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SAÚDE MENTAL PARA MÉDICOS E ENFERMEIROS QUE ATUAM NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: UMA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO EM SERVIÇO 1 Alexandre de Araújo Pereira Psiquiatra. Referência Técnica de Saúde Mental de Betim, MG. Mestre em Educação Médica pela Escola Nacional de Saúde Pública de Cuba. [email protected] Resumo: Por meio de uma revisão da literatura nacional e internacional sobre a formação em saúde mental dirigida para médicos e enfermeiros que atuam na atenção primária, o autor procura identificar referenciais pedagógicos que norteiem metodologicamente a formação em saúde mental para essas duas categorias profissionais no âmbito da atenção primaria em saúde no Brasil. Além disso, com base nas informações coletadas, aponta diretrizes práticas de interlocução entre as equipes da rede básica de saúde e os profissionais de saúde mental, de acordo com um enfoque docente-assistencial. Palavras-chave: saúde mental, atenção primária, educação continuada Abstract: From reviewing the national and international literature on mental health educational programs built up to primary care family doctors and nurses, the author seeks to identify pedagogical references that could help to improve local educational programs for these professionals in Brazil. Besides, from the information collected, the author points out guidelines that could enhance partnership between primary care teams and mental health personnel within a teaching-assistance framework. Key words: mental health, primary care, continuing education Introdução 1 O texto aqui reproduzido é uma adaptação de parte do capítulo II da dissertação de mestrado em educação médica intitulada “Propuesta educativa en salud mental para médicos y enfermeros de la atención primaria en Sobral, CE, Brasil”, defendida na Escola Nacional de Saúde Pública de Cuba, Havana, em abril de 2006.

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Page 1: SAÚDE MENTAL PARA MÉDICOS E ENFERMEIROS QUE … · de pesquisadores desta instituição, coordenado pela professora Linda Gask, trabalha em conjunto com o Instituto de Psiquiatria

SAÚDE MENTAL PARA MÉDICOS E ENFERMEIROS QUE ATUAM NO

PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA:

UMA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO EM SERVIÇO1

Alexandre de Araújo Pereira

Psiquiatra. Referência Técnica de Saúde Mental de Betim, MG. Mestre em Educação Médica pela Escola Nacional de Saúde Pública de Cuba.

[email protected]

Resumo: Por meio de uma revisão da literatura nacional e internacional sobre a formação em saúde mental dirigida para médicos e enfermeiros que atuam na atenção primária, o autor procura identificar referenciais pedagógicos que norteiem metodologicamente a formação em saúde mental para essas duas categorias profissionais no âmbito da atenção primaria em saúde no Brasil. Além disso, com base nas informações coletadas, aponta diretrizes práticas de interlocução entre as equipes da rede básica de saúde e os profissionais de saúde mental, de acordo com um enfoque docente-assistencial. Palavras-chave: saúde mental, atenção primária, educação continuada Abstract: From reviewing the national and international literature on mental health educational programs built up to primary care family doctors and nurses, the author seeks to identify pedagogical references that could help to improve local educational programs for these professionals in Brazil. Besides, from the information collected, the author points out guidelines that could enhance partnership between primary care teams and mental health personnel within a teaching-assistance framework. Key words: mental health, primary care, continuing education

Introdução

1 O texto aqui reproduzido é uma adaptação de parte do capítulo II da dissertação de mestrado em educação médica intitulada “Propuesta educativa en salud mental para médicos y enfermeros de la atención primaria en Sobral, CE, Brasil”, defendida na Escola Nacional de Saúde Pública de Cuba, Havana, em abril de 2006.

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Na última década, o Programa de Saúde da Família (PSF) e o movimento da

Reforma psiquiátrica Brasileira têm trazido contribuições importantes para a reformulação

da atenção em saúde no país. Ambos defendem os princípios básicos do Sistema Único de

Saúde (SUS) e propõem uma mudança radical no modelo de assistência à saúde,

privilegiando a descentralização e a abordagem comunitária/familiar, em detrimento do

modelo tradicional, centralizador e voltado para o hospital. Essas políticas assistenciais

vêm trazendo grandes avanços no processo de municipalização da saúde e têm contribuído

para a transformação do modelo assistencial vigente em

nosso país.

O acúmulo de experiências tem nos feito acreditar que a articulação de uma rede

diversificada de serviços de saúde mental com a incorporação de ações de saúde

mental na atenção primária poderá contribuir para acelerar o processo da Reforma

psiquiátrica brasileira. A principal razão dessa aceleração é uma melhor cobertura

assistencial aos agravos mentais, os quais, historicamente, sempre tiveram grande

dificuldade para entrar no circuito de atenção à saúde no âmbito do SUS (Organização

Mundial de Saúde, 2001).

É bom lembrar que no Brasil, embora tenham sido criados, até maio de 2006, mais

de oitocentos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o número de serviços e de

profissionais de saúde mental capacitados para atender à população brasileira ainda

é insuficiente. Além disso, a alta prevalência dos episódios de adoecimento psíquico no

âmbito da atenção primária sugere que não é apropriado que serviços especializados sejam

os únicos destinados a responder por essa demanda (FORTES, 2004).

Nesse sentido, a capacitação em saúde mental de profissionais de saúde que atuam

na atenção primária e, em particular, no PSF se mostra de grande relevância. O próprio

Ministério da Saúde admite que a organização de uma política de formação de recursos

humanos na área de saúde mental é crucial para a consolidação da Reforma psiquiátrica

brasileira. A maioria dos profissionais de formação psi se encontra nos centros urbanos

maiores; os programas de capacitação formal são raros e concentrados geograficamente;

não há mecanismos de supervisão continuada ou de fixação de psiquiatras no interior; não

existe oferta de cuidados para situações clínicas mais graves

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e, por isso, esses usuários são encaminhados para internações nos grandes centros, onde,

em geral, estão concentrados os hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2002).

No âmbito da formação em saúde mental de profissionais da saúde, especialmente

médicos e enfermeiros, as universidades têm mostrado pouca ênfase nessa temática. A

carga horária curricular destinada a disciplinas de saúde mental dos cursos de graduação e

pós-graduação é não raro insatisfatória, de cunho predominantemente teórico, sem a oferta

de estágios práticos com supervisão adequada, sob o predomínio do modelo biomédico e

centrada no atendimento hospitalar, em detrimento dos aspectos psicossociais e

comunitários.

Três pesquisas recentes voltadas para o exame das ações de saúde mental por parte

de equipes do PSF no Estado do Ceará (BESSA, 2004; DOMÍCIO, 2003; COSTA, 2002) e

outras duas pesquisas conduzidas no Sudeste do país (SILVEIRA, 2003; SILVEIRA, 2001)

deixaram clara a necessidade de capacitação em saúde mental por parte desses profissionais

de saúde. Embora o chamado apoio matricial2 tenha sido definido pelo Ministério da Saúde

como forma privilegiada de interação entre os serviços especializados de saúde mental e as

equipes de atenção primária, não houve, até agora, a preocupação de estabelecer diretrizes

claras para a organização do processo de formação em saúde mental de médicos e

enfermeiros que atuam no PSF. O presente artigo pretende contribuir com o tema a partir

dos seguintes objetivos centrais: a) apresentar uma revisão da literatura nacional e

internacional sobre a formação em saúde mental dirigida para médicos e enfermeiros que

atuam na atenção primária; b) identificar um referencial pedagógico e de organização do

processo de formação em saúde mental para essas duas categorias profissionais que sejam

compatíveis ao PSF; e c) propor diretrizes práticas de interlocução entre as equipes do PSF

e profissionais de saúde mental com enfoque docente-assistencial.

2 O apoio matricial constitui um arranjo organizacional que visa outorgar suporte técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde para a população. Nesse arranjo, profissionais de uma área da saúde compartilham alguns casos com a equipe de saúde local (no caso, as equipes do PSF de um dado território). Esse compartilhamento se produz em forma de co-responsabilização pelos casos, podendo ser efetivada por intermédio de discussões e intervenções conjuntas junto às famílias e comunidades, ou em atendimentos conjuntos. A responsabilização compartilhada dos casos exclui a lógica do encaminhamento, pois visa aumentar a capacidade resolutiva dos problemas de saúde pela equipe local, estimulando a interdisciplinaridade e a aquisição de novas competências para a atuação em saúde (Brasil, 2004b).

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Estratégias educativas dirigidas para os profissionais médicos

Embora muitos países do mundo já tenham adotado a atenção primária como

estratégia-chave na organização de seu sistema de saúde, alguns vêm se destacando, mais

recentemente, na condução de estudos que articulam estratégias assistenciais e educacionais

com enfoque na saúde mental. Nessa esfera do conhecimento, países como Canadá

(BERTSON e outros, 2005; ROCKAM e outros, 2004; CRAVEN e outros, 1997), Austrália

(MURRIHY & BYRNE, 2005; HODGINS e outros, 2005; JUDD e outros, 2004; WILSON

& HOWELL, 2004) e Chile (MUÑOZ e outros, 1998; LONG, 1997; MARCONI, 1997)

têm contribuído de forma valiosa.

A Inglaterra, por sua vez, há mais de vinteanos tem se consolidado como o local de

maior tradição de pesquisa em estratégias educacionais em saúde mental dirigidas para a

atenção primária. O primeiro estudo mais aprofundado sobre o tema foi publicado

na década de 1980 pelos professores Goldberg e Huxley (1980), vinculados ao Instituto de

Psiquiatria de Londres. Outros trabalhos identificaram que aspectos da personalidade dos

clínicos gerais, bem como sua habilidade na condução da entrevista clínica eram fatores

determinantes na capacidade de esses clínicos identificarem distúrbios emocionais em seus

pacientes (GOLDBERG, STEELE & SMITH, 1980; GOLDBERG e outros, 1980)3. Pouco

antes, Maguire, Roe & Goldberg (1978) já haviam demonstrado que a utilização de técnicas

de áudio e vídeo feedback, quando os próprios alunos conduziam entrevistas médicas com

seus pacientes e depois analisavam o material gravado em grupo, era mais eficaz que aulas

expositivas no desenvolvimento de habilidades em entrevistar os pacientes. Essas técnicas,

então, foram aprimoradas ao longo dos anos e passaram a ser utilizadas com sucesso no

desenvolvimento de habilidades para a abordagem de problemas específicos de saúde

mental na atenção primária, como síndrome da fadiga crônica, psicoses, demências,

depressão e somatizações (GOLDBERG, GASK & SARTORIUS, 2001).

3 Os dez aspectos da entrevista clínica relacionados à habilidade em identificar problemas emocionais nos pacientes são: estabelecer bom contato olho no olho; clarificar as queixas atuais; usar questões diretivas na pesquisa de queixas físicas; começar com questões mais amplas e abertas; em seguida, utilizar perguntas mais fechadas; fazer comentários empáticos; estar atento às dicas verbais e não verbais dos pacientes; não ler enquanto estiver entrevistando o paciente; saber lidar com o paciente que fala demais e explorar problemas emocionais. Cf. Goldberg, Steele & Smith (1980) e Goldberg, Steele, Smith & Spivey (1980).

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Outro centro de grande importância na pesquisa educacional em saúde mental para a

atenção primária é o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester. O grupo

de pesquisadores desta instituição, coordenado pela professora Linda Gask, trabalha em

conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiência na condução,

bem como na avaliação de cursos de saúde mental direcionados para profissionais da

atenção primária (EVANS e outros, 2001; RATCLIFFE e outros, 1999; GASK, 1992;

GASK e outros, 1988). Na oficina oferecida para médicos de família, que ocorre duas vezes

por ano, com aulas semanais de um ou dois turnos, por um período de oito semanas,

defende-se o emprego de múltiplas técnicas de aprendizagem: a) conferências breves com

apresentação de slides sobre modelos de consulta médica; b) discussão de casos clínicos

reais ou previamente preparados em grupo; c) apresentação de modelos de abordagem de

situações clínicas com enfoque em determinadas habilidades a partir da apresentação de

vídeo; d) exercícios de role-play por parte dos alunos para treinar uma habilidade específica

a ser desenvolvida; e e) vídeo feedback em pequenos grupos, tendo como base a utilização

de vídeos trazidos pelos próprios alunos com pacientes reais, produzidos durante a oficina

de role-play e executado pelos alunos, ou através da participação de atores como pacientes

(GASK, 1999).

O principal objetivo desse curso é oferecer ao médico de família referências

conceituais e práticas sobre sua atuação no nível primário de saúde, e não o que o

especialista deveria fazer se o paciente fosse encaminhado para o nível secundário de

assistência. Seu conteúdo foi organizado da seguinte forma: introdução aos problemas

mentais na comunidade; problemas dos idosos; problemas em crianças e adultos jovens;

detecção e manejo da depressão; apresentação física de problemas psicológicos; problemas

com álcool e drogas; manejo de transtornos mentais severos; transtornos de personalidade;

problemas sexuais e tratamento comportamental na atenção primária.

Há consenso entre os pesquisadores britânicos de que os clínicos gerais desse país

têm fácil acesso aos conhecimentos produzidos na área da saúde mental, mas lhes faltam

habilidades clínicas para o manejo de transtornos mentais no âmbito das unidades de saúde

(GOLDBERG & GASK, 2002). As habilidades clínicas necessárias raramente são

ensinadas nos cursos de medicina e não são assimiláveis em conferências. Para que haja

aprendizado dessas habilidades, é necessário que sejam demonstradas e, posteriormente,

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exercitadas pelos alunos. Para facilitar a organização do processo ensino-aprendizagem,

recomenda-se dividir as habilidades em componentes mais simples, as chamadas micro-

habilidades, que serão identificadas e discutidas com os alunos. A experiência tem

demonstrado que o método mais poderoso na aquisição de habilidades clínicas em saúde

mental tem sido fornecer feedback aos médicos, a partir de áudio ou vídeo de suas próprias

entrevistas clínicas. A ênfase da atividade de ensino deve recair em uma análise das

técnicas de entrevista utilizadas pelo aluno, em vez de discutir os problemas clínicos do

paciente. Durante a projeção do material de vídeo, que é realizada em pequenos grupos, os

alunos podem interromper para fazer perguntas ou expressar suas opiniões de como abordar

determinada situação. Esses autores, todavia, salientam que assistir aos vídeos não garante

uma mudança de comportamento por parte dos alunos. É necessário que eles exercitem a

situação previamente trabalhada, utilizando suas próprias palavras. Um role-play é, então,

conduzido com a participação de dois ou três alunos. Um deles atua como médico, o outro

como paciente, e há a possibilidade de um terceiro participar como observador. Após um

exercício de cerca de trinta minutos, em que cada um dos participantes atua em papel

diferente, todos geram feedback para o grupo. Como a produção de vídeo pelos alunos pode

ser difícil, os centros de formação em saúde mental para a atenção primária no Reino

Unido, apoiados pela Associação Mundial de Psiquiatria, têm produzido vídeos que

retratam situações clínicas diversas e contam com a participação de clínicos gerais

verdadeiros e atores no lugar dos pacientes e familiares. Esse material é acompanhado de

slides, com a apresentação das micro-habilidades a serem observadas, além de instruções

para os tutores. Já que as fitas estão em língua inglesa, os autores sugerem que o material

seja utilizado como modelo para a produção de material original, podendo também ser

dublado ou receber legendas na língua dos alunos (GOLDBERG, GASK & SARTORIUS,

2001).

A percepção dos clínicos gerais sobre suas necessidades de aprendizado em saúde

mental foi foco de investigação de dois estudos britânicos. No estudo de Turtun, Tylee e

Kerry (1995), baseado em umaamostra aleatória de 190 clínicos gerais de 95 áreas

sanitárias diferentes no Reino Unido, os médicos afirmaram que suas maiores necessidades

de treinamento em saúde mental eram: conselho terapêutico psicodinâmico (25%), técnicas

de manejo de estresse (20,8%), técnicas cognitivas (15%), manejo das dependências

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químicas (13,3%), como ajudar os doentes mentais crônicos (10%), como e quando

prescrever psicofármacos (9,2%) e avaliação de risco de suicídio (7,5%). No estudo de

Kerwick, Jones & Mann (1997), enviou-se um questionário com uma proposta de

capacitação de 26 temas de saúde mental para 380 clínicos gerais de Londres. Desse total,

62% responderam. Os temas mais requisitados para treinamento foram: urgências

psiquiátricas, somatizações, conselho terapêutico, pacientes com problemas afetivos,

problemas psicosexuais e manejo de estresse. Cada um desses temas foi escolhido por ao

menos 40% dos médicos que responderam ao questionário. Observou-se que as demandas

de capacitação desses clínicos estão direcionadas para Transtornos Mentais Comuns4 e para

a aquisição de habilidades de manejo com o paciente de cunho predominantemente não

farmacológico.

Embora esses achados possam servir de referência para a definição de conteúdos de

capacitação para os profissionais da atenção primária nos locais onde as pesquisas foram

realizadas, é recomendável que estudos semelhantes sejam replicados em outros contextos

de formação médica e sanitária, a fim de promover a correta identificação das necessidades

de aprendizagem locais5.

Na perspectiva de produzir ferramentas adequadas a diferentes contextos, um

detalhado manual de saúde mental dirigido para equipes de atenção primária de países em

desenvolvimento foi publicado recentemente por Patel (2003). Esse manual define

diretrizes para o diagnóstico e tratamento de transtornos mentais, bem como para a

prevenção e promoção em saúde mental, com base em uma abordagem das categorias de

problemas, diferentemente do que ocorre na maioria dos manuais tradicionais, cujo enfoque

é centrado no diagnóstico. Segundo Patel (2003), os sistemas de classificação psiquiátrico

4 A definição de Transtornos Mentais Comuns (TMC) de Goldberg & Huxley é esta: “transtornos que são comumente encontrados nos espaços comunitários, cuja presença assinala uma alteração em relação ao funcionamento normal” (1992: 7-8). Freqüentemente seu quadro clínico não corresponde aos sintomas essenciais para o preenchimento de critérios diagnósticos em classificações tradicionais, como a Classificação Internacional das Doenças em sua décima versão (CID- 10) (1993) ou o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) (2001). Essa especificidade relacionada ao perfil dos transtornos mentais, muito prevalentes na atenção primária, e que se caracteriza por quadros subclínicos e grande comorbidade entre diversas síndromes, motivou a criação de uma classificação especial para os Transtornos Mentais na Atenção Primária, a CID-10-AP (1998), bem como a readequação da apresentação do DSM-IV para sua utilização na atenção primária, o DSM-IV-PC (1995). 5 A identificação de necessidades de aprendizagem em saúde mental de médicos e enfermeiras em um contexto de saúde brasileiro foi estudada em minha dissertação de mestrado em educação médica, defendida na Escola Nacional de Saúde Pública de Cuba, Havana (Pereira, 2006). Os dados ainda não foram publicados. Contato com o autor: [email protected].

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atuais, muito fragmentados e pouco coerentes com certas manifestações culturais, não se

mostram úteis para a maioria dos profissionais de saúde que trabalham nesse nível de

atenção. O manual, que é ilustrado e apresenta uma série de vinhetas clínicas, divide-se nos

seguintes tópicos: introdução aos transtornos mentais; avaliação de alguém com transtorno

mental; tratamento dos transtornos mentais; comportamentos que causam preocupação;

sintomas sem explicação médica; hábitos que causam problemas; problemas gerados por

perda ou violência; problemas de comportamento em crianças e adolescentes; saúde mental

em outros contextos; promoção da saúde mental6.

De acordo com extensa revisão de experiências européias conduzida por Tylee

(1998), há forte evidência de que os programas de formação em saúde mental dirigidos para

médicos da atenção primária devem ser implantados com participação ativa desses

profissionais, enfoque centrado no aluno, a partir de atividades autodirigidas, e sob a

supervisão de tutores preparados para essa função. Também há evidência crescente de que

o local mais adequado para a realização da formação profissional é a unidade de saúde, pois

é lá onde ocorrem os problemas cotidianos de natureza clínica ou não, relacionados ao

trabalho em equipe e à organização da assistência em saúde. No Reino Unido, alguns dos

programas mais recentes de capacitação estão organizados segundo momentos de

concentração mediados por facilitadores, quando profissionais de atenção primária

(médicos e enfermeiras) desenvolvem projetos compartilhados com membros das equipes

de saúde mental (psiquiatras, enfermeiras psiquiátricas e psicólogos). A partir das

demandas concretas da assistência, constituem-se planos de cuidados compartilhados, que

levam a ações criativas junto aos pacientes, ao mesmo tempo que são instituídos novos

canais de comunicação entre as unidades básicas de saúde e os centros comunitários de

saúde mental7.

Segundo grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados

de saúde mental para a atenção primária (RODRIGUES, 1996), a formação e treinamento

dos médicos de família deve ter como enfoque a relação médico/paciente, as técnicas e

práticas do trabalho em equipe e o desenvolvimento da capacidade para ouvir e se

6 Esse manual poderá ser adquirido em http://www.rsmpress.co.uk. 7 Com o intuito de discutir seu projeto de pesquisa com renomados investigadores, observar processos de formação em curso e aprimorar a revisão bibliográfica, estagiei no Departamento de Saúde Mental e Atenção Primária do Instituto de Psiquiatria de Londres durante o mês de janeiro de 2004.

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comunicar. Além disos, a formação deve ser contínua, tanto quanto possível, e utilizar uma

linguagem compreensível por todos os educandos.

Na avaliação de um treinamento em cuidados primários à saúde mental para

médicos dos serviços primários de saúde no Brasil, Ballester (1996) defende a capacitação

em psicofarmacologia pelos seguintes motivos: já existem dados suficientes que suportam

uma teoria biológica dos transtornos mentais; os psicofármacos são capazes de modificar o

funcionamento cerebral em um curto prazo; há estudos que indicam uma especificidade da

eficácia de determinados medicamentos, de acordo com o transtorno mental; e a associação

de psicofármacos a outras terapias não farmacológicas tem se mostrado superior à

utilização isolada dessas técnicas. O autor argumenta, no entanto, que a ênfase na

abordagem farmacológica pode gerar certa “medicalização” da população atendida no

primeiro momento, já que o treinamento em saúde mental pode resultar em um número

maior de transtornos mentais diagnosticados. Por essa razão, é necessário o

aperfeiçoamento da capacidade dos médicos em distinguir problemas existenciais, situações

estressantes da vida e problemas de vínculo familiar e social, de um lado, e transtornos

mentais propriamente ditos, do outro, para que não ocorram prescrições desnecessárias. O

autor também defende a capacitação dos médicos em técnicas psicoterápicas de postura

mais pragmática, voltadas para tratamentos mais curtos e que tenham eficácia já

comprovada na atenção primária. Nessa vertente, enquadram-se o aconselhamento para a

resolução de problemas e as técnicas cognitivas-comportamentais para a depressão leve ou

moderada, e para ansiedade. Em nosso meio, estratégias de intervenção comunitária, como

a massoterapia e a terapia comunitária, além da constituição de grupos de queixas difusas

têm se mostrado promissoras, especialmente na abordagem de Transtornos Mentais

Comuns (SAMPAIO & BARROSO, 2001).

Em trabalho mais recente, Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 clínicos

gerais que atuavam na atenção primária em duas cidades da região Sul do país, com o

intuito de identificar possíveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos

mentais. Após a condução de grupos focais, análise de conteúdo do material transcrito e

revisão da literatura atual, chegaram às seguintes conclusões de cunho educacional:

a) psiquiatras e clínicos gerais nem sempre concordam com os conteúdos que

devem ser discutidos nos processos de educação médica continuada;

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b) programas de formação centrados exclusivamente no diagnóstico e no uso da

medicação podem descaracterizar a atuação do médico na atenção primária, cujo principal

objetivo é sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos,

facilitando o atendimento e contribuindo para com uma maior eficácia no tratamento;

c) a formação em saúde mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado

notória limitação. Há, portanto, necessidade de que o processo educacional tenha

continuidade durante a vida profissional;

d) o ensino baseado em problemas e a interação a partir de pequenos grupos têm se

mostrado superiores aos métodos de ensino tradicionais na aquisição de novas

competências em saúde mental. Essas estratégias de ensino mostram-se mais compatíveis

às necessidades de aprendizado dos adultos, que são motivadas pela necessidade de superar

desafios e resolver problemas de saúde concretos;

e) uma importante ferramenta de educação continuada tem sido a possibilidade de o

médico generalista trabalhar com o suporte de um especialista, por meio da atuação do

psiquiatra na atenção primária;

f) O desafio da educação continuada em saúde mental para os médicos que atuam na

atenção primária requer métodos que atuem na dimensão afetiva do aprendizado, levando a

mudança de atitude, o que vai muito além da simples aquisição de conhecimentos.

Alguns autores têm relatado modelos de integração assistencial/educativa em saúde

mental no âmbito da atenção primária (BOWER & GASK, 2002; TYRER, FERGUSON &

WADSWORTH, 1990), alguns dos quais voltados para a integração curricular de

residentes em psiquiatria e em medicina comunitária (KATES, 2000). Dos diversos

modelos propostos, ao menos seis variações foram identificadas por Rand & Thompson

(1997) e podem ser utilizadas em diferentes contextos, dependendo dos objetivos de

aprendizagem:

a) no modelo de consultoria, o psiquiatra avalia o paciente do médico generalista

apenas quando este identifica um problema e requisita um especialista. A participação do

especialista é pontual e se limita a oferecer uma opinião diagnóstica e de tratamento para

um caso já identificado como suspeito. A tendência, nesse caso, é de que aqueles médicos

com maior habilidade ou interesse recebam maior atenção e oportunidades de aprendizado,

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enquanto aqueles que mais dificilmente reconhecem ou tratam problemas mentais

permaneçam alheios à situação de aprendizado;

b) a estratégia de ligação está baseada no relacionamento educacional contínuo

entre a equipe de saúde e o especialista em saúde mental. Esse modelo permite a

observação das interações da equipe com os pacientes, que pode ser aproveitada pelo

consultor para assinalar à equipe suas dinâmicas de funcionamento. Parece ser um modelo

ideal para a abordagem de pacientes considerados difíceis pela equipe da atenção primária e

que exigem intervenções

constantes e diferenciadas;

c) o modelo de ponte representa um envolvimento

mais integral entre o psiquiatra e oss médicos da atenção primária, em que o primeiro é

visto como um membro da equipe e está disponível para atividades de ensino formais e

informais. Embora haja maior dispêndio de tempo e recursos do que nos modelos de

consultoria e ligação, há vantagens como o reconhecimento e manejo de um espectro mais

amplo de problemas e uma maior oportunidade de aprendizado para os médicos

generalistas e o psiquiatra;

d) no modelo híbrido, além do trabalho do psiquiatra, há a participação de outros

profissionais de saúde mental, como assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros. Este

modelo tem as vantagens de reduzir custos e oferecer ampla especificidade de ações, de

acordo com as necessidades dos pacientes;

e) no modelo autônomo, o serviço de atenção primária contrata um profissional de

saúde mental, geralmente não médico, que não possui vínculo administrativo ou funcional

com a instituição. Ele, então, passa a realizar atividades assistenciais e de ensino. Esse

modelo tem se mostrado economicamente viável e útil na resolução dos problemas de

saúde mais comuns;

f) o modelo de especialização requer um programa extensivo de ensino em

psiquiatria para médicos de atenção primária, realizado simultaneamente ou após a

residência em Cuidados Primários. Embora exista a tendência de que os médicos optem

pela prática de apenas uma dessas especialidades ao longo do tempo, há a vantagem de que

podem tornarse educadores em saúde mental para seus colegas dos serviços básicos.

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Estas iniciativas têm se mostrado promissoras na aquisição de novas competências

por parte dos médicos da atenção primária, com reflexos nos cuidados prestados à

população, além de contribuírem para a diminuição dos estigmas culturais relacionados aos

transtornos mentais.

Estratégias educativas dirigidas para os profissionais de enfermagem

A revisão de literatura sobre estratégias educacionais em saúde mental dirigidas à

atenção primária no campo da enfermagem, se comparada aos profissionais médicos,

evidenciou uma quantidade muito inferior de publicações. Por si só, esse achado indica a

necessidade de maiores estudos e publicações sobre o tema, já que a enfermagem na

atenção primária tem assumido papel cada vez maior na assistência aos portadores de

transtornos mentais. Infelizmente, há evidências de deficiência generalizada na formação

desses profissionais em saúde mental, que pode ser corrigida por meio de programas de

capacitação profissional que incluam estratégias de identificação das necessidades reais de

aprendizagem (NASH, 2002).

No Brasil, número significativo de enfermeiras gerencia unidades básicas de saúde,

supervisiona diretamente os agentes comunitários de saúde e é responsável pela assistência

aos portadores de transtornos mentais na ausência do profissional médico. Potencialmente,

as enfermeiras têm papel importante na abordagem e no manejo de Transtornos Mentais

Comuns (condições relacionadas ao estresse/ estados ansiosos e depressivos menos

severos), além de participar do gerenciamento de cuidados dos Transtornos Mentais

Maiores (psicoses e demências).

O Reino Unido também tem se destacado no registro de experiências práticas e de

pesquisa educacional. Há relatos de programas de capacitação bem-sucedidos na avaliação

e no manejo de depressão, na utilização de técnicas de aconselhamento para resolução de

problemas na depressão maior e no do gerenciamento de doenças crônicas em pacientes

portadores de transtornos mentais severos e persistentes (Goldberg, Mann & Tylee, 2000).

Segundo esses mesmos autores, a administração de antipsicóticos de depósito também tem

sido realizada nesses pacientes, mas há necessidade de maior treinamento para a aquisição

das seguintes habilidades: aplicação das injeções; revisão de sua necessidade;

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monitoramento dos efeitos colaterais e do estado mental do paciente; e articulação com o

serviço especializado e manejo de situações críticas. Programas de treinamento em saúde

mental têm se mostrado úteis no aumento da confiança e na mudança de atitudes por parte

das enfermeiras (PAYNE e outros, 2002), assim como tem sido descritos modelos de

trabalho associados a momentos de capacitação profissional, em que a enfermagem divide

com os médicos a carga de trabalho em saúde mental. Em programa dirigido a pacientes

com depressão em Londres, a enfermagem era responsável por: a) avaliar a gravidade dos

casos; b) encaminhar os casos mais severos para serviços especializados; c) encorajar a

aderência ao tratamento; d) monitorar efeitos colaterais dos medicamentos; e) estimular

medidas de auto-ajuda; f) aconselhar na resolução de problemas; e g) fornecer bibliografia

de apoio apropriada ao problema. Nos três anos avaliados, a introdução dessas novas

atribuições de enfermagem diminuiu em 60% o número de encaminhamentos desse perfil

de pacientes para os serviços especializados (GARDNER, 1999).

Uma referência bibliográfica de grande importância sobre o tema foi editada por

Armstrong (2002). Trata-se de um guia prático de saúde mental dirigido a enfermeiras da

atenção primária. O livro tem como objetivo explicitar as ferramentas e habilidades

necessárias em saúde mental para a enfermagem da atenção primária, considerando-se os

seguintes problemas de saúde: depressão; ansiedade e condições de estresse associadas;

intervenções de enfermagem para a depressão/ansiedade e condições de estresse associadas;

álcool e outras drogas; transtornos alimentares, transtornos mentais severos; transtornos

mentais em idosos; estigma na atenção primária; desenvolvimento de estratégias de equipe;

e promoção da saúde mental. Devido a sua importância na identificação das necessidades

de aprendizado, algumas habilidades clínicas dirigidas para a atuação da enfermagem estão

relacionadas a seguir:

1) conduzir entrevistas adequadamente é tão importante para a enfermagem quanto

para o corpo médico. Parte do papel da enfermagem durante a consulta é facilitar o acesso à

avaliação médica. É importante, portanto, que a enfermeira reconheça os principais

sintomas dos transtornos mentais mais prevalentes e saiba orientar o paciente e referenciá-

lo corretamente para o clínico geral ou opsiquiatra;

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2) adotar uma postura de escuta ativa, no sentido de buscar compreender o que está

acontecendo com o paciente e o modo como seus problemas são vistos por ele e por sua

família;

3) utilizar algumas escalas de auxílio diagnóstico poderá ser útil na identificação de

casos supostos de alcoolismo, ansiedade e depressão, demência, e depressão em idosos8;

4) promover ações preventivas em saúde mental com as seguintes diretrizes gerais:

a) devem ser direcionadas para populações de risco – crianças (em situação de pobreza

extrema, com comportamento alterado, cujos pais estejam em processo de separação ou

sejam dependentes químicos, situações de luto familiar, violência doméstica); adultos (em

processo de separação conjugal, desempregados, em situação de luto, com risco de

depressão na gestação, violência doméstica); idosos (em situação de isolamento social,

múltiplas patologias, violência doméstica); b) devem ajudar as pessoas a retomar o controle

das suas vidas, sempre em busca da maior autonomia possível; c) devem utilizar a maior

gama possível de recursos comunitários para promover uma ampliação do suporte

psicossocial (voluntariado, cooperativas de trabalho, amigos, familiares, religiosos, espaços

de convivência etc.);

5) avaliar o risco de suicídio em todo paciente com depressão;

6) atender aos quadros depressivos leves e moderados, sem perda grave de

autonomia, já que podem se beneficiar do atendimento realizado pela enfermagem;

7) desenvolver ações de saúde mental no tratamento dos casos levando em conta: a)

a utilização de medicamentos: encorajar a aderência ao tratamento, monitorizar efeitos

colaterais e avaliar resposta ao tratamento nos casos em que haja necessidade de uso

contínuo de medicação psicotrópica, especialmente transtornos ansiosos e depressivos; b)

intervenções psicológicas: instituir tratamento de apoio (qualquer paciente em sofrimento

psíquico intenso), estratégias de terapia cognitivo–comportamental (depressão, ansiedade) e

aconselhamento para resolução de problemas (pacientes com grande dificuldade de tomar

decisões); e encaminhar para aconselhamento especializado ou psicoterapia (pacientes com

problemas específicos de natureza interpessoal ou familiar severos); c) medidas de auto-

ajuda: encaminhar para grupos de auto-ajuda, estimular ampliação das redes sociais,

8 Escalas de auxílio diagnóstico: CAGE (Cut, Annoyed, Guilty, Eye-Opener), HADS (Hospital Anxiety and Depression Scale), MMSE (Mini-Mental State Examination) e GDS (Geriatric Depression Scale).

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instruir sobre estratégias alternativas (exercícios físicos, relaxamento/ meditação,

aromoterapia, biblioterapia, constituição de diário de atividades etc.).

8) Implementar e gerenciar planos de cuidados para pacientes com transtornos

mentais severos e persistentes. Para esse grupo de pacientes altamente vulneráveis, o ideal

parece ser a estruturação de programas de cuidados compartilhados, envolvendo as equipes

de atenção primária e de saúde mental. Nesses casos, o importante é a definição clara das

responsabilidades na condução dos casos por parte de cada uma das equipes. Muitas

equipes da atenção primária talvez se sintam mais confortáveis em abordar apenas os

aspectos relacionados à saúde física desses pacientes, mas outras poderão desenvolver

ações mais complexas de cuidado, como: a) identificar pacientes e organizar revisões

regulares de sua situação de saúde; b) avaliar de forma abrangente o caso, incluindo

aspectos sociais e ambientais, estado mental e físico, uso da medicação; c) avaliar indicação

de atendimento especializado; d) educar e aconselhar os pacientes e cuidadores; e) auxiliar

no gerenciamento das situações de crise.

Educação permanente: um referencial pedagógico para a atuação junto às equipes do

Programa de Saúde da Família

Segundo Borroto Cruz, Lemus Lago & Aneiros-Riba (1999), o século XX foi rico

no que diz respeito à introdução de experiências no campo da formação dos recursos

humanos em saúde. Em 1910, publicou-se o relatório Flexner, com base no estudo de 155

escolas médicas dos Estados Unidos e do Canadá, do qual decorreu a elaboração de um

conjunto de recomendações. Segundo esses mesmos autores, o aspecto mais significativo

de tal estudo foi a consolidação de um modelo biomédico clínico de caráter eminentemente

individual e curativo, que veio a se constituir mais tarde em um poderoso complexo

médico-industrial. Esse modelo, inicialmente desenvolvido nos Estados Unidos,

disseminou-se pelo mundo e influenciou a formação e a prática médicas, que se

mantiveram inalteradas por várias décadas.

Nos últimos quarenta anos, entretanto, um conjunto de acontecimentos tem

produzido as bases para um novo paradigma na educação médica. Nos anos 1960, o

trabalho desenvolvido pela Universidade McMaster, que introduziu o ensino baseado em

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problemas, alcançou muitas escolas de medicina no mundo. Na década de 1970, o Encontro

de Alma Ata sobre a atenção primária à saúde gerou as bases para que a OMS

desenvolvesse, em 1981, a estratégia Saúde para Todos no Ano 2000, cuja influência no

desenvolvimento de currículos orientados para temas comunitários e a implantação de

novas áreas de ensino voltadas para a educação e a promoção de saúde foi significativa.

Nos anos 1980 e 1990, a partir do informe produzidos pelas Escolas de Medicina dos

Estados Unidos, das Conferências de Educação Médica de Edimburgo em 1988 e 1993, do

Encontro Continental de Educação Médica de Punta Del Este em 1994 e da Assembléia

Geral da OMS de 1995, foram postuladas as bases para a educação médica do terceiro

milênio, que podem ser resumidas em cinco princípios básicos:

1) Estratégias: formação médica orientada para a qualidade e satisfação ótima das

necessidades de saúde; integração entre docência, assistência e investigação como base para

a formação médica de qualidade: diminuição da brecha entre educação médica e prática

médica; educação multiprofissional para o desenvolvimento de equipes de trabalho;

definição de áreas para a colaboração interdisciplinar.

2) Processo de ensino-aprendizado: do ensino para a aprendizagem; das estratégias

de ensino passivo para as estratégias ativas: centradas no professor para aquelas centradas

no aluno, autodirigidas; da memorização para a solução de problemas; integração do ensino

das ciências básicas com a clínica e do indivíduo com a comunidade; prioridade nas

técnicas de busca da informação, em detrimento da transmissão da informação.

3) Avaliação: formativa durante o processo de ensino/ aprendizagem e certificativa

ao concluir com propriedade as atividades práticas; avaliação, acreditação e certificação

externa das unidades de ensino e de saúde; avaliação externa regulando o processo de

controle de qualidade; desenvolvimento de novos métodos de avaliação da competência

clínica e do desempenho profissional de maior validade e confiabilidade.

4) Dos docentes, dos estudantes e da comunidade na educação médica: seleção do

docente pela capacidade e habilidade para o ensino; aperfeiçoamento profissional e

formação pedagógica para os docentes: de espontânea e individual para a estruturada

(mestrado e doutorado); seleção dos estudantes para o ingresso nas áreas cognitivas e

motivacionais relativas às suas habilidades; participação da comunidade e dos estudantes na

tomada de decisões sobre a formação e a prática médicas.

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5) Papel da universidade: o intercâmbio internacional como fonte de

enriquecimento e desenvolvimento da universidade; a universidade médica como centro

gerador de conhecimentos e resultados científicos para melhorar a educação e a prática

médica; busca de novas formas de financiamento para as universidades; competência pelo

vínculo para o trabalho como principal avaliador externo da qualidade do processo

formador universitário; manutenção de boas relações da universidade com o Estado e a

sociedade, com base nos princípios da autonomia, em que o Estado assume ações de

regulação e avaliação.

Embora a complexidade dos atuais problemas de saúde exija uma readequação das

práticas em saúde, com participação cada vez maior da atenção primária como estratégia de

mudança paradigmática das ações em saúde, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, a

grande maioria das instituições de formação em saúde ainda é norteada pelos princípios do

Relatório Flexner. Esses princípios, pautados por referenciais pedagógicos tradicionais

centrados na transmissão e no adestramento, não parecem contribuir de forma relevante

para mudanças nas práticas em saúde.

Como bem observaram Arteaga e Hatim Ricardo (2002) as tendências mais atuais

da formação pósgraduada são mais coerentes com as estratégias de educação continuada e

as metodologias ativas de ensino-aprendizado, geralmente de caráter problematizador, que

proporcionam aos educandos aprender a aprender e ensinar a pensar.

Após ter conduzido extensa revisão da literatura e estudado diversas instituições de

formação na Europa e nos Estados Unidos, Laxdal (1982) observou que os programas de

Educação Médica Continuada (EMC) mais eficazes foram aqueles que obedeceram a um

planejamento sólido, baseado em cinco passos essenciais: a) identificação das necessidades

de aprendizado a partir de métodos objetivos; b) estabelecimento de prioridades; c) seleção

dos objetivos de aprendizagem; d) planejamento e execução de um programa de formação

adequado aos objetivos e necessidades identificados com a participação ativa dos

educandos; e e) avaliação com base na revisão das necessidades de aprendizagem

inicialmente identificadas. Esse autor destaca que a grande função do educador no processo

de formação de adultos é a de ajudar os educandos a descobrir quais são suas necessidades

de aprendizado, já que as necessidades reais e as sentidas de aprendizagem nem sempre

coincidem.

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Segundo Hatim Ricardo (2002), uma necessidade real de aprendizado pode ser

definida como o desvio real entre o desempenho prático do indivíduo e o que o sistema de

saúde prevê para essa função ou posto de trabalho. Já as necessidades sentidas de

aprendizagem se referem àquelas que um indivíduo ou grupo deseja conscientemente

satisfazer.

No Brasil, o Governo Federal vem desenvolvendo uma política de formação de

recursos humanos na saúde que tem priorizado a estratégia da Educação Permanente em

Saúde (EPS) como elemento-chave para a transformação das práticas em saúde.

Concretamente, o Ministério da Saúde criou, em 2002, a Secretaria de Gestão do Trabalho

e da Educação na Saúde, responsável pela Portaria 198/2004, que define a política nacional

de educação permanente em saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a

formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor (BRASIL, 2004a). Trata-se de

um modelo de educação continuada para profissionais da área da saúde que vem sendo

desenvolvido pela OPAS nos últimos vinte anos e que tem se mostrado sintônico com as

propostas de formação médicas contemporâneas descritas acima (HADDAD, ROSCHKE &

DAVINI, 1994; DAVINI, 1995). Segundo Hatim Ricardo, essa nova forma de conceber a

formação do profissional de saúde pode ser definida da seguinte maneira:

“La Educación Permanente constituye una estratégia de desarrollo de la Salud basada en los procesos de aprendizaje presentes durante toda la vida laboral del trabajador, que tiene como eje fundamental la problematización y transformación de los servicios de salud, la participación consciente y activa de los trabajadores y un alto grado de motivación y compromiso en la elevación de la calidad del desempeño profesional, que satisfaga las demandas de capacitación en los servicios por introducción de nuevas tecnologías y técnicas, el perfeccionamiento y actualización de los conocimientos, hábitos, habilidades y modos de actuación de los trabajadores y la superación de las deficiencias en la calidad de la producción y los servicios. El Subsistema de Educación Permanente constará de cuatro fases o etapas fundamentales: la identificación de necesidades de aprendizaje, el proceso educativo, el monitoreo y la evaluación” (HATIM, 2002, p. 16).

Essa proposta parte da premissa de que os modelos clássicos de capacitação de

pessoal para a saúde não têm se mostrado eficazes em produzir novas práticas de trabalho

nos serviços de saúde, comprometendo a qualidade da assistência à população. Como

referencial metodológico para uma proposta pedagógica que traduza de fato as

necessidades reais dos serviços de saúde, a EPS defende a pedagogia da problematização.

Entre suas principais características, destacam-se: a) o espaço do trabalho é identificado

como o principal local da aprendizagem; b) o papel ativo do educando e sua posição central

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no processo ensino-aprendizado, agente produtor de conhecimento; c) o papel do educador

como facilitador, orientador, catalisador, e não de mestre, conhecedor de todas as verdades;

d) o ponto de partida é a indagação (elaboração de perguntas) sobre a prática cotidiana; e) a

identificação dos problemas da prática representa um ponto fundamental do processo

educativo; f) o pensar a prática deve ser uma atividade coletiva e solidária; g) há

estimulação da criatividade, da reflexão e das atividades afetivas; h) a teoria está

comprometida com a transformação da prática: pós a identificação adequada dos

problemas, de forma coletiva e consensual, buscam-se referencias teóricas para

compreendê-los e aprofundá-los; i) requer uma programação educativa continuada; j) uma

abordagem dialética do processo de ensinoaprendizado, uma vez que esta explicita as

tensões e incoerências; l) procura identificar os conteúdos latentes e manifestos produzidos

pelos educandos no processo educativo; e m) não descarta o avanço individual, mas

enfatiza o coletivo.

De forma sintética, a metodologia problematizadora que estrutura a proposta de EPS

estabelece a seguinte seqüência dentro do processo educativo em saúde:

Momento 1

Papel dos trabalhadores de saúde: identificam os problemas de sua prática. Papel do

facilitador do processo educativo: auxilia o grupo na identificação de necessidades reais

de aprendizado

Momento 2

Papel dos trabalhadores de saúde: estabelecem propostas de atuação que incluem a

capacitação / formação através da atualização de conhecimentos e práticas Papel do

facilitador: organiza e implementa experiências didáticas coerentes com as necessidades

de aprendizado

Momento 3

Papel dos trabalhadores de saúde: estabelecem prioridades de mudança a partir da

reorientação das práticas de trabalho Papel do facilitador: monitora o processo e

participa ativamente de sua avaliação

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Haddad, Roschke & Davini (1994) ressaltam ainda que a priorização dos conteúdos

de uma proposta de EPS deve realizar-se em torno das próprias formas da organização do

trabalho e incluir três dimensões complexas e recíprocas, que poderão ter maior ou menor

importância, dependendo do desenho da proposta: a) a direção técnica: que define as

competências9 de cada categoria profissional: o saber, o saber fazer e as atitudes; b) o

trabalho cooperativo: influencia as articulações das produções específicas em função de um

objetivo comum – relações interpessoais; c) os processos institucionais: referem-se ao

ambiente sócio-organizacional – papéis, comunicação, tomada de decisões, cultura

institucional. Embora a proposta de Educação Permanente priorize a aprendizagem baseada

em problemas concretos de saúde identificados pela equipe ao longo do processo de

trabalho, Roschke, Davini & Haddad (1993) consideram a inclusão de estratégias

diversificadas de formação algo necessário, haja vista os diversos contextos de

aprendizagem possíveis. Tais estratégias podem tomar o formato de cursos, seminários,

grupos de estudo/discussão, oficinas, estágio supervisionado, intercâmbios, interconsulta,

consultoria e ligação, estudo independente, educação à distância, círculos de qualidade

total, qualificação técnica de pessoal, especialização, mestrado, doutorado, e até mesmo

pós-doutorado. Segundo os mesmos autores:

“(...) as instâncias estratégicas constituem alternativas de respostas passíveis de combinação. Dessa

forma, pode-se dar prioridade combinada para uma instân-cia de educação no trabalho, para uma

instância de capacitação em uma área prioritária e, considerados os cenários futuros, para uma

instância de formação avançada em saúde. No que concerne à essência do processo educativo, a

estratégia deve considerar, sobretudo, a possibilidade de uma mudança efetiva no comportamento

dos sujeitos” (Roschke, Davini & Haddad 1993, p. 23).

Defendemos a EPS como estratégia principal na formação em saúde mental para os

profissionais da atenção primária, contudo devemos considerar as observações de Salas

Perea (1988), de acordo com as quais não existe um método de ensino universal e cada

método deve vincular-se a outros. A seleção e a aplicação dos métodos dependem das

9 As competências se referem a uma combinação integrada de conhecimentos, habilidades e atitudes que conduzem a um desempenho adequado e oportuno em diversos contextos (Irigoin e Vargas, 2002).

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condições para o aprendizado, das exigências cognitivas, das especificidades do conteúdo,

das características dos educandos e do professor, além dos objetivos propostos. Nesse

sentido, trata-se não de erradicar de nossa prática pedagógica os métodos passivos/

reprodutivos, que se caracterizam pelo predomínio da participação do professor (métodos

explicativosilustrativos e reprodutivos), cujo valor é amplamente conhecido, mas sim de

vincular racionalmente esses métodos com aqueles que estimulam o protagonismo dos

educandos, por meio de atividades ativas/criativas (métodos problematizadores).

Atuação docente-assistencial: novo papel do profissional de saúde mental no contexto da

Reforma psiquiátrica

A incorporação concreta e sistematizada de ações de saúde mental na atenção

primária tem exigido uma mudança de postura dos profissionais da saúde mental. Antes

isolados em seu mundo “psi” engrandecidos pela missão de guardiões da subjetividade e da

Reforma psiquiátrica, agora se vêem ante o perigo de perder o trono, já que, por

necessidade (organização de demanda sempre crescente) ou por demanda do outro (PSF),

começam a sair do conforto de seus consultórios. O PSF propõe algo radical na operação da

chamada Clínica no Território10, aquela que explora o potencial da comunidade e atua de

forma mais pragmática em diversos contextos sociais, muitas vezes extremamente

desfavoráveis para os sujeitos que neles habitam. Antes do divã, o Território como espaço

terapêutico! A parceria com o PSF retira o profissional “psi” do centro da condução de uma

parcela significativa de casos, exigindo um reposicionamento menos narcísico e mais

generoso, especialmente no que diz respeito à transmissão do conhecimento. Mas não

devemos nos enganar. Se formos convidados a ocupar a posição de facilitadores na

formação dos profissionais da atenção primária, já dentro de uma concepção pedagógica

aberta e centrada no educando, também estaremos sujeitos a incorporar novos recursos

terapêuticos decorrentes da prática territorial. Que bom, assim poderemos nos deixar

10 O Território se caracteriza por um espaço da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana dos usuários e seus familiares. Constitui-se de um contorno geográfico mais ou menos definido, mas não se limita a ele, já que é essencialmente dinâmico. Trata-se das pessoas que nele habitam, com seus conflitos, interesses, instituições e cenários.

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contaminar por outras práticas em saúde, o que talvez se revele um antídoto para a

estagnação de nossos serviços de saúde mental!

A atenção primária, assim como a saúde mental, trabalha utilizando pouco as chamadas

“tecnologias pesadas” (procedimentos de alto custo em ambientes controlados), mas

exigem a incorporação de “tecnologias leves” (centrada nas competências de intervenção

interpessoal em ambientes imprevisíveis). São, portanto, práticas em saúde que trabalham

de forma complexa, delicada e com possibilidades de gerar encontros inovadores, desde

que os agentes envolvidos estejam abertos e livres de uma imposição prévia de saberes.

Quem sabe, assim poderemos construir uma lógica de atenção em saúde que

dispense a chamada referência e contra-referência, ou clínica da desresponsabilização,

situações nas quais quem encaminha “se sente aliviado” e quem recebe “arca com o ônus”

desse encaminhamento. Esperamos constituir, de fato, uma parceria, que só se consolidará

na prática a partir do cuidado compartilhado com o portador de transtorno mental, em que

cada agente de saúde colabora com o que tem de melhor. Nessa lógica de atendimento, que

prevê uma rede de ações, dispositivos de saúde e dispositivos comunitários, a trajetória do

tratamento se organiza tendo como eixo central o sujeito e suas vicissitudes. O lócus do

tratamento se revela mutável ao longo do tempo, com intensificação no ponto da rede em

que o tratamento demonstra ser mais viável, seja este na atenção primária, nos serviços

especializados ou em ambos. É nesse ponto que se constituirá a referência do trabalho, sem

que os demais agentes lavem as mãos. A partir de então, seremos todos responsáveis pela

garantia do acesso, da eqüidade e da universalidade, afinal o SUS somos todos nós!

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