração da autoridade encontra-se no nível mais alto da hierarquia da organização;

9. hierarquia ou cadeia escalar - também conhecido como princípio de comando, em que a linha de autoridade vai do escalão mais alto ao escalão mais baixo;

10. ordem - na organização, existe um lugar para cada coisa e cada coisa deve estar em seu lugar;

11. equidade - a justiça deve prevalecer em toda a organização, justificando, dessa forma, a lealdade do funcionário para com a empresa;

12. estabilidade dos funcionários - a rotatividade de funcionários acarreta consequências negativas sobre a eficiência da organização;

13. iniciativa - a capacidade de estabelecer um plano e assegurar que o mesmo será cumprido; e

14. espírito de equipe - necessidade de haver harmonia e união entre as pessoas, pois isso acaba se refletindo de maneira positiva para o sucesso da organização.Importante registrar que, em 1890, surge nos Estados Unidos o primeiro

Departamento de Pessoal no mundo, formado pela empresa norte-americana NCR. Nota-se também que, até a segunda década do século XX, várias empresas de grande porte já tinham seguido o modelo de administração científica e implantado seus personnel offices. Contudo, a função desses departamentos se limitava a selecionar, treinar e controlar os trabalhadores segundo os métodos científicos do taylorismo.

Apesar dos conceitos defendidos pela Escola de Administração Científica terem influenciado, de maneira significativa, as teorias existentes sobre a gestão de recursos humanos que conhecemos, seus fundamentos passaram a sofrer críticas e são colocados atualmente em cheque. Na análise de Barros Neto (2006), a crise de 1929, a disseminação dos princípios democráticos no mundo ocidental

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e a Primeira Guerra Mundial foram responsáveis pela deflagração da crise do modelo proposto pela Escola de Administração Científica. Nesse contexto, já não se conseguia resolver os novos problemas enfrentados pelas organizações com a aplicação dos pressupostos preconizados pela referida Escola.

A isso se soma a crítica feita à Escola de Administração Científica no que concerne a sua proposta de divisão radical entre os gerentes, responsáveis pelo planejamento das tarefas e os operários, que deveriam executá-las sem questionamentos. Essa filosofia vai se intensificar na indústria norte-americana com a introdução da linha de montagem, símbolo máximo do fordismo (PEARSON EDUCATION DO BRASIL, 2010).

Assim, começa a se estruturar o novo movimento na teoria da Administração, em decorrência da necessidade de adaptar o homem ao trabalho e o trabalho ao homem, de forma a considerar os aspectos de comunicação, motivação, características pessoais e de personalidade, fatores estes que até então, não eram levados em conta pela Escola de Administração Científica (BARROS NETO, 2006), a inaugurar o que foi denominado Escola das Relações Humanas, Teoria das Relações Humanas ou Abordagem Humanística à Administração. Coube ao psicólogo australiano Elton Mayo (1890-1949) lançar as bases dessa teoria, constituída a partir das experiências realizadas na fábrica da Western Eletric, em Hawthorne, Chicago, no período compreendido entre os anos de 1927 a 1932.

De acordo com Aguiar Filho (2012, p. 22):

Mayo, um dos especialistas que participou do estudo, demonstrou em sua teoria a importância de fatores psicológicos e sociais na produção e a consequente valorização das relações humanas no trabalho, o que fez com que temas como comunicação, motivação, liderança e tipos de supervisão passassem a ser também considerados na Administração de Recursos Humanos.

Surge, então, em oposição à visão cientificista, a visão humanista. Para Cabral (2010, p. 6), a crítica da nova corrente humanista centrava-se na substituição do homo economicus 4 como modelo de natureza humana, ao modelo do homo socialis. Segundo o mesmo autor, três características principais definem esse modelo:

4 O conceito de homo economicus é uma das ideias centrais da Administração Científica, uma vez que considerava o ser humano como um ser simples e previsível, cujo comportamento não variava muito. Para garantir uma boa produtividade, iniciativas como a adoção de incentivos financeiros adequados, constante vigilância e treinamento eram consideradas suficientes (CABRAL, 2010, p. 5).

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1. o comportamento humano não pode ser reduzido a esquemas simples e mecanicistas;

2. o homem é, a um só tempo, condicionado pelo sistema social e pelas demandas de ordem biológica; e

3. apesar das diferenças individuais, todo homem possui necessidades de segurança, afeto, aprovação social, prestígio e autorrealização.A Teoria das Relações Humanas também sofreu severas críticas

quanto às suas conclusões, sendo a principal delas, a limitação do seu campo experimental, uma vez que as pesquisas realizadas em Hawthorne concentraram-se em campos muito pequenos de variáveis, e muitas não foram levadas em consideração, quando da fase de realização de seus experimentos. Isso contribuiu para o enfraquecimento dessa teoria.

Na década de 1960, surge nova teoria nominada Administração de Recursos Humanos:

[...] quando essa nomenclatura passou a substituir as então utilizadas nas organizações, em especial, ‘Administração de Pessoal’. É dessa época que as empresas começam a fazer a mudança gradual da denominação ‘Departamento de Pessoal’ por ‘Departamento de Recursos Humanos’, embora a adoção dessa denominação, na verdade, estivesse mais relacionada ao interesse das organizações de apresentarem uma característica de modernidade do que propriamente realizarem uma mudança de modelos organizacionais, no que concerne a recursos humanos, uma vez que os princípios da Administração Científica continuavam a ser amplamente aceitos e aplicados (AGUIAR FILHO, 2012, p. 23).

Segundo Aguiar Filho (2012, p. 23), seu surgimento ocorreu:

[...] com a introdução de conceitos originários da Teoria Geral dos Sistemas à gestão de pessoas. Essa teoria teve origem a partir dos estudos do biólogo alemão Ludwig Von Bertalanfly, que verificou que certos princípios de algumas ciências poderiam ser aplicadas a outras, desde que seus objetivos pudessem ser entendidos como sistemas (AGUIAR FILHO, 2012, p. 23).

Para Gil (2010, p. 20-21) esse fato:

[...] fez com que ciências tidas como completamente estranhas entre si, em virtude de sua especialização, pudessem ser vistas por uma ótica integradora. Por outro lado, alguns cientistas passaram a desenvolver uma Teoria Geral dos Sistemas que evidenciasse as semelhanças entre as ciências. Essa preocupação iniciou-se no âmbito da Física e da Biologia, passando para as Ciências Sociais, notadamente para a

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Administração, que foi a que mais contribuiu para a Teoria Geral dos Sistemas, a ponto de tornar-se comum a classificação das atividades administrativas em sistemas: de produção, de comercialização, de recursos humanos etc.

De acordo com Gil (2010), Batalanfly advoga que qualquer conjunto de partes unidas entre si, pode ser considerado um sistema, desde que as relações entre elas e o comportamento do todo sejam o foco da atenção. Transpondo essa ideia para a área de administração entende-se que, uma organização pode ser considerada como um sistema, uma vez que ela é constituída por elementos que interagem entre si e que funcionam como uma estrutura organizada. E, nesse contexto, podemos entender a Administração de Recursos Humanos como uma abordagem sistêmica da Administração de Pessoal.

Entretanto, conforme afirma Gil (2010), o fato das empresas possuírem em sua estrutura um departamento de recursos humanos, isso não significa que estas desenvolvam a gestão sistêmica de seu pessoal, pois essa designação pode servir apenas para conferir ares de modernidade às organizações, enquanto as atividades relativas à pessoal continuam restritas às rotinas trabalhistas e disciplinares.

Dos recursos humanos à gestão do trabalho em saúde

A década de 1980 é, sem dúvida, uma década de grandes transformações no mundo. A globalização da economia, a evolução das comunicações, o desenvolvimento tecnológico, a competitividade acentuada entre as corporações, por exemplo, levaram as empresas a enfrentar uma série de desafios, principalmente de natureza organizacional e ambiental.

O Brasil não ficou imune a essas transformações. Explicando, com a reforma de Estado ocorrido na década de 1990, sob a influência particularmente do Banco Mundial, o Brasil passa a experimentar grandes mudanças na sua estrutura organizacional de suas instituições, com consequências dramáticas para seu pessoal, como a reengenharia e a terceirização, introduzidas com devastadora intensidade.

Na análise de Aguiar Filho (2010, p. 24):

[...] as próprias instituições públicas não escaparam dessas experiências, realizadas na década de 1990, no governo Collor de Mello e mais especificamente, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), a partir da Reforma do Estado Brasileiro, levada a cabo pelo então Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), com extinção de estruturas, demissão de servidores e terceirização de serviços considerados não típicos do Estado, com efeitos danosos sobre as instituições.

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Para Gil (2010, p. 23), as críticas a esses procedimentos, aliadas a novas concepções acerca do papel dos indivíduos nas organizações, determinaram:

[...] a partir da década de 90, sérios questionamentos à forma como vinha sendo desenvolvida a Administração de Recursos Humanos nas organizações. Dentre as várias críticas, uma das que geraram maiores repercussões seria exatamente à terminologia adotada para designá-la.

Isso porque o termo em questão, Administração de Recursos Humanos, implicava na percepção de que as pessoas que trabalham numa organização são apenas mais um recurso, ao lado dos recursos materiais e financeiros. Tal visão levava à ideia de que esses recursos deveriam ser mais bem administrados, para obter-se deles o máximo rendimento possível, sendo, dessa maneira, considerados também parte do patrimônio da organização.

Nos estudos realizados por Chiavenato, já no fim da década de 1990, surge o conceito de Gestão de Pessoas em substituição ao de Administração de Recursos Humanos que recomenda que as pessoas que trabalham na organização devem ser vistas como:

[...] fornecedoras de conhecimentos, habilidades, capacidades e, sobretudo, o mais importante aporte para as organizações – a inteligência, que proporciona decisões racionais e imprime o significado e rumo aos objetivos globais. Desse modo, as pessoas constituem o capital intelectual da organização. As organizações bem sucedidas se deram conta disso e tratam seus funcionários como parceiros do negócio e não mais como simples empregados contratados. (CHIAVENATO, 1999, p. 7).

Desta forma, Gestão de Pessoas é vista como “a função gerencial que visa à cooperação das pessoas que atuam nas organizações para o alcance dos objetivos tanto organizacionais quanto individuais.” (GIL, 2010, p. 17). As principais diferenças entre as duas abordagens – de Administração de Recursos Humanos e a de Gestão de Pessoas – relativas ao papel das pessoas na organização, podem ser observadas na Figura 1, segundo a ótica de Chiavenato (1999) sobre essa questão.

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Figura 1 - As pessoas são recursos ou parceiros da organização? Fonte: Chiavenato (1999, p. 7).

Não resta dúvida que a visão associada ao papel das pessoas nas organizações evoluiu bastante desde o início do século XX até o tempo presente, passando de um mero executor de tarefas e funções até a concepção atual, onde o profissional é um colaborador da instituição, comprometido e responsável com o sucesso da mesma. Entretanto, para que essas mudanças surtam efeito, é necessário que as instituições se recriem, através da modificação de sua cultura organizacional, sendo necessário, no campo da gestão de pessoas, a adoção de políticas de valorização de seus profissionais, o que não parece ser uma prática existente nas abordagens modernas sobre essa questão.

No que concerne à área da saúde, a gestão de pessoas não deixará de sofrer as influências das correntes descritas anteriormente, sendo que o enfoque da Administração de Recursos Humanos preponderante até período relativamente recente reduz as instâncias de recursos humanos nas instituições de saúde, em sua grande maioria, a atuarem como meros departamentos de pessoal.

Em artigo publicado, Machado, Moysés e Lemos (2012, p. 19) destacam as seguintes recomendações levantadas pelas pesquisas realizadas pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde e pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ambas publicadas5 em 2004:

5 Para conhecer os resultados das referidas pesquisas, consultar: CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Recursos Humanos: um desafio do tamanho do SUS. Brasília: CONASS, 2004. (Documenta; 4) e PIERANTONI, C. R. P. et al. Capacidade gestora em municípios com menos de 100.000 habitantes. Rio de Janeiro: Rede Observatório de Recursos Humanos - Estação de Trabalho IMS, 2004.

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[...] imperiosa necessidade de estruturar as áreas de Recursos Humanos [das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde] e de qualificar suas equipes gestoras. Também foi evidenciado nas pesquisas o fato das estruturas não utilizarem sistemas de informações específicos como ferramentas de gestão. O que se tinha, segundo relatos, eram casos de secretarias estaduais e municipais que, com o intuito de modernizar seus sistemas gerenciais, acabaram comprando soluções padronizadas, as quais, muitas vezes, não atenderam às necessidades dos gestores. É fato, que esses sistemas não foram construídos para atender a gestão pública, pois não foram direcionadas para esta função, e algumas outras secretarias adotaram sistemas muito simples tornando-se meras ferramentas de cadastro funcional.

Ainda segundo os acima referidos autores:

[...] as pesquisas revelavam dificuldades semelhantes entre secretarias estaduais de saúde e secretarias municipais de saúde, independentemente da dimensão de sua força de trabalho. Havia falta de reconhecimento de sua natureza e importância política e a ausência de política institucional e permanente de qualificação dos trabalhadores de saúde, além da colocação organizacional insatisfatória da área de gestão de RH e visão ‘instrumentalizadora’ dos trabalhadores de saúde eram características comuns e prejudiciais ao sistema de saúde em construção. (MACHADO; MOYSÉS; LEMOS, 2012, p. 19).

Importante observar que, no início da década de 1990, críticas relativas ao modelo de Gestão de Recursos Humanos na área da saúde estavam visíveis, como demonstra o artigo de Paranaguá de Santana, publicado em 1993, onde enfatiza que: “as questões concernentes a recursos humanos na saúde representam um componente crítico para o delineamento de novos paradigmas gerenciais para os serviços de saúde, em especial na área pública.” (AGUIAR FILHO, 2012, p. 27).

Continuando o seu parecer, Paranaguá de Santana (1993) afirma que embora todos reconheçam, inclusive os dirigentes institucionais do setor saúde, que o desempenho de qualquer organização depende de seu pessoal, medidas concretas e eficazes dificilmente são operacionalizadas, seja por falta ou timidez das decisões políticas, seja porque os esquemas tradicionais não correspondem à complexidade e ao dinamismo dos problemas vigentes.

Recomenda o mesmo autor que, para a reversão do quadro de inoperância dos serviços de saúde, não se deve postergar a discussão e a implementação de medidas que levam em consideração:

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[...] o reconhecimento do papel central dos profissionais na vida da organização, o que implica, no plano institucional, a prática da administração participativa e, no âmbito do processo de trabalho, a abertura de espaços para a criatividade e a iniciativa do próprio trabalhador, substituindo o controle no desempenho de atividades programadas por outrem pela responsabilização para com os objetivos e as práticas institucionais. (PARANAGUÁ DE SANTANA, 1993, p. 54) 6.

Machado (2000, p. 134) também nos chama a atenção para a importância do tema Recursos Humanos, ao afirmar que:

O mundo da modernidade realça a questão de Recursos Humanos em todas as instituições que buscam a correta adequação entre as necessidades da população usuária e os seus objetivos institucionais. Pensar Recursos Humanos como eixo da estrutura organizacional significa pensar estrategicamente, pensar modernamente.

O conceito de Gestão do Trabalho, no Brasil, foi construído e se solidificou no âmbito do setor saúde, sendo uma política que trata das relações de trabalho a partir de uma concepção na qual a participação do trabalhador é fundamental para a efetividade e eficiência do Sistema Único de Saúde. Dessa forma, o trabalhador é percebido como sujeito e agente transformador de seu ambiente e não apenas um mero recurso humano realizador de tarefas previamente estabelecidas pela administração local. Nessa abordagem, o trabalho é visto como um processo de trocas, de criatividade, coparticipação e corresponsabilização, de enriquecimento e comprometimento mútuos.

Nessa perspectiva, na área da Gestão do Trabalho em Saúde está contido um conjunto de ações que visam valorizar o trabalhador e o seu trabalho, tais como:

[...] a implementação das Diretrizes para o Plano de Carreira, Cargos e Salários do SUS; a desprecarização dos vínculos de trabalho no sistema de saúde; o apoio à Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS; a criação da Câmara de Regulação do Trabalho em Saúde; o Fórum Permanente MERCOSUL para o Trabalho em Saúde e a proposta de organização da gestão do trabalho nas três esferas de governo. Formação, desenvolvimento profissional e regulação do trabalho devem levar em conta o ensino, a gestão do SUS e o controle social no setor, estimulando e desencadeando a construção de novos perfis de trabalhadores e de gestores das ações, serviços e sistemas de saúde. (BRASIL, 2009, p. 168-169).

6 Interessante que no artigo, Paranaguá de Santana utiliza a expressão Gestão do Trabalho em vez de Gestão de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas, que eram as expressões em voga na época.

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Na comparação entre as concepções de Gestão de Pessoas e Gestão do Trabalho, infere-se que o setor saúde avançou muito não só por reconhecer a importância do trabalhador da saúde e o seu desempenho como fundamental para se conseguir a efetividade do Sistema Único de Saúde, como também por se preocupar com a valorização dos mesmos, ao propor políticas que contemplam esse processo de valorização.

Para que isso aconteça, é de suma importância que as áreas de recursos humanos do setor saúde, a nível nacional e a nível local, longe de funcionarem como meros departamentos de pessoal, sejam efetivamente responsáveis pela elaboração e implementação das políticas de recursos humanos no setor saúde, o que demanda na própria valorização da área, como estrutura decisória no organograma das organizações de saúde.

Importante ressaltar que a implementação desta proposta vem sendo difundida desde 2003, quando no início do Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, com a criação da Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) na estrutura do Ministério da Saúde, como principal instrumento federal para:

[...] mobilizar a formação e a educação permanente no setor da saúde e propor o planejamento e formulação de políticas de gestão e regulação da força de trabalho que qualifiquem os serviços nessa área. Para tanto, foram criados também dois departamentos, um de Gestão da Educação na Saúde (DEGES), que passou a ser responsável pela proposição e formulação das políticas relativas à formação, desenvolvimento profissional e educação permanente dos trabalhadores da saúde nos nível técnico e superior, e outro, de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde (DEGERTS) responsável, nacionalmente, pela proposição, incentivo, acompanhamento e elaboração de políticas de gestão, planejamento e regulação do trabalho em saúde. (MACHADO; MOYSÉS; LEMOS, 2012, p. 18-19).

Ainda sobre a criação da Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Machado, Moysés e Lemos (2012, p. 19) entendem que:

[...] a mudança positiva nas políticas de gestão do trabalho com a criação da SGTES, mesmo que tardiamente, veio suprir a lacuna e passa a tratar especificamente da gestão na dimensão do trabalho e da educação na saúde. Com esta ação política, o governo federal inaugura um novo momento para a área de RH, trazendo alento e confiança tanto para aqueles que produzem os serviços de saúde para a população como para os que são responsáveis pela gestão dos sistemas de saúde.

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Esse exemplo de mudança também possibilitou as instâncias estaduais e municipais de saúde procederem a reestruturação e valorização das áreas de recursos humanos, já que contavam com o apoio do Ministério da Saúde, através do estabelecimento do Programa de Qualificação e Estruturação da Gestão do Trabalho e da Educação no SUS – ProgeSUS. Criado em 2006, este programa alocou quantia significativa de recursos financeiros aos Estados e Municípios, com o objetivo de estruturar as áreas de gestão do trabalho e de qualificar expressivo número de profissionais da área de saúde em todo o país, em cursos de atualização, especialização e mestrado profissional, encontros, oficinas, seminários sobre Gestão do Trabalho e Educação na Saúde.

Mas, apesar desse grande movimento de valorização da área da Gestão do Trabalho no Setor Saúde e das conquistas que foram alcançadas a partir de 2003, com vistas à valorização dos trabalhadores do SUS, também é certo que muitos problemas que permeiam a área ainda não encontraram adequada solução. Daí a necessidade da construção, urgente, de uma agenda de Gestão do Trabalho e Educação no SUS, que contemple a elaboração e a implementação de propostas que tenham por objetivo a superação dos entraves para a efetivação dessa política de trabalho e educação em saúde.

Notas Finais

Ao avaliarem os desafios existentes no campo da Gestão do Trabalho no SUS, Moysés e Machado (2010, p. 40), consideram que a “multiplicidade de comissões, conferências, comitês gestores, mesas de negociação, entre outros colegiados [...] vêm produzindo políticas em fase de debate ou de implementação, o que vem ampliando a visibilidade do campo ‘Gestão do Trabalho em Saúde’.”

Mesmo com a realização das Conferências Nacionais de Saúde e as de Gestão do Trabalho que iluminaram pontos fundamentais e estruturantes desse campo e aprovaram “diretrizes consoantes com as lutas políticas e suas pautas em diferentes momentos históricos de construção do Sistema Nacional de Saúde” (MOYSÉS; MACHADO, 2010, p. 40), é certo que:

[...] alguns problemas herdados com o advento do SUS permanecem sem medidas impactantes, como a questão remuneratória, os múltiplos vínculos, o aumento do conjunto de empregos – que hoje passam de dois milhões no sistema –, a ampliação vertiginosa dos empregos municipais em curto espaço de tempo, os vínculos precários, as carreiras dos trabalhadores, entre outros. (MOYSÉS; MACHADO, 2010, p. 40).

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O setor saúde brasileiro se constitui em um dos maiores do mundo e atua em mais de cinco mil e quinhentos municípios. Isso mostra que, embora nesses vinte quatro anos de SUS “se tenha produzido conhecimento e se tenha avançado no enfrentamento de alguns problemas de gestão do trabalho e da educação na saúde, muitos desafios antigos e novos estão propostos na construção da cidadania dos trabalhadores do SUS.” (MOYSÉS; MACHADO, 2010, p. 40).

Contudo, apesar do longo caminho ainda a ser trilhado, o importante é não se perder de vista que a “gestão do trabalho em saúde é elemento estruturante para viabilizar o Sistema Único de Saúde e o cumprimento de seus princípios, devendo, portanto, ocupar cada vez mais espaço nas estratégias do setor saúde.” (DAU; CERCA, 2012, p. 30). Esperamos que este seja também o entendimento de todos os Gestores do Sistema de Saúde brasileiro.

Referências

AGUIAR FILHO, W. A gestão do trabalho em saúde no MERCOSUL. 2012. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública)- Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.

BARROS NETO, J. P. Teorias da Administração: curso compacto. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006.

CABRAL, A. M. L. et al. A evolução da área de Gestão de Pessoas. Jornal Eletrônico - Faculdades Integradas Vianna Junior, Rio de Janeiro, maio 2010. Disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/site/jornal/edicoes/3/artigos/A-EVOLUCAO-DA-AREA-DE-GESTAO-DE-PESSOAS.pdf>. Acesso em: 25 maio 2011.

CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

DAU, D. M.; CERCA, A. P. A negociação coletiva como metodologia de gestão do trabalho em saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, v.47, p. 29-30, maio 2012.

DUTRA, J. S. Gestão de pessoas: modelo, processos, tendências e perspectivas. São Paulo: Atlas, 2009.

GIL, A. C. Gestão de pessoas: enfoque nos papéis profissionais. São Paulo: Atlas, 2010.

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MACHADO, M. H. Gestão do Trabalho em Saúde no contexto de mudanças. RAP, Rio de Janeiro, v. 34, n. 4, p. 133-146, jul./ago. 2000.

MACHADO, M. H.; MOYSÉS, N. M. N; LEMOS, W. ProgeSUS: uma proposta para mudar a realidade da gestão do trabalho. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, v. 47, p. 16-28, maio 2012.

MOYSÉS, N. M. N.; MACHADO, M. H. Políticas de Gestão do Trabalho no SUS: o desafio sempre presente. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, v. 45, p. 33-41, maio 2010.

PARANAGUÁ DE SANTANA, J. A gestão do trabalho nos estabelecimentos de saúde: elementos para uma proposta. Cadernos RH Saúde, Brasília, v. 1, n. 3, p. 51-62, nov. 1993. (Textos apresentados na II Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde).

PEARSON EDUCATION DO BRASIL. Administração de Recursos Humanos. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2010.

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Gestão do trabalho na saúde em municípios de Mato Grosso, 2008 e 2009

Alba Regina Silva Medeiros 1

Ageo Mário Cândido da Silva 2

Introdução

Este capítulo refere-se ao estudo pioneiro realizado em municípios de pequeno e médio porte do estado de Mato Grosso, que mostra o resultado da Pesquisa “Gestão do Trabalho e Educação na Saúde em Municípios de Mato Grosso” (UFMT, 2009) – atividade V – do Plano Diretor do Observatório de Recursos Humanos, desenvolvido pelo Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS) do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no período compreendido entre 2008 a 2009.

Considerando a importância dessa temática para a consolidação do Sistema Único de Saúde - SUS, a acima referida pesquisa teve como um dos objetivos mapear algumas características da gestão do trabalho em saúde de municípios de pequeno e médio porte de Mato Grosso.

Especialmente para os municípios, com a implantação do Sistema Único de Saúde com ênfase na descentralização das ações e serviços de saúde, as reformas ocorridas no setor saúde na década de 1990 causaram grande expansão de serviços municipais. Foram priorizados novos modelos assistenciais que tiveram como proposta estruturante o Programa de Saúde da Família. Essa expansão acelerada ocasionou mudanças significativas na composição e estruturação da força de trabalho em saúde, com maior concentração nas esferas de governos estaduais e municipais.

1 Mestre em Saúde Coletiva. Enfermeira e Cirurgiã dentista, Professora do Curso de Graduação em Saúde Coletiva/ISC/UFMT e Pesquisadora da Estação de Trabalho do Observatório Recursos Humanos/NDS/ISC/UFMT.

2 Doutor em Saúde Pública. Farmacêutico-bioquímico, Professor do Curso de Graduação em Saúde Coletiva/ISC/UFMT e Pesquisador/Orientador do Programa de Mestrado em Saúde Coletiva/ISC/UFMT.

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Para MACHADO (2005), estudos relevantes realizados a partir da década de 1970, - por parte dos professores e pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e da Universidade de São Paulo (USP), e, a partir de 1990, por pesquisadores de recursos humanos de outros centros, - apresentaram um quadro conciso das políticas de recursos humanos dessas últimas décadas. Mais recentemente, temas como formação e educação profissional foram incorporados às agendas de pesquisa.

O marco atual das políticas de recursos humanos foi estabelecido pela 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, na qual foram discutidas e sistematizadas as principais propostas para áreas importantes, inclusive, para a Reforma Sanitária (MACHADO, 2005).

Foram também fundamentais para a construção e implantação da Política Nacional de Recursos Humanos e de Educação Permanente em Saúde, a realização das Conferências Nacionais de Recursos Humanos, a Emenda Constitucional n° 19 e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRSF).

Todavia, as restrições orçamentárias impostas pela lei de Responsabilidade Fiscal, que limitam os gastos com pessoal frente à necessidade de incorporação de trabalhadores para atender às novas demandas, têm levado os gestores a utilizar estratégias de gestão de pessoal diferenciadas, que acabam causando problemas de ordem legal e gerencial.

Segundo MACHADO (2005), um fato relevante nesse processo foi a elaboração da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB/RH/SUS), pela Comissão Nacional de Recursos Humanos do Conselho Nacional de Saúde, em 1998 (1ª. versão).

Deve-se destacar, também, a ação do governo federal a partir da criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, em 2003, com objetivo de nortear os processos de regulação, gestão, formação, desenvolvimento e formulação de políticas de recursos humanos em saúde no Brasil e a realização da 3ª Conferência Nacional de Recursos Humanos, em 2005, visando superar os problemas e propiciar o amadurecimento político das partes envolvidas nesse campo.

Os dados desta pesquisa foram levantados em sete municípios de Mato Grosso e envolveu os gerentes ou responsáveis de recursos humanos das Secretarias Municipais de Saúde. Os municípios pesquisados foram: Barra do Garças, Cáceres, Diamantino, Campo Verde, Comodoro, Guarantã do Norte e Nova Marilândia, no período de abril de 2008 a setembro de 2009.

Esta pesquisa foi elaborada em três momentos, a saber: construção do referencial teórico-metodológico e planejamento da pesquisa; levantamento e análise de dados; e realização de um Seminário Estadual para apresentação dos resultados aos gestores municipais de saúde.

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Registra-se que este trabalho contribuiu para fortalecer a Estação “Saúde, Trabalho e Cidadania” da Rede de Observatórios de Recursos Humanos, instalada no Núcleo de Desenvolvimento em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso.

Material e Método

O desenvolvimento do estudo transversal do tipo descritivo com análise de casos múltiplos utilizou técnicas de entrevista semiestruturada, questionário autoaplicável e análise documental. Entretanto, neste texto optou-se por fazer um recorte da pesquisa, com foco apenas na análise das entrevistas com os gerentes ou responsáveis pelos recursos humanos dos municípios estudados.

As entrevistas foram analisadas apoiadas nas seguintes categorias: a. caracterização dos gerentes ou responsáveis pelos recursos humanos em saúde

nos municípios: segundo as variáveis: sexo, idade, escolaridade e profissão; formas e tempo de contratação; vínculo e cargo dos mesmos; e

b. gestão do trabalho nos municípios: estrutura organizacional do setor; desenvolvimento de recursos humanos; processos de gestão; orçamento e financiamento do setor; instrumentos de gestão do trabalho; avaliação de desempenho e políticas de incentivos e mesa de negociação.As categorias acima descritas foram retiradas de estudos dos seguintes

autores: Brasil (2004a, 2004c, 2006a, 2009 e 2011); Machado (2005); Machado (1986); Nogueira (2003); Pientaroni et al. (2006).

A amostra foi formada por municípios com população inferior a 100 mil habitantes, de pequeno e médio porte, de diferentes regiões de saúde de Mato Grosso e participantes do projeto “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde” (GSP, 2007), o que facilitou o acesso e a obtenção de documentos e informações.

Os pesquisados obtiveram autorizações prévias expedidas pelos gestores e estes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O presente estudo foi concluído em sete Secretarias Municipais de Saúde, incluindo três municípios de médio porte, sedes de região: Barra do Garças, Cáceres e Diamantino e quatro de pequeno porte, que não são sedes de região: Campo Verde, Comodoro, Guarantã do Norte e Nova Marilândia. O município de Sinop foi excluído em decorrência da negativa do gestor municipal em participar.

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Esta pesquisa foi elaborada em três etapas: na primeira, foi feita a revisão do referencial teórico-metodológico e da legislação sobre gestão do trabalho e a elaboração dos instrumentos da pesquisa. Na segunda etapa foi realizada uma oficina para nivelamento teórico-conceitual, treinamento e aplicação dos instrumentos para validação com participação de membros externos, técnicos especialistas em recursos humanos da Secretaria Estadual e Municipal de Saúde de Cuiabá. Após esta oficina, foi realizado o piloto no município de Nossa Senhora do Livramento, com toda a equipe da pesquisa. O município piloto não entrou na pesquisa. Na terceira etapa, foram aplicados os instrumentos e realizada a coleta e análise dos dados nos municípios da amostra e concluído o relatório final.

A construção do roteiro de entrevistas semiestruturadas teve por base a Pesquisa Nacional “Capacidade Gestora de Recursos Humanos em Instâncias Locais de Saúde em Municípios com População Superior a 100 mil Habitantes” (PIERANTONI, 2004c). A versão final deste roteiro adaptado foi posteriormente aplicado no município piloto e nos demais municípios da pesquisa.

As entrevistas foram agendadas com antecedência nos municípios. Por problemas de ordem técnica e de falta de autorização do entrevistado, respectivamente, não houve gravação em dois municípios.

Esta pesquisa foi autorizada pelas Secretarias de Saúde dos municípios selecionados e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Júlio Müller da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), registrada sob o número 663/CEP-HUJM/09, em 09/12/09.

Caracterização dos gerentes ou responsáveis pelos recursos humanos em saúde nos municípios

A participação das mulheres no mercado de trabalho em saúde vem sendo estudada há algumas décadas e tem importância não só para mostrar a expansão deste mercado no mundo do trabalho, como e principalmente, para melhor compreender as especificidades do setor saúde que abriga um contingente expressivo de mulheres, atualmente a totalizar mais de 70% de toda força de trabalho em saúde. Ressalta-se que, no segmento de profissionais de níveis técnico e auxiliar, a feminilização é ainda mais acentuada (MACHADO; OLIVEIRA; MOYSES, 2011).

Nesse mesmo sentido, cita-se que, do total de sete gerentes ou responsáveis pelo setor de recursos humanos das secretarias de saúde dos municípios pesquisados, todas eram do sexo feminino, tinham entre 28 e 44 anos de idade, o que resultou na média de idade de 40 anos.

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Gestão do trabalho na saúde em municípios de Mato Grosso, 2008 e 2009

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Em relação ao grau de escolaridade, três (42,9%) tinham curso superior completo; duas (28,6%) superior incompleto e as outras duas (28,6%) nível médio de formação.

As profissões referidas pelas gerentes ou responsáveis com curso superior completo foram: Tecnóloga em Processamento de Dados, Contadora e Educadora Física.

As três gerentes entrevistadas com curso superior completo, também tinham o título de especialização, a saber, duas em Recursos Humanos e uma em Ciências Contábeis. As duas gerentes ou responsáveis que declararam ter curso superior incompleto estavam cursando Administração de Empresas.

A elevada escolaridade das gerentes ou responsáveis pela área de recursos humanos foi um aspecto positivo identificado pela pesquisa. Ao analisar os últimos dados censitários do Brasil relativos à força de trabalho em saúde, Machado et. al. (2011) observa que do total de 709.267 profissionais com escolaridade universitária, 61,7% são mulheres.

a. Formas e tempo de contratação, vínculo e cargo das gerentes ou responsáveis pela área de recursos humanos

A maioria (71,1%) das gerentes ou responsáveis pela área de recursos humanos entrevistadas tinha vínculo formal e integrava o quadro de trabalhadores das Secretarias Municipais de Saúde, dentre estas, quatro ingressaram mediante concurso público.

Contudo, apesar dos avanços do SUS em relação às formas de contratação, a precarização do trabalho ainda se constitui como um problema relevante para a maior parte dos municípios brasileiros. Segundo Machado, Oliveira e Moysés (2011) e Machado (2005), o trabalho vem se tornando cada vez mais precarizado, tanto em outros países do mundo quanto em setores que tradicionalmente mantinham contratações formais.

Quanto ao tempo de atuação na área de gestão de recursos humanos, a média foi de 2,7 anos, com relato de até cinco anos. Das entrevistadas, três foram nomeadas na gestão atual, três estão no cargo desde a gestão anterior e uma não respondeu a essa questão.

Quanto ao nome da função do responsável pelo setor de recursos humanos, três (43%) informantes são denominadas “Responsáveis” pelo setor, duas (29%) são “Chefes de Departamento”, uma (14%) é “Supervisora” e outra (14%) “Diretora de Departamento”.

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Gestão do trabalho nos municípios

a. Estrutura organizacional do setor

Com relação à existência de uma gerência específica de recursos humanos, duas (28,6%) entre as sete participantes responderam existir esse setor nas unidades em que trabalhavam, com a denominação de “Coordenadoria de Recursos Humanos” e “Serviço de Recursos Humanos”, respectivamente, em um e outro município. Os cinco (71,4%) outros participantes, das demais secretarias de saúde, não contavam com um órgão específico de recursos humanos na própria estrutura em que trabalhavam e este setor estava localizado junto à Gerência de Recursos Humanos geral do Poder Executivo, na Secretaria de Administração da Prefeitura.

Quanto à inclusão formal do setor de recursos humanos na estrutura organizacional das Secretarias de Saúde, constatou-se que apenas dois municípios tinham oficialmente assegurada essa inclusão e que os outros cinco municípios pesquisados não tinham órgão específico de recursos humanos vinculados à estrutura da saúde.

Apesar disso, apenas duas (28,5%) gerentes ou responsáveis consideraram inadequado esse tipo de vinculação do setor no organograma. Outras cinco (71,4%) disseram ser adequada a localização formal do setor, apesar de terem relatado dificuldades pela falta de autonomia na gestão financeira e de recursos humanos, o que evidencia uma perspectiva limitada por parte destas em relação ao papel da gestão do SUS.

Importante destacar que cinco dentre as sete gerentes ou responsáveis estavam lotadas na Secretaria de Administração e duas disseram estar em outros órgãos da prefeitura. Com relação a essa questão, Machado (2005) observa que o SUS ainda não proporcionou estruturas competentes e modernas na administração pública para lidar com tais questões.

De fato, nos sete municípios pesquisados, a vinculação organizacional da área de recursos humanos não ocorre, em sua maioria, de forma direta e orgânica com as suas Secretarias de Saúde, mas com as Secretarias de Administração, o que dificulta o desenvolvimento das atividades e funções estratégicas dessa área de recursos humanos. Situação semelhante foi encontrada nas estruturas municipais e, até 2002, na estrutura nacional, quando esta situação foi modificada com a criação pelo Ministério da Saúde, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), momento em que a gestão do trabalho da saúde passou a ser considerada questão estratégica de Estado.

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Quanto aos recursos físicos disponíveis para o funcionamento dos setores de Recursos Humanos, nenhum dos sete municípios pesquisados possuía salas de reunião ou de aula e, em apenas três (42,9%) municípios esses setores dispunham de recursos audiovisuais.

Como aspecto positivo, todas as entrevistadas disseram ter recursos de informática (computador e impressora) e serviços de internet (Tabela 1) no setor de Recursos Humanos, apesar de em nenhum deles atuar com algum programa de computador (software) específico para a gestão de trabalho em saúde.

Tabela 1- Estrutura física para a área de Recursos Humanos disponível em 2009 nos sete municípios mato-grossenses pesquisados, segundo as gerentes ou responsáveis dessa área. MT – 2009

Recursos físicos Sim % Não %

Sala de reunião - - 7 100,0

Sala de aula - - 7 100,0

Recursos de informática 7 100,0 - -

Internet 7 100,0 - -

Recursos audiovisuais 3 42,9 4 57,1

Fonte: UFMT (2009).

Quanto à gestão dos trabalhadores da saúde pelo setor de recursos humanos, três (42,9%) gerentes ou responsáveis tinham autonomia sobre a gestão de todos os servidores da Secretaria Municipal de Saúde. Nos outros quatro (57,1%) municípios pesquisados, essa autonomia era restrita aos trabalhadores da administração direta, o que evidencia o duplo comando na gestão de pessoas.

b. Desenvolvimento na área de Recursos Humanos

Quanto ao desempenho na área de recursos humanos, todas as gerentes ou responsáveis da área declararam ter tido experiência anterior, o que foi considerado positivo pela pesquisa. Entretanto, em relação ao tempo, as intensidades destas experiências variaram em relação às subáreas: de maior, menor a nenhuma experiência. Dessa forma, três gerentes ou responsáveis (42,9%) relataram possuir muita experiência em relação à área administrativa, financeira e de assistência e benefícios ao servidor. Quanto a área de gestão e planejamento, cinco (71,4%) dentre as sete pesquisadas, disseram ter pouca experiência. Em atividades de desenvolvimento de recursos humanos, como capacitações e treinamentos, quatro

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(57,1%) dentre estas disseram não terem tido nenhuma experiência e, em sistema de informação de recursos humanos e legislação, três (42,9%) relataram não terem tido nenhuma experiência anterior (Tabela 2).

Porém, todas informaram ter atribuições de administrar, capacitar e treinar os profissionais da rede como atividades básicas desenvolvidas por elas no setor em que estavam trabalhando.

Tabela 2 - Gerentes ou responsáveis da área de recursos humanos, por quantidade de experiências auto-referidas, dos sete municípios pesquisados do estado de Mato Grosso - 2009

DescriçãoMuita

ExperiênciaPouca

ExperiênciaNenhuma

ExperiênciaN % N % N %

Gestão 2 28,6 5 71,4 - -Planejamento 1 14,3 5 71,4 1 14,3Avaliação 2 28,6 4 57,1 1 14,3Desenvolvimento (capacitação, treinamento) 1 14,3 2 28,6 4 57,1Legislação (normatização, regulamentação) 2 28,6 2 28,6 3 42,9Assistência/benefícios ao servidor 3 42,9 3 42,9 1 14,3Área administrativa/financeira 3 42,9 2 28,6 2 28,6Sistema de informação de Recursos Humanos 2 28,6 2 28,6 3 42,9

Fonte: UFMT (2009).

Sobre a disponibilidade de equipe de trabalho na área de recursos humanos, apenas duas gerentes ou responsáveis disseram possuir equipe própria neste órgão em que trabalhavam.

Com base na Tabela 2, observa-se que das sete gerentes ou responsáveis pelo setor de recursos humanos:a. três (42,9%) afirmaram que exercem atividades de planejamento de

recursos humanos e recrutamento e seleção de trabalhadores, apesar da maioria ter pouca experiência nessas áreas;

b. todas (100%) disseram que desenvolvem atividades de administração, capacitação e treinamento de pessoal, mesmo tendo pouca experiência nessas atividades;

c. duas (28,6%) disseram que realizam avaliação de desempenho e trabalham com sistema de informação de recursos humanos; e

d. nenhuma afirmou que exerce atividades de coordenação de programa de residência ou de estágios curriculares, o que contraria as atribuições dos setores de recursos humanos para municípios de pequeno e médio portes.

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Tabela 3 - Atividades desenvolvidas no setor de Recursos Humanos, segundo as gerentes ou responsáveis por essa área nas Secretarias Municipais de Saúde, dos sete municípios

pesquisados do estado de Mato Grosso – 2009

Atividades Sim % Não %

Planejamento de Recursos Humanos 3 42,9% 4 57,1Administração de Pessoal 7 100,0 - -Recrutamento e Seleção 3 42,9 4 57,1Concurso Público 4 57,1 3 42,9Avaliação de Desempenho 2 28,6 5 71,4Capacitação / Treinamento 7 100,0 - -Coordenação de Programa de Residência

- - 7 100,0

Coordenação de Estágios Curriculares - - 7 100,0Sistema de Informação de Recursos Humanos

2 28,6 5 71,4

Fonte: UFMT (2009).

c. Processos de gestão

Sobre a ocorrência de concurso público para contratação e efetivação dos servidores da Secretaria Municipal de Saúde, nota-se que houve avanço nessa prática, pois estes foram realizados em cinco (71,4%) dos sete municípios pesquisados, sendo que em quatro dentre aqueles, foram feitos nos últimos cinco anos e em um, há seis anos, conforme registra a Tabela 4.

Tabela 4 - Quantidade de concursos por anos de realização, segundo as gerentes ou responsáveis da área de Recursos Humanos das Secretarias Municipais de Saúde dos sete municípios

pesquisados do estado de Mato Grosso – 2009

Realização de concursos N %

Sim 5 71,4

Não 2 28,5

Total 7 100

Anos de realização N %

2003 1 20

2006 2 40

2008 2 40

Total 5 100

Fonte: UFMT (2009).

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Sobre outras formas de contratação, parte das gerentes ou responsáveis não respondeu, registrando-se em alguns relatos, a contratação temporária. Constatou-se a autonomia relativa dos gestores quanto a contratar, nomear, lotar e remanejar servidores e quanto a ordenar despesas orçamentárias. Segundo as entrevistadas, a limitação de autonomia também é percebida quanto ao processamento e pagamento da folha, procedimentos estes que não são realizados diretamente pelas Secretarias Municipais de Saúde daqueles municípios.

d. Orçamento e gestão financeira do setor de Recursos Humanos

Em relação à gestão financeira do setor de Recursos Humanos, seis entrevistadas declararam não possuir orçamento próprio e apenas em um município pesquisado (14,3%) a gerente ou responsável pelo setor exercia essa atividade. O processamento e o pagamento da folha dos funcionários da saúde eram realizados pelas prefeituras na totalidade dos municípios, segundo as entrevistadas.

Apenas uma das entrevistadas afirma realizar investimentos na estrutura física e adquirir materiais de consumo e permanente.

Do mesmo modo, foi verificada a inexistência de orçamento e execução financeira para atividades como cursos de capacitação, pagamentos de gratificações e incentivos, bolsas para estagiários e residentes, passagens, diárias e participação em congressos, conforme registra a Tabela 5, confirmando a falta de autonomia do setor de Recursos Humanos em todos os municípios pesquisados.

Tabela 5 - Utilização dos recursos financeiros destinados ao órgão de Recursos Humanos, segundo as gerentes ou responsáveis pela área dos sete municípios pesquisados do

estado de Mato Grosso - 2009

Destino dos gastos dos recursos orçamentários Sim % Não %

Material de consumo 1 14,3 6 85,7

Material permanente 1 14,3 6 85,7

Estrutura física 1 14,3 6 85,7

Cursos/ capacitação / treinamento de pessoal - - 7 100,0

Gratificações / incentivos - - 7 100,0

Bolsas para estagiários e residentes - - 7 100,0

Passagens/diárias para reuniões técnicas - - 7 100,0

Participação em congressos / seminários - - 7 100,0

Fonte: UFMT (2009).

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e. Instrumentos de gestão do trabalho

No que se refere aos instrumentos de gestão do trabalho, seis (85,7%) gerentes ou responsáveis declararam que o município possuía Plano de Cargos, Carreira e Salários (PCCSs) aprovado, mas um dentre estes não forneceu cópia deste documento. Os planos abrangiam todas as categorias profissionais, sendo que, em um deles, os cargos gerenciais não estavam contemplados.

Em quatro (57,1%) dos sete municípios pesquisados, os PCCSs eram específicos da Secretaria Municipal de Saúde. Outro aspecto relevante relacionado com os PCCSs foi a sinalização dada pelas entrevistadas para a necessidade de reformular estes instrumentos, por não atender às necessidades atuais, por demanda do gestor ou por reivindicação dos servidores (Tabela 6).

Ressalta-se que os resultados encontrados nesta pesquisa parecem indicar uma mudança no quadro evidenciado por pesquisa nacional sobre o tema, realizada antes do ano de 2004, onde se constatou que 47,8% dos municípios com mais de 100 mil habitantes brasileiros não tinham PCCSs implantados (BRASIL, 2004c).

Tabela 6 - Razões para a reformulação do Plano (PCCS) segundo as gerentes ou responsáveis da área de Recursos Humanos dos sete municípios pesquisados do estado de Mato Grosso – 2009

Razões para a proposta de reformulação Sim % Não %

Reivindicação dos servidores 5 71,4 2 28,6

Adequação à legislação 3 42,9 4 57,1

Demanda do gestor 5 71,4 2 28,6

Está obsoleto 4 57,1 3 42,9

Não atende às necessidades atuais 6 85,7 1 14,3

Fonte: UFMT (2009).

f. Avaliação de desempenho e política de incentivos

Quanto à avaliação de desempenho dos servidores das Secretarias Municipais de Saúde pesquisadas, observou-se que a maioria desses municípios não a utiliza como instrumento de gestão do trabalho e que apenas dois (28,6%) dentre os sete municípios possuíam instrumentos específicos para realizá-la. Nesses, as avaliações abrangiam todos os trabalhadores da Secretaria de Saúde e tinham o objetivo de avaliar o desempenho dos mesmos para fins de progressão funcional, inclusive, do estágio probatório.

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As avaliações de desempenho eram realizadas pelas chefias imediatas e, em um dos municípios pesquisados, além da chefia imediata, havia a participação de técnicos do setor de recursos humanos e da administração municipal. Apenas um município, respaldado em lei, criou a Comissão de Avaliação Funcional dos Servidores Públicos Municipais.

Sobre a existência ou não da avaliação de desempenho, das seis gerentes ou responsáveis que responderam a esta pergunta, três dentre estas (50%) afirmaram existir esta política nos seus municípios; duas (33,3%) disseram não existir e uma (16,7%) informou que não tinha informação sobre esse tema (Figura 1).

Os incentivos mais utilizados por estes municípios foram os financeiros, férias, prêmio, folgas e auxílio moradia. Quanto à abrangência desses incentivos, apenas duas gerentes ou responsáveis confirmaram que estes abrangiam todas as categorias.

Figura 1 - Existência de política de incentivos aos servidores, segundo as gerentes ou responsáveis dos recursos humanos dos sete municípios pesquisados do estado de Mato Grosso - 2009

Fonte: UFMT (2009).

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g. Mesa de negociação

De acordo com as entrevistadas, nos municípios pesquisados, a metodologia da mesa de negociação não é utilizada, ou por se constituir numa estratégia relativamente nova no âmbito do Sistema Único de Saúde ou por falta de conhecimento da sua importância para a gestão participativa.

Em estudo realizado por Pierantoni (BRASIL, 2004c), a autora destaca o conjunto de diretrizes políticas da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde para a gestão do trabalho no SUS, dentre estas, a utilização de mecanismos de negociação para resolução de conflitos no setor público de saúde e a recomendação para que sejam adotadas Mesas de Negociação Permanente no SUS. O referido estudo nacional verificou que apenas 27,3% dos municípios com mais de 100 mil habitantes adotaram este mecanismo.

h. Pesquisa alimenta o debate

A partir dos resultados advindos da análise dos dados levantados, foi estabelecida uma agenda de discussão envolvendo os pesquisadores do NDS/ISC/UFMT, do Observatório de Recursos Humanos e de outras instituições, como a Secretaria Municipal e Estadual de Saúde de Mato Grosso, Cosems e Escola de Saúde Pública do Estado de Mato Grosso, além de diversos atores sociais envolvidos com a área de gestão do trabalho e da educação em saúde.

Os resultados desta pesquisa deram origem a um novo projeto, intitulado “Fortalecimento da Capacidade Gestora de Recursos Humanos das Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso” e a realização de um Seminário sobre Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, que oportunizou três dias de debates, em abril de 2013, em Cuiabá, com a participação de gestores, trabalhadores e conselheiros de saúde dos municípios do estado de Mato Grosso, estudantes das Universidades e outros atores.

Os palestrantes e debatedores do Seminário eram representantes das seguintes instituições: Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS) e do Departamento de Gestão da Educação na Saúde; Faculdade de Medicina (FM/USP); Universidade Aberta do SUS (UNASUS); Observatório de Recursos Humanos da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ); Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS); Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS); Comissão Intersetorial de Recursos Humanos do Conselho Nacional de Saúde (CIRH/CNS); Escola de Saúde Pública do Ceará; Rede de Escolas Técnicas do SUS;

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Escola de Saúde Pública do Distrito Federal e do Estado de Mato Grosso e o Conselho Nacional de Residência Médica.

Os principais temas debatidos foram: política, financiamento e controle social no SUS para a gestão do trabalho e educação na saúde; desafios e perspectivas para a implementação da gestão do trabalho no SUS; experiência da UNA-SUS e as perspectivas da Global Health Workforce Alliance; desafios e perspectivas para a implementação da gestão do trabalho no SUS na visão da gestão estadual, municipal e do controle social; política de gestão do trabalho e da educação em saúde; desafios e perspectivas para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente no SUS e experiências inovadoras na educação permanente em saúde.

Além de conferências e mesas redondas, foi realizada uma oficina com o tema gestão do trabalho nas OSS e dois cursos, um sobre legislação do trabalho no SUS e outro sobre elaboração de projetos de educação permanente.

A realização do Seminário foi uma estratégia para fomentar o debate e orientar avanços nas políticas e projetos de intervenção voltados a transformar esta realidade visando a implementação do SUS no estado de Mato Grosso.

Conclusão

O objetivo de elaborar um quadro sobre a gestão do trabalho em municípios de pequenos e médios portes do estado de Mato Grosso foi alcançado por este primeiro estudo sobre a gestão do trabalho.

O mercado de trabalho em saúde no âmbito do SUS obteve algumas conquistas nos últimos anos com a institucionalização de políticas indutoras de gestão do trabalho pelo Ministério da Saúde. A partir de 2003, a Política de Regularização se transformou numa vertente autônoma do governo federal e veio se juntar a uma estratégia mais ampla de valorização e modernização das carreiras no setor público.

O grande desafio que se impõe hoje ao setor de saúde é que consiga vencer os obstáculos econômicos, políticos e éticos para oferecer melhor qualidade dos serviços prestados à população usuária do Sistema Único de Saúde. Crescer com qualidade, prestar serviços com ética e com compromisso social são os grandes e verdadeiros desafios do SUS (MACHADO; OLIVEIRA; MOYSES, 2011).

Dentre os resultados positivos encontrados por esta pesquisa, cita-se: ocorrência de concursos públicos para provimento dos cargos do pessoal da saúde em cinco dos sete municípios nos últimos cinco anos; criação e implantação de planos de cargos, carreira e salários em seis dos sete municípios estudados, sendo que em quatro destes se implementam planos específicos para o pessoal da saúde, portanto, planos de carreira do SUS.

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As situações acima especificadas sinalizam para a situação de superação da precarização da força de trabalho em saúde no âmbito municipal, fenômeno apontado pelos especialistas como uma das grandes fragilidades no processo de implementação do Sistema Único de Saúde no país.

Por outro lado, apesar do contingente expressivo de servidores ocupados no setor de saúde dos municípios analisados essa área está mais caracterizada pelo cumprimento de atividades burocráticas do que como estratégica para tomada de decisão (BRASIL, 2004a).

A carência de estrutura física e de pessoal para a gestão de pessoas; a insuficiente qualificação dos gerentes em áreas estratégicas para a gestão do trabalho; a incipiente presença do setor na estrutura organizacional das secretarias municipais de saúde e, quando existente, ocupando posição secundária na hierarquia, sem sequer ter dotação orçamentária; a centralização administrativa da gestão de pessoas nas Secretarias de Administração, que elaboram inclusive a folha de pagamento; a autonomia restrita das gerentes ou responsáveis para a gestão de trabalho e recurso financeiro e a inexistência de mesa de negociação do trabalho, entre outros aspectos, configuram como dificuldades a serem vencidas pela gestão do trabalho da saúde nos municípios pesquisados.

Os resultados desta pesquisa recomendam a necessidade da criação de câmaras técnicas de gestão do trabalho no âmbito da Comissão Intergestores Bipartite e do Conselho Estadual de Saúde, bem como a continuidade dos debates nos diversos espaços sobre:1. implantação da Política de Gestão de Trabalho e de Educação Permanente,

para buscar alternativas para o fortalecimento da gestão e da valorização das pessoas no âmbito das secretarias municipais de saúde;

2. implantação de sistemas de informações gerenciais de recursos humanos em saúde e qualificação do pessoal para operá-los;

3. discussão de propostas e alternativas para reestruturação organizacional das secretarias municipais de saúde, com vistas ao fortalecimento da área de Recursos Humanos;

4. instalação das mesas de negociações do trabalho em saúde;

5. promoção de cursos de especialização em gestão do trabalho com parceria entre Secretaria de Estado de Saúde, Escola de Saúde Pública, Conselho de Secretarias Municipais de Saúde e Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso; e

6. adesão dos municípios ao Programa de Fortalecimento da Gestão do Trabalho no SUS - PROGESUS (BRASIL, 2011).

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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Referências

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BRASIL. Princípios e diretrizes para NOB/RH-SUS. 2. ed. (rev. e atual.). Brasília: CNS, 2003.

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BRASIL. Rede Observatório de Recursos Humanos. Coordenação Geral: Celia Pierantoni IMS/UERJ. Capacidade Gestora de Recursos Humanos em Instâncias Locais de Saúde em Municípios com  População Superior a 100 mil Habitantes. Brasília: MS, 2004c. Relatório Final.

BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Gestão de Educação na Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. PCCS-SUS: diretrizes nacionais para a instituição de planos de carreiras, cargos e salários no âmbito do SUS/MS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006a.

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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Gestão do trabalho e da regulação profissional em saúde: agenda positiva do Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.

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Gestão do trabalho na saúde em municípios de Mato Grosso, 2008 e 2009

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Gestão coletiva dos processos de trabalho como aprendizado na atenção primária de saúde:

o caso do município de Chapada dos Guimarães/MTRuth Terezinha Kehrig 1

Sílvia Ângela Gugelmin 2

Amaury Ângelo Gonzaga 3

Luiz Fernando Gonçalves da Silva 4

Elen Rose Lodeiro Castanheira 5

Introdução

Ante o desafio do Sistema Único de Saúde (SUS) de enfrentar a tensão permanente entre o direito à saúde e as condições concretas dos serviços de produzir saúde, cabe à universidade, além de cumprir seu papel nuclear de formação de profissionais e produção de conhecimentos voltados às necessidades da população, também contribuir, de forma direta, por meio de ações de extensão, pesquisa-ação e trabalho para os serviços de saúde. Nesse sentido, os projetos de apoio institucional universidade/gestão pública da saúde têm propiciado a busca de novos modos de compreender e promover melhorias na organização das práticas enquanto espaço coletivo do trabalho em saúde.

Tendo por objeto a “gestão local pelos próprios coletivos de trabalho”, este estudo apresenta o processo de execução de dois projetos articulados, desenvolvidos durante os anos de 2011 e 2012: uma pesquisa-ação6 para

1 Doutora em Saúde Pública, Administradora, Professora Pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT.

2 Doutora em Saúde Pública, Nutricionista, Professora Pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT.

3 Mestre em Saúde Pública, Enfermeiro, Servidor da Secretaria Municipal de Saúde de Chapada dos Guimarães.

4 Bolsista de pesquisa e extensão, acadêmico do 7º semestre do Curso de Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT.

5 Doutora em Medicina Preventiva, Médica, Professora Pesquisadora do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP.

6 “Laboratório de Gestão Coletiva do Trabalho na Perspectiva da Integralidade em Saúde: pesquisa-ação organizacional na Secretaria Municipal de Saúde da Chapada dos Guimarães (MT)”. Registrado na UFMT sob nº 409/CAP/2012 – Componente I Atividade VI do Observatório de Recursos Humanos em Saúde, Estação NDS/ISC/UFMT, aprovado pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2010.

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construção coletiva de um modelo de gestão pelo aprendizado no âmbito da Atenção Primária de Saúde (APS) e um projeto de extensão7, para execução das ações de Educação Permanente de Saúde (EPS) derivadas da pesquisa.

Esta pesquisa teve por questão norteadora a seguinte pergunta: como se constrói um modelo de gestão local de saúde de forma compartilhada com os respectivos coletivos de trabalho? Nas perspectivas da aprendizagem organizacional (SENGE, 2000; SENGE et al., 2000), com sua aplicação em serviços de saúde (URIBE, 2008), e das organizações que aprendem saúde (KEHRIG, 2006; 2008), a EPS assume aqui essa razão de ser, ao construir coletivamente o compromisso e a responsabilização pelas ações e por seus resultados, mediante processos de gestão local pelo aprendizado em equipe.

Frente ao problema de um modus operandi de gestão que mantém práticas de saúde que tendem a se distanciar do ideário do SUS de integralidade e equidade, assume-se por pressuposto teórico que a gestão da mudança das práticas de atenção à saúde (TEIXEIRA; PAIM; VILASBOAS, 1998) - de forma comprometida com a integralidade da atenção prestada à população, enquanto valor de organização dos serviços de APS (STARFIELD, 1994) - faz-se mediante a gestão coletiva do trabalho (PEDUZZI et al., 2011), que contemple: a. a potencialidade da via pedagógica (KEHRIG, 2001) na construção de

organizações que aprendem a fazer saúde, ancorada em um processo de EPS para a gestão coletiva do próprio trabalho;

b. o planejamento estratégico situacional local participativo (MATUS, 1993) pelo aprendizado (MINTZBERG, 1998; MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000); e

c. a avaliação do trabalho pelas respectivas equipes (CASTANHEIRA et al., 2009; 2011); e um desenho compartilhado de mapas estratégicos de comunicação das metas buscadas (KAPLAN; NORTON, 1997; CHONAN; KEHRIG, 2009). O presente trabalho tem por origem uma proposta de continuidade

da agenda gerada no Curso de Desenvolvimento Gerencial (CDG-SUS)8,

7 “Educação Permanente para a Gestão Coletiva do Trabalho na Perspectiva da Integralidade em Saúde”, projeto de extensão submetido e aprovado mediante o Edital PBEXT 2012 - SigProj nº 104993.458.127710.23032012, com apoio da UFMT/PROCEV/CODEX, realizado junto à SMS de Chapada dos Guimarães (MT), no período compreendido entre 2 de abril e 31 de dezembro de 2012.

8 CDG-SUS é um projeto de extensão do Núcleo de Desenvolvimento de Recursos Humanos – ISC/UFMT que, desde 2008, já formou mais de mil profissionais para a gestão local em saúde, tendo como conceitos transversais a perspectiva do usuário e a integralidade da atenção à saúde (MÜLLER NETO; SCHRADER, 2011).

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realizado em 2009 no município de Chapada dos Guimarães, Mato Grosso. Nesse contexto buscou-se construir juntos uma proposta de gestão para as unidades básicas de saúde (UBS) na perspectiva do usuário e da integralidade como valores da ação. A integralidade da atenção à saúde opera na organização da resposta dos serviços às necessidades de saúde da população (CECÍLIO, 2001), o que se constitui em uma forma especial de intervenção, que explora os cenários epidemiológicos, sociais, políticos e organizacionais para a criação de valor público dos serviços de saúde para a população.

Fez-se uma pesquisa-ação organizacional (THIOLLENT, 1997), ao se tratar de ação direta do projeto mediante apoio institucional à gestão municipal de saúde e às próprias equipes de APS para a consecução dos objetivos desta pesquisa de forma articulada com as prioridades da gestão. Houve por um lado, a intervenção em uma dada realidade como objeto pesquisado e, por outro, a concomitante avaliação dessa realidade (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992), nos seus modos de atenção e gestão da saúde, o que se configurou como estudo de caso organizacional (YIN, 2005) de base qualitativa, com reflexão sobre as práticas gestoras (VIEIRA; ZOUAIN, 2005).

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Chapada dos Guimarães foi o ambiente pesquisado. Como sujeitos da pesquisa, comparecem dois grupos de atores institucionais: 1. setenta e cinco trabalhadores de sete equipes da Estratégia de Saúde da Família

(ESF) existentes no município no período do estudo, que faziam a gestão dos próprios coletivos de trabalho e atuavam nas seguintes unidades: três equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) urbanos (Centro, Santa Cruz e Olho D’Água) e quatro PSF rurais (Água Fria, João Carro, Jangada Roncador e Praia Rica). A área de abrangência desse conjunto de unidades compreende cobertura total (100%) da ESF para a população do município9;

2. quinze profissionais do nível central da SMS, com atuação de apoio técnico e coordenação das ações de atenção primária. Este conjunto de sujeitos da pesquisa configurou-se enquanto ator coletivo que participa, planeja, organiza, dirige/lidera e autoavalia o trabalho das próprias equipes de saúde e constituíram o sujeito coletivo do estudo: por unidade de saúde, por categorias profissionais e/ou por tipo de unidade de saúde, ou, inclusive, no apoio e coordenação por parte do nível central da SMS.

9 A população do município de Chapada dos Guimarães segundo o censo de 2010 era de 19.000 habitantes (IBGE 2011).

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Foram utilizadas como técnicas de apreensão empírica: oficinas e rodas do aprendizado, observação direta participativa assistemática em reuniões de serviço, promoção de reuniões com pauta da pesquisa, visitas aos serviços, conversas informais com profissionais-chave e, de forma complementar, a pesquisa documental10.

Os dados foram coligidos mediante o registro sistemático dos relatos de todo o processo vivenciado nas reuniões do núcleo central de apoio às ações da pesquisa, oficinas e reuniões das equipes de APS. O detalhamento da programação das reuniões e oficinas, sempre tendo as rodas de aprendizado por método privilegiado, foi definido em conjunto com os sujeitos envolvidos.

Todos os registros sobre o que as pessoas faziam e falavam, eram simultaneamente processados em relatos textuais e transformados nos respectivos discursos dos sujeitos coletivos (LEFÈVRE; LEFÈVRE; TEIXEIRA, 2000), analisados, interpretados e discutidos. Excertos das falas e expressões dos sujeitos constam em itálico neste texto.

A metodologia qualitativa do tipo interpretativa permitiu a compreensão dos processos vivenciados nas ações de pesquisa. Esse foi o processo de interpretação e análise das falas atribuindo-lhes novos significados, como resultados da pesquisa, o que se realizou em movimentos contínuos de ir e vir entre fatos da realidade e os conceitos, levando às descobertas do estudo.

A ação realizada visou o fortalecimento dos coletivos de gestão local e teve por objetivos específicos: • instituir,juntoàequipedenívelcentraldaSMS,umnúcleodeapoioà

atenção primária, constituído enquanto um grupo de estudo em serviço e operativo sobre a educação permanente no SUS municipal, com foco na gestão coletiva do trabalho;

• caracterizaromodelodeatençãoàsaúdevigenteediscutircoletivamenteos modos operantes de gestão da saúde nas próprias equipes de trabalho;

• construircomasequipeslocaisumprocessodeplanejamentoestratégicolocal situacional, aprendizado organizacional, autoavaliação da APS e mapas estratégicos comunicantes de saúde; e

• desenvolverumapropostademodelodegestãocoletivadotrabalhonaatenção primária de saúde.

10 Atas selecionadas do Conselho Municipal de Saúde (CMS), relatórios das duas últimas Conferências Municipais de Saúde (IV e V) e os instrumentos vigentes do processo de planejamento do SUS municipal: Plano de Contingência da Saúde de 2009, Plano Plurianual (PPA) de 2010 a 2013 no seu componente de Saúde, Plano de Trabalho Anual (PTA) de 2011 e Relatório Anual de Gestão (RAG) de 2010 e 2011.

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Em discussões prévias com os dirigentes da SMS sobre a proposta de pesquisa foram acordadas as principais ações de campo que pautaram a elaboração do respectivo projeto de pesquisa-ação, assim como o seu desdobramento em projeto de extensão. A definição compartilhada das estratégias e tarefas de atuação foi condição do método de pesquisa-ação.

A entrada no campo deu-se em uma reunião geral em dezembro de 2010, da qual participaram os trabalhadores da SMS, autoridades do executivo municipal e alguns vereadores representando o legislativo municipal. A proposta apresentada pela coordenadora do projeto, acompanhada da equipe da pesquisa, serviu de abertura dos trabalhos.

A participação dos pesquisadores em algumas reuniões do Conselho Municipal de Saúde (CMS), inicialmente com apresentação do projeto e proposta de trabalho na Secretaria Municipal de Saúde (SMS), como também no decorrer do processo, assegurou apoio político local para o desenvolvimento da pesquisa-ação, inclusive nas unidades de saúde, uma vez que faz parte da composição do CMS, um delegado regional representante de usuários por comunidade.

No primeiro semestre de atividades da pesquisa aqui relatada, houve necessidade de reelaboração do projeto e redesenho do caminho metodológico de forma pactuada com a SMS, para apresentar maior detalhamento e obter a devida autorização do Comitê de Ética em Pesquisa11.

A execução da ação de pesquisa e extensão estruturou-se basicamente em duas partes articuladas, às quais se agregavam as demais ações: a instituição, no âmbito técnico do nível central da SMS, de um núcleo para apoio à Atenção Primária à Saúde pela via da Educação Permanente de Saúde; e a construção coletiva e desenho de um novo modo operante de autogestão para reorganização do trabalho pelas equipes na APS, ancorada em um processo de autoavaliação por meio de rodas de aprendizado da gestão.

Linhas de ação – primeiros resultados processuais

O processo de pesquisa-ação e extensão teve como produtos um conjunto articulado de seis linhas de ação construídas nas rodas de aprendizado, sejam oficinas temáticas, sejam reuniões de equipe para estudo e aprendizado compartilhado, que responderam à consecução dos objetivos específicos desta pesquisa. Os produtos com suas respectivas linhas de ação estão descritos a seguir:

11 Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa/Plataforma Brasil, com parecer número 69343/2012.

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1. Plano de Trabalho Anual (PTA) por unidade de saúde;

2. Oficinas dos indicadores na Atenção Primária à Saúde;

3. Processo de constituição do Núcleo de Apoio à Educação Permanente em Saúde;

4. Processo de construção de um Projeto de Educação Permanente em Saúde;

5. Avaliação da qualidade da Atenção Primária à Saúde; e

6. Perspectivas de melhorias das práticas de Atenção Primária à Saúde.

Plano de trabalho anual por unidade de saúde

A aproximação ao campo junto à SMS deu-se mediante um estudo exploratório realizado no início de 2011, cujas atividades voltaram-se para a elaboração de um Plano de Trabalho Anual (PTA) por unidade de saúde, mediante apoio institucional por parte da coordenação desta pesquisa, para o desenvolvimento das seguintes atividades: a. reuniões de desenho das ações com lideranças da gestão da SMS e

detalhamento da programação das Oficinas de PTA;

b. reuniões preparatórias das oficinas por unidade de saúde;

c. oficinas de elaboração do PTA 2011, no Hospital Municipal Santo Antônio, nas três unidades urbanas de saúde da família (PSF Centro, PSF Olho D’Água e PSF Santa Cruz) e sua programação compartilhada nas unidades rurais; e

d. oficinas de elaboração do PTA 2011, no Hospital Municipal Santo Antônio, nas três unidades urbanas de saúde da família (PSF Centro, PSF Olho D’Água e PSF Santa Cruz) e sua programação compartilhada nas unidades rurais.Nessa fase do estudo exploratório, a pesquisa recebeu quatro estudantes

de enfermagem, angolanos, como orientandos/estagiários de iniciação científica - bolsistas CAPES12 com o objetivo de permitir-lhes, com base na observação das práticas de gestão local de saúde, refletir sobre os componentes desse

12 “Plano do Trabalho de Pesquisa Exploratória: Modelo de Atenção em Saúde” – Eixo: Organização de Serviço/ Integralidade na Atenção à Saúde, submetido à CAPES e aprovado em dezembro de 2010, no âmbito do Programa de Incentivo à Formação Científica de Estudantes Angolanos (PFCM 2011 – 3ª edição) / Apoio MEC/CAPES com quatro bolsistas angolanos participantes (janeiro a março de 2011).

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modus operandi. Buscou-se identificar similitudes e discrepâncias entre saberes e fazeres apreendidos teórica e empiricamente em uma gestão orientada para responder as necessidades de saúde da população. A participação de estudantes de enfermagem de outro país agregou maior valorização dos serviços locais de saúde à própria realidade, pela equipe local de trabalho que lhes explicitaram os referenciais normativos do SUS, como a autonomia sobre o próprio trabalho e responsabilização em prestar contas das práticas (accountability) aos coletivos. Entende-se que essa é uma experiência que pode contribuir com o desenho da organização das ações de saúde em outros contextos nacionais e internacionais.

O PTA elaborado pelas equipes de cada unidade de saúde produziu o diagnóstico da situação e sua explicação, derivando reflexões úteis para a definição das ações e mudanças necessárias nas práticas de atenção, de gestão coletiva do trabalho e avaliação das ações de saúde. O desenho do PTA teve como pressuposto a gestão coletiva do trabalho em saúde por seus atores, focando na análise situacional dos problemas de saúde da população, de responsabilidade da unidade de saúde.

Essa metodologia é condição para tornar as práticas de gestão dos serviços do SUS compatíveis com os resultados buscados em termos de respostas mais efetivas às necessidades da população. Usuários que pretendiam ser atendidos nas unidades no momento das oficinas eram convidados a participar, sendo que alguns aceitavam o convite da equipe, tendo-se feito presentes também alguns delegados regionais das conferências municipais de saúde.

Na abertura de cada oficina de elaboração do PTA era explicitada pela gestão a finalidade do trabalho: recuperar e implementar o Plano Municipal de Saúde no seu componente do Plano Contingencial de 2009 a 2011 elaborado pela gestão vigente, e, considerando os princípios do SUS e o Pacto pela Saúde, definir “o que vamos fazer” para 2011. Buscou-se, assim, reconstruir o plano de saúde vigente pela via do planejamento pelo aprendizado, começando por onde se realizam as ações: a Atenção Primária à Saúde. As questões iniciais colocadas foram:a. o que vamos fazer este ano para melhorar a qualidade de vida e saúde das

pessoas de nossa comunidade?;

b. embora muito já estamos fazendo, implica compreender os dados e indicadores para buscar resolver os problemas, com base na nossa realidade; e

c. vamos fazer o planejamento das equipes, e isso tem que estar claro para todos.

Em seguida foi feita a autoapresentação e o grupo de participantes desta pesquisa explicitou seu entendimento e expectativas para a ocasião, dentre estas, a vontade para aprender trabalhar.

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Nas oficinas eram abordados aspectos relacionados com os problemas de saúde da população e das unidades. Pediu-se aos presentes que se sentissem população para falar de suas necessidades de saúde e demandas. Em diversas situações, as Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) se colocavam no lugar da população com a qual trabalhavam para expressar os seus problemas de saúde. As oficinas, em sua forma e seus métodos, não se diferenciavam uma da outra, tal como o conjunto dos problemas encontrados, apesar das especificidades que requeriam uma abordagem diferenciada.

A dinâmica das oficinas focava no levantamento daqueles problemas que são identificados no cotidiano de atenção direta à população, pois se a razão de existir dos serviços de saúde é responder às necessidades dessa população e o sentido dos problemas de gestão e das condições de trabalho é abordá-los na organização da resposta às necessidades de saúde da população, com o cuidado de perceber que essas não se esgotam nas demandas imediatamente postas para a assistência.

Além de uma impressão recorrente de que a população quer remédio, médico, RX, ambulância e atendimento na hora e durante 24 horas, foram trazidos, enquanto problemas da população, tanto doenças quanto agravos e vulnerabilidades sociais, assim como as demandas assistenciais não satisfeitas. Os principais problemas de saúde levantados apontam para uma intervenção intersetorial: hipertensão arterial; diabetes; alimentação inadequada; sedentarismo; dengue; doenças laborais; consumo de drogas e álcool; violência, agressões e acidentes; gravidez na adolescência; desagregação familiar; prostituição; desemprego e falta de lazer.

Os condicionantes mais próximos aos problemas de saúde da população que foram apontados dizem respeito à organização da assistência: falta de medicamentos; descontinuidade de horários na APS; condições materiais inadequadas para o trabalho da equipe de saúde; estrutura insuficiente de recursos sociais e de saúde, como disponibilidade e preparo dos profissionais para a abordagem ampliada que a determinação social dos problemas de saúde exige.

Os participantes se dividiram em dois grupos para a programação das ações: um subgrupo focou os problemas da população e o outro trabalhou com os problemas de organização e gestão da unidade de saúde. A análise dos problemas foi baseada em algumas perguntas: o que é o problema; onde ocorre; com quem ocorre; como acontece; e por quê.

A avaliação da oficina foi bastante positiva sobre esse modo de fazer a programação anual de trabalho – pelos próprios sujeitos da ação planejada. Chamou atenção dos participantes a leitura feita pelos estudantes estrangeiros com destaque para a forma de se tratar os problemas da comunidade como se fossem da equipe, pois, assim, diziam eles, a solução do plano são vocês, a própria equipe.

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Apesar da relativa ausência do apoio institucional junto às equipes nos meses que seguiram após a realização das oficinas de PTA, as ações programadas foram sendo executadas por envolvimento e iniciativa dos profissionais com os compromissos assumidos na proposta.

Seis meses após a elaboração do PTA foram feitas reuniões com as equipes na forma de rodas de aprendizado para discussão das ações implementadas como decorrentes das oficinas de programação anual realizadas. Observou-se a ampliação das ações de prevenção e proteção a riscos e de inserção de práticas promotoras de saúde.

Oficinas dos indicadores na Atenção Primária em Saúde

O movimento de realização das oficinas de programação anual por unidade de APS revelou a necessidade de trabalhar melhor o reconhecimento dos problemas de saúde por área de abrangência das equipes e que o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) vinha ao encontro desse fim, ao fazer um retrato da realidade local. O SIAB tinha por finalidade auxiliar o acompanhamento e a avaliação das atividades realizadas pelos ACS, ao agregar e processar os dados advindos das visitas domiciliares, como também dos atendimentos médicos e de enfermagem realizados.

Em uma unidade urbana periférica de saúde da família onde ainda não tinha havido oficina de PTA, optou-se por realizar uma oficina experimental de planejamento local explorando os indicadores do SIAB como desdobramento dessa oficina experimental, alguns meses após, foi realizada uma oficina geral dos indicadores com todas as equipes e, finalmente, um trabalho de análise do uso do SIAB pelas equipes de APS.

Na oficina de indicadores realizada na unidade da ESF do bairro de Santa Cruz, foram apresentados à equipe os indicadores pactuados e alcançados pelo município, desagregados para aquela unidade, sobre os quais a equipe os atualizava, fazia sua crítica e se reprogramava para elevar o alcance das metas pela acima referida unidade.

A experiência de trabalho por equipe com os seus indicadores revelou a necessidade de realizar oficinas similares nas demais unidades para articular as práticas, entre essas, a de reunir as equipes das unidades rurais de APS em uma oficina e continuar trabalhando com as unidades urbanas de forma individual. A opção por essa metodologia de trabalho teve por finalidade redesenhar o trabalho local com os indicadores por unidade, definindo como gerenciar/monitorar/avaliar o fazer cotidiano das equipes de saúde da família do município de Chapada dos Guimarães.

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Para as equipes se apropriarem do trabalho com os indicadores como ferramenta para o gerenciamento local da própria unidade, realizou-se uma oficina geral dos indicadores da APS com todas as equipes. Nesta oficina, a reflexão sobre os indicadores de saúde partiu da apresentação e comparação entre as metas pactuadas com a Secretaria Municipal de Saúde e os resultados alcançados, respectivamente, nos anos de 2010 e 2011 até junho. Os participantes expuseram os problemas encontrados, cada qual em seu trabalho, para atingir as metas e fizeram sugestões de encaminhamento para o fechamento até dezembro das metas pactuadas. Destacaram para alguns indicadores as seguintes dificuldades e as respectivas proposições de abordagem:a. taxa de internação em pessoas idosas por fraturas de fêmur: superar as

dificuldades para mapear e apoiar as pessoas acima de 60 anos em risco;

b. razão de exames citopatológicos cérvico-vaginais na faixa etária de 25 a 59 anos em relação à população: introduzir iniciativas para maior captação de mulheres13, além de medidas para reduzir o tempo muito longo de retorno dos exames;

c. proporção de nascidos vivos de mães com sete ou mais consultas de pré-natal: aperfeiçoar os registros, como no caso das mães que quando vão ganhar os filhos não levam os cartões e informam errado o número de consultas de pré-natal o que gera o sub-registro, além de estimular a captação precoce e maior seguimento do pré-natal;

d. taxa de internações por diabetes e suas complicações na população de 30 anos ou mais: enfrentar a situação de que algumas pessoas não gostam de ser tratadas e a dificuldade de manterem a dieta; e o

e. percentual de crianças menores de cinco anos com baixo peso para idade: ampliar o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, com o registro sistemático, para evitar os casos das mães que não pesam as crianças e informam os pesos abaixo do real. No projeto articulado na presente pesquisa-ação, foi descrito e analisado o

processo de coleta, o preenchimento dos relatórios e o uso dos dados do SIAB (OCAMPOS, 2013). As ACS consideraram que a coleta dos dados nas visitas domiciliares é o momento onde se evidencia a real situação da comunidade; podendo, dessa forma, traçar o planejamento de como agir.

13 Por iniciativa de uma unidade (PSF Olho D’Água), a liberação do Bolsa-Família no município ficou atrelada, além da caderneta de vacinação dos filhos, ao CCO da mãe em dia.

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Quando a questão era a dos indicadores da realidade por unidade de atenção primária de saúde, surgiu nas rodas de conversa com os ACS, certos pontos recorrentes em suas falas: a. precisa ensinar como fazer uma boa visita e a importância de cada item da

ficha;

b. a clareza nos registros de dados contribui para melhorar a qualidade e o alcance das finalidades do serviço;

c. a tecnologia de informação, como computador e internet por PSF, não vai diminuir o trabalho, mas aumentar a eficácia dos serviços; e

d. a importância de se definir quais indicadores de saúde precisam ser mais acompanhados e como usá-los.Enquanto proposta derivada das oficinas de indicadores emergiu a

necessidade de realizar oficinas de EPS sobre a territorialização da saúde por unidade de APS, para maior apropriação pela equipe dos problemas no território e de ferramentas para seu seguimento. Embora reconhecida a importância da territorialização da saúde, inclusive a construção de mapas estratégicos comunicantes de saúde, um dos objetivos da pesquisa-ação, não foi implementada no tempo de execução da pesquisa.

Processo de constituição do Núcleo de Apoio à Educação Permanente de Saúde

Coerentemente com o papel da liderança institucional apresentado no modelo de aprendizado para a formação de estratégias emergentes gerenciadas (MINTZBERG, 1998), realizou-se o processo de constituição de um Núcleo de Apoio à APS. Fez-se esforço na formação de uma equipe central de apoio à gestão local pelos próprios coletivos de trabalho.

Na perspectiva da constituição de grupo de liderança local do projeto de pesquisa-ação e extensão, a noção de grupo-operativo (PICHON-RIVIERE, 1988) inspirou a organização do trabalho em torno de tarefas potentes para a instituição da referida metodologia. A operação grupal pretendida nas unidades de saúde foi sendo experimentada na dinâmica da equipe central de apoio e liderança do projeto, onde se exercitou os conceitos apreendidos pelas vivências.

Foi constituído um Núcleo de Apoio à EPS, mais propriamente de apoio ao aprendizado organizacional de referência para as unidades de APS. Nos seus quatro primeiros meses de atuação, foram realizadas nove reuniões

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quinzenais, destacando-se nessas reuniões a consecução das seguintes ações: constituição incremental do grupo, articulação dos seus integrantes e definição das estratégias de estruturação e funcionamento; explicitação e discussão de problemas trazidos pelos participantes, que evidenciaram a necessidade de seu enfrentamento pela via da EPS; e discussão compartilhada de insights, possíveis soluções aos problemas levantados, com encaminhamento das ações de extensão para serem realizadas junto às equipes de APS.

Para a instituição do processo grupal no Núcleo de Apoio acima referido e com reforço da gestora, foram definidos os primeiros quatro atores locais de referência para o projeto – egressos do CDG-SUS: o assessor direto do gabinete, para acompanhar todo o trabalho, assumir os encaminhamentos internos e ser referência de retorno das unidades locais; o professor sanitarista, que era o principal consultor da Secretária de Saúde do município de Chapada dos Guimarães; o gestor de pessoas e o coordenador de atenção básica.

No processo grupal emergiu a necessidade de se levantar potenciais multiplicadores para participarem desse núcleo de apoio, necessário para a execução do objetivo de implantar a política de EPS. Como efeito do aprendizado em equipe nesse processo, foram formados oito instrutores e facilitadores de EPS, que atuaram nas ações derivadas.

Como referencial teórico compartilhado no momento inicial de constituição do Núcleo de Apoio à EPS foram utilizados os seguintes estudos: a Política Nacional de EPS (MS, 2006); a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS – ParticipaSUS (MS, 2009); e um texto sobre teoria e prática na gestão do trabalho em saúde de autoria de Pierantoni, Varella e França (2004).

No primeiro momento, coube ao grupo de apoio, organizado em duplas, fazer um resumo e impressões dos textos de especialistas em saúde acima mencionados para serem apresentados no próximo encontro. Como os participantes não conseguiram cumprir essa tarefa de ler os seus respectivos textos, a coordenadora fez a introdução do primeiro texto – conceito e política de Educação Permanente em Saúde para apoiar o ensino e aprendizado dentro do trabalho para as suas necessidades. A tarefa de ler e estudar cada texto passou, então, a ser assumida em trios e, no encontro seguinte, foi iniciada a discussão para refletir a aplicabilidade dos referidos textos no projeto local de EPS. Com base no material pedagógico do CDG-SUS (MÜLLER NETO; SCHRADER, 2011), foi exposta e discutida uma aula sobre educação permanente em saúde.

Nesse contexto, emergiu como proposta de suporte para o grupo fazer uma bibliotecazinha central na SMS, com textos de apoio e uma pasta com a memória das ações e reuniões de EPS, obviamente de acesso para todos os

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trabalhadores de saúde. Por intermédio do Núcleo de Apoio foi organizado um grupo de estudos em serviço e disponibilizado para as equipes de PSF um espaço de leitura com material educativo sobre educação permanente e gestão local de saúde.

Buscou-se, também, fazer um desenho compartilhado desse grupo de estudos com a equipe da SMS para a implantação da política de EPS no município, com reuniões quinzenais até finalizar o projeto de extensão. Mas, como fazer funcionar o grupo e chamar as pessoas? O que fazer para mobilizar as pessoas para virem às reuniões?

Diante desses desafios, o apoio do gestor fez-se visível em suas passagens nas reuniões para saudar o grupo e quando designou, respectivamente, o seu principal assessor como gestor e a secretária do gabinete como suporte administrativo desse Núcleo de Apoio à EPS.

Foram reconhecidas as demandas dos profissionais das unidades de saúde para transformar o processo de EPS em curso de extensão da UFMT. Entretanto, houve um entendimento na cultura organizacional de que essa participação depende da designação dos membros por portaria, para desse modo conseguir formar uma comissão, diferentemente da dinâmica construída pelo Núcleo de Apoio à EPS.

Assim como as estratégias, os problemas também são emergentes, no caso, trazidos pelos participantes nos encontros do Núcleo de Apoio. Gradativamente diminuiu a frequência de participantes nas reuniões do Núcleo, o que gerou a seguinte hipótese: quando as reuniões começarem a ser mais valorizadas será outra fase do projeto, pois o estudo aqui desenvolvido vai ter maior aproveitamento. Porém, o trabalho de apoio institucional foi encerrado antes desse acontecimento.

O processo de aprendizado em grupo não é linear, o que ficou muito claro no percurso daquele Núcleo de Apoio à EPS. Então, para aumentar a interlocução com as unidades de saúde, além dos participantes de nível central, buscou-se trazer para o grupo, um representante de cada unidade de APS e, assim, cada categoria profissional se fez presente. A cada novo encontro se adicionava novo participante no grupo. Mas não se integravam efetivamente no processo porque buscavam resolver outros interesses. Como exemplo, uma nova participante, Agente Comunitária de Saúde, precursora do projeto Criança Feliz, expôs o referido projeto com o objetivo de conseguir o apoio institucional.

Com as dificuldades de tempo para reuniões, a maioria dos participantes foi se ausentando. Em sequência, as Agentes Comunitárias de Saúde deixam de participar do Núcleo de Apoio. O técnico mais assíduo em todo o processo então passou a se preocupar em ter que assumir mais essa tarefa (núcleo de apoio), até porque o número de participantes nas reuniões é sempre muito pequeno.

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A dificuldade de participar de reuniões vivenciadas no Núcleo de Apoio à Educação Permanente em Saúde também acontece, e mais fortemente, nas unidades de saúde. Apesar da reunião de equipe ser importante para o estudo e aprendizado de novas práticas, essa valorização não foi reconhecida pelas equipes de saúde: somente as unidades urbanas de saúde da família fizeram reuniões rotineiras. As reuniões de equipe PSF eram rotina, porém, se perdeu a importância com o passar do tempo. Quem frequentava as reuniões de rotina eram principalmente as ACSs com a enfermeira. Sexta-feira de tarde nos PSF era para fazer reuniões ou estudos e passou a ser utilizada em alguns locais como horário livre; e, em outros casos, para o deslocamento dos profissionais que estavam nas áreas rurais.

Buscou-se exercitar no núcleo de apoio a prática de autogestão grupal. Iniciava-se cada novo encontro com a leitura e discussão complementar do relato da reunião anterior. O relatório é uma ferramenta que ajuda na autogestão do grupo. Para além das memórias das reuniões, o grupo tinha o seguinte problema: como conseguir fazer acontecer as suas sugestões e o prazo para devolver as respostas, pois as tarefas encaminhadas em reunião, dificilmente eram executadas. Ainda que reforçada a ideia de designar/assumir os responsáveis pelos encaminhamentos do grupo, muitas de suas proposições não se implementavam, apesar de dependerem somente do próprio grupo.

Havia a percepção por parte dos gestores de que as unidades de APS tinham autonomia demais, que ficavam “por conta”, sem direção planejada ou construída coletivamente; e que ficou pior após a entrada dos aprovados no último concurso. As enfermeiras de unidade eram recém-formadas e vieram direto para os serviços de saúde, mas muito armadas e preocupadas com o autobenefício e na defensiva contra o nível central. Assim, sem um trabalho para construir uma visão compartilhada, a equipe de gestores mencionava que os próprios profissionais vão matar o SUS, se não mudarem. Só nós, do nível central, não conseguimos aglutinar nada. Para os gestores a Educação Permanente em Saúde, como contraponto da fala instituída nas unidades, veio dar a direção para o trabalho realizado na APS.

Foram identificadas deficiências no relacionamento entre os profissionais e destes com os usuários. A natureza dos problemas emergentes explicitou a necessidade de se implantar uma política de educação permanente no SUS naquele município, a exemplo da seguinte situação-problema: Tem pessoas que nem sabem o que possui no PSF. Quando as cartilhas são oferecidas para as unidades, na grande maioria, não são lidas pelos trabalhadores. Precisa criar um novo Projeto de Educação Popular em Saúde, como uma das respostas às suas necessidades de saúde. Dada a importância do saber popular, temos que aprender a escutar as pessoas, para trabalhar com elas.

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Outra situação-problema trazida diz respeito à saúde das crianças: o indicador de desnutrição sobrestimado no Sistema de Informação de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), por declarações da mãe e o questionamento no próprio grupo sobre o aleitamento materno exclusivo. Foi, então, registrada a necessidade de uma discussão ampliada sobre o aleitamento materno.

O serviço de odontologia em saúde coletiva colocou-se como desafio para ser resolvido pelo próximo PTA, porque fazer promoção/prevenção em saúde bucal no PSF era considerado uma utopia pelo setor, que fazia somente a assistência curativa. E que um Centro Especializado em Odontologia nos pequenos municípios era ilusão. Logo, o que fazer com as quatro equipes de saúde bucal existentes ou os cinco consultórios dentários do SUS municipal tornou-se problema. Uma proposta de ação deveria, então, ser construída pela EPS.

O centro de especialidades de referência para a Atenção Primária à Saúde foi ficando sobrecarregado de demanda, pois, muitas vezes, as pessoas eram encaminhadas para especialistas, sem deles necessitarem. Não se trabalhava na promoção e prevenção da saúde, apesar de existirem iniciativas inovadoras, como o PSF Olho D’Água com propostas alternativas, junto à comunidade, de promoção de períodos de atividades saudáveis (suco-verde às manhãs e dias de atividade física); ou o trabalho coletivo com o grupo de diabéticos no PSF Centro.

Desde o início das ações de pesquisa-ação buscou-se trabalhar por unidade básica de saúde. Então, na implantação e apoio para a EPS, quando o grupo da pesquisa visitou cada unidade, fazia-se acompanhar por, pelo menos, um técnico de nível central, para configurar a proposta como institucional e, assim, explicitar que a EPS é do próprio serviço de saúde e não do projeto de apoio da Universidade Federal de Mato Grosso.

Coube ao Núcleo de Apoio à EPS fazer a proposta de retorno por unidade de APS, após um período de inflexões no segundo semestre de pesquisa. O trabalho com as unidades exigiu a retomada dos respectivos planos de trabalho (PTA), a saber, a questão dos indicadores da realidade e os compromissos firmados na mais recente Conferência Municipal de Saúde. No apoio à gestão local das unidades, como estratégia de reaproximação nas reuniões de equipe procurou-se saber: o que ficou do PTA desta unidade quer sejam metas qualitativas, quer sejam as quantificadas nos indicadores pactuados.

Então, iniciou-se a reentrada no PSF Centro, por ser o mais próximo e foi marcada a pauta da pesquisa nas reuniões das demais equipes. Observou-se que, por iniciativa da própria equipe, as ações planejadas estavam em desenvolvimento. Todavia, a questão dos indicadores continuava dependendo de iniciativas isoladas dos profissionais.

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A atuação do Núcleo de Apoio à EPS, no segundo ano da pesquisa, a partir da realização das ações de extensão, passou a acontecer diretamente nas oficinas de EPS e as reuniões do grupo adquiriram periodicidade mensal e voltaram-se para a programação, coordenação, avaliação e desdobramentos daquelas.

Processo de construção de um Projeto de Educação Permanente de Saúde

O Núcleo de Apoio à Atenção Primária em Saúde se organizou, inicialmente, em torno da tarefa de elaboração conjunta de uma proposta de aprendizagem organizacional, que se materializou no desenho compartilhado do projeto de educação permanente daquela SMS. Construir a proposta de Educação Permanente em Saúde para o próximo ano, adequada às unidades e de acordo com as suas particularidades, foi, então, a tarefa que o Núcleo de Apoio teve para desenvolver durante o período de seis meses.

O projeto de Educação Permanente em Saúde foi construído visando congregar as diversas equipes de saúde para autogerenciamento do próprio trabalho, mediante processos coletivos de aprendizado em equipe e foi desdobrado em quatro subprojetos integrados: 1) EPS para a APS; 2) EPS para as equipes do nível central; 3) EPS do Centro de Especialidades de referência para a APS; e 4) EPS do Hospital Santo Antônio, incluída a Unidade de Pronto Atendimento e SAMU. Coube a cada equipe reelaborar a proposta para o seu âmbito de atuação na saúde e, dessa forma, aconteceu a abertura de implantação da EPS no município.

Considerando que a educação permanente na Atenção Primária à Saúde seria redesenhada em cada equipe de PSF, o espaço do trabalho de pesquisa-ação e extensão priorizou e restringiu-se à APS. Com esse foco visou congregar as equipes para autogerenciamento do próprio trabalho e para montar uma estratégia diferenciada de EPS nos PSF rurais.

O Projeto de EPS para o ano de 2012 foi “escrito” pelo Núcleo de Apoio um dia antes daquele final de ano. Foi feita uma leitura comentada das observações e das mudanças na proposta. Foi definido um pequeno subgrupo para a revisão do projeto. O grupo propôs-se elaborar orientações, na forma de um roteiro pedagógico, para auxiliar as unidades de APS a fazer suas adaptações no seu próprio Projeto de EPS. Na primeira semana de janeiro, o projeto de EPS foi enviado para as unidades pelo secretário municipal, acompanhado de mensagem de Ano Novo.

Ao ser submetido às sete equipes de PSF do município, cada equipe fez as adequações para o seu âmbito de atuação na saúde e de acordo com o respectivo plano de trabalho anual vigente na unidade. Por articulação com as ações já desencadeadas no processo de pesquisa-ação em desenvolvimento,

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foram propostos os seguintes temas centrais da EPS na APS para o primeiro semestre do ano de 2012:a. janeiro: EPS por unidade de APS – Discussão e adaptação por PSF do

Projeto EPS;

b. fevereiro: aplicação do QualiAB enquanto sistema de autoavaliação das unidades;

c. março: devolutiva geral do QualiAB e sua discussão em oficinas por unidade de saúde da família;

d. abril: trabalhar os indicadores da APS, em dois subgrupos – um para preparar a equipe multiprofissional e outro para preparar especificamente os ACS;

e. maio: construção dos mapas das metas e estratégias (a via do Balanced ScoreCard – BSC); e

f. junho: Organizações que Aprendem Saúde (OAS). As ações de EPS no segundo semestre daquele ano teriam pauta emergente.

Na programação da oficina geral com todas as equipes da secretaria para apresentação do Projeto de EPS e adaptação dos planos locais, foi definido o tempo de apresentação, foram incluídas as proposições do calendário de rodas do aprendizado articulando as temáticas entre as unidades de APS, foi aberto o questionamento pelas equipes, discussão e reelaboração compartilhada do Projeto. O fechamento do projeto implicou consolidar posteriormente as proposições finais decorrentes da oficina.

Ato contínuo, realizou-se a oficina geral de reelaboração do projeto de educação permanente pelas equipes de PSF, que teve ampla participação de todas as unidades e, na ocasião, cada uma reelaborou no seu grupo o próprio programa de EPS. Na ocasião destacou-se a seguinte observação de um participante: Estamos desenhando esse jeito novo de fazer saúde. Foi naquele momento que se iniciou a implantação da ação de EPS. Todavia, não foi consolidado o projeto adaptado pelas equipes, nem impresso, nem propriamente implantado por unidade um projeto de EPS; foi somente dada a continuidade do próprio programa de educação em saúde para a população.

A ação mais abrangente executada do Projeto de EPS foi uma oficina de formação dos Agentes Comunitários de Saúde de 16 horas-aula para os 57 ACS do município, destacando-se em sua dinâmica que a metade dos ACSs apresentou, cada grupo, o objeto de seu trabalho, fundamentado com base conceitual e prática para a outra metade, que era formada pelos ACSs recém-admitidos.

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Processo de avaliação da qualidade da Atenção Primária em Saúde

Como desdobramento do projeto de EPS em desenvolvimento no município de Chapada dos Guimarães, ainda na oportunidade de sua adequação às necessidades e expectativas das unidades de APS, as equipes foram orientadas para realizar um processo de avaliação dos respectivos processos de trabalho em saúde. Foi utilizado para este fim o questionário QualiAB – de avaliação da Qualidade de serviços de Atenção Básica, autorrespondido pelas equipes das unidades de APS.

O questionário QualiAB é um instrumento desenvolvido e validado a partir de pesquisa avaliativa realizada no estado de São Paulo em 2007 e demonstra bom poder de discriminação dos níveis de qualidade, definidos a partir da organização do trabalho assistencial e do gerenciamento local, com base em 15 indicadores de gerência e 50 de assistência. Foi adotado em 2010 pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em seu programa de apoio à Atenção Básica sendo então respondido por 2.735 serviços de 586 municípios (90,8% do Estado), com maior concentração de municípios com menos de 100 mil habitantes. Em São Paulo as devolutivas dos resultados, com a discussão dos critérios e padrões utilizados na avaliação, foram realizadas tanto por meio da apresentação geral dos dados consolidados para os gestores estaduais e municipais, quanto para cada unidade de saúde que aderiu ao questionário por meio de reuniões de equipe com articuladores da Atenção Básica (CASTANHEIRA et al, 2011; ANDRADE & CASTANHEIRA, 2011).

Foi proposto processo semelhante à experiência paulista para a discussão dos resultados da avaliação no trabalho com o município de Chapada dos Guimarães, sendo importante se considerar as especificidades desse novo contexto em relação à adequação do instrumento e dos padrões de qualidade para a realidade local.

O município de Chapada dos Guimarães conta com todas as unidades organizadas segundo a estratégia de Saúde da Família, sendo uma unidade central, duas periféricas e quatro unidades rurais, que na totalidade, responderam ao QualiAB.

Na percepção das lideranças do serviço de saúde, o QualiAB possibilita a crítica das práticas visando a mudança via problematização do trabalho. Segundo Castanheira, o desenvolvimento de instrumentos autoaplicáveis com foco na organização do trabalho permite que as equipes conversem sobre o modo como realizam as ações no cotidiano dos serviços, se apropriem de forma crítica de seu trabalho e elaborem novos arranjos tecnológicos para a melhoria da qualidade (CASTANHEIRA et al. 2009, 2011).

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Em uma oficina geral, após a autoaplicação por todas as unidades de APS, foi realizada a devolutiva dos resultados e uma avaliação geral sobre o processo avaliativo. Os resultados foram apresentados de modo consolidado, apontaram as questões para a organização da atenção primária do município como um todo que foram discutidas em cada unidade.

Segundo as equipes, boa parte das unidades seguiu a recomendação de responder o questionário em reunião de equipe. As unidades que assim o fizeram, consideraram essa metodologia, uma ótima experiência para o grupo refletir sobre suas práticas. Em outras unidades foi a enfermeira, por vezes acompanhada de uma técnica de enfermagem, quem preencheu o referido questionário.

De modo geral, a experiência com o QualiAB foi considerada positiva. Entretanto, identificou-se a necessidade de adequações do instrumento à realidade local, como a falta de alternativas em algumas questões, que foram completadas por escrito. Além disso, as unidades rurais assinalaram que muitas questões não correspondiam à realidade desses serviços.

Foram realizadas oficinas devolutivas do QualiAB em cada uma das unidades de APS, seguindo como roteiro: a leitura de cada questão e das respostas assinaladas, a apresentação das normas, critérios e padrões utilizados e discussão das possibilidades de melhorias. Em uma primeira oficina, o apoio institucional fazia a abertura dessa ação por unidade e cada equipe fazia a sua continuidade.

Na oficina geral de devolutiva do QualiAB e mais acentuadamente nas oficinas subsequentes de discussão da avaliação por unidade de APS, ficou reiteradamente explicitado o crescente empoderamento (empowerment) das ACS na sua efetiva participação nos processos de discussão, autoavaliação, autogestão e proposição de soluções frente as situações-problema emergentes, atitude esta considerada como primeiro efeito do processo de pesquisa-ação e extensão empreendido naquela SMS.

Nas oficinas de autoavaliação das práticas por PSF urbano, houve um trabalho sistemático de observação e ação de apoio, conduzido diretamente pela coordenadora da ação de pesquisa e extensão, junto a uma unidade selecionada por proximidade e abertura da equipe. Nesse processo, foi possível dimensionar a construção da EPS em uma unidade de APS. As oficinas de autoavaliação da qualidade da atenção básica realizadas nas quatro equipes rurais de PSF foram mais pontuais, em função da especificidade do trabalho de saúde em áreas rurais e por estas serem tão diversas e distantes entre si.

Dentre os resultados empíricos do QualiAB, as unidades apresentaram o mesmo desempenho do observado em São Paulo, com uma mediana equivalente a 64% do padrão esperado.

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Em relação à estrutura destacaram-se insuficiências em relação às salas de espera e salas para as atividades assistenciais e ausência de rede informatizada em 100% dos serviços. Entre os indicadores de gerência, vale destacar a necessidade de maior utilização de dados epidemiológicos e de produção para planejamento das atividades, a necessidade de ampliação das oportunidades de capacitação das equipes e de fortalecimento da relação com a comunidade por meio dos conselhos locais. Na assistência ganhou destaque a necessidade de ampliação das ações de educação em saúde e das atividades de seguimento que tendem a ficar comprometidas com a grande proporção de atendimento à demanda espontânea. Esse conjunto das necessidades de melhoria já vinha sendo enfrentado pelo projeto de apoio e pode ser rediscutido com as equipes e a gestão local com base na aplicação do QualiAB.

No percurso das oficinas devolutivas por unidade de APS, inicia-se, na SMS, outro processo de autoavaliação da qualidade das suas unidades de saúde da família, por adesão institucional ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ)14. O seu instrumento de autoavaliação pelas equipes – Autoavaliação para Melhoria do Acesso e da Qualidade (AMAQ) teria que ser preenchido pelas mesmas equipes que estavam em processo de discussão dos seus resultados na aplicação do QualiAB. Nesse cenário, a equipe de apoio procurou promover um sinergismo entre as questões apontadas pelos dois processos avaliativos de modo que pudessem se somar como instrumentos de melhoria da qualidade da Atenção Básica de Chapada dos Guimarães.

Perspectivas de melhorias das práticas de Atenção Primária em Saúde

Nas oficinas devolutivas de autoavaliação da qualidade realizadas nas unidades urbanas, a equipe fez comentários sobre os efeitos e a aplicabilidade das duas estratégias avaliativas utilizadas. Destacou-se, nessas unidades, a criatividade da equipe em identificar e implementar melhorias de qualidade na sua organização do trabalho, como efeito dos processos de autoavaliação, o que, em diferentes graus, de alguma forma aconteceu também nas unidades rurais.

Ao final do segundo ano da pesquisa, além das rodas de conversa nas três unidades urbanas de APS, foi possível realizar apenas uma oficina de melhoria da qualidade das ações de atenção básica com o conjunto dos coordenadores

14 PMAQ é o programa institucionalizado pelo Ministério da Saúde para avaliação das unidades de APS atuantes no SUS brasileiro.

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de PSF, onde todas as unidades estavam representadas por seu médico e/ou enfermeira, que apresentaram os pontos fortes e debilidades das ações de EPS realizadas em 2012, articulando-as às melhorias da qualidade e da gestão coletiva das ações pelas próprias equipes.

Considerações Finais

Reconhecendo o conteúdo: histórico, cultural, político, ideológico, tecnológico e normativo, da mudança da gestão organizacional, a metodologia qualitativa do tipo interpretativa permitiu a compreensão do processo de mudança das práticas gestoras, reformatando-as enquanto processo de execução da estratégia, a partir da interpretação dos próprios atores. As descobertas da presente pesquisa se estruturaram na forma de descrições organizadas e permitiram, ao final, esboçar um modelo gestor, que propiciou o aprendizado da gestão coletiva do trabalho em saúde, construído nas práticas cotidianas das equipes de saúde.

Como produtos materiais, além dos relatórios15 de processo e comunicações apresentadas em Congressos em 201016 e 201317, tem-se este presente texto e três projetos de artigos científicos: um teórico-metodológico, um sobre o uso de indicadores pelos serviços de atenção básica e outro de autoavaliação da qualidade da APS.

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que, as ações de EPS contribuíram para a construção de um jeito novo de fazer saúde, mediante modo de gestão coletiva, em conjunto com as equipes de trabalho nas unidades da SMS. A participação efetiva dos gestores em todo o processo legitimou as ações e contribuiu para a reorganização das práticas de atenção.

A pesquisa-ação promoveu a interação entre os pesquisadores e os sujeitos da situação investigada. Havia uma vontade coletiva de ação planejada sobre os problemas detectados na pesquisa, o que propiciou modos para alinhar a organização às suas estratégias.

15 Relatório de Execução do “Plano do Trabalho de Pesquisa Exploratória: Modelo de Atenção em Saúde 2011”; Relatórios quadrimestrais consolidados no Relatório Final da pesquisa-ação, 2013; e, o Relatório do SigProj, 2013, todos de autoria de Kehrig.

16 Educação Permanente para a Gestão Coletiva do Trabalho na perspectiva da integralidade em saúde: estudo exploratório de pesquisa-ação em laboratório de Gestão na SMS de Chapada dos Guimarães/MT, de autoria de Kehrig et al (2010), publicado pela Abrasco, Porto Alegre.

17 Sobre o método de um laboratório de gestão coletiva do trabalho em Unidade Básica de Saúde: pesquisa-ação organizacional na Secretaria Municipal de Saúde de Chapada dos Guimarães, de autoria de Kehrig et al (2013), apresentado no V Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas promovido pela ABRASCO, Rio de Janeiro, nos dias 14 a 17 de novembro de 2013, publicado pelo CBCSHS no mesmo ano.

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Constatou-se a efetividade e potencialidade de iniciativas de extensão e pesquisa-ação frente ao desafio de construção sucessiva e incremental de novas práticas de gestão e atenção na perspectiva da integralidade nos serviços municipais de saúde, tomando a via pedagógica por fio condutor de tais processos de mudança estratégica.

Agradecimentos

À Enfermeira Rosa Maria Manzano Blanco, Secretária da Saúde do município de Chapada dos Guimarães - MT no período de execução do presente projeto e aos trabalhadores da SMS de Chapada dos Guimarães, verdadeiros coautores deste texto na sua participação em todo o processo de pesquisa.

À Sandra Antunes (in memoriam), acadêmica do Curso de Graduação em Saúde Coletiva do ISC/UFMT, bolsista nos primeiros meses do projeto de extensão, que nos deixou em 30 de junho de 2012.

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SumárioS

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Absenteísmo / Presenteísmo: A Enfermagem Hospitalar em Foco

Aldenan Lima Ribeiro Corrêa da Costa 1

Eliziani Gonçalves da Silva 2

Karla Gomes de Almeida 3

Sônia Ayako Tao Maruyama 4

Laura Filomena Santos de Araújo 5

Elizabeth Jeanne Fernandes Santos 6

Gabrielle Taques Silva 7

Carla Rafaela Teixeira Cunha 8

Jonatan Costa Gomes 9

Apresentação

A pesquisa matricial “Faltas ao trabalho, um problema para a gestão do cuidado hospitalar” teve como objetivo geral compreender como são realizados os controles de presença e de ausência ao trabalho hospitalar dos trabalhadores de enfermagem de um hospital e pronto socorro público do município Cuiabá para verificar o índice de absenteísmo hospitalar. Essa pesquisa foi realizada por docentes e discentes da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), vinculados ao Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania (GPESC) da Faculdade de Enfermagem (FAEN) e compôs a proposta de implantação da Estação de Trabalho: “Saúde, Trabalho e Cidadania” do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS)

1 Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da FAEN/UFMT. Membro do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania (GPESC).

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso e membro do GPESC.

3 Enfermeira graduada pela FAEN/UFMT. Especialista em Saúde Indígena, Urgência e Emergência e Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde do SUS. Ex-bolsista da pesquisa “Faltas ao trabalho, um problema para a gestão do cuidado hospitalar”. Membro do GPESC.

4 Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da FAEN/UFMT. Líder do GPESC.

5 Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da FAEN/UFMT. Membro do GPESC.

6 Mestre em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da FAEN/UFMT.

7 Enfermeira Graduada em enfermagem pela FAEN/UFMT. Ex-bolsista de iniciação científica.

8 Mestranda do Programa de Pós-Graduação FAEN/UFMT e membro do GPESC.

9 Graduando em enfermagem pela FAEN/UFMT, voluntário de iniciação científica. Membro do GPESC.

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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do Instituto de Saúde Coletiva (ISC)/UFMT. Por meio desta articulação buscou-se desenvolver estudos que pudessem acrescentar à estação uma pluralidade de olhares de modo a ampliar a fundamentação teórico-metodológica para os diferentes desafios e seus enfrentamentos rumo à consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado de Mato Grosso.

Gestão do Trabalho: a enfermagem hospitalar

A gestão do trabalho nos serviços de saúde possui a peculiaridade de um trabalho especial por se tratar da produção de um serviço que não é uma mercadoria cujo valor possa ser estipulado pelas regras habituais do mercado, ou até mesmo por leis. Na produção dos serviços de saúde estão implicados múltiplos e variados interesses, relacionados aos usuários e aos profissionais de saúde, além daqueles do próprio “complexo médico-hospitalar” ou de representantes políticos, razão pela qual se torna tão importante trazer à tona questões relacionadas à gestão dos recursos humanos em saúde. Sabe-se que aspectos como a formação, o desempenho e a gestão dos recursos humanos afetam diretamente a qualidade dos serviços prestados e, consequentemente, a satisfação dos usuários (BRASIL, 2002).

Em Mato Grosso, embora existam 16 Polos Regionais de Saúde, onde os serviços de saúde são ofertados à população, os atendimentos de média e alta complexidade se concentram em Cuiabá, capital do Estado, em um hospital público de referência para as emergências e urgências da população mato-grossense.

Trata-se de um hospital municipal geral de 190 leitos, classificado pelo Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) como hospital tipo II em urgência, atendendo a demanda espontânea e referenciada, no nível ambulatorial, a média e a alta complexidade; e no nível hospitalar, a alta complexidade. Por ocasião deste estudo, o pronto-socorro possuía 79 enfermeiros, 221 auxiliares de enfermagem e 166 técnicos de enfermagem, totalizando 466 profissionais, considerados como a população deste estudo. A vinculação empregatícia desses trabalhadores foi como servidor público, estatutário ou por contrato por prazo determinado (DATASUS, 2010).

A amostragem constou de 184 trabalhadores, eleitos por apresentarem faltas ao trabalho no período de setembro de 2008 a março de 2009, registradas no livro de frequência disponibilizado pelo setor de Recursos Humanos da acima referida instituição.

Além de esses trabalhadores não possuírem a mesma vinculação empregatícia, também a jornada de trabalho era diferenciada, pois podia ser de 30 ou 40 horas semanais, sendo que a jornada de 40 horas semanais era cumprida pela maioria dos trabalhadores com contrato por prazo temporário.

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Abordou-se a área de Recursos Humanos (RH) para buscar conhecimento a respeito dos trabalhadores de enfermagem hospitalar e socializar seus resultados como contribuição aos gestores do SUS, no estado de Mato Grosso. Foram analisadas questões que permitiram reflexões e encaminhamentos por parte dos gestores públicos e da assistência de enfermagem no nível hospitalar, não apenas para saber o que acontece atualmente, mas também para visualizar as tendências e eleger prioridades nesta área.

Enfocou-se o absenteísmo como a falta do empregado ao trabalho; e que sua ocorrência em uma unidade hospitalar traz muitas repercussões para toda a equipe de enfermagem, desencadeando, muitas vezes, o descontentamento dos empregados e a sobrecarga de trabalho. No campo da enfermagem hospitalar, o absenteísmo é um fenômeno complexo que, além de oneroso para as organizações de saúde, é também desafiador para os gestores da saúde pública, pois ocorre em um contexto de trabalho onde as atividades não podem ser adiadas, já que implicariam em prejuízos, muitas vezes irreversíveis para a saúde das pessoas internadas em hospitais e prontos-socorros do SUS.

Dentre os fatores que podem elevar o índice de absenteísmo, destaca-se o dimensionamento inadequado ou insuficiente do quadro de profissionais, feito sem considerar o grau de complexidade dos cuidados exigidos pelas pessoas hospitalizadas, o que gera sobrecarga, estresse e predispõe ao adoecimento esses profissionais. Em virtude dessas condições desfavoráveis do ambiente hospitalar, esses trabalhadores acabam por buscar meios de compensar o sofrimento, ou pela fuga ao trabalho através de atestados, licenças médicas, ou por faltas justificadas ou não, ausências estas que afetam os próprios trabalhadores, as instituições e comprometem a qualidade dos serviços prestados (COSTA; VIEIRA; SENA, 2009).

As faltas ao trabalho podem ser classificadas em: absenteísmo-doença (ausências justificadas por licença-saúde); absenteísmo por patologia profissional (acidente de trabalho e/ou doença profissional); absenteísmo legal (amparado por lei, como: gestação, nojo, gala, doação de sangue e serviço militar); absenteísmo-compulsório (suspensão imposta pelo patrão, por prisão ou por outro impedimento de comparecer ao trabalho); e absenteísmo voluntário (razões particulares não justificadas). O trabalhador pode ainda faltar ao trabalho por razões de caráter familiar, por motivos de força maior, por dificuldades ou por problemas financeiros ou de transporte, por baixa motivação para trabalhar; por supervisão precária de chefia e políticas inadequadas de organização (QUICK; LAPERTOSA, 1982).

Mesmo considerando a importância da classificação acima descrita e a legislação de trabalho garantir ao trabalhador o direito de faltar e responder legalmente a cada tipo de falta verifica-se que, no cotidiano das instituições de saúde, essas ausências produzem dificuldades administrativas no momento assistencial e sobrecarga física e emocional para os trabalhadores presentes.

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Nesse contexto, o profissional tende a buscar mecanismos de defesa e outros modos de enfrentamento, inclusive, gerar diferentes formas de conflitos no ambiente de trabalho. Por isso, instituições hospitalares que possuem elevados índices de absenteísmo requerem a gestão eficiente dos recursos humanos, pois na ausência de um trabalhador, outro precisa assumir a sua função. Quando isto não é previsto e o trabalhador substituído, as cargas de trabalho e o número de horas continuam as mesmas para uma equipe reduzida. Como consequência, além das repercussões na saúde dos trabalhadores, tem-se a baixa qualidade do atendimento. Dessa forma, estudos enfocando o controle de presenças e ausências de trabalhadores de enfermagem são importantes para subsidiar a gestão hospitalar no sentido de melhorar a estruturação dos ambientes de trabalho, tornando-os mais saudáveis também para os trabalhadores que os compõem.

Neste sentido, Lacerda e Oliniski (2006), advertem quanto a necessidade de disponibilização de ambientes de cuidado aos cuidadores pelas instituições de saúde, de modo a incentivar o cuidado de si e o autocuidado no local de trabalho não só como mecanismo para a promoção do bem-estar mas também para a melhoria da qualidade dos serviços ofertados

A coordenação da assistência de enfermagem (CE), responsável pela avaliação das ausências, necessita de suporte administrativo e apoio institucional na previsão e resolução desse problema. Por isso é pertinente e necessário compreender o fenômeno do absenteísmo relacionado ao universo do trabalho de enfermagem, pois essa compreensão poderá ampliar as perspectivas dos gestores sobre o planejamento e a implementação dos recursos humanos de enfermagem.

Considerando a descrição acima exposta, questiona-se: qual é o índice de absenteísmo que os registros do livro de frequência e ocorrências permitem constatar e quais seus significados frente aos dispositivos legais que amparam o trabalhador de enfermagem em um hospital público, referência para as emergências e urgências da população mato-grossense?

Como abordagens metodológicas foram utilizadas técnicas e métodos qualitativos e quantitativos que permitiram contemplar a perspectiva dos trabalhadores de enfermagem e os índices de absenteísmo presentes na instituição. Privilegiou-se a técnica de observação direta do contexto de trabalho da CE e do setor de Recursos Humanos (RH), para trazer dados empíricos como resultado do trabalho de campo e a análise de documentos específicos para o controle de faltas ao trabalho, tais como o livro de ocorrências de enfermagem e o formulário utilizado pelo setor de RH para o registro de frequência dos trabalhadores na instituição.

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Inicialmente, foram buscados no livro de ocorrência de enfermagem, os registros das faltas dos trabalhadores de enfermagem10 e seus motivos e, nas escalas de serviço, a checagem dos dias de folga. A seguir, foram caracterizados os tipos de ausências mais comuns registrados no livro de frequência do RH da instituição, para fazer a interface com o registro das faltas descritas no livro de ocorrências da CE. Também a identificação da frequência das licenças para tratamento de saúde e das faltas não justificadas foram feitas, na tentativa de se evidenciar como se apresentavam, em termos quantitativos, as ausências dos trabalhadores de enfermagem na instituição pesquisada.

Na análise documental, buscou-se indagar como se operacionaliza o registro das presenças e ausências ao trabalho hospitalar e, paralelamente, evidenciar o índice de frequência das licenças para tratamento de saúde, bem como o índice de gravidade das ausências ao trabalho decorrente das licenças médicas. Na observação direta, buscou-se evidenciar a prática de controle das presenças e ausências dos trabalhadores de enfermagem, com a finalidade de compreender como se processava este controle administrativamente.

O corpus de análise foi constituído a partir de três fontes principais: 1. os dados acessados no livro de ocorrências de enfermagem e no livro de

frequência dos trabalhadores;

2. os dados referentes à observação direta do contexto de produção dos documentos sobre faltas ao trabalho; e

3. cópias de documentos utilizados na instituição para respaldar o controle de presenças e ausências: Lei complementar nº 93, de 23 de junho de 2003 (CUIABÁ, 2003a); Lei complementar nº 94 de 3 de Julho de 2003 (CUIABÁ, 2003b) e Portaria nº 016/GAB/SMS/2009 (CUIABÁ, 2009); Normas – como encaminhar pedido de licença médica de servidores estatutários e de prestadores de serviços; Formulário de frequência/2010 (um exemplar para evidenciar como se operacionaliza o registro de frequência na instituição) e um formulário do cartão de ponto (um exemplar para estudar quais são os dados considerados no registro de frequência dos trabalhadores). Assim, foi analisado o índice de absenteísmo ao trabalho de enfermagem

do hospital referente ao período de setembro/2008 a março/2009, pois não foi possível acessar todos os documentos em sequência, mês a mês, para a análise no período de um ano, como inicialmente havia sido previsto.

10 Neste estudo o termo trabalhador de enfermagem se relaciona a diferentes formas de contrato de trabalho na instituição, ocupadas pelas diversas categorias de enfermagem.

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Os dados do livro de frequência foram digitados no programa Microsoft Excel Office XP, para possibilitar a mensuração das faltas ao trabalho (não justificadas ou por licença médica) e permitir dimensioná-las em um mapeamento. Deste mapeamento, levantamos a quantidade de faltas distribuídas por função, mês a mês. Estas faltas foram somadas para totalizar o número de ocorrências. Também foi calculada a quantidade de dias perdidos, decorrentes das ocorrências, tendo como referência o número total (466) de trabalhadores de enfermagem na instituição.

Após essa etapa, procedeu-se o cálculo do absenteísmo na instituição, estudada por meio dos seguintes instrumentos: 1. o Índice de Frequência (IF), que indica a média de afastamentos por

trabalhador atuante;

2. o Índice de Gravidade (IG), que evidencia a média do número de dias de afastamentos por trabalhador da instituição; e

3. o Percentual de Tempo Perdido (PTP), que traduz a proporção entre o número de dias de afastamentos em relação ao total de dias trabalhados, o qual foi calculado tendo por referência a média de 25 dias de trabalho ao mês, pois se desconsiderou os dias referentes ao descanso previstos na legislação. Com base em Moraes (2008, p. 139-146), quando se trata do índice de

controle dos absenteísmos, as fórmulas indicadas para sua obtenção foram:

Quadro 1 - Fórmulas para cálculo do absenteísmo.

Índice de Frequência

IF = nº atestados no mês nº funcionários no mês

Índice de Gravidade

IG = nº dias perdidos no mês nº funcionários no mês

Percentagem de Tempo Perdido

PTP= nº dias perdidos no mês x 100 nº func. mês x nº de dias trab.

Fonte: MORAES (2008, p. 139-146).

Esta pesquisa foi apreciada pelas seguintes instâncias hierárquicas: da FAEN/UFMT e, em atendimento a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que trata de pesquisa envolvendo seres humanos, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller da UFMT, tendo sua aprovação referendada sob nº 577/CEP-HUJM/08.

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Mecanismos de controles de presenças / ausências - interface com o absenteísmo / presenteísmo na enfermagem hospitalar

Na instituição pesquisada, o setor de RH organiza, controla, dimensiona e gerencia os recursos humanos por meio de processos essenciais que permitem a manutenção de um quantitativo de trabalhadores, tais como: contratação, demissão, exoneração, licenças, controle de frequência/ausência. Este setor é responsável pela distribuição equitativa e adequada de trabalhadores em dado período de tempo, por diferentes turnos de trabalho e setores, com as qualificações diferenciadas exigidas segundo atividade e nível de complexidade, dentre outros elementos.

O RH fiscaliza a “presença” do trabalhador na instituição através do instrumento de controle de “ponto”, um relógio no qual o trabalhador registra sua impressão digital, no momento de sua chegada e no de sua saída a cada turno de trabalho, como evidenciado na nota:

Havia alguns trabalhadores nos corredores do hospital. Observei a máquina que é de passar a digital dos servidores. Eram duas e estavam acopladas à parede. Naquele momento não havia ninguém passando a digital (Notas de observação – 05.10.2009 – 08 às 12h e 15 min).

Esse registro fica impresso na memória do relógio e é utilizado pelo RH para obter a frequência de cada trabalhador a cada mês, por meio da ficha impressa “Cartão de Ponto”.

O Cartão de Ponto é um instrumento que permite construir um consolidado do total de frequências dos servidores na instituição, ao lado de outro instrumento específico do RH, que digitaliza os dados, denominado de “Frequência”, documento impresso que registra a presença e ausência de cada um, permitindo um mapeamento do conjunto destes, segundo cada coordenadoria e cada gerência. Outro instrumento utilizado, também para registrar a frequência, é o livro de controle das ocorrências e das observações relacionadas às ausências.

O livro de frequência é formado por um formulário básico com dez colunas, sendo a primeira destinada a uma numeração sequencial, a segunda ao nome completo do trabalhador, a terceira ao cargo, a quarta à função exercida, a quinta ao vínculo empregatício, a sexta à jornada de trabalho, a sétima à admissão, a oitava à carga horária, a nona às ocorrências e a última coluna é destinada às observações. Em cada linha se registra os dados relativos a cada trabalhador.

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Quadro 2 - Formulário base do livro de frequência

Sequência Nome Cargo Função VínculoJornada

de trabalhoAdmissão

Carga horária

Ocorrências Observações

Fonte: Livro de frequência institucional.

Na visualização das descrições destas colunas foi possível perceber a quantidade total de trabalhadores por cada setor do hospital, os cargos de cada um (enfermeiro, auxiliar de enfermagem, técnico de enfermagem), os vínculos (estatutários ou prestadores) e a carga horária (30 horas e 40 horas). Permitiram ainda tecer análises referentes às presenças e ausências, visto que: a coluna “ocorrências” destina-se ao registro da quantidade de dias trabalhados por cada trabalhador (sua presença) e é preenchida com base nos registros efetuados em documentos específicos, tais como: o cartão de ponto, que legitima as presenças e ausências; o atestado médico, que confirma as licenças para tratamento de saúde e outras licenças e a comunicação interna (CI), que legaliza as trocas de turnos e dias de trabalho entre os trabalhadores de uma mesma categoria profissional.

Com base na coluna “ocorrências” é feito o cálculo do pagamento mensal de cada trabalhador. Assim, quando este tem uma falta não justificada, ela é subtraída da quantidade dos dias de trabalho previstos (30 dias), sendo referência para o “desconto” em seu salário.

Os casos de licenças afastamentos e ausências justificáveis são previstos na Lei Complementar n. 93 de 23 de junho de 2003, que dispõe sobre o estatuto dos servidores municipais da administração pública direta, autárquica e fundacional do município de Cuiabá. O seu artigo 103 afirma que: “será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia e laudo médico oficial, sem prejuízo da remuneração a que tiver direito.” (CUIABÁ, 2003a). O quadro 3 abaixo apresenta as ocorrências por licença médica e por faltas sem justificativas no período analisado, de setembro de 2008 a março de 2009.

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Quadro 3 - Distribuição das ocorrências dos trabalhadores de enfermagem segundo as funções profissionais no período de setembro de 2008 a março de 2009

Ano MêsCategoria

profissionalLicença médica

Falta sem justificativa

TotalTotal de

ocorrências/ mêsTotal dias perdidos

2008

SetembroT/A

30 9 5 14

28 31940 10 2 12

E30 - - -40 2 - 2

OutubroT/A

30 12 4 16

33 41040 12 2 14

E30 - - -40 3 - 3

NovembroT/A

30 5 7 12

33 40640 12 3 15

E30 - 3 340 3 - 3

DezembroT/A

30 7 3 10

24 27040 7 5 12

E30 - 2 240 - - -

2009

JaneiroT/A

30 9 11 20

35 31740 6 9 15

E30 - - -40 - - -

FevereiroT/A

30 10 3 13

20 29640 2 3 5

E30 2 - 240 - - -

MarçoT/A

30 6 1 7

11 10940 4 - 4

E30 - - -40 - - -

Nota 1: Construção dos autores. Nota 2: Neste estudo o termo ocorrência é utilizado para nomear os diversos eventos relacionados às faltas entre os trabalhadores de enfermagem, sejam eles voluntários ou não. Os números 30 e 40 referem-se à carga horária,

horas, semanal, relacionadas com os profissionais concursados e prestadores, respectivamente. Legenda: T/A (Técnico/Auxiliar de Enfermagem). E (Enfermeiro).

Observamos que nas categorias de técnicos/auxiliares de enfermagem com carga horária de 30 horas, os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2008 totalizaram 33 ocorrências de faltas justificadas com licenças médicas, ou seja, esses trabalhadores tiveram necessidade de licença médica para tratamento de saúde. No mesmo período houve 19 faltas sem justificativas para estas mesmas categorias.

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Assim, no cômputo geral foram observadas ausências de 52 trabalhadores de seus postos de trabalho, no referido período. Em análise, é possível afirmar que o registro dessas ausências aconteceu após a ocorrência destas, ou seja, cada primeira ausência computada significa que não houve um aviso prévio à equipe de coordenação do serviço de enfermagem, para assim possibilitar a cobertura daquele posto de trabalho.

Nesse período de 2008, nas categorias profissionais de técnicos/auxiliares de enfermagem com carga horária de 40 horas semanais, os dados mostraram o total de 41 ocorrências relacionadas às licenças médicas. Já as faltas sem justificativa totalizaram 12, o que significa que 53 técnicos e auxiliares não compareceram ao trabalho.

Em relação aos enfermeiros com contrato de trabalho de 30 horas semanais, não há anotação de licença médica e foi registrado o total de 05 ocorrências de faltas sem justificativa, sendo 03 no mês de novembro e 02 em dezembro. Nesse mesmo período, na categoria de enfermeiro com carga horária de 40 horas, observamos o total de 08 ocorrências relacionadas às licenças médicas e nenhum registro de faltas sem justificativa.

A análise do ano de 2009, relativa aos meses de janeiro, fevereiro e março, registra, nas categorias de técnicos/auxiliares de enfermagem com carga horária de 30 horas, 25 ocorrências relacionadas às licenças médicas. Já as faltas sem justificativas foram 15, sendo o maior número de ocorrência no mês de janeiro com 11 faltas, seguido por fevereiro com 03 e apenas 01 em março.

No mesmo período de 2009, nas categorias profissionais de técnicos/auxiliares de enfermagem com carga horária de 40 horas semanais, observamos 12 ocorrências de licenças médicas e 12 faltas sem justificativas, sendo que a partir do mês de janeiro a quantidade de faltas foram decrescentes, zerando em março.

Neste mesmo período, na categoria enfermeiro, com contrato de 30 horas semanais, há registro de apenas 02 ocorrências de licença médica e nenhum registro de falta sem justificativa. Já na categoria enfermeiro com contrato de 40 horas, não há registro de ocorrência de qualquer tipo de faltas.

Ao longo de todo o período analisado, quando comparamos a relação da quantidade de faltas sem justificativas em todas as categorias profissionais, constatamos que o número de ocorrências foi maior para os trabalhadores com carga horária de 30 horas semanais, exceto para a categoria de enfermeiros no mês de fevereiro, quando há o registro de apenas 02 ocorrências, sendo por licença médica. Isso poderia levar a suspeita de que aqueles que têm menor carga horária apresentam maior número de ocorrências relacionadas à faltas injustificadas. Entendemos que essa situação-problema pode ser base de estudo para futuras pesquisas.

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Como se pode observar na descrição dos resultados, o que nos chamou atenção na Tabela foi a descrição dos tipos e número de ocorrências. Percebe-se que as licenças médicas representaram 65,76% (121) do total das ocorrências (184), e esse registro manteve-se elevado no ano de 2008, mas decresceu a partir de janeiro de 2009.

O gráfico 1 a seguir apresenta mensalmente os dias perdidos de trabalho no período analisado de setembro a dezembro de 2008 e janeiro a março de 2009.

Gráfico 1 - Dias perdidos de trabalho de setembro a dezembro de 2008 e janeiro a março de 2009

Nota: Construção dos autores.

Destacamos mensalmente a quantidade de dias perdidos de trabalho, sendo o menor deles igual a 109 dias no mês de março de 2009 e os maiores iguais a 410 no mês de outubro e 406 no mês de novembro de 2008. O somatório de dias perdidos de trabalho, no período dos 7 meses considerados, foi de 2.127 dias.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos índices de absenteísmo dos trabalhadores de enfermagem.

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Tabela1 - Distribuição dos índices de absenteísmo dos trabalhadores de enfermagem no período de setembro de 2008 a março de 2009

Índices de absenteísmo2008 2009

Set Out Nov Dez Jan Fev MarIF (até 0,10) 0,045 0,057 0,042 0,030 0,032 0,030 0,023IG 0,684 0,879 0,871 0,579 0,680 0,635 0,233PTP (até 1,2%) 2,738 3,519 3,484 2,317 2,721 2,540 0,935

Nota: Construção dos autores.

Em relação aos índices de absenteísmo calculados neste estudo, privilegiou-se o índice de frequência (IF) e o percentual de tempo perdido (PTP) na análise, salientando-se que, embora não exista um valor ideal para cada um, pois cada instituição tem uma realidade específica, o Subcomitê de Absenteísmo da Associação Internacional de Medicina do Trabalho (SAAMT) orienta que o IF não deva ultrapassar a 0,10 por mês e o PTP não ser maior que 1,2% (SILVA, 2004).

Índices acima destes valores precisam de uma avaliação atenta, no sentido de adotar medidas de promoção da saúde e prevenção de agravos à saúde do trabalhador (COUTO, 1987 apud MORAES, 2008).

Os dados levantados por esta pesquisa mostram que o PTP varia entre 3,519% a 0,935% e, em todos os meses considerados, este índice foi maior do que aquele recomendado pelo SAAMT, exceto no mês de março de 2009, quando decaiu drasticamente para 0,935%, abaixo do valor de referência, o que chamou a nossa atenção. (Gráfico 2).

Gráfico 2 - Distribuição dos índices de absenteísmo dos trabalhadores de enfermagem no período de setembro de 2008 a março de 2009

Nota: Construção dos autores.

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Concluímos, portanto, que o mês de março foi atípico em relação aos demais meses, podendo tal fato estar relacionado à Portaria 016/GAB/2009 que disciplina o “Prêmio Saúde Cuiabá”, e que, coincidentemente, passou a vigorar a partir do dia primeiro do mês de março de 2009. Esta portaria regulamenta a Lei Municipal nº 94 de 3 de julho de 2003, cujo incentivo financeiro tem como meta a melhoria do índice de satisfação do usuário do SUS/Cuiabá.

Esse incentivo é um mecanismo institucional legal, por meio do qual o trabalhador municipal da saúde recebe, além do salário, auxílio financeiro pela assiduidade ao trabalho. Tal incentivo é caracterizado como um “prêmio” àqueles trabalhadores que tiverem 100% de presença na instituição, ou seja, conforma-se como um mecanismo que pode “amarrar” a presença do trabalhador ao seu posto de trabalho e favorecer o presenteísmo, conceituado como a presença do trabalhador, ainda que doente, no seu local de trabalho (PRIMO; PINHEIRO; SAKURAI, 2007). O conceito de presenteísmo tem sido utilizado para se referir ao trabalhador que comparece ao seu local de trabalho, apesar de não se encontrar em condições de saúde (mental e/ou física) para realizar suas funções de modo produtivo e, portanto, não consegue apresentar um bom desempenho (LARANJEIRA, 2009).

Assim, esse “benefício” pode ser o responsável institucional pela presença do trabalhador no local do trabalho, mesmo sem condições de saúde para exercer as suas atividades, pois este “prêmio”11 é perdido em caso de falta, ainda que legalmente amparada.

Dispositivos Legais – efeitos na Gestão de Recursos Humanos

Os dados analisados evidenciaram que o absenteísmo por licença médica foi maior do que a quantidade de faltas não justificadas por necessidade de saúde dos trabalhadores na maioria dos meses analisados, exceto no mês de janeiro de 2009, quando estas superaram as de licenças médicas. No entanto, os dados empíricos não nos permitiram avaliar os motivos dessa inversão neste mês.

O índice de frequência (IF) e o Percentual de Tempo Perdido (PTP) variaram no decorrer dos sete meses analisados, sendo que o IF ficou abaixo do parâmetro considerado normal pelo Subcomitê de Absenteísmo da Associação Internacional de Medicina do Trabalho (SAAMT), mas o PTP manteve-se acima do referido parâmetro declinando significativamente no mês de março de 2009, quando foi instituída a Portaria nº 16/GAB/SMS, de 1º de março de 2009.

11 O prêmio é designado por “mensalinho” pelos trabalhadores da instituição.

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A partir da leitura dessa portaria e da Lei Complementar nº 94/2003 podemos tecer algumas considerações, dentre as quais, prioritariamente, que estes dispositivos legais são centrais na construção do fenômeno do presenteísmo institucional, que passou a existir no mês de março de 2009, uma vez que vinculam o pagamento de uma gratificação ao trabalhador à sua “frequência de 100% (cem por cento)”.

A efetividade destes dispositivos pode ser evidenciada nos movimentos empreendidos para garantir o “controle de presença” na instituição do estudo, nos registros produzidos por diferentes meios e por diferentes pessoas, tal como os realizados nos livros de ocorrências e nas Comunicações Internas. Este controle da presença tem dupla via, pois é realizado tanto pelo trabalhador, como uma preocupação cotidiana para garantir seus rendimentos, por meio de um “prêmio”; quanto pelo RH, pois é este setor que distribui o “prêmio” a quem lhe é devido – daí o cuidado intenso com certos procedimentos que possam garantir o controle da presença, o que, em conjunto, produz o fenômeno do presenteísmo institucional.

E mais, esta vinculação de pagamento à frequência do trabalhador está ligada à construção de uma noção de salário como “prêmio”, a ser alcançado como “premiação”, frente às “condições básicas” a serem seguidas. Este “prêmio” segue, ainda, sendo distribuído de forma diferenciada: 1) por profissões - médicos, enfermeiros, nutricionistas, dentre outros, são diferentemente “premiados”; 2) por níveis e setores de atividades – sendo alguns deles contemplados com a “melhor premiação”, o que diferencia o valor do trabalho nos diferentes níveis de atenção do SUS, embora o sistema não contemple esta lógica (CUIABÁ, 2009).

Podemos pensar que o Percentual de Tempo Perdido (PTP) tem influência indireta na qualidade do cuidado oferecido pelos profissionais de enfermagem e qualidade de vida do profissional. Logo, antes da homologação da portaria, o número de atestados médicos e sua expressão no percentual de tempo perdido foi constantemente elevado, porém, logo após a publicação da mesma, houve uma queda expressiva na quantidade de atestados, o que invisibiliza a ocorrência do adoecimento do trabalhador, pois ele passa a não se ausentar, mesmo doente.

Esse achado nos levou a buscar na literatura maiores informações sobre o fenômeno presenteísmo, que tem sido mais estudado fora do Brasil. Tal fenômeno é, na atualidade, associado ao resultado das novas relações de trabalho, onde os trabalhadores buscam garantir, a todo custo, o seu emprego. Decorre em geral da reestruturação nos serviços públicos e privados, da redução dos benefícios institucionais e do aumento da quantidade de empregados com contratos temporários (SELIGMANN-SILVA, 2008).

Inferimos que o mesmo fenômeno se evidenciou no mês de março, já que este mês foi atípico em relação aos anteriores e coincidiu com o início da gratificação financeira designada como “Prêmio Saúde de Cuiabá”, o qual só é merecedor aquele

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trabalhador que não tiver faltas e que não se ausentar do trabalho, nem mesmo amparado nas licenças legalmente constituídas como direito dos trabalhadores.

Destacamos que os dispositivos legais não podem ser considerados como causa única da presença constante dos trabalhadores em seus postos de trabalho, pois, há outros condicionantes macroestruturais e biopsicossociais no cotidiano institucional. Todavia, os dispositivos legais no caso estudado parecem impulsionar o presenteísmo, ou seja, a presença do trabalhador, mesmo quando ele não se sente em condição de saúde adequada para o desempenho de suas funções.

Além disso, é preciso considerar a potência que apresentam tais dispositivos, quando refletimos que os próprios gestores/administradores também estão sob os seus reflexos. Nesta situação é, para eles, muitas vezes, difícil detectar os sintomas característicos do presenteísmo, representado pelo baixo rendimento produtivo dos trabalhadores e suas dificuldades para alcançar o esperado desempenho, já que no presenteísmo os problemas físicos e mentais não se explicitam da mesma forma que em outras situações da vida cotidiana.12

Gestão e Saúde - suas interfaces

Os trabalhadores em geral, e os de enfermagem em particular, são os componentes fundamentais na gestão do trabalho em saúde, a exigir não só que os processos administrativos de RH sejam eficientes na garantia de uma prestação de serviço de qualidade satisfatória, mas também que se faça a promoção da saúde de todo o pessoal envolvido na prestação do atendimento de saúde à população. Daí a necessidade de mudanças dos modelos tradicionais de gestão de recursos humanos para um modelo que inclua o comprometimento dos gestores e dos profissionais dos diferentes setores, em todas as fases do processo de trabalho em saúde, para garantir a construção de indicadores avaliativos do desempenho profissional e da instituição como um todo.

Na instituição investigada há necessidade de se instituir mecanismos de avaliação de controle de qualidade das atividades assistenciais e administrativas do processo de trabalho em saúde, principalmente no que se refere ao cuidado

12 O presenteísmo tem sido observado nos aspectos clínicos apresentados pelos trabalhadores e podem estar relacionados a agravamento de quadros clínicos específicos, ou associados a outros agravos, tais como mentais, psicossomáticos e acidentes de trabalho. O alcoolismo é um dos desdobramentos psiquiátricos possíveis, ocorrendo como um tipo de amparo para “aguentar-se” no trabalho. Outra possibilidade encontrada se relaciona ao uso, entre trabalhadores, de tranquilizantes, antidepressivos e riscos de acidentes de trânsito (SELIGMANN-SILVA, 2008).

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hospitalar para o qual a falta de um trabalhador requer sua imediata substituição para um eficiente desempenho profissional e preservação da sua saúde.

Ainda que exista incentivo financeiro criado com a finalidade de garantir a satisfação do usuário do SUS, não identificamos, durante a realização deste estudo, algum indício institucional de mecanismos discursivos ou não discursivos para medir a satisfação dos usuários, nem para fazer a avaliação do desempenho profissional, de modo que pudesse refletir numa avaliação positiva por parte da população em relação à assistência oferecida. Isso nos levou a inferir que o único indicador utilizado é a presença do trabalhador na instituição, e a questionar se a sua simples presença seria garantia da satisfação do usuário e da qualidade da prestação dos seus serviços, pois ele poderia comparecer ao seu posto de trabalho sem as devidas condições de saúde para o exercício profissional.

Dessa forma, o incentivo financeiro idealizado e colocado em movimento como um dispositivo legal, embora se traduzindo em queda do absenteísmo marcada pela diminuição da quantidade de atestados evidenciados a partir de sua implantação, não poderá, isoladamente, favorecer a qualificação do trabalho oferecido se, paralelamente, não contar com políticas de avaliação do desempenho institucional do hospital como um todo. Neste sentido, será necessária a inclusão de outros indicadores e parâmetros gerais que possam avaliar cada unidade de produção e a instituição como um todo, incluindo-se também mecanismos de avaliação e de proteção à saúde dos trabalhadores.

Referências

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COSTA, F. M.; VIEIRA, M. A.; SENA, R. R. Absenteísmo relacionado à doenças entre membros da equipe de enfermagem de um hospital escola. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 62, n.1, p.38-44, jan./fev. 2009.

CUIABÁ. Câmara Municipal de Cuiabá. Lei complementar nº 93, de 23 de junho de 2003. Dispõe sobre o estatuto dos servidores públicos da administração pública direta, autárquica e fundacional do município de Cuiabá. Gazeta Municipal, Cuiabá, 4 jul. 2003a.

CUIABÁ. Câmara Municipal de Cuiabá. Secretaria de Apoio Legislativo. Lei complementar nº 94, de 3 de julho de 2003. Consolida as leis municipais de saúde e dá outras providências. Gazeta Municipal, Cuiabá, 4 jul. 2003b.

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CUIABÁ. Secretaria Municipal de Saúde. Portaria Nº 016/GAB/SMS/2009, de 01 de março de 2009. Cuiabá, 2009.

DATASUS. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Disponível em: <http://cnes.datasus.gov.br/>. Acesso em: 20 maio 2010.

LACERDA, M. R; OLINISKI, S. R. Cuidando do cuidador no ambiente de trabalho: uma proposta de ação. Rev. Bras. Enferm., v. 59, n. 1, p. 100-104, 2006.

LARANJEIRA, C. A. O. Contexto organizacional e a experiência de estress: uma Perspectiva Integrativa. Rev. salud pública, v. 11, n. 1, p. 123-133, 2009.

MORAES, M. V. G. Enfermagem do trabalho: programas, procedimentos e técnicas. 3. ed. rev. São Paulo: Látria, 2008.

PRIMO, G. M. G; PINEIRO, T. M. M; SAKURAI, E. Absenteísmo no trabalho em saúde: fatores relacionados. Rev. Méd. de Minas Gerais, v. 17, supl. 4, p. 260-268, 2007.

QUICK, T. C.; LAPERTOSA, J. B. Análise do absenteísmo em usina siderúrgica. Rev. Bras. Saúde Ocup., v. 18, n. 69, p. 65-70, 1982.

SELIGMANN-SILVA, E. Saúde mental no trabalho contemporâneo. In: CONGRESSO DE STRESS DA INTERNATIONAL STRESS MANAGEMENT ASSOCIATION (ISMA-BR), 9, 2009, Porto Alegre. 43p.

SILVA, LUIZ SÉRGIO. Perfil do absenteísmo em um banco estatal: análise no período de 1998 a 2003. 2004. 160 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

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Gestão do cuidado no pré-natal pela equipe de enfermagemSebastião Junior Henrique Duarte 1

Neuci Cunha dos Santos 2

Marli Villela Mamede 3

Introdução

A situação da saúde feminina no período gravídico puerperal é uma preocupação ao longo de várias décadas e tem mobilizado tanto a sociedade civil organizada, quanto o sistema governamental, na perspectiva de reduzir a mortalidade materna, que ainda se constitui em um desafio para o setor saúde e para a sociedade (DUARTE; ANDRADE, 2006).

Morte materna é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como sendo o óbito de uma mulher grávida em qualquer fase da gestação até 42 dias após o parto, independente da duração e da localização da gravidez (OMS, 1996).

Na tentativa de reduzir a mortalidade materna e perinatal o governo brasileiro incorporou, a partir de 1996, às políticas de atenção materna e infantil o projeto Maternidade Segura, em parceria com a Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia, o Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Organização Pan-Americana da Saúde. A principal meta de tal programa é a melhoria da assistência ao parto e nascimento (BRASIL, 2003).

Esta proposta encontra-se alicerçada na iniciativa do Grupo Interagências (IAG), formado pela OMS, para estudos e propostas de redução da morte materna e perinatal a nível mundial. A Iniciativa por uma Maternidade Sem Risco, lançada em 1987 pela OMS, como resultado dos estudos feitos pela IAG propõe uma série de estratégias e passos bem definidos para aumentar a consciência mundial sobre o problema e conseguir gravidez e parto mais seguros à mulher e aos recém-nascidos (MAcDONALD; STARRS, 2003).

1 Doutor em Ciências da Saúde, Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

2 Doutora em Ciências da Saúde, Professora Associada da Universidade Federal de Mato Grosso.

3 Pós-Doctor, Professora Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

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Essas preocupações fundamentam-se no conhecimento sobre a magnitude do problema da morte materna em vários países como no Brasil e na convicção de que tal problema é reflexo da qualidade da assistência recebida pelas mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal, pois a assistência pronta, oportuna e adequada pode evitar a maioria dessas mortes (BRASIL, 2006).

Em 1997, o IAG convocou uma conferência internacional com o objetivo de examinar as lições aprendidas durante o primeiro decênio do projeto denominado Iniciativa por uma Maternidade Sem Risco e para identificar estratégias mais eficazes e mobilizar ações, a nível nacional, para implementar estas estratégias. Surgiu desta conferência, um claro consenso sobre o valor da atenção qualificada durante o parto, como uma intervenção fundamental para tornar as gravidezes e partos mais seguros (MAMEDE et al., 2008).

A atenção qualificada ao pré-natal se refere ao processo que consiga garantir que a mulher grávida e o recém-nascido recebam atendimento adequado durante: a gravidez, o trabalho de parto, o parto, o período pós-parto e o neonatal, independente do local de atendimento acontecer no domicílio, no centro de saúde ou no hospital (ICM, 2002).

Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde, as Nações Unidas, a Confederação Internacional de Parteiras (ICM) e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) estabeleceram um consenso sobre a necessidade de uma clara definição sobre indicadores do perfil esperado do profissional com habilidades essenciais para oferecer a atenção à mulher no ciclo gravídico-puerperal (MAMEDE et al, 2008).

Há evidência histórica e epidemiológica de que a atenção qualificada durante o parto e pós-parto produz efeito significativo na redução das mortes maternas. Os países que têm dado prioridade à ampliação da atenção qualificada, durante o ciclo gravídico-puerperal, têm alcançado uma redução substantiva na mortalidade materna.

Na capital do Estado de Mato Grosso, a razão ou taxa da mortalidade materna por 100.000 nascidos vivos, apresentou os seguintes registros:

Quadro 1 - Série histórica da razão de mortalidade materna no município de Cuiabá, entre os anos de 2002 a 2006

Cuiabá 2002 2003 2004 2005 2006

Mortalidade Materna 78.23 89.27 97.79 52.14 63.22

Fonte: BRASIL (2005).

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Os dados apresentados no Quadro 1 revelam que, mesmo com todo recurso e infraestrutura disponível, a cidade de Cuiabá- MT apresenta cifras preocupantes em relação à mortalidade materna e o problema é apontado como sendo em todo o Estado de Mato Grosso. Esses registros estão muito distantes do desejado pela Organização Mundial da Saúde que estima o total de 10 óbitos maternos para cada 100.000 nascidos vivos (MOURA; HOLANDA-JUNIOR; RODRIGUES, 2003), o que justifica o desenvolvimento de investigações e medidas de intervenção que possam contribuir na redução da mortalidade materna e neonatal em Cuiabá-MT.

Outra problemática apresentada na atenção ao pré-natal foi a falta de um protocolo padronizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá-MT, anterior a esse estudo, para todos os profissionais seguirem o mesmo modelo de atendimento.

Os resultados da pesquisa intitulada “Estudo das competências essenciais na atenção ao pré-natal: ações da equipe de enfermagem no município de Cuiabá-MT” (DUARTE, 2010) apontaram algumas fragilidades técnicas na assistência pré-natal pela equipe de enfermagem, entre elas, a falta de padronização nas ações e atividades a serem desempenhadas pela equipe de enfermagem, levando-nos a desenvolver um projeto de intervenção, cujo produto final gerou a construção de um protocolo voltado à assistência pré-natal por Enfermeiros, fundamentado nas orientações dos manuais do Ministério da Saúde brasileiro (BRASIL, 2006) e nas Competências Essenciais em Obstetrícia da Confederação Internacional de Parteiras (ICM, 2002).

Diante do exposto, esta pesquisa teve como objetivo descrever o processo de construção de um protocolo voltado para a assistência à saúde da mulher pela equipe de enfermagem e avaliar a funcionalidade desse protocolo, especificamente os conteúdos referentes ao pré-natal.

Procedimentos metodológicos

Este projeto de intervenção, financiado pela estação do Observatório de Recursos Humanos estação “Saúde, Trabalho e Cidadania” da Universidade Federal de Mato Grosso, objetivou a qualificação dos profissionais da equipe de enfermagem, atuantes na atenção básica da saúde do município de Cuiabá-MT segundo as rotinas estabelecidas em protocolo por esta pesquisa.

O processo de construção e avaliação desse protocolo seguiu quatro fases: na primeira, foi organizado um grupo formado por cinco enfermeiras da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá e quatro docentes do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, todos

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com vasta experiência seja na assistência, no ensino e na pesquisa na área de saúde da mulher, para a elaboração de um protocolo que teve por título “Linhas de cuidados em enfermagem para a saúde da mulher cuiabana”. Os conteúdos são apresentados no apêndice 1.

Na segunda fase foi realizada consulta pública a todos os enfermeiros da Estratégia Saúde da Família (63) e dos Centros de Saúde (29), do município de Cuiabá, por um período de 30 dias. Nesse período, esses 92 profissionais fizeram sugestões, recomendações e opinaram na construção do acima referido protocolo, especialmente nas ações vigentes que deveriam mudar ou serem adequadas à realidade local. A Secretaria Municipal de Saúde do município de Cuiabá se responsabilizou por essa fase.

Na terceira fase, os 92 enfermeiros foram convidados para apreciação da versão final do protocolo elaborado nominado Linhas de cuidados em enfermagem para a saúde da mulher cuiabana. No entanto, somente 25 dentre aqueles compareceram, o que suscitou na equipe de coordenação desta pesquisa, a dúvida se todos os profissionais tiveram acesso à primeira versão ou o que motivou os 67 enfermeiros se excluírem nessa fase do projeto? Diante da dificuldade de congregar 100% dos enfermeiros da rede municipal de saúde de Cuiabá, optamos por finalizar o estudo com a amostragem de 25 Enfermeiros.

A quarta e última fase foi marcada por dois eventos. O primeiro foi o encaminhamento do protocolo Linhas de cuidados em enfermagem para a saúde da mulher cuiabana para o Conselho Regional de Enfermagem do Mato Grosso, para análise e parecer à luz da Lei nº 7.498/96, para posterior homologação pelo município de Cuiabá-MT. O segundo evento ocorreu na maternidade de um hospital público do município, momento em que os 25 enfermeiros tiveram a oportunidade de rever procedimentos específicos do protocolo e sanar as dúvidas a respeito das rotinas de enfermagem na atenção pré-natal.

Um questionário estruturado subsidiou a avaliação do projeto de qualificação dos profissionais da equipe de enfermagem atuantes na atenção básica à saúde do município de Cuiabá-MT, após a quarta fase. As questões referiam-se somente aos conteúdos correspondentes à assistência pré-natal. Os dados foram digitados em planilha Excel e organizados de acordo com a estatística descritiva.

Esse projeto de qualificação de profissionais enfermeiros foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisas da Universidade Federal de Mato Grosso, com protocolo número 005/2011 e todos os seus participantes assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido.

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Resultados e Discussão

Do total de enfermeiros que opinaram na construção do protocolo e participaram das oficinas 22 (88%) são do sexo feminino e 3 (12%) masculino, com idade média de 37,8 anos (25 – 53 anos). Em relação à escolaridade, o tempo após a graduação variou de 2 a 31 anos; 20 eram especialistas, 5 (20%) não cursaram nenhum curso de pós-graduação e dentre os 20 especialistas, 4 (16%) possuíam especialização em Obstetrícia. O tempo de experiência no atendimento às mulheres grávidas variou de menos de 1 ano a 27 anos de experiência. Ao serem questionados a respeito da qualificação para o trabalho com gestantes, 4 (16%) afirmaram que nunca tiveram cursos de atualização ou capacitação, os outros 21 (84%) mencionaram ter participado de cursos de curta duração.

Na análise do perfil dos profissionais de enfermagem que prestam atendimento às gestantes nas instituições da Atenção Básica em Cuiabá observou-se predominância do sexo feminino. Em relação à experiência de vida, apresentam média de idade maior que 30 anos, são casadas e muitas dentre estas já passaram pela experiência de ter filhos.

O estudo realizado por Santos e Barreira (2008) aponta que, apesar das transformações ocorridas na área da Enfermagem nos últimos anos, em relação de gênero, a força de trabalho predominante ainda é essencialmente feminina, conforme confirmam os dados levantados neste trabalho.

Na análise dos estudos em nível de pós-graduação, constatou-se que 20% dos enfermeiros não estão pós-graduados. Embora o município de Cuiabá conte com uma universidade pública e outras quatro privadas que oferecem o curso de graduação em enfermagem, nenhuma dessas escolas oferta curso de especialização em enfermagem obstétrica. Ressalta-se que a universidade pública tem o curso de mestrado em enfermagem desde 2006 e oferece a residência multiprofissional na área hospitalar a partir do ano de 2010.

Assim, como há escassez de cursos de pós-graduação na área da saúde da mulher, os cursos de atualização também não atendem às necessidades de qualificação profissional nessa área. A maioria dos profissionais de enfermagem que atuam no pré-natal em Cuiabá não participou de cursos de atualização relacionados com o ciclo gravídico puerperal após a formação profissional.

Na tabela 1 são apresentadas as limitações para o cuidado pré-natal pela equipe de enfermagem.

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Tabela 1 - Motivos referidos por enfermeiros da rede básica de saúde do município de Cuiabá quanto à limitação para o cuidado pré-natal. Cuiabá, 2012

Motivo* N. %Falta de materiais 0 40Demora no retorno dos exames 8 32Dificuldade pessoal 6 24Dificuldade com a referência 4 16Não respondeu 3 12

Notas: Construção dos autores. Legenda: * Admitiu-se mais de um motivo por sujeito.

Os dados chamam atenção para o gerenciamento de materiais e equipamentos, especialmente por serem itens de responsabilidade do gestor central disponibilizar/ manter/repor materiais e equipamentos, em sua maioria considerados essenciais ao cuidado pré-natal, como o aparelho de sonar utilizado para a ausculta dos batimentos cardíacos do bebê. A maioria dos enfermeiros referiu dificuldade na devolutiva desse aparelho quando enviado para manutenção e, até mesmo, inexistência do mesmo em sua unidade de trabalho.

Outro aspecto relacionado à gestão central refere-se à demora no retorno dos exames laboratoriais e no agendamento da ultrassonografia. Embora a gestação não seja doença, requer cuidados e possíveis intervenções nas situações de patologias assintomáticas e de grande importância na gravidez, como por exemplo, a Toxoplasmose que, quando diagnosticada no início da gestação, é possível o seu tratamento, evitando complicações para o bebê.

Com relação às limitações por dificuldade pessoal em prestar o cuidado pré-natal, 24% dos enfermeiros reconheceram que a formação básica não foi suficiente para qualifica-los ao atendimento pré-natal. Nesse sentido, o protocolo Linhas de cuidados em enfermagem para a saúde da mulher cuiabana poderá suprir grande parte dessa limitação e colabora com a qualificação da equipe de enfermagem no atendimento às mulheres grávidas.

A qualificação profissional deve ser considerada de acordo com as necessidades do mercado de trabalho que, conforme afirma Oliveira et al. (2009), há competitividade e é imprescindível ao enfermeiro, que presta assistência, buscar o conhecimento cientifico atualizado que subsidie a prática assistencial e, desse modo, fazer a atenção de qualidade.

Também os dados do presente estudo revelam que, na realidade estudada, ou seja, no município de Cuiabá, nem todos os profissionais de enfermagem que exercem sua prática no atendimento ao pré-natal

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atendem ao perfil traçado pela definição de profissional qualificado ao atendimento pré-natal da Confederação Internacional das Parteiras (ICM), OMS, Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) (OMS, 2004).

Entre as prováveis causas do número reduzido de pessoal de enfermagem qualificado para o pré-natal, uma delas relaciona-se às dificuldades de acesso aos cursos de atualização do conhecimento e das práticas. Vale destacar que o Estado de Mato Grosso, dada a sua grande extensão territorial, conta com mais de 140 municípios, alguns distantes de Cuiabá mais de 24 horas de viagem, o que, muitas vezes, dificulta e até inviabiliza a participação desses profissionais em cursos presenciais.

Continuando o acima exposto, se os enfermeiros encontram dificuldades para se deslocarem, certamente o nível médio de enfermagem também será prejudicado, pois são os enfermeiros que devem promover e viabilizar a educação continuada de toda a equipe de enfermagem. Estudo realizado por Peduzzi et al. (2006) evidenciou as diferenças no resultado da qualificação de profissionais do nível médio de enfermagem quando a educação continuada ocorre externa ao ambiente de trabalho; em algumas situações, o conhecimento adquirido fora da realidade do local de trabalho não pode ser implementado.

Diante da dificuldade do manejo às situações diversas que requerem o parecer e a conduta de especialistas foi que o Ministério da Saúde criou o projeto Telessaúde, que permite a tomada de decisão respaldada pela opinião de profissionais mais experientes, implantado também em Mato Grosso. Por esse projeto, os profissionais residentes em municípios poderão acionar os especialistas sempre que tiverem dúvidas, especialmente na assistência pré-natal (BRASIL, 2007).

Em relação ao protocolo Linhas de cuidados em enfermagem para a saúde da mulher cuiabana, os enfermeiros, após a leitura da redação final, expressaram as seguintes opiniões (Tabela 2):

Tabela 2 – Opinião de enfermeiros da rede básica de saúde do município de Cuiabá a respeito do protocolo Linhas de cuidados em enfermagem para a saúde da mulher cuiabana. Cuiabá, 2012

Opinião N. %

Melhorou minha orientação nas condutas de pré-natal 24 96

Tem expectativa que irá melhorar as condutas de pré-natal 1 4

Total 25 100

Nota: Construção dos autores.

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Os dados da tabela 2 revelam que a maioria dos enfermeiros reconheceu o potencial do protocolo, não só pelo seu conteúdo mas também pelo envolvimento deste, desde o processo de elaboração, análise na consulta pública e consenso na redação final. Esses cuidados foram tomados pelo grupo que redigiu a primeira versão, no sentido de estimular a construção coletiva de um documento norteador da prática de enfermagem naquela localidade.

Destaca-se que os protocolos assistenciais são utilizados para guiar e respaldar a assistência de qualidade no pré-natal e propiciar a legalidade das práticas profissionais de enfermagem. Também possibilitam criar condições para a atenção qualificada como a infraestrutura adequada, aquisição e manutenção de equipamentos e insumos, inclusive do funcionamento do sistema de referência, comunicação e transporte que são requisitos necessários à garantia da atenção qualificada no atendimento das gestantes (MCDONALD; STARRS, 2003).

Considerações finais

A realização deste estudo permitiu suprir a lacuna de inexistência de documento norteador da prática do cuidado de enfermagem às mulheres grávidas no município de Cuiabá-MT.

Esse protocolo nominado Linhas de cuidados em enfermagem para a saúde da mulher cuiabana surgiu da necessidade de legitimar e legalizar as ações e atividades que a equipe de enfermagem vem desempenhando em torno da atenção pré-natal, com isso beneficiar a gestante, sua família, a comunidade, o serviço de saúde e a nação. A Universidade Federal de Mato Grosso, através do Observatório de Recursos Humanos, estação “Saúde, Trabalho e Cidadania”, cumpre o papel social de se envolver com as demandas da sociedade, de produzir e financiar pesquisas e projetos de intervenção, entre tantos outros benefícios a serviço da população. Desse modo, a equipe do projeto Qualificação dos profissionais da equipe de enfermagem atuantes na atenção básica à saúde do município de Cuiabá-MT, além de atingir o objetivo de criar um documento que explicita as competências e os procedimentos a serem desenvolvidas pela equipe de enfermagem em Cuiabá-MT, possibilitou a (re)definição e a padronização das ações que possam ser desenvolvidas pela equipe de enfermagem em Cuiabá-MT, levando ao fortalecimento da assistência prestada às mulheres grávidas e, com isso, a melhoria na assistência pré-natal.

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Gestão do cuidado no pré-natal pela equipe de enfermagem

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PARTE III

Educação e Comunicação em Saúde

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Política de Educação Permanente em Mato Grosso: medidas adotadas entre 2003 e 2007

Vera Lúcia Honório dos Anjos 1

Introdução

Neste trabalho apresenta-se uma análise do processo de formulação da política de educação permanente em saúde no Estado Mato Grosso, institucionalizada no período de 2003 a 2007. Trata-se de uma reflexão sobre a reorientação do processo de trabalho adotado no âmbito da saúde, para reorganizar o modelo de atenção no Sistema Único de Saúde (SUS). Considera as medidas aplicadas pelo Ministério da Saúde, com vista à formulação de uma política de educação permanente em saúde no SUS, que se faz necessária para contemplar a regulação do trabalho e a educação dos trabalhadores, de modo a superar o desafio da inadequada formação e gestão dos trabalhadores do SUS.

A formulação de uma política de educação para a saúde no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido considerada de fundamental importância para a implementação do sistema público, já que o cumprimento do direito à saúde, à descentralização e reorganização dos serviços assistenciais vai implicar em mudanças profundas na formação, capacitação e valorização dos trabalhadores do setor de saúde.

A necessidade de implementar esse conjunto de ações remonta ao processo de reforma do sistema de saúde brasileiro, que resultou, no ano de 1988, na criação do Sistema Único de Saúde. Este sistema, garantido constitucionalmente, vem sendo, ao longo dos últimos anos, regulamentado por leis, normas e decretos, que visam à sua operacionalização, merecendo destaque os seus princípios doutrinários e organizativos.

Enquanto os princípios doutrinários tratam a essência do SUS (universalidade, integralidade e equidade), os organizativos delineiam os contornos político-administrativos e permitem a operacionalização do sistema: regionalização e hierarquização, descentralização e participação popular.

Na descentralização se assenta a relevância atribuída à formulação de políticas para regulação, tanto do trabalho quanto da educação dos trabalhadores do SUS e

1 Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Mato Grosso, Assistente Social da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso.

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dela se tem obtido subsídios para a elaboração de uma política para o setor, visando superar o desafio da inadequada formação e gestão dos trabalhadores do SUS.

A necessidade de se instituir uma política tem sustentação no princípio da descentralização, cuja importância se impõe sobre a sua compreensão. Descentralização é aqui entendida como a redistribuição de poder e responsabilidades entre união, estados e municípios, o que garante a autonomia e o comando único em cada uma dessas esferas de governo.

A descentralização, ao assumir a forma de municipalização, não só aproxima o poder de decisão sobre a organização do modelo assistencial e os problemas de saúde vivenciados pela população, como permite, ainda, proporcionar serviços de maior qualidade controlados e fiscalizados pelos cidadãos. Isso implica dotar o município de condições gerenciais, técnicas, administrativas e financeiras para exercer estas novas funções (CUNHA; CUNHA, 2001).

Organizar serviços pautados por princípios de organização e doutrina passou a exigir novas funções dos gestores e dos profissionais da saúde, que podem ser agrupadas inicialmente em três grandes desafios: operacionalizar a descentralização do sistema; mudar a lógica do modelo de atenção à saúde e qualificar os trabalhadores para atender às exigências do novo modelo de saúde (CARVALHO; CESSE; MACHADO, 2004).

Esta conformação de funções e desafios confere complexidade à organização do sistema de saúde e isso exige do Ministério da Saúde o exercício de um forte papel de regulação e de execução da política, bem como a adoção de mecanismos para sensibilização à adesão dos estados e municípios aos objetivos e metas desenhadas na Constituição Federal.

Tomando-se o recorte dos antecedentes à Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) como ponto de partida/parâmetro, tem-se o grande desafio de qualificar os trabalhadores para atender ao novo modelo de atenção à saúde.

Nesta perspectiva, este artigo tem sua finalidade atribuída à necessidade do reconhecimento da reorientação proposta no processo de trabalho para o SUS, amplamente adotada para reorganizar o modelo de atenção à saúde. Com base em preceitos legais, objetiva-se aqui apontar quais medidas são necessárias e adotadas à formulação de uma política de educação permanente na saúde.

Convém ressalvar a importância da PNEPS para promover não só a compreensão situacional da realidade da força de trabalho por parte dos gestores e leitores, mas também para auxiliar no gerenciamento da força de trabalho. Por certo, a execução de tal incumbência possibilitará ter uma visão estratégica da reorganização dos recursos humanos, podendo, inclusive, subsidiar a elaboração e/ou incremento da Política de Educação Permanente em Saúde e a estruturação da gestão do trabalho no âmbito local.

Portanto, configura-se como objeto deste artigo conhecer as ações e as estratégias adotadas em Mato Grosso e verificar se elas refletem as medidas

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adotadas em âmbito nacional. A gênese dessa investigação está no ensejo de contribuir com os processos de mudanças nas práticas de formação, atenção e gestão no setor saúde, como uma das medidas para obtenção das informações necessárias para um planejamento adequado.

Assim, o interesse em analisar as ações desenvolvidas pelo Polo de Educação Permanente em Saúde de Mato Grosso (PEPSUS-MT) considerou, dentre outras, as seguintes questões: a. a importância da mudança na capacitação, desenvolvimento e formação

dos profissionais de saúde para a consolidação do SUS, a integração da gestão, formação e trabalho;

b. a possibilidade de aprofundar aspectos específicos deste Polo que não foram abordados em estudos previamente realizados;

c. a experiência recente de constituição dos Polos; e d. a contribuição do estudo para aprimorar a implantação da política de educação

permanente no Estado, conforme recomendado pela Portaria/GM n.º 1996/07. Assinalar as mudanças exigidas pelo Sistema de Saúde requer compreender

que a abordagem da Política de Educação Permanente em Saúde inclui em seu escopo o debate da Gestão do Trabalho, por esta ser considerada uma estratégia política para a tomada de decisões institucionais.

A concepção de gestão do trabalho implica entender o trabalho como uma categoria central na construção dos atores sociais, em um movimento construtivo, no qual o trabalhador se constrói, atua e se reconhece como pertencente ao ambiente de trabalho. Tal concepção pressupõe adoção de uma gestão democrática, participativa pelos três entes federados (BRASIL, 2005a).

As organizações e governos “voltados para o interesse público enfrentam situações complexas, que exigem, cada vez mais, a adoção de estratégias para a melhoria nas relações e na gestão do trabalho.” (BRASIL, 2005a, p. 32).

Logo, para o SUS, gestão do trabalho é a prática que se ocupa de toda e qualquer relação de trabalho necessária ao funcionamento do sistema, compreendendo os cuidados diretos à saúde até as atividades meio, que são necessárias para seu desenvolvimento, as ações de gestão e administração em geral do trabalho (BRASIL, 2005b).

Nessas dimensões que envolvem o trabalho e os trabalhadores em saúde, a gestão do trabalho está relacionada à Política de Educação Permanente em Saúde. A atribuição/competência dessa subordinação pressupõe basicamente uma agenda de trabalho como política de estado e não de governo, envolvendo as diferentes esferas que caracterizam o Estado Nacional, visando à consolidação ampliada de mudanças para o sistema de saúde e para o desenvolvimento da sociedade.

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Considerando os padrões diferenciados de gestão entre as esferas de governo, a realização deste estudo deveu-se também à importância da observação investigativa específica, que permitiu analisar aspectos particulares e percepções sobre a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde em Mato Grosso, por meio do reconhecimento da extensão das ações de caráter geral nos serviços e instituições de ensino no estado (MT).

Por fim, há que se admitir que a análise das ações desenvolvidas pelo PEPSUS-MT, lócus estratégico para a implementação da política de Educação Permanente em Saúde em Mato Grosso, tornou-se um grande desafio a ser superado, requerendo para o alcance dessa meta a adoção de um método de estudo que possibilite obter informações de modo qualitativo e exploratório para subsidiá-la em todo o processo.

Materiais e Método

Para debruçar sobre a instituição do Polo de Educação Permanente em Saúde de Mato Grosso, adotou-se como caminho metodológico a análise qualitativa, cuja estratégia foi o estudo de caso exploratório, envolvendo representantes dos diferentes segmentos que compunham o Polo e desenvolvido por meio de entrevistas semiestruturadas e análise documental.

A pesquisa foi realizada no período de 2008 a 2009, tendo-se recorrido a estas fontes secundárias de informação: relatórios das oficinas e seminários realizados pelo PESPSUS-MT; relatórios, projetos, pareceres e sínteses de oficinas sobre os projetos apreciados pelo Polo; projetos pactuados pelo Polo; documentos produzidos pelo Polo (Regimento); documentos fornecidos pela Secretaria do Estado de Saúde; resoluções do Conselho Estadual de Saúde (CES) e da Comissão Intergestora Bi-partite (CIB) e portarias do Ministério da Saúde e da Secretaria do Estado de Saúde.

Os critérios de identificação dos entrevistados, um total de sete pessoas, foram obtidos a partir da análise de documentos do Polo (folhas de frequência das reuniões do Colegiado Pleno do Polo – MT, especificamente de suas atas), que resultou na seleção daqueles que, de alguma forma, contribuíram para a elaboração da própria política de educação permanente.

Destacaram-se aqueles representantes das instituições que mais se fizeram presentes. Nas atas, observou-se o registro do maior número de intervenções do representante nos debates ocorridos nas reuniões. Desta análise, resultaram os sujeitos que foram incluídos no estudo, correspondendo àqueles que compareceram às reuniões assiduamente, fizeram maior número de intervenções, representavam as diferentes instituições participantes do PEPSUS-MT relacionadas à formação, gestão e ao serviço.

Assim foram escolhidos os participantes da pesquisa: de forma intencional

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e aleatória, dentre aqueles que tiveram relação significativa com o objeto de estudo e que participaram desde a implantação do Polo de Educação Permanente no Estado de Mato Grosso.

As entrevistas tiveram como sustentação um roteiro com perguntas abertas e foram acompanhadas de um guia de temas que deveriam ser abordados pelos entrevistados. A escolha por esse tipo de entrevistas justificou-se por serem consideradas um encontro no qual se observa a conduta verbal, conforme definição de Tobar e Yalour (2001, p. 97): “é o relato que faz o entrevistado sobre o significado, em sua mente, o que aconteceu e/ou que está por ocorrer. O entrevistado diz, do que ele pensa, é o seu comportamento manifesto.”

A pesquisa envolveu dois momentos: a coleta e sistematização de documentos disponíveis e a análise da percepção das falas com base na legislação, documentos e teoria.

O estudo levou à necessidade de compreender a estrutura organizacional e a dinâmica de funcionamento do PEPSUS-MT. Para tanto, foram identificadas as instituições participantes que configuraram uma estratégia da política de educação permanente para os trabalhadores do SUS em Mato Grosso.

Os dados coletados estão aqui compreendidos e estruturados em dimensões temáticas: constituição do Polo, baseando-se na legislação que o instituiu nas esferas federal e estadual, relacionando seu formato ao desenho normativo proposto e ressaltando seus aspectos peculiares ao PEPSUS-MT; e gestão e condução do Polo em seus aspectos organizativos (planejamento, organização do trabalho, alternativas adotadas para autogestão e dinâmica de funcionamento).

Discussões e Resultados

Trajetória da Educação Permanente em Saúde

As mudanças exigidas pelo Sistema requerem, além de outras condições, a transformação no processo de formação e desenvolvimento dos trabalhadores do SUS. Estas transformações devem ocorrer no âmbito da graduação, educação permanente e nas condições de inserção nos postos de trabalho.

Pode-se dizer que o debate sobre a inadequação entre a formação de recursos humanos para a saúde e um sistema centrado na atenção de profissionais generalistas esteve presente no cenário nacional durante o movimento da Reforma Sanitária, desde a década de 1970 (GIL; CERVEIRA; TORRES, 2002).

Algumas experiências aconteceram para minimizar principalmente a deficiência de trabalhadores qualificados na área de enfermagem, como os projetos Larga Escala (década de 1980) e Profissionalização dos

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Trabalhadores da Área de Enfermagem/PROFAE (1999) (PIERANTONI, 2002). Já os problemas relacionados aos demais trabalhadores ganharam maior visibilidade na década de 1990, quando da introdução da reforma do sistema de saúde no Brasil.

Para Carvalho, Cesse e Machado (2004), a formação e desenvolvimento dos trabalhadores do SUS constituem um nó crítico que permeia toda a conjuntura político-econômico-social do sistema de saúde brasileiro, sendo, ainda, um gargalo reconhecido como desafio a ser superado.

Os problemas relacionados ao trabalho em saúde no Brasil foram objetos de discussão em conferências de saúde em geral e nas específicas sobre essa temática. Campos, Pierantoni e Machado (2006), destacam principalmente a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) como marco histórico que, além de ter aprovado os princípios orientadores do SUS, apresentou um conjunto articulado de formulações para a formação e desenvolvimento de recursos humanos em saúde. Estes autores também afirmam que, nas questões relacionadas aos recursos humanos, especialmente no que se refere à formação e qualificação profissional, as mudanças têm se processado de forma lenta, não acompanhando as exigências da reorganização do novo modelo de saúde.

A I Conferência Nacional de Recursos Humanos em Saúde, em 1986, traçou as atuais diretrizes para a formação e o desenvolvimento de recursos humanos para o SUS, tanto para as instituições de ensino quanto para as de serviço (FARAH, 2006; MACHADO, 2006).

Por julgar o momento propício, a IX Conferência Nacional de Saúde, realizada no ano de 1992, segundo Campos, Pierantoni e Machado (2006), reafirmou a necessidade de definição da política de formação e capacitação de recursos humanos para o SUS. Para o campo da formação, essa Conferência recomendou a imediata regulamentação do artigo 200 da Constituição Federal do Brasil, que atribui ao Ministério da Saúde o papel de ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde.

Oportunamente, na II Conferência Nacional de Recursos Humanos, que aconteceu no ano de 1993, os problemas relacionados aos recursos humanos em saúde foram organizados em grandes temas para discussão, tais como: “valorização profissional, preparação de recursos humanos e compromisso social, nova ética para os trabalhadores de saúde.” (MACHADO, 2006, p. 24).

Campos, Pierantoni e Machado (2006, p. 11) destacam que essas Conferências, além de terem aprofundado as análises dos diversos aspectos relacionados aos problemas enfrentados pelos profissionais da área de saúde, como a formação, a capacitação e as condições precárias de trabalho, discutiram também “a falta de motivação para o trabalho nas instituições públicas de saúde, traduzida como um descompromisso ético e social.”

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Convém destacar que no texto do art. 200 da Constituição Federal é atribuída ao SUS a responsabilidade de “ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde.” (BRASIL, 2006a, p. 130). Assim, o Ministério da Saúde, a fim de atender às necessidades de investimentos para capacitação de recursos humanos, implantou, a partir de 1998, os Polos de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Pessoal para Saúde da2 Família. Desses Polos participavam instituições de ensino superior, Secretarias de Estado e/ou Secretarias Municipais de Saúde, responsáveis pelo desenvolvimento das equipes de saúde da família.

Os Polos, quando lhes coube a vez, se organizaram a partir da apresentação de projetos, respondendo ao Edital Público n.º 4 de 12 de dezembro de 1996 (UNICAMP, 2001). Tinham por objetivo compatibilizar o perfil dos trabalhadores das equipes de saúde da família com a necessidade do novo modelo de atenção básica, além de influenciar na formação e desenvolvimento de recursos humanos (RH) no âmbito das universidades, principalmente por meio das escolas de medicina e enfermagem (CAMPOS; PIERANTONI; MACHADO, 2006).

Consoante às diretrizes, o perfil profissional exigido pelo Manual de Atenção Básica (BRASIL, 2006b) implica o desenvolvimento de trabalhadores com novos saberes, que articulem a clínica, a epidemiologia, as ciências sociais e a psicologia para uma nova abordagem profissional. No campo da gestão, isto significa a incorporação mais efetiva dos instrumentos de planejamento, como também a participação da comunidade no trabalho de equipe (MENDES, 2002). Em outras palavras, a proposta do Programa Saúde da Família (PSF) evidencia a necessidade de novos processos de desenvolvimento de recursos humanos para responder a esse conjunto de competências (GIL; CERVEIRA; TORRES, 2002; MENDES, 2002).

Por meio dos Polos de Capacitação da Saúde da Família, ocorreram inúmeros projetos de formação e qualificação profissional, que foram objetos de análises e estudos. Destaca-se aqui o relatório da pesquisa do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP-UNICAMP), que reforçou os aspectos positivos dos Polos, mas também demonstrou a insuficiência de políticas para desenvolvimento de perfis profissionais adequados aos primeiros níveis de assistência do sistema de saúde.

Estudos evidenciaram que as metas programadas não foram suficientes para modificar o perfil do profissional para as necessidades do modelo em construção, muito embora os resultados obtidos com as ações dos Polos demonstrarem ter havido superação. Gil, Cerveira e Torres (2002, p. 117)

2 Usualmente denominado de Polo de Saúde da Família, ou de Polos de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Pessoal das Equipes de Saúde da Família.

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e Souza et al. (2002) reiteram esta afirmação, argumentando que a oferta de capacitação pelos Polos foi “insuficiente para o tamanho e a velocidade da expansão das equipes de saúde da família.”

Apesar de os Polos fomentarem a organização de residências na área de saúde da família, como estratégia de formação de profissionais pautados pela excelência, Campos e Aguiar (2006) constataram que são poucas as vagas para residência nessa especialidade, denotando que os programas de capacitação nessa área não acompanham o ritmo de expansão das equipes.

Machado (2000), após analisar a problemática de inadequação do perfil e insuficiência de profissionais para atuar no SUS, sobretudo em relação aos profissionais do Programa Saúde da Família (4.945 equipes distribuídas em 1.870 municípios do país), tornou conhecido o fruto de suas observações: baixa qualificação especializada dos médicos e pouca habilitação profissional do enfermeiro. Do universo de 3.131 profissionais estudados, 39,53 % dos médicos e 35,49 % dos enfermeiros fizeram alguma especialização. Destaque-se que o número de profissionais especialistas é relativamente pequeno, sendo os médicos majoritariamente qualificados nas especialidades clínicas (pediatria, cirurgia, gineco-obstetrícia) e os enfermeiros, nas sanitaristas.

Para contornar e remediar essa defasagem, Campos (2006) sugere a intervenção massiva em educação permanente para as equipes de saúde da família e para os docentes das instituições formadoras, considerando que havia em todo o país, aproximadamente 24 mil equipes de atenção primária sem especialização ou residência na área, no ano de 2006. Estes resultados indicam, como já ressaltaram Gil, Cerveira e Torres (2002), a necessidade de soluções corajosas para aprimorar a formação e a educação permanente de pessoal para a saúde.

Por outro lado, Mendes (2002, p. 69) destaca que a “educação permanente dos profissionais do Programa Saúde da Família (PSF) carece de doutrina e sistemas operativos mais eficazes.” Logo, tornam-se necessárias medidas de melhorias que contenham estratégias de atuação nos âmbitos da graduação, da pós-graduação e da educação permanente, orientadas para os aspectos cognitivos e doutrinários da saúde da família. A esse respeito, acresce informar que as residências uni ou multiprofissionais têm alta capacidade formativa de gerar novos comportamentos no cuidado à saúde.

Além da indução para a capacitação em saúde da família, a partir de 2000, o Ministério da Saúde instituiu, entre outros, os seguintes projetos de investimentos na área de recursos humanos para a implementação do SUS: a criação e expansão da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RETSUS); o curso de desenvolvimento gerencial de unidades básicas de saúde (GERUS); o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), implementado a

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partir de 2001; o incentivo às mudanças curriculares nos cursos de graduação em medicina (PROMED), instaladas em 2002; o mestrado profissionalizante para trabalhadores do SUS (PIERANTONI, 2002; BRASIL, 2005c).

Apesar dos esforços e da boa intenção, essas experiências representaram iniciativas pontuais. Foram programas que não se tornaram ações contínuas com status de política de Estado, para efetivamente enfrentar as questões da formação, qualificação no setor saúde e gestão do trabalho no âmbito do SUS.

Editada em 2004 pelo Ministério da Saúde para instituir a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), em substituição aos Polos de Saúde da Família pelos Polos de Educação Permanente em Saúde (PEPSUS’s) (BRASIL, 2004a; 2004b), a Portaria GM n.º 198/04 foi o instrumento de que seu autor se valeu para ordenar as transformações educativas nas práticas de formação, atenção e gestão no setor saúde.

Ainda que se identifique uma reflexão teórica consistente sobre os problemas dos recursos humanos em saúde, oriunda de estudiosos e das conferências sobre o tema, a tradução dessas reflexões em política pública para o setor ganhou maior relevância no cenário nacional a partir da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH) (BRASIL, 2005b) e da realização da III Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, em 2006.

Em síntese, observa-se que as exigências do sistema de saúde para reorganizar o seu modelo de atenção são cada vez maiores na área de formação e gestão dos trabalhadores. As contribuições da experiência dos Polos, dos demais cursos apoiados pelo Ministério da Saúde, das conferências e dos estudos realizados ofereceram subsídios para a elaboração de uma política para o setor, visando superar o desafio da inadequada formação e gestão dos trabalhadores do SUS.

A necessidade de valorização do trabalho no SUS, apontada na XI Conferência Nacional de Saúde e na III Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, levou o Ministério da Saúde a se estruturar administrativamente para implementar a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS). Para o desempenho dessa tarefa, utilizou-se da Portaria GM n.º 198/2004, que propunha ações estratégicas do SUS para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores do setor de saúde, visando contribuir para qualificar a atenção à saúde, a organização das ações e dos serviços, como também os processos formativos, implicando, assim, no trabalho articulado entre o sistema de saúde e as instituições de ensino (BRASIL, 2004a).

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Conceitos relacionados à Política de Educação Permanente

Essa política, considerada como resultado de um processo de discussão com as instâncias gestoras do SUS, representadas pelos Conselhos (CONASS-CONASEMS-CNS), conceituou educação permanente como:

[...] aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao quotidiano das organizações e ao trabalho, [...] que os processos de capacitação dos trabalhadores da saúde tomem como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações, da gestão setorial e do controle social em saúde, tenham como objetivos a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho e sejam estruturados a partir da problematização do processo de trabalho. (BRASIL, 2004a, p. 9).

Este conceito propunha o estabelecimento de relações orgânicas entre o ensino e os serviços, entre docência e atenção à saúde, ou seja, a Educação Permanente em Saúde seria o ponto de convergência, no qual se realizaria a reflexão crítica sobre o trabalho, a resolutividade clínica, a promoção da saúde coletiva, ampliando as relações entre formação e gestão setorial, desenvolvimento institucional e controle social em saúde (BRASIL, 2004a).

Merece destaque no conceito de educação permanente a:

[...] busca por alternativas e soluções para os problemas reais e concretos do trabalho habitual privilegiando o processo de trabalho como eixo central da aprendizagem e enfatizando a capacidade humana de criar conhecimento novo, a partir da discussão e análise conjuntas e participativas dos problemas reais, de suas causas e das implicações que as alternativas de solução têm na busca da transformação da prática de saúde, objetivo essencial do ato educativo [...] (HADADD et al., 1990, p. 25 apud FARAH, 2006, p. 64).

Embora esta reflexão não tenha tomado como objeto as diferenças conceituais entre educação permanente, educação continuada e ensino em serviço, considera-se importante diferenciá-las por dois motivos: em razão do intenso emprego dessas expressões no contexto dos serviços de saúde e, secundariamente, porque podem demonstrar, em certa medida, as demarcações do propósito de sua adoção e aplicação, seja na perspectiva da manutenção de um modelo de atenção à saúde, seja em sua reestruturação com vista à reorganização da força de trabalho no SUS, como estabelecido constitucionalmente.

A aplicação dessas expressões pode ser atribuída às exigências dos serviços de saúde, que têm determinado, ao longo dos anos, a necessidade

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da organização dos seus profissionais, por meio de processos educativos, para neles atuarem. A apropriação desses termos é uma forma de tornar os recursos humanos capazes de compreenderem as lacunas dos serviços e os problemas de saúde da população (FARAH, 2006).

Farah (2006) concorda que o conceito de educação permanente difere de outros (qualificação profissional, educação continuada ou ensino em serviço), por vezes utilizados na literatura como uma mesma coisa, ou como técnicas incompatíveis entre si. Esta autora analisou a capacitação em saúde no Brasil e, em citando Silva, Pereira e Benko (1989), considera o ensino em serviço como conjunto de práticas educativas planejadas para que o funcionário atue de maneira mais efetiva e eficaz, de modo a atingir diretamente os objetivos da instituição.

O conceito de educação continuada foi debatido na I Conferência Nacional de Recursos Humanos para Saúde (1986), que a definiu como “um processo organizado, permanente, sistemático, direcionado a clientes institucionais, com uma política de saúde definida, tendo em vista a real necessidade dos usuários.” (BRASIL, 1993; FARAH, 2006). O conceito de educação continuada foi também explicado como um processo “[...] descendente, ou seja, a partir de uma leitura geral dos problemas, identificam-se temas e conteúdos a serem trabalhados com os profissionais, geralmente sob o formato de cursos [...]” (USP, 2008, p. 127).

Observa-se que tanto a educação continuada como o ensino em serviço orientam as necessidades de capacitação como instrumentalização técnica; mas, quando se trata da decisão de realizá-la, verifica-se que a ordem é descendente e não leva em conta os processos de trabalho nem a autonomia.

O conceito de educação permanente é amplo, entendido como um processo cuja finalidade é melhorar a qualidade de vida humana, no âmbito pessoal e social, auxiliando na formação integral do indivíduo e na transformação do meio para uma futura sociedade.

Portanto, dentre esses processos de formação e desenvolvimento, a educação permanente se destaca por configurar-se como um processo ascendente, referenciado a partir das necessidades de saúde, visando às mudanças não somente nas práticas profissionais e na organização do trabalho mas sobretudo na vida humana, almejando com isso a transformação da sociedade.

Carece ainda ser dito que a educação permanente é uma estratégia para se alcançar a qualificação das práticas de saúde dos profissionais nos serviços de saúde e que essa tarefa se faz compartilhando, coletivamente entre os trabalhadores, a identificação das necessidades e das alternativas de solução. E não somente isso, uma vez que sua realização deve ter por finalidade propiciar aos profissionais de saúde uma reflexão sobre a realidade dos serviços e as necessidades coletivas de saúde da população a que estes atendem.

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Como estratégia, a educação permanente ousa ir além da proposta da educação continuada, podendo não ser incompatível, por se almejar uma “[...] atuação criadora e transformadora dos profissionais nos serviços de saúde”, pois é pertinente e natural buscar a educação permanente, por ser um “processo [...] compartilhado coletivamente entre trabalhadores de saúde e usuários do sistema e instituições de ensino para a busca de soluções dos problemas reais locais.” (FARAH, 2006, p. 66).

Condução da Política de Educação Permanente em Saúde

A condução das ações para viabilizar as propostas da Política de Educação Permanente em Saúde coube aos Polos de Educação Permanente em Saúde (PEPSUS’s), como fóruns articuladores das instituições. Assim sendo, deveriam pensar a formação de forma ampla, acolhendo as necessidades de capacitação de trabalhadores desde a atenção básica até a alta complexidade, além de preparar os cidadãos para o exercício do controle social, sem perder o foco na saúde da família (CAMPOS et al., 2006).

A referida política de educação permanente propunha a ampliação da possibilidade de capacitação para todos os trabalhadores do SUS, inclusive para o preparo de conselheiros de saúde e participantes de movimentos sociais. A clientela a ser atendida ficava a critério dos participantes dos Polos, que se pautariam pelas necessidades locorregionais (BRASIL, 2004a).

Desses Polos, previu-se a participação dos seguintes representantes: gestores estaduais e municipais de saúde e de educação; instituições de ensino com cursos na área de saúde; estudantes e trabalhadores; e conselhos municipais e estaduais de saúde.

Como previsto em Portaria GM n.º 198/04, o PEPSUS era o local de articulação interinstitucional, em que se exigia: esforços das entidades participantes responsáveis pelos serviços e ensino, e a manutenção de constante diálogo para gerar processos educativos efetivos e coerentes com as necessidades dos trabalhadores e contribuir com a reorganização dos serviços e reorientação dos modelos assistenciais de saúde (BRASIL, 2004a; FARAH, 2006).

Nesse espaço, eram apresentadas as necessidades para a formação e desenvolvimento de profissionais, ao mesmo tempo em que se elaborava a Política de Educação Permanente, cujos projetos eram financiados pela esfera federal. A Política Nacional reiterava que o aprender e o ensinar deviam ser incorporados ao cotidiano das organizações e que os processos de capacitação dos trabalhadores da saúde, estruturados a partir da problematização do processo de trabalho, tomassem como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações,

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da gestão setorial e do controle social em saúde, objetivando a mudança das práticas profissionais e da própria organização do trabalho (BRASIL, 2004a).

Esperava-se que, no âmbito do Polo, as relações instituídas comprometessem os gestores com a formação dos profissionais de saúde e os docentes das instituições de ensino com o SUS, resultando produção e disseminação de conhecimento comprometido com a consolidação do sistema de saúde (BRASIL, 2004a).

Contudo, após o lapso de três anos, a Portaria/GM n.º 198/04, instituída para viabilizar a implementação da Política de Educação Permanente, foi substituída pela Portaria/GM n.º 1996, de 20 de agosto de 2007, que definiu novas diretrizes e estratégias para a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, adequando-as ao Regulamento do Pacto pela Saúde (BRASIL, 2007a). Quanto à qualificação dos profissionais e ao funcionamento dos Polos, no documento do Pacto pela Saúde, encontra-se expresso o propósito da efetiva “[...] descentralização das atividades de planejamento, monitoramento, avaliação e execução orçamentária da Educação Permanente para o Trabalho no SUS.” (BRASIL, 2006b, p. 40).

Observa-se que após processo de avaliação dos polos (CONASS, 2006), a política de educação permanente para os trabalhadores do SUS ganha novos contornos advindos da sua descentralização, colocando, assim, os municípios como maiores protagonistas para a sua condução (BRASIL, 2007b).

Implementação da Política de Educação Permanente em Saúde em Mato Grosso

A implementação da Política de Educação Permanente em Saúde em Mato Grosso se materializou com a formalização e constituição do PEPSUS/MT, de maneira antecipada à publicação da própria Portaria GM nº 198/2004, na qual orientava para a criação dos Polos nos Estados Brasileiros. Essa posição de vanguarda do Estado de Mato Grosso se atribui à experiência dos técnicos da Secretaria Estadual de Saúde (SES), dos docentes da UFMT na condução do Polo da Saúde da Família e na de outros projetos de formação motivados pelo Ministério da Saúde, como o PITS e o PROFAE.

Considerando a experiência bem sucedida da Escola de Saúde Pública na condução do Polo de Saúde da Família, esta escola sediou e apoiou os trabalhos do Polo, oferecendo, inclusive, os serviços de secretaria executiva, dentre outros.

A composição do colegiado do Polo deu-se em dois momentos: inicialmente, com a participação expressiva de entes/órgãos governamentais (Secretaria de Estado de Saúde, Instituições de Ensino Superior e Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá); com participação de discentes e sem representação dos trabalhadores

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e dos serviços privados conveniados ao SUS. No segundo momento não houve participação de discentes, como também sem a participação dos trabalhadores e dos serviços privados conveniados ao SUS. Contudo as representações das escolas técnicas de saúde e dos movimentos sociais foram incluídas.

A ausência dos representantes dos segmentos dos serviços conveniados ao SUS e dos trabalhadores impossibilitou que as demandas específicas desses segmentos fossem incorporadas aos projetos, o que dificultou a reflexão sobre o papel dos serviços privados conveniados ao SUS no âmbito estadual, no que se refere à educação e desenvolvimento profissional dos trabalhadores de saúde.

Considerando que a educação permanente pauta-se pela problematização do processo de trabalho, a falta de representação dos trabalhadores comprometeu a reflexão sobre as reais necessidades de formação e qualificação experimentadas por esse grupo, geralmente diferentes daquelas captadas pela visão dos supervisores, gestores e docentes.

Além do mais, os gestores dos serviços públicos foram representados pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS), Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá e de Várzea Grande, respectivamente, nas duas vezes em que as composições foram discutidas e apenas no segundo momento. Considerando a grande extensão do estado mato-grossense e a diversidade de problemas enfrentada pelos gestores municipais, em relação à formação, gestão e desenvolvimento dos trabalhadores, seria mais coerente aumentar a representação desse setor de serviço do SUS para subsídio aos encaminhamentos do Polo.

Observou-se também um aumento significativo da representação das instituições de ensino superior privadas na segunda composição, além da predominância de representantes da SES, o que favoreceu na pactuação dos projetos encaminhados por essa instituição.

De certa maneira, a representação das instituições no Polo cumpriu parcialmente ao que era preconizado pela Portaria 198/04, contando, para a constituição do Colegiado, com representações de instituições de ensino técnico; universidades públicas e privadas; serviços de saúde; secretarias estadual e municipal de saúde; movimentos sociais; e conselhos de atividades profissionais.

Da análise sobre a Política de Educação Permanente em Mato Grosso, como estratégia para reorganizar o modelo de atenção à saúde, depreenderam-se as alternativas adotadas para se autogerir, na dimensão da gestão e condução do Polo em seus aspectos organizativos (planejamento, organização do trabalho) e sua dinâmica de funcionamento.

No que se refere à gestão e condução dos trabalhos, observou-se que a forma de realizá-las iniciou com o pacto entre o Polo e seus participantes,

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que posteriormente foi transmutado em Regimento. Observou-se o cuidado daqueles que conduziram o Polo com os registros de frequência dos participantes e dos assuntos abordados e decisões tomadas nas reuniões.

Para a condução dos seus trabalhos, a gestão do PEPSUS-MT vivenciou vários problemas, merecendo destaque os seguintes: rotatividade das representações das instituições; desconhecimento da proposta da Política Nacional de Educação Permanente por parte de seus participantes e dos próprios técnicos do Ministério de Saúde; contradições do Ministério da Saúde na operacionalização da Portaria, que aparentemente descentralizava para o Polo a elaboração da política de educação permanente, ao mesmo tempo em que impunha a sua agenda, acompanhava a execução dos projetos sem a participação do Polo e negociava o financiamento de projetos diretamente com as instituições proponentes; e insuficiência de participantes para assumir os trabalhos nas comissões e grupos.

Constatou-se, inclusive, a manutenção da lógica de balcão na negociação dos projetos; a organização do trabalho do Polo em função da agenda do Ministério da Saúde atropelando a dinâmica de discussão do PEPSUS-MT; a impossibilidade de o Polo acompanhar o processo de execução dos projetos; a pouca autonomia dos representantes das instituições privadas de ensino superior para introduzir as mudanças na formação dos profissionais de saúde para atender às necessidades do SUS; o desconhecimento dos participantes da dinâmica de “Roda” proposta para a condução do Polo, o que propiciou o surgimento de vários conflitos, para os quais os seus participantes tiveram que se preparar para conduzi-los.

O Polo adotou a realização de oficinas como estratégia para preparar seus participantes para compreender a proposta de educação permanente, posto que somente a leitura e discussão da Portaria foram insuficientes para esclarecer os pontos obscuros. Nessas ocasiões contou-se com a participação de técnicos do Ministério da Saúde.

Quanto à formulação de uma política de educação permanente para os trabalhadores do SUS de Mato Grosso, principal tarefa do PEPSUS-MT, pode-se afirmar que ele tentou elaborá-la, utilizando para isso o diagnóstico de morbimortalidade apresentado pela SES e SMS de Cuiabá. Esses diagnósticos não apresentaram os problemas relacionados com a formação e gestão dos trabalhadores do SUS do Estado, embora o projeto de pesquisa com o objetivo de conhecer o perfil de qualificação da força de trabalho do nível médio do SUS em Mato Grosso fosse pactuado no Polo. Contudo, essas exposições, sobre a situação de saúde do município e do Estado foram importantes, pois muitos participantes do Polo desconheciam os dados apresentados.

Durante seu período de atividade, o Polo pactuou 54 projetos, a saber: saúde da família (9); gestão de serviços de saúde (14); infraestrutura (5);

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qualificação da formação dos profissionais de enfermagem e medicina (4); melhoria da assistência na atenção básica, secundária e hospitalar (17); pesquisas (3); e controle social (2). Verificou-se que, do elenco de projetos pactuados no PEPSUS-MT, não se tem registro da execução de alguns.

Além disso, o Polo realizou cerca de 10 atividades de trabalho distribuídas entre oficinas, seminários e reuniões ampliadas, tudo registrado em mais de 30 atas de reuniões ordinárias e extraordinárias. O PEPSUS-MT constituiu17 comissões e Grupos de Trabalho- GT’s para atender às demandas apresentadas em Colegiado Pleno.

Diante do volume de projetos apresentados e da necessidade de deliberar sobre a pactuação deles, considera-se que o Polo concentrou grande parte de seu trabalho em ações relacionadas com estes projetos, a saber: propor e pactuar critérios para sua aceitação e posterior análise; apoiar as instituições proponentes para reformulá-los; e propor a integração de instituições para executá-los.

Cabe destacar que os projetos propostos guardavam mais relação com os interesses e capacidade de atendimento das instituições que os propunham do que com os diagnósticos realizados no âmbito do Polo. Ressalte-se, também, que a forma como foram propostos se aproxima mais da lógica do ensino em serviço ou da educação continuada do que da educação permanente.

A experiência do Polo evidenciou alguns aspectos positivos: aglutinou instituições diferentes em um mesmo espaço para discutir as questões relacionadas com a formação e desenvolvimento dos trabalhadores do SUS; propiciou a integração de instituições ligadas a ensino e serviço para a condução de projetos comuns; financiou não apenas os projetos de qualificação da formação no âmbito da graduação, que não são financiados por outras fontes como também a formação dos participantes do Polo e de outros profissionais, a exemplo dos facilitadores em educação permanente.

Sobre a participação dos representantes no Polo, cabe destacar que a origem institucional definiu as características dessa participação, mediada pelo acúmulo teórico-prático que cada segmento dispunha. Sendo assim, alguns enfrentamentos ocorreram com limitada participação de certos segmentos, que pode ser atribuída a pouca experiência cultural para o exercício do processo de discussão no seu ambiente de trabalho e também por não ter, na grande maioria, conhecimento suficiente sobre a formação e desenvolvimento de trabalhadores para o SUS.

Enfim, o interesse em descentralizar o PEPSUS-MT, formando núcleos de educação permanente nas macrorregiões foi um tema abordado de forma constante pelo Polo que, no entanto, não se consumou. De tal situação pode-se inferir que o tempo de vigência da Portaria 198/2004 foi insuficiente para que o Polo construísse as condições necessárias para implementar essa proposta.

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Notas finais

A Política de Educação Permanente é um processo em curso, que, mesmo em face de diversas experiências adquiridas, ainda carece de ampla discussão e envolvimento dos trabalhadores, usuários e gestores, de modo que, em conformidade com os princípios doutrinários e organizativos do SUS, essas atitudes resultem na efetividade e consolidação do sistema de saúde.

Observou-se que as tentativas de implementação da política de educação permanente contribuíram para a falta de continuidade na oferta de cursos de formação e qualificação, apontando-se para tal, dentre outras razões: o dispêndio de tempo para que as propostas de formação e qualificação fossem submetidas à apreciação, tanto na sua pactuação como na remessa de recursos; e o descompasso entre a proposição de projetos e a execução que não refletia a realidade de saúde, pois os proponentes que a motivaram já não eram os mesmos.

O princípio de articulação interinstitucional desenhado pela política de Educação Permanente, que exigia esforços das entidades participantes, responsáveis pelos serviços e ensino, na manutenção de constante diálogo, ficou prejudicado porque não propiciou a participação ou a adesão dos gestores nos processos de proposição e definição das estratégias da política em âmbito locorregional, os quais fizeram uso da prerrogativa de enviar em seu lugar representantes, muitas vezes, sem a autonomia de propor e/ou de executar o que era pactuado.

De aspectos positivos, o polo proporcionou a integração de instituições ligadas a ensino e serviços para a condução de projetos comuns. Isso possibilitou, aos discentes e profissionais, melhores conhecimentos sobre a realidade da saúde, em decorrência não só de exposições de propostas, como na participação em fóruns de debates e reflexões, sobre as problemáticas do SUS. Principalmente por ter favorecido um amplo processo de discussão sobre questões relacionadas à saúde, apesar de muitas vezes prevalecer um jogo de forças, em que a disputa por recursos para financiar projetos de formação e qualificação tenha preponderado (ou seja, a recorrência da relação de balcão de negócios), contrariando ao propósito do polo.

Esses aspectos são desafios tanto para a superação da inadequada formação e gestão dos trabalhadores do SUS, quanto para o atendimento das demandas dos serviços de saúde dos trabalhadores. São medidas que requerem o alcance das seguintes metas: contemplar o cumprimento dos direitos constitucionais e a reorientação do processo de trabalho; reorganizar o modelo de atenção vigente; e oferecer subsídios para a efetivação de uma política para o setor, visando superar o desafio da inadequada formação e gestão dos trabalhadores do SUS.

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A análise ora apresentada possibilita fazer projeções de como reorganizar a força de trabalho (recursos humanos), podendo, além disso, subsidiar a elaboração e/ou incremento da Política de Educação Permanente em Saúde como também a estruturação da gestão do trabalho no âmbito local.

Finalmente, cabe destacar que a análise das ações realizadas pelo PEPSUS-MT permitiu compreender que qualquer projeto de formação, desenvolvimento e gestão dos trabalhadores do SUS tem que ter como base o conhecimento da rede de serviços de saúde, sua complexidade, o perfil da força de trabalho e a forma como ocorre a sua gestão, para permitir que tais projetos possam impactar a realidade locorregional à qual estão adscritos. A descentralização dos Polos proposta pela Portaria/GM n.º 1996/07 com a constituição das Comissões Interinstitucionais de Ensino e Serviço (CIES) é uma alternativa possível que tem sido adotada e que poderá facilitar a realização dessa proposta de melhoria da formação dos profissionais para o atendimento e gestão do SUS.

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Política de Educação Permanente em Mato Grosso: medidas adotadas entre 2003 e 2007

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Política de Educação Permanente em Mato Grosso: medidas adotadas entre 2003 e 2007

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O processo decisório da política de educação permanente em saúde para conselheiros e agentes sociais em Mato Grosso

Nídia Fátima Ferreira 1

Introdução

No conjunto de princípios do SUS, a participação da comunidade foi identificada como elemento vital para a garantia da gestão democrática da instituição e para o controle da sociedade sobre o sistema e serviços de saúde. A legislação que regulamentou o SUS, em consonância com os princípios constitucionais, definiu que a participação da sociedade deveria ser institucionalizada por meio de conselhos e conferências de saúde.

Em seu parágrafo 2º, a Lei 8.142/90 define que:

O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo. (BRASIL, 1992).

Em Mato Grosso, o Conselho Estadual de Saúde (CES/MT), procurando investir na melhoria de qualidade da participação da sociedade, deliberou que, para desempenhar adequadamente sua missão e atuar de acordo com o que lhe é preconizado pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90, os conselheiros (os do CES/MT e dos Conselhos Municipais de Saúde (CMS) necessitam passar por um processo contínuo de capacitação e aperfeiçoamento.

Para colocar tal decisão em prática, o CES/MT propôs, em 2004, a elaboração de uma política de educação permanente em saúde voltada para o aprimoramento de conselheiros e agentes sociais na gestão e na construção do Sistema Único de Saúde. Para essa tarefa, o CES/MT constituiu um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI), cujo objetivo foi o de formular e coordenar a construção da “Política de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais do Estado de Mato Grosso (PEP)”. O GTI ficou sob a coordenação da

1 Mestre em Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, Psicóloga da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso.

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Escola de Saúde Publica do Estado de Mato Grosso (ESP/MT), que indicou uma profissional para exercer a função de mediadora das atividades. Reunindo-se quinzenalmente na ESP/MT, o GTI teve como membros mais assíduos os representantes do segmento dos profissionais de saúde e dos movimentos sociais.

Entre 2004 e 2006, o GTI, por meio de oficinas descentralizadas e regionalizadas, elaborou a PEP e o plano de ações que deveriam ser colocados em prática. Marcados por duros embates entre os atores participantes, os encontros de trabalho revelaram-se extremamente conflituosos e de difícil pactuação. Em função dos dissídios, poucos acordos foram firmados, o que levou à demora na aprovação da PEP, ocorrida só em 2006, e à preterição da política, que nunca foi implantada.

Em 2009, o CES/MT deliberou pela retomada do processo de capacitação, propondo a implantação e a execução da Política de Educação Permanente para conselheiros. Para isso, apoiou-se na Resolução n.º 354 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) – Diretrizes Nacionais para o Processo de Educação Permanente no Controle Social do Sistema Único de Saúde – e na atuação do Ministério da Saúde (MS) que, por meio da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP/MS), publicou a Portaria n.º 3.060, definindo as diretrizes da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS (ParticipaSUS).

O investimento na pesquisa de tal tema justifica-se porque o estudo do processo decisório das políticas públicas tem efetiva capacidade de evidenciar e de promover a compreensão de importantes situações que levam, por exemplo, a não implantação de uma determinada política. Além disso, pode identificar, nos diferentes atores envolvidos no processo decisório, motivações que levam a não execução da política. Se a compreensão desses problemas já é importante para a análise do processo decisório, tal importância amplia-se quando a política não implantada é reinserida na agenda pública, como é o caso da PEP.

O raciocínio hipotético que norteou os rumos da investigação daí suscitada foi fundamentado no fato de que, durante a etapa de formulação da PEP, não houve consenso entre os atores envolvidos, o que resultou em uma política que não atendia aos interesses do CES/MT e, ao mesmo tempo, não contava com o apoio dos demais atores envolvidos no processo decisório. Neste estudo, definiu-se por analisar o processo decisório da Política de Educação Permanente em Saúde para Conselheiros e Agentes Sociais do Estado de Mato Grosso (2004/2006).

Para alcançar tal intento, a opção foi trabalhar apenas com fontes secundárias. O trabalho com fontes secundárias traz limitações próprias, dentre as quais, a principal é que tais fontes não são construídas com os mesmos interesses que o pesquisador desposa. No entanto, casos como o dos documentos de referência trabalhados no presente estudo, por serem de domínio público, reduzem as possibilidades de manipulação quando submetidos à aprovação do coletivo que participou do processo que o gerou.

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Foram trabalhadas as atas das reuniões ordinárias e extraordinárias realizadas pelo CES/MT no período de 2004 a 2007. Com a intenção de reproduzir, com o máximo possível de clareza, o que ocorreu no processo decisório, as atas foram, num primeiro momento, organizadas e sistematizadas cronologicamente para, posteriormente, terem selecionados os trechos que se referiam à formulação da PEP. Gerou-se, assim, um novo documento, que teve como único tema a PEP, em cuja idealização buscou-se identificar os momentos em que os atores políticos que participaram do processo decisório produziram embates e alianças.

O estudo foi trabalhado em dois eixos: na cronologia e relações e nos embates e alianças travadas pelos atores políticos participantes do processo decisório da PEP. Procedimento este típico da análise documental utilizada em estudos qualitativos.

Para melhorar o rendimento de tal procedimento e reforçar as estratégias metodológicas que lidam com a assimetria de interesses entre autores da ata e pesquisadora, foram incorporados neste estudo determinados pressupostos da técnica de análise de discurso, em especial o que se refere à ênfase na compreensão do papel social desempenhado pelo ator político como determinante para a fala que este produz.

Processo decisório e etapas de formulação e implementação de políticas públicas

As políticas públicas resultam de um complexo processo que abarca múltiplos interesses – inclusive divergentes –, negociações e confrontos entre diferentes atores, podendo ser definida como:

Um conjunto de ações e omissões que manifestam uma modalidade de intervenção do Estado em relação a uma questão que chama a atenção, o interesse e a mobilização de outros atores da sociedade civil. Desta intervenção pode-se inferir uma determinada direção, uma determinada orientação normativa que, presumivelmente, afetará o futuro curso do processo social desenvolvido, até então, em torno do tema. (OZZLAK; O’DONNELL, 1976).

Neste sentido, as políticas têm como objetivo:

[...] promover uma determinada intervenção sobre um problema social especifico a fim de superá-lo em um dado intervalo de tempo a partir da mobilização de diversos atores e de um deliberado investimento. (BODSTEIN; MOREIRA, 2007, p.18).

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Percebe-se, pois, que a política pública pressupõe um processo de intenções e disputa de interesses que delineiam o caminho da ação estatal. Este processo é estudado por diversos autores que, como recurso metodológico para uma melhor análise e avaliação, dividem-no em etapas e/ou fases.

Viana (1996), por exemplo, considera a existência de quatro etapas – construção da agenda; formulação de políticas; implementação de política; e avaliação de política. Em tom similar, Labra (2007) propõe as seguintes distinções: (i) o surgimento de uma questão que inquieta a sociedade e/ou o governo; (ii) a inclusão da questão na agenda governamental; (iii) a formulação do problema, que compreende o exame das possíveis soluções, a escolha de alternativas de ação, a tomada da decisão final, aprovação e promulgação mediante um estatuto legal; (iv) a execução ou implementação da política; e (v) o monitoramento e a avaliação.

Adotando-se a proposta de divisão por etapas/fases e compreendendo que os autores citados (e outros) trabalham de maneira a analisá-las não como estanques e/ou lineares, mas como dispostas em ciclos, intrinsecamente articuladas e retroalimentáveis, procuramos centrar esforços na compreensão do processo decisório e nas suas diferentes etapas, em especial as de formulação e de implementação.

O processo decisório

Lindblon (1981) em sua ‘abordagem política da decisão’, afirma que o processo decisório é extremamente complexo, sem princípio e fim e de limites incertos, sendo composto por uma cadeia de decisões tomadas por diferentes representantes em diferentes arenas políticas. É, pois, um caminho no qual as decisões, compreendidas como soluções por/para determinados grupos, podem representar, para outros, problemas e usurpação de interesses legítimos.

De acordo com o referido autor, o sistema de decisão política tem um importante efeito sobre as aspirações, opiniões e atitudes que respondem às políticas. Seu funcionamento não é como o de uma máquina que é alimentada com demandas para produzir decisões, pois ele é a ‘própria máquina que fabrica necessidades e demandas’.

Modelando as aspirações dos cidadãos, o processo decisório inclui determinados temas na agenda política e rejeitam outros; apresenta certas políticas; e informa as opiniões que vão condicionar tais escolhas:

[...] o processo decisório político [...] produz acordos, conciliações e ajustes, cuja avaliação com vistas à equidade, aceitabilidade, possibilidade de reexame e atendimento à variedade dos interesses em jogo é sempre inconclusiva. (LINDBLON, 1981, p. 110)

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Lindblon (1981) aponta duas questões essenciais para a compreensão do processo decisório: i. como tornar as políticas efetivas na solução concreta de problemas sociais

– análise; e

ii. como tornar o processo decisório sensível ao controle popular – jogo do poder. Em relação à primeira questão, demanda-se uma boa análise sobre o

problema, enquanto, na segunda, requer-se que a decisão política mantenha-se sempre como um processo “político”.

Lindblon (1981) afirma que não é possível chegar, analiticamente, a políticas boas para todos, pois, se de um lado faltam informações necessárias à análise, por outro, pode se receber um fluxo muito grande de dados, que são de difícil análise. Além disso, a análise está limitada pela necessidade de ser realizada nos limites impostos pelo tempo e pelos recursos disponíveis.

O autor considera ainda que as pessoas podem se organizar em grupos mediante objetivos comuns para fazer valer seus interesses junto ao poder público e atuar na função fiscalizadora mediante a prática do lobbying. Os chamados “grupos de interesse” ou “grupos de pressão” representam o principal método de exercer influência no processo decisório, embora não participem diretamente da tomada de decisão. São intermediários que transmitem os interesses dos seus grupos aos centros de decisão. Por meio de pressão, procuram impor seus interesses junto ao poder público, na tentativa de influenciar o processo decisório.

Por outro lado, faz-se importante a atividade dos grupos de interesse no jogo do poder. Uma vez que podem promover a liberdade dos cidadãos, exercem funções específicas no processo decisório de políticas por meio da informação e da análise sobre os problemas de políticas, desenvolvendo grande habilidade na capacidade de persuasão. Na tentativa de alcançar resultados esperados, os grupos de interesses formam alianças a fim de se fortalecerem. Porém, é importante ressaltar que o poder público não fica imóvel frente a essa situação e pode reagir e trabalhar no sentido de abafar, abrandar, regulamentar ou até mesmo coibir a pressão, integrando e institucionalizando as organizações.

A democratização do processo decisório das políticas públicas é um processo que convive com a tensão entre os atores incluídos e os tradicionais. Essa tensão torna-se mais palpável quando se dispõe a analisar o processo decisório em suas diferentes etapas, pois elas dão mais visibilidade aos embates e acordos travados.

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Dessa maneira, é possível compreender que, num processo decisório em que atores não buscam construir uma deliberação consensual, a etapa de formulação das políticas públicas tende a ser marcada por acirrados embates, que contaminam a etapa da implementação. Moreira (2009) aponta que a articulação entre os diferentes atores, a busca pelo consenso possível e a pactuação em torno de políticas estão, desde que representem os interesses envolvidos, mas sem usurpá-los, na essência da deliberação política que pode, em sentido amplo, ser definida como a tomada de decisões por meio do debate entre cidadãos livres e iguais.

Importância das etapas de formulação e implementação para as políticas públicas

Para Viana (1996 p. 78), a implementação define-se em um espaço administrativo, sendo concebida como um processo racionalizado de procedimentos e rotinas, “uma ação social, traduzindo-se no encontro de diferentes intenções, de diferentes atores”, envolvendo recursos, ideias e valores, isto é, uma “relação entre atores (governamentais e não governamentais), na qual estes ganham status de sujeitos intencionais.” Citando Lester e Perez, define que a implementação diz respeito ao processo que vai do estabelecimento da política até o seu impacto. Ao avaliar o processo de implementação de políticas educacionais, este autor destacou três dimensões analíticas: i) as relações entre o desenho ou formulação da política ou programa, de um lado, e o formato que o programa adquire ao final do processo; ii) a dimensão temporal do processo e seus efeitos diferenciados no tempo sobre a organização em que se processam e o comportamento dos atores no processo de decisão e implementação, em termos de resistência ou adesões; e iii) as condições que propiciam ou entravam o processo de implementação.

Compreende-se que a etapa de implementação não se confunde com a política em si nem com o produto desta, sendo, em essência, um processo de tomada de decisões práticas, iniciado com a oficialização do resultado da etapa de formulação (normalmente um documento, uma normativa, uma portaria ou mesmo uma lei), que têm como objetivo viabilizar a execução das ações e serviços propostos para aquela política. Em síntese, é o conjunto de relações que vai construir e tornar possível o funcionamento da política formulada.

Dessa forma, pode-se compreender que as políticas públicas são mais ou menos transformadas pelas decisões tomadas durante a etapa da implementação. Assim, nesta etapa, há, em maior ou menor grau, o redesenho da política formulada, quer para modificar os objetivos, quer para mobilizar novos recursos, de modo a atingir antigos objetivos pendentes.

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Porém, é importante ressaltar que, embora possam visar ao aprimoramento da política formulada, as decisões concretizadas durante a implementação também podem inviabilizar a continuidade e/ou a execução desta política. Isso tende a ocorrer em situações nas quais a política evidencia descompromissos e/ou conflitos exacerbados entre os atores políticos, em especial em torno dos interesses que vão implementar a política, normalmente os ligados ao poder executivo. Portanto, a etapa da implementação, ainda mais quando é atribuição de atores, cujos interesses não foram levados em conta na formulação, pode, paradoxalmente, produzir até mesmo a não implantação da política pública.

Refletindo de maneira similar, Labra (2007) afirma que a implementação dificilmente transcorre como previsto ou desejado pelos formuladores. Segundo a autora, esta compreensão tem gerado muitos estudos sobre as “falhas” da implementação, particularmente em relação a políticas reformistas, cujos resultados deveriam ser duradouros.

Neste descompasso, entre formulação e implementação, despontam situações geradoras de problemas e motivos fortes o suficiente para impedirem a concretização de uma política pública. Labra (2007), afirma ainda que:

[...] para além dos fatores externos e internos que incidem em todo e qualquer processo de produção de políticas, a própria política pode ter sido mal formulada, ou seja, pode conter defeitos de concepção que tornam extremamente difícil efetivar as mudanças desejadas. Em todo caso, as falhas ou brechas, e mesmo o fracasso de uma política são inevitáveis. Em outras palavras, não existe uma implementação perfeita. (LABRA, 2007, p. 26).

Assim sendo, torna-se necessário compreender a etapa de formulação de uma política pública, relacionando-a à da implementação.

Viana (1996) considera a etapa da formulação como um diálogo entre intenções e ações, ou seja, um contínuo processo de reflexão para dentro e ação para fora. Por consequência, a etapa de implementação torna-se um processo prático de decisão, considerando que a quantidade de mudança nela envolvida influencia o grau de consenso ou conflito em torno das metas e objetivos.

Para Labra (2007), na etapa da formulação, a politização em torno do problema acentua-se de tal forma e, consequentemente, os confrontos e as incertezas quanto aos resultados também, que a decisão final poderá vir à luz num tempo impossível de se determinar. E, caso a decisão seja tomada, tanto a definição do problema quanto a alternativa de solução encontrada podem estar longe dos propósitos iniciais de seus promotores, porque há o crivo das diversas instâncias que intervêm no processo decisório.

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Há, portanto, uma relação direta entre a etapa de formulação e a de implementação: esta última é modificadora das condições inicialmente estabelecidas pela primeira. A implantação e, de certa maneira, o sucesso de uma política pública envolvem, pois, a criação de condições adequadas assim como o estabelecimento de processos de negociação e de acordo que possibilitem a pactuação entre os atores envolvidos nas duas etapas.

Por isso, a articulação entre formuladores e implementadores, numa dinâmica que garanta o conhecimento destes sobre as atividades pertinentes a cada fase de elaboração do projeto, é um aspecto fundamental para o êxito de uma determinada política. A disposição dos implementadores também está condicionada à compreensão que têm da política, além da intensidade da aceitação e/ou rejeição que têm dela (VIANA, 1996).

Caso essa articulação não aconteça, pode ocorrer uma espécie de “divórcio” entre os formuladores e os implementadores, em que os primeiros consideram que aos segundos cabe única e exclusivamente colocar em prática a política como foi formulada mediante expedientes normativos internos. Para esta “miragem” concorre a “despolitização” da política durante a etapa da implementação, momento em que o debate sai da cena pública e as decisões ficam confinadas aos circuitos burocráticos da agência incumbida de pôr em marcha a nova política (LABRA, 2007).

Reforçando a posição de Labra (2007), Hogwood e Gunn (1984) consideram que o sucesso de uma política depende, em última instância, da vontade e da habilidade de algum grupo dominante (ou coalizão de grupos) para fazer valer seus interesses. Em algumas circunstâncias, a distribuição de poder pode ser tal que produz um impasse na fase de implementação, mesmo quando a política tenha sido em sua formulação, autorizada e legitimada oficialmente.

Conclui-se que, ainda que a etapa de formulação de uma determinada política pública tenha oficialidade, normatividade e institucionalidade, as relações de embate e aliança que são travadas em seu desenrolar são fundamentais para delimitar o desenho da política e, por isso, podem contaminar a etapa de implementação.

Dessa forma, processos de formulação construídos a partir da preponderância de embates e enfretamentos tendem a gerar implementações com maior grau de problemas, nas quais a política formulada tende a ser redesenhada na prática pelos implementadores. Tais mudanças podem ser tão drásticas, que são capazes de gerar, inclusive, a não implantação de determinada política. Por sua vez, a não implantação é uma possibilidade ainda maior quando, durante a formulação, um determinado grupo de atores (ou uma coalizão) obtém recursos políticos para impor seus interesses aos dos demais atores envolvidos no processo decisório.

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Tais questões remetem a quem são os atores que participam do processo decisório das políticas públicas, em que instituições vão atuar e em que bases serão travadas suas relações. É necessário, portanto, compreender melhor a participação dos Conselhos no processo decisório das políticas de saúde.

Participação dos conselhos de saúde no processo decisório

Autores como Moreira e Escorel (2005), Cortez (2009) e outros vêm estudando os conselhos de saúde e, apesar das divergências, convergem em maior ou menor grau para um ponto importante: embora tenham obtido sucesso em sua tarefa inclusiva, os conselhos de saúde ainda precisam suplantar importantes problemas para que possam influir de forma efetiva e proativa no processo decisório das políticas de saúde.

Nesta conjuntura, Moreira (2009), estudando os Conselhos Municipais de Saúde (CMS) aponta que:

Os CMS [...] por não conseguirem oferecer a todos os atores envolvidos no processo decisório garantias concretas de que seus interesses não serão usurpados [...] geram insegurança [no processo decisório]. Esta insegurança é mais forte entre os governantes que, por representarem, na maioria dos casos, atores políticos que tradicionalmente concentraram poder decisório e por terem interesses inflados por práticas ultrapresidencialistas, tendem a identificar ações de desconcentração de poder como usurpação, reagindo contra a institucionalização dos CMS e questionando, direta ou indiretamente, sua legitimidade. (CORTEZ, 2009, p. 89).

Embora o autor acima citado refira-se ao processo decisório municipal, considera-se aqui que tal realidade é passível de ser também aplicada ao nível estadual.

É possível compreender que, num processo decisório em que atores não buscam construir uma deliberação consensuada, a etapa de formulação das políticas públicas tende a ser marcada por acirrados embates, que contaminam a etapa da implementação.

No caso da política de saúde brasileira, há um elemento que potencializa as possibilidades de acirramento desses embates, qual seja a inclusão de atores cujos interesses foram historicamente usurpados. Neste caso, é ainda mais necessário que o processo decisório seja orientado por dinâmicas deliberativas, pois a tendência é a de que tais atores enfrentem diretamente os demais, considerando-os como atores que devem ser vencidos, dentre aqueles cujos interesses estão, historicamente, pouco ou nada ligados à democracia, devendo, portanto, ser sobrepujados.

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Aprofundando esta compreensão, considera-se que, à medida que um determinado Conselho de Saúde, protagonista da etapa de formulação do processo decisório de uma determinada política de saúde, constrói este processo de maneira a multiplicar embates e conflitos e estimula determinados atores a ter posturas nas quais a deliberação racional não é buscada, haverá maior expressão da política formulada pelo interesse dos atores que adquiriram recursos políticos suficientes para impor seus interesses sobre os demais.

Dessa maneira, quando a política formulada for implementada, se elevará a possibilidade de que tais conflitos sejam reproduzidos. Nesta etapa do processo decisório, quando o protagonismo do conselho é reduzido e, sobretudo, quando o poder executivo recupera centralidade, força e recursos políticos, a tendência é que o ator usurpado busque fazer valer seus interesses, ainda que, para isso, tenha que desconsiderar o que foi decidido na etapa de formulação.

É certo que se em praticamente todos os cenários, dos mais conflituosos aos mais articulados, a implementação modifica a política formulada, também é certo que se esta implementação ocorrer em um ambiente contaminado pelo acirramento dos conflitos e que se devolver poder aos que tiveram interesses pouco valorizados, serão elevadas as possibilidades de ela modificar radicalmente o que foi formulado ou de a política não ser implementada.

Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso e o processo decisório da Política de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais

O atual Regimento Interno do CES/MT é composto por 30 conselheiros titulares e 30 conselheiros suplentes, eleitos para exercerem o cargo por dois anos, permitida a recondução, não sendo, porém, especificado o número de vezes em que o conselheiro poderá ser reconduzido. Os conselheiros são nomeados pelo Governador do Estado para o mandato, mediante indicação formal dos respectivos órgãos e entidades que representam. O CES/MT tem como presidente nato o Secretário de Estado de Saúde, conforme determina o § 1º do art. 20 do Código Estadual de Saúde, a Secretaria Executiva é eleita pelo pleno e o ouvidor é escolhido pelo CES, dentre os sanitaristas de carreira da administração direta, indireta e fundacional, das instituições participantes do SUS.

De acordo com o art. 20 do Código Estadual de Saúde, a estrutura organizacional básica do CES/MT é a seguinte (MATO GROSSO, 2007): Conselho Pleno, Secretaria Geral – Ouvidoria Geral, Comissões Especiais. Possui uma estrutura administrativa e Secretaria Executiva própria, sendo que esta responde ao plenário do Conselho. Tem dotação orçamentária e gerencia seu

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próprio orçamento. Discute e aprova a proposta orçamentária anual da saúde, mas a discussão da programação e execução orçamentária e financeira, como item único de pauta, é realizada parcialmente pelo Colegiado. O Conselho reúne-se pelo menos uma vez ao mês e as reuniões são abertas ao público. O planejamento e aprovação da pauta das reuniões não ocorrem em sessão plenária. As pautas são encaminhadas aos conselheiros com antecedência suficiente, mas o material de apoio às reuniões nem sempre as acompanha.

Em março de 2008, o CES/MT teve seu quadro de conselheiros renovado, para o biênio março de 2008 a março de 2010, porém as entidades permaneceram as mesmas, pois se encontram definidas no Código Estadual de Saúde (BRASIL, 1992).

Em Mato Grosso, a participação da sociedade foi marcada por lutas dos movimentos sociais na tentativa de participar do processo decisório das instâncias da saúde, ou seja, do Conselho de Saúde. Um dos resultados dessas lutas refere-se à inclusão de segmentos sociais, que até então estavam alijados do contexto. No entanto, havia a necessidade de se pensar na formação e qualificação desses atores que estavam integrando o sistema para que atuassem de acordo com o que é preconizado pelas Leis n.º 8.080/90 e 8.142/90 (BRASIL, 1992).

Assim sendo, no período de 1997 a 2002 foram desenvolvidas capacitações periódicas para conselheiros e agentes sociais, através de parcerias com Organizações não Governamentais, Movimentos Populares, Gestores Municipais e Instituições Formadoras. A primeira e a segunda etapas da capacitação foram viabilizadas com recursos próprios da Secretaria Estadual de Saúde (SES). A terceira etapa, em 2002, aliou-se ao projeto do Ministério da Saúde – Fortalecimento do Controle Social no SUS, financiado com recursos do REFORSUS.

Após a realização da terceira etapa de capacitação, foram feitas várias avaliações das capacitações, das quais se depreendeu a necessidade de se traçar uma Política de Educação Permanente para o Controle Social envolvendo a sociedade civil.

Assim, o CES/MT constituiu, em dezembro de 2004, um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) com o objetivo de formular e coordenar a construção da Política de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais (PEP).

Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI)

O CES/MT instituiu, em 14 de dezembro de 2004, via Resolução n.º 023/04, o “Grupo de Trabalho Interinstitucional de Formulação, Coordenação, Acompanhamento e Avaliação da Política Estadual de Educação Permanente para Conselheiros de Saúde e Agentes Sociais” - doravante denominado GTI.

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Seguindo o que foi definido na resolução, o GTI foi formado por doze membros: três representantes do Conselho Estadual de Saúde, um conselheiro usuário, representante do NEOM (Núcleo de Estudos e Organização da Mulher) e dois conselheiros do segmento dos profissionais de saúde – CRESS (Conselho Regional de Serviço Social) e CRP (Conselho Regional de Psicologia); dois representantes das instituições públicas de formação em recursos humanos – UFMT e UNEMAT, respectivamente, Universidade Federal de Mato Grosso e Universidade Estadual de Mato Grosso; cinco representantes de movimentos sociais (escolhidos pelo fórum dos movimentos sociais); um representante da Secretaria Estadual de Saúde (indicado pela Escola de Saúde Pública do Mato Grosso - ESP/MT) e um representante do COSEMS/MT.

Este grupo iniciou suas atividades em janeiro de 2005, reunindo-se na ESP/MT, quinzenalmente até abril de 2005. Após várias reuniões, o GTI elaborou uma proposta segundo a qual a PEP seria formulada a partir de oficinas regionais descentralizadas que abrangessem os dezesseis Escritórios Regionais de Saúde do Estado de Mato Grosso (unidades administrativas da SES/MT responsável pela condução da Política Estadual de Saúde em nível regional e pela coordenação e articulação técnica e política com os municípios): Juína, Diamantino, Alta Floresta, Juara, Porto Alegre do Norte, Barra do Garças, Pontes e Lacerda, Tangará da Serra, São Félix do Araguaia, Colíder, Sinop, Baixada Cuiabana, Cáceres, Água Boa, Peixoto de Azevedo e Rondonópolis.

A proposta formulada pelo GTI foi apresentada ao CES/MT na reunião ordinária do dia 6 de abril de 2005. O GTI informou que o processo de construção da PEP estava sendo deflagrado e que as ações a serem desenvolvidas seriam voltadas para o contato com os dezesseis Escritórios Regionais de Saúde a fim de que estes se articulassem e organizassem-se, entre maio e junho de 2005, para que as oficinas regionais acontecessem ficando a execução sob a coordenação da ESP/MT.

Nessa reunião não ocorreu a deliberação sobre a realização das oficinas regionais. Como o CES/MT não deliberou sobre a proposta do GTI na reunião de abril e também não a incluíram na pauta da reunião ordinária de maio de 2005, as oficinas regionais previstas para maio e junho de 2005, que construiriam a política, não ocorreram. A despeito disso, o GTI continuou a realizar as suas reuniões e a planejar as suas atividades.

Na reunião ordinária de junho de 2005, o CES/MT voltou a incluir o assunto em sua pauta. A primeira pauta, que dizia respeito ao Regimento Interno do GTI (elaborado pelo próprio GTI), provocou discussões que giraram em torno do papel e da legitimidade do GTI. As discussões foram tensas e acaloradas e o resultado final foi a aprovação, com modificações, do Regimento Interno do GTI.

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No segundo ponto de pauta referente à PEP, o CES/MT retomou a discussão das oficinas regionais. Um novo cronograma foi apresentado e as oficinas regionais foram previstas para o período de agosto a outubro de 2005. Nos objetivos do novo projeto, foi destacado que a construção da PEP no âmbito regional estava em consonância com as diretrizes da Política Nacional, pois havia a preocupação entre os conselheiros, mais precisamente os do segmento dos usuários, de que a PEP regional fosse de encontro à Política Nacional de Capacitação de Conselheiro.

Durante o processo de discussão da PEP nesta reunião, os conselheiros representantes de movimentos sociais (‘Movimento de Raças’, ‘Núcleo de Estudos e Organização da Mulher’ e ‘Entidades de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – Pastoral da Criança’) e todos os representantes do segmento de usuários apontaram a necessidade de rever as questões financeiras do novo projeto.

Isso ocorreu porque a Coordenadoria de Planejamento da Secretaria Estadual de Saúde, respondendo a um pleito desses conselheiros, informou que, devido ao contingenciamento financeiro determinado pelo Governo do Estado, não havia previsão de recursos para a capacitação de conselheiros e que o recurso originalmente destinado para tal havia sido remanejado. Diante de tal informação, o CES/MT deliberou que o problema fosse encaminhado para a Comissão de Orçamento do CES/MT a fim de se proceder a um levantamento dos recursos disponíveis.

As discussões sobre o PEP continuaram nessa mesma reunião, centrando-se no segmento dos usuários (mais especificamente nos representantes do Conselho Indigenista Missionário, do Sindicato dos Profissionais da Educação, da Associação dos Aposentados de Mato Grosso, da Associação de Proteção das Vítimas de Acidentes do Trabalho e Trânsito, do Movimento de Raças, do Sindicato dos Garimpeiros do Estado) e no do Governo (Fundação Nacional de Saúde – FUNASA), com o propósito de tratar, dentre outros questionamentos: i) processo de seleção dos participantes das oficinas; ii) valores a serem investidos na PEP; e iii) se o orçamento da PEP deveria ser alocado na Escola de Saúde (ESPMT) ou no Conselho.

A preocupação com a alocação de recursos, por parte dos conselheiros (usuários e governo), tinha relação com outra atividade de responsabilidade do CES/MT – Monitoramento e Avaliação dos Conselhos Municipais de Saúde, pois, caso o recurso fosse totalmente alocado para a ESP/MT, haveria a necessidade de dividi-lo entre as partes.

O Pleno então deliberou que a Comissão de Planejamento e Orçamento do Conselho buscasse uma alternativa dentro do orçamento do CES/MT para o cumprimento das metas de construção da PEP e das Ações de Monitoramento

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e Avaliação dos Conselhos Municipais de Saúde. Embora tivesse havido nessa reunião a apresentação da PEP, com muita discussão e debate, ela não foi deliberada pelo CES/MT, que decidiu condicionar sua deliberação à liberação dos recursos.

Nos meses de julho e agosto de 2005, o processo de construção da PEP não entrou como ponto de pauta do CES/MT e nem as oficinas regionais previstas aconteceram. Neste período, houve ainda a mudança de gestor da Secretaria Estadual de Saúde.

No mês de setembro de 2005, houve uma reunião extraordinária do CES/MT com o objetivo de tratar especificamente do Plano de Trabalho Anual (PTA) da Secretaria de Estado de Saúde do Mato Grosso para 2006. Nela, a Secretária Executiva do CES/MT esclareceu que o PTA do Conselho foi elaborado com a colaboração de dois conselheiros (o representante do Movimento de Raças – usuário – e a representante da Fundação Nacional de Saúde – governo) e que haviam sido alocados recursos para a implantação e execução da PEP.

Contudo, o GTI, por ter a garantia da ESP/MT de que esta dispunha de recursos para realizar as oficinas, definiu que, a despeito da posição e dos recursos do CES/MT, deveria dar início às oficinas regionais. Tal foi feito e informado ao CES/MT na reunião ordinária de novembro de 2005, na qual foi apresentado ao Pleno do CES/MT um memorando do GTI, que definia um novo cronograma para a realização das oficinas de capacitação de conselheiros e para a construção da PEP. As relações entre CES/MT e ESP/MT, que já estavam complicadas, ficaram ainda mais difíceis, após a iniciativa da ESP/MT de começar as oficinas sem a deliberação do CES/MT.

Entre 23 de novembro e 16 de dezembro de 2005, o GTI realizou as dezesseis oficinas regionais, cada uma com dezesseis horas de duração, de forma descentralizada e com o apoio dos Escritórios Regionais de Saúde (ERS). As oficinas envolveram 101 municípios, com a participação de 323 conselheiros de saúde e 63 agentes sociais. Para a consecução das oficinas foram selecionados 4 facilitadores com vivência e experiência em educação popular, os quais passaram por capacitação na metodologia da problematização. As oficinas contaram com o acompanhamento dos membros do GTI e da ESP/MT.

Como originalmente previsto, o GTI, a partir dos relatórios das oficinas, formulou a proposta da “Política de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais (PEP)”, assim como o “Plano de Ação da Política”, no qual foram definidos ações e valores para sistemas de monitoramento e avaliação.

O CES/MT só retomou os debates sobre a PEP em abril de 2006, com a seguinte pauta: “Apresentação e Votação da Política Estadual de Educação Permanente para Conselheiros de Saúde e Agentes Sociais e Apresentação do Plano de Ação da Política Estadual de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais”.

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Essa pauta foi geradora de muitas discussões e, não tendo chegado a um consenso, o pleno decidiu continuar os debates na reunião ordinária de maio de 2006. As discussões, sobretudo pelo segmento dos usuários (na representação do Movimento de Raças – GRUCON, Associação de Proteção das Vítimas de Acidentes do Trabalho e Trânsito, Sindicato dos Garimpeiros do Estado – Sindiminério, Movimento Ambientalista e Ecológico - ECO) giraram em torno da forma como a PEP foi formulada pelo GTI, bem como em torno da necessidade de se esclarecer qual a instituição que deveria capacitar os conselheiros, pois na resolução CNS n.º 354 está definida a responsabilidade intransferível do conselho na realização da capacitação.

Após discussões tensas e acirradas, a pauta foi colocada em votação pelo presidente do CES/MT e a Política Estadual de Educação Permanente foi aprovada com cinco abstenções. Também colocado em deliberação, o Plano de Ação 2006 foi aprovado com seis abstenções.

Nessa mesma reunião ordinária, o conselho discutiu, também, a Resolução n.º 023/04, que criou o GTI. Após intensas críticas (sobretudo dos representantes dos segmentos de usuários e de trabalhadores em saúde) e debates sobre a qual instituição compete acompanhar, executar e coordenar o processo de capacitação, o Pleno deliberou pela constituição de uma comissão especial que deveria apresentar, na reunião seguinte, uma proposta alternativa para a execução da política.

Esta comissão foi formada por representantes do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS – representante dos trabalhadores em saúde), Classistas das Centrais Sindicais (CUT – representante dos usuários), Sindicato dos Garimpeiros do Estado (Sindiminério – representante dos usuários), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA – representante do governo), Sindicato dos Trabalhadores da Saúde (SISMA – representante dos profissionais de saúde) e Associação dos Aposentados de Mato Grosso (AMAP – representante dos usuários).

Na reunião do CES/MT de junho de 2006, foram apresentadas duas propostas de resolução: uma elaborada pela comissão especial instituída pelo CES/MT para este fim, e outra, elaborada por uma parte da Comissão – Sindiminério, AMAP e ECO (ressalta-se que o representante do ECO, Movimento Ambientalista Ecológico não fazia parte da comissão, porém participou da reunião), que se reuniram em separado e formularam uma nova proposta, uma vez que nas reuniões da comissão especial não conseguiram chegar ao entendimento.

Durante as discussões no pleno do CES/MT, não se chegou a consenso algum, sendo solicitado o pedido de vistas das duas propostas por dois conselheiros do segmento de usuários (Associação dos Deficientes - AMDE e Associação de Proteção das Vítimas de Acidentes do Trabalho e Trânsito). A vista foi concedida pelo presidente do CES/MT, com prazo de 30 dias.

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Na reunião do CES/MT de julho de 2006, esta temática voltou ao pleno e as discussões foram muito tensas, gerando um ambiente desfavorável para a continuidade do assunto. O Presidente do CES/MT (representante do executivo) propôs, então, a retirada da matéria de pauta, sugerindo a constituição de uma nova comissão para apresentação, na reunião seguinte, de uma minuta de resolução devendo levar em conta as proposições anteriores. Este encaminhamento foi aprovado pelo pleno e deliberou-se, ainda, por se consultar o Conselho Nacional de Saúde, solicitando orientações sobre as novas diretrizes da política de capacitação.

Nos meses de agosto e setembro de 2006, nada relacionado à PEP foi colocado em pauta nas reuniões do CES/MT. A única menção foi a solicitação, na reunião de setembro, dos conselheiros representantes do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) e do Conselho Regional de Psicologia (CRP), ambos do segmento dos trabalhadores em saúde, de esclarecimento sobre os trabalhos da comissão instituída para tal finalidade, porém, as atas não registram manifestação de nenhum dos membros desta comissão.

A PEP só voltou à pauta do CES/MT na reunião de abril de 2007. Nesta reunião, a comissão especial encarregada de formular uma proposta ao pleno do CES/MT sobre a formação de uma Comissão Especial Temporária, para tratar dos assuntos de Capacitação de Conselheiros e Agentes Sociais, apresentou uma minuta de resolução.

Ocorreram muitos debates sobre quem deveria conduzir as capacitações e o que sobressaía era que os Processos de Educação Permanente eram de responsabilidade intransferível dos próprios conselheiros de saúde, que poderiam desenvolver parcerias com instituições e entidades.

A discussão da Capacitação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais de Saúde veio à baila na reunião ordinária de agosto de 2007, cuja pauta previa a Composição da Comissão Especial de Educação Permanente e a Coordenação do Processo de Capacitação.

A Comissão Especial de Educação Permanente de Conselheiros deveria ser composta por cinco membros de forma paritária e eleita na plenária. Após muitas discussões entre os segmentos do conselho, o presidente do CES/MT encaminhou o processo de votação dos membros, homologado da seguinte forma: i) um representante do trabalhador em saúde, ii) um representante do governo; e iii) três representantes de usuários.

O presidente apontou ainda, que a comissão tinha sessenta dias para apresentar a proposta de Regimento Interno (RI). A minuta de RI da Comissão Especial de Educação Permanente de Conselheiros foi apresentada

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ao pleno na reunião ordinária do mês de novembro de 2007 e foi seguida de muitos debates e sugestões de inclusão e exclusão de artigos. Nessa reunião, o regimento interno foi votado parcialmente, ficando deliberado pelo pleno que o que havia sido discutido não seria objeto de rediscussão e que o regimento interno entraria na pauta na próxima reunião ordinária.

Em dezembro de 2007, o RI voltou a ser debatido e com discussões acaloradas quanto à inclusão da ESP/MT como uma das instituições que poderia capacitar conselheiros e agentes sociais. A Representante da Associação dos Deficientes – AMDE (segmento de usuário) solicitou que a votação da reunião de novembro de 2007 fosse anulada, em função de se ter incluído a ESP/MT como executora da capacitação.

Houve muitas manifestações contrárias a esse posicionamento, uma vez que o pleno havia deliberado que não retomaria as discussões já aprovadas. Após intensos debates, o presidente do CES/MT encaminhou pelo andamento das discussões, conforme deliberação anterior do pleno.

O regimento interno da comissão foi então aprovado com várias sugestões. O presidente do CES/MT encaminhou-o à assessoria jurídica do conselho para que desse uma formatação final e depois o encaminhasse novamente ao pleno para conhecimento.

Os trabalhos da Comissão Especial de Educação Permanente para Conselheiros só se efetivaram quando foi aprovada a portaria do Ministério da Saúde, através da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa – SGEP/MS, que definiu as diretrizes da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS – Participa SUS.

Para viabilizar a implantação da política, a SGEP/MS publicou a Portaria n.º 3.060/08 regulamentando a aplicação do incentivo financeiro destinado ao componente para a qualificação da Gestão do SUS, no que se refere à regulação, controle, avaliação, auditoria e monitoramento, participação popular e fortalecimento do controle social. A Portaria n.º 3060/08 condicionava o repasse do recurso à elaboração de um Plano de Ação, posteriormente construído e aprovado pelo CES/MT, sendo uma das propostas a retomada do processo de capacitação de Conselheiros e Agentes Sociais.

De 2004 a 2007 a Política de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais foi debatida, discutida, brigada, não consensual e, embora aprovada, nunca chegou a ser implantada. Com a retomada do processo pela SGEP/MS, um novo panorama se apresenta, traz para a arena política novas demandas de negociações e pactuações. Enfim, um novo processo decisório.

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Análise do processo decisório da Política de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais

A hipótese inicial do estudo era a de que, por ter sido a etapa de formulação da PEP marcada por tantos e tão acirrados embates, a não implantação da Política de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais era presumida/inevitável.

Ao longo da pesquisa realizada, em especial durante a leitura das atas e durante a categorização dos fatos lidos, esta hipótese, ao menos em sua parte mais geral, foi sendo confirmada.

Há dois importantes panos de fundo para os embates que inviabilizaram a implantação da PEP: o já tradicional embate entre usuários e poder executivo; e o que se refere à definição das instituições responsáveis pela educação permanente de conselheiros. Interessante notar que estes dois embates, que acontecem, com maior ou menor grau de acirramento, em grande parte dos conselhos brasileiros, são aqui concretizados pelo embate entre CES/MT, mais especificamente por seus conselheiros usuários, e o GTI, na figura de sua Escola de Saúde Pública de Mato Grosso. Assim, pode-se, com um maior refinamento, localizar CES/MT e ESP/MT como os protagonistas dos embates.

É um tanto surpreendente que, no que diz respeito ao primeiro pano de fundo, constate-se que, embora joguem papéis não desprezíveis, os conselheiros que representam o poder público no CES/MT não são, nos embates relativos à PEP, os principais representantes do governo do estado do Mato Grosso, papel ocupado pela Escola de Saúde Pública.

Atendo-se ao segundo pano de fundo, que reproduz a tensão gerada pelo Conselho Nacional de Saúde, que considera que a educação permanente de conselheiros deve ser atribuição de conselheiros e não “da academia” (embate que se refletiu no veto do CNS à participação de “acadêmicos” na relatoria da XIII Conferência Nacional de Saúde e está concretizado na resolução do CNS sobre educação permanente), reforça-se o embate do CES/MT com a ESP/MT, que passa a ser vista como ‘academia’ e, pior, uma academia do poder executivo estadual.

Ambientados nesses panos de fundo, os principais embates travados no processo decisório da PEP podem ser sintetizados em uma disputa intensa destes atores políticos para terem preponderância nas etapas de formulação, implementação e mesmo execução da PEP. Neste sentido, os dois principais atores buscaram protagonizar – quando não buscaram ter a exclusividade – de todas estas etapas do processo decisório.

Os conselheiros usuários apresentaram maior poder de negociação com outros segmentos, fortalecendo-se no CES/MT e amparando-se em um discurso

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nacionalizante, que relaciona diretamente CES e CNS, considerando que o processo de educação permanente é tarefa intransferível de conselheiros. Por outro lado, a ESP/MT parecia não ter força suficiente para debater suas proposições, tornando o GTI (do qual era o principal ator político), sobretudo para os usuários, uma instância que representava o poder executivo e, por isso, ilegítimo. Tal circunstância foi reforçada pela ação da ESP/MT que, em uma ação típica do poder executivo, realizou as oficinas a despeito da não deliberação do CES/MT.

De qualquer forma, foi possível perceber que as posturas compreendidas por um ator político como soluções, representavam, para outro, problemas e usurpação de interesses legítimos. Qualquer proposta que não seguisse o recomendado pelo CNS seria entendida pelos usuários como usurpação de um direito. Frente a essa situação, os embates desencadeados no CES/MT, no que se refere à PEP, tinham como foco principal o GTI e o papel que este desempenhava, ou seja, o de usurpador. Diversos foram os momentos em que a legitimidade do GTI foi questionada, embora este tenha sido criado pelo próprio CES/MT com a finalidade de formular, coordenar e acompanhar a Política Estadual de Educação Permanente para Conselheiros e Agentes Sociais. E, por isso, as ações desenvolvidas eram sempre seguidas de críticas pelo pleno do CES/MT.

Diversos autores citados anteriormente apontam que há uma relação direta entre a etapa de formulação e a de implementação. Em virtude disso, a articulação entre elas é um aspecto fundamental para o êxito de uma determinada política. Quando não há uma boa articulação e um bom entrosamento, acontece o que os autores chamam de “divórcio”. Seguindo este raciocínio é possível afirmar que não houve condições adequadas de negociação e de um acordo que possibilitassem uma pactuação entre os principais atores envolvidos, ESP/MT e CES/MT.

Ainda que a PEP tenha sido oficializada na etapa de formulação, as relações de embate e aliança travadas em seu desenrolar foram fundamentais para delimitar o desenho da política e, por isso, contaminou a etapa de implementação. Dessa forma, o processo de formulação da PEP, que foi construído a partir do predomínio de embates e enfrentamentos (não diretamente ao GTI, mas entre este e o CES/MT), tinha, per si, a tendência de gerar uma implementação com maior grau de problema, e nele a política formulada inclinou-se para ser redesenhada na prática pelos implementadores.

No caso aqui estudado, os dois atores – CES/MT e ESP/MT – disputaram o exercício do papel de formulador, implementador e executor da PEP. De forma sui generis, tal disputa pode, de maneira sintética, ser considerada como a principal motivadora dos embates travados e a responsável pela não implantação da PEP.

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Considerações

A participação política criada e ampliada a partir da Constituição de 1988 contribuiu no sentido de aumentar a qualidade da experiência democrática no Brasil. A existência de instituições públicas mais suscetíveis à influência da sociedade civil, para a entrada de novos atores na arena pública, é certamente uma abertura vantajosa para a democracia.

A institucionalização dessas arenas, embora tenha valor em si, não é condição suficiente para que a participação política ocorra em sintonia com o que é preconizado na Constituição, pois são espaços de conflitos e de interesses muitas vezes divergentes.

Assim, frente a diversidades de interesses, a formulação de uma política pública passa a ser uma tarefa complexa e com graus de dependência em determinantes sociais, econômicos e políticos. E com a política pública de saúde não poderia ser diferente, pois, como em qualquer processo decisório, existe necessidade de interação, negociação e pactuações entre os diversos segmentos que compõem os Conselhos de Saúde.

Contudo, formulação e implementação de políticas se retroalimentam e fazem parte do mesmo processo. Para acontecer a formulação de uma política, há primeiramente a necessidade imprescindível de se ter acesso às informações e conhecimentos a fim de se ter argumentos para sua propositura. As diferenças de poder, em face do conhecimento, precisam ser entendidas e levadas em consideração dentro das arenas políticas, já que conhecimento é poder. Assim, a participação de representantes dos implementadores no processo de formulação facilita, ao menos idealmente, a concretização da política.

A partir da leitura dos referenciais teóricos que orientaram a análise das atas e de posse dos resultados apresentados é possível inferir que o Conselho Estadual de Saúde, em relação ao processo de formulação da PEP, tinha uma participação pouco articulada entre os conselheiros, porém os conselheiros usuários apresentaram maior poder de negociação com outros segmentos, fortalecendo-se no CES/MT e abrindo dessa forma possibilidades para o uso de métodos de influência.

Constatou-se ainda que, na grande maioria das vezes, nas discussões da PEP não se chegava a um consenso e que, no jogo do poder existentes, os fatores como os interesses divergentes e confrontos pessoais se sobressaiam. Pode-se concluir que, no CES/MT havia uma escassez de capital social – ou seja, relações de confiança, solidariedade e cooperação disseminadas – e, portanto, escassez de elementos indispensáveis para que o conselho se constituísse de efetivo canal de democratização das decisões e de controle social.

Manim (1987) comenta que a tomada de decisões é sempre uma escolha entre incertezas. Aponta que os indivíduos, ao tomarem decisões sobre os rumos da

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sociedade, possuem informações. Entretanto, elas são fragmentadas, incompletas e, até mesmo, contraditórias, o que não permite a formação de convicções que fundamentem a tomada de decisões. A confrontação e o debate entre os vários pontos de vista acerca de uma proposta, ao invés de prejudicar, é fundamental para que os indivíduos clarifiquem, aperfeiçoem e selecionem as informações de que dispõem, minimizando seus níveis de incerteza e modelando suas preferências, ainda que isso represente uma mudança de seus vagos objetivos iniciais.

Mesmo tendo uma cultura em que a sociedade espera que o governo tome as decisões, há possibilidades de se inverter o jogo do poder. Para tanto, a busca e divulgação de informações e saberes podem ser incentivadas nessa arena, com a intenção dos conselheiros se reconhecerem como participantes iguais e ativos, ou seja, com condições iguais de jogar o ‘jogo do poder’.

Pateman (1992) afirma que a participação é educativa e promove, através de um processo de capacitação e conscientização seja individual e/ou coletiva, o desenvolvimento da cidadania, cujo exercício se configura como requisito central na ruptura com o ciclo de subordinação e de injustiças sociais. A participação confere outro ciclo, caracterizado pela relação direta que se estabelece entre a participação cidadã, a mudança da consciência política e a diminuição das desigualdades sociais.

Este mesmo autor afirma que os indivíduos precisam de tempo para aprender a importância da participação política, aprender a atuar como cidadãos e por fim participar no processo decisório político, pois, como resultado de sua participação na tomada de decisões, as pessoas aprendem a distinguir entre seus próprios impulsos e desejos, a ser tanto cidadão público quanto privado. Isso faz com que as pessoas se sintam importantes nos resultados do sistema político como um todo. Quanto mais atores sociais participarem do curso político das políticas, mais amplo este poderá ser, e mais relações poderão ser estabelecidas entre estes atores.

O Conselho de Saúde certamente constitui um espaço público privilegiado para, por intermédio da participação, aumentar o capital social e formar cidadãos mais conscientes, de modo que ampliem a democracia e sejam instrumentos na defesa dos interesses da maioria dos cidadãos. Nessa perspectiva, pode-se também contribuir para uma qualificação do processo decisório nesse fórum.

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Educação Permanente & Educação Continuada: gestão e planejamento das práticas educativas em

município de menor porte Nereide Lucia Martinelli 1

Marina Atanaka dos Santos 2

Maria Angélica Santos Spinelli 3

Introdução

Desde que o SUS foi implantado, a organização dos serviços de saúde tem se constituído em desafios aos entes federativos, em um contexto que requer da gestão, a sistematização do planejamento de forma a viabilizar o processo de trabalho para o desenvolvimento das ações e serviços, com práticas profissionais capazes de intervir sobre o modelo de atenção.

Organizar processos educativos no cotidiano das práticas de saúde constitui-se em demandas da gestão do trabalho dos serviços de saúde pública no que se refere aos aspectos relacionados às condições de trabalho e à formação e capacitação dos profissionais inseridos no sistema. As práticas educativas denominadas capacitações, reuniões técnicas, treinamentos, cursos, palestras nas comunidades e outras, dependendo do momento ou concepções, têm sido referidas como: educação em serviço, educação continuada e educação permanente. São necessidades que requerem a implementação da Educação Permanente em Saúde (EPS) como uma política pública.

A Educação Permanente em Saúde ganhou estatuto de política pública a partir da difusão, pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), da proposta de Educação Permanente do Pessoal de Saúde, para promover o desenvolvimento dos sistemas de saúde (CECCIM, 2005).

Na educação permanente em saúde, as atividades educativas constituem-se meios que criam as condições para a reflexão sobre os processos de trabalho. Compreende-se como atividades educativas, o conjunto de atividades capaz de proporcionar, entre outras atitudes, a reflexão, a troca do saber, a reorientação

1 Doutoranda em Ciências/FMP/USP. Professora do Departamento de Saúde Coletiva – UFMT.

2 Doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Professora do Departamento de Saúde Coletiva – UFMT.

3 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Associada do Departamento de Saúde Coletiva – UFMT.

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das práticas. Portanto é uma ação que deve estar ancorada no cotidiano dos serviços e ser permanente na instituição, para a efetiva concretização dos princípios do SUS (FARAH, 2003).

A Educação Permanente em Saúde propõe que os processos de capacitação dos trabalhadores tomem como referência as necessidades de saúde das pessoas e da população, da gestão setorial e do controle social em saúde. Além de desenvolver a educação dos trabalhadores, possibilita a ampliação da capacidade resolutiva dos serviços (BRASIL, 2005).

Com a implementação do SUS na década de 1990, a descentralização dos serviços ganha impulso e prevê que, no âmbito da gestão local, sejam organizadas estruturas político-administrativas, com capacidade de assumir as singularidades da gestão pública. Entre as prerrogativas assumidas pela gestão local, destaca-se a gestão do trabalho, que se institucionaliza na política nacional de saúde, cujos processos estão sendo desenvolvidos e requer estudos avaliativos que identifiquem potencialidades e fragilidades e, assim, orientar a implementação de políticas que possam subsidiar e apoiar os sistemas locais (PIERANTONI, 2004).

A organização da gestão do trabalho no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) ainda se constitui em importante questão. Entre os problemas do cotidiano, em especial da gestão local, destacam-se: a. a formação dos profissionais que ainda não corresponde ao modelo de

atenção que prioriza a atenção primária;

b. a baixa qualificação dos profissionais já inseridos no mercado de trabalho;

c. o despreparo para trabalhar com os problemas de saúde de coletividades. Estas questões comprometem os princípios orientadores do SUS, em

especial o estabelecimento de vínculos do trabalhador com a população usuária dos serviços de saúde (JUNQUEIRA et al., 2010).

Estudo realizado por Pierantoni (2004), sobre a capacidade gestora de recursos humanos em saúde em municípios com população superior a 100 mil habitantes, apontou que os profissionais são administrados, entre outros, por sistemas de controle de pagamento e benefícios. Essas atividades administrativas, voltadas exclusivamente para fins administrativos da vida funcional do trabalhador, são insuficientes para a gestão de pessoas inseridas na rede de saúde pública e podem indicar que o planejamento das ações de educação permanente em serviço não é uma prática na gestão destes sistemas locais de saúde. Diante deste quadro, este trabalho investiga se é possível a prática de educação permanente em municípios de menor porte.

Diante da necessidade de implementar os serviços de saúde pública bem como readequar o perfil dos profissionais inseridos nesta rede de atenção à

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saúde, a Secretaria Municipal de Saúde de Campo Novo do Parecis desenvolveu atividades educativas no período de 2004 a 2007, que foram objeto de análise deste estudo. Como ponto de partida desta investigação, definiu-se a seguinte questão: as práticas educativas planejadas e realizadas se configuram como educação permanente ou educação continuada? Como elas ocorrem?

Materiais e Métodos

Realizado no município de Campo Novo do Parecis, este estudo de caso exploratório, de abordagem qualitativa e quantitativa, analisa o tema educação permanente e educação continuada dentro do seu contexto real. Para isso, recorre a múltiplas fontes de evidências, tais como o cenário de realização das atividades educativas e a estratégia de mudança na gestão de saúde, aplicada no período de 2004 a 2007. Com base nestas informações, descreve a situação onde a intervenção ocorreu e verifica se estas se configuraram como práticas de Educação Permanente ou de Educação Continuada.

Para o levantamento do número de profissionais que compunha o Sistema Municipal de Saúde, foram analisados os documentos do sistema de informação de controle de frequência e os Relatórios de Gestão do período de 2004 a 2007. As atividades educativas programadas foram identificadas nos Planos de Saúde e as realizadas foram verificadas nos Relatórios de Gestão e no livro Registro de Atividades Educativas realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde, onde também foram inscritos o tipo de atividade e a clientela envolvida: trabalhadores, comunidade e conselheiros de saúde.

No Plano Municipal de Saúde e nas Programações Anuais de Saúde, foram verificadas as informações referentes à metodologia utilizada no processo de elaboração, as atividades educativas programadas e como estas emergiram. Foram também incluídas na análise das atividades educativas, os temas propostos nas programações anuais.

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Quadro 1 - Fonte de informações e as informações da pesquisa

Fonte de Informação Informações da pesquisa

Planos Municipais de Saúde

•Objetivo principal da atividade; •Atividades educativas programadas; •Método(s) utilizado(s) para o planejamento das atividades educativas e construção dos Planos de Saúde; •Origem da demanda (emergência e contexto das atividades educativas);

Programações anuais de Saúde• Procedimentos metodológicos e técnicos para programação das Atividades Educativas; • Modus operandi;

Relatórios de Gestão• N.º de profissionais da SMS; • Atividades Educativas realizadas; • Origem da demanda; • Local de realização; • Duração; • Público-alvo; • Tipo de atividade;

Relatórios de reuniões de condução

• Métodos e estratégias das atividades educativas; •Avaliação da atividade educativa realizada; • Modus operandi / estratégica de ensino;

Sistema de Controle de Frequência

•Nº de profissionais da SMS;

Livro de Registro de Atividades Educativas

•Atividades Educativas realizadas; •Origem da demanda; •Local de realização; •Duração; •Público-alvo; •Tipo de atividade; •Modus operandi / estratégica de ensino;

Nota: Construção dos autores.

Para a classificação das atividades educativas programadas e realizadas, adotou-se, como matriz de informação, a “Proposta Política do MS/SGTES/DEGES - Educação Permanente em Saúde”, de 2004 (BRASIL, 2004), que as classifica segundo as seguintes dimensões: pressuposto pedagógico, objetivo principal, público, modus operandi e atividades educativas, expostas no quadro abaixo. As dimensões foram classificadas conforme as características de Educação Continuada e Educação Permanente.

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Quadro 2 - Dimensões segundo características de Educação Permanente e Educação Continuada conforme a política do MS/ SGTES/DEGES/2004

Dimensões Educação Continuada Educação Permanente

Pressuposto Pedagógico

O “conhecimento” preside / define as práticas.

As práticas são definidas por múltiplos fatores (conhecimento, valores, relações de poder, organização do trabalho etc.); a aprendizagem dos adultos requer que se trabalhe com elementos que “façam sentido” para os sujeitos envolvidos (aprendizagem significativa).

Objetivo principal

Atualização de conhecimentos específicos

Transformação das práticas.

PúblicoProfissionais específicos, de acordo com os conhecimentos a trabalhar.

Equipes (de atenção, de gestão) de qualquer esfera do sistema.

Modus operandi

Descendente. A partir da leitura geral dos problemas, identificam-se os temas e conteúdos a serem trabalhados com os profissionais, geralmente sob o formato de curso.

Ascendente. A partir da análise coletiva dos processos de trabalho, identifica-se se os nós críticos (de natureza diversa) enfrentados na atenção ou na gestão; possibilita a construção de estratégias contextualizadas que promovem o diálogo entre as políticas gerais e a singularidade dos lugares e pessoas.

Atividades educativas

Cursos padronizados - carga horária, conteúdo e dinâmicas definidos centralmente. As atividades educativas são construídas de forma desarticulada em relação à gestão, organização do sistema e controle social. São pontuais, fragmentadas e se esgotam em si mesmas.

Os problemas são resolvidos/ equacionados em situação. As atividades educativas são construídas de maneira ascendente, considerando as necessidades específicas de profissionais e equipes. Articuladas com as medidas para reorganização do sistema (atenção - gestão - educação – controle social articulados), que implicam acompanhamento e apoio técnico. Exemplos: constituição de equipes de especialistas para apoio técnico às equipes da atenção básica em temáticas específicas prioritárias; instituição de processos de assessoramento técnico para formulação de políticas específicas.

Fonte: Brasil (2004, p. 68).

Conforme especificado no quadro 3, para cada variável, foram definidas as categorias operacionais com o objetivo de analisar se estas atividades configuram como práticas de Educação Permanente ou de Educação Continuada.

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Quadro 3 - Matriz de Informação das atividades educativas por variável e categoria

Variável Categorias Operacionais

Tipo de atividade educativa

Reunião técnica de condução e reuniões técnicas realizadas com trabalhadores do serviço. Foram consideradas mais próximas das atividades de educação permanente por envolverem de forma articulada a atenção à saúde, à gestão e ao controle social.

Capacitações - Internas - as que ocorreram dentro do município, inclusive de conselheiros de saúde. Externas – as que ocorreram fora do município. Também se analisou os temas trabalhados e, considerando o conceito de integralidade, verificou-se se estavam relacionados com atividades de promoção, prevenção e recuperação da saúde e, portanto, correlacionados com a Educação Permanente.

Atividades na Comunidade, Semanas educativas e Conferências - todas as atividades que envolveram profissionais e comunidade: palestras, reuniões em sala de espera, teatros, escolas, meio rural. Por estarem diretamente relacionadas com o processo de trabalho, foram consideradas como práticas de Educação Permanente.

Atividades educativas realizadas fora do município: a participação de profissionais em congressos, conferências, seminários, capacitações, reuniões técnicas. Essas atividades por serem pontuais e pautarem na valorização da ciência como fonte do conhecimento e no conhecimento técnico-científico, foram consideradas próximas ao que propõe a educação continuada.

Público Alvo

Área específica - Agentes Comunitários de Saúde, Agentes de Saúde Ambiental, Conselheiros - as atividades com estes profissionais foram consideradas com características de educação continuada.

Todos os trabalhadores - quando houve participação de diferentes categorias profissionais, – as atividades, por estarem voltadas para a multiprofissionalidade e a interdisciplinaridade, foram consideradas atividades que se aproximaram das práticas de educação permanente.

Comunidade - atividades realizadas pelo trabalhador na comunidade: palestras, reuniões em sala de espera, teatros, - foram consideradas como próximas às de Educação Permanente, por estarem relacionadas aos processos de trabalho.

Estratégias de ensino

Tradicionais – aulas expositivas, capacitações, painéis, seminários e similares – por serem pontuais, foram consideradas mais afinadas com a educação continuada.

Participativas - atividades que estimulam a participação: discussão em grupo, reuniões técnicas e de condução, oficinas de trabalho, aula dialogada, atividades com a comunidade. Foram consideradas como potencial para a implantação da Educação Permanente no serviço.

Local de realização

Internas – atividades que ocorreram no município/serviço - foram consideradas afinadas com a Educação Permanente.

Externas – atividades que ocorreram fora do município - por serem pontuais, foram consideradas afinadas com a Educação Continuada.

Internas/comunidade – atividades realizadas pelos profissionais do serviço. Ocorreram no município, com participação de usuários do SUS, inclusive as realizadas em sala de espera e de outros setores fora da SMS. Todas essas foram consideradas afinadas com a Educação Permanente.

Origem da demanda

Internas – atividades realizadas para profissionais do serviço e conselheiros de saúde (dentro e fora do município).

Externas - atividades realizadas na comunidade local ou outros setores fora da Secretaria Municipal de Saúde.

DuraçãoCurta duração - atividades realizadas dentro do município.

Media/longa – atividades referentes aos cursos técnicos e de pós-graduação e outras realizadas fora do município.

Fonte: Adaptado de Peduzzi et al. (2009).

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Para a apresentação das atividades educativas, as categorias foram distribuídas em frequência simples e ou relativa.

Resultados e Discussões

O município Campo Novo do Parecis foi criado pela Lei n.o 5.315 de 04 de julho de 1988 e está localizado no médio norte de Mato Grosso, na região de saúde de Tangará da Serra, distante 390 km da capital Cuiabá. Tem área de 9.630 km2, sendo 30% de reserva indígena e abrigava, em 2007, uma população com total de 22.322 habitantes. Este município é destaque no agronegócio com produção de soja, algodão, milho e arroz e possui inúmeras belezas naturais (CAMPO NOVO DO PARECIS, 2007a).

Até 2007, a Secretaria Municipal de Saúde estava habilitada na Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada NOAS/02. A rede pública de Campo Novo do Parecis é constituída por cinco Unidades de Saúde da Família, um Centro de Saúde, um Posto de Saúde no meio rural, um Consultório Odontológico de referência para Equipes de Saúde Bucal com Raios-X, um Laboratório Central, uma Central Municipal de Regulação, um Centro de Reabilitação, uma Farmácia Central, um Hospital Municipal de 25 leitos administrado pela Organização Social e integrante do Consórcio Intermunicipal de Saúde da região.

Em 2004, a cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF) atendia 83,48% dessa demanda em saúde neste município e, em 2007, esse percentual decresceu para 72,59%. O hospital municipal atende as demandas internas e, quando necessário, encaminha os pacientes para o Consórcio Intermunicipal de Saúde da região, com sede no município de Tangará da Serra.

Em 2004, exerciam atividades na Secretaria Municipal de Saúde 164 profissionais e esse número aumentou para 208, em 2007. O incremento de 26,82% no total de profissionais vinculados à SMS ocorreu devido à mudança na estrutura organizacional da prefeitura de Campo Novo do Parecis, que passou para a Secretaria de Saúde, a gestão do Departamento de Água e Lixo.

Dentre as categorias profissionais vinculadas a saúde, há multiprofissionalidade. Entre os profissionais de nível médio, no período de 2004 a 2007, a maior proporção é de ACS, 21,4% em 2004 e 18,26% em 2007. Dos profissionais de nível superior a maior proporção é de médicos, 8,53% em 2004 e 9,13% em 2007, seguido da categoria de enfermeiros. Os cargos administrativos da área meio representam, em media 7,3% em 2004 e 7,2% em 2007. Os dados citados nos permite afirmar que, de modo geral a maior proporção de profissionais vinculados a SMS de Campo Novo do

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Parecis, é da área assistencial, ou seja, profissionais que desempenham tarefas voltados para a atenção e cuidado e contato direto com o usuário.

Quanto à multiprofissionalidade, ainda que com pequenas proporções, a rede pública de saúde conta com a incorporação de categorias profissionais que contribuem para implementar a atenção primária e reorganizar o modelo de atenção. Estes profissionais exercem suas atividades em unidades de referência cuja proporção é de 2,2 profissionais de nível superior para um médico. Pelo próprio modelo de atenção do município, que prioriza o Programa de Saúde da Família, entre os profissionais das equipes há predominância da categoria médica, seguida de técnicos de enfermagem e enfermeiros.

Os profissionais do sistema público estão vinculados à prefeitura através de cargos comissionados, concursos públicos e contratos temporários. No período de 2005 a 2007, os profissionais não concursados, em especial os profissionais médicos, foram contratados por uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) com sede na capital do estado. Embora seja de pequeno porte, o município de Campo Novo do Parecis segue as tendências do mercado de trabalho que emergiu a partir da década de 90, que entende este tipo de vinculação dos profissionais como precarização das relações de trabalho, ou seja, como outra modalidade de vinculação do profissional ao sistema de saúde e com perdas da proteção social do trabalho (PEDUZZI, 2007). Em 2006, foi implantado o Plano de Carreiras, Cargos e Salários, mas os profissionais médicos continuaram com contratos temporários (CAMPO NOVO DO PARECIS, 2004a, 2005a, 2006, 2007).

A emergência das atividades educativas: o processo de elaboração do plano municipal de saúde

O Secretário Municipal de Saúde instituiu o Planejamento na rotina de trabalho da Secretaria de Saúde entendendo-o como um processo que poderia resultar em aprendizado para a equipe e qualidade na gestão da saúde. Para isso designou uma equipe técnica, inicialmente, composta por profissionais da(s): coordenadorias da Secretaria Municipal de Saúde, Unidades de Saúde, Vigilância Epidemiológica e Ambiental, Vigilância Sanitária, Centro de Reabilitação, Saúde Bucal, Laboratório, Assistência Farmacêutica e Gestão.

Com estes profissionais, denominados de equipe de condução, foram realizadas oficinas, que enfatizaram a abordagem do planejamento estratégico situacional no processo de planejamento. Com a metodologia da problematização as necessidades foram levantadas, tendo como subsídios

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os Relatórios de Gestão, os resultados dos indicadores da atenção básica e a programação pactuada e integrada (PPI), do período de 2003 a 2007.

Neste contexto, para a SMS, foram definidos os seguintes princípios: promover o contínuo desenvolvimento gerencial e organizacional: promover a valorização do ser humano e efetivar o controle social; e realizar o planejamento, controle, avaliação e auditoria das atividades de promoção, prevenção e recuperação. Estes princípios nortearam a elaboração das ações/atividades e respectivas metas estratégicas do Plano Plurianual/2006-2009, inseridas em 9 projetos prioritários.

O processo de planejamento foi, assim, incorporado nas práticas das equipes de trabalho e, anualmente, os Planos de Saúde foram acompanhados, avaliados e suas metas atualizadas para o ano seguinte, tendo como base os resultados do ano anterior. Observa-se, nos registros, que estes instrumentos foram inseridos na prática cotidiana dos profissionais e podem ter direcionado a rotina do trabalho das equipes de saúde nas Unidades de Saúde da Família (USF) (CAMPO NOVO DOS PARECIS, 2004a; 2004b; 2005a; 2005b; 2005c; 2006; 2007).

Nas reuniões bimestrais de condução, as ações programadas eram avaliadas, reiteradas ou redefinidas, com base nos relatórios mensais das atividades realizadas nas Unidades de Saúde e nas realizadas pelas equipes e coordenadorias da SMS.

O Plano Municipal de Saúde de 2004 foi avaliado e, com base nos resultados alcançados, entendeu-se que as capacitações poderiam se constituir em estratégia viabilizadora para implementar as ações e fortalecer os profissionais. Desta forma, foi construída uma agenda de capacitações, renovada a cada ano, tendo como referência os resultados da avaliação da Programação anual vigente e as propostas da Programação Anual do ano subsequente.

Atividades educativas programadas e realizadas

No período de 2004 a 2007, para os 9 projetos prioritários, foram programadas 143 atividades educativas com o objetivo de implementar as seguintes áreas: saúde da mulher; saúde da criança e do adolescente; saúde do idoso e do adulto; saúde bucal; vigilância epidemiológica e ambiental; vigilância sanitária; água; lixo; reabilitação; assistência farmacêutica e laboratorial; e gestão e planejamento. Pelo registro das atividades verifica-se que estas atividades educativas estão relacionadas com: a reorganização do modelo de atenção, a integralidade e o cuidado da saúde (CAMPO NOVO DOS PARECIS, 2004a; 2005a; 2006; 2007).

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Inicialmente, foram programadas 36 atividades educativas para o ano de 2004, 38 para 2005, 24 para 2006 e 45 para 2007. Pelo fato da programação anual ser acompanhada e reprogramada pela equipe de condução, as atividades educativas foram incrementadas e, por contar com o apoio dos profissionais, teve como resultado 813 atividades educativas realizadas no período acima citado.

Tomando como referência o Quadro 3, descrito na metodologia de trabalho, as 813 atividades educativas realizadas no período de 2004 a 2007, foram analisadas segundo variável e categoria como demonstra o tabela 1.

Tabela 1 - Atividades educativas realizadas e classificadas segundo variável e categoria de análise, Campo Novo do Parecis, 2004 a 2007

Variável Categoria No %

Tipo de atividades educativas

Reunião técnica 191 23,50Capacitação 97 11,93

Atividade na comunidade 484 59,53Atividade fora do município 41 5,04

Total - Tipo de Atividades Educativas 813 100

Publico alvoÁrea específica: 139 17,10

Todos os trabalhadores 194 23,86Comunidade 480 59,04

Total - Público Alvo 813 100

Estratégias de ensinoTradicionais 41 5,05

Participativas 772 94,95Total - Estratégias de Ensino 813 100

Local de realizaçãoInterna- no município 259 31,86

Externa - fora do município 41 5,04Interna na comunidade 513 63,10

Total - Local de Realização 813 100

Origem da demandaInterna (serviço) 302 37,15

Externa (comunidade e outros) 511 62,85Total - Origem da Demanda 813 100

DuraçãoCurta 772 94,95

Média/longa 41 5,05Total – Duração 813 100

Fonte: Campo Novo do Parecis (2004a, 2005a, 2006, 2007).

As atividades educativas realizadas no município pesquisado tiveram como monitores os técnicos da equipe de condução e das Unidades de Saúde (CAMPO NOVO DOS PARECIS, 2004a, 2004b, 2005a, 2005b, 2005c, 2006, 2007).

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Os temas trabalhados nestas atividades educativas estão relacionados com a implementação das ações contidas nas Programações Anuais de Saúde e contemplam as atividades de atenção e vigilância à saúde, gestão e controle social, associadas ou com as ações de promoção, prevenção e reabilitação da saúde ou com as ações organizadas com as combinações entre essas atividades.

Direta e indiretamente, esses temas estão relacionados com a integralidade da atenção à saúde e com o cotidiano das práticas de trabalho. Pode-se dizer que se constituem em processos de aprendizado para o profissional inserido no serviço e um princípio de reorganização do sistema municipal de saúde como um todo (CAMPO NOVO DOS PARECIS, 2004a, 2005a, 2006, 2007).

As reuniões técnicas classificadas em reuniões de vigilância à saúde e de condução das ações, foram realizadas entre profissionais da Secretaria Municipal de Saúde e de outros setores. Das 191 reuniões realizadas, 145 (75,91%) foram reuniões de condução, relacionadas, entre outros assuntos, com medidas de reorganização do sistema para a vigilância à saúde. Essas medidas implicam em acompanhamento, monitoramento e apoio técnico, a exemplos das comissões montadas para: elaborar o protocolo de saúde mental, padronizar os medicamentos básicos, elaborar e monitorar os planos de saúde, organizar as duas Conferências Municipais de Saúde, entre outras (CAMPO NOVO DOS PARECIS, 2004a, 2005a, 2006, 2007).

Das 674 atividades educativas, 480 dentre estas (59,04%), envolveram a participação da comunidade e 194 (23,86%) contaram com a participação de todos os trabalhadores (Tabela 2).

O primeiro resultado pode indicar a responsabilização do usuário por sua condição de saúde e o estreitamento da relação entre o trabalhador e o usuário (PEDUZZI et al., 2009). Já o último resultado evidencia que a prática comunicativa e de interação dos trabalhadores se aproxima das práticas propostas pela educação permanente, por estar relacionada com o processo de trabalho que valoriza o coletivo, as necessidades de profissionais, as equipes de gestão e atenção e usuários. Portanto, se aproxima também da prática projetada pelo modelo de atenção integral e do cuidado à saúde.

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Tabela 2 - Frequência do tipo de atividades educativas realizadas, segundo público alvo, no Município de Campo Novo dos Parecis, 2004-2007

Tipo de atividade educativaPúblico Alvo

Área Específica Trabalhadores Comunidade TotalReunião técnica 5 134 --- 191Capacitação 52 45 --- 97Atividades Comunidade, Semanas educativas e Conferências

4 --- 480 484

Atividades educativas realizadas fora do município

26 15 --- 41

Total 139 194 480 813

Fonte: Campo Novo do Parecis (2004a, 2005a, 2006, 2007).

Nas estratégias de ensino, as categorias trabalhadas em: aulas expositivas, painéis, seminários e capacitações, estas fora do município foram consideradas tradicionais por serem pontuais. Foram consideradas como participativas, aquelas cujas estratégias estimulam a participação do público alvo, entre estas: discussão em grupo, reuniões técnicas e de condução, oficinas de trabalho, aula dialogada, atividades com a comunidade e também as capacitações que ocorreram naquele município.

Dentre as atividades educativas participativas as realizadas com a comunidade representaram 62,69% do total. Este resultado pode ter sofrido a influência do trabalho do Agente Comunitário de Saúde, do Agente de Saúde Ambiental, do Agente da Vigilância Sanitária, que, devido ao perfil epidemiológico do município com o registro de casos de hantavirose e dengue, demandou, por parte da vigilância à saúde, intensificação das atividades educativas para a prevenção e promoção da saúde, com atividades educativas realizadas, dentre outros, nos seguintes locais: salas de espera, comunidades, fazendas e escolas (CAMPO NOVO DOS PARECIS, 2004a, 2005a, 2006, 2007).

Tabela 3- Frequência do tipo de atividades educativas realizadas segundo estratégias de ensino, no Município de Campo Novo dos Parecis, 2004-2007

Tipo de atividade educativaEstratégia de Ensino

Tradicionais Participativas TotalReunião técnica --- 191 191Capacitação --- 97 97Atividades Comunidade, Semanas educativas e Conferências

--- 484 484

Atividades educativas realizadas fora do município 41 --- 41

Total 41 772 813

Fonte: Campo Novo do Parecis (2004a, 2005a, 2006, 2007).

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A origem da demanda foi classificada como interna e interna/comunidade. Interna, quando realizada para os profissionais do serviço e conselheiros de saúde (dentro e fora do município); e interna/comunidade, quando realizada na comunidade ou adscrita a Unidade de saúde ou nas comunidades rurais (Tabela 4).

Tabela 4 - Frequência do tipo de atividades educativas realizadas segundo origem da demanda, Município de Campo Novo dos Parecis, 2004-2007

Tipo de atividade educativaOrigem da demanda

Interna Interna/comunidade Total

Reunião técnica 171 20 191

Capacitação 90 7 97

Atividades comunidade, semanas educativas e conferências

--- 484 484

Atividades educativas realizadas fora do município 41 --- 41

Total 302 511 813

Fonte: Campo Novo do Parecis (2004a, 2005a, 2006, 2007).

Dentre as atividades educativas, a demanda interna/comunidade representou 62,85% do total das atividades realizadas, evidenciando mais uma vez a influência do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Saúde Ambiental (ASA) na comunidade.

Apesar do município de Campo Novo do Parecis estar vinculado ao Polo de Educação Permanente, situado no município de Cuiabá, sob a gestão da Secretaria de Estado da Saúde, a participação de seus profissionais nos eventos realizados no referido Polo foi pontual e o Polo de educação permanente não se destacou como instância para demandar ou realizar capacitações e ações de Educação Permanente em Saúde para Campo Novo do Parecis.

As atividades educativas internas, ou seja, as que ocorreram dentro do município de Campo Novo dos Parecis, representaram 94,95% do total das atividades registradas no período de 2004 a 2007 (Tabela 5).

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Tabela 5 - Frequência do tipo de atividades educativas realizadas segundo local de realização, interna e externa ao Município de Campo Novo dos Parecis, 2004-2007

Tipo de atividade educativaLocal de realização

Interna ExternaInterna/

ComunidadeTotal

Reunião técnica 173 --- 18 191

Capacitação 86 --- 11 97

Atividades Comunidade, Semanas educativas e Conferências

--- --- 484 484

Atividades educativas realizadas fora do município

--- 41 --- 41

Total 259 41 513 813

Fonte: Campo Novo do Parecis (2004a, 2005a, 2006, 2007).

Do total das atividades educativas realizadas no município de Campo Novo do Parecis, 31,85% foram desenvolvidas com os profissionais das unidades de saúde e da Secretaria Municipal de Saúde, cujos temas trabalhados estavam diretamente relacionados com a condução das ações para a vigilância à saúde, conforme consta nas Programações Anuais.

As atividades realizadas junto à comunidade representaram 63% do total e podem ser consideradas atividades educativas para o trabalhador, pois, para realizá-las, exige do trabalhador: preparação para discutir o tema e conhecimento da programação de trabalho, do serviço e das necessidades do usuário. Neste sentido, o trabalho pode se constituir em espaço de interação entre sujeitos profissionais e sujeitos usuários, ambos com demandas de suas respectivas necessidades.

Tabela 6 - Frequência do tipo de atividades educativas realizadas segundo duração, Município de Campo Novo dos Parecis, 2004-2007

Tipo de atividade educativaDuração

Curta Média/Longa Total

Reunião técnica 191 --- 191

Capacitação 97 --- 97

Atividades comunidade, semanas educativas e conferências

484 --- 484

Atividades educativas realizadas fora do município --- 41 41

Total 772 41 813

Fonte: Campo Novo do Parecis (2004a, 2005a, 2006, 2007).

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Educação Permanente & Educação Continuada: gestão e planejamento das práticas educativas em município de menor porte

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Do total de atividades educativas realizadas, 94,95% ocorreram no município e foram todas de curta duração, ou seja, menor que 20 horas e contaram com o envolvimento dos profissionais do serviço e comunidade.

As atividades educativas que ocorreram fora do município foram consideradas de média a longa duração, com mais de 20 horas e perfizeram os cursos de formação técnica, pós-graduação, seminários, oficinas e outros.

Atividades educativas realizadas fora do município

Fora do município, foram realizadas 41 atividades educativas, a saber: seminários de avaliação, oficinas, congressos, conferências, curso de formação técnica, pós-graduação, reuniões técnicas e outras, que contaram com a participação de profissionais da rede de saúde pública do município e conselheiros de saúde. Os temas destas atividades educativas estavam ligados entre outros, à saúde do trabalhador, vigilância epidemiológica, saúde bucal, saúde mental, vigilância sanitária e gestão.

Quadro 4 - Demonstrativo por ano do número de eventos realizados fora do município e total de participantes. Campo Novo do Parecis, 2004, 2005, 2006, 2007

Eventos realizados fora do município 2004 2005 2006 2007 Total

No de eventos 6 10 8 17 41

No de participantes 9 24 20 30 83

Fonte: Campo Novo do Parecis (2004a, 2005a, 2006, 2007).

As atividades ocorridas fora do município foram realizadas pela Secretaria de Estado da Saúde e ou pelo Ministério da Saúde. Os profissionais que participaram foram: enfermeiras, médicos, cirurgiões dentistas, auxiliares de consultórios de odontologia, fisioterapeutas, agentes da Vigilância Sanitária (VISA), veterinários, da vigilância epidemiológica e ambiental, da gestão da SMS, pesquisadores de hantavirose do município, técnicos administrativos, digitadores, psicólogos, conselheiros de saúde e agentes indígenas.

Além de esses profissionais serem liberados para participarem de cursos fora do município, a Secretaria Municipal de Saúde liberou um cirurgião dentista para ser monitor no curso Técnico em Higiene Dental realizado em Tangará da Serra pela Escola de Saúde do Estado. Também houve a participação de dois técnicos, na Assembleia de Saúde Indígena realizada na Aldeia Rio Verde. Uma técnica da Secretaria Municipal de Saúde apresentou na I EXPOGEST - Mostra

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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Nacional de Vivencias Inovadoras de Gestão no SUS, realizada em Brasília, o trabalho “Análise da experiência da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Novo do Parecis em 2004 e 2005 no processo de gestão do conhecimento” (CAMPO NOVO DO PARECIS, 2006).

Em 2007, três técnicos da Secretaria Municipal de Saúde, integrantes da pesquisa de roedores realizada no município de Campo Novo do Parecis, em parceria com equipe do Ministério da Saúde, participaram da VII Conferência Internacional de Hantavirose realizada em Buenos Aires, quando expuseram os resultados parciais dessa pesquisa. Uma técnica da Secretaria Municipal de Saúde participou do XXIII Congresso Nacional das Secretarias Municipais de Saúde do CONASEMS, realizado em Joinville/SC, apresentando trabalho sobre o processo de educação permanente no município.

As participações dos técnicos em eventos fora do município estiveram mais relacionadas com as reuniões de condução do que de capacitação. A participação nesses eventos indica a possibilidade não só de motivar o profissional para inovar suas ações, mas também de oportunizar a sua atualização. Em 2007, houve mais participações do que em 2006 e foram realizados 5 cursos, duas conferências, um congresso, um seminário e 5 reuniões de condução (CAMPO NOVO DO PARECIS, 2007).

Considerações finais

A descentralização dos serviços de saúde para os municípios desencadeou avanços no sentido de consolidar o Sistema Único de Saúde local, mas certamente os limites e os pontos de estrangulamento ainda hoje se fazem presentes. A nova responsabilidade assumida implica numa gestão de saúde democrática, participativa e com controle social, voltada para a realidade e o perfil epidemiológico do município.

Nesse contexto de construção de novas práticas de saúde, observa-se a adoção de estratégias para superar o modelo de saúde vigente, hegemônico, biológico e mecanicista, para constituir outro, onde a integralidade da atenção e a educação permanente são transversais ao sistema. A compreensão da saúde como qualidade de vida e condição para a cidadania é fundamental nesse processo de mudança de paradigma, do qual se espera a garantia de acesso a serviços de saúde resolutivos e de qualidade com plena atenção às necessidades da população.

A metodologia do planejamento estratégico utilizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Campo Novo do Parecis, no período de 2004 a 2007, propiciou à equipe de condução e à gestão, reflexões sobre as diferentes visões

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Educação Permanente & Educação Continuada: gestão e planejamento das práticas educativas em município de menor porte

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do mundo do trabalho, da realidade do serviço e das necessidades da população. Com a problematização de situações consideradas preocupantes, selecionou-se os problemas e, para enfrentá-los, foram geradas programações com definição de estratégias e prioridades de intervenção que direcionaram a gestão.

O Planejamento foi discutido e realizado considerando as questões subjetivas da equipe de condução, dos profissionais e as necessidades da população, portanto, um instrumento que definiu intenções e considerou o cenário vivido no cotidiano das práticas de trabalho, como oportunidade educativa e meio para viabilizá-lo. A equipe de condução foi indutora da efetivação da construção do planejamento e de sua execução de forma participativa.

Com esta metodologia do planejamento estratégico foi possível compartilhar características comuns entre os diferentes setores da SMS, que frequentemente, fragmentam as ações e os serviços, devido às especificidades, complexidade e heterogeneidade das categorias profissionais. A tentativa de superar ações fragmentadas deu sentido e direcionalidade técnica às ações e o processo de educação permanente possibilitou a reflexão-ação criando condições para o desenvolvimento das pessoas e reorganização dos serviços de saúde.

Foram realizadas 813 atividades educativas e estas instituíram o processo organizador no interior da Secretaria Municipal de Saúde. Além disso, este processo alterou as relações e os valores, pois exigiu articulação entre os profissionais da Secretaria Municipal de Saúde e os das Unidades de Saúde. A qualificação dos profissionais das Unidades de Saúde criou condições favoráveis para influenciar positivamente as ações da atenção básica.

Apesar desta dinâmica de trabalho, verificou-se nos relatórios de gestão a resistência por parte de alguns profissionais que ainda mantém, em suas percepções, a visão centrada na especificidade e fragmentação das ações. Essa visão está expressa em críticas a esta estratégia de educação permanente, com afirmações do tipo “é trabalhosa e burocrática”, pois exige disciplina e organização no trabalho diário, na entrega de relatórios e no monitoramento das ações programadas. Essa percepção de atividades e ações de saúde focadas nas partes, sem estabelecer a conexão entre os setores da SMS, profissionais e comunidade, indicam barreiras a serem vencidas para a implementação do princípio da integralidade no sistema de saúde.

Do ponto de vista da condução, verificou-se que ajustes e adaptações ocorreram na agenda de atividades educativas, o que não comprometeu as etapas estabelecidas. O movimento de compreender as dimensões técnica e política do planejamento como instrumento de gerenciamento na gestão e

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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desenvolvimento das pessoas, colocou em evidência o fato de que mudança não é algo que ocorre apenas pela vontade de alguns, mas pelo envolvimento da maioria em um projeto institucional. Exige, portanto, um sentido na direção e uma intenção pré-determinada para mudar.

É perceptível que a Secretaria Municipal de Saúde optou pela adesão a uma nova cultura organizacional, apesar de alguns atores institucionais a negarem, pois criou as condições favoráveis à mudança que foram incorporadas no processo de trabalho e no meio organizacional.

Na história da Secretaria Municipal de Saúde sempre houve defasagem entre a oferta e as necessidades de atividades educativas. A disponibilidade de cursos sempre foi pequena e a agenda de atividades educativas no município foi uma oportunidade e condição fundamental para melhorar o desempenho dos profissionais. Por outro lado, embora os polos de educação permanente tenham sido criados para funcionar como dispositivos do SUS no que se refere a mudanças nas práticas de saúde e de educação na saúde verificou-se pouca oportunidade oferecida ao município de Campo Novo do Parecis para possibilitar a participação dos seus profissionais nesses eventos.

A adoção do planejamento estratégico, no período de 2004 a 2007, facilitou o desenvolvimento das atividades educativas na perspectiva da Educação Permanente em Saúde. O projeto construído através da problematização contribuiu para a participação efetiva dos profissionais na gestão e aprimoramento de suas ações.

A Secretaria Municipal de Saúde, através da programação e realização das atividades educativas, recuperou a dimensão da gestão de pessoas, valorizou os conhecimentos existentes, estimulou o aumento da capacidade e do potencial das pessoas diante dos problemas detectados, para assim conseguir a participação dos sujeitos de forma comprometida com a transformação social por meio de soluções criativas.

As atividades educativas ocorridas no município de Campo Novo do Parecis ilustram a possibilidade de implementação de Educação Permanente em Saúde na perspectiva de desconstruir e reconstruir o saber a partir das práticas vivenciadas no cotidiano de atendimento e de aumentar a competência, a habilidade e o compartilhamento dos conhecimentos entre os profissionais de saúde. Como limite dos resultados aqui descritos, encontra-se a dimensão da qualidade técnica das atividades educativas realizadas no referido município e não abordada neste estudo.

Este estudo foi realizado em um município cujo gestor, pela sua percepção, facilitou para que as condições de educação permanente fossem criadas. Esta

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Educação Permanente & Educação Continuada: gestão e planejamento das práticas educativas em município de menor porte

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forma de conduzir e o seu apoio, analisando e compreendendo as forças e as inter-relações no interior dos serviços, alcançou os seguintes resultados: integrou o saber e a prática, envolveu e comprometeu as pessoas e facilitou o alcance de melhores resultados. Estes fatos, entre outros, vêm reiterar o que Testa (1995) enfatiza de maneira muito especial, ou seja, o seu convencimento de que nenhuma proposta participativa se consolida de maneira permanente, se não for acompanhada por processos democratizadores que transformem, ao mesmo tempo, a condição interna de funcionamento do setor.

Este estudo revelou que as 813 práticas educativas implementadas pelo município de Campo Novo do Parecis, tiveram relação com a educação continuada (5,04%), mas que houve predominância de atividades educativas com características de práticas de educação permanente (94,96%).

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educação permanente em saúde: polos de educação permanente em saúde. Brasília: MS, 2004. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios).

______. ______. ______. ______. A educação permanente entra na roda: polos de educação permanente em saúde: conceitos e caminhos a percorrer. Brasília: MS, 2005. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios) (Educação na Saúde).

CAMPO NOVO DO PARECIS. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão, 2004. Campo Novo do Parecis: SMS, 2004a.

______. ______. Programação Anual de Saúde, 2004. Campo Novo do Parecis: SMS, 2004b.

______. ______. Relatório de Gestão, 2005. Campo Novo do Parecis: SMS, 2005a.

______. ______. Programação Anual de Saúde, 2005. Campo Novo do Parecis: SMS, 2005b.

______. ______. Plano Plurianual de Saúde: 2005, 2006, 2007, 2008. Campo Novo do Parecis: SMS, 2005c.

______. ______. Relatório de Gestão, 2006. Campo Novo do Parecis: SMS, 2006.

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______. ______. Relatório de Gestão, 2007. Campo Novo do Parecis: SMS, 2007.

CECCIM, R. B. Educação permanente: desafio ambicioso e necessário. Interface-Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 9, n.18, p.161-177, set. 2004/fev. 2005.

FARAH, B. F. Educação em serviço, educação continuada, educação permanente em saúde: sinônimos ou diferentes concepções? Revista APS, v. 6, n. 2, p.123-125, jul./dez. 2003.

JUNQUEIRA, T. S. et al. Dilemas da relação expansão/precarização do trabalho no SUS. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n. 5, p. 918-928, maio 2010.

PEDUZZI, M. Análise dos processos educativos de trabalhadores e equipes de saúde e de enfermagem: características, levantamento de necessidades e resultados esperados [relatório de pesquisa na Internet]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Univ. de São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.ee.usp.br/observatorio/observatorio/ relatórios/re1092. pdf>. Acesso em: 20 maio 2010.

PEDUZZI, M. et al. Atividades educativas de trabalhadores na atenção primária: concepções de educação permanente e de educação continuada em saúde presentes no cotidiano de Unidades Básicas de Saúde em São Paulo. Interface – Comunic., Saúde, Educ., v. 13, n. 30, p. 121-134, jul./set. 2009.

TESTA, M. Pensamento estratégico e lógica da programação. O caso da Saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1995.

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento

Gerencial do SUS em Mato GrossoJulio S. Müller Neto 1

Fátima A. Ticianel 2

Aline Paula Motta 3

Sônia M. de Souza Correa 4

Diogo do Araguaia Vasconcelos 5

Introdução

Este texto aborda a experiência de ensino-aprendizagem do Curso de Desenvolvimento Gerencial do Sistema Único de Saúde (CDG-SUS) realizado em municípios de Mato Grosso, no período de 2008 a 2012, e sua influência no desenvolvimento da percepção dos participantes sobre as práticas de gestão e do cuidado em saúde. Participaram dessa experiência: gerentes, trabalhadores e conselheiros do sistema municipal de saúde, além dos tutores responsáveis pela execução do curso.

O Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS (CDG-SUS) é um programa formulado e coordenado pelo Núcleo de Desenvolvimento em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (NDS/ISC/UFMT), em parceria com o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso (COSEMS/MT), Secretarias Municipais de Saúde do Estado de Mato Grosso e a Escola de Saúde Pública do Estado de Mato

1 Doutor em Ciências pela ENSP/FIOCRUZ. Médico, psiquiatra e sanitarista. Professor adjunto do ISC/UFMT. Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa de Avaliação em Saúde (ISC/UFMT), ao LAPPIS (IMS/UERJ) e ao Grupo de Planejamento e Gestão (ENSP/FIOCRUZ).

2 Mestre em Saúde Coletiva pelo ISC/UFMT. Enfermeira da SES/MT e Pesquisadora associada no NDS/ISC/UFMT. Pesquisadora associada ao Grupo de Pesquisa de Avaliação em Saúde (ISC/UFMT), ao LAPPIS (IMS/UERJ) e ao Grupo de Planejamento e Gestão (ENSP/FIOCRUZ).

3 Especialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pelo ISC/UFMT. Bacharel em Direito. Servidora da SES/MT.

4 Especialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pelo ISC/UFMT. Assistente Social do Instituto Nacional de Seguridade Social. Ex-secretária municipal de saúde de Novo São Joaquim/MT.

5 Especialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pelo ISC/UFMT. Administrador. Servidor e ex-secretário municipal de saúde de Canarana (MT).

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Grosso (ESP-MT) e teve ainda a cooperação da equipe do Laboratório de Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS/IMS/UERJ).

O Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS (CDG-SUS) teve por objetivo contribuir para a qualificação das práticas de gestão e do cuidado em saúde, além de fortalecer a relação entre as instituições de ensino e pesquisa e a gestão municipal do SUS na implementação da educação permanente em saúde.

Esse projeto teve como referência normativa a Política Nacional de Educação Permanente e incorporou a participação dos gestores e técnicos municipais de saúde como forma de fortalecer as parcerias entre as instituições de ensino e pesquisa e os serviços de saúde locais, conforme estabelecido na Portaria MS n. 1.996 (BRASIL, 2007).

Os quatro principais momentos, não sequenciais, do projeto do curso foram: 1) formulação da proposta político-pedagógica; 2) escolha, seleção e formação de tutores; 3) elaboração e revisão do material pedagógico; e 4) realização presencial dos cursos nos municípios.

A partir da experiência bem-sucedida no ISC/UFMT, o programa do curso foi adaptado pelo Laboratório de Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS) para os municípios do estado do Rio de Janeiro e para o município de Rio Branco, no Acre, processos estes que contaram com a colaboração dos membros do NDS/ISC/UFMT.

O presente trabalho traz as referências teóricas e metodológicas que orientaram a implementação do curso de desenvolvimento social e a caracterização do mesmo. Incorpora a avaliação realizada sobre o curso a partir da percepção do conjunto dos alunos e duas avaliações realizadas por meio de estudos de caso nos municípios de São Félix do Araguaia e Canarana, exemplos vivos e pulsantes desta experiência em educação permanente (MOTTA, 2012; CORREA, 2012; VASCONCELOS, 2013).

A avaliação abrangeu os 55 cursos realizados no período. A caracterização do perfil dos alunos foi realizada com base nas fichas de inscrições dos 1.560 participantes certificados e a percepção dos alunos sobre o curso foi feita considerando os 1.380 questionários respondidos.

O estudo avaliativo apoiou-se em abordagem quanti-qualitativa (MINAYO, 2005), que utilizou técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, questionário com perguntas fechadas e pré-codificadas e incorporou as diferentes respostas dos atores envolvidos. As duas únicas questões abertas foram categorizadas em quatro opções (sim, não, não se aplica e não respondeu) e quantificadas. Por meio de uma amostragem aleatória sistematizada foram selecionadas 50 respostas no universo de

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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1.380; dessa seleção, foram escolhidas as respostas com diversidade de conteúdo para exemplificar a opinião dos participantes.

Além da abordagem quanti-qualitativa, o estudo de caso no município de São Félix do Araguaia, utilizou a técnica de entrevista com roteiro semiestruturado. O critério utilizado para a escolha dos entrevistados considerou os que tinham concluído o curso e que também continuavam atuando na gestão municipal. Outras importantes fontes de informação usadas nos estudos de caso foram os documentos disponibilizados para o curso: plano municipal, relatório final da conferência municipal de saúde e relatório de gestão. Também foram utilizados os documentos produzidos durante o curso, como o registro da memória viva, o mosaico e as planilhas usadas para a construção da agenda de fortalecimento, produto final do curso. Além dos mencionados, o estudo no município de Canarana utilizou o relatório do tutor sobre o desenvolvimento do curso.

O Curso de Desenvolvimento Gerencial do Sistema Único de Saúde realizado em municípios de Mato Grosso, no período de 2008 a 2012, gerou a pesquisa “Avaliação do Curso de Desenvolvimento Gerencial (CDG-SUS) nos municípios de Mato Grosso em uma perspectiva do agir comunicativo e das práticas da integralidade”, registrada na Pró-Reitoria de Pesquisa (Propeq) da UFMT sob n.º 174/CAP/2012. Essa pesquisa avaliativa deu origem a 03 (três) monografias de conclusão de cursos de especialização, que foram utilizadas neste capítulo.

Autonomia do sujeito e integralidade nas práticas de formação para o cuidado em saúde

A qualificação dos gerentes é uma demanda crescente no SUS em função da complexidade do sistema, da diversidade dos sujeitos e dos processos de trabalho da gestão e da rede de cuidados. Por outro lado, os projetos formativos enfocam o modelo biomédico e da doença, que aumentam os efeitos da racionalidade médica e tecnicista na produção do cuidado em saúde, e, na busca de conhecer os mecanismos produtores de doenças, os profissionais de saúde distanciaram-se das relações com os seres humanos em sofrimento (SILVA JÚNIOR et al., 2005).

Para Pontes, Silva Júnior e Pinheiro (2005), no modelo biomédico e da medicalização biopolítica, o hospital é do médico; o médico é o topo. A noção de equipe ou de rede ocupa lugar de complemento/suplemento e não de garantia de integralidade. A integralidade não está em causa, já que o paradigma é biomédico. O enfrentamento do predomínio da formação hospitalar, centrada

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na doença e nos aspectos biológicos e tecnológicos da assistência, demanda a mudança da formação dos trabalhadores ao tempo em que se processa a mudança das práticas de saúde e da organização do cuidado.

A educação permanente voltada para o cuidado, diversamente do modelo biomédico, é dialógica, trabalha em equipe, constrói o conhecimento de modo coletivo, é centrada na pessoa necessitada de ajuda, elabora em conjunto com a pessoa e sua família seus planos de cuidado, entre outros aspectos.

O Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS (CDG-SUS) do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS), integrante do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (ISC/UFMT), tem como proposta o desenvolvimento e fortalecimento da autonomia das pessoas por meio do entendimento e das práticas de gestão do cuidado em saúde, em uma perspectiva comunicativa, ética e de integralidade em saúde (MÜLLER NETO; SCHRADER; MOTTA, 2009). O seu referencial teórico e metodológico apoia-se na teoria do “agir comunicativo” (HABERMAS, 1987) que também orienta a gestão comunicativa por meio da participação ativa dos trabalhadores da saúde e usuários na construção do SUS (RIVERA, 2003).

O programa do acima referido curso também adotou o conceito ampliado de gestão, entendida como a capacidade de uma organização de formular projetos, políticas e normas legais; pela capacidade técnica e administrativa e pela capacidade de articular e de mobilizar parcerias com a finalidade de assegurar as condições políticas para a busca dos objetivos perseguidos (GUIMARÃES et al., 2004).

No mesmo sentido, Müller Neto (2010) afirma que a gestão perpassa pelos seguintes aspectos: a) políticos, referentes à tomada de decisão e condução estratégica; b) tecnopolíticos, relacionados ao processo de planejamento; e c) administrativos ou gerenciais, referentes à operacionalização.

As práticas correntes, hegemônicas, de formulação e implementação de políticas de saúde no SUS partem do universo cultural dos gestores e técnicos de saúde, uma vez que estes, que detêm o poder de formular e implantar, esquecem com frequência que, quando dois ou mais grupos de diferentes mundos de vida interagem para pensarem uma ação conjunta, a decisão não pode ser tomada a partir dos valores e normas de um só grupo (MÜLLER NETO; SCHRADER; MOTTA, 2009). Este modelo, que é reproduzido em boa parte dos itinerários formativos na educação permanente em saúde, desconsidera a educação como o agir voltado para o entendimento que estabelece formas coletivas de aprendizagem e que assegura a competência comunicativa dos sujeitos em interação, para serem livres e responsáveis (GOMES, 2007).

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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Na formulação da proposta político-pedagógica do curso partimos da premissa de que os atores sociais e os trabalhadores de saúde devem ser reconhecidos como sujeitos portadores de valores, crenças, direitos e competências para agir comunicativamente em busca do entendimento, pois uma ação voltada para o entendimento é diferente da ação estratégica ou instrumental, voltada para o sucesso e para fins. Isso porque o entendimento não pode ser induzido externamente, ao contrário, necessita ser aceito pelos próprios participantes (ARTMANN, 2001; RIVERA; ARTMANN, 2006).

Neste sentido, apostamos na possibilidade de se chegar ao entendimento no processo educacional por meio do exercício racional de argumentação não coercitiva e, desse modo, valorizar as experiências do cotidiano dos sujeitos participantes. Esta premissa resultou formalizar no planejamento do acima referido curso, as metodologias participativas, a cooperação e o diálogo.

A proposta pedagógica do curso incorporou a contribuição de Peduzzi (2007), que se apoia no agir comunicativo para o entendimento do trabalho em equipe e para a compreensão e intervenção na realidade, visando à mudança das práticas, sempre respeitando a vontade e opinião política dos trabalhadores e usuários do sistema público de saúde. A proposta do CDG-SUS adotou como orientação para o trabalho coletivo a transformação de “equipes agrupamentos” em “equipes integração”.

Outro eixo foi o conceito de integralidade em saúde, entendida aqui nas dimensões da organização da rede de serviços, dos conhecimentos e práticas dos trabalhadores de saúde, das práticas do cuidado e da participação social na formulação e avaliação das políticas de saúde (PINHEIRO; FERLA; SILVA JÚNIOR, 2004). O conceito de integralidade também orientou o processo de escolha, seleção e formação dos tutores. Este processo adotou como referência a diversificada experiência prévia das pessoas como trabalhadores de saúde, gestores e docentes que entendem a educação como trabalho coletivo e comunicativo.

As referências discutidas conformam uma nova perspectiva para a educação permanente em saúde que, segundo Motta (2010), é o processo de aprendizagem no trabalho, no qual a construção do saber é feita de forma coletiva, crítica e inserida no contexto social, levantando problemas e necessidades de natureza pedagógica. Isto representa uma importante mudança na concepção e nas práticas dos trabalhadores, na medida em que incorpora o ensino e o aprendizado à vida cotidiana, coloca as pessoas como atores reflexivos, busca a transformação do processo de trabalho orientado para a melhoria da qualidade dos serviços e para a equidade no cuidado e no acesso aos serviços de saúde (RIBEIRO; MOTTA, 1996). Apoiada na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais, a educação permanente acontece no cotidiano das pessoas e das organizações, a partir dos problemas enfrentados na

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realidade, levando em consideração os conhecimentos e as experiências que as pessoas já possuem (BRASIL, 2007).

Este trabalho também utiliza a noção de competência, que, na leitura de Ramos (2009), significa unidade e ponto de convergência entre conhecimentos, habilidades e atitudes para discutir a avaliação, feita pelos participantes sobre o curso. O currículo por competências promove uma redefinição dos conteúdos de ensino, de modo a atribuir sentido prático aos saberes, abandonando a preeminência dos saberes disciplinares para se centrar em competências supostamente verificáveis em situações e tarefas específicas. Nessa referência, os participantes deverão ser capazes de compreender e dominar os conteúdos de ensino, recorrendo às disciplinas somente na medida das necessidades exigidas pelo desenvolvimento dessas competências.

Para Ramos (2009, p. 120), trabalhar com a noção de competências significa:

Selecionar conhecimentos dos quais os estudantes necessitam para aplicar em esquemas operatórios, para entender o que significam e como funcionam, ou seja, deixar de fazer a separação entre o saber e o saber-fazer para centrar o esforço em resultados de aprendizagem nos quais se atinge uma integração entre ambos.

As competências são deduzidas das relações entre resultados e conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (querer fazer) dos trabalhadores (RAMOS, 2009). Em relação ao processo de trabalho, a mesma autora analisa que é possível relacionar as atividades pedagógicas às situações de trabalho e práticas sociais, que se constituem em referência para a formação dos trabalhadores.

Essa noção de competências, que prioriza a compreensão dos conteúdos e atribui sentido prático aos saberes, nos remete à educação permanente em saúde e à integralidade, que propõe produzir: a) mudanças de práticas de gestão e de atenção; b) saber dialogar com as práticas e concepções vigentes, problematizando-as no concreto do trabalho de cada equipe; e c) construir novos pactos de convivência e práticas, que aproximem os serviços de saúde dos conceitos da atenção integral, humanizada, de qualidade e com equidade (CECCIM, 2005).

O Curso resgata a história da saúde local e contribui para a constituição de novos sujeitos

O CDG-SUS oferecido pelo NDS/ISC/UFMT tem proposta de resgate da história da saúde pública nos municípios, de debate sobre os rumos do SUS no estado e regiões de Mato Grosso e de fortalecimento da gestão municipal e da atenção primária. Promove a reflexão, integrando o coletivo de

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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gestores, trabalhadores e conselheiros de saúde na busca do compromisso, da responsabilidade e da integralidade, com base na defesa de: o cuidado como valor ético, o trabalho em equipe, a humanização e a educação permanente (PINHEIRO; FERLA; SILVA JÚNIOR, 2004).

O foco na realidade e nos atores locais orientou os debates conceituais e as escolhas metodológicas do curso, embasados em um conjunto de textos e informações que possibilitaram a reflexão e a construção coletiva do conhecimento. O Curso de Desenvolvimento Gerencial trabalha com a especificidade e a singularidade de cada município e o fortalecimento do controle social. Promove a sistematização do conhecimento a partir da própria prática e das experiências do cotidiano e busca o entendimento entre os participantes para trabalhar questões desafiadoras que permeiam a política e a organização das práticas de saúde dos trabalhadores, ainda fortemente influenciados pelos modelos centrados na racionalidade biomédica e tecnicista (MÜLLER NETO; SCHRADER; MOTTA, 2009).

A metodologia do acima referido curso incorpora técnicas participativas de: pequenos grupos e plenárias, estudo dirigido em grupo, mosaico, memória viva, que permitem a reconstrução da história dos sujeitos que fazem o SUS. Além destas, utiliza a construção de narrativas, a partir das entrevistas com usuários das unidades de saúde, a agenda, utilizada para orientar a intervenção do coletivo do curso e as técnicas de dinâmica de grupos.

A metodologia enfatiza a relação entre o conteúdo temático, na constituição de novos sujeitos no sistema municipal, e a formação de coletivos. Está voltada para favorecer a participação e deliberação livre e igual dos participantes, de modo que, gradativamente, assumam a condução do processo, cooperando ativamente com os tutores. Como afirmou um participante no curso em Várzea Grande: “[...] a gente não estava acostumada a debater. O curso faz a gente discutir e respeitar mais a opinião dos colegas.” (CDG-SUS, 2011).

O curso ocorre em duas semanas. Na primeira, são enfocados o processo saúde doença, a política de saúde nacional, estadual e municipal, o planejamento e a gestão comunicativa, a avaliação da saúde do município na perspectiva do usuário, do trabalhador e da gestão e a participação e controle social. As horas-aulas são assim distribuídas: Unidade I: Condição de vida, política e gestão do SUS - 30 horas • Módulo 1 – 8 horas: Condição de vida e política de saúde • Módulo 2 – 10 horas: Política e gestão de saúde no município • Módulo 3 – 12 horas: Informação e planejamento em saúde

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Eixo integrador: Trabalho de campo

• 20 horas de dispersão – Leitura de textos, visita às unidades de saúde e entrevistas com usuários e trabalhadores e observação da gerência de material das unidades de saúde. Na segunda semana são enfocados: a área de organização da atenção e do

cuidado, o processo de trabalho e as práticas de saúde, o trabalho em equipe, a gerência da unidade e de materiais e a educação permanente, segundo os seguintes módulos da Unidade II: Unidade II: Gerenciamento e organização do sistema e serviços de

saúde: integralidade e direito à saúde - 30 horas

• Módulo 4 – 12 horas: Modelos tecnoassistenciais em saúde e avaliação do cuidado

• Módulo 5 – 6 horas: Trabalho em equipe

• Módulo 6 – 7 horas: Gerência de recursos na unidade

• Módulo 7 – 5 horas: Educação permanente para o fortalecimento gerencial do SUS

Planejar coletivamente o Cuidado e a Gestão

Do mesmo modo que as práticas comunicativas são transversais ao percurso metodológico, foi o itinerário terapêutico do Sr. Pedro (FARIA, 2011), um usuário do SUS de Mato Grosso e portador de uma condição crônica, que orientou e direcionou o seguinte debate e indagações dos participantes em relação ao conteúdo:

As políticas de saúde contemplam os problemas apresentados pelo Sr. Pedro?

O plano e a gestão da saúde priorizam as questões referidas por ele? Quem são os responsáveis pelo cuidado e acompanhamento do Sr.

Pedro? A equipe de saúde da unidade elaborou seu plano de cuidado de comum

acordo com ele?Foram mobilizadas as redes de apoio para o cuidado? Como esperado, surgem narrativas de muitas pessoas e problemas iguais/

diferentes aos do Sr. Pedro em cada município. O debate e a construção do conhecimento partem da realidade observada nas práticas dos alunos e nas

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unidades de saúde. O conceito ampliado de integralidade permite a interação entre prática, teoria e prática por meio do movimento dialético e comunicativo entre o conflito e o entendimento.

Para que o processo de construção coletiva e de corresponsabilidade na condução do SUS seja apropriado no cotidiano dos serviços, os alunos trabalham em atividades teóricas e práticas, organizados em quatro grupos, os eixos estruturantes da gestão e da organização dos serviços e constroem uma agenda de proposições com o objetivo de melhorar as práticas do cuidado em saúde.

A metodologia utilizada para construção dessa agenda baseia-se em exercícios de seleção e explicação dos problemas e de proposições de ações para enfrentamento dos mesmos. A rede explicativa é realizada com base numa planilha que contém: a) situação-problema; b) definição do problema (onde, quando, quanto, com quem e como acontece); c) explicação do problema (causas primárias e secundárias); d) objetivos; e) ações estratégicas; f ) responsáveis; g) parceiros e prazo para execução (CDG-SUS, 2011).

Ao final de cada módulo, os alunos elaboram a rede explicativa e as propostas de enfrentamento dos problemas identificados e priorizados. Ao final do curso, consolidam as propostas em uma Agenda de Fortalecimento Gerencial e da Educação Permanente do SUS no município, que enfatizam os conteúdos e as práticas trabalhadas nas duas unidades.

A agenda é construída pelos participantes, ao longo do curso, em sete momentos: 1. No Módulo 3, após a aula dialogada sobre planejamento, à luz do exercício do

Módulo 2, os participantes são organizados em quatro grupos e orientados a fazerem a primeira rede explicativa de um problema selecionado, dentre os quatro seguintes temas da realidade local: financiamento, recursos humanos, controle social e planejamento em saúde;

2. No Módulo 3, após a aula dialogada sobre a informação em saúde e a leitura do Caderno de Indicadores de Saúde do Município, os quatro grupos elegem, do referido Caderno, um problema como prioritário e dele elaboram a segunda rede;

3. No Módulo 5, após análise das modalidades de atenção existentes no município e tendo como recurso as entrevistas realizadas com os usuários locais, os grupos de participantes discutem os problemas, constroem e apresentam um caso. A partir da discussão desse caso, selecionam um problema relevante sobre o cuidado ao usuário e constroem a terceira rede explicativa;

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4. No Módulo 6, após a leitura dirigida e debate em plenária sobre trabalho em equipe, os participantes discutem um caso previamente elaborado sobre o tema e, na sequência, caracterizam o próprio processo de trabalho a partir de suas experiências e das entrevistas com trabalhadores de saúde do município, elegem um problema prioritário para produzem a quarta rede;

5. No Módulo 7, após terem sido feitas: a leitura dirigida sobre gestão do trabalho; a análise das entrevistas com trabalhadores e a observação de unidades de saúde do município, os grupos elegem outro problema prioritário para dele criarem a quinta rede explicativa;

6. No Módulo 8, após a aula e exercício sobre educação permanente, os quatro grupos fazem o alinhamento e a consolidação de todas as redes em uma agenda de fortalecimento para a apresentação desse trabalho na plenária final do curso.

7. Plenária Final: a plenária é realizada durante o último dia do curso, previamente programada e organizada pelo tutor, com apoio da equipe gestora, e contou com a presença de: todos os participantes do curso, o gestor municipal de saúde e sua equipe de condução, outras autoridades a convite do gestor, como o prefeito, vereadores, conselheiros de saúde e o ministério público. Durante a plenária é feita a apresentação da agenda pelos quatro grupos a qual é amplamente debatida por todos os presentes e, ao mesmo tempo, feito o estabelecimento de compromissos entre todos os participantes e o gestor municipal. Nessa fase, fica claro que o gestor tem a competência de formalizar o coletivo e constituir uma comissão permanente de acompanhamento da agenda. E que o gestor deve responsabilizar-se, conjuntamente com o coletivo, pelos encaminhamentos e ações definidas como prioridades (MÜLLER NETO; SCHRADER, 2011a, 2011b, 2011c).

Operacionalização do Projeto

O projeto do Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS integrou a Agenda de Educação Permanente dos Colegiados de Gestão Regional e foi aprovado na Comissão Intergestores Bipartite do estado, por meio da Resolução 072 de 13/10/2008 (MATO GROSSO, 2008). A gestão do acima referido curso, por parte do NDS/ISC/UFMT, deu-se através de um processo permanente de articulação e comunicação entre os atores e instituições

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parceiras nas fases de formulação, execução e avaliação e integrou as ações de ensino, pesquisa e serviço. Foi elaborado um protocolo, discutido e firmado pelos responsáveis, que definiu e especificou as atribuições e responsabilidades dos participantes institucionais (MÜLLER NETO; SCHRADER, 2011a).

O primeiro contato com o secretário de saúde do município é realizado pelo representante do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso, que informou e esclareceu ao gestor, as regras da cooperação entre as secretarias de saúde dos municípios mato-grossenses e a UFMT. O gestor municipal assina o Termo de Cooperação, que é homologado pelo Conselho Municipal de Saúde, tendo como contrapartida do município: a logística, a liberação dos alunos para as atividades, os documentos sobre a saúde municipal e a mobilização do informante-chave para a narrativa sobre a história viva da saúde pública municipal.

A Coordenação Pedagógica é constituída por docentes do ISC/UFMT e contou com uma equipe técnica e administrativa responsável pela execução, acompanhamento e monitoramento do projeto. As atividades relativas ao projeto têm sido campo de práticas para estágios de extensão e pesquisa dos cursos de graduação em saúde coletiva, comunicação social e medicina da UFMT e origem de pesquisas, monografias, dissertações e outros trabalhos. O CDG-SUS é ministrado por um tutor diretamente ligado às instituições proponentes, com a colaboração de um apoiador local, que atua como elo permanente entre os alunos, os tutores e a coordenação do projeto, sobretudo durante os trabalhos de campo.

Os tutores do CDG-SUS foram formados de modo permanente, a partir da primeira etapa do referido curso, em 2007. Na segunda etapa, iniciada em 2009, seis tutores da primeira fase contribuíram significativamente para a avaliação e revisão do curso e a formação dos novos tutores. A escolha e seleção dos tutores foram feitas segundo o perfil necessário para o curso: ter conhecimentos teóricos e experiência em docência e gestão em saúde.

Importante ressaltar o papel, ou melhor, os papéis do tutor no desenvolvimento do curso: dominar os conceitos e saber trabalhar a metodologia do curso; saber escutar, acolher, estabelecer vínculos e compromissos com os participantes; saber facilitar o diálogo, o entendimento e a interação entre os participantes; ter habilidades para coordenar o trabalho dos grupos e lidar com conflitos entre os participantes; ter sensibilidade política para enfrentar e lidar com problemas decorrentes de conflitos entre trabalhadores, usuários e gestores; ter atitude democrática e afeita à crítica; ter compromisso ético com SUS, com o projeto e com os participantes; ter atitudes e práticas democráticas, favoráveis ao desenvolvimento pessoal e coletivo, visando a autonomia e emancipação das pessoas. Em resumo, o tutor formado no curso de desenvolvimento gerencial deve refletir muitas características das lideranças comunicativas (RIVERA; ARTMANN, 2006).

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A formação dos novos tutores ocorreu em oficinas com esta finalidade e durante os próprios cursos, que funcionaram como laboratório de práticas de educação permanente: um tutor formador acompanhava e supervisionava a prática de um novo. De um total de 40 pessoas selecionadas nas duas etapas do curso e que passaram por diferentes processos de formação, 23 permaneceram como tutores e participaram efetivamente da execução dos cursos em 2009-2011. O perfil, os conhecimentos, habilidades, atitudes e práticas do tutor são, atualmente, objeto de uma pesquisa em andamento no ISC/UFMT.

A elaboração e revisão da proposta político-pedagógica e do material pedagógico do curso foram realizadas pelos coordenadores, tutores e convidados, em oficinas de trabalho. As atividades referentes às etapas de elaboração, planejamento e avaliação do projeto, qualificação dos tutores, elaboração e revisão do material didático do curso demandaram 244 horas de trabalho em oficinas, realizadas no período de 2 anos. A coletânea de textos e o caderno de exercícios, que compõem o material pedagógico, foram publicados pela Editora da Universidade Federal de Mato Grosso (EdUFMT) em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva (CEPESC/UERJ) e estão disponíveis no site www.observarh.ufmt.br.

O Curso vai onde estão as pessoas, os problemas e as soluções

O estado de Mato Grosso possui área de 903.366,192 km², é dividido em 141 municípios, com população, em 2010, de 3.033.991 habitantes e densidade demográfica de 3,36 hab/km² (IBGE, 2012). O curso foi realizado em 50 municípios do estado, no período de 2008 a 2011, o que totalizou 55 cursos presenciais de desenvolvimento gerencial nas 16 microrregiões de saúde (figura 1). Em alguns municípios, a quantidade deste curso foi ampliada para dois e três, respectivamente, nos municípios de Rondonópolis, Várzea Grande e Cuiabá. (CDG-SUS, 2011). Os municípios foram selecionados pelo Colegiado do COSEMS/MT, priorizando aqueles com mais de 20 mil habitantes.

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Figura 1 - Mapa dos municípios que realizaram o CDG-SUS de 2008 a 2011, por microrregiões de saúde. Mato Grosso, 2012

Fonte: Relatórios do Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, NDS/ISC/UFMT, 2008-2011.

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A barreira da grande extensão territorial do estado foi superada, e o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS ministrado pelo NDS/ISC/UFMT foi realizado em 35% dos municípios contemplados.

O referido curso abrangeu 16 microrregiões de saúde. Em quatro dentre estas contemplou 50% dos seus municípios. Esse percentual subiu para 80% no caso da microrregião de Peixoto de Azevedo. Em oito microrregiões, a cobertura foi de 30% a 43% dos municípios; as demais ficaram entre 10% e 29% (tabela 1).

Ressalta-se que os municípios pertencentes às microrregiões de Água Boa, Alta Floresta, Colíder, Juara, Juína e Peixoto de Azevedo possuem municípios que estão localizados a mais de 600 km da capital Cuiabá e os das microrregiões de São Félix do Araguaia e Porto Alegre do Norte, a mais de 1.000 km.

Tabela 1 - Números absolutos e percentual dos municípios que realizaram o CDG-SUS por microrregiões de saúde, no período de 2008 a 2011, Mato Grosso, 2012

Microrregiões de saúde

Qtd. de municípios por microrregiões

Qtd. de municípios que realizaram o CDG-SUS

% de municípios que realizaram o CDG-SUS

nas microrregiões

Peixoto de Azevedo 5 4 80%

Cuiabá 11 6 55%

Alta Floresta 6 3 50%

Juara 4 2 50%

Diamantino 7 3 43%

Porto Alegre do Norte 7 3 43%

São Félix do Araguaia 5 2 40%

Rondonópolis 19 7 37%

Cáceres 12 4 33%

Colíder 6 2 33%

Barra do Garças 10 3 30%

Tangará da Serra 10 3 30%

Sinop 14 4 29%

Água Boa 8 2 25%

Juína 7 1 14%

Pontes e Lacerda 10 1 10%

Fonte: Relatórios do Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, NDS/ISC/UFMT, 2008-2011.

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O quadro 1 mostra que do total de 1.968 inscritos, 161 desistiram do curso, 246 não conseguiram concluí-lo e 1.560 (79% ) receberam a titulação.

Quadro 1 - Número de cursos realizados nos municípios por ano de execução incluindo o total de participantes inscritos e certificados. Mato Grosso, 2012

AnosQuantidade de

Cursos Realizados

Número de Participantes

Inscritos Não ParticipantesNão

CertificadosCertificados

2008 8 280 18 41 2212009 3 114 6 11 972010 18 668 59 75 5332011 26 906 78 119 709Total 55 1.968 161 246 1.560

Fonte: Relatórios do Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, NDS/ISC/UFMT, 2008-2011.

Quem são os participantes?

O perfil dos 1.560 participantes e que foram certificados nos 55 cursos nos municípios de Mato Grosso foi caracterizado segundo faixa etária, gênero, escolaridade, tempo de serviço, vínculo trabalhista e participação em cargos comissionados das Secretarias Municipais de Saúde e resultou nos seguintes dados:

A maioria (67%) dos participantes tinha idade de 20 a 39 anos e a efetiva participação das mulheres (79%) em relação aos homens (21%), reiterou a indicação do processo de feminização da força de trabalho no setor da saúde (MACHADO et al., 2006).

Em relação à escolaridade, 1.060 (68%) dos 1.560 participantes tinham perfil compatível com a proposta do curso, que definiu como público prioritário, atender aos profissionais de nível superior e 604 (57%) dentre estes, tinham curso de pós-graduação, o que indicou a crescente qualificação da força de trabalho nos municípios mato-grossenses.

Entretanto, ao constatar que as funções gerenciais e dos conselhos de saúde também eram exercidas por trabalhadores com escolaridade de nível médio e fundamental, a exigência de nível superior foi flexibilizada, para permitir a participação, no curso, desses trabalhadores e usuários.

Em relação ao tempo e serviço, dos 1.560 participantes que receberam certificados, 40% e 17% atuam no SUS municipal no período de 1 a 5 anos e de seis a dez anos, respectivamente. Os menores percentuais, 14% e 12% ficaram, respectivamente, para os que atuam a mais de 11 anos e a menos de um ano.

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Para Duarte et al. (2012), a composição da força de trabalho com até 10 anos de atuação indica a previsão de muitos anos de trabalho pela frente para esses grupos e mostra a potencialidade do curso para fortalecer a gestão municipal.

Com relação ao vínculo empregatício, 57% eram estatutários, fato este que pode favorecer a disseminação do conhecimento adquirido e contribuir para a melhoria das práticas de gestão e do cuidado em saúde. Do total de 1560 dos participantes, apenas 18% informaram ter cargo comissionado na instituição. Esse baixo percentual pode significar ou a quantidade de cargos informais de gerência ou que o município não selecionou os profissionais com perfil gerencial.

Avaliação didática pedagógica

A avaliação didática pedagógica considerou os seguintes aspectos do curso: adequação do conteúdo e da metodologia para o processo de aprendizagem proposto; compreensão do material didático e sua suficiência para a reflexão sobre os temas; qualificação dos tutores quanto ao domínio de conteúdo e da metodologia; adequação da estrutura física e dos recursos audiovisuais; participação individual e do grupo nas atividades propostas; ampliação do conhecimento e aspectos significativos que o aluno considera possível modificar no gerenciamento do SUS municipal. Os dados da avalição didática pedagógica foram levantados de 1.380 questionários respondidos por participantes que concluíram o curso.

Conteúdo, metodologia e material didático

O conteúdo do curso foi considerado, pelos 82% dos participantes respondentes, adequado aos objetivos propostos. A discussão dos temas propostos foi classificada como muito boa devido a abordagem metodológica adotada, o que estimulou a participação dos alunos: esta foi a opinião de 76% dos respondentes.

Conforme apresentado no referencial teórico, a formulação da proposta pedagógica do curso partiu da premissa de que os trabalhadores da saúde deveriam ser reconhecidos como sujeitos portadores de valores, crenças, direitos e competências para agir comunicativamente, em busca do entendimento, que deveria ser construído pelos próprios participantes sem indução externa. Essa premissa implica em construir o curso estruturado em: metodologias participativas, cooperação e diálogo, na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais.

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Schrader e Müller Neto (2012) enfatizam que a metodologia do curso incorpora técnicas participativas com formato de pequenos grupos e plenárias, estudo dirigido em grupo, mosaico e memória viva, que permitem a reconstrução da história dos sujeitos que fazem o SUS. A construção de narrativas a partir das entrevistas com usuários das unidades de saúde e da agenda que orientará a intervenção do coletivo do curso e a utilização de técnicas de dinâmicas de grupos também perfazem a metodologia do curso.

Os autores acima citados enfatizam ainda a relação entre o conteúdo temático na constituição de novos sujeitos no sistema municipal e a formação de coletivos e entendem que a metodologia deve estar voltada a favorecer a participação e deliberação livre e igual dos participantes de modo que, gradativamente, estes assumam a condução do processo e cooperem ativamente com os tutores.

O material didático disponibilizado foi avaliado positivamente pelos participantes, já que 76% dentre estes são de opinião que os textos ofereceram subsídio à discussão dos temas propostos nos diferentes módulos do curso. Também a linguagem utilizada nesse material foi considerada muito boa e acessível para 62% dos respondentes.

A elaboração e revisão da proposta político-pedagógica e do material do curso foram realizadas pelos coordenadores, tutores e convidados em oficinas de trabalho, assim como a seleção dos textos, elaboração do material didático, adequ ação da linguagem e a dinâmica utilizada.

Desempenho dos tutores

Os tutores foram bem avaliados pelos participantes. Para 91% e 87% dos respondentes, respectivamente, os tutores dominavam muito bem o conteúdo abordado e satisfatoriamente a metodologia adotada. A excelente avaliação dos tutores pode ser explicada pelos seguintes cuidados: critérios de seleção, que buscou o perfil compatível com o curso e a realização do processo de formação e avaliação permanente a que foram submetidos, conforme assinalam Schrader e Müller Neto (2012, p. 291):

É importante ressaltar os papéis do tutor no desenvolvimento do curso: dominar os conceitos e saber trabalhar a metodologia do curso; saber escutar, acolher, estabelecer vínculos e compromissos com os participantes; saber facilitar o diálogo, o entendimento e a interação entre os participantes; ter habilidades para coordenar o trabalho dos grupos e lidar com conflitos entre os participantes; ter sensibilidade política para enfrentar e lidar com problemas decorrentes de conflitos entre trabalhadores, usuários e gestores; ter atitude democrática e afeita à crítica; ter

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compromisso ético com o SUS, com o projeto e com os participantes; e ter atitudes e práticas democráticas, favoráveis ao desenvolvimento pessoal e coletivo, visando à autonomia e emancipação das pessoas.

Os tutores selecionados passaram por processo de qualificação ao longo do desenvolvimento do projeto. Os primeiros foram formados em 2008 e 2009. Os tutores formados na primeira fase e que continuaram no projeto participaram da revisão pedagógica do curso e da qualificação dos novos tutores.

Enquanto ocorriam os cursos em 2009 e 2010, a coordenação pedagógica, com o apoio dos tutores formadores e consultores, continuou o processo de revisão do material pedagógico do curso, tendo realizado ao todo quatro Oficinas de Revisão Conceitual e Metodológica com carga horária global de 72 horas, sendo que na quarta oficina participaram os novos tutores selecionados, reforçando assim a qualificação dos mesmos, promovendo um processo interativo entre a teoria e a experiência prática dos tutores dos cursos. (CDG-SUS, 2011, p. 13).

Estrutura física e recursos audiovisuais

A estrutura física foi considerada muito confortável, adequada e boa para a realização do curso, respectivamente, para 47% e 42% dos respondentes. Os recursos audiovisuais foram suficientes para subsidiar as atividades para 56% dos respondentes. Os aspectos referentes à estrutura física e aos recursos audiovisuais foram os quesitos que alcançaram menor percentual de aprovação e refletem as carências de infraestrutura física e financeira em geral, existentes em muitos municípios de Mato Grosso, sobretudo nos pequenos e médios.

Participantes percebem o processo do curso como espaço de reflexão e transformação

Müller Neto, Schrader e Motta (2009) avaliam que o CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT promoveu mudanças na forma de pensar e agir dos alunos em relação à gestão do SUS e ao cuidado porque fomentou: maior integração das equipes e dos serviços; a valorização da força de trabalho; o aprofundamento do princípio da integralidade na gestão dos coletivos; o sentimento de pertencimento e de corresponsabilidade com a política e com o sistema de saúde; o redimensionamento das práticas e processos de trabalho com foco no usuário e o fortalecimento da participação popular.

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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Para os autores supracitados, o CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT não só ampliou a percepção do aluno “de si” como ser social, que participa do desenvolvimento de outros integrantes da equipe e dos coletivos do SUS, mas também desenvolveu habilidades no aluno a partir das situações vivenciadas nos processos de seu trabalho, fortalecendo, por conseguinte, a capacidade de aprender com a sua prática. Nesses sentidos, as respostas dadas às questões abertas foram significativas.

Conhecimentos adquiridos e mudanças no gerenciamento

O Curso contribuiu para ampliar o conhecimento sobre o SUS na opinião de 84% dos participantes entrevistados. O percentual de avaliação classificada como muito boa é próximo ao percentual de 81,59% alcançado pela avaliação sobre a adequação do conteúdo do curso.

Os pontos significativos apontados pelos participantes como possíveis de serem modificados no gerenciamento do SUS municipal foram: o planejamento, a educação permanente e o cuidado com o usuário. Neste quesito de mudança no trabalho cada um dos avaliadores poderia fazer três opções de temas entre os sete apresentados.

Mudanças no relacionamento e no modo de trabalho

A maioria (89,22%) dos participantes respondeu que pretende modificar o próprio modo de trabalhar e de se relacionar com a equipe. Essa afirmação mostra que o curso sensibilizou os participantes quanto ao papel que cada um tem, na organização e nas necessidades de mudanças, no processo de seu trabalho. Esse resultado encontrou respaldo no resultado positivo da avaliação dos conteúdos e da proposta pedagógica do curso e influenciou a percepção e as necessidades de mudanças de atitude e disposição dos participantes em relação às suas práticas.

A decisão de mudança de atitude na relação com a equipe e no desenvolvimento gerencial, observada nas respostas da maioria dos participantes, foram exemplificadas nos seguintes depoimentos:

Pretendo desenvolver uma estratégia de ação em equipe. Promover o planejamento das ações com todos os trabalhadores; reuniões semanais para discussão de problemas e soluções possíveis com alterações no cronograma; e capacitação dos profissionais com a valorização de cada setor. (PARAN 814).

Acompanhando as equipes da saúde na criação do planejamento anual, participar das análises das situações da secretaria e ajudar na melhor forma no gerenciamento dos recursos. (SJRC 1150).

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Com esse curso, pude repensar a forma de interagir com as pessoas. O conceito de “equipe” foi reformulado e, por isso, acredito que serei um profissional que valorizará as diversas pessoas agregadas a minha equipe. Pretendo fazer isso, dando abertura e respeitando os diversos pontos de vista, ou seja, tecer relações baseadas no diálogo. (TS 1262).

A avaliação positiva do curso evidencia, por parte dos participantes, a aquisição de novas competências, seja em relação aos conhecimentos adquiridos sobre o SUS, seja quanto às mudanças de atitude no relacionamento destes para com: a equipe, o trabalho e o cuidado.

Mudanças no cuidado

O curso despertou o interesse de 83,33% dos participantes para a importância do desenvolvimento de novas formas de cuidado à saúde e de práticas gerenciais na unidade, em busca da integralidade.

Gráfico 1 - Intenção de desenvolver novas formas de cuidado à saúde e sua gestão. Mato Grosso, 2012

Fonte: Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, NDS/ISC/UFMT, 2008-2011.

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Quatro em cada cinco participantes do curso manifestaram motivação de mudanças em relação à prática do cuidado traduzidas no vínculo, acolhimento, respeito e responsabilização pelo usuário, qualidade da atenção e integralidade, que foram exemplificadas nas respostas abaixo descritas:

No 1° módulo já foram repassadas algumas informações, quero trabalhar com eles (os colegas) a questão do vínculo, responsabilização e acolhimento. (BG-I 142).

Penso implementar mudanças que resultem em um novo processo de trabalho, visando a qualidade da atenção ao usuário. (MDO 646).

O produto final, que é levar a saúde aos usuários, tem que ser o melhor, sendo assim, pretendo rever nossas práticas e colocar na ativa o que aprendemos aqui. (PAN 954).

Pretendo mostrar à equipe a importância da integralidade, responsabilidade, acolhimento, atitude de escuta e respeito com usuário. (TAB 1234).

Por outro lado, algumas respostas às perguntas abertas levantaram questões e dúvidas referentes à continuidade do processo e ao acompanhamento dos coletivos e das agendas. Questões e dúvidas também foram levantadas quanto ao papel das instâncias colegiadas regionais e dos escritórios regionais da secretaria estadual de saúde, em relação à política de educação permanente para o desenvolvimento gerencial.

Influência no processo de planejamento e na constituição do coletivo: o caso de São Félix do Araguaia

A realização do curso ocorreu em setembro e outubro de 2010 e o estudo de caso foi feito em 2012, ambos em São Félix do Araguaia. Foram inscritos 35 alunos no curso e 23 dentre estes (66%) o concluíram e foram certificados.

A história de vida da comunidade e dos trabalhadores da saúde, o engajamento do coletivo, o sentimento de compromisso dos alunos e a herança cultural de luta de Dom Pedro Casaldáliga, herdada pelos moradores da região, instigaram-nos a escolher esse Município como local para a pesquisa de campo.

O município de São Félix do Araguaia é um dos 141 municípios que compõem o estado de Mato Grosso. Pertence à macrorregião do Araguaia e à microrregião do Baixo Araguaia e é o município sede da regional de saúde de São Félix do Araguaia. Sua colonização se deu nos anos 1940, com a “Marcha para o Oeste”

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e foi emancipado em 13 de maio de 1976. Sua população, segundo o IBGE, é de 10.713 habitantes. Está distante da capital (Cuiabá) 734 quilômetros. Em 2000, segundo o PNUD/ADH, seu IDH era de 0,726, colocando-o na 2.503ª posição no país e 71ª em Mato Grosso (CDG-SUS, 2010a).

Foram analisados os instrumentos de gestão municipal, planos e relatórios, para verificar se nestes instrumentos foram incorporadas as propostas construídas pelos alunos no decorrer do curso e transcritas na Agenda de Fortalecimento Gerencial e da Educação Permanente do SUS.

O Plano Municipal de Saúde de São Félix do Araguaia foi elaborado no início de 2011, logo após ter sido realizado, nesse município, o CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT. A equipe técnica de planejamento da gestão municipal foi formada por 12 integrantes, dentre os quais apenas 03 tinham participado e concluído o referido curso. Esse plano de saúde foi regulamentado pela Resolução nº 20, do Conselho Municipal de Saúde (SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA, 2011).

Do total de 18 prioridades presentes no item 11 do Plano Municipal de Saúde para o ano de 2011, 09 constaram na Agenda de Fortalecimento Gerencial, construída pelos participantes, durante período do curso, a saber:1. capacitação dos conselheiros do Conselho Municipal de Saúde;

2. redução de doenças preveníveis e evitáveis;

3. implantação de política de valorização dos servidores da saúde pública municipal;

4. fortalecimento da gestão participativa e descentralizada para planejamento local ascendente;

5. Cumprimento dos compromissos assumidos no Pacto pela Saúde nos seus três componentes;

6. consolidação e qualificação da Estratégia de Saúde da Família;

7. readequação física e tecnológica das Unidades de Saúde;

8. qualificação da gestão da saúde, com ênfase no fortalecimento do financiamento e tecnologia da informação e comunicação; e

9. planejamento e realização de mutirões de saúde pública na zona rural municipal. Esta confrontação de dados sugere uma semelhança muito forte

entre as ações constantes no planejamento local e as ações propostas pelo programa de curso do CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT ministrado em São Félix do Araguaia.

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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Pode-se constatar, inclusive, durante a realização das entrevistas com os participantes do curso nesse município, que muitas propostas discutidas durante o CDG-SUS tornaram-se, também, propostas aprovadas pela Conferência Municipal de Saúde de São Felix e incorporadas, posteriormente, quando da formulação do Plano Municipal de Saúde desse município. No entanto, segundo os entrevistados, essa agenda não foi utilizada como subsídio direto para a Programação Anual de Saúde.

A construção do coletivo

Após o término do curso ministrado em São Felix do Araguaia, um grupo de alunos fez a apresentação da agenda de prioridades construída durante o período desse curso. Para isso, foram convidados, além do Prefeito Municipal e vereadores de São Felix do Araguaia, todos os demais servidores municipais de saúde e os parceiros citados nas ações planejadas pela referida agenda. A seguir, foi assinado o comprometimento do Prefeito para com a realização daquelas prioridades.

Ao serem indagados sobre o funcionamento do coletivo que se formou após o CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, os entrevistados declararam que esse coletivo se reuniu por mais três vezes para discutir e traçar o planejamento das ações constantes na Agenda. No entanto, também assinalaram que esse sujeito coletivo não se tornou permanente. Um dos entrevistados relatou: “[...] porém o que se pode observar não somente neste curso, mas como em vários outros, é a ausência de continuidade do mesmo, ainda falta um feedback maior entre esses profissionais, embora alguns desses tenham deixado nosso município [...]”.

Outro participante entrevistado afirmou que, no seu entendimento, o coletivo não teve continuidade devido aos inúmeros motivos que fizeram distanciar os seus membros, mas reconheceu que muitas atitudes foram modificadas e que a postura dos profissionais envolvidos muito contribuiu para a melhoria da saúde em geral.

A segunda pergunta solicitava aos entrevistados que descrevessem as facilidades e as dificuldades encontradas para a execução das ações propostas no CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT. Ao se referirem às facilidades, alguns citaram o aprendizado adquirido no curso, os exercícios dos trabalhos em grupo, o sentimento de responsabilidade e o compromisso deles, enquanto gerentes e gestores, nas suas unidades de atuação.

Em relação às dificuldades, os participantes assinalaram a ausência ou insuficiência da relação interpessoal intra e entre as equipes, principalmente as marcadas pelo relacionamento entre os responsáveis pela gestão e os profissionais e executores do serviço. Entre as dificuldades, foi registrada

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também, a estranheza com que os trabalhadores receberam as críticas em forma de problematização na Rede Explicativa da Agenda de Fortalecimento Gerencial, construída no curso e a percepção de alguns, desse exercício como uma forma de afrontamento às suas práticas.

A dificuldade em firmar as parcerias no desenvolvimento das ações; o fato de terem ficado reféns dos prazos estabelecidos no planejamento da agenda; a não continuidade do sujeito coletivo formado pelo CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, além da migração dos profissionais qualificados durante o curso para outros setores ou para outros municípios, perfazem outras dificuldades experienciadas, pelos participantes entrevistados, para a execução das ações propostas no Curso de Desenvolvimento Gerencial (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT).

Em relação aos trabalhadores e gerentes de saúde que não participaram do curso, a questão da dificuldade de receberem críticas aos seus desempenhos sugere, pelo menos, duas questões: a primeira, a inexistência de processos comunicativos permanentes de avaliação, característica do modelo burocrático de gestão, já assinalado por Deluiz (1997), o que é confirmado pelos déficits de comunicação e coordenação entre gestores, gerentes e trabalhadores observados nas entrevistas. A segunda mostra a necessidade de desenvolver e fortalecer as competências comunicativas do conjunto dos trabalhadores de saúde. A dificuldade de estabelecer e cumprir prazos pode ser vista como decorrência do próprio processo de aprendizagem, que não exercita a capacidade de trabalhar e planejar coletivamente.

Na terceira questão, quando perguntados se gostariam de acrescentar alguma coisa sobre o CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, os participantes salientaram a importância do Curso para o Município de São Félix do Araguaia e declararam que observaram, após o CDG, melhorias na em suas práticas e nos seus atendimentos aos usuários das unidades de saúde. Um dos alunos afirmou: “[...] com este curso aprendemos a ter um olhar mais crítico, a saber buscar parcerias, a trabalhar em equipe na tentativa de construir um SUS de mais qualidade e efetividade [...].” Outro participante disse que gostaria que o Curso tivesse continuidade, com o retorno dos professores ao município, para avaliação das ações propostas.

Os resultados da pesquisa de campo no município de São Félix do Araguaia mostraram que é possível fazer: a. o fortalecimento da ação coletiva e comunicativa que favoreça trabalhadores

e usuários da saúde reconhecerem-se como sujeitos, de direito e de fato, na condução dos processos decisórios da gestão da saúde;

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b. a possibilidade de interagir e integrar diferentes saberes entre si para colaborar no processo de gestão democrático e participativo no interior da saúde pública;

c. a modificação da lógica fragmentada do planejamento das ações e serviços de saúde; e do SUS um sistema orientado ao cuidado do usuário de forma universal, integral e equitativa, reconhecendo o seu usuário como um cidadão de direito e não um mero consumidor de serviços.

Memórias vivas tecem novas Agendas: o caso de Canarana

O CDG-SUS em Canarana foi realizado em duas unidades. A Unidade I foi realizada de 8 a 12 de março de 2010 e a Unidade II de 26 a 30 de abril de 2010. As duas unidades ocorreram nas instalações da Universidade de Cuiabá (UNIC).

Do total de 33 inscritos, 28 concluíram com a frequência exigida (80% de presença), dois tiveram frequência insuficiente e três não participaram do curso.

O curso teve por objetivo conhecer e recuperar o significado da história da saúde pública no município e isso foi feito por meio da Memória Viva. Essa atividade foi organizada pelo apoiador local, com o respaldo do gestor, mais duas informantes-chave participantes do curso, porque todos vivenciaram os seguintes fatos históricos do município: foram os primeiros profissionais da saúde a atuar no local, logo, conheceram as práticas desenvolvidas e os fatos que marcaram a implantação da política de saúde municipal (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c). O mosaico histórico foi organizado, pelos alunos, a partir de fotos, revistas, jornais, relatórios e a apresentação feita segundo a linha do tempo (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c).

Assim, como registra o relatório do CDG-SUS de Canarana, destacamos alguns trechos dessa história, que foi apresentada ao final do curso, em trabalho sistematizado pelos participantes do curso (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c). Até então, não havia um registro organizado da história da saúde pública no município.

A recuperação da história de saúde do município foi uma experiência importante de reencontro da identidade coletiva, sobretudo se considerarmos que no dia 03 de agosto de 2002, a Prefeitura de Canarana foi alvo de um incêndio criminoso, momento que também marcou a população, pois todos os registros foram perdidos (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c).

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Ocupação e emancipação do município de Canarana

O processo de colonização de Canarana foi iniciado em 1972, por Norberto Schwantes, pastor Luterano. O nome do município foi inspirado em um famoso capim da Amazônia, o Canarana. A localidade foi fundada em primeiro de maio de 1975. A Lei n.º 3.762 de 29 de junho de 1976 criou o Distrito de Canarana, ligado ao município de Barra do Garças. Sua emancipação ocorreu através da Lei n.º 4.165, de 26 de dezembro de 1979. O Município pertence à Regional de Saúde de Água Boa (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010d).

Canarana surgiu em função dos problemas fundiários do sul do país e durante o regime militar. Em 1970, viviam em Tenente Portela 4.077 famílias de agricultores em uma área de 34.000 hectares. Mais da metade dessas famílias não tinham terras suficientes para seus sustentos, já que cada ano se formavam cerca de 450 novas famílias e muitas dentre estas acabavam se mudando para as favelas das cidades da região do município de Tenente Portela (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c).

O trabalho que deu origem ao projeto Canarana iniciou com a criação da Rádio Municipal de Tenente Portela, inaugurada no dia 11 de outubro de 1970. Além do trabalho da equipe da emissora, liderada pelo então Pastor Norberto Schwantes, foram realizadas reuniões, onde o problema de falta de terra era diretamente debatido com os agricultores, apesar de que, falar abertamente sobre problemas fundiários era, na época, interpretado como subversão, pelo governo de regime militar. (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c).

A meta inicial era viabilizar uma lavoura com maior produtividade, a exemplo da agricultura centro-europeia, mas logo foi constatado que esse projeto era insuficiente. O agrônomo Orlando Roewer apresentou uma ideia que já era tradicional, a emigração para outros lugares do país. Três membros da Rádio Municipal visitaram Mato Grosso e voltaram entusiasmados. Descobriram um imenso vazio demográfico com muita terra boa e barata. Para os agricultores dispostos a emigrar, a equipe sugeriu a criação de uma cooperativa e, para os que queriam ficar, um programa de reagrupamento mini fundiário (CDG-SUS, 2010c).

A Cooperativa de Colonização (COOPERCOL) 31 de Março Ltda teve sua assembleia de criação no dia 31 de março de 1971. Entrou para a história como a primeira cooperativa colonizadora do país (CDG-SUS, 2010c). O sonho dos agricultores era ir para Dourados, Mato Grosso do Sul, mas lá as terras já estavam inflacionadas. A diretoria da cooperativa, em 15 de fevereiro de 1972 viajou para o Mato Grosso a fim de ver as terras no então Município de Barra do Garças. Na altura da localidade conhecida como Váo, o ônibus atolou e muitos queriam

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voltar atrás. Os persistentes levaram a viagem até o fim, mas, ao voltarem para Tenente Portela, o agrônomo alemão Diter Fomford pintou um quadro muito negativo das terras do Mato Grosso, o que causou uma debandada geral e, dos 400 sócios iniciais, restaram apenas 36 (CDG-SUS, 2010c).

Figura 1 - Famílias chegando à Mato Grosso, 1972

Fonte: Pró Memória.

A esse grupo juntaram-se mais 44 famílias totalizando 80 famílias (figura 1), pioneiras desse município. Foi então que a Coopercol adquiriu, em Mato Grosso, uma área de 39.981 hectares, que era da viúva Fontoura, proprietária do Laboratório fabricante do Biotônico Fontoura. Em 14 de julho de 1972 chegaram as duas primeiras famílias do Projeto Canarana I lideradas por Siegfried Bruno Geib e Ervino Teixeira Berf (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c).

No dia 1° de maio de 1975 foi realizada a 1ª festa do arroz e no mesmo dia aconteceu a inauguração do povoado de Canarana, a entrega das escrituras das terras dos agricultores e a liberação do financiamento pelo Banco do Brasil. Em 05 de julho de 1975 foi criada a Cooperativa Agropecuária Mista de Canarana (COOPERCANA) (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c). Em 1980 iniciou-se o ciclo da soja.

Em 11 de setembro de 1979 foi realizado o Plebiscito para a consulta sobre a emancipação do Distrito e, no dia de 26 de dezembro de 1979, Canarana tornou-se município através da lei estadual n° 4.165.

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Origens da saúde pública de Canarana

O primeiro médico a realizar o atendimento na comunidade de Canarana foi o Dr. Henrique Hauzer, que vinha de Barra do Garças, esporadicamente, acompanhado pela sua esposa e assistente, Júlia. A vacinação dos alunos de Canarana ficava a cargo do Dr. Dalton Siqueira, também morador de Barra do Garças (CDG-SUS, 2010c).

A medicação era comprada e compartilhada entre os pioneiros e pelo médico, quando vinha fazer o atendimento. O primeiro hospital do município foi construído em Serra Dourada, na rodovia BR-158.

A Saúde Pública teve seu início em 1981, com sede na Av. Paraná, em espaço físico cedido pela acima referida Cooperativa. O prédio contava com um consultório médico, um consultório odontológico, uma sala para procedimentos, uma sala para dispensação de medicamentos e uma recepção.

A primeira equipe de Saúde Pública do município foi constituída pelos seguintes profissionais: o médico Dr. Luciano do Prado Monteiro; a odontóloga Dra. Ivone Roewer Kummer; as atendentes de enfermagem Altair Sortica e Eugênia, e a auxiliar de limpeza Terezinha Parente. O Sr. Célio Kappaun foi 1° Secretário de Saúde, durante a gestão do primeiro prefeito, nomeado, de Canarana, Sr. Luiz Cancian (CDG-SUS, 2010c).

Em 1982 foi construída a sede própria da saúde pública, conforme mostra a figura 2, contendo um laboratório de análises clinicas. Os exames eram realizados pela técnica Elizabete Irber. A médica e sanitarista Dra. Vanja Bonna foi a Secretária Municipal de Saúde na gestão do primeiro prefeito eleito na história do município de Canarana (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c).

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Figura 2 - Inauguração da sede própria do Posto de Saúde de Canarana/MT, 1982

Fonte: Pró Memória.

Municipalização da saúde e expansão dos serviços

Em 1998 foi implantada a Vigilância Sanitária (VISA). Lorena Parode foi a primeira técnica a cadastrar todos os estabelecimentos do município. Nos dias atuais, o município conta com uma equipe formada pelos seguintes profissionais: 01 veterinário e 02 auxiliares que dispõem de automóvel para fazer as visitas domiciliares e recolher o lixo reciclável.

Em 1998 também foi inaugurado o Centro de Reabilitação tendo como Fisioterapeuta o Dr. André Goming (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c).

Em agosto de 1999 foi implantado o Programa de Saúde da Família (PSF) Pioneiros, e realizado o treinamento de duas semanas para a equipe do PSF, ministrado pela Coordenação Estadual do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Nessa época, foram contratados os Agentes de Combate à Dengue e todos os Agentes Comunitários de Saúde da Família (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c). Em 31 de março de 2000, foi criado o PSF do Jardim Tropical e, em 3 de julho de 2001, inaugurada a Unidade Mista, com funcionamento de urgência e emergência nas 24 horas.

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A Agenda pactuada para enfrentar os novos problemas

A Agenda de Fortalecimento Gerencial e da Educação Permanente em Canarana foi construída pelos participantes do curso, organizados em quatro grupos, autonomeados de: Verão, Furacão, Primavera e RH (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c). Para melhor compreensão da metodologia utilizada na construção das redes explicativas, apresentamos no quadro a seguir, o exercício de um dos grupos:

Quadro 2 - Exercício de construção de rede explicativa (CDG-SUS, 2010c)

Questões Descrição

Situação problemaGerência de Recursos e Materiais na Unidade Mista: Deficiência no planejamento, gestão e controle de compras.

Explicação do problema

A Unidade Mista de Saúde onde se encontra a Farmácia é a responsável pelo pedido e licitação, armazenamento e distribuição de medicamentos. Os medicamentos e insumos são comprados de formas inadequadas e sem planejamento, gerando a falta de medicamentos e insumos mais consumidos e o excesso daqueles que são poucos utilizados. Falta comissão técnica da SMS no momento da solicitação de compras. Há deficiência na elaboração de protocolos de especificação e falta de autonomia técnica na SMS.

Objetivo que justifica a Ação

Incentivar o planejamento de aquisição de medicamentos e insumos e balanceamento permanente no que é demandado e distribuído.

Ações propostas para enfrentar o problema

Criar por meio de ato normativo uma Comissão Permanente Multiprofissional, interna à SMS, com objetivo de normatizar e organizar a compra de medicamentos, insumos, materiais etc.;Estabelecer a padronização e seleção dos itens para aquisição;Informatizar os processos de trabalho, para melhor controle da entrada e saída de medicamentos e insumos;Capacitar a equipe envolvida; eBuscar a autonomia da SMS para administrar o seu orçamento, bem como o seu financeiro.

Responsáveis Nome dos gerentes responsáveis pela operação.

Parceiros Técnicos e gerentes que apoiaram ou executarão as ações.

Órgãos e Instituições envolvidas

Prazo Dezembro de 2010

Fonte: Rede Explicativa CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT Canarana/MT, 2010.

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A Agenda de Fortalecimento Gerencial e da Educação Permanente de Canarana (CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT, 2010c) destacou a importância da reorganização da gestão e planejamento estratégico e participativo. Salientou o empenho da gestão municipal para garantir a participação do Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI – Xingu, fato este que, pela primeira vez, proporcionou a interação entre os trabalhadores da saúde da Secretaria Municipal de Saúde e do Distrito e comparece como um dos destaques da Agenda que trata do planejamento das ações da Secretaria.

Em Canarana, na área de Gestão do Trabalho, a primazia do coletivo resultou nas ações de melhoria das relações de trabalho no SUS, na implantação do Plano de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS) do SUS, na realização de reuniões de condução e de cursos de motivação e relacionamento interpessoais, na criação do setor gestão do trabalho na Secretaria Municipal de Saúde e na definição de competência profissional.

Na área de Gestão da Educação na Saúde foram priorizadas as ações de educação permanente dos profissionais envolvidos na gestão, vigilância e atenção à saúde e das equipes da recepção das unidades. Foram realizados: cursos de humanização e trabalho em equipe, reuniões de planejamento e avaliação, supervisão dos cursos, avaliação dos impactos das capacitações, atualização, e sensibilização dos profissionais sobre educação permanente na rotina do trabalho.

Quanto aos financiamentos, o grupo de alunos participantes elegeu maior transparência na aplicação dos recursos financeiros. Para isso, incluiu, na gestão financeira da saúde, ações de revisão do orçamento, articulação intersetorial e mobilização social.

No que se refere ao controle social, o coletivo definiu a necessidade de fortalecer o Conselho Municipal de Saúde, com a ampliação da participação dos usuários e da valorização do espaço da Conferência em relação aos problemas locais de saúde e a realização de pré-conferências como estratégia de mobilização e maior envolvimento da população na saúde.

As prioridades da Agenda para a área de administração de recursos nas unidades de saúde foram assinaladas na rede explicativa acima descrita. Em relação ao gerenciamento e organização dos serviços, a Agenda incluiu as ações de qualificação da atenção, nas áreas urbana e rural, o fortalecimento do plano de combate à dengue, as ações de promoção, prevenção e assistências, sendo destacada a necessidade de garantir referência especializada na região e no estado.

Outro ponto destacado na Agenda, elaborada pelos alunos foi a necessidade de melhorar a recepção e o acolhimento ao usuário nas unidades de saúde, como dispositivo da integralidade, principalmente na unidade mista, que funciona como pronto atendimento. Também foi pautada a necessidade de viabilizar nova sede da unidade de reabilitação, um projeto em andamento no

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município que, além de beneficiar a população, torna possível a ampliação e a reorganização do laboratório municipal e da unidade mista.

Tradicionalmente, o setor saúde, seja na esfera federal, estadual ou municipal, trabalha com as políticas de saúde de modo fragmentado: gestão separada da atenção; atenção à saúde, da vigilância; planejamento, do orçamento, entre outras atividades, o que faz ocorrer várias divisões e fragmentações das áreas técnicas no processo de planejamento e gestão do sistema e dos serviços de saúde.

Durante o curso, os participantes puderam exercitar a integração dos processos de gestão do conhecimento e das práticas no processo de aprendizagem, o que pode ter-lhes gerado a compreensão e a percepção de si e do grupo, de que a qualidade da atenção e a integralidade só podem ser asseguradas mediante a responsabilização e a coparticipação do trabalhador, gestor e usuário do sistema SUS.

Em síntese, a metodologia de construção da Agenda de Fortalecimento Gerencial e da Educação Permanente, utilizada no curso, demonstrou as possibilidades de inovações e mudanças das concepções e práticas de saúde e do resgate da possibilidade de produzir conhecimento a partir do cotidiano dos serviços em Canarana.

Mudanças na forma de pensar e agir em relação ao cuidado e à equipe

Os resultados do questionário de duas perguntas abertas foram analisados e relacionados com os temas e conceitos-chave trabalhados durante o Curso de Desenvolvimento Gerencial ministrado pelo NDS/ISC/UFMT em Canarana, a saber: educação permanente, integralidade/cuidado, planejamento participativo, comunicação e escuta.

Do total de 28 participantes do curso, 23 responderam ao questionário, 21 (91,30%) afirmaram que pretendem mudar o modo de trabalhar e de se relacionar com a equipe, o que confirma a mudança de atitude encontrada na avaliação geral do curso. O quadro 3 traz os temas e conceitos-chave encontrados e seus respectivos relatos.

Em relação à gestão do cuidado, do total de 23 alunos, 20 (86,96%) responderam que pretendem discutir com a equipe de trabalho novas formas de cuidado à saúde e as práticas gerenciais na unidade.

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Quadro 3 - Intenção de Mudança em relação ao trabalho e à equipe de saúde apurada no CDG-SUS em Canarana (MT), 2010

Temas e conceitos-chaves RELATOS

Trocar conhecimento adquirido com os colegas

“Ser portador dessas informações e dos conhecimentos adquiridos junto aos colegas de trabalho para melhorar o atendimento na unidade de saúde; adotar o conhecimento adquirido com o curso; passar o que eu aprendi com CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT.”

Ter ações mais participativas e integradas através da prática de integralidade

“Saber ouvir o usuário e encaminhá-lo aos profissionais competentes; adotar conduta participativa e integrada nas atividades desenvolvidas; ser mais participativa aos problemas e tentar ajudar a solucioná-los; procurar encorajar mais a equipe através de reuniões para discussão de paciente em comum; buscar a interação entre a equipe multidisciplinar, para tornar o ambiente de trabalho cooperativo e fazer com que a atenção ao usuário seja mais eficiente através da prática da integralidade, com o foco na prevenção e promoção a saúde.”

Proporcionar a educação permanente no trabalho em equipe

“Mudar meu pensar e agir, trabalhando em equipe, escutando opiniões e ideias de todos os integrantes da equipe proporcionando educação permanente e momentos de escuta dos profissionais; buscar os membros da equipe que estão mais “isolados” e fazê-los sentir-se mais integrados e importantes para o serviço de saúde; ouvir mais, ouvir a todos, tomar decisões em equipe; ouvir mais as necessidades de cada um do grupo da equipe do setor onde trabalho; buscar resolver e dar maior retorno, realizar avaliações com grande grupo. Tudo o que obtive de conhecimento neste curso me fez repensar na maneira que tenho desenvolvido meu trabalho: devo abrir espaço para oferecer à equipe e à população, para ideias inovadoras; trabalhar em equipe e descobrir a verdadeira finalidade do local onde trabalho.”

Trabalhar coletivamente o planejamento considerando a participação popular

“Pretendo trabalhar coletivamente e conhecer o trabalho do outro, planejar ações e avaliá-las, para continuar as ações ou as atividades; melhorar e inovar depois do resultado obtido; propor à equipe que podemos melhorar nosso trabalho, levando em consideração a participação popular, para fazer: a análise da situação local de saúde, a análise de nosso trabalho, o planejamento com base nas propostas dos usuários, o planejamento das ações, o controle, o monitoramento e a avaliação. Participar mais com a equipe em questões de planejamento.”

Fonte: Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, NDS/ISC/UFMT, 2010.

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O quadro 4 caracteriza as dimensões e o tipo de mudanças das práticas gerenciais nas unidades de saúde pretendidas pelos participantes.

Quadro 4 - Intenção de desenvolver novas formas de cuidado e de sua gestão nas unidades de saúde levantada no CDG-SUS, Canarana (MT), 2010

Temas e conceitos-chave RELATOS

Agir de forma mais democrática e participativa e comunicativa

“Comunicar os problemas ao gestor e tentar ajudá-lo a escolher o melhor caminho; pretendo agir de forma mais democrática e participativa; pretendo continuar ativa nas reuniões e nos projetos.”

Conhecimento, motivação e valorização

“O conhecimento dos diversos aspectos discutidos no curso é de fundamental importância para melhorar o trabalho nas unidades básicas de saúde; é com a discussão que passamos trabalhar a prática e o gerenciamento do nosso município.”

“[...] envolver a equipe nos aspectos que foram discutidos neste curso, para que a equipe possa compreender um pouco, refletir sobre estas questões e ser informada sobre o intuito deste curso; o meu pensar sobre esta justificativa é de que a equipe onde trabalho se sinta valorizada também, assim como eu; temos um grande desafio que vai exigir bastante empenho, dedicação e motivação, pois desta forma eles se sentirão motivados para o desenvolvimento das atividades.”

Visão “Desejo que a saúde de Canarana seja exemplo para o estado.”

Ações de parceria, diálogo e resolutividade

“Fazer parcerias com até mesmo outros setores para conseguir a melhoria do atendimento ao paciente; trabalhar mais em equipe com uma visão mais ampla, cobrando ações de parcerias com todos os membros da SMS, através do diálogo e resolutividades. Dessa forma podemos melhorar o atendimento do usuário: procurando estimular o trabalho em equipe junto com a comunidade, identificando os atores que possam ser parceira na nova prática de saúde, tenho como meta levá-los a refletir o que é: trabalhar em equipe, complementação, integração, respeito e união; tentando sempre trabalhar em equipe para que o usuário seja mais bem atendido.”

Educação permanente com foco no usuário

“Fazer reuniões mensais e discutir sobre trabalho, fazer educação permanente; avaliando as práticas assistenciais, implantando educação permanente; melhorando o tratamento dispensado ao usuário e a resolutividade das ações por nós desenvolvidas; tenho como meta levá-los a refletir o que é trabalhar em equipe, complementação, integração, respeito e união.”

Fonte: Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, NDS/ISC/UFMT, 2010.

SumárioS

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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No quadro 5 estão listados alguns comentários gerais sobre o curso ministrado em Canarana:

Quadro 5 - Comentários gerais apurados no CDG-SUS, Canarana (MT), 2010

N. RELATOS

A 1

“Pra mim este curso serviu para conhecer o sistema de funcionamento do SUS e ver como tem problemas a serem resolvidos. Vou colaborar para melhorar o que for do meu alcance, estando na saúde há muito pouco tempo, pra mim valeu muito mesmo. Obrigada pela oportunidade.”

A 2“Que mais vezes se possa oportunizar curso que contemple o conhecimento de várias propostas para o profissional aplicá-lo no serviço do dia-a-dia de trabalho, melhorando o atendimento em conjunto com a equipe.”

A 3“O curso foi de grande importância para despertar na equipe noções de planejamento, comprometendo/envolvendo os participantes. Será o ponto de partida para mudanças.”

A 4“Muitos de nós nos sentimos sensibilizados. E no que depende de cada um, saímos daqui com uma visão de acolhimento, integralidade e humanização.”

A 5 “Espero que, com o curso, o modelo de atenção básica mude no município.”

A 6“O CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT com certeza irá marcar um grande divisor em nosso município, desde a prática de gerenciamento e planejamento, até na forma de abordar o atendimento do usuário.”

A 7 “Aprendi muito com este curso e pretendo mudar.”

Fonte: Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, NDS/ISC/UFMT, 2010.

Com base nos resultados, observamos que o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, ministrado no município de Canarana pelo NDS/ISC/UFMT, amparado pelos tutores, pelo material didático, pela metodologia de discussões e debates, motivou mudanças na atitude profissional dos alunos. A maioria dos participantes assinalou a disposição para implementação de novas medidas a serem incorporadas no trabalho gerencial, a partir do melhor conhecimento acerca do funcionamento das atividades desenvolvidas pelas equipes nos diferentes setores do atendimento à saúde.

Entre as atividades propostas, foram citadas: o fomento à discussão entre as equipes de trabalho, com base nos conteúdos do curso (trocar e multiplicar conhecimento); realização de encontros mensais para a abordagem de temas importantes para o desenvolvimento do trabalho e motivação dos profissionais, visando a integração da equipe e a compreensão das limitações das abordagens disciplinares tradicionais; melhoria do gerenciamento dos recursos da unidade e execução do planejamento local.

SumárioS

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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A responsabilidade de cada um dos participantes e do coletivo de trabalhadores pelo processo de mudanças das práticas, gerada a partir do Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS, foi ressaltada por quase todos os discentes no processo de avaliação final do curso.

Considerações finais

A qualificação dos gerentes, trabalhadores e usuários da saúde contribuiu para o desenvolvimento das práticas de gestão do sistema e do cuidado em saúde centrado nos usuários. A formulação e execução de uma proposta político-pedagógica orientada por referenciais da teoria do agir comunicativo e apoiada no conceito ampliado de integralidade mostrou ser uma iniciativa possível e enriquecedora da práxis que a formação dos trabalhadores de saúde está a exigir.

O projeto do Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS (CDG-SUS), oferecido pelo NDS/ISC/UFMT foi pensado à luz da política nacional de educação permanente e incorporou a participação dos gestores e trabalhadores na sua formulação, execução e avaliação do citado curso, como forma de construção coletiva, a envolver todos os interessados no processo de elaboração. Esta orientação fortaleceu as parcerias entre as instituições de ensino e pesquisa e a gestão municipal. Esse projeto atualmente é campo de estágio para os alunos da UFMT. O esforço de valorizar as práticas e as experiências dos gerentes e trabalhadores de saúde nos municípios de Mato Grosso deu origem a pesquisas, monografias e dissertações.

Esse curso contribuiu também para formar mais de duas dezenas de tutores que hoje integram a Rede de Apoio ao SUS em Mato Grosso, instituída pelo COSEMS/MT. A experiência desse curso de desenvolvimento gerencial tem sido valorizada pelos trabalhadores, gerentes e usuários do SUS de outros estados por meio da ação coordenada pelo LAPPIS/CEPESC/UERJ, que contou com a cooperação do ISC/UFMT.

O efeito multiplicador do curso; a integração das instituições de ensino e gestão na formulação, execução e avaliação do curso; o foco na realidade do município e na experiência dos próprios sujeitos; o desenvolvimento das capacidades comunicativas e da autonomia dos participantes; a constituição de novos coletivos na saúde municipal e a construção da Agenda de Fortalecimento Gerencial e da Educação Permanente do SUS, ao final de cada curso, foram os aspectos que contribuíram para a mobilização e o fortalecimento dos trabalhadores da saúde, orientados para a prioridade dos usuários na gestão do cuidado e na garantia do direito à saúde. A avaliação realizada pelos alunos sobre o CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT dá visibilidade aos resultados alcançados.

SumárioS

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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Ressaltamos e agradecemos o apoio e financiamento por parte do Ministério da Saúde, a cooperação de todos os parceiros institucionais e equipe de tutores e membros da equipe do NDS e COSEMS/MT, atores estes decisivos para o êxito do referido curso.

Referências

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SumárioS

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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Educação Permanente, Trabalho em Equipe e Produção do Cuidado em Saúde: o Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS em Mato Grosso

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SumárioS

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O Curso de Especialização Modular e Integrado em Saúde da Família em Mato Grosso:

desafios da Educação na Saúde no SUSMaria da Anunciação Silva 1

Reni A. Barsaglini 2

Stella Maris Malpici Luna 3

Vanessa T. B. Vilas Boas 4

Introdução

Neste capítulo analisamos os desafios da educação na saúde a partir de uma experiência de implementação do Curso de Especialização Modular e Integrado em Saúde da Família (CMISF), vivenciada na Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT), quando a Saúde da Família foi prioridade de governo entre 1995 e 2002. Nossa análise foca o período entre 2001 e 2006, considerando em seu interior dois momentos específicos: formulação e implementação.

A educação na saúde no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) assume novas dimensões após a Constituição Federal de 1988 e das Leis 8.080 e 8.142. Esses documentos legais subsidiaram a elaboração da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) - Portaria GM/MS 198/2004, e as Diretrizes para implantação da PNEPS - Portaria GM/MS 1996/07.

Nestas Portarias, observa-se que a concepção de educação permanente (entendida aqui como educação na saúde) se relaciona diretamente com o trabalho em saúde, incorpora as suas necessidades e dificuldades cotidianas, problematiza-as e busca superá-las. A educação permanente baseia-se no trabalho/aprendizagem significativo e na possibilidade de transformar as práticas profissionais. Pode ser entendida como uma forma de aprendizagem-trabalho realizada a partir dos problemas enfrentados na realidade, já que considera os conhecimentos e as experiências que as pessoas possuem, para além da problematização da realidade. Assim, a educação permanente deve incorporar as demandas advindas do processo de trabalho, como registra os seus objetivos (BRASIL, 2009, p. 20):

1 Doutora, Professora do Departamento Interdisciplinar do Instituto de Humanidades e Saúde do Campus Universitário de Rio das Ostras da UFF.

2 Doutora, Professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT.

3 Mestre, Nutricionista da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso.

4 Mestre, Enfermeira da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso.

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Saúde, Trabalho e Cidadania em Mato Grosso

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[...] considera que as necessidades de formação e desenvolvimento dos trabalhadores sejam pautadas pelas necessidades de saúde das pessoas e populações. Os processos de educação permanente em saúde têm como objetivos a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho.

Ao ressaltar que o espaço em que se desenvolve o trabalho em saúde é também local de aprendizagem, a PNEPS coloca frente a frente os formadores dos profissionais e os trabalhadores e espera que esta relação produza mudanças em ambos os cenários, do ensino e das práticas em saúde.

O Programa de Saúde da Família (PSF), hoje Estratégia Saúde da Família (ESF), foi fundamental na operacionalização da atenção básica no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente no que se referiu à mudança do modelo assistencial e do processo de trabalho dos profissionais de saúde. A ESF valoriza o trabalho em equipe multiprofissional pautado na integralidade da assistência e considera os sujeitos contextualizados (família, comunidade). Isso é feito com ações na perspectiva da atenção primária.

Em Mato Grosso, a ESF teve sua implementação intensificada entre 1998 e 2002 (MATO GROSSO, 1998) e esse aumento expressivo das equipes levou a SES-MT a desenvolver diferentes estratégias para qualificar os profissionais, por meio de parcerias com várias instituições.

Como tática para enfrentar a escassez e preparar os profissionais para compor as equipes da ESF, o Ministério da Saúde iniciou, em 1997, uma política nacional de qualificação dos trabalhadores da saúde através da implementação dos “Polos de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Recursos Humanos para a Saúde da Família” (SILVA, 2005).

Neste sentido, a prioridade dada pela SES-MT à qualificação dos trabalhadores do SUS no estado foi sintetizada com a criação da Escola de Saúde Pública Dr. Agrícola Paes de Barros/ESP, em 7 de abril de 2000, que, desde o início de seu funcionamento, definiu a capacitação para a ESF como eixo central de sua atuação (DUARTE, 2002) e acolheu o Polo supracitado.

O “Curso de Especialização Modular Integrado em Saúde da Família” (doravante denominado CEMISF) foi fruto das avaliações das capacitações oferecidas pela SES-MT, além da necessidade de acompanhar a vertiginosa ampliação das ESF. Tinha por objetivo dar terminalidade às capacitações realizadas pelas áreas técnicas da SES-MT e de valorizar o profissional das ESF, oferecendo-lhe a oportunidade de titular-se como especialista.

O CEMISF, no qual se agregavam todas as capacitações oferecidas para as ESF, vivenciou dois momentos com políticas institucionais de características distintas: no primeiro, as disciplinas da matriz curricular foram desenvolvidas em parceria

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O Curso de Especialização Modular e Integrado em Saúde da Família em Mato Grosso: desafios da Educação na Saúde no SUS

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com Instituto de Saúde Coletiva (ISC), segundo os critérios da Coordenação de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), para fins de titulação como Especialista, correspondente ao período (2001-2005) (DUARTE, 2002). No segundo momento, a Escola de Saúde Pública–SES/MT passou a coordenar a realização do CEMISF e a titular os egressos, (2005-2006). Ao final de 2002, havia uma expectativa de formar, aproximadamente quatrocentos (400) profissionais especialistas para Mato Grosso.

Os resultados apresentados advêm de pesquisas relativas a cada um dos períodos: Vilas Boas (2009) e Silva, Barsaglini e Luna, (2010)5.

Metodologia

Este estudo trata da avaliação de implementação de políticas e programas, fase essa em que se observa a dificuldade dos governos para atingirem as propostas de suas políticas sociais. A implementação representa um jogo entre formuladores, implementadores e beneficiários, que permite acomodações, adesões e confrontos, o que interfere diretamente no resultado do programa/projeto proposto pelo gestor. Estudos recentes enfatizam os elementos de aprendizagem presentes nos processos de implementação tomando-a como autônoma, não subsequente à formulação, na qual decisões cruciais são tomadas, não só implementadas (SILVA; MELO, 2000).

Segundo Contandriopoulos (2006, p. 4), a implementação corresponde “[...] à execução de atividades que permitem que ações sejam implementadas com vistas à obtenção de metas definidas no processo de formulação das políticas.” Nem sempre essas metas definidas pelos formuladores são apreendidas pelos implementadores, ocorrendo assim aparentes desvios dos objetivos propostos, muitas vezes entendidos como resistências. Contandriopoulos (2006, p. 6) destaca que “o grande desafio da avaliação é conseguir incorporar nas suas estratégias os pontos de vistas de atores em diferentes posições, a fim de fornecer às instâncias de decisão, as informações de que precisam para um julgamento mais amplo possível.”

Este estudo entende a proposta do CEMISF como uma das estratégias de implementação de uma política pública de saúde, aproximando-a da corrente teórica de avaliação de implementação, que a concebe como um momento de

5 Projeto desenvolvido no âmbito do 1º Plano Diretor do ORH MS/OPAS, do NDS/ISC/UFMT (2008-2010).

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aprendizagem. Recusa a noção de implementação como etapa subsequente à formulação ou instrumento de “correção de rota” para entendê-la como um processo autônomo, onde decisões são tomadas subsidiando constantes reformulações, ajustes, rearranjos e redirecionamentos que a literatura especializada denomina policy learning (MARTES et al., 1999), de modo que o aprendizado pessoal ou institucional favoreça o aprimoramento do próprio programa ou ação.

Essa dimensão pedagógica da avaliação de implementação amplia a sua função de contribuir com a prática cotidiana de gestão na tomada de decisão, pressupondo outras razões que vão além das evidências técnicas, do custo e da efetividade envolvidos, no âmbito das intervenções sociais (MARTINIC, 1997). Ao gerar feedback aos atores, reafirmam-se as naturezas formativa e somativa da avaliação (MARTES et al., 1999). Dessa forma, espera-se que este estudo contribua para que a avaliação deixe “[...] de ser instrumento de poder de um determinado grupo de atores e [...]” e se torne “[...] um verdadeiro instrumento de liberação, permitindo uma visão crítica da norma estabelecida.” (CONTANDRIOPOULOS, 2006, p. 6).

Como metodologia utilizada neste trabalho, comparece a pesquisa avaliativa do tipo descritiva e exploratória (GIL, 1996) com abordagem qualitativa. A coleta dos dados deu-se mediante duas estratégias: i. levantamento de informações secundárias e pesquisa documental referente

ao CEMISF; e

ii. entrevista semiestruturada com informantes-chave. Foram considerados como sujeitos da pesquisa, os agentes institucionais,

estratégicos para a implementação da política, a saber: decisores/formuladores da proposta e os implementadores, ambos responsáveis pela operacionalização do CEMISF. Considerando o interesse e a vinculação com o Curso, todos se constituíram no grupo de implementadores no seu sentido amplo.

Dos envolvidos na primeira fase do CEMISF (2001 a 2005) foram entrevistados o total de oito sujeitos (formuladores e implementadores). Na segunda fase, (2005-2006) foram entrevistados oito, dentre estes, coordenadores e docentes do Curso e também foram aplicados 74 questionários aos egressos6, dos quais, 39 retornaram respondidos.

6 Neste segmento foram incluídos os alunos que cursaram todos os componentes curriculares do CEMISF (n= 91), estando entre eles os que não entregaram a monografia (n=50) e aqueles que a concluíram, formando, portanto, especialista (n= 41). Diante da perda de 17 alunos, restaram 74 como potenciais participantes da pesquisa (VILAS BOAS, 2009).

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O Curso de Especialização Modular e Integrado em Saúde da Família em Mato Grosso: desafios da Educação na Saúde no SUS

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No tratamento dos dados, empregou-se a análise temática (MINAYO, 2000), cotejada com a matriz de avaliação, que contempla as seguintes quatro dimensões articuladas: i. política, em que se aborda o contexto político organizacional (decisão

política, transição de governo, parcerias); ii. pedagógica, no qual se analisa as concepções dos cursos, acompanhamento

dos alunos (capacitações e cursos oferecidos, corpo docente); iii. operacional (financiamento e atividades-meio); e iv. desempenho (resultados quantitativos e qualitativos do CEMISF).

Os sujeitos da pesquisa serão indicados ao longo do texto por “A”, referindo-se a agente implementador de modo geral. Ambos os estudos foram aprovados por Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos.

Descrição do Curso de Especialização Modular e Integrado em Saúde da Família (CEMISF)

O CEMISF pretendeu atender às necessidades de educação permanente das equipes atuantes de saúde da família, que cresciam com a implementação da ESF nos municípios, ao lado de perfis profissionais insuficientes para atuar sob a lógica da atenção primária e também não capacitadas para os problemas endêmicos da região.

Uma vez formulado, o CEMISF foi aprovado pelo Conselho Estadual de Saúde (CES), tornando-se referência à formação em Saúde da Família no estado, com certificação pela UFMT. Outros cursos de pós-graduação tiveram seus componentes7 “testados/ensaiados”. Após a ESP ter sido credenciada no CES e assumir a certificação do CEMISF, foram organizadas turmas descentralizadas em quatro regionais de saúde, no período de 2005 a 2006.

De acordo com Vilas Boas (2009), o embrião da proposta do CEMISF surge das discussões de um curso de capacitação em “Grandes Endemias”, voltado para a atenção aos agravos como malária, leishmaniose, doença de Chagas e febre amarela. Este curso visava preparar as equipes para lidar com os problemas mais comuns em seu território de atuação e criticava o modelo de realização de capacitações temáticas pontuais, desarticuladas das particularidades locais.

Assim, a concepção do CEMISF reunia e integrava as capacitações nas diferentes áreas temáticas priorizadas, buscando responder à necessidade de

7 Foi o caso da especialização em Saúde da Família ofertado aos profissionais vinculados ao Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde – PITS e da Especialização em Saúde da Família sob a forma de residência, ambas oferecidas pela ESP-MT em parceria com a UFMT.

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desenvolvimento de um núcleo comum para a fundamentação da atuação em saúde da família, que instrumentalizasse o profissional na resolução dos problemas de saúde mais relevantes. Foi concebido como um curso lato sensu em formato modular, descentralizado, próximo à realidade sociossanitária de atuação profissional. Previu fluxo contínuo de realização dos processos seletivos e definiu os critérios de certificação. A estrutura curricular do CEMISF continha vinte e dois componentes curriculares obrigatórios com foco no desenvolvimento de habilidades clínicas necessárias aos profissionais para manejo dos principais problemas de saúde encontrados no estado, perfazendo um total de 570 horas para médicos e enfermeiros e 555 horas para odontólogos (VILAS BOAS, 2009).

Resultados, discussões

Dimensão política

A construção da proposta

A dimensão política do processo de implementação do CEMISF compreende o breve histórico sobre as capacitações em Saúde da Família cujas características motivaram a decisão política da proposta do acima referido curso e comporta duas subdimensões: a do contexto político e institucional e a parceria interinstitucional, a serem abordadas a seguir.

Alguns aspectos importantes antecedem à formulação do CEMISF, dentre estes, a expansão das equipes de saúde da família em Mato Grosso (tabela 1).

Tabela 1 - Agentes Comunitários de Saúde, Equipes de Saúde da Família e Equipes de Saúde Bucal, em atuação em MT, nos anos de 1998, 2002 e 2005

PACS/PSF1998 2002 2005

N.º % N.º % N.º %

Munic. com PSF 17 13,5% 133 95,7% 138 97,9%

Munic. com ESB 0 0 89 64,0% 119 84,4%

Pop. acomp. PSF 72.301 3,2% 1.137.577 44,4% 1.452.630 54%

Pop. acomp. ESB 0 640.473 25,0% 1.214.549 45,2%

N. ESF 21 344 445

N. ESB 0 109 233

N. Município MT 126 139 141

Nota: * População estimada para MT pelo IBGE 2.287.846 habitantes. ** População estimada para MT pelo IBGE 2.560.584 habitantes. *** População estimada para MT pelo IBGE 2.689.052 habitantes.

Fonte: Departamento de Atenção Básica/MS.

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Observa-se que a implementação da ESF iniciou tardiamente em Mato Grosso e, em 1998, cobriu 13,5% dos 126 municípios existentes. Em 2005, apresentou um crescimento acelerado que cobriu 97,9% dos municípios, com 445 equipes de ESF. A Equipe de Saúde Bucal, criada em 2000, pelo Ministério da Saúde, em 2005, assistiu 84,4% dos municípios com 233 equipes constituídas.

A carência de profissionais com perfil adequado para atuar na ESF, era considerado um dos obstáculos para a efetivação da mudança de modelo assistencial proposto pelo SUS. Neste sentido, Campos et al. (2006, p. 39) afirmam que:

No cenário da formação educacional, destacam-se, pelo menos, dois aspectos que têm merecido a atenção dos formuladores e gestores da política e dos programas de saúde. O primeiro refere-se à necessidade crescente de adequar os antigos currículos das escolas médicas e de enfermagem às mudanças sociais, aos novos perfis epidemiológicos e às demandas dos serviços. O segundo refere-se ao descompasso entre os serviços que configuram o primeiro nível de atenção e a suficiente disponibilidade de pessoal preparado para atender às necessidades de saúde da população.

A formação nesse perfil não fazia parte ainda das graduações na área de saúde, embora o Ministério da Saúde investisse em sua ordenação (BRASIL, 2007). A educação permanente focada na ESF foi uma definição política da SES/MT e assim interpreta o respondente A2 do questionário, diante do fato da SES ter assumido a estratégia saúde da família como modelo assistencial, para implementá-la no SUS neste Estado:

Então, o estado começou com um avanço muito grande e muito rápido da implantação das Equipes e a gente até ouvia falar assim a ideia do gestor na época, do gestor estadual era formar uma massa pensante em Saúde da Família no estado inteiro [...].

O CEMISF passou a ser oferecido para os profissionais atuantes na ESF com foco nas necessidades de trabalho destes. Isso não acontecia nas capacitações anteriores, já que os municípios enviavam trabalhadores para participarem das capacitações e não se preocupavam com a inserção destes nas equipes de atendimento. No caso do CEMISF, por exemplo, o odontólogo contava com um módulo específico. Porém, o curso acompanhava a inserção desse profissional nas equipes. Essa característica foi apresentada no depoimento de A1:

A diferença que eu achei assim interessante é que o curso era oferecido para os profissionais que estavam atuando. Então, não tinha como aluno, pessoas assim de áreas administrativas, pessoas que não estavam atuando. A intenção era capacitar pessoas que estavam na prática, no exercício do programa para capacitá-los. Isso para mim era o principal diferencial dos outros. [...] Era uma proposta para que os profissionais de

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Saúde da Família pudessem fazer as suas capacitações, né, principalmente naquilo que eles precisavam pra manejar problemas que eram considerados frequentes no estado.

As capacitações anteriores ao CEMISF também careciam de um eixo ordenador e articulador, eram onerosas, não se preocupavam com uma terminalidade que titulasse o profissional, incentivando-o, valorizando-o e favorecendo a sua fixação nos municípios do interior.

Alguns professores da área de saúde da UFMT, já participavam de cursos de especialização, residência e capacitações no âmbito do Polo de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Pessoal para Saúde da Família, coordenado por técnicos da SES/MT. Tal experiência serviu para preparar esses docentes para participarem do CEMISF, conforme mostra o depoimento de A8:

Mas eu acho que a primeira residência, ela foi o grande embrião que nos preparou para que depois continuássemos com o modular. Acho que foi onde nos capacitou, também, ao mesmo tempo, numa aprendizagem professor-aluno, nessa relação, que contribuiu muito para a UFMT. E aí falando, talvez mais da saúde coletiva, porque naquele momento era mais a saúde coletiva na frente, junto com algumas pessoas da enfermagem.

A discussão iniciada na área técnica de grandes endemias da SES/MT problematizou as capacitações oferecidas pela mesma. Participaram, desta reunião, parceiros da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e da Faculdade de Ciências Médicas/UFMT. Resultou desse processo uma proposta de capacitação, cujos conteúdos contemplaram três eixos: i) assistência ao paciente; ii) vigilâncias ambiental e epidemiológica; e gestão. Para cada eixo foi identificado o público alvo, os instrutores e o grau de descentralização da oferta da capacitação.

Para o CEMISF, coube o eixo de assistência ao paciente, que integrava as seguintes endemias: leishmaniose, malária, dengue, febre amarela, hanseníase, tuberculose, DST, AIDS e Doença de Chagas (MATO GROSSO, 2001). A experiência dos participantes na elaboração dessa capacitação apontou os caminhos para proposta do CEMISF, conforme afirmou o depoimento de A7:

Então, essa discussão do curso de grandes endemias com os professores da Universidade, com o pessoal da FUNASA, da vigilância da própria secretaria, e, aí, da escola recém-criada, ela oportunizou essa sistematização, da gente dizer, o que tava ruim, o que poderia orientar melhor as capacitações. Daí o exercício de fazer uma proposta voltada para a assistência ao paciente com as grandes endemias e da gestão da vigilância epidemiológica e ambiental, focando especificamente esses agravos, que eram nove agravos, (malária, febre amarela, hanseníase, tuberculose e alguns outros) que eram

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as endemias de interesse e prevalentes em Mato Grosso; então, esse exercício deu uma motivação ou deu uma impulsionada, de a gente pensar também que esses cursos, voltados para as equipes da saúde da família, poderiam integrar um processo ou um programa mais articulado, menos fragmentado, mais racional, mais otimizador de recursos e do tempo das equipes para capacitação, voltado para saúde da família. Então, o módulo assistencial desse curso integrado, de grandes endemias, passa a compor um processo de formação, que aí se começou a pensar de forma mais articulada, o que mais tarde foi chamado de CEMISF, voltado para as equipes da saúde da família.

Para Rossi e Freeman apud Martes et. al. (1999), são diversas as razões pelas quais, na prática, programas raramente são implementados de acordo com sua concepção original, entre elas a dinâmica do contexto político imediato e mais amplo, o que faz com que ocorram mudanças imprevistas no momento da sua implementação. Em decorrência, as mudanças políticas imprimem variações nas prioridades estabelecidas, no grau de influência e no poder de decisão dos atores envolvidos, em momentos diferentes da formulação e da implementação do programa.

Contexto político

No caso do CEMISF, que comparece como um projeto político comprometido com a mudança do modelo de atenção, os aspectos de natureza política se configuraram como fatores facilitadores e obstaculizadores do seu processo de implementação. É o caso da decisão política expressa pelos informantes como “a vontade do gestor estadual”, o seu envolvimento e apoio, além do afinamento da equipe gestora com a proposta do Curso, que foram fundamentais para a viabilização do CEMISF, como mostra o depoimento de A1.

O que facilitou, foi, eu acho, que em primeiro lugar foi a vontade [...] do gestor. O gestor queria de fato, né. [...] O [gestor] estadual se empenhou bastante com relação a isso. [...] Basicamente foi o envolvimento do gestor e dos gestores imediatos que estavam na época na Escola que realmente faziam todo o esforço para que fluísse, acontecesse. As chefias, todos muitos envolvidos com isso.

Além da decisão política, o momento político foi destacado pelos informantes como fator facilitador da implementação do CEMISF, já que a ESF era prioridade na agenda nacional, acompanhada pela estadual, inclusive, com o estabelecimento de significativos incentivos financeiros destas duas esferas que visavam, em última instância, o fortalecimento da atenção primária. Atrelado aos incentivos, a política nacional induzia a criação do “Polo de Capacitação Formação e Educação

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Permanente de Pessoal para Saúde da Família”, estabelecendo editais viabilizando recursos financeiros, para a realização de especializações em saúde da família, inclusive sob a forma de residência multiprofissional. A política estadual também priorizou e participou dessas diferentes estratégias para propiciar tais capacitações, em virtude do número significativo de equipes implantadas no Estado naquele momento.

Como parte integrante desse projeto político maior, foi criada a Escola de Saúde Pública do Estado de Mato Grosso, uma importante estratégia para contribuir com os municípios na capacitação e formação dos profissionais do SUS, conforme mostra o depoimento de A5.

[...] E eu dizia: a nossa Escola ela vai fazer as duas coisas: ela vai formar o pessoal de nível médio, mas ela também vai ser uma ESP pra fazer esse processo que hoje nós chamamos de educação permanente. [...] a Escola, ela tem uma missão essencial na saúde, [...] no SUS-MT, que é ajudar a qualificar o PSF, vamos dizer, na época já como estratégia, entendendo a SF como a grande possibilidade de mudar o modelo de atenção à saúde no SUS e, no caso, em MT. [...] É uma escola pra formar as pessoas para o Sistema Único. E a maior parte das pessoas que estão na ponta, que estão no cuidado; estão no município. Então essa tem que ser uma escola aberta, completamente aberta aos municípios e formando em cima das necessidades dos municípios.

Não obstante, a implementação sofreu reveses que dificultaram a realização e a continuidade do CEMISF, derivadas da esfera política, entre estas, as decorrentes da alternância do executivo estadual, do gestor da saúde e da direção da ESPMT.

O processo de transição de governo engloba desde o período eleitoral (que na administração pública mobiliza o último ano de gestão), até a transição e mudança efetiva do governo. No último ano, verifica-se mudança no ritmo das atividades, como a desaceleração das atuações tendo em vista a prestação de contas para a entrega do governo, já que a continuidade, inclusive do mesmo grupo político, sempre traz novas configurações nas instituições.

Foi nesse cenário instável de transição que se formalizou a parceria da ESPMT com o ISC-UFMT para realização do CEMISF e a certificação dos alunos. É válido lembrar que há várias formas de esvaziar iniciativas, mesmo concordando com elas e, o CEMISF, tão atrelado a uma dada política, não resistiu a tal turbulência presente nas transições, como se entrevê no depoimento de A7:

Outra coisa que recaiu sobre ele [o CEMISF], que acho que é um fator que corrobora pra ele não ser implementado como foi concebido: ele ficou como a marca do governo passado [...] ele é identificado como uma proposta do governo passado, ficou com nome e sobrenome colado à outra gestão, que não era meu: era de um governo X de uma administração Y. Era muito maior que a própria Escola. Então, acho que a tendência foi um pouco essa [...].

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Conforme a opinião da maioria dos implementadores, a mudança de governo estadual foi crucial para a descontinuidade do CEMISF porque imprimiu uma ruptura no processo em andamento, devido à fragilização das instituições envolvidas. Ainda que tenha sido institucionalizada, a proposta não alcançou status de política de Estado porque foi identificada com o governo que saía. Apoiá-la ou não, decorria de decisões baseadas em interesses meramente políticos que não contabilizavam as evidências técnicas, o custo e a efetividade envolvidos no complexo processo decisório no âmbito das intervenções sociais (MARTINIC, 1997). Pode-se supor que o ISC-UFMT perdeu a referência nesta situação de desmobilização e redesenho político, se considerarmos o fato de que vários profissionais do seu quadro, que estavam na administração estadual e envolvidos com a proposta, retornaram à academia.

Além da mudança de governo, a SES-MT vivenciou várias mudanças na gestão, inclusive na iminência da extinção da ESPMT, sob a justificativa da criação de uma Escola de Governo, o que não ocorreu devido à mobilização de técnicos e alguns setores cientes da relevância do papel político e pedagógico da Escola comprometida com o SUS.

A ESPMT desenvolveu cursos de especialização em parceria com outras instituições de ensino superior, privilegiando aquelas de natureza pública. Se de um lado havia a vantagem de contar com corpo de profissionais experientes na área, por outro, propostas inovadoras que fugiam dos formatos tradicionais acadêmicos, como era o caso do CEMISF, exigiam esforços e tempo na negociação da parceria para que as pessoas compreendessem a proposta e a apoiassem, requerendo, para isso, o envolvimento de gestores das instituições parceiras. Como explica o depoimento de A7:

A implementação dele era diferente do processo de formalização dele dentro da universidade; quando a gente formalizou dentro da universidade, o CEMISF já vinha acontecendo, os módulos já vinham sendo desenvolvidos e a gente não discriminou os módulos a partir do dia que ele foi formalizado na universidade, a gente considerou todo o histórico pregresso do desenvolvimento dos bancos (dados) nas secretarias; O Curso do jeito que ele estava concebido; modular, de fluxo contínuo, não era um curso tradicional da Universidade; isso foi [...] uma queda de braço com a universidade pra que eles entendessem o quê é isso, um curso que não matricula, desenvolve a turma e certifica; fluxo continuo, o que é isso? A pretensão nossa era de matricular 600 alunos. (A7).

O grupo docente da Universidade envolvido com o Curso era restrito/pequeno no momento da sua operacionalização, inclusive, com a participação de pessoas que contribuíram ativamente para a sua idealização, que atuaram na SES e na ESPMT, na gestão anterior. Assim, parte das pessoas sensíveis à proposta do CEMISF que

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esteve inserida no “momento” da sua formulação na SES-MT, também se envolveu com a operacionalização do referido Curso, agora inserida na UFMT.

O pouco envolvimento da SES-MT com o Curso foi, também, uma dificuldade para a implementação do CEMISF. Diante disso, em alguns momentos, percebe-se certo desamparo bilateral para implementar a proposta, agravado pelas reconfigurações no contexto político, especialmente no que tange ao investimento de recursos financeiros nas ações da Escola:

[...] Então eu diria que a ideia do CEMISF foi essa: ele rompia com essa visão tradicional da Universidade [...]. Então, acho que foi muito inovador: foi tão inovador que pra gente convencer a Universidade a aceitar a parceria (outro modelo de parceria) [...] foi tão [...] eu me lembro que eu tive pelo menos três entrevistas com os reitores [...] pra explicar o que era, como era etc. e pedir o apoio deles pra aprovar o Curso nas instâncias colegiadas superiores da Universidade – existia uma resistência muito grande a essa concepção [...] a essa forma de conceber o Curso. [...] Nós tínhamos poucos quadros na Escola e até na Universidade pra poder tocar a proposta. [...] Porque a própria Universidade não teve pernas pra ajudar mais [...] evidentemente que quando se falta prioridade, falta dinheiro, falta gente aí falta tudo. Quando não há prioridade política não tem mais as coisas. (A5).

[...] antigamente, quando assumimos aqui a gestão da Escola, que implantamos as pós-graduações [...] era significativo. Nós tínhamos um orçamento de quase seis milhões! Hoje estamos com 400 mil, uma diferença muito grande! [...] Antigamente, o recurso, a parte de financiamento pelo estado, era bem maior. A gente tem percebido, assim, uma curva que vem descendo. E isso tem [...] prejudicado as ações da Escola [...]. (A9).

A parceria ESPMT e ISC-UFMT foi encerrada após a vigência do convênio em 2005. A ESPMT entrava em outro momento histórico, em que se credenciou junto ao Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso obtendo, a partir de então, autonomia para a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu. A ESPMT assumiu a execução e certificação do CEMISF, promoveu pequenas alterações operacionais como, por exemplo, a formação de turmas fechadas e regionalizadas (VILAS BOAS, 2009).

No período compreendido entre 2005 e 2006, a prioridade política dada ao CEMISF pela ESP foi considerada parcial, ou seja, uma ação considerada prioridade, por parte de alguns atores da Escola, dependendo de quem exercia a gestão. Não se firmou como uma prioridade institucional, de fato, pelo envolvimento de poucos na sua implementação e porque procedimentos fundamentais à realização do curso dentro do planejado (contratação de docentes, locação de infraestrutura, entre outros) não foram realizados, provocando diversas interrupções no desenvolvimento do mesmo.

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Segundo Vilas Boas (2009), as principais parcerias firmadas pela ESPMT para realização das turmas descentralizadas foram: os Escritórios Regionais de Saúde das regiões de saúde em que os cursos foram realizados; as secretarias municipais de saúde e seus profissionais alunos, que passavam a atuar, nesse segundo momento, como professores; e os setores responsáveis pela parte pedagógica, a saber, a ESP e o Ministério da Saúde. Estas parcerias foram fundamentais para a implementação das turmas, na opinião da coordenação central e da gestão escolar à época, que destacaram a sua indispensabilidade para o financiamento do referido curso, conforme mostram os depoimentos abaixo transcritos:

É, assim, com certeza, precisou e sempre, [...] que tiver cursos nessas áreas, vai precisar de parcerias. Não tem como fazer sozinho, não. (A9).

[...] a importância foi muito grande do financiamento, da gente ter essa parte, porque o recurso financeiro era uma das áreas prioritárias para que você possa realizar as ações, principalmente as da escola. [...] Não só com especialização, talvez com outros cursos, mas que precisamos sim desses financiamentos pra dar continuidade, porque o investimento do estado para 2010 ficou muito pequeno pra escola. Ficou 400 mil, que só a manutenção da escola é isso durante o ano. Então, efetivamente, se a gente não tiver esses financiamentos, não dá pra gente avançar muito nessa política de educação permanente. (A10).

As mudanças políticas, as frequentes trocas na gestão da ESP e na condução da SES fragilizaram a Escola e comprometeram a sua capacidade de apoio à implementação de um projeto do porte do CEMISF. Entretanto, o compromisso dos coordenadores do CEMISF e os recursos financeiros do Ministério da Saúde garantiram a continuidade do Curso, de acordo com os seguintes depoimentos:

[...] eu acho que a grande dificuldade foi, assim, a gente na Escola também passou por várias mudanças de gestão, né, na gestão da Escola. E somada a isso, a gestão estadual também e eu acho que só continuou porque tinha dinheiro do Ministério e aí é um convênio e você tem que fazer, você tem responsabilidade, o dinheiro está aí [...] tem também o compromisso das pessoas que estavam à frente disso [...] que coordenavam. (A2).

[...] Então, acho que por todas essas razões e, evidentemente, que aí faltou [...] que quando se falta prioridade, falta dinheiro, falta gente, aí falta tudo. Quando não há prioridade política não tem mais as coisas. [...] sobretudo as pessoas que assumiram a direção da Escola que não tiveram uma visão [...] a Escola ficou muito [...] depois dessa coisa de fechar a Escola, ela ficou muito enfraquecida, né. Ela levou muito tempo pra se recuperar e perdeu o foco. (A5).

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Todavia, a parceria ESP e UFMT, como era de se esperar, trouxe benefícios para ambas as instituições: o ISC-UFMT ampliava seu alcance na formação de recursos humanos em saúde, com o qual é historicamente comprometido, além de incrementar a sua prática da integração ensino-serviço e capacitar seu quadro interno na proposta inovadora da ESF, o que trouxe elementos práticos para a reflexão e planejamento sobre a sua atuação, levantados pelo depoimento de A8:

[...] eu acho que quem naquela época estava muito avançado nessa ideia modular, nessa forma, era a Secretaria do Estado. Porém, como tinha tudo um trâmite formal e naquela época a Escola ainda não podia certificar, acho que aí foi perfeita essa fusão. A Universidade entrava também para acompanhar, tanto para refletir aqui nas mudanças curriculares, quanto para poder fazer a certificação e mudanças nessas práticas dos profissionais. Então, acho que nesse sentido que a gente avançou. [...] Para a formação de professor, tanto a Residência como o CEMISF foi muito rico para nós, a minha formação, a parceria com Estado, naquela época, e acho que o Estado nos proporcionou muitas capacitações que demoraram a vir para a academia. Depois, então, nós fomos praticamente os inovadores, e aí trouxemos para a graduação essa experiência. Por exemplo, na medicina tivemos a oportunidade de estar com professores X e Y, indo para o PSF, fazendo essa mudança com muito medo, naquela época, [...] a gente estava arriscando; e, mais tarde, a enfermagem veio com as professoras nos pedir ajuda e acabou também incorporando na saúde da família. Com certeza, foram frutos dali que me formaram, me ajudaram, me capacitaram. (A8).

Os técnicos da ESP envolvidos na implementação do Curso, por sua vez, não tinham experiência com os processos pedagógicos pertinentes à formação lato sensu (normas acadêmicas, por exemplo), de domínio da UFMT e os servidores recém- nomeados e ali lotados tiveram que se familiarizar tanto com os processos burocráticos para a execução dos convênios, quanto com a utilização dos recursos financeiros na viabilização do CEMISF. Os benefícios mútuos transpareceram nos trechos dos seguintes relatos:

[...] Acho que teve várias coisas positivas. O próprio trabalho, a gente aprendeu muito na ESP nesse processo. Acredito que quem estava junto/participou aprendeu muito – sofreu muito [...] muitas angústias aí [...], mas aprendeu. (A6).

[...] o que a Escola fazia muito bem na época com os professores da UFMT? As capacitações. Assim, a Escola tinha o seu papel muito claro. Qual era o papel da Escola? Capacitar profissionais para as equipes de Saúde da Família. Ponto. Quem faz especialização? A Universidade. Hoje eu digo qualquer Universidade. Não precisa ser necessariamente

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UFMT. [...] Você acha porque que as pessoas queriam tanto fazer o Curso? Olha o título que estava por trás. Assim, essa é a grande diferença. Assim, nós tínhamos algo muito forte por trás da gente ou junto com a gente e o título no final disso – “a Universidade Federal certificará vocês”. [...] [interrogado sobre a parceria se limitar à certificação, responde] Não. É isso que eu digo: ela era do processo porque assim a gente dava as capacitações. A Escola dava, [...]. Mas nós tínhamos todos os professores com a gente, todas as pessoas. Não necessariamente dando aula. Tinha gente que nem dava aula. Tinha gente que vinha aqui para fazer oficina, discutir, dar sugestão, não dava aula. Mas ele era da UFMT e como nós tínhamos o convênio, ele estava junto. Ele não se negava [...] Isso era muito, a gente era muito próximo. Esse era o ponto de excelência da coisa. (A3).

Por fim, um ponto de cunho micropolítico incidiu no poder de decisão no processo de formulação do CEMISF, manifestado pela baixa ou insuficiente participação dos que atuavam e atuariam na operacionalização do curso. Essa questão refere-se à dissociação do envolvimento dos atores na formulação/implementação do CEMISF para que tivessem visão ampla da proposta e que participassem mais efetivamente das decisões e, assim, se reduzirem os entraves técnicos.

Há de se considerar que os diferentes agentes implementadores ocupam posições diferentes, o que lhes permite ter uma visão mais aprofundada e clara de uns aspectos, em detrimento de outros. Somam-se a isso, os gradientes dessa participação diversificada devido à posição desses implementadores, em relação aos momentos da formulação e da operacionalização do CEMISF. Isso pode explicar o contraste da percepção dos informantes sobre a ampla participação dos agentes na implementação do CEMISF, como evidenciam os trechos a seguir do depoimento de A1:

[...] por ter sido o primeiro projeto não foi assim bem fundamentado antes de aplicar, de começar, né. [...] que [embora houvesse] reuniões com todas as áreas, não teve uma abertura de quem, por exemplo, já tinha experiência com as capacitações, né. (A1)

Pode-se concluir que uma proposta inovadora e ousada como a do CEMISF, que deveria capacitar inúmeros profissionais que atuavam na ESF dos diversos municípios do Estado ao mesmo tempo, diante da ESPMT recém-criada e em fase de estruturação e em um contexto político, político-pedagógico e organizacional apresentou alguns aspectos fragilizados. Certamente enfrentou dificuldades que devem ser apontadas para subsidiar novos cursos a serem planejados e ofertados. Com certeza, os ambientes, interno e externo da organização, devem ser considerados, pois influenciam decisivamente na operacionalização da proposta.

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Dimensão pedagógica

Esta dimensão engloba duas subdimensões que se refletem no processo educativo e na implementação do CEMISF: o corpo docente e os mecanismos de acompanhamento dos alunos e seus desdobramentos.

O corpo docente

O modelo de atenção traduzido pela ESF que orientava o CEMISF requeria instrutores que dominassem a sua lógica e, diante do exíguo quadro de docentes com esse perfil, era mister que, paralelamente, se pensasse na formação desse docente. Por se tratar de uma experiência relativamente nova, não havia quadros preparados (quali e quantitativamente) afinados com esta proposta, tanto na academia, quanto nos serviços de saúde.

Embora houvesse egressos de cursos de especialização em Saúde da Família, faltava experiência àqueles vinculados à academia e, nos serviços, nem sempre os profissionais se dispunham a atuar na docência. Duas estratégias foram empregadas: as consultorias externas 8 e a formação de profissionais pelo CEMISF. As consultorias externas favoreciam o preparo de um quadro de instrutores afeitos aos princípios da atenção primária e que participavam da própria formatação e execução do CEMISF. O depoimento transcrito abaixo registra a opinião de A6 sobre as consultorias:

Acho que a própria consultoria esteve presente e colaborou bastante, mas teve todo o apoio da gestão estadual digo assim, tanto da parte do secretário, diretor da Escola, coordenadores, da equipe mesmo de trabalho que pensaram na proposta.

A segunda estratégia era “formar docentes” ao longo das capacitações, identificando profissionais-alunos com potencial para atuar como instrutores e convidá-los, posteriormente, para cursar módulos específicos de capacitação pedagógica. Nem sempre esses profissionais se identificavam com a docência.

Considerando que a clientela das capacitações era de profissionais que, majoritariamente, atuavam na assistência direta e não possuíam o título de mestre para poderem ministrar aulas em cursos de especialização, a estratégia

8 A ESPMT contratou consultoria externa nacional e internacional (canadense) especialmente para a formação de instrutores afinados com os princípios da atenção primária. Contava ainda com colaboradores do quadro das universidades públicas, privilegiadamente, bem como de técnicos dos serviços de saúde que contribuíram essencialmente, no apoio, na construção e operacionalização da proposta pedagógica do CEMISF.

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foi atribuir a coordenação do módulo a um docente titulado e este convidar outros técnicos (com experiência em Saúde da Família) para participarem como instrutores. Se assim se contornava a qualificação docente para viabilizar a implementação do CEMISF, esta instituição ficava, de certa forma, comprometida no recrutamento de docentes por editais:

[...] os professores: sempre foi tentar os melhores profissionais da área, os mais qualificados pra estar ministrando os cursos, então, não necessariamente um doutor era melhor que um técnico porque dependendo do que fosse abordado os técnicos tinham até mais condições de ministrar o curso e isso era feito. Então era procurado o melhor, o mais capacitado na área realmente para estar dando o curso. [...] Que acontecia acabava na verdade muitos técnicos dando o curso mas os coordenadores do curso, no nome e no papel, era o da Universidade, isso era o que acontecia. (A1).

Em relação às turmas do CEMISF, realizadas no período entre 2005 e 2006, os docentes foram selecionados por meio de um processo seletivo aberto ao público em geral, segundo critérios específicos. Contudo, 60% dos docentes pesquisados por Vilas Boas (2009) assinalaram ter sido escolhidos, para esta atividade, por meio da indicação da própria ESPMT. Nenhum respondente apontou a alternativa referente a ter participado de um processo seletivo público.

Dentre os docentes, verificou-se que a grande maioria possuía somente o título de especialista: 75,0% na turma de Cáceres, 76% em Barra do Garças, 79,2% em Tangará da e Sinop com 68%. A maior parte dos docentes que participou da pesquisa (60%) afirmou possuir experiência prévia na área específica relacionada à Saúde da Família, todavia, esta experiência centrava-se na docência e não na atuação direta no serviço. O desempenho dos docentes foi considerado adequado por 79,5% dos alunos participantes da pesquisa e 17,9% julgaram o desempenho parcialmente adequado.

A intenção, na proposta do CEMISF, era descentralizar as capacitações, levando-a mais próxima possível do profissional, para não só evitar os deslocamentos e afastamentos de sua unidade de saúde, mas também poder ser mais significativa e sensível às peculiaridades da situação de saúde local. No entanto, alguns cursos em que a disponibilidade de monitores era restrita, foi feita a centralização na regional ou em Cuiabá.

Visando contornar essas situações, de descentralização das capacitações e de disponibilidade de monitores, foi proposta a centralização de alguns componentes curriculares, executada por uma programação antecipada semestral ou anual das capacitações previstas, conciliando os períodos das capacitações com a agenda pessoal ou institucional dos participantes.

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Nas turmas de 2005, a análise documental e de opinião dos alunos e coordenadores do curso demonstraram a deficiência no cumprimento dos cronogramas: 74,4% dos alunos pesquisados considerou que o cumprimento foi parcialmente adequado, com algumas mudanças no decorrer do curso e 12,8% considerou inadequado, devido às muitas mudanças ocorridas (VILAS BOAS, 2009).

Além da incompatibilidade das agendas, como motivo apontado para tais alterações, somam-se os problemas decorrentes da morosidade dos processos burocráticos na SES-MT para viabilizar os pagamentos e o provimento de infraestrutura. A falta de autonomia administrativa e financeira da Escola de Saúde Pública deixava-a de mãos atadas frente às dificuldades. Professores com participação em disciplinas pontuais não tinham a percepção do curso em sua totalidade, apesar de que a lógica da atenção primária deveria ser transversal em cada um dos seus componentes. Se para alguns módulos foi possível interiorizar os instrutores, em outros, a centralização em poucos profissionais persistiu ao longo do CEMISF. De acordo com o relato de A7:

Então, a ideia era a gente ter nestes cursos contínuos, tijolinhos que eram os módulos, [...] cada um tinha uma terminalidade em si, mas estariam articulados dentro de um programa de formação; cada tijolinho tinha um propósito para a que veio, a quem se dirige, que conteúdo, que monitor, com que grau de descentralização ele vai ser realizado, que avaliação ele [terá] [...] mas ele é uma peça chave que articula com todos os outros para certificação como especialista desse profissional de saúde da família. [Estava] articulado nesse sentido de que ele era pensado no tempo, na carga horária, com o conteúdo, com aprofundamento. Ele era pensado num todo, na lógica de o programa de formação de saúde da família, não era pensado só na área técnica [...] mas nem tudo foi feito assim.

A habilidade clínica sobressaía-se em detrimento dos princípios da Saúde da Família que acabavam restritos aos módulos: Introdutório e Básico em Saúde da Família, ficando a cargo do aluno fazer as articulações necessárias do conteúdo clínico com a lógica da atenção primária, presentes nos componentes do núcleo comum do Curso.

Há de se ressaltar a dualidade desse processo diante da disparidade entre o perfil dos profissionais de saúde que se inseriam na ESF e a proposta que se pretendia implantar no estado. Os implementadores entrevistados apontaram características desses profissionais em Mato Grosso como: formados há mais de vinte anos; vindos de outras regiões do país e, então, em muitos casos, não capacitados para o enfrentamento dos problemas de saúde locais; com habilitações clínicas específicas e sem formação em saúde pública.

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Esses dados corroboram os resultados do estudo de Canesqui e Spinelli (2006) realizado com 252 profissionais atuantes no PSF em Mato Grosso em 2002, quando demonstraram que 48,6% procediam de outros estados; com tempo mediano de formação de 11,1 anos e média de idade de 36,0 anos (considerados “maduros” em relação aos achados em estudos semelhantes), o que pressupôs serem profissionais que possuíam experiência e relativa maturidade profissional. Contudo, se por um lado, esse profissional favorecia o processo de implementação da ESF quanto à qualidade da mão-de-obra, por outro lado, era incapaz de garantir a adequação do seu perfil à ESF, uma vez que a sua formação tendia a ser especializada e não generalista.

Diante desse quadro, nota-se que necessitavam da apropriação dos fundamentos da atenção primária inscrita na ESF, ao mesmo tempo em que careciam de capacitações em áreas específicas que os qualificassem para a prática clínica. Pode-se considerar como positivo o fato de o Curso privilegiar a habilidade clínica porque mostra certa adequação do conteúdo ofertado às características dos profissionais já mencionados.

Como as necessidades acima mencionadas eram diversificadas, o CEMISF idealizou um componente que “personalizaria” a capacitação e cuja dinâmica convergia para a da educação permanente, no âmbito do serviço. Tratava-se do componente optativo de “aprimoramento de habilidade clínicas” que, conforme o plano de curso, seria realizado em serviços regionais de referência e acompanhado por tutores credenciados para este fim, como mostra o depoimento de A7:

[...] por exemplo, um médico pediatra que há muito tempo, desde a graduação não acompanha um parto, e isso poderia ser necessário para ele na prática da saúde na família; ou, por ocasião [...] ou por um acidente, a mulher bater no centro de saúde tendo neném, ou para acompanhar, no hospital, as suas gestantes. Porque a ideia é que o médico poderia entrar em um hospital de pequeno porte e ajudar a apoiar a mulher, ou mesmo fazer o parto dela em um hospital de pequeno porte, de um município pequeno; por que não? [...] Vou botar um exemplo simples, ele não é um cirurgião, é um clínico, é um pediatra, não faz mais uma pequena sutura, que seria de responsabilidade de uma equipe da saúde da família para aumentar a sua resolutividade. Então, ele poderia identificar [...] uma demanda e a gente, enquanto coordenação do curso, viabilizar, [...] um estágio em hospitais municipais, [...] num hospital regional. [...] Pensamos em drenagem de abcessos, pequenas suturas, acompanhamento de parto. No caso de uma enfermeira, para treinar uma coleta de sangue, uma coleta de exame Papanicolau. [...] Então, [...] ter a possibilidade de personalizar para atender necessidades específicas dos profissionais. Isso era optativo, nós chegamos a fazer, na Escola, uma identificação de monitores desses serviços de referência, fizemos uma primeira oficina com esses monitores [...] pra pactuar

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com eles como seria esse profissional acompanhado, dentro desse serviço de referência. [...] O quê que aconteceu? Os próprios dirigentes desses serviços não liberaram todas as pessoas que a gente tinha identificado pra apoiar. [...] a gente não teve tempo pra tocar essa iniciativa para frente; [...] Então ele foi um componente inovador dentro da concepção do Curso, que, pelo o que eu sei, nunca foi implementado.

Essa preocupação de aliar capacitação com as necessidades advindas da prática profissional aproximava a proposta do CEMISF com a perspectiva atual de educação permanente do MS destacado em Campos et al. (2006) que reforçam os aspectos já sinalizados neste texto.

Explicando as diferenças entre a Educação Permanente e a Educação Continuada, Pereira et al. (2009) destacam que, enquanto a primeira objetiva principalmente transformar as práticas, a segunda visa a atualização de conhecimentos específicos, podendo ser utilizada como recurso para a Educação Permanente, mas não se esgotando nela mesma.

Não obstante, todos os componentes do Curso deveriam integrar-se, daí a denominação do mesmo como Curso de Especialização Modular Integrado em Saúde da Família – CEMISF, confluindo para a atenção primária, fazendo as conexões com este nível de atenção. No entanto, requeria-se do aluno algo que o corpo docente não conseguia elaborar, como descreve o depoimento de A2:

[...] Porque, principalmente, para quem está começando, está entrando na Equipe, é uma coisa nova, por mais que a gente tenha feito a graduação, ter passado por internato rural que o pessoal da UFMT faz e aí os alunos ficam em equipes de PSF e tal; mas você não tem maturidade ainda pra ir juntando o que é discutido numa disciplina e na outra e dando essa “liga” [...] esse contexto. Acho que faltou isso [...] as coisas meio pontuais, assim, e cabia só ao aluno fazer essas [relações] [...] Mas outra coisa também que eu acho que ficou muito pesada: a questão da discussão só do desenvolvimento de habilidade clínica no profissional, né. Acho que mais de 80% dos componentes eram voltados pra isso [...] enfim [...] e a discussão própria do campo de Saúde da Família, da filosofia [...] enfim, da proposta mesmo; ficava muito restrita – um pouquinho no Introdutório [...] [...] e um pouquinho mais aprofundada no Básico. [...] Mas eu acho que isso só é pouco [...] Pra mim, [...] pra discutir a complexidade que é você trabalhar em atenção primária, lidar com família, lidar com comunidade, com um monte de problemas [...] Eu acho que era pouco. [...] Enfim, acho que a gente tinha que dar mais ênfase nisso [...] essa coisa do que é Saúde da Família, trabalhar com essa coisa difícil da promoção da saúde, da participação social.

Neste sentido, Vilas Boas (2009) verificou que os componentes curriculares do CEMISF tiveram grande importância para a formação da maioria dos alunos, no sentido de melhoraria de sua atuação na ESF, com destaque àqueles do módulo

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de delimitação do campo da Saúde da Família: Básico em Saúde da Família e Fundamentos da Atenção Primária, ambos considerados de grande relevância por 97,3% dos respondentes, além do Introdutório, com 97,2% de aprovação.

Por fim, a carga horária foi apontada como o fator dificultador da implementação do CEMISF e as áreas responsáveis relutaram na redução daqueles componentes que anteriormente eram oferecidos como capacitação isolada. A carga horária total do Curso ultrapassava 400 horas, apesar da exigência mínima para especialização ser de 360 horas. A compatibilização e incongruências assim se apresentaram: o desenho do Curso previa o fluxo contínuo, integralização dos créditos, respeito ao ritmo do aluno para a oferta das capacitações. No entanto, esbarrou-se em normas acadêmicas que estipulavam prazos e, certamente, com justificativas para tal. Soma-se, ainda, às incongruências que esta elasticidade de tempo, possível pelo desenho do Curso, não cabia no contrato interinstitucional.

O mecanismo de acompanhamento dos alunos

A ESPMT documentava as capacitações isoladas ofertadas para fins de certificação e, no caso do CEMISF, além de efetuar o registro nominal das participações por componente, impunha-lhe a tarefa de monitorar a situação acadêmica dos profissionais. A ESPMT precisava desenvolver o registro sistematizado de informações acadêmicas para acompanhar a trajetória do aluno no decorrer do Curso. Esse registro configurou-se como aspecto positivo do Curso, porém, não foi institucionalizado pela ESPMT. Esse processo contava com o apoio dos Escritórios Regionais de Saúde (ERS).

A comunicação da ESPMT com os profissionais era dificultada devido à mobilidade/rotatividade dos mesmos dentro do estado. A rotatividade dos profissionais atuantes em PSF é conhecida (CANESQUI; SPINELLI, 2006). Apesar de permanecerem no próprio estado e se manterem no Programa, essa rotatividade trouxe consequências para a implementação do Curso em questão.

Pelo CEMISF, o profissional atuante em ESF poderia solicitar a sua matrícula ao concluir o Introdutório e o Básico, que eram pré-requisitos para seu ingresso no CEMISF. Também estava previsto o aproveitamento de estudos anteriores, o que permitiu que as capacitações cursadas pelos profissionais fossem reconhecidas.

A ESP monitorava a integralização dos componentes curriculares pelos profissionais e, periodicamente, quando havia um número de alunos com esse processo adiantado e que poderia compor uma turma, formalizava a matrícula junto à UFMT e enfocava a oferta das capacitações que faltavam para a conclusão. Essa era uma das estratégias de operacionalização do CEMISF para

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se ajustar às normas acadêmicas, uma vez que, originalmente, se pensou num fluxo contínuo, mais aberto e flexível, para evitar as perdas/desistências ou impedimentos decorrentes de imprevistos cotidianos profissionais ou pessoais.

A grande crítica que eu faço – a turma de Cáceres, de Barra do Garças, de Sinop, de Tangará na época era Alta Floresta, qual outra? Tinha mais uma, Sinop? Essas seis, a gente perdeu, nós erramos porque o modelo do formato voltou a ser o “não CEMISF” embora usando o mesmo menu. Essa turma, então, vamos lá quem são os quarenta. Quando a gente fez isso, a gente engessou o processo e o curso ficou como uma turma de especialização de qualquer lugar. E não era a proposta [original] do CEMISF. A grande inovação do CEMISF era dizer - Opa! você está chegando agora, adentra; se tá chegando, adentra. Quando você forma uma turma de quarenta alunos, fechado o que começa acontecer a gente sabe que quarenta, não é? Vínculo, enfim, ene situações, morre pai, morre mãe. Tudo isso acontece nos cursos e [...] é adventista [...] essas pessoas vão desistir, desistem e isso é natural. (A3).

O registro para o acompanhamento das capacitações dos profissionais atuantes transcendia à sua utilidade de controle dos componentes integralizados, para servir, de certa forma, de instrumento de gestão e referência sobre a qualificação dos profissionais, como foi expresso neste depoimento de A3:

Mas não é a questão de quantos formaram. A questão é a seguinte: nós tínhamos o processo, nós conhecíamos seiscentos profissionais deste Estado. [...] você estava lá em Peixoto de Azevedo, eu olhava aqui no computador numa planilha e dizia: você tem o curso Introdutório, não fez o Básico [...] Mas é isso que a gente tem, esse acompanhamento do profissional, essa Escola tinha. Isso é gestão de pessoas mais forte do que nunca, que não existe hoje neste país. Não no Estado, no país. É o que eu fiquei, um ano na coordenação da atenção primária, tentando fazer e não consegui fazer ainda. Nós tínhamos naquela época. E conseguimos isso em menos de sessenta dias e tínhamos os seiscentos cadastrados, mais de seiscentos. O CEMISF proporcionou isso.

A dimensão pedagógica foi um importante ponto na concepção do CEMISF na medida em que possibilitou a elaboração de um desenho adequado à real necessidade loco regional, contribuiu com a política que estava em construção e com a qualificação do perfil profissional e valorizou a interiorização e a fixação do profissional (se não no município, ao menos no estado). Porém, obstáculos foram encontrados, como a falta de docentes preparados, o que o Curso tentou equacionar, realizando a formação a partir da identificação de pessoas com perfil adequado entre os próprios discentes para suprir essa vital necessidade.

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O acompanhamento pedagógico na construção dos saberes ideológicos do SUS, da ESF e das habilidades técnicas, não foi suficiente para contagiar docentes e discentes, segundo os atores implementadores e constituiu uma fragilidade na implementação do curso em 2005/2006. Neste sentido, o acompanhamento local da ESPMT durante a realização do Curso foi esporádico, com algumas tentativas pontuais (VILAS BOAS, 2009) e, diante disso, a capacitação pedagógica dos professores do Curso parece ter sido a aposta para garantir o bom andamento do processo.

Dimensão operacional

Esta dimensão desdobra-se nos aspectos do financiamento que comportam facilidades e obstáculos para a implementação do CEMISF, referentes às fontes dos recursos, seleção e remuneração de instrutores e logística.

No período de 2001 a 2005, as duas principais fontes de recursos financeiros para a implementação do CEMISF eram os convênios das áreas técnicas e os recursos próprios da SES-MT, definidos e aprovados no orçamento da ESPMT. Os recursos advindos das áreas técnicas destinavam-se à execução das capacitações: despesas com instrutores e refeições para os participantes. Já os recursos de fonte própria da SES-MT foram empregados, em parte, para o acompanhamento/coordenação do Curso e sua certificação pelo ISC-UFMT, repassados a esta instituição por meio da Fundação Uniselva.

Ocorre que o custo da otimização dos recursos de projetos e convênios alocados para as capacitações, almejadas e proporcionadas pelo CEMISF, foi a dependência visceral das áreas técnicas da SES-MT. Essa relação embutia tensões porque, de certa forma, interferia na gestão de recursos e, assim, o CEMISF materializou a decisão de condução de todos os processos de capacitação no âmbito da SES-MT, a partir da criação da ESPMT, com prioridade política à atenção primária. Em consequência, as mudanças políticas posteriores influenciaram fortemente a execução do CEMISF em relação ao seu financiamento. Neste sentido, “o curso não resistiu” a tais mudanças, principalmente com o comprometimento da remuneração dos instrutores na gestão estadual seguinte, interpretado por ser o CEMISF “identificado como uma proposta do governo passado, entre outros fatores, portanto deixando de ser prioridade”.

Enfim, a continuidade do processo ficou comprometida tanto em relação aos recursos humanos envolvidos, quanto em relação aos recursos financeiros necessários à sua manutenção. Corrobora com essa situação, o fato de que recursos específicos para o financiamento de outros cursos de especialização

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eram executados sem muitos problemas – foi o caso das especializações em Saúde da Família vinculadas ao grupo do PITS e ao REFORSUS 9 os quais aconteciam, concomitantemente, ao processo de elaboração e implementação do CEMISF. A integração e discussão dessas capacitações contribuíram, inclusive, para os ajustes na proposta final do CEMISF. Esses aspectos estão presentes no fragmento do relato abaixo de A6:

[o CEMISF é concebido] mais dentro deste contexto de uma política estadual induzindo a Saúde da Família no estado e tomando pra si a formação desses profissionais. Ele não nasce como um curso teórico [...]. Ele nasce como uma consequência deste processo de indução pela própria SES.[...] as áreas “técnicas”, entre aspas, se sentiram perdendo poder quando a Escola foi criada; porque ela ganhou força no sentido de mobilizar recursos, de mobilizar, inclusive, decisões sobre se vai ser feito esse curso ou não, se vai mobilizar tal recurso para esse curso, de forma descentralizada ou não, [...] Então, as áreas técnicas recuaram muito e resistiram um pouco à própria criação da Escola.

De acordo com Vilas Boas (2009), no período de 2005-2006, com o desenvolvimento e certificação do CEMISF pela ESPMT, os recursos financeiros foram captados por meio da apresentação de projeto ao Ministério da Saúde com o qual foi estabelecido um convênio, cabendo à SES-MT uma contrapartida de 10% do valor total de recursos. A gestão destes recursos, considerados suficientes, foi feita pelos setores de acompanhamento de convênios e financeiro da SES-MT, mas principalmente pela ESPMT.

A necessidade de remunerar instrutores e orientadores, demandados pelo CEMISF se refletiu nos aspectos pedagógicos e operacionais da implementação, com o qual a ESPMT já convivia, pois, na época, a legislação vigente não permitia ao servidor público receber remuneração por atividade docente. Ocorre que, salvo algumas exceções, os potenciais instrutores eram da academia ou atuantes nos serviços públicos estaduais ou municipais, o que impossibilitou serem remunerados.

Tal situação inviabilizava a atuação como docente no CEMISF, diante da impossibilidade de ser remunerado por essa função ou serviço. Uma das estratégias para resolver essa questão, foi a de remunerar essa atividade

9 Esse Curso de Especialização em Saúde da Família estava previsto no Plano de Trabalho Anual da ESP/SES/MT e foi financiado pelo Ministério da Saúde - Projeto de Reforma do Setor de Saúde “REFORSUS”. O Contrato 141/2001 entre a UNISELVA e SES/MT previa o acompanhamento pela UFMT/FAEN das atividades acadêmicas e certificação dos concluintes. (Dados do Projeto do Curso CEMISF - ISC, 2003).

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dos instrutores somente com as diárias, condição nem sempre aceita pelos mesmos. Isso toca na questão de que a ESPMT não possuía, e ainda hoje não possui “docentes”, embora seja reconhecida como instituição de ensino:

A parte difícil também é a docência [...] Por exemplo, olhando lá pro lado da Escola que não tem docentes, não tem um corpo docente fixo, né. O CEMISF era um curso assim que ele envolvia vários profissionais com vários conhecimentos [...] é difícil você ter 2 ou 3 profissionais com tudo aquilo lá com aquele arcabouço com que ele foi desenhado. Então é complicado você trazer esse profissional pra dar aula. Deve ter um incentivo, um estímulo de estar remunerando ele pra isso. (A6).

A dificuldade com a remuneração das horas-aula aos docentes oriundos de instituições públicas foi, em parte, resolvida (e estimulada pelo CEMISF por ter colocado a questão em pauta no Estado) a partir da Lei nº 8151 de 8 de julho de 2004 (MATO GROSSO, 2004), que regulamentou o pagamento de horas-aula aos servidores públicos, por meio de editais. Esse processo, nem sempre atendia às necessidades do CEMISF conforme mostra o depoimento de A6:

[...] não tinha uma aula pra você ver como que era [...] Tinha o currículo do profissional [...] Por exemplo, a maior dificuldade que a gente tinha era em ele ter experiência com Saúde da Família: se já trabalhou, já tinha conhecimento, já participou de discussões [...] Era a uma das maiores dificuldades [...] E continua hoje, né?

Cumprindo as imposições legais, a seleção por editais estendeu-se ao acompanhamento e à orientação das monografias, restringindo o grupo de orientadores àqueles que se candidatavam. Neste sentido, a identificação dos orientadores foi trabalhosa, dado o grande número de alunos, a disponibilidade dos orientadores, o título mínimo de mestre e as próprias dificuldades referentes à orientação, quanto à distância e ao tempo do aluno-profissional.

Outro aspecto operacional que remete à gestão dos recursos foi o descompasso entre o tempo de conclusão da monografia e a vigência do contrato entre ESPMT e ISC-UFMT, que comprometeu parte da remuneração dos orientadores e gerou, inclusive, desgastes na relação interinstitucional, o que foi resolvido com novo processo seletivo de orientadores conduzido pela ESPMT, conforme mostra o depoimento de A4:

A gente tava sim com problema mesmo de pagamento da UFMT que estava expirando o tempo e a gente não conseguia pagar [...] E a gente não conseguia também, não estava também conseguindo fazer os cursos andarem de forma que iria acabar o contrato com a Uniselva e a gente não ia certificar quase ninguém.

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Mesmo após a Lei nº 8151, de 8 de julho de 2004, as dificuldades para o pagamento de horas-aula para os professores do CEMISF permaneceram presentes, especialmente no caso dos servidores públicos estaduais. Neste caso, a implantação de uma carreira docente e a existência de um quadro de professores qualificados e próprio da ESPMT poderia ser uma alternativa para minimizar este problema. Tais questões permeiam o relato do informante A10:

[...] precisava estar contando [com] um favor de um profissional pra sair de Cuiabá e ir dar aula no interior. Aí a gente pagava a hospedagem e alimentação. Quer dizer, ele estava trabalhando a troco só da cama e da alimentação. Não tinha nenhum incentivo que pudesse estar fazendo com que ele recebesse para preparação das aulas dele, do momento que ele estava dando aula [...] a gente tinha muitos profissionais que não eram nossos, de outras instituições e que atenderam ao nosso convite no sentido de estarem contribuindo para o sistema e a gente pagava [...] a hospedagem e alimentação. [...] Vários fizeram isso, esse papel junto à escola no sentido de reconhecer o papel da escola, o esforço da escola em estar qualificando as equipes.

A análise da dimensão do contexto organizacional, feita por Vilas Boas (2009) na implementação de turmas em 2005-2006, destaca três aspectos: i) autonomia decisória; ii) autonomia na gestão financeira e da ESPMT; e iii) as suas formas de gestão do processo de implementação do Curso. Pode-se considerar que a ESPMT possuía plena autonomia decisória devido ao fato de poder definir, sem qualquer interferência, sobre o projeto de curso, a metodologia adotada, o planejamento de sua realização, os recursos a serem utilizados, etc.

Todavia, não dispunha de autonomia administrativa, tampouco de gestão dos recursos financeiros, dependendo da SES-MT para os processos de licitação, compras, pagamentos, entre outros; ainda que a lei de sua criação (169/2001) lhe conferisse autonomia administrativa e financeira que, de fato, nunca se efetivou. Os problemas organizacionais que ocorreram na SES-MT, no período de mudanças na gestão, tiveram reflexos importantes na implementação do curso, gerando atrasos e interrupções no processo.

As providências referentes à logística (despesas de deslocamento, estadia, produção e reprodução de material didático, alimentação, local de realização da capacitação, equipamento áudio visual etc.) para atender aos módulos do Curso também foram influenciadas, em parte, pela fonte de financiamento.

Como já citada, a necessidade de domínio sobre os processos pedagógicos envolvidos na formação lato sensu e sobre aqueles referentes à execução dos convênios, especialmente para servidores recém-nomeados e lotados na ESPMT, foram considerados como ganhos positivos, tanto no plano pessoal/profissional, quanto no institucional. Ao pensar uma proposta de tamanha

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grandeza e impacto no Estado, a dimensão operacional recebe destaque devido aos seus inúmeros aspectos. O financiamento é estratégico e foi ponto nevrálgico, ainda que não deva ser considerado de forma isolada, como nos lembra Giovanella (1990, p. 144):

A tipificação de um poder administrativo tem como pressuposto um “poder econômico”, onde o dinheiro é equivalente universal. Recursos financeiros, porém, não podem ser mecanicamente considerados como equivalentes de todos os recursos, de todas as capacidades. Uma capacidade administrativa não compreende apenas uma disponibilidade de recursos financeiros, mas, também, a organização e gestão dos chamados “recursos humanos”, a força de trabalho — habilidades adquiridas que transcendem, sem dúvida, à questão financeira. Esses outros recursos são capacidades que só podem ser colocadas em ação a partir da disponibilidade dos recursos financeiros, mas que não se confundem com estes.

A questão operacional nos aspectos administrativos e financeiros da ESPMT, que a deixa extremamente dependente da SES, foi apontada como uma das fragilidades para a execução e oferta mais efetiva dos componentes curriculares e dos Cursos propostos. Finalmente, a ESPMT não conseguiu oferecer todas as disciplinas em tempo hábil para todos os alunos matriculados no CEMISF por questões administrativas, financeiras e políticas.

Resultados (quantitativos e qualitativos) do CEMISF

No período analisado, os dados do Relatório Final de Curso/CEMISF (ISC, 2005) informaram que havia 384 matrículas deferidas. Ao findar o contrato entre a SES-MT/ISC-UFMT haviam sido certificados um total de 21 alunos, profissionais das ESF, dentre os quais, 19 receberam o certificado de especialista e 02 de aperfeiçoamento.

A partir de então, a ESPMT assumiu a formação e a certificação dos demais alunos e manteve a implementação do CEMISF até 2006. Entre 2005 e 2006 certificou como especialistas 41 dos 150 alunos matriculados nas quatro subturmas descentralizadas, apesar de outros 50 alunos terem concluído todos os componentes curriculares, mas não terem elaborado a monografia (VILAS BOAS, 2009).

Passados três anos, em 2009, um grupo de aproximadamente 30 alunos formalizaram solicitação à ESPMT para concluírem a monografia, uma vez que haviam integralizado todos os créditos obrigatórios. O Conselho Escolar recomendou o atendimento à demanda por se tratar de número significativo de alunos não concluintes.

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Na visão da maioria dos egressos e docentes do CEMISF 2005/2006, 79,5% e 80% respectivamente, a modalidade de monografia e o prazo para a sua elaboração e entrega foram considerados adequados. A atuação do orientador (relação e comunicação) foi apontada pelos alunos como fator que mais contribuiu para concluírem a monografia (78,2% das respostas), seguida do esforço, dedicação e persistência do aluno (56,5%) (VILAS BOAS, 2009).

Os mesmos sujeitos foram unânimes em considerar que o Curso contribuiu para melhorar a capacidade individual de resolver os problemas enfrentados no dia-a-dia da prática na ESF, desenvolvendo-lhes conhecimentos e habilidades pertinentes, relacionadas às atividades de gestão ou de assistência. Foram identificados, nas declarações, o apoio a alguns pontos fundamentais relacionados à ESF e à APS, a saber: o papel da atenção básica como base do sistema de saúde, a concepção de determinação social do processo saúde-doença, a abordagem familiar e comunitária, o trabalho em equipe, a perspectiva da promoção da saúde. Nas palavras do Egresso 3:

Sim, em vários aspectos, minha visão após a formação ou graduação era muito hospitalocêntrica. O curso me abriu algumas portas para a área preventiva, a importância da atenção básica que, após o curso, me esclareceu que é a base de tudo mesmo. Como podemos verificar, e com grande louvor ao Programa Saúde da Família, o fechamento de vários hospitais e a diminuição significativa dos internamentos.

Tem-se a impressão que as especializações em Saúde da Família passaram por um certo período de “esquecimento”, ao menos por parte de instituições públicas de ensino superior em Mato Grosso, reflexo talvez da dinâmica das prioridades políticas nas diferentes esferas de governo.

Em 2009, a ESPMT retomou as especializações nesta área com quatro turmas descentralizadas (em Peixoto de Azevedo, Pontes e Lacerda, Juara e Água Boa) e uma estrutura curricular bem mais reduzida, que enfocava os princípios da atenção primária e priorizava os fundamentos da ESF que, de certa forma, podem ser decorrentes de reflexões e de mudanças em certo grau de aprendizagem institucional proporcionado pelo CEMISF.

Considerações finais

Os dados analisados com base no referencial teórico da avaliação de implementação de políticas revelam que uma atividade desta natureza, quando apoiada pela decisão política de um grupo gestor, pode se configurar em uma proposta mais orgânica, com capacidade de apoiar de forma decisiva a mudança do modelo assistencial de saúde, com vistas à implementação do SUS.

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No processo de elaboração do CEMISF percebe-se que, além da decisão política do secretário em implementá-lo, a sua construção exigiu, no espaço da micropolítica, a identificação de parceiros e apoiadores internos entre os técnicos da SES/MT, como aqueles mais abertos às mudanças, no caso, os da área das grandes endemias que desenvolveram uma proposta de capacitação com significativos avanços para aquele momento.

A integração entre os aspectos assistenciais, de gestão, de prevenção e promoção da saúde das endemias selecionadas, explicitou a necessidade de formação educacional de todos os trabalhadores das equipes, nos diferentes níveis de atenção. A implementação da proposta de educação nos cursos de especialização, inclusive no CEMISF, restringiu-se à dimensão assistencial. É necessário refletir sobre as razões de ter sido valorizada a perspectiva assistencial, em uma proposta que objetivava promover a integralidade da assistência e do processo de trabalho das equipes.

Os condutores da elaboração do CEMISF ofereceram aos profissionais das equipes de saúde da família e parceiros das instituições de ensino, discussões com consultores nacionais e internacionais em atenção familiar na esfera da atenção primária. Isso oportunizou um aprendizado significativo aos implementadores envolvidos, na medida em que ficaram evidenciados elementos próprios de educação permanente, em que os professores das universidades aprendem com os trabalhadores de saúde, em um encontro pedagógico. Nesse caso, especificamente, toma-se como prática a própria condução dada pelos gestores estaduais na construção do CEMISF.

O CEMISF foi mais rico e interessante durante seu processo de construção que de sua implementação, com destaque no primeiro momento para: i) os espaços criados para as discussões das disciplinas; ii) a inclusão de novas disciplinas e de odontólogos na equipe de saúde da família; e iii) por se configurar como uma prática resolutiva, pautada nos princípios da atenção primária. Pode-se afirmar que muitos aspectos abordados, naquele primeiro momento, ainda estavam distantes de serem incorporados pelas equipes da ESF.

A gestão responsável por conduzir a elaboração do CEMISF também foi inovadora ao propor, em outras bases, a parceria com a UFMT para certificação dos egressos do Curso, ao mesmo tempo que questionava a maneira como esta instituição ofertava pós-graduações lato sensu.

A implementação do CEMISF encontrou várias dificuldades, algumas relacionadas com a sua própria magnitude de especializar, em dois anos, aproximadamente 400 profissionais e outras inerentes ao momento político e institucional em que este Curso foi proposto. O Curso e a própria ESP/MT foram assumidas, pelo novo gestor da saúde, como marca identificadora

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da gestão anterior e não como política de Estado, daí a Escola ter sido, inclusive, ameaçada de fechamento.

Outro aspecto que pode ter dificultado a implementação do CEMISF foi a sua proposição de integrar as capacitações oferecidas pelas áreas técnicas da SES/MT. Esse fato interferiu no poder acumulado pelos profissionais das referidas áreas na condução dos seus processos formativos.

O CEMISF, analisado como uma proposta de uma política a ser implementada, sofreu o efeito da possível assimetria de comprometimento entre os que a propõem/formulam e aqueles que a operacionalizam. Isso pode estar relacionado com as seguintes situações: posições contrárias claras e conscientes; não participação no processo de elaboração; acúmulo de conhecimento diferenciado entre os envolvidos; e resistência às mudanças. Por ser uma proposta inovadora, encontrou dificuldades com a instituição parceira, responsável pela titulação dos concluintes, com a SES e com a própria Escola.

Percebe-se que a elaboração e a implementação do CEMISF foram descritas, por parte do segmento de decisores, como um processo amplamente discutido e construído democraticamente. Entretanto, para alguns implementadores essas fases foram discutidas entre um grupo pequeno, denominado grupo de condução. Desse modo, consideram que os docentes foram inseridos sem conhecerem suficientemente a proposta daquele Curso.

Por fim, as mudanças de gestão que aconteceram na condução do CEMISF, decorrentes da troca de governo em 2003, levam-nos a refletir sobre a necessidade de proteger as propostas de educação na saúde que se configurem em estratégias importantes para garantir os princípios do SUS, das mudanças na gestão e dos governos. E, em ato contínuo, perguntar: Quais são as características que os profissionais estratégicos no âmbito da gestão devem ter, para assumir a condução dos processos de construção e implementação de tais estratégias? Tais questões apontam para a necessidade de pensar os projetos de qualificação para o SUS como políticas públicas que mereçam ser analisadas, considerando as disputas dos diferentes atores envolvidos.

Mesmo acreditando que a promoção da mudança do modelo assistencial e a reorganização dos sistemas de saúde a partir da atenção primária dependem, não só da capacitação dos trabalhadores, mas de uma série de outros aspectos como políticas adequadas, gestão eficiente, recursos financeiros, estruturais e humanos (em quantidade e qualidade suficientes), entre outros, as opiniões positivas dos egressos do CEMISF sobre sua contribuição para o desenvolvimento profissional, levam a concluir que este tipo de intervenção deve ter continuidade e investimentos, devendo-se ampliar o seu acesso a mais profissionais de Saúde da Família no estado.

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Jovens Urbanos: Comunicação Centrada na Educação Popular em Saúde

Benedito Dielcio Moreira 1

Maria Angélica dos Santos Spinelli 2

Apresentação

A oportunidade de um trabalho conjunto entre o Núcleo de Desenvolvimento em Saúde, do Instituto de Saúde Coletiva, e o Núcleo de Estudos de Comunicação, Infância e Juventude, do Departamento de Comunicação Social, ambos da Universidade Federal de Mato Grosso, permitiu a realização de um projeto denominado “Construindo tecnologias de comunicação social e educação popular com jovens e comunidades e com equipes de Saúde da Família”. Realizado em um bairro em Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, esse projeto visou compreender como se dão as trocas comunicacionais e a interação de saberes entre profissionais das equipes de saúde da família e os jovens.

A acima referida pesquisa teve por objetivo buscar elementos que pudessem contribuir para a construção de meios capazes de abordar a educação no trabalho de saúde de jovens, sob a perspectiva da educação popular, o que exigiu a aproximação de todos os sujeitos envolvidos neste processo, inclusive dos jovens, sempre distantes dos postos de saúde. Alguns dos resultados aqui apresentados3 respondem às seguintes questões: i. como os jovens se veem;

ii. quais peças de comunicação produziram nas oficinas de mídias; e

iii. quais foram os resultados das entrevistas realizadas com os jovens e os profissionais de saúde da equipe de saúde da família4.

1 Doutor em Educação. Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social – UFMT.

2 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Associada do Departamento de Saúde Coletiva – UFMT.

3 Pesquisa apoiada pelo Ministério da Saúde, no âmbito do Plano Diretor 2010-212 – Observatório de Recursos Humanos: Estação Trabalho Saúde Cidadania. NDS/ISC/UFMT.

4 Para a identificação das falas citadas no texto, utilizaram-se as iniciais (PS) para os profissionais de saúde e (J) para os jovens.

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O bairro pesquisado pertence a uma região pobre, é resultado de um processo de ocupação ilegal e está situado muito próximo da área central de Cuiabá. Conta com uma população de 2.358 habitantes, sendo 29,77% entre 10 e 24 anos. Ali residem 687 responsáveis por domicílios, com uma renda média mensal de R$ 742,29 (CUIABÁ, 2012). O seu urbanismo advém de uma área de invasão, apresenta ruas estreitas, muito lixo, calçadas esburacadas e saneamento básico deficiente. O bairro configura-se como uma ilha de população pobre, já que é cercado por uma região muito valorizada, com edifícios de classe média alta, situação essa que foi destacada pela entrevista com o agente de saúde PS4: “Você tá andando assim, parece que você tá numa favela, de repente você sai numa avenida grande, tipo Bosque da Saúde.”

Os grandes investimentos imobiliários ocorridos recentemente na área entorno levaram o poder público municipal a realizar o asfaltamento das vias estreitas do bairro, sem fazer nenhuma benfeitoria de infraestrutura, como alargamento das ruas, serviços de esgotamento sanitário, limpeza dos córregos, perpetuando, assim, as condições de risco. A valorização dos terrenos do bairro, em consequência de sua localização, tem provocado tanto a atração de novos moradores quanto a conhecida “expulsão branca”: venda do imóvel/terreno valorizado e aquisição de outro, em áreas mais distantes e pouco valorizadas.

Nas residências das famílias do bairro foram encontrados modernos aparelhos de televisão, computadores, cabos de Internet e, com os jovens, aparelhos celulares com acesso à Internet. Com isso, as questões contextuais que envolvem os seus moradores, como o consumo de mídias e a intervenção nas famílias por parte dos agentes de saúde com a proposta de educação para a saúde preventiva, formam um complexo de questões totalmente pertinente aos propósitos deste estudo. Em outros termos, estão integrados ao cotidiano dos moradores, as condições precárias dos habitantes do bairro, os perigos a que eles estão submetidos, o consumo midiático e as rotinas de visitas estabelecidas pelos agentes de saúde.

Comunicação, juventude e mídias

A aproximação do grupo desta pesquisa com os jovens de 12 a 16 anos ocorreu na escola municipal do bairro. Sob a condução de alunos do curso de Comunicação Social, foram ofertadas seis oficinas de mídias: rádio, TV, fotografias, publicidade, jornal e Internet. Familiarizar os jovens com o processo de produção de cada meio e proporcionar competências básicas para a elaboração de conteúdos foram os objetivos dessas oficinas.

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Como introdução a esses trabalhos foram realizadas atividades de sensibilização, cujo propósito era o de conhecer como os jovens percebem a saúde. Em uma destas atividades, foi-lhes solicitado a construção, sob a forma de linha do tempo, sobre o que significou para eles a saúde na infância (passado), o que significa na adolescência (presente) e a expectativa para a vida adulta (futuro)5. A execução desta atividade deu-se por meio de colagens de figuras em papel e foi feita por 45 adolescentes, divididos em quatro grupos.

Para retratar a infância, em representação do passado, os adolescentes recortaram e colaram figuras que mostravam crianças saudáveis, se divertindo, pensativas, fazendo caretas e poses e sorridentes: brincar muito, aprender, descobrir, se sujar, contar - ouvir estórias perfizeram as imagens de saúde da fase de criança, além de temas relacionados com a natureza.

Com base nas representações acima expostas, deduz-se que os jovens entendem que a criança deve ser cuidada, bem alimentada, (frutas, leite, legumes) e participar de muita brincadeira. Foram mostradas sempre com a presença da mãe e/ou da família em seu formato mais tradicional (pai, mãe e os filhos, às vezes, o cachorro).

Para a representação do momento atual, a adolescência, os recortes mostraram jovens com saúde, se divertindo, promovendo moda, praticando esportes, como: corrida, remo, ciclismo, natação - competições - momentos de desafios, sucesso - futebol, vôlei, basquete e natação. Foram apresentados, também, artistas de sucesso e jovens interagindo com jovens por meio de grupos de amigos, conversas e leituras. Também foram incluídas figuras de brinquedos, equipamentos sofisticados, cuidados com a pele, cabelos, com a beleza: Filtro solar, cremes e xampus. Destacam-se, ainda, as colagens de natureza com imagens de sustentabilidade, representadas por jardins, parques, árvores, flores, paz e amor!

No que se refere à alimentação as figuras representaram comida mais pesada, como macarrão, pizza, almôndegas, leguminosas o que indicou que são permitidos os abusos [...] mas, principalmente para as meninas, a norma é não engordar! Um grupo também apresentou carnes sob o formato de várias preparações, geleias, cogumelos e bebidas – champagnes - gastronomia!

Foi também incluída dentre as representações da adolescência e, com destaque, a Internet. Sobre o ficar conectado, os jovens disseram: “Além da conexão com amigos, com o mundo, pode-se também encontrar remédio para dor de cabeça e/ou, principalmente, resolver o trabalho escolar.” O amor, o namoro, o sonho - o casamento em grande estilo foram também nesta fase representados.

5 Essa atividade foi concebida e realizada com a participação do Grupo Popular de Saúde, professores da Escola Brasilis e do Departamento de Saúde Coletiva e alunos do Curso de Comunicação Social.

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O futuro desejado pelos jovens pesquisados é de terem vida adulta saudável. Para isso entendem que devem cuidar da saúde, consumir alimentação saudável com verduras, legumes, frutas, sucos e vitaminas, viver novas experiências ter uma profissão, se apaixonar, se casar, ter um bom carro, ser rico e feliz!

A velhice foi representada por casais saudáveis e homens reconhecidos publicamente como bem sucedidos, exemplificados por repórteres, artistas e intelectuais. Um grupo, laconicamente, representou respectivamente o passado, o presente e o futuro com estórias de princesas, o celular e o carro! Este futuro imaginado contrasta com a realidade do bairro, marcado pelas condições precárias de vida.

A considerar as condições do bairro para a vivência da infância, da adolescência e da vida adulta, as colagens marcaram mimeticamente6 o mundo projetado pelos meios de comunicação. Expressaram a infância como espaço da brincadeira, do aprendizado e do cuidado. A adolescência como o momento em que as expectativas se abrem em várias possibilidades de sucesso e poder. Reivindicam para si o que a sociedade de consumo, a mídia e os bairros de classe média alta do entorno estão a lhes oferecer ou a lhes demonstrar. As práticas de alimentação saudável, de exercícios e de esportes parecem expressar tanto a preocupação com a beleza quanto o cuidado com o corpo e com a saúde, aproximando-os da promoção da saúde.

A relação dos adolescentes, principalmente com as mídias eletrônicas e digitais, ganha maior importância quando encontramos nos conteúdos midiáticos os mesmos predicados que os jovens caracterizaram a adolescência e a juventude, a saber: energia, superação, beleza, liberdade, conquista, erotismo e sexo. Silverstone (2002) considera o erotismo, a poética e a persuasão tão relevantes na análise das mídias quanto a importância que atribuímos às tecnologias, ao consumo e à mediação. Em resumo, as mídias envolvem todo o nosso cotidiano.

As compreensões que os adolescentes formam acerca do seu tempo de adolescente, as leituras que apreendem do mundo à sua volta e o futuro que idealizam, para si mesmo e para a sua família, têm estreita relação com o consumo midiático que praticam e com a relação intersubjetiva que estabelecem com os seus atores midiáticos prediletos. Por isso não se pode ignorar os modelos midiáticos que circundam as andanças dos adolescentes pelas mídias.

6 Segundo Gebauer e Wulf (2004), ações miméticas significam “fazer o mundo mais uma vez” (p.14). Para estes autores, comportamento mimético não é a mera repetição, ou a existência de semelhança. Muito mais importante é a “produção de uma relação” (p.15), isto é, os componentes criativos, estéticos, sociais e culturais contidos no ato de apropriação humana.

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No ato de transitar entre ou intra-mídias, sabe-se que a escolha de um canal, de um filme, de uma página na Internet, por exemplo, é tanto um ato de formação quanto de identificação daquele que escolhe. Há na relação do jovem e de todos nós com os meios de comunicação um tratado comunicacional, um confronto de ideias e de afetos. Para Freire e Guimarães (1985), a comunicação é um encontro de sujeitos, ou seja, a comunicação é coparticipação.

Kerckhove (2009) entende que a leitura é uma experiência privada e pessoal, mas o uso da televisão e dos computadores remete esse leitor para a experiência coletiva, o que significa que o ponto de vista está de lado de fora do receptor, isto é, o discurso já vem formado. Para o mesmo autor (2009, p. 224), “enquanto assistimos a TV, se a nossa mente não divaga, se não tivermos um controle remoto à mão, as imagens da tela substituem as nossas.”

Por este pensamento, o controle remoto e a divagação são escapes da força das imagens construídas por produtores televisivos, à revelia de nossas próprias construções imagéticas. Explicando, quando estamos concentrados na TV, o que temos na mente são imagens vindas de fora, prontas, e, quando divagamos ou mudamos de canais, construímos, nós mesmos, as imagens que povoam a nossa imaginação.

A manifestação da adolescência mostra-se de diferentes formas, tem motivações sociais, culturais e biológicas. Se considerarmos o vasto campo comunicacional no qual o adolescente está inserido, estes enredamentos culturais assumem, em sua formação, influências determinantes. Neste sentido, olhar a adolescência a partir das referências midiáticas dos filmes, da publicidade, dos seriados, das telenovelas e dos clips musicais preferidos, significa assuntar a adolescência e a juventude pelos mesmos pontos de vistas externos que a envolve.

A adolescência é um período de passagem entre a infância e o mundo adulto. É um tempo de afirmação. As tecnologias digitais de informação e o entretenimento auxiliam, de modo acentuado, a superação, pelo adolescente, de seus limites. Disponibilizam espaços e conteúdos de aproximação do mundo adulto, ao mesmo tempo em que lhes dá as ferramentas necessárias para se desprender da família e fortalecer os seus laços sociais.

Por conta da grande quantidade de formatos e conteúdos de produtos midiáticos endereçados aos adolescentes e jovens, da ubiquidade das mídias e da facilidade de aquisição de dispositivos midiáticos de som, imagem e texto, especialmente os móveis, fizemos a opção de abordar os jovens da comunidade por meio de oficinas de capacitação de geração de conteúdo e compreensão do funcionamento de cada mídia. Este modelo permitiu tanto a discussão de uma visão crítica porque foi dado ao controlador o poder de escolha sobre o que pode e o que não pode veicular quanto permitiu, aos participantes, conhecimentos técnicos elementares de produção.

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Com a temática centrada na saúde, foram ofertadas oficinas de fotografia, jornal, propaganda, blog, rádio e televisão. Os participantes puderam escolher até duas oficinas, que foram ministradas em quatro finais de semanas consecutivos. Cada oficina gerou produtos distintos, cujos conteúdos foram decididos pelos próprios integrantes. A oficina de fotografia resultou em fotos relacionadas com o bem estar, respeito ao meio ambiente e sociabilização, entre outros aspectos inversos aos encontrados no cotidiano do bairro: esgoto a céu aberto, lixo nas ruas, córrego poluído e ausência de espaços comunitários e de praças.

Em outros termos, foram buscados ângulos que mostrassem como o bairro poderia ser. Faz-se necessário aqui destacar que, em outra comunidade7, com a qual idêntica oficina foi realizada, apesar de ser dotada de mais espaços de socialização e de natureza exuberante, as fotos registradas mostraram os sintomas de doenças, como precariedade do hospital local, detritos às margens de córregos e lagoas, lixo amontoado nas ruas à espera da coleta, entre outros.

Na oficina de estudo e elaboração de jornal, os alunos do curso de Comunicação Social apresentaram algumas características básicas de um texto jornalístico e critérios que devem ser seguidos no processo de apuração da informação. Com o conhecimento das técnicas mais elementares à mão, os participantes criaram o nome do jornal, definiram as pautas de entrevistas e de fotos e dividiram as responsabilidades. Uma vez produzidos, os textos foram editados e realizadas a revisão gramatical, a avaliação da informação, a escolha das fotos e a ocupação dos espaços conforme a importância atribuída à notícia e à redação dos títulos. Nesta atividade, os jovens puderam perceber que a edição não é tão somente uma ação técnica, mas um ato de escolha e político, norteado tanto por aspectos técnicos quanto pelas intenções dos redatores. Como resultado, o jornal foi usado pelos alunos para trazer denúncias do abandono do bairro, valorização de moradores, história da comunidade e textos de orientação para a prevenção à saúde.

As demais oficinas, de rádio, televisão, blog e publicidade, foram dedicadas à geração de produtos midiáticos educativos. As peças publicitárias, por exemplo, mostraram jovens em situação de contestação aos conselhos dos pais, as consequências deste gesto para a saúde e o reconhecimento do valor dos ensinamentos de prevenção.

Os blogs foram construídos com foco na prevenção e os programas de televisão e rádio foram montados com notícias sobre problemas de saúde e entrevistas com médicos, enfermeiros, agentes de saúde, professores e monitores envolvidos

7 Projeto semelhante foi desenvolvido pela mesma equipe junto aos jovens pertencentes a duas Unidades da Saúde da Família do município de Nossa Senhora do Livramento, em Mato Grosso.

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com as oficinas. Neste conjunto de oficinas, foi possível perceber que os jovens atribuem importância à educação preventiva em saúde, mas não participam deste esforço. Sobre este paradoxo, duas constatações se mostraram relevantes: as mensagens publicitárias oficiais não conseguem alcançá-los e, ao mesmo tempo, eles entendem que os profissionais de saúde são agentes curativos.

De modo geral, nestas oficinas os jovens experimentaram e relacionaram, com temas de saúde, as questões cotidianas vividas por eles. Foram atividades lúdicas, pelas quais os jovens estabeleceram o diálogo com os alunos do curso de Comunicação, e assim fizeram a conexão entre as duas áreas, saúde e comunicação, em suas especificidades: o que veicular e como fazê-lo. Registra-se que, em todas as oficinas, definiram os conteúdos e suas apresentações.

Embora breve e insuficiente para a reconstrução de novas atitudes, a experiência de oficinas conferiu, aos participantes, o caráter protagonista naquelas produções, o que podemos considerá-las como indicativa de caminhos para a educação popular em saúde, a possibilitar novos diálogos e a favorecer o surgimento de elementos que possam vir a ter sentido no cotidiano daqueles jovens.

A seguir, trazemos algumas falas desses jovens, que foram corrigidas gramaticalmente e omitidas a procedência. Sobre a vivência nas oficinas, as jovens e adolescentes entenderam-nas como uma oportunidade que lhes foi dada para fazerem algo que gostam muito.

“Ah, eu amei. Eu adoro comunicação!” Esta foi a afirmação da jovem J1 sobre as oficinas de fotografia e jornal, percebidas por esta entrevistada, como oportunidade de se expressar, de escrever e de ter autoria! E sobre a oficina de fotografia a mesma jovem J1 afirmou: “eu aprendi [...] a olhar além da foto, olhar assim, os detalhes, os contrastes, essas coisas.”

Nas oficinas, as discussões fortaleceram aspectos da promoção à saúde, como alimentação, cuidados com o volume dos fones de ouvido, entre outros, conforme mostra a opinião da entrevistada J2:

Achei muito interessante, porque isso interessa aos alunos, a se cuidarem mais, a se preservar mais com a saúde. [...] Agora, assim, que abriu a minha mente, agora eu posso falar que eu tenho uma opinião formada, um elogio [incerto] para fazer sobre a saúde.

As adolescentes disseram nas entrevistas que gostam da Escola, de seus professores e, principalmente, do grupo de amigos. A escola ocupa a centralidade no cotidiano das meninas, com aulas pela manhã e revisão das matérias à tarde.

Os mundos infanto-juvenis estão completamente ocupados pelas tecnologias de informação e de entretenimento. Pesquisas de 2012 mostraram

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que 60% dos jovens entre 18 e 25 anos utilizam mais de um meio de comunicação ao mesmo tempo, 76% são internautas, 92% estão nas redes sociais e 94% possuem telefone celular8, quase a totalidade tem televisão e, destes, 41% possuem, em suas casas, TV a cabo.

Com a presença determinante das mídias eletrônicas e digitais no cotidiano dos jovens, os universos simbólicos acessados tornam-se, no entendimento de Baacke (2003, p. 257), parte “genuína” da realidade. Disso decorre o que Babin e Kouloumdjian (1989) já advogaram nos anos de 1980: a presença do audiovisual e dos computadores geraram novos modos de compreensão.

Apesar da presença massiva dos meios tecnológicos entre os jovens, isso, por si só, não significa inclusão digital, nem condições de utilização plena das oportunidades disponíveis no mundo virtual. Explicando, este estudo considera como excluído socialmente o indivíduo que não participa dos bens materiais e simbólicos gerados pela sociedade em que vive.

Demo (2005) critica o modelo vigente, que estende o limite da inclusão social até à fronteira da exclusão. Em outros termos, ter um smarthphone com acesso à Internet não altera a condição concreta de um jovem excluído socialmente, assim como sua matrícula na escola não assegura o seu letramento.

Em 2003, o estudo da ONU9 levantou a existência de uma população de 1,2 bilhões de jovens entre 10 e 29 anos. Destes, 87% vivem em países periféricos e pobres. Isso remete para a hipótese de que aparatos tecnológicos disponíveis a todos, como pregam as leis de mercado, são usufruídos de modo desigual. Os estudos de Mead (1971), na década de 1960, já apontavam que enquanto os astronautas norte-americanos pisavam na Lua, os nativos de Nova Guiné não sabiam contar.

É importante destacar que os responsáveis por canais comunicativos sejam eles dos meios de comunicação de massa, como as TVs e rádios, ou dos meios digitais, como os responsáveis por portais, por blogs, páginas e perfis nas redes sociais, tomam decisões sobre o que publicar e o que aceitar como conteúdo sob sua responsabilidade. Esta tarefa exige-lhes escolhas de ordem técnica, ética e ideológica.

Quando o meio é um negócio e o conteúdo a mercadoria colocada à venda, fatores econômicos e financeiros influem nas escolhas. Castells (2001) chama estes pontos de convergência de audiência de “nós”, de conectores, de centrais

8 Ver pesquisa IBOPE/YOUPIX, disponível no endereço http://www.youpix.com.br/festival/8-revelacoes-sobre-o-comportamento-do-jovem-digital-segundo-o-ibope/

9 Disponível nos endereços www.onu.org ou www.unfpa.org.

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de filtros: são os gatekeepers 10 da informação. O jovem iniciante nas tecnologias eletrônicas e digitais trafega por estes “nós” e compartilha conteúdos cuja escolha do que veicular ou informar independe de sua vontade ou até mesmo de seu entendimento. Se para os adultos escolarizados relacionar fatos dispersos, veiculados segundo critérios técnicos, ideológicos e de crenças não é uma tarefa simples, mais difícil fica para o jovem e o adolescente essa tarefa.

A complexidade do campo da comunicação, em especial das mídias, requer o entendimento de que, na interface com a saúde, os limites não são claros nem delimitados. Conforme já discutiu Araújo e Cardoso (2007), a comunicação não pode ser pensada como um instrumento que a saúde lança mão para melhor executar a sua tarefa. Na interface, ambas são contextuais. Comunicação e saúde exigem, na relação com a população, sensibilidade e sabedoria para ouvir e falar. É sabido, por exemplo, a importância que desfruta, entre os adolescentes e jovens, as séries televisivas, os filmes, jogos eletrônicos e as redes sociais. Nestes programas e meios, a saúde inexiste enquanto interface, pelo menos a saúde propositiva, voltada para a atenção integral. Ao contrário, habitam nessas narrativas midiáticas, circunstâncias potencializadoras de riscos à saúde (RANGEL-S, 2007), como o consumo de bebidas, de drogas, de alimentos industrializados e indutores da obesidade, entre outros.

Ragel-s (2007) também critica os critérios sensacionalistas que norteiam tanto as escolhas dos acontecimentos a serem veiculados quanto o modo como os conteúdos são apresentados. De fato, ao construir uma informação de modo a dar um sentido espetacular, este modelo acaba por realçar, o que Alsina (1989) chama de metacomunicação, o que torna os elementos constituidores do espetáculo mais relevantes do que o próprio acontecimento gerador da notícia. Neste sentido, a própria informação assume sua faceta de mercadoria, consumível e perecível.

Neste cenário, informações úteis à promoção da saúde, igualmente espetacularizadas, perdem a sua força educativa. Por isso, concordamos com Uranga, Femia e Díaz (2002), quando defendem que na interface comunicação e saúde a informação não pode prescindir das lógicas que orientam o processo de ensino-aprendizagem. Para estes autores, comunicação e saúde são geradores de processos de “aprendizagem social” e pedem sempre a mediação pedagógica.

10 Entre as centenas e milhares de informações prontas para divulgação até a publicação propriamente dita de uma pequena parcela há inúmeros “portões”, cujos responsáveis – pauteiros, produtores, repórteres e editores, os Gatekeepers, decidem o que deve e o que não deve ser publicado.

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Educação e saúde

Como visto anteriormente, no que tange à adolescência, sua definição não é unânime, constitui uma fase transitória, mutante. No Brasil, o Estatuto da Criança e Adolescente considera como adolescência, o período compreendido entre 12 e 18 anos (Lei 8069/90). Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) delimita a adolescência entre 10 e 19 anos e, a juventude, o período que abrange dos 15 aos 24 anos11.

A adolescência é um período marcado por crises de identidade, que contribuem para atingir o autoconhecimento, o amadurecimento individual e o desenvolvimento de valores próprios, que acontecem em tempo paralelo à maturação sexual e reprodutiva (SOUSA; MARTINS; GIACOMASSA, 2011). As dimensões biológicas da adolescência (crescimento, maturação sexual) encontram-se intimamente relacionadas aos processos psicológicos de afirmação e de identidade inseridos em um contexto social, econômico e cultural definidores das oportunidades de educação e de trabalho na nossa sociedade. A adolescência envolve importantes transformações físicas e psicológicas, articuladas ao redirecionamento de identidades e de papéis sociais (AYRES, FRANÇA JÚNIOR, 2000).

O Ministério da Saúde (MS) define o jovem beneficiário dos serviços de saúde, aquele de idade entre 10 e 24 anos, com vivência da sexualidade e saúde reprodutiva (MS, 2006). O Programa Saúde do Adolescente, criado pelo Ministério da Saúde em 1989, fundamenta-se na promoção da saúde, práticas educativas e participativas que devem permear o conjunto das ações voltadas para o jovem. A atenção integral à saúde, nessa faixa etária, requer a relação intersetorial com a cultura, esporte e lazer, apoiados nos princípios da cidadania (SOUSA; MARTINS; GIACOMASSA, 2011).

Os limites etários de quando começa a juventude e termina a infância, ou mesmo quando começa a idade adulta, trazem imprecisões que exigem reflexões mais próximas do universo midiático, apesar dos esforços dos órgãos, que representam estes públicos, para estabelecer as fronteiras legais. Não se fala mais em juventude, mas em juventudes, no plural.

Gouveia (2000), Prout (2002), Rocheblave-Spenlé (1995), entre outros, entendem que tanto a infância quanto a juventude e a adolescência são construções sociais, o que nos remete para a importância dos contextos

11 Considerando que as diferenças etárias entre o jovem e o adolescente, conforme definição do OMS, não eliminam as condições de vulnerabilidades dos grupos, utilizamos neste trabalho as duas denominações indistintamente.

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histórico-culturais, conforme pensam autores como Luria (1992), Vygotski (1996; 2001; 2002) e Leontiev (2004).

Encontramos nas comunidades com as quais já trabalhamos adolescentes mães com 15 anos, vivendo como mulheres de idade adulta. Como já dito por Moreira (2008): “Um jovem-adulto vivendo sua infância é tão contraditório em sua lógica quanto verdadeiro em suas circunstâncias.” A adolescência envolve, então, importantes transformações físicas e psicológicas, articuladas ao redirecionamento de identidades e de papéis sociais (AYRES; FRANÇA JUNIOR, 2000, p. 68).

Os resultados obtidos das entrevistas feitas com os profissionais da equipe de saúde da família do bairro pesquisado nos permitem apreender não só como se dá a presença dos jovens e adolescentes nas unidades de saúde, a receptividade e a importância atribuída aos agentes de saúde, mas também como é precária a comunicação entre os agentes de saúde e os jovens.

De fato, a relação dos profissionais de saúde com os jovens é eventual. Os agentes comunitários de saúde não têm, em geral, contato com os jovens nas visitas domiciliares, conforme mostra o depoimento da agente PS2: “eles não são muito de se abrir”. Segundo a mesma agente, “[...] é muito difícil o jovem vir na unidade de saúde, só quando está ruim mesmo”. Nesta situação, as informações a respeito deles são transmitidas pelos pais e, especialmente pela mãe.

A sexualidade não é abordada entre mães e filhos, conforme relata o depoimento da agente PS1, que não concorda com essa situação: “Deveria partir da própria mãe, de ter a liberdade com os filhos, de admitir que seu filho, ou filha, iniciou a atividade sexual, [...] mas (a mãe) continua achando que tem uma menininha em casa. Poucas mães têm essa liberdade com suas filhas.”

Também os jovens não conversam com seus pais sobre saúde, o que é explicado pela agente PS1, porque “provavelmente, devido ao trabalho; trabalhar exige ausentar da vida dos filhos.”

Uma das jovens entrevistadas, a J1, assim relata como a sua mãe percebe questões relacionadas à saúde: “quando surge uma doença nova, ela vem doida falar pra mim que aquela doença, meu Deus [...] que não era para fazer isso [...] ou aquilo.” Medo, apreensão/repressão e desejo de proteção confundem-se com a desconfiança, o que só dificulta a conversa entre os jovens e seus pais.

Mais do que a falta de tempo dos pais e a dificuldade de diálogos sobre a sexualidade entre pais e filhos, é a ambiguidade surgida na própria comunicação, um misto de desconfiança e proteção, que se aproxima do que

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Bateson (1991) chamou de duplo vínculo na comunicação, problema também discutido por Verón (2004). Em “Paradoxos da Comunicação Humana”, Wadislavick, Beavin e Jackson (2004) ressaltam como a ambiguidade promove distâncias e incompreensões.

Os jovens também não conversam sobre sexo com os profissionais de saúde. A sexualidade é abordada entre os colegas da mesma idade e o diálogo entre amigos é importante instrumento para a reflexão e o encaminhamento dos problemas por eles vivenciados.

Livros, filmes e outras atividades artísticas e educativas (debates e palestras) tendem a libertar e reforçar novos valores. O espaço entre o que os adolescentes e jovens podem fazer sozinhos e aquilo que potencialmente poderiam fazer com a ajuda de um adulto mais esclarecido, o que Vigotski (1996) chamou de “Zona de Desenvolvimento Proximal”, é ocupado com maior frequência pelos amigos do mesmo grupo e por atores midiáticos.

Para a agente PS1, o estabelecimento de diálogo dos agentes com os jovens exige investimentos em cursos para os agentes e a equipe de saúde. O treinamento oferecido aos agentes tem sido insuficiente para conseguir essa aproximação. Os profissionais de saúde reconhecem que o lugar ideal para esse treinamento e interação seria a escola, “onde ele (o jovem) se sente à vontade e está com a turma dele!” (PS1). Entre as atividades sugeridas pela agente PS1, comparecem a gincana, jogos e eventos com atividades educativas sobre sexualidade e de ajuda ao próximo, envolvendo todo o bairro.

Também há falta de continuidade de bons projetos na gestão da saúde da família, reconhece a agente PS1. Os profissionais de saúde pesquisados admitem também que a educação tradicional em saúde é unilateral, visa o repasse de informações de conteúdos biomédicos, traduzidos em regras de comportamentos. Este modelo se apresenta como insuficiente para atrair e envolver os jovens da comunidade em estudo.

Por certo, experiências de uma educação e saúde integral, como propõem Guimarães e Lima (2012), podem introduzir o debate de abordagens e alternativas à questão. Para os referidos autores, a educação em saúde requer uma construção compartilhada de abordagens entre os participantes, centradas em experiências e vivências que trazem do sentir o próprio corpo.

Para os autores Guimarães e Lima (2012, p. 898), os elementos “culturais, sociais e afetivos” são determinantes, “para que os sujeitos empreendam a construção do seu ser e modifiquem as relações sociais que influenciam a sua qualidade de vida.” O processo educativo passa a ser, então, o mediador entre as experiências individuais dos jovens e as relações com o mundo e são significativas para o desenvolvimento pessoal de cada um.

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A presença e uso de droga no bairro

O problema da drogadição foi abordado pelos profissionais de saúde, conforme mostra o depoimento de PS3: “[...] muitos (jovens) têm partido pro caminho (da droga e do crime), devido à ausência dos pais, por morte ou trabalho.”. Porém, esta dificuldade vem sempre acompanhada da vida desregrada do jovem, que dorme durante a manhã e convive com os amigos nos períodos da tarde e noite. A mesma agente acima referida explica essa situação com base no fato do jovem se sentir rejeitado e daí evitar o convívio com outras pessoas, ou seja, “não gostam de se expor”. Nesses casos, são as mães que tentam conversar com os filhos para convencê-los a buscar tratamento e ou internação, conforme mostra o depoimento de PS1. “Os pais, não vou falar todos, alguns até conversam, mas a maioria [...] [tende solucionar pela] expulsão de casa, já quer dar [o filho] como perdido mesmo.”

De fato, é visível na sociedade a presença de jovens nas ruas vitimizados pelo consumo de drogas e pela ausência de projetos sociais e de Estado direcionados para cuidar do cotidiano juvenil, com políticas centradas nas artes, na cultura e no aprendizado cidadão e profissional. Mais visível ainda é a presença de jovens envolvidos em crimes nas manchetes de jornais e no noticiário da televisão. Os agentes de saúde não só veem este problema do lado de dentro da casa das famílias afetadas, como se mostram impotentes e incapazes para estabelecer e encaminhar ações de saúde mais efetivas.

Por outro lado, ainda que isso fosse possível, ainda que o agente de saúde fosse treinado para lidar com este tipo problema, o que objetivamente não ocorre, e isso eles mesmos declaram, não há um processo que possa reverberar e potencializar ações preventivas e recuperadoras. O que atualmente existe, para amenizar essas questões, são ações isoladas, compartimentalizadas, geralmente encabeçadas por entidades não governamentais e religiosas.

Ayres e França Júnior (2000) chamam atenção para os índices de mortes evitáveis e para os quadros mal definidos dos atestados de óbitos dos adolescentes, que indicam a baixa qualidade da assistência à saúde desse grupo, agravada pela suscetibilidade às drogas, à gravidez precoce e ao avanço da infecção do HIV. Os altos índices de violência que permeiam os nossos centros urbanos têm nos jovens, pobres e negros, principalmente os das periferias, suas vítimas mais frequentes.

Fichtner (2013) busca, em três pensadores, o caráter perverso da tipificação de jovens e adolescentes. Para este autor, a importância dada pela sociedade à delinquência juvenil esconde que a prática da violência tem diferentes indutores, aos quais os jovens “são submetidos a diversas formas de violência social, institucional e pessoal” (FICHTNER, 2013, p. 81).

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Os jovens do Canjica, como de toda a cidade de Cuiabá, não contam com espaços de socialização e de cultura, de ofertas de assistência social, psicológica e de introdução às artes e ao esporte. A falta de estrutura técnica do Estado para atender ao jovem no cotidiano de sua caminhada rumo ao mundo adulto, a escassez do tempo presente e de recursos financeiros dos pais deixam-no, principalmente, à deriva do futuro e refém das drogas. Os estudos de Dollinger, Heitmeyer e Honneth, serviram de base para Fitcher (2013) analisar o caráter perverso da tipificação de jovens e adolescentes, descritos a seguir.

O primeiro pensamento discutido por Fichtner é a ideia de “punitividade” contida em Dollinger que a encontra nas seguintes esferas:i. institucional, na medida em que o Estado vê o jovem delinquente como

um problema policial;

ii. política, já que a voz dos jovens está excluída das decisões nacionais;

iii. nas mídias, porque é comum os jovens serem apresentados como delinquentes apesar de abrirem-lhes espaços de trabalhos e notícias; e

iv. no universo cultural, que entrega-lhes muito pouco do que lhes é oferecido.

Continuando a sua análise sobre o caráter perverso da tipificação dos jovens e adolescentes, Fitchner (2013, p. 85), agora com base no estudo “Teorema da Desintegração”, desenvolvido por Heitmeyer, destaca como o modelo de capital e de produção da sociedade atual gera a desintegração dos processos “institucional”, “pessoal” e “emocional”, promovendo, respectivamente, a dissolução da “participação ativa nas instituições sociais”, a dissolução de “relacionamentos com outras pessoas” e a dissolução “do entendimento sobre os valores e as normas comuns”.

Para Fichtner, então, a chave para o entendimento da violência entre os jovens está no interior das “estruturas dos mecanismos de socialização”. Um olhar mais atento para as comunidades fragilizadas pela ausência do Estado mostra mecanismos de socialização centrados na prática de diferentes tipos de violência.

Neste mesmo sentido e direção, Moreira (2009), em sua discussão sobre a “a periferia e a sociedade na era da Internet”, sustenta que a escolha dos jovens sobre o que ler, ouvir e ver tem estreitos vínculos com os relacionamentos sociais travados no mundo off-line. Se ao jovem de famílias mais pobres não lhe é concedido o acesso às boas escolas, à prática de esportes e aos bens culturais gerados na sociedade, então não lhe pode ser possível o reconhecimento social.

Como terceiro pensamento utilizado em sua análise sobre o caráter perverso da tipificação dos jovens e adolescentes Fichtner discute a questão da importância da aceitação, da estima social para a formação plena de uma pessoa.

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Para isso, busca na “Teoria da Falta de Reconhecimento”, do filósofo Axel Honneth, as noções de respeito e desrespeito. Explicando, apoio emocional, solidariedade e direito ao reconhecimento formam o que Honneth considera respeito. Como desrespeito, comparecem a agressão, a “exclusão social como privação de direitos e desvalorização de formas de vidas”.

De fato, no consumo de drogas entre os jovens esta pesquisa encontrou a falta de reconhecimento, a punitividade e a desintegração de todos os processos que deveriam estar a serviço da formação do jovem. Respostas a este modelo perverso e excludente não faltam e são conhecidas. Por exemplo, as políticas sociais integradas poderiam ser um passo para resolver esse modelo, como pensa um agente de saúde PS3 e conseguir melhorar a renda, os salários, de forma dar condições de:

só o pai trabalhar e a mãe cuidar dos filhos, porque os filhos estão muito jogados, (com) mãe e pai trabalhando [...]; não sabem do próprio filho [...], então um salário mais justo, [...] lá na frente ele ia ter retorno, porque não iria ter jovem viciado, [...], não ia ter jovem internado, não ia ter tantos no presídio.

Segundo passo para resolver a questão da saúde dos jovens, foi retirado do depoimento de E3 que recomenda o sistema de:

educação integral, pra ficar de manhã e a tarde num colégio que desse estrutura pra ele ter atividades físicas, ter lazer, recreação [...]; assim se estaria garantindo vida digna aos jovens, eles não seriam problema. E a saúde da família cuidaria “mais da meia-idade, terceira idade, segunda idade”.

Considerações Finais

A experiência pesquisa/intervenção de oficinas de mídia com os jovens possibilitou a discussão crítica dos temas elaborados e veiculados nos diferentes meios mediáticos e a relação destes com a representação que os jovens têm sobre a saúde. O mundo real do lúdico, do cuidado e da liberdade e também o idealizado, projetado pela sociedade de consumo e propagado nos meios de comunicação, cujas práticas de prevenção da saúde vinculam-se ao ideal de beleza e sucesso perfazem a representação de como os jovens compreendem a questão da saúde apresentada em conformidade o solicitado por esta pesquisa, segundo a linha tempo de vida de cada um.

Entendendo a adolescência como tempo de passagem, é inegável a influência exercida pelas tecnologias que ampliam a visão de mundo dos jovens pesquisado e os aproximam do mundo adulto. No entanto, o uso das

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tecnologias virtuais é insuficiente para ser considerado uma real inclusão digital, dado o acesso limitado que esses jovens têm em relação aos bens materiais, culturais e simbólicos produzidos socialmente. No entanto, importa ressaltar que quando deles usufruem, o fazem de maneira intensa.

Foram diferentes os enfoques dos trabalhos produzidos nas oficinas. Nas de fotografias, os ângulos escolhidos mostraram o que o bairro poderia ser e não como o bairro é. Na oficina de edição de jornal, os jovens realçaram a dimensão política da escolha dos temas a serem veiculados, a valorização da comunidade, a denúncia do abandono do bairro e orientações de prevenção a saúde. Nas oficinas de blogs, rádio, TV e publicidade, os jovens destacaram as peças educativas, as entrevistas com profissionais da saúde e educação e, em algumas das produções, foram representadas a contestação às normas e aos conselhos familiares.

Embora as oficinas tenham sido insuficientes para fazerem mudanças profundas de atitudes, essa experiência assumiu os jovens como protagonistas daquelas produções, condição esta que os mobiliza para práticas educativas no campo da saúde e favorece diálogos e experiências relacionados com o cotidiano de cada um.

Os dados levantados por esta pesquisa também mostraram que: i. a atenção à saúde dos jovens e adolescentes na unidade saúde da família

tem se restringido ao momento da doença;

ii. a relação entre o jovem e o adulto é limitada na medida em que inexiste com os profissionais de saúde; é distante e impregnada de desconfianças com os pais e temas caros aos adolescentes como a sexualidade não são abordados;

iii. os profissionais de saúde reconhecem que não estão preparados para lidar/dialogar com o jovem ou oferecer práticas de educação e saúde mais eficazes.

iv. a questão da drogadição merece atenção especial do governo já que os familiares e profissionais de saúde sentem-se impotentes frente à complexidade deste problema. Altos índices de violência vitimizam principalmente os jovens pobres e

negros das periferias, uma expressão dessa tragédia. Segundo Fichtner (2013) a violência juvenil está vinculada às estruturas

de socialização da criança e do adolescente e está muito presente nos bairros periféricos, pela ausência ou insuficiência do acesso a serviços de qualidade que contemplem de forma integrada educação, cultura, esporte. Condição que se constitui em uma privação do direito a uma socialização digna e cidadã.

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Apesar de não ser suficiente, a escola comparece como o lócus inicial e principal dessa integração. Por qualquer ângulo de aproximação do problema depara-se com a complexidade e a exigência de uma iniciativa de tal porte.

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Maria Angélica dos Santos Spinelli

Nutricionista, professora associada do Instituto

de Saúde Coletiva da Universidade Federal

de Mato Grosso. Doutora em Saúde Coletiva

pelo Departamento de Medicina Preventiva e

Social da Faculdade de Medicina da Unicamp.

Foi Diretora do Instituto de Saúde Coletiva da

Universidade Federal de Mato Grosso.

Simone Carvalho Charbel

Assistente Social da Secretaria de Estado de

Saúde de Mato Grosso. Mestre em Saúde e

Ambiente pelo Instituto de Saúde Coletiva

da Universidade Federal de Mato Grosso.

Pesquisadora Associada do Núcleo de

Desenvolvimento em Saúde do Instituto de

Saúde Coletiva/UFMT.

Nina Rosa Ferreira Soares

Assistente Social e Sanitarista, pesquisadora

e supervisora do Núcleo de Desenvolvimento

em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva

da Universidade Federal de Mato Grosso.

Mestre em Educação pelo Instituto de

Educação/UFMT.

Fátima Aparecida Ticianel

Enfermeira e Sanitarista da Secretaria de

Estado de Saúde de Mato Grosso e da

Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá.

Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de

Saúde Coletiva da Universidade Federal

de Mato Grosso. Pesquisadora Associada

do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde

do Instituto de Saúde Coletiva/UFMT. Foi

Superintendente de Atenção Integral à

Saúde da SES/MT e Diretora de Atenção

Secundária da SMS/Cuiabá.

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Este livro, composto de 14 estudos, analisa temas relevantes

à gestão do trabalho e da educação na saúde em diferentes

contextos da realidade do SUS em Mato Grosso.

As distintas abordagens, apresentadas por autores da

Universidade Federal de Mato Grosso, da Escola Nacional

de Saúde Pública/Fiocruz e da Escola de Saúde Pública do Estado

de Mato Grosso, interessam aos profissionais e estudiosos da

área da saúde por contribuírem com o aperfeiçoamento

do Sistema Único de Saúde.

Escola de Saúde Pública Secretaria de Estado de Saúde

Governo do Estado de Mato Grosso

ISBN 978-85-327-0538-9 (e-book)