sandra maria de oliveira, eliane dias de castro

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332 Inst it ut o de Art es da Univer sidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 ISBN: 978-85-62309-06-9 INVESTIGAÇÕES DE UM PROCESSO EM DANÇA: POSSIBILIDADES ENTRE O MODERNO E O CONTEMPORÂNEO Sandra Maria de Oliveira 1 Eliane Dias de Castro 2 Resumo: Com o objetivo de realizar um estudo sobre a dança com pessoas em sofrimento psíquico e produzir reflexões sobre a arte em contextos de ações em saúde mental, propusemos uma experiência a partir de desdobramentos dos estudos de Rudolf Laban sobre o movimento humano. A dança pode proporcionar experimentações e processos de criação em que se compartilham subjetividades e se vivenciam estados mentais, corporais e percepções de si, dos outros e do ambiente que podem alimentar ações transformadoras no cotidiano daqueles que a vivenciam. Neste artigo destacamos a subjetividade como um elemento recorrente nos estudos da pesquisa de mestrado “Dança e subjetividades: investigações de um processo artístico em um contexto de ações em saúde mental”, vinculado ao Programa de Pós -Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP e é desenvolvido com apoio da CAPES. A partir de uma proposta de pesquisa qualitativa, em nossa apresentação, inicialmente, situaremos as intervenções da pesquisa que são realizadas no Centro de Atenção Psicossocial CAPS II Adulto Lapa, na cidade de São Paulo. Um grupo de frequentadores dessa Unidade de Saúde participa das Atividades de Dança que são baseadas em temáticas de movimento elaboradas de acordo com os princípios teóricos de Laban, que orientam a intervenção e sua análise. A experiência produziu questionamentos sobre a importância das atividades artísticas em contextos de saúde e reflexões sobre a escolha e as origens dos modos de fazer dança hoje. É relevante para o estudo em desenvolvimento pontos de contato com o Expressionismo e a Dança Moderna na Alemanha, principalmente no que se refere à exploração dos movimentos, à exteriorização dos gestos, à possibilidade de uso da criatividade e da livre-expressão, à valorização de uma subjetividade ativa e à transformação da realidade. Acentuam-se também neste contexto de pesquisa as relações que se estabelecem entre a dança e a subjetividade na contemporaneidade; e a ampliação da experiência estética e comunicacional que a atividade de dança promove em um contexto de ações em saúde mental. Como considerações, elencamos um conjunto de relações entre os pontos tratados acima e como desdobramentos dos estudos expressionistas podem estar presentes na processos vividos na contemporaneidade. Palavras-chave: Dança; Laban. Expressionismo. Subjetividades. Saúde Mental. Abstract: Aiming to conduct a study on dance with people in psychological distress and produce reflections about art in the context of mental health interventions, we proposed an experiment from the development of the studies of Rudolf Laban on human movement. Dance can provide 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo. Bolsista CAPES. Graduada em Dança pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e em Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-mail: [email protected] 2 Profa. Dra. do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia, e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Orientadora da pesquisa de mestrado: Dança e subjetividades: investigações de um processo artístico em um contexto de ações em saúde mental. E-mail: [email protected]

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INVESTIGAÇÕES DE UM PROCESSO EM DANÇA: POSSIBILIDADES ENTRE O MODERNO E O CONTEMPORÂNEO

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9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9

INVESTIGAÇÕES DE UM PROCESSO EM DANÇA:

POSSIBILIDADES ENTRE O MODERNO E O

CONTEMPORÂNEO

Sandra Maria de Oliveira1

Eliane Dias de Castro2

Resumo: Com o objetivo de realizar um estudo sobre a dança com pessoas em sofrimento

psíquico e produzir reflexões sobre a arte em contextos de ações em saúde mental, propusemos

uma experiência a partir de desdobramentos dos estudos de Rudolf Laban sobre o movimento

humano. A dança pode proporcionar experimentações e processos de criação em que se

compartilham subjetividades e se vivenciam estados mentais, corporais e percepções de si, dos

outros e do ambiente que podem alimentar ações transformadoras no cotidiano daqueles que a

vivenciam. Neste artigo destacamos a subjetividade como um elemento recorrente nos estudos da

pesquisa de mestrado “Dança e subjetividades: investigações de um processo artístico em um

contexto de ações em saúde mental”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Interunidades

em Estética e História da Arte da USP e é desenvolvido com apoio da CAPES. A partir de uma

proposta de pesquisa qualitativa, em nossa apresentação, inicialmente, situaremos as

intervenções da pesquisa que são realizadas no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II Adulto

Lapa, na cidade de São Paulo. Um grupo de frequentadores dessa Unidade de Saúde participa

das Atividades de Dança que são baseadas em temáticas de movimento elaboradas de acordo com

os princípios teóricos de Laban, que orientam a intervenção e sua análise. A experiência produziu

questionamentos sobre a importância das atividades artísticas em contextos de saúde e reflexões

sobre a escolha e as origens dos modos de fazer dança hoje. É relevante para o estudo em

desenvolvimento pontos de contato com o Expressionismo e a Dança Moderna na Alemanha,

principalmente no que se refere à exploração dos movimentos, à exteriorização dos gestos, à

possibilidade de uso da criatividade e da livre-expressão, à valorização de uma subjetividade

ativa e à transformação da realidade. Acentuam-se também neste contexto de pesquisa as relações

que se estabelecem entre a dança e a subjetividade na contemporaneidade; e a ampliação da

experiência estética e comunicacional que a atividade de dança promove em um contexto de ações

em saúde mental. Como considerações, elencamos um conjunto de relações entre os pontos

tratados acima e como desdobramentos dos estudos expressionistas podem estar presentes na

processos vividos na contemporaneidade. Palavras-chave: Dança; Laban. Expressionismo. Subjetividades. Saúde Mental.

Abstract: Aiming to conduct a study on dance with people in psychological distress and produce

reflections about art in the context of mental health interventions, we proposed an experiment

from the development of the studies of Rudolf Laban on human movement. Dance can provide

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de

São Paulo. Bolsista CAPES. Graduada em Dança pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e em

Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).

E-mail: [email protected] 2 Profa. Dra. do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia, e Terap ia Ocupacional da Facu ld ade de

Medicina da Universidade de São Pau lo. Orientadora da pesquisa de mestrado: Dança e subjetividades:

investigações de um processo artístico em um contexto de ações em saúde mental.

E-mail: [email protected]

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experimentations and creation processes in which it is possible to share subjectivities and

experience states of mind, body and perceptions of themselves, others and the environment, which

can foster transformative actions in daily life of those who experience it. In this article we

highlight the subjectivity as a recurring element in the research of master’s studies "Dance and

subjectivities: investigations of an artistic process in the context of mental health interventions",

this study is linked to the Post-graduation Program in Aesthetics and Art History at the USP and it

is developed with support from CAPES. From a qualitative research proposal, in our submission,

we initially situate the research interventions that are performed on Psychosocial Care Cent er -

CAPS II Adult Lapa, in the city of São Paulo. A group of regulars of this Health Unit participates

in Dance Activities that are based on thematic motion prepared in accordance with the theoretical

principles of Laban that guide the intervention and its analysis. The experiment produced

questions about the importance of artistic activities in health contexts and reflections on the

origins and the choice of the ways of doing dance today. It is relevant to the developing study

points of contact with Expressionism and Modern Dance in Germany, especially with regard to

the exploration of the movements, the externalization of gestures, the possibility to use creativity

and free expression, the appreciation of an active subjectivity and the transformation of reality. It

is also stressed in this research context the relationships that are established between dance and

subjectivity in contemporary, and the expansion of aesthetic and communicational experience that

the dance activity promotes in a context of mental health interventions. In addition, we enumerate

a set of relationships between the items discussed above and how the development of the

expressionist studies may be present in the lived processes in contemporaneity. Keywords: Dance. Laban. Expressionism. Subjectivities. Mental Health.

1. Introdução

Apresentamos neste texto um recorte do estudo relacionado à pesquisa de mestrado:

Dança e subjetividades: investigações de um processo artístico em um contexto de ações em

saúde mental. Essa pesquisa é desenvolvida pela autora sob orientação da Profa. Dra. Eliane

Dias de Castro, vinculada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e

História da Arte da Universidade de São Paulo e com apoio da CAPES.

Essa pesquisa de mestrado propõe a experiência da dança para pessoas com sofrimento

psíquico, uma experiência que parte de desdobramentos dos estudos de Rudolf Laban (1879 -

1958) sobre os movimentos naturais do ser humano. Esse trabalho consiste na realização de

Atividades de Dança e na busca de estudos e pesquisas recentes que possam ampliar o quadro

referencial teórico e contribuir para o enriquecimento dessa investigação na interface arte e

saúde.

As Atividades de Dança foram iniciadas no segundo semestre de 2011 e atende um

grupo de pessoas que frequentam um serviço de saúde mental da Prefeitura Municipal de São

Paulo, o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Lapa. Esta Unidade de Atenção em Saúde

Mental mantém parceria através de convênio didático-assistencial com a USP.

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Para poder argumentar, analisar, apresentar aspectos relevantes e relações possíveis no

decorrer desse trabalho é preciso ter conhecimento e clareza sobre os aspectos históricos,

culturais e sociais em que surgiram a produção desses estudos cujos desdobramentos se fazem

presentes em nossa proposta de dança.

Canton (2009) ressalta a arte como conhecimento que se nutre da subjetividade e que,

também, se constitui de conhecimento objetivo, de elementos que envolvem a história da arte

e da vida, o que posssibilita estabelecermos relações com o mundo. Na busca das origens do

nosso fazer dança foi percebida a necessidade de voltarmos o olhar para o surgimento do

Expressionismo e da Dança Moderna na Alemanha, pois as pesquisas de Rudolf Laban

estiveram presentes no desenvolvimento da Dança Expressionista na Alemanha.

Em nosso estudo surgiram questionamentos sobre como elementos do Expressionismo

se fazem presentes nesse trabalho, atualmente, e sobre como desenvolver e descrever essa

relação entre o moderno e o contemporâneo em uma pesquisa em dança envolvida em um

contexto de ações em saúde mental.

A subjetividade é um elemento recorrente em nossos questionamentos. A seguir,

apresentamos alguns pontos relevantes para o desenvolvimento desse estudo que são: o

Expressionismo e a Dança Moderna na Alemanha; a dança e a subjetividade na

contemporaneidade; e a atividade de dança em um contexto de ações em saúde mental. Nas

considerações, fazemos uma relação entre os pontos tratados acima e como desdobramentos

dos estudos expressionistas estão presentes na contemporaneidade.

2. O Expressionismo e a Dança Moderna na Alemanha

O Expressionismo surgiu, no início do século XX, como um movimento artístico na

Europa e que se desenvolveu, sobretudo, na Alemanha. Teve uma presença marcante em

várias expressões artísticas, abrangendo as artes plásticas, o cinema, a dança, a literatura, a

música e o teatro. Como tendência artística teve uma grande preocupação em expressar os

conflitos humanos em geral perante a sociedade, a política, a natureza, o espiritual. Pelo seu

caráter humanista e universal, o Expressionismo extrapolou as fronteiras alemãs, repercutindo

por todo o mundo, inclusive em nosso país, sendo permeável às diferenças regionais e

nacionais (GUIMARÃES, 1998; PEREIRA, 2007).

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O movimento expressionista se desenvolve em um contexto conturbado, o período que

cerca a transição dos séculos XIX-XX é de profunda insegurança de referências e exarcebação

de conflitos latentes e manifestos que se segue com a ocorrência de duas Grandes Guerras

Mundiais. Na arte, surge a valorização de uma subjetividade ativa em meio às circunstâncias

da realidade e de seus desafios, “como se a arte quisesse transformar a realidade, e não

simplesmente reproduzi- la” (CANTON, 2009).

Entre os anos de 1920 e 1930 desenvolveram-se diversas práticas artísticas que

exploravam as potencialidades do movimento: dança de expressão, livre, moderna, de

concerto, pura, absoluta, abstrata, natural, atualmente, essas modalidades são tidas como

dança expressionista. Para este texto, optamos pela denominação Dança Expressionista por

sua abrangência sobre essas práticas e, nesta ocasião, tratarmos de elementos comuns na

origem dessas modalidades. Como um dos princípios para o desenvolvimento da estética

expressionista na dança surge a busca do movimento interior para a exteriorização do gesto.

Essa necessidade de interiorização para o ato criativo aproxima-se do conceito de

“ressonância interior” elaborado por Vassíli Kandínski (1866 - 1944), participante do grupo

“Der Blaue Reiter” (O Cavaleiro Azul). Para Kandínski, a organização de uma criação vinda

de uma necessidade interna acontece quando um contato eficaz do observador com a obra

toca a alma humana em seu ponto mais sensível (GUINSBURG, 2002). Na dança, o processo

da ação expressiva envolve o observador para o qual o movimento é projetado e esse processo

parte de uma necessidade interna do ator/dançarino motivado pela observação de um objeto.

No início do século XX, duas correntes de abordagem corporal estavam em voga na

Alemanha: a eurritmia desenvolvida por Jaques Dalcroze (1869 – 1950) e as pesquisas de

Rudolf Laban (1879 - 1958). A dança expressionista deriva basicamente dessas duas correntes

(CAMPOS, 1995).

A dança expressionista veio para incentivar e ampliar as possibilidades do uso da

criatividade e da auto-expressão do bailarino ou coreógrafo, que frequentemente era intérprete

de suas próprias coreografias. Entre os principais expoentes da dança expressionista estão

Mary Wigman (1886 - 1973) e Kurt Jooss (1901 - 1979), discípulos e assistentes de Rudolf

Laban. Aqueles não ensinavam um estilo ou uma estética e sim pretendiam que cada aluno

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encontrasse em si mesmo ferramentas para que fossem conciliadas com a técnica (CAMPOS,

1995; PEREIRA, 2007).

Rudolf Laban realizou o delineamento de uma linguagem apropriada ao movimento

corporal com aplicações teóricas, coreográficas, educativas e terapêuticas. A dança como área

de conhecimento artístico possibilita o estudo do movimento e da expressividade. Seguindo a

orientação teórica labaniana, com a intenção de cultivar nosso sentido de movimento para

comportamentos expressivos, devemos partir de nosso estilo pessoal de características de

movimento. Para Laban, a dança imbuiu-se “da intenção de traduzir imagens das várias forças

da vida em contínua transformação e interação entre o mundo interior do ser humano e a

natureza” (CAMPOS, 1995, p.44).

3. A Dança e a Subjetividade na Contemporaneidade

A dança na contemporaneidade se coloca além dos ambientes e espaços direcionados

para suas produções. Hoje em dia, o espaço e o lugar da arte são discutidos em seu significado

e papel como coloca Canton (2009) e podemos acrescentar dizendo que o espaço se faz

presente na dança como um exercício de construção permanente de nossas histórias e

referências no mundo, corpo/espaço que se encontra imergido em situações de complexidade.

Para Morin (1999), a situação de complexidade existe quando elementos constituem

um todo de forma inseparável (econômico, político, sociológico, psicológico, afetivo,

mitológico). A complexidade é a ligação entre a unidade e a multiplicidade. E esta ligação é

proposta como um conhecimento pertinente ao homem para tornar-se um ator consciente em

seus contextos, complexidades e conjuntos.

A dança como estrutura de pensamento permite o encontro de materialidades nos

processos de criação e poetização e podem influenciar na concepção de nosso olhar e, assim,

em nossa apreensão de mundo no contemporâneo. A experiência da arte permite compartilhar

subjetividades e alimentar reflexões sobre o nosso olhar e nossa ação sobre o mundo. Na

experiência da dança podemos criar um espaço de encontro entre sujeitos e suas

subjetividades por meio de relações poéticas possíveis pela linguagem do movimento.

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A natureza da arte em desbravar territórios é instigada quando percebemos as

potencialidades de interação com um público que se encontra fragilizado e à margem de uma

participação ativa nos processos culturais, políticos e sociais.

Morin (1999, p.59) afirma que “é a cultura e a sociedade que permitem a rea lização

dos indivíduos”, que desenvolvimento humano significa desenvolvimento das autonomias

individuais, das participações comunitárias e sentimento de pertença à espécie humana.

Faz parte dos processos de subjetivação, da formação do indivíduo, a construção de

crenças e valores compartilhados na dimensão cultural que vão constituir a experiência

histórica e coletiva. Rolnik (1997/1998) aborda, ainda, sobre a resistência ao contemporâneo,

ao mundo de complexidades, em que processos de subjetivação (destaque da autora para o

ocidente moderno) são brecados, neutralizados e, hoje, tornam identidades locais enrijecidas e

ameaçam toda e qualquer identidade. Em Subjetividade Antropofágica (1998), Rolnik propõe

um modo antropofágico para a construção da “casa subjetiva” nos dias de hoje:

(...) embora bastante inativas na subjetividade do ocidente moderno, são familiares

ao modo antropofágico em sua atualização mais ativa: sintonizar as transfigurações

no corpo, efeitos de novas conexões de fluxos; pegar a onda dos acontecimentos que

tais transfigurações desencadeiam; desenvolver uma prática experimental de

arranjos concretos de existência que encarnem estas mutações sensíveis; inventar

novas possibilidades de vida. Tais operações dependem, por sua vez, do exercício de

potências do corpo igualmente inativas na subjetividade contemporânea: (...)

(ROLNIK, 1998, p.13)

Partindo de uma atividade em dança baseada em princípios labanianos que oferece

formas de observação, análise e elementos para a produção em dança, podemos perceber o

movimento em suas sutilezas, e assim, ter um vislumbre sobre a subjetividade e a história de

vida que cada um traz consigo. A intenção não é capacitar e classificar sujeitos que

necessitam de atendimento especial, mas oferecer a pessoas em sofrimento psíquico

experiências de criação e poetização em dança, percepções do olhar, ser e estar no mundo.

4. A atividade de dança em um contexto de ações em saúde mental

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A atividade criadora da dança produz um efeito sobre a personalidade quando o

indivíduo se familiariza com o movimento e aprende a executar com precisão seus ritmos e

formas. Além da área da educação, outras áreas dialogam com a dança por esta ser uma área

de conhecimento que permite ao indivíduo aprender o modo de dar livre curso de expressão

aos seus movimentos, através de um processo consciente e uma compreensão intelectual dos

elementos implicados (LABAN, 1978).

O processo de criação no contexto arte/saúde permite a transposição para a vida

cotidiana da vivência criativa com os materiais e recursos da arte e do corpo, ou seja, a

experimentação destes recursos que promovem a abertura de outros canais criativos, podem se

ampliar para além do universo da arte e se estender aos acontecimentos cotidianos,

enriquecendo-os. Através dessa vivência criativa passamos a conhecer como as pessoas fazem

as coisas e a compreender as diferentes formas do fazer. Na realização de atividades artísticas

cria-se estados de arte e nos trabalhos com o corpo desenvolvem-se cuidados e atenção,

fatores que contribuem para a reorganização da vida das pessoas (COSTA et al, 2000).

No campo da Terapia Ocupacional, alguns autores propõem pensar o sentido

fundamental das atividades humanas para “ampliar o viver e torná- lo mais intenso, nunca

diminuí- lo ou esvaziá- lo” e nas atividades expressivas e artísticas que se constituem em

linguagens de estrutura flexível e plástica, permite-se o compartilhar das experiências, a

facilitação da comunicação entre as pessoas e a possibilidade de recomposição de universos

de subjetivação (CASTRO, LIMA, BRUNELLO, 2001, p.52-55).

Em Pimentel, Oliveira e Araújo (2009), afirma-se que pela pesquisa qualitativa a

complexidade e a particularidade dos fenômenos estudados são levadas em conta, não se

objetiva alcançar a generalização, mas sim as singularidades, a interação com a subjetividade

dos sujeitos e as repercussões das intervenções podem contribuir para a qualidade de vida

desses. Assim, fundamentados em estudos metodológicos podemos propor uma investigação

na interface arte e saúde almejando interagir com as subjetividades dos sujeitos, envolvendo

sujeito-informante e sujeito-pesquisador na reflexão e construção de um processo.

As artes corporais proporcionam um conhecimento e uma experiência com recursos

que auxiliam na transformação de rotinas e ordem estabelecidas, permitindo que o “ser

criativo” vivencie a sanidade mental pelo autoconhecimento e desenvolva, de forma

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consciente, uma participação não-alienada e ativa no processo sociocultural. (COSTA et al,

2000).

A dança, como linguagem do movimento, estimula a atividade mental de maneira

semelhante à linguagem falada e a projeção externa de uma intenção por meio das qualidades

de movimento pode revelar um estado mental já que as ações desse esforço também estão

presentes nas formas de expressão mental e intelectual.

Ampliar o entendimento sobre as dinâmicas de movimento e apreciar uma gama de

movimentos mais ampla, juntamente com a sensibilidade e a compreensão da ação humana

pode tornar o indivíduo capacitado e ágil para seguir qualquer impulso voluntário ou

involuntário de mover-se com desenvoltura e segurança (LABAN, 1990).

5. Considerações

Alguns pontos relevantes surgidos a partir da investigação das origens do nosso modo

de fazer dança foram apresentados no desenvolvimento deste texto e discorridos considerando

as relações existentes entre as partes. Esses pontos focalizaram as características do

Expressionismo e da Dança Moderna na Alemanha, a dança e a subjetividade na

contemporaneidade e a atividade de dança em um contexto de ações em saúde mental.

Um elemento que esteve presente no desenvolver desses pontos foi a subjetividade.

Subjetividade que nutre a arte e que foi valorizada no surgimento do Expressionismo em um

contexto conturbado na Europa, no início do século XX. Na arte, uma subjetividade ativa foi

valorizada em meio às circunstâncias sociais e culturais como matéria de transformação e não

simplesmente de reprodução da realidade.

No surgimento da Dança Moderna na Alemanha, as pesquisas de Rudolf Laban a

respeito dos movimentos naturais do ser humano estiveram presentes e para Laban a

expressividade na dança traduzia imagens das várias forças da vida em contínua

transformação e interação entre o mundo interior do sujeito e o seu ambiente. A partir dessas

proposições, podemos dizer que o sentido dos estudos labanianos extrapola o período

histórico de seu surgimento e permanece atual se pensarmos sobre as suas influências e

desdobramentos em outros territórios de intervenção, como é possível vislumbrar em ações

que envolvem processos de subjetivação em nosso presente contexto de multiplicidades.

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Na contemporaneidade, vivemos subjetividades acrescidas de outros significados e em

constante transformação envolvidas num espaço de complexidades. Porém, a experiência da

subjetividade nos estudos expressionistas pode reverberar no contemporâneo como uma

investigação artística baseada em conceitos estéticos, numa relação de hibridismo com o

passado, na produção de uma subjetividade ativa.

A expressividade vivida por meio da dança vai ao encontro com as necessidades do

homem contemporâneo em vivenciar e construir sua “casa subjetiva” como, também,

produzir relações na dimensão cultural que constituirá uma experiência histórica e coletiva.

Uma prática consciente e crítica de dança em um contexto de ações em saúde mental

pode nos mostrar além das relações possíveis entre áreas de conhecimento, pois pode, no

diálogo entre estudos modernos e as relações contemporâneas, promover interações espaciais,

temporais e culturais que envolvem as histórias de cada um. A área da saúde mental apresenta

territórios de intervenção em que a dança pode cultivar e produzir experiências de

potencialidades nas relações vividas com pessoas em sofrimento psíquico, já que aspectos

internos agregados aos fatores de movimento podem ser vivenciados.

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