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UNICURITIBA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CURITIBA MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA LIANA MARIA TABORDA LIMA SANÇÕES ADUANEIRAS COMO LIMITADORAS DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA CURITIBA 2015

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UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CURITIBA

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

LIANA MARIA TABORDA LIMA

SANÇÕES ADUANEIRAS COMO LIMITADORAS DA ATIVIDADE

EMPRESÁRIA

CURITIBA

2015

LIANA MARIA TABORDA LIMA

SANÇÕES ADUANEIRAS COMO LIMITADORAS DA ATIVIDADE

EMPRESÁRIA

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Direito Empresarial e

Cidadania do Centro Universitário Curitiba

– Unicuritiba, como requisito parcial para

a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Profª Drª Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr

CURITIBA

2015

LIANA MARIA TABORDA LIMA

SANÇÕES ADUANEIRAS COMO LIMITADORAS DA ATIVIDADE

EMPRESÁRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e

Cidadania do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba, como requisito parcial para

a obtenção do título de Mestre em Direito.

Banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

Presidente:

_________________________________________

ProfªDrª Viviane Coêlho de Séllos Knoerr

Orientador(a)

________________________________________

Prof. Dr. Fernando Gustavo Knoerr UNICURITIBA – Centro Universitário de Curitiba

_________________________________________

Prof.Dra Viviane Coêlho de Séllos Knoerr

UNICURITIBA – Centro Universitário de Curitiba

_________________________________________

Prof. Dra Lívia Gaigher Bosio Campello

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

Curitiba, de 2015.

À minha mãe, Anna Maria Taborda,

exemplo de vida, me ensinou a amar a

sabedoria, buscar o estudo

e a não desistir.

AGRADECIMENTOS

Uma dissertação de mestrado é fruto do processo solitário de investigação

cientifica de seu autor, mas também da contribuição de muitas pessoas que

acompanharam essa jornada. Então, necessário, que se lhes rendam as devidas

homenagens.

Assim, agradeço:

Primeiramenteà Deus, meu refúgio.

À meu marido Cesar, sua cumplicidade e amor tornaram mais leve esse

desafio.

Aos meus filhos, Cesar Augusto e Viccenzo, que souberam administrar

minha ausência, tão jovens e tão responsáveis, agradeço por serem minha

inspiração e alegria.

À meus irmãos Enelson, Lilian, Hilda e Luciana, e sobrinho Rafael, pelo amor

que tem por mim.

De forma especial à Lilian e Hilda, não só pelo constante incentivo, mas por

assumirem minhas obrigações para que eu pudesse me ocupar dos estudos.

À Luciana, que prontamente leu e opinou neste trabalho.

À minha orientadora Professora Doutora Viviane Coelho de Séllos Knoerr, a

qual tive o privilégio de contar com a confiança e apoio, seu amor pela ciência e sua

capacidade de realização impactam a todos que estão a seu redor. Suas palavras

me fizeram prosseguir e superar obstáculos.

Aos professores que compuseram a banca para o exame de qualificação,

Professor Doutor Fernando Gustavo Knoerr e Professor Doutor Orides Mezzaroba e

Professora Doutora Viviane Coelho de Séllos Knoerr, por suas sugestões que

contribuíram para uma melhor reflexão e crescimento do presente trabalho.

À todos que de alguma forma contribuíram para a concretização desse

trabalho.

“Aqueles que abrem mão da liberdade

essencial por um pouco de segurança

temporária não merecem nem liberdade

nem segurança”.

(Benjamin Franklin)

RESUMO

A sociedade atual globalizada e democrática, requer de cada indivíduo ou país um comprometimento com o desenvolvimento econômico e social. O Comércio Internacional já se revelou um vetor de desenvolvimento e da paz entre as nações, possibilitando a troca tecnológica e permitindo o alcance de uma melhor qualidade de vida à população de países que ao implementarem o comércio para além de suas fronteiras deram um salto rumo a prosperidade e ao bem estar.As bases para viabilização do comércio internacional como se entende nos dias atuais, foram edificadas ao longo de vários anos de diálogo e concessões entre as nações, de forma a que todos pudessem usufruir hoje dos benefícios do comércio global. Écerto que vozes dissonantes à globalização tem fortes argumentos, não omitidos no presente trabalho, sem deixar de demonstrar que por outro lado, vocacionada a permanência, a globalização requer das nações uma postura que possibilite aos seus cidadãos usufruírem dos bens, riquezas e tecnologia que o mercado internacional oferece, de forma a implementar o desenvolvimento econômico e social. Sob o manto da legitimidade e com aparente defesa do bem comum, muitas decisões que restringem o comércio internacional são políticas e visam defender o interesse de grupos econômicos conhecidos como rent-seeking, que se beneficiam em detrimento da população em geral.O chamado Neo-protecionismo, mais velado e não menos nefasto,impede a implementação do comércio internacional forte, justo e solidário e vem sendo exercido de várias formas.Nos países de cariz arbitrário, o neo-protecionismo se externa, não só, mas principalmente pelas sanções administrativas aduaneiras amplamente utilizadas como meio de desestimular a importação e com intuito de manter a balança comercial favorável e proteger a indústria nacional. O Brasil já experimentou esse protecionismo na fase da substituição das importações, redundando no sucateamento da indústria nacional.Ao assim agir,a Administração Pública perpetua o abuso de poder sancionador e fere direitos fundamentais albergados na constituição, já que por meio de sanções aduaneiras desproporcionais ou desarazoadas, a liberdade que fundamenta a democracia é aviltada lesando o direito a propriedade, a livre iniciativa, a livre concorrência, maculando a dignidade da pessoa humana e tolhendo a legítima e necessária atividade empresarial promotora do desenvolvimento e da paz social. Palavras - Chave: Comércio internacional; Liberdade; Desenvolvimento; Empresa; Sanções Aduaneiras;

ABSTRACT

The current globalized society and democratic, requires each individual country or a commitment to economic and social development. The International Trade has proven itself a vector of development and peace between nations, enabling the technological exchange and enabling the achievement of a better quality of life for the population of countries to implement trade beyond its borders jumped towards prosperity and well being. The basis for the feasibility of international trade as it is understood today, were built over several years of dialogue and compromise among the nations, so that everyone could take advantage today of the benefits of global trade. Admittedly dissenting voices to globalization has strong arguments, not omitted in this work, yet provide evidence that on the other hand, staying focused, globalization requires nations a posture that allows its citizens take advantage of the assets, wealth and technology the international market offers in order to implement economic and social development. Under the cloak of legitimacy and apparent defense of the common good, many decisions that restrict international trade policies and are aimed at defending the interests of economic groups known as rent-seeking, who benefit at the expense of the population. O called Neo protectionism, more veiled and not less nefarious, prevents the implementation of strong international trade, justice and solidarity and has been exercised in several various ways. The arbitrary nature of countries, the neo-protectionism is not only, but especially by the customs administrative sanctions widely used as a means to discourage imports and in order to maintain favorable trade balance and protect the domestic industry. Brazil has experienced this protectionism on the stage of import substitution, resulting in the scrapping of the domestic industry. In so acting, the Public Administration perpetuates the abuse of power and sanctioning hurts housed fundamental rights in the constitution, since through disproportionate customs penalties, the freedom that underlies democracy is debased damaging the right to property, free enterprise, free competition, tarnishing the dignity of the human person and hindering the legitimate and necessary business activity promotes development and social peace. Keywords: International Trade; Freedom; Development; Company; Sanctions Customs;

LISTA DE SIGLAS

Acordo TBT - Acordo Sobre Barreiras Técnicas ao Comércio

GATS - Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços

BM - Banco Mundial

CADIN - Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público

Federal

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas

GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

FMI - Fundo Monetário Internacional

OMC - Organização Mundial do Comércio

OIC - Organização Internacional do Comércio

PIB - Produto Interno Bruto

PNB - Produto Nacional Bruto

RADAR - Registro e rastreamento da atuação dos intervenientes aduaneiros

SISCOMEX - Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, Sistema

Integrado de Comércio Exterior

STJ - Superior Tribunal de Justiça

STF - Supremo Tribunal Federal

TRF - Tribunal Regional Federal

TRIPS - Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados com o Comércio

UNCTAD - Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 GLOBALIZAÇÃO,DESENVOLVIMENTO E O COMÉRCIO INTERNACIONAL

........................................................................................................................ 12

1.1 Síntese histórica do desenvolvimento............................................................. 13

1.2 Aspectos jurídicos do desenvolvimento .......................................................... 15

1.3 Globalização ................................................................................................... 20

1.4 Antiglobalização .............................................................................................. 23

2 O COMÉRCIO INTERNACIONAL .................................................................. 27

2.1 Reflexões Históricas sobre o Comércio Internacional .................................... 29

2.2 Comércio Internacional como promotor do Desenvolvimento ......................... 33

2.3 A Influência do Rent-seeking no Comércio Internacional ............................... 39

3 NEOPROTECIONISMO NO COMÉRCIO INTERNACIONAL E REFLEXO

DAS SANÇÕES ADUANEIRAS ..................................................................... 43

3.1 O Poder de Fiscalizar do Estado .................................................................... 50

3.2 Direito Administrativo Sancionador ................................................................. 55

3.3 Sanções Administrativas Aduaneiras.............................................................. 58

3.4 Sanções “Políticas” Aduaneiras ...................................................................... 63

4 A SANÇÃO ADUANEIRA COMO LIMITADORA DA ATIVIDADE

EMPRESÁRIA ................................................................................................ 85

4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ................................................... 92

4.2 Liberdade de Profissão e Liberdade de Iniciativa Econômica ......................... 94

4.3 Sanções Aduaneiras em confronto com o Princípio da Liberdade ao Exercício

da Atividade Empresária. ................................................................................ 94

4.4 Limites ao Poder Administrativo Fiscal ........................................................... 96

5 CONCLUSÃO ............................................................................................... 105

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 107

ANEXOS – ÚLTIMOS JULGADOS ........................................................................ 120

10

INTRODUÇÃO

O presente estudo buscou entender em que medida o comércio internacional

contribui para o desenvolvimento econômico e social, principalmente dos países que

ainda não alcançaram um patamar de excelência em desenvolvimento e, no caso

desta hipótese se confirmar, em que medida as sanções aduaneiras são obstáculos

a persecução deste fim.

As bases de convencimento daqueles que se dizem globalistas e dos que se

intitulam antiglobalistas foram lançadas à análise, demonstrando que os primeiros

entendem que o processo de globalização é irreversível e queatravés da integração

dos países há o aumento da prosperidade e da paz, já os segundos divergem por

entenderem que a globalização só favorece os países desenvolvidos em detrimento

dos que ainda galgam esse caminho.

Adotou-se no trabalho a visão de Amartya Sen de que o desenvolvimento

não só econômico como social, está balizado na liberdade do cidadão, na sua

liberdade de escolha, na sua liberdade de empreender, na sua liberdade de não ter

“vergonha de si mesmo” e acreditar que é capaz.

Para Amartya Sen (2000, p. 28) a concepção adequada de desenvolvimento

deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do PIB e de outras

variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do crescimento

econômico, precisamos enxergar muito além dele.

Buscou-se delinear a visão de desenvolvimento como um processo integrado

de expansão de liberdades concretas imbricadas umas nas outras, o que permitiu

refletir sobre o papel das instituições públicas e privadas para a consecução deste

fim.

São suscitadas as possíveis razões que levam a crer que a prosperidade

possa advir das trocas comerciais transnacionais, de forma a favorecer as nações

envolvidas, como sendo: a) a expansão dos mercados e do consumo; b) o incentivo

aconcorrência o que permite a obtenção de uma maior variedade de produtos, com

melhor qualidade e preços mais baixos (benefícios para o consumidor); c) a divisão

internacional do trabalho e a mobilidade dos fatores de produção e bens de

consumo entre os países (complementação e acesso a bens escassos); d)

especialização e eficiência d) a geração de economias de escala, o que significa

11

aumentar a produção, renda e emprego; e) a incorporação de novas tecnologias:

que irá reduzir custos e melhorar qualidade.

O processo de globalização, com o surgimento de acordos comerciais e

processos de integração regional e com o crescimento geométrico do comércio

mundial, passou a exigir dos países um comportamento que favorecesse o livre

comércio, sem a oposição de barreiras tarifárias e não tarifárias, guardadas as

questões de soberania e segurança nacional.

No entanto, visando fugir dessas exigências muitos países dificultam de forma

obliqua a importação de produtos dos países estrangeiros, no intuito de estimular a

exportação e desestimular a importação, essas dificuldades são criadas por

decisões políticas, muitas vezes cedendo a grupos de lobbies, denominados rent-

seeking que não querem perder sua fatia no mercado interno.

A esse comportamento político que influência o agir da administração pública,

de forma a desestimular a empresa de continuar a atuar no comércio internacional,

convencionou-se chamar de neo-protecionismo.

Neste contexto, buscou-se descobrir em que medida as sanções aduaneiras

desempenham um papel decisivo na restrição da atividade empresária, no comércio

internacional e, finalmente, no desenvolvimento dos países.

A discussão também repousa no presente estudo sobre o atuar

intervencionista do Estado neste aspecto, tendo como foco delinear em que ponto

é corretivo e necessário à atividade econômica saudável, e os limites que

asseguram tanto os interesses do Estado como do administrado.

O fio condutor do presente trabalho é a liberdade do cidadão, como corolário

do principio da dignidade, sem olvidar que a liberdade fundamenta a estrada pela

qual o desenvolvimento escoa, e o pleno desenvolvimento abarca todos os aspectos

da vida humana, cabendo ao Estado assegurar esse direito fundamental.

12

1 GLOBALIZAÇÃO,DESENVOLVIMENTO E O COMÉRCIO INTERNACIONAL

Da sociedade globalizada implementou-se uma intensa atividade comercial

transfronteiriça, servindo de instrumento ao desenvolvimento e edificando um

sistema de comércio global mais inclusivo e cheio de oportunidades econômicas e

sociais para todos. Tanto para os defensores da liberdade econômica como um valor

em si, mas também aos mais pragmáticos a globalização, é reconhecidamente um

meio para alcançar a redução da pobreza e outros objetivos sociais dignos

(RODRIK, 2001).

O comércio internacional é um agente importante para o desenvolvimento,

levando em conta não apenas o aspecto econômico, mas social, cultural e

existencial como elevação da qualidade de vida das pessoas. Para isso a liberdade

comercial sendo um direito fundamental do homem, assim como o desenvolvimento,

merece a proteção do Estado.

Na prática, o desenvolvimento e maximização do comércio internacional estão

cada vez mais sendo visto como sinônimo pelos organismos internacionais, até o

ponto onde o último será facilmente substituído pelo primeiro. O resultado é uma

confusão de meios e fins, em que o comércio tornou-se a lente através da qual o

desenvolvimento é percebido, ao invés do contrário.

A mudança deste paradigma consiste em um regime de comércio em que as

regras comerciais são determinadas de modo a maximizar o potencial de

desenvolvimento, especialmente das nações mais pobres do mundo, não se atendo

apenas ao aquecimento do comércio e ao acesso ao mercado.

Para que esse regime seja factível de ser executado, o comércio global deve

evoluir em torno de três eixos definidos em linhas gerais: em primeiro lugar, a

identificação de um conjunto de princípios globais de direito; segundo, a análise do

fenômeno do empoderamento das empresas, e uma construção de pontes mais

intensas com os reguladores governamentais cujas atividades têm um impacto sobre

as transações comerciais; e, em terceiro lugar, a intensificação de esforços para

criar um sistema de comércio global mais inclusivo e cheio de oportunidades de

desenvolvimento para todos. A atenção a estas três áreas podem determinar a

sustentabilidade e a resiliência do comércio global.

13

Um vasto alcance do tema depende criticamente de como se interpreta a

história econômica recente e do papel que a abertura do comércio desempenha no

curso do desenvolvimento econômico e social.

1.1 Síntese histórica do desenvolvimento

A crescente preocupação pelo bem-estar dos países mais pobres, e a

elaboração de teorias rivais sobre o desenvolvimento econômico, são boas razões

para um repasse histórico sobre o tema. De um lado o reconhecimento de que o

Brasil subiu nas fileiras das maiores economias do mundo impulsionando-o à

abertura do mercado no intuito de convergir com as economias mais avançadas e,

de outro a visão protecionista fincada na perspectiva histórica de que, os países

agora desenvolvidos, demonstram que em seus estágios iniciais de

desenvolvimento, aplicaram políticas protecionistas quando nos mesmos estágios

em que atualmente encontram-se os países em desenvolvimento.

De um lado se coloca o liberalista Smith (2010) e de outro os pensamentos de

List (1841), defendendo a heterodoxia da intervenção gerenciada, segundo a qualos

países desenvolvidos pregam políticas de Adam Smith para países em

desenvolvimento, mas seguem as políticas de Friedrich List. Nesse passo, os países

desenvolvidos estariam chutando a escada que eles usaram para se tornar mais

ricos e poderosos e, em contrapartida estão tentando impingir aos países em

desenvolvimento um conjunto de políticas totalmente inadequadas para a sua atual

condição e interesse econômico. (CHANG, 2004)

Tanto a liberdade econômica como a intervenção estatal teve na história

vozes brilhantes argumentando em seu favor. Ao longo do tempo, o liberalismo

econômico tem sido objeto de disputa teórica e doutrinária e suas bases de

diferentes matizes por filósofos como Spinoza, Locke, Kant, Hume e Montesquieu

em que promoveram ideias sobre a importância e prevalência dos direitos

individuais, o valor da propriedade privada como respaldo para a afirmação da

personalidade humana, e sobre a racionalidade do comportamento individual. Desde

então, o liberalismo econômico teve uma evolução sinuosa, adaptando e tomando

novas formas, transportando esses valores de uma maneira original, da ética, da

sociologia e da política à economia através de renomados defensores incluindo

14

Smith, Laffer, Gidler, Backer, Menger, Webber, Popper, Mises, Hayek, Friedman

et.al (DIACON, 2013).

No lado oposto, a doutrina intervencionista emergiu especialmente quando a

grande depressão atingiu a economia. Aqui, a distinção entre a economia mista

promovida pelo intervencionismo e a economia centralizada merece apego. A

primeira forma sugere um dirigismo para a transformação do Estado a partir de um

“Estado vigilante” como um agente direto e eficaz da vida econômica servindo a

iniciativa privada. Ao passo que a segunda forma é um extremo de subjugação

econômica.

Embora as primeiras formas de intervencionismo fossem colocadas durante a

Primeira Guerra Mundial, a crise econômica mundial de 1929-1933 é considerada o

momento de sua aparência, o momento em que o Estado abandonou algumas das

teses liberais sobre o econômico e a vida social e envolveu mais profundamente na

distribuição e no uso dos recursos. O pai do intervencionismo é considerado o

economista Keynes (2013) que promovia a função de um Estado ativo e defendia

uma economia mista em que o governo e o setor público são chamados para ajudar

o setor privado, como uma maneira de aperfeiçoar o capitalismo.

Com o fim da II Guerra Mundial, despontou a discussão sobre os caminhos à

modernidade, já admitida como fenômeno universal, que tinha de um lado os

defensores do liberalismo e de outro os emparelhados ao socialismo.

Surge assim uma vasta literatura científica dedicada à análise destes temas

sob o título geral de “teoria do desenvolvimento”. A característica principal desta

literatura era a de conceber o desenvolvimento como a adoção de normas de

comportamento, atitudes e valores identificados com a racionalidade econômica

moderna, caracterizada pela busca daprodutividade máxima, a geração de

poupança e a criação de investimentos que levassem à acumulação permanente da

riqueza dos indivíduos e, em conseqüência, de cada sociedade nacional. Os

pensadores que fundaram as ciências sociais modernas haviam identificado estas

atitudes e comportamentos. Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, além dos

economistas clássicos Adam Smith e Ricardo e seus seguidores Stuart Mill ou

continuadores neoclássicos estabeleceram teorias em certos aspectos

convergentes, em outros contraditórios, sobre esta sociedade moderna e sobre os

processos que conduziram à sua implantação (SANTOS, 2014).

15

Os regimes de livre-comércio, predominantes na segunda metade do século

XIX, foram substituídos por considerável protecionismo na Europa e em outras

regiões, entre as duas grandes Guerras Mundiais. Sendo que entre 1913 e 1950, a

economia mundial cresceu muito mais lentamente e o comércio mundial cresceu

muito menos do que a renda mundial, e o grau de desigualdade entre as regiões

aumentou substancialmente (MADDISON, 2006, p.24).

Entretanto, desde a criação das instituições de Bretton Woods e do Plano

Marshall, se testemunhou uma progressiva liberalização comercial.

O comércio e o crescimento engendraram oportunidades recíprocas, um

alimentando o outro, em escala cada vez mais global. Assim, os estudos acerca do

comércio e do crescimento acabaram por ganhar ímpeto revigorado nas décadas de

oitenta e, sobretudo, noventa. Desde então, reconstruíram-se os argumentos de que

o comércio internacional traz benefícios para o crescimento e de que se alcançam

tais benefícios mediante a intensificação do comércio pelas vias da abertura

econômica, como advogaria o Consenso de Washington.

Motivaram esses argumentos o contraste entre as experiências de

crescimento rápido na Ásia e as de estagnação na América Latina. Em maior ou

menor grau, as estratégias de desenvolvimento representadas nesses padrões

dependem das instituições e da evocação de políticas no âmbito educacional,

tecnológico, comercial, industrial e financeiro. Ademais, cada caso corresponderia à

composição de um conjunto de políticas específicas e adequadas para as

características do país (SARQUIS, 2011, p.17).

Independentemente das diferentes e complementares visões, prevalece hoje

o raciocínio de que se podem auferir benefícios consideráveis do comércio

internacional, pelas vias conjuntas das exportações e das importações.

Nota-se em diversos países, uma correlação entre nível de desenvolvimento

econômico e o grau de inserção comercial ou de abertura econômica, como se verá

adiante.

1.2 Aspectos jurídicos do desenvolvimento

Bem se sabe que o conceito de crescimento econômico difere do conceito de

desenvolvimento econômico. Oprimeiro é o aumento do produto nacional em termos

16

globais ou per capita num período determinado. Já o segundo é o aumento

quantitativo do produto nacional acompanhado por modificações qualitativas

referentes ao bem estar social como um processo continuado (NUSDEO, 2003, p.

334)

Com propriedade sobre o tema argumenta Bresser-Pereira (2003) que “se o

desenvolvimento econômico não trouxer consigo modificações de caráter social e

político; se o desenvolvimento social e político não for a um tempo o resultado e a

causa de transformações econômicas, será porque de fato não tivemos

desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 2003, p.22).

E Grau (2002, p. 258-259) complementa esse conceito defendendo a inclusão

do aspecto cultural-intelectual ao conceito e apontando que o desenvolvimento é um

legítimo princípio constitucional da ordem econômica.

Neste diapasão, Bobbio (1987, p. 26) acrescenta que resta claro tratar-se de

função estatal a harmonização da perspectiva do crescimento econômico com o

desenvolvimento humano e comunitário.

O desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo desenvolvimento

do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero avanço

econômico pouco significará, ou fará sentido para poucos. Assim,

independentemente do conceito que determinada atitude possa ocupar nas teorias

econômicas, ela será adotada se puder ser utilizada como instrumento para alcançar

mencionado desenvolvimento (TAVARES, 2003, p. 68)

O desenvolvimento pode ser compreendido como um processo intencional e

autodirigido de transformação e gestão de estruturas socioeconômicas, direcionado

no sentido de assegurar a todas as pessoas uma oportunidade de levarem uma vida

plena e gratificante, provendo-as de meios de subsistência decentes e aprimorando

continuamente seu bem-estar, seja qual for o conteúdo concreto atribuído a essas

metas por diferentes sociedades em diferentes momentos históricos (SACHS;

VIEIRA, 1997, p.293).

De Adam Smith (1776) a Armatya Sen (1999), o conceito de desenvolvimento

está intimamente ligado à dignidade humana e, por conseguinte, é um direito

fundamental.

O centro da visão de Sen (1999) é o que ele chama de "perspectiva da

capacidade", onde a preocupação básica do desenvolvimento humano é "a nossa

17

capacidade de levar o tipo de vida que temos razão para valorizar", ao invés da

concentração habitual no aumento do PIB, do progresso técnico ou industrialização

(SEN, 1999, p. 78).

Sen (1999) invoca Smith (1776) para lembrar a importante capacidade de

"poder apresentar-se em público sem sentir vergonha" (SEN, 1999, p.18). Neste

diálogo entre os autores torna-se claro que a pobreza relativa ganha grande

relevância.

O reconhecimento da relatividade social e cultural das necessidades parece

conectar as realizações de uns ao que outros conseguem alcançar, reduzindo ou

eliminando os sentimentos de vergonha e baixa estima resultantes de uma

comparação sempre desfavorável com os mais bem situados (KERSTENETZKY,

2000).

O conceito de capacidade é útil para mostrar como, do ponto de vista de Sen

(1999), o mercado global pode ser um instrumento para promover o

desenvolvimento como liberdade. Sen define o desenvolvimento como "um processo

de expansão das liberdades reais que as pessoas gostam" (SEN, 1999, p.22) e

como "um processo integrado de expansão das liberdades substantivas que se

conectam uns com os outros" (SEN, 1999, p.23). O aspecto inovador desta definição

é que a idéia de desenvolvimento está focada no nível de liberdade e não no nível

de indicadores econômicos quantitativos, como Produto Nacional Bruto (PNB) per

capita.

De fato, Sen (1999) observa que essa noção de desenvolvimento,

concentrando-se em liberdades humanas, contrasta com vistas estreitas de

desenvolvimento, tais como a identificação de desenvolvimento com o crescimento

do produto interno bruto, ou com o aumento da renda pessoal, ou com a

industrialização, ou com o avanço tecnológico, ou com a modernização social.

Assim, não há desenvolvimento quando não há um avanço da liberdade de

escolha de cada pessoa e, conseqüentemente, uma expansão da capacidade em

conjunto de todos. (PAGLIARI, 2011)

A distinção que Sen (1999) faz entre a capacidade humana de capital humano

é importante na medida em que este se refere à agência de pessoas em aumentar

as possibilidades de produção. Já capacidade humana se refere à liberdade

substantiva de pessoas para levar a vida que eles têm razão para valorizar e

18

melhorar as escolhas reais que eles têm, sendo isso mais importante ainda.

Educação, por exemplo, é crucial para além do seu papel na produção, o seu papel

mais importante é o de aumentar a capacidade humana e, portanto escolha, não

podendo ficar o acesso adstrito apenas àqueles com maior capacidade financeira.

Neste formato a liberdade é o substrato do desenvolvimento e deve estar ser

respeitada como princípio fundamental de direito, não podendo disso se desviar o

governo seja a que pretexto for.

Vale frisar a afirmação kantiana de que “o homem – e, de uma maneira geral,

todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o

uso arbitrário desta ou daquela vontade” (KANT, 2003, p. 58).

Como diz Justen Filho (1999, p.125), todos” os demais princípios que

norteiam as regras jurídicas derivam da dignidade da pessoa humana, a qual não

pode ser tratado como um objeto e é o sujeito de toda a relação social e nunca pode

ser sacrificado ainda que a propósito da realização de fins últimosde outros seres

humanos ou de uma coletividade.

Como observa Ferreira (2012, p.10) queo desenvolvimento nacional almeja,

em essência, a dignidade da pessoa humana, de cada brasileiro melhor dizendo, e

com todas as nuanças que isso requer.

E comunga da mesma hóstia Sarlet (2002, p.18) ao dizer que a dignidade

evidentemente não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida em

que este a reconhece, já que constitui dado prévio, não esquecendo, todavia, que o

Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção.

A consagração do princípio da dignidade da pessoa humana se encontra

expressa em vários dispositivos da Constituição Federal do Brasil, seja no art. 1º, III,

como símbolo do compromisso assumido pela Constituição Federal com os valores

mais caros ao homem, no art. 226, § 7º, no art. 227, caput, no art. 230, caput, incisos

I e IV.

No direito brasileiro, o direito ao desenvolvimento é qualificado como direito

fundamental decorrente, nos termos do § 2° do art. 5° da Constituição da República.

Considerando o processo evolutivo dos direitos fundamentais, o direito ao

desenvolvimento insere-se no segmento dos denominados direitos fundamentais de

terceira dimensão. (OLIVEIRA, 1988)

19

Em sua parte introdutória, a Declaração sobre o direito ao desenvolvimento

da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu que o desenvolvimento é

um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante

incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base

em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição

justa dos benefícios daí resultantes.1

O princípio da dignidade da pessoa humana é o “epicentro axiológico” do

Direito brasileiro, tanto ao nível constitucional como infra. Daí por que a ordem

econômica constitucional brasileira deva ser compreendida à luz desse princípio

(Constituição, art. 1º e 170). A dignidade da pessoa humana é um fim em si mesmo,

de caráter íntegro e irrenunciável. O Estado tem, em relação a ela, deveres

negativos (abster-se de qualquer ação ou omissão que porventura a agrida) e

deveres positivos (assumir condutas que prestigiem de forma ativa a dignidade do

homem). Essa é a diretriz primeira da compreensão de toda a Constituição; essa é a

diretriz primeira de todos os princípios da ordem Econômica.(MOREIRA, 2015)

A efetivação do direito ao desenvolvimento é bem delineada por Guilherme

Amorim Campos da Silva (1954):

A Constituição Federal busca alterar a estrutura social vigente no país, que revela um modo social de produção. E busca fazê-lo mediante a definição de um conjunto de políticas públicas que determinarão novas formas histórico-sociais, econômicas e políticas que estão em constante modificação. Ao reconhecer as contradições da realidade brasileira, a Constituição Federal gerou um sistema capaz de rompê-las, dando as bases para a realização de seus princípios. Portanto, uma teoria do desenvolvimento, aplicada à definição de diretrizes que cumpram ou venham a cumprir o comando constitucional, deve se caracterizar pelo conjunto de iniciativas que rompam com o modelo de subdesenvolvimento em vigor, promovendo outra correlação de fluxo de renda, de modo a permitir ao Estado e à população, o estabelecimento de níveis superiores de qualidade de vida, mais as bases produtivas nacionais necessárias para a promoção do desenvolvimento de políticas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Uma teoria de desenvolvimento, digna deste nome, deve garantir a vigência dos cinco pilares sustentáculos da democracia, a saber: liberdade, igualdade, solidariedade, diversidade e participação (SILVA, 2004, p. 94-95).

Para NITSCHKE, o alcance de uma vida dignapode ser otimizado com a

adoção de políticas de incentivo à atividade empreendedora e cabe ao Direito a

1 Resolução n. 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, 04 dez. 1986. Sobre o direito ao desenvolvimento na perspectiva do direito internacional, cf. (DELGADO, 2001)

20

tarefa de procurar reduzir os obstáculos para que o desenvolvimento através da

atividade empresarial seja alcançado. (NITSCHKE JÚNIOR, 2008)

A liberdade fundamenta a estrada pela qual o desenvolvimento escoa, e o

pleno desenvolvimento abarca todos os aspectos da vida humana, cabendo ao

Estado assegurar esse direito fundamental.

1.3 Globalização

O fenômeno da globalização suscita os mais diferentes sentimentos. A

globalização é fruto de um processo histórico que foi acelerado pelo aumento do

conhecimento científico e tecnológico do homem, possibilitando encurtar as

distâncias e encurtar as barreiras de comunicação, redundando no intercâmbio

econômico, social, cultural, científico e tecnológico.

Já em 1927, Dewey argumentou que a tendência, econômica e tecnológica

recente, implicou no surgimento de um "novo mundo" não menos notável do que a

abertura da América para exploração européia e da conquista em 1492.

Sob esta ótica, Held(1995) argumenta que a globalização requer a extensão

das instituições democráticas liberais (incluindo o Estado de Direito e as instituições

representativas eleitas) para o nível transnacional.

Nesse ponto Habermas (2001, p. 58-113)cita a União Européia como um

degrau fundamental para a democracia supranacional, mas alerta sobre a

decadência da democracia baseada no Estado-nação, fazendo-se necessário

reforçar os órgãos representativos eleitos e melhor garantir os direitos civis, políticos

e sociais e os direitos econômicos de todos os europeus.

De outra banda, Latouche(1996, p.32) alerta que a ocidentalização

desenraiza o homem de seu mundo para jogá-lo na uniformização.

Em que se pese tais ponderações, estudos da CEPAL- Comissão Econômica

para América Latina e Caribe, demonstram que um dos principais avanços que a

globalização provocou foi a extensão a todo o mundo de valores e princípios éticos,

como os direitos humanos, a eqüidade,a democracia, o respeito pela diversidade

étnica e cultural e a proteção do meio ambiente. Entre os temas mais

especificamente relacionados com o desenvolvimento social, sobressaem os

princípios consagrados no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e

21

Culturais, em virtude do qual os países se comprometem a garantir a seus cidadãos

um conjunto de bens e serviços considerados essenciais para uma vida digna.

(CEPAL, 2000a).

É inegável que a pobreza no mundo e a desigualdade de renda caíram

durante as últimas duas décadas, pela primeira vez em mais de um século e meio,

graças à densidade crescente de integração econômica entre as fronteiras

nacionais.2 A evidência, portanto, confirma que a globalização no contexto do regime

econômico mundial, em vigor desde o fim de Bretton Woods gera mais "benefício

mútuo" de "conflito de interesses” (WADE, 2004, p. 567).

Para Schlee(2004, p.55)a globalização é o conjunto de transformações

econômicas, políticas, sociais e culturais, em curso a partir de princípios da década

de 1980, ocasionado e facilitado pelo surgimento e desenvolvimento das tecnologias

de informação e da desregulamentação dos mercados mundiais de capitais, que

resultaram na interligação profunda desses mesmos mercados, com reflexos nos

mercados mundiais de bens e serviços e ocasionando uma nova divisão

internacional do trabalho.

De qualquer sorte a globalização é irreversível, passível de ser constatada

como um processo de aumento da interligação entre os países, os quais através do

aumento da interconectividade deverão achar diretrizes para o desenvolvimento que

resulte em uma melhor qualidade de vida global.

Nesta seara, caberá ao Brasil adequar-se arealidade global, assumindo seu

potencial como ator importante no cenário internacional, já que é o quinto maior país

do mundo, a maior economia da América Latina e um importante parceiro comercial

de potências como EUA e China. Para tanto deverá o Brasil usar da mesma

habilidade que tem para arredar impostos na implementação dasreformas

necessárias em setores importantes como de infraestrutura viária e aeroviária,

estruturação de portos e aeroportosvisando a implementação do comércio exterior,

investimento na educação, ciência e tecnologia, qualificação da mão de obra e

principalmente fomentar a atividade privada e a livre iniciativa de forma a torná-la

competitiva, promovendo um ambiente de segurança jurídica e de parceria público

privada.

2 Nos últimos 20 anos a Índia, a China e o resto da Ásia Oriental, experimentaram um rápido crescimento econômico e quedas na taxa de pobreza, já a América Latina estagnou, a ex-União Soviética, Europa Central e Oriental e África subsaariana regrediram.

22

O ajuste do Brasil ao comércio internacional deve ter em conta o

desenvolvimento como um todo, como dito alhures, mas isso não é desencadeado

por plantas importadas do exterior, a abertura da economia não é o fator-chave, mas

as reformas institucionais combinando a necessidade específica do país à futura

implementação comercial internacional bem sucedida.

Da própria Organização Mundial do Comércio3 (OMC) vem sendo cobrada

uma adesão ao novo conceito de desenvolvimento, de forma a não servir apenas

como um instrumento para a harmonização das políticas e práticas econômicas

entre os países, mas como uma organização que gerencia a interface entre

diferentes práticas e instituições nacionais. Portanto, o foco direcionado no

desenvolvimento para além do aspecto econômico e na redução da pobreza é a

compreensão com base empírica do processo de desenvolvimento (RODRIK, 2001).

Esse tratamento diferenciado no sistema multilateral de comércio foi

resultante dos debates da Comissão para a América Latina e Caribe (Cepal), da

Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) e

a Organização Mundial do Comércio (OMC). Contudo, a sua legitimação jurídica se

deu ao longo do tempo nas provisões do GATT/OMC4.

Evoluindo conceito de desenvolvimento no sistema mundial de comércio, a

noção de desenvolvimento tem sido um objetivo no âmbito internacional, como

demonstrado pelos parágrafos preâmbulo do GATT 1994, o Acordo Constitutivo da

OMC e da Declaração Ministerial de Doha 2001, incluindo a elevação dos padrões

de vida, assegurando o pleno emprego e o crescimento do volume de bens, renda,

expansão da produção de demanda efetiva de bens e serviços comerciais e

ambientalmente sustentáveis.

Nesse sentido, a interpretação e a aplicação dos dispositivos legais

apresentados no Acordo Geral de Tarifas e Comércio devem ser feitas em busca

dos mesmos objetivos traçados para todos, atentando para a necessidade da

eliminação de qualquer tratamento discriminatório que possa se transformar em um

obstáculo ao comércio justo e direcionado a um desenvolvimento sustentável, ao

3 GATT, Parte IV, artigos XXXVI, XXXVII e XXXVIII consagram oportunidades comerciais aos países em desenvolvimento.

4 O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) dispõe em seu artigo XVIII, seção A, sobre a possibilidade de excepcionar os compromissos assumidos, principalmente no concernente às listas de concessão (artigo II, GATT/47), como mecanismo de ajuda especial do Estado em favor do desenvolvimento econômico.

23

mesmo tempo em que devem reconhecer a existência de níveis de desenvolvimento

diversos (SALDANHA, 2012).

1.4 Antiglobalização

O temor apocalíptico da globalização tornou-se para muitas pessoas um ato

de fé. O mantra repetido por ativistas sociais, intelectuais e figuras públicas reflete

que a nova ordem mundial é traduzida por“corporações implacáveis mantêm o

domínio, uma hegemonia global do capital alheio sob os estados e fronteiras, sem

outra ideologia que não seja uma ganância insaciável, que escraviza as nações,

erradica culturas, pisoteia a dignidade do homem, e desperdiça recursos do planeta,

tudo em nome de oferta e demanda.” (SAGIV, 2005).

Para BAUMAN (1998, p. 95) o que marca a globalização é a do caráter

indeterminado, indisciplinado assuntos mundiais e a ausência de um centro de

controle e de gestão, o que sem dúvida acaba por gerar desconfiança no sistema.

O movimento antiglobalização tornou-se um dos movimentos públicos

dominantes dos últimos anos (KINGSNORTH, 2003, p. 64), inobstante a maioria

rejeite esse rótulo, conforme Chomsky (1998),mas entendem queem vez de criar um

sistema supranacional, de justiça distributiva, uma espécie de bem-estar global de

estado-nações as instituições internacionais depositaram as suas esperanças em

um mercado livre indescritível, condenando os mais desfavorecidos a uma vida de

servidão em benefício de ricos capitalistas ocidentais.

Isso seria um estado horrível de coisas, se fosse real. Os fatos, no entanto,

parecem indicar o contrário. Um exame cuidadoso mostra que a crítica mais

estridente contra a disseminação do comércio internacional, se baseia em distorções

e exageros. Há pouca verdade na afirmação de que a economia de mercado global

trouxe a opressão dos países mais pobres e as populações em todo o mundo, pelo

contrário, a evidência parece sugerir que aos países que interagiram no comércio

internacional houve expressiva melhora tanto econômica quanto social, e coloca à

disposição possibilidades políticas e culturais que eram, até recentemente, muito

além de seu alcance.

Os argumentos dos antiglobalistas refletem uma convicção moral profunda, e

uma preocupação louvável para o bem-estar dos pobres. No entanto, eles não se

24

baseiam em fatos. Uma análise sobre uma série de estudos econômicos que

refutam quaisquer alegações de aumento da disparidade econômica decorrente do

comércio global. Os pesquisadores do Banco Mundial, David Dollar e AartKraay

(2002), por exemplo, descobriram que uma tendência internacional de longo prazo

para uma maior desigualdade na verdade prevaleceu durante pelo menos dois

séculos, mas desde que esta tendência atingiu o seu pico em 1975, tem

"estabilizado e possivelmente até mesmo revertido” (DOLLAR; KRAAY, 2002,

p.120). Outro estudo realizado pelo economista da Universidade de Columbia,

Xavier Sala-I-Martin(2002) usou uma base mais ampla de dados e sete índices

diferentes para mostrar que, de acordo com as avaliações econômicas

convencionais, as disparidades de rendimentos globais caíram substancialmente

durante as últimas duas décadas. Em outras palavras, a ascensão da economia

global nas últimas duas décadas tem coincidido com uma diminuição da

desigualdade econômica em todo o mundo.

E isso não é tudo. Durante o mesmo período de crescente globalização,

houve também uma redução significativa no nível de pobreza, em termos absolutos.

Ainda estudo de Sala-i-Martin (2002), indica que durante o último quarto de século, o

número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza internacional (estando

atualmente em um dólar por dia) caiu de 20% para 5%.

O trabalho do economista indiano Surjit Bhalla (2002) não produziu resultados

menos dramáticos: de acordo com o modelo econômico globalizado que ele usou

para medir a pobreza em todo o mundo, o percentual de pobres na população

mundial caiu de 44% para 13% entre 1980 e 2000. (BHALLA, 2002)

Uma das principais razões desta constatação refere-se ao fato de que durante

esta "idade de ouro da globalização", as nações em desenvolvimento cresceram o

dobro da taxa dos países desenvolvidos (3,1% em comparação com 1,6%, em

média, a cada ano). Este crescimento foi especialmente benéfico para trabalhadores

com baixos salários: Na China e Índia, que compõem cerca de 40% da população do

mundo, uma queda acentuada na taxa de pobreza foi acompanhada por uma

expansão substancial da classe média, de 1% da população em 1989 a 22% 10

anos mais tarde. Em números absolutos, isso se traduz em 450 milhões de pessoas

no mundo que escaparam do vício da pobreza no espaço de apenas uma década

(BHALLA, 2002).

25

Nem todos os países em desenvolvimento colheram os frutos do crescimento

econômico, no entanto. Vários deles escolheram, ou foram assim obrigados,

apermanecer fora do mercado global. Uma grande parte da África, por exemplo,

ainda está mergulhado na pobreza. No entanto, a maior parte da culpa não repousa

nas políticas de "exploração" do Ocidente, mas sim com a instabilidade política, a

corrupção desenfreada, e ineficiência grave do governo local (MICKLETHWAIT;

WOOLRIDGE, 2000).

Em países como a Coréia do Norte, Síria, Irã e Sudão, as autoridades

adotaram uma política de isolamento do mundo exterior, a fim de manter longe as

influências estrangeiras. O preço dessa política, como SACHS e WARNERda

Universidade de Harvard tem demonstrado, é que estes países estão muito atrás de

seus pares. Durante os anos 1970 e 1980, as nações pobres, que abriram os seus

mercados ao comércio internacional cresceram seis vezes mais do que aqueles que

não o fizeram. De forma que as economias abertas dobram de tamanho

aproximadamente a cada 16 anos,e as de economia fechadas a apenas a cada cem

anos (SACHS; WARNER, 1995).

O caso da Coréia do Sul é um exemplo importante, de como as economias

abertas atingiram um crescimento rápido. Em 1960, foi um dos países mais pobres

do mundo, pior até do que a Coréia do Norte e a maioria dos países africanos. Sua

reviravolta adveio da decisão de integrar sua economia para o mercado

internacional. A contribuição das exportações para o produto nacional aumentou de

forma constante de 2,4 por cento em 1962 para 23,7 por cento em 1973. Em 1999,

esse número subiu para 42 por cento do PIB. O governo, por sua vez, estimulou o

processo, melhorando a educação e formação profissional, a remoção de restrições

à importação de tecnologia e matérias-primas, e dar ajuda a empresas prósperas.

Hoje, a Coréia do Sul é uma grande potência econômica: sua participação no

comércio mundial passou de 0,04 por cento em 1962 para 2,5 por cento em 2000.

Na verdade, as duas Coréias estão agora em ambos os extremos da escala

econômica: em 2003, o PIB da Coréia do Sul per capita foi de 17.800 dólares, em

comparação com 1.300 dólares para a Coréia do Norte (BAE; ROWLEY, 2002).

É verdade, esta história de sucesso não foi sem contratempos. A Coréia do

Sul foi uma das principais vítimas da crise financeira asiática de 1997-1998, que

26

começou com o colapso da moeda da Tailândia e rapidamente se espalhou para

outros países.

A crise 1997-1998 expôs defeitos graves na gestão econômica dos "tigres

asiáticos". Essas economias em expansão há muito se basearam no corporativismo

patrocinado pelo Estado e as ligações desconfortavelmente estreitas entre políticos

e empresários. Os governos da região se viam como patronos da indústria, mas a

sua política de concessão de empréstimos generosos (incentivado por política de

empréstimos semelhante perdulários do FMI) e do crédito excessivo concedidos a

grandes empresas expôs a flutuações extremas no mercado de capitais e selou-as

com enormes dívidas. O colapso, então, resultou não de uma falha do sistema de

livre mercado, mas a partir da aplicação equivocada de seus princípios. Além disso,

os países afetados, como a Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia aprenderam as lições

corretamente e adotaram novas políticas reduzindo o grau de intervenção do

governo na economia (LARSSON, 2000).

Obviamente estes índices não significam fechar os olhos para a exploração

que ocorre em muitos desses países, mas verifica-se que os aspectos positivos

prevalecem.

O capitalismo global não é certamente um bem absoluto. Mas não há provas

contundentes de que as vantagens da globalização para os países pobres superam

suas desvantagens como centenas de milhões de pessoas que saíram da pobreza

na última geração podem atestar. Não há mérito em sintetizar a economia de livre

mercado como um jogo de soma zero, em que o ganho de uma pessoa sempre vem

à custa do outro. Os resultados das duas últimas décadas do aumento da

globalização têm provado o contrário: que os benefícios do comércio internacional

refletem tanto nos fracos como nos fortes, tanto nos patrões corporativos em Nova

York e Tóquio, como nas massas famintas do Vietnã e Malásia.

27

2 O COMÉRCIO INTERNACIONAL

O comércio entre nações distintas remete aos primórdios da civilização,

contudo a evolução tecnológica a partir da década de 1980 serviu de válvula

propulsora para que se alcançasse o grau de desenvolvimento atual.

Com efeito, as teorias do comércio e do crescimento confundem-se com a

própria origem do pensamento econômico, seja SMITH(1776), RICARDO (1810), e

outros contemporâneos, ressaltaram a relevância do comércio para a riqueza das

nações e entenderam ser o comércio internacional componente eficiente e, em certo

sentido, indispensável para a geração de maior riqueza e para o aumento do bem-

estar dos países.

As relações econômicas decorrentes das atividades empresariais aos poucos

formaram uma regulamentação relativamente independente dos regimes jurídicos

estatais, vinculando todos que atuam nesse cenário - a “lexmercatoria”.

Com a internacionalização dos mercados financeiros, de capitais e de

trabalho, os governos nacionais têm sentido crescentemente o descompasso entre a

limitada margem de manobra de que dispõem e os imperativos decorrentes

basicamente não das relações de comércio em nível mundial, mas das relações de

produção tramadas globalmente, alerta Habermas (1995).

Para clareza do tema, o recente estudo de Sarquis (2011, p.27) é decisivo:

A mais forte evidência empírica de que o comércio pode contribuir para o crescimento dos países reside na tendência à integração econômica internacional que se registra ao longo da história. Diz respeito essencialmente à crescente participação do comércio na atividade econômica dos países, tendo as reformas e as políticas de liberalização facilitada a maior relevância do comércio na atividade econômica. Para Jones e Romer (2009), essa crescente participação do comércio passou a ser um dos mais relevantes “fatos estilizados” do crescimento. (...) Em verdade, sobressaem, grosso modo, dois gêneros de estudos, cujas distinções são não só pouco refletidas na literatura, mas também difíceis de serem claramente apontadas ou explicadas. O primeiro gênero considera o possível impacto da maior inserção comercial – mais precisamente, a elevação do coeficiente de abertura – sobre a renda per capita das economias ou sobre o seu crescimento. O segundo procura tratar dos efeitos decorrentes das políticas de liberalização comercial, como a redução tarifária e de outras barreiras, sobre os indicadores de renda e crescimento. (...) O caso do Brasil desperta indagações. Trata-se de país cuja conectividade comercial pouco avançou, de 1960 a 2008. Seu coeficiente de abertura se elevou de 18% a 21,5% nesse período. O Brasil registra um salto inferior aos do Japão e dos EUA, de 19% a 30,5% e de 7% a 23%, respectivamente. No G20, o Reino Unido e a África do Sul tiveram, como o Brasil, um incremento muito marginal de sua abertura. Todavia, já contavam

28

com coeficientes elevados, respectivamente de 33% e 59%, em 1960. O desempenho do Brasil contrasta, pois, não só com os de vários países em desenvolvimento da Ásia, mas também com casos de países que já haviam experimentado um processo anterior de abertura e/ou desenvolvimento. A singularidade brasileira é igualmente evidente no âmbito latino- -americano. Vários países da região, como o Chile, a Argentina e o México, alcançaram maior intensidade comercial entre 1960 e 2008. Tal desempenho pode ser atribuído aos impactos relativamente mais fortes sobre esses países da liberalização comercial promovida na década de noventa, por exemplo, nos âmbitos unilateral, regional (Mercosul e NAFTA) e multilateral (Rodada Uruguai). Conquanto o Brasil tenha também produzido importante liberalização unilateral e sub-regional, os efeitos desta na forma de expansão do seu comércio internacional foram proporcionalmente inferiores aos verificados na maioria dos outros países latino-americanos. O mesmo pode-se dizer em relação a outras economias maiores fora da região (SARQUIS, 2011, p.27).

Esse quadro demonstra que a importação que sempre recebeu especial

atenção pelo Brasil desde os preceitos da doutrina de substituição de importações,

intensamente difundida pelos trabalhos de Prebisch (1950) e Singer (1950) da

CEPAL, se mostrou ineficiente na medida em que não promoveu a indústrias de alta

tecnologia mantendo-o na produção de produtos básicos e commodities e a

proteção à indústria nacional não redundou no crescimento esperado, criando um

hiato de desenvolvimento em relação aos países avançados.

Fazendo ainda uso das conclusões do aprofundado estudo de Sarquis (2011)

no caso específico do Brasil, o desempenho de crescimento econômico está

atrelado à expansão potencial tanto das exportações como das importações. Sendo

que as importações de bens de capital e de outros bens intermediários são

fundamentais ao processo de acumulação de capital e ao crescimento, bem como à

maior eficiência e diversificação do setor exportador, cujo desempenho é

fundamental para que se aliviem restrições externas da economia brasileira, já que

essas restrições causam descontinuidades nos processos de expansão da

conectividade comercial do Brasil, prejudicando a persistência das exportações e

das importações e a internalização de seus benefícios de crescimento; sem isso a

perda de competitividade industrial se verifica também em termos relativos

internacionais, tendo o Brasil sido submetido a maior especialização em

commodities e perdido espaço no comércio de bens industriais, apesar de alguns

avanços domésticos (por exemplo, no segmento de aeronaves). Para que a

expansão das exportações seja compatível com altas taxas de crescimento, faz-se

necessário esforço intenso de dinamização da capacidade industrial produtiva e

exportadora.

29

Os vários fatores macroeconômicos, combinados com volatilidade financeira,

afetam o desempenho importador e exportador, comprometendo o crescimento

também pela via comercial. O desempenho industrial de produção e de exportação e

o comércio intraindústria são especialmente afetados pela abertura financeira

internacional do País, a qual pode constranger – via efeitos cambiais e outros – os

possíveis ganhos de crescimento associáveis a uma maior abertura comercial.

O Brasil é um país que ambiciona um papel importante na economia mundial,

massua presença continua relativamente modesta, sua economia bastante

introspectiva e isolada dos mercados globais, somente mudançasprofundas

poderiam permitir ao Brasil para diminuiro fossoentre as ambições globais e suas

realizações. (PORZECANSKI, 2014)

2.1 Reflexões Históricas sobre o Comércio Internacional

Os aspectos rudimentares no âmbito econômico e social da globalização

surgem em 320 a.C. com o estabelecimento do Império Maurya, na Índia. O Império

Maurya foi uma das primeiras sociedades a desenvolver o comércio internacional,

estabelecendo relações com a Ásia e Europa.

Durante o século II a.C., os nativos da atual China estabeleceram a Rota da

Seda, uma rota de comércio que atravessava a China, Egito, Pérsia, Índia e Roma.

A Rota da Seda foi um projeto multilateral com cada nação contribuindo para a

proteção das rotas comerciais e o estabelecimento de protocolos comerciais.

Eventualmente, as organizações religiosas da Ásia, Índia, Mesopotâmia e da

Europa estabeleceram comunidades e locais de culto em nações estrangeiras. Até o

século X d.C., quase todas as sociedades imperiais estavam envolvidas no comércio

internacional, e a troca de conhecimento sobre religião, filosofia e organismos

biológicos, também acompanhavam os laços econômicos.

Em meados dos anos 1300, o comércio internacional foi realizado por

transporte marítimo, já o aumento do colonialismo europeu em 1400 acelerou o

desenvolvimento de regulamentações comerciais intrincadas. Potências coloniais

europeias cresceram durante os anos de 1600 e 1700, como muitas nações

participaram na captura e venda de escravos da África, nas Américas e em outros

lugares. A escravidão tornou-se uma das principais forças de globalização cultural já

30

que os comerciantes, inadvertidamente, acabaram por criar populações étnicas em

nações estrangeiras.

A partir de 1600 até o início do ano de 1800, a economia mundial foi baseada

no mercantilismo e a influência política estava ligada ao tamanho da frota mercante

de uma nação e seu acúmulo de bens transacionáveis. Até o final de 1700, alguns

países foram mudando para o protecionismo durante a tentativa de melhorar a sua

infraestrutura. A partir daí ocorreram movimentos de independência em oposição

aos governos imperiais.

O processo contemporâneo de internacionalização remonta à irrupção do

capitalismo na Europa no final da Idade Média, à nova atitude científica e cultural

que encarnou o Renascimento e à formação das grandes nações européias e seus

impérios. A expansão do capitalismo é o único processo histórico que teve alcance

verdadeiramente global, mas, ainda assim, incompleto. Com maior intensidade que

em outras regiões do mundo em desenvolvimento, a história da América Latina e do

Caribe esteve estreitamente vinculada a esses desenvolvimentos, desde o fim do

século XV.

Os historiadores modernos reconhecem momentos distintos no processo de

globalização durante os últimos 130 anos, sendo a primeira fase da globalização, de

1870 até 1913, se caracterizou pela elevada mobilidade dos capitais e da mão de

obra, junto com um auge comercial, baseado mais numa grande redução dos custos

de transporte do que no livre comércio. Esta fase da globalização se interrompeu

com a Primeira Guerra Mundial, dando lugar a um período caracterizado, primeiro,

pelo fracasso em reconstruir as tendências prévias na década de 1920 e pela franca

retração do processo de globalização na década de 1930.

Após a Segunda Guerra Mundial tem início uma nova etapa de integração

global. Todavia, apesar de sua continuidade, convém distinguir duas fases

inteiramente diferentes neste período, cujo ponto de ruptura tem lugar no início da

década de 1970, como efeito conjunto do colapso do regime de regulamentação

macroeconômica definido em 1944 em Bretton Woods, do primeiro choque

petroleiro, da crescente mobilidade privada de capitais, que se intensificou a partir

dos dois processos anteriores, e do fim da "idade de ouro" de crescimento dos

países industrializados. Representando o fim da idade de ouro como o ponto de

ruptura, tem-se uma segunda fase de globalização, entre 1945 e 1973, que se

31

caracterizou pelo grande esforço para desenvolver instituições de cooperação

internacional em matéria financeira e comercial, e pela grande expansão do

comércio de manufaturas entre países desenvolvidos, bem como pela existência de

uma grande variedade de modelos de organização econômica no mundo inteiro, e

por uma baixa mobilidade de capitais e de mão de obra.

No último quarto do século XX, consolidou-se uma terceira fase de

globalização, cujos atributos centrais são a gradual generalização do livre comércio,

a crescente presença das empresas transnacionais no cenário mundial sob a

modalidade de sistemas de produção integrados, o crescimento e a elevada

mobilidade dos capitais, e uma notável tendência à homogeneização dos modelos

de desenvolvimento, além da subsistência de restrições aos movimentos da mão de

obra.

Os progressos no transporte, informação e comunicações fazem parte de um

conjunto mais amplo de inovações tecnológicas que permitiram avanços sem

precedentes na produtividade, no crescimento econômico e no comércio

internacional. Nos países europeus, o grande capital esteve associado ao comércio

internacional desde as origens do capitalismo moderno. A internacionalização da

produção das empresas remonta ao final do século XIX, como subproduto dos

processos de concentração econômica nos países industrializados, de onde

provêem até hoje as grandes empresas transnacionais. A partir da década de 1970,

estendeu-se a subcontratação internacional das tarefas mais intensas em mão de

obra (montagem). Este desenvolvimento foi possível graças à redução dos custos do

transporte e à regulamentação comercial nos paísesindustrializados. Este constituiu

o primeiro passo para o desenvolvimento de sistemas de produção integrados, que

permitem segmentar o processo produtivo em suas diversas etapas

(“desmembramento da corrente de valor”) e especializar fábricas ou empresas

subcontratadas localizadas em vários países na produção de componentes, fases do

processo produtivo e montagem de modelos particulares.

Essas mudanças na estrutura da produção e comércio aumentaram a

importância das grandes empresas ou conglomerados empresariais. Existe, de fato,

uma relação estreita entre o surgimento dos sistemas integrados de produção e o

aumento dos fluxos de comércio e de investimento estrangeiro direto e o papel cada

vez mais importante das empresas transnacionais. O fator essencial foi, sem dúvida,

32

a liberação do comércio, dos fluxos financeiros e dos investimentos nos países em

desenvolvimento, que se acelerou nas duas últimas décadas. Estes fenômenos

contribuem para explicar a grande onda de investimentos estrangeiros e a

concentração da produção em escala mundial que caracterizou a última década do

século XX.

Assim como no caso do comércio, as transações financeiras internacionais

fizeram sua aparição na Europa desde as próprias origens do capitalismo moderno.

No século XIX, Londres era o principal centro financeiro internacional e, sob a sua

liderança, se consolidou o padrão-ouro como sistema de pagamentos internacionais

e regulamentação macroeconômica. Paris foi seu competidor mais próximo e, no

início do século XX, somou-se Nova York. A "emissão de capital" de grandes

projetos, especialmente de infraestrutura e recursos naturais, e a criação de um

mercado internacional de bônus da dívida pública foram às modalidades dominantes

dos movimentos internacionais de capitais de longo prazo da primeira fase da

globalização. A elas se agregou o financiamento do comércio internacional, em torno

do qual surgiu uma incipiente rede bancária internacional. As modalidades de

financiamento de longo prazo estiveram expostas a crises recorrentes, e

praticamente cessaram com a depressão mundial da década de 1930 e o colapso do

padrão-ouro e as moratórias maciças que a acompanharam.

O acordo de Bretton Woods, de 1944, para criar um sistema multilateral de

regulamentação macroeconômica baseado em taxas de câmbio fixas, mas

reajustáveis, e o apoio financeiro aos países que enfrentavam crises do balanço de

pagamentos, assim como o surgimento dos bancos oficiais de financiamento

internacional, tanto nacionais (bancos de exportações e importações) como

multilaterais (Banco Mundial e, posteriormente, o Banco Interamericano de

Desenvolvimento e outros bancos regionais), foram às respostas a este fato.

(CAMPO, 2003, p.167)

Por sua vez, o ressurgimento do financiamento privado internacional de longo

prazo, a partir da década de 1960, foi produto não só da nova fase de estabilidade

da economia mundial, mas também de uma sucessão de fatores: o excedente de

dólares desta década, e de petrodólares da seguinte; o abandono do esquema de

paridade fixa de Bretton Woods e a “flutuação” das principais moedas, no início dos

anos 1970; a acelerada institucionalização da poupança na década de 1980, sob a

33

liderança dos Estados Unidos e Reino Unido; e o nascimento de um mercado

crescente de derivados financeiros, na última década do século XX, que permitiu

subdividir os riscos dos diversos ativos e passivos financeiros.

2.2 Comércio Internacional como promotor do Desenvolvimento

Do arcabouço analítico até aqui desenvolvido demonstrou que seja por

estudos empíricos ou teóricos não se pode deixar de reconhecer que a negação da

oportunidade de agir no mercado internacional, vibrante pela globalização já

instituída, configura uma privação da liberdade, implicando em refrear o

desenvolvimento em seu conceito mais amplo.

A ausência de interação no mercado leva a uma redução de liberdade,

enquanto reflete na redução da capacidade das pessoas, pela falta de oportunidade,

deixando de expandir renda, riqueza e de levar uma vida de acordo com seus

anseios.

O pensamento de Sen fundamenta que é possível supor que a divisão

mundial do trabalho e do mundo interconexão dos mercados nacionais pode

produzir um resultado positivo social: a expansão e a expressão da liberdade

humana.

Como já dissera Mises(1988) o conceito de liberdade significa que todo

adulto é livre para ‘organizar’ a sua vida de acordo com seus próprios planos e ele

não é obrigado a viver de acordo com o plano de uma autoridade... a liberdade

significa ‘para não depender mais de discrição de outras pessoas do que estes

dependem da própria’" (MISES, 1988, p.97).

Não destoa Friedman (1984)ao acrescentarque “a essência da filosofia liberal

é a crença na dignidade do indivíduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas

capacidades e oportunidades de acordo com as suas próprias escolhas, sujeito

somente à obrigação de não interferir com a liberdade de outros indivíduos fazerem

o mesmo”(FRIEDMAN, 1984, p.15).

A importância do papel do formulador de políticas na promoção do

crescimento econômico, bem como do bem-estar social foi destacada por Smith

(1776), que sublinhou o papel do governo em um sistema de liberdade natural que

surge quando todo o sistema quer por preferência ou por contenção, são

34

completamente tomados. Em tal sistema, "todos os homens, desde que não viole as

leis da justiça, fica perfeitamente livre para perseguir seu próprio interesse o seu

próprio caminho, e para trazer a sua indústria e do capital em concorrência com os

de qualquer outro homem, ou ordem de homens” (SMITH, 1776, p. 22). Mas, ao

mesmo tempo, o “esforço da liberdade natural de alguns indivíduos, o que pode pôr

em perigo a segurança de toda a sociedade, é, e deveria ser impedido pelas leis de

todos os governos, dos mais livres, bem como dos mais despóticos” (SMITH, 1776,

p. 140).

Sen (1999) contribui para o debate sobre o papel que deve ser

desempenhado pelo governo e por outras instituições nacionais e internacionais, no

funcionamento dos mercados, descrevendo as tarefas a serem executadas por

todos os fabricantes de política tanto em nível nacional e em nível internacional.

Estas tarefas podem ser divididas em dois grupos: (1) a redução dos resultados

negativos do mercado global, e (2) garantir a liberdade de acesso ao mercado

mundial, apontando em ambos os casos para a conexão que parece existir entre a

abertura dos países para a economia internacional e a importância de o governo de

mercado.

De acordo com Sen, "a liberdade de entrar em mercados em si pode ser uma

contribuição significativa para o desenvolvimento, muito além de qualquer que seja o

mecanismo de mercado pode ou não fazer para promover o crescimento econômico

ou industrialização. [...] E assim a liberdade de participar em intercâmbio econômico

tem um papel fundamental na vida social”.(SMITH, 1776, p. 140).

Mas por óbvio, que o respeito à liberdade como desenvolvimento não suprime

a necessidade da legitimidade do Estado como garantidor dessa liberdade, como

acrescenta August von Hayek (1978) “para uma nação de existir e operar lá deve

aparecer, através de um processo de seleção, certas regras que obrigam as

pessoas a se comportar de uma maneira que torna possível a vida social”.(HAYEK,

1978)

O assentamento das idéias a cerca do papel do comércio internacional no

desenvolvimento está longe de acontecer, mas os frutos do debate servem de

aprendizado para entender que a liberdade deve ser defendida como direito

fundamental que calça o desenvolvimento, cabendo ao Estado agir de forma a dar

35

os recursos necessários para que esses direitos sejam alcançados em termos de

cooperação entre o público e o privado.

A proposta de Trubek (2008) que realiza estudo em conjunto com Diogo

Coutinho5 sobre o Novo Estado Desenvolvimentista, reconhecendo que nesta fase, o

novo Estado desenvolvimentista é mais uma idéia e um conjunto de movimentos

parciais do que uma prática cristalizada, e propõe a enumeração de elementos que

sugerem uma mudança de paradigma, tais como a dependência primária no setor

privado como investidor, a aceitação do o Estado na coordenação de projetos e

prestação de informações, especialmente em projetos com múltiplas entradas e

recompensa em longo prazo, a colaboração e comunicação entre os setores público

e privado, forte interesse nas exportações e a abertura em relação às importações,

atenção direta ao empreendedorismo, inovação e desenvolvimento de novos

produtos, em vez de dependência de tecnologia importada e know- how, a promoção

da produção (em vez de especulação) pelos investimentos estrangeiros diretos,

ênfase em tornar as empresas privadas competitivas, em vez de protegê-las da

concorrência, a privatização ou parcerias público/privado na prestação de serviços

públicos, a promoção dos mercados de capitais nacionais e do setor financeiro, tanto

para gerar e alocar recursos, a atenção à proteção social, incluindo os esforços para

reduzir a desigualdade, a manter a solidariedade e proteger contra alguns dos

custos de reestruturação.

O reconhecimento do desenvolvimento como um direito fundamental pode

afastar a ligação com as idéias de subsidiariedade como defende Gabardo (2009,

p.243), que reconhece a legitimidade da parceria entre o público e o privado para a

consecução do fim desenvolvimentista, inobstante a recepção do princípio da

subsidiariedade como fio condutor a dar fluidez entre interesses tão específicos não

pode deixar de ser ventilado. 5 Direito e o Novo Estado Desenvolvimentista, um projeto conjunto da GLS, Cebrap, Direito GV, e

Los Andes University Law School, O projeto de pesquisa sobre a "Lei e o Novo Estado Desenvolvimentista (terrenos)" foi lançado pelo Professor David Trubek em 2007 com o apoio do Centro Global Legal Studies, Center for World Affairs e a Economia Global e Faculdade de Direito da UW. éco-patrocinado pelo Cebrap , o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Direito GV, da Faculdade de Direito da FGV em São Paulo, e a Faculdade de Direito da Universidade de Los Andes e tem recebido o apoio da Fundação Ford. Participantes:Professor David Trubek (UW Law School) (Coordenador) Professor Helena Alviar Garcia (Universidad de Los Andes, Bogotá) Professor Diogo R. Coutinho (USP - Universidade de São Paulo e CEBRAP) Shunko Rojas (Harvard Law School / Banco Interamericano de Desenvolvimento ) Professor Alvaro Santos (Georgetown Law School) Professor Manuel Gomez (Florida InternationalUniversity) Professor-Michelle Ratton Sanchez (FGV - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo e CEBRAP) Professor Mario Schapiro (FGV - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo), http://law.wisc.edu/gls/lands.html.

36

A contribuição do comércio internacional para o desenvolvimento do Brasil,

deve ser vista não só como uma realidade pertinente, mas como um direito

inarredável do povo brasileiro.

O Brasil, sem se submeter à pressão dos países já desenvolvidos, deve

assumir que é um gigantee pode se assentar a mesa dos grandes, mas para tanto

deve haver uma mudança de paradigmas, visando desenvolver um sistema que

conjugue os direitos e a liberdade da iniciativa privada para usufruir desta fatia do

mercado ainda que com certo grau de risco com os interesses do Estado,

desenvolvendo uma política econômica externa e de negociações internacionais,

que poderiam ser exploradas nos marcos da atuação global e multilateral.

Não se trata de justificar formas contraditórias de organização social, mas de

reconhecer que o Estado deve assegurar a liberdade das pessoas atuando como

promotor do desenvolvimento e considerando para tal o comércio internacional como

um meioe como um direito inarredável de seu povo.

A defesa do livre comércio é robusta e não se atém apenas à prosperidade

global, mas também para os resultados distributivos, o que torna o argumento de

livre comércio moralmente atraente também.

Para o economista ArvindPanagariya (2013), da Universidade de Columbia, a

ligação entre abertura comercial e prosperidade econômica é forte e sugestiva, já

que alguns países em desenvolvimento experimentaram um verdadeiro "milagre"

com taxas anuais de crescimento do PIB per capita de 3% ou mais e mais

convincente ainda é o aumento dramático nas taxas de crescimento do PIB da Índia

e da China depois que arrefeceuas barreiras comerciais no final de 1980 e início de

1990. Em ambos os países, a decisão de reverter políticas protecionistas não foi a

única reforma empreendida, mas um componente importante. (PANAGARIYA,

2000)

Desta maneira, o comércio é apenas um dispositivo facilitador. Por exemplo,

se a infraestrutura é ruim, ou as políticas internas impedem os investidores

deresponder às oportunidades de mercado (tais como restrições de licenciamento

sufocantes do Sul da Ásia), não haverá nenhum resultado. Para ganhar com a

abertura comercial, você tem que garantir que as políticas complementares estão no

lugar. Ao impor as políticas que regulem o comercio exterior deverá visar à função

37

objetiva do bem-estar social, não estando suscetível a lobby por agentes privados

com interesses próprios.

O aquecimento do comércio internacional é inclusivo e não beneficia elites,

exemplo disso é a Índia, que experimentou um crescimento acelerado após as

reformas que incluíram a liberalização do comércio retirando cerca de 200 milhões

de pessoas da pobreza. Na China, que cresceu mais rápido, estima-se que mais de

300 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza desde o início das reformas.

Ainda nas palavras de ArvindPanagariya (2013), embora haja um papel para

programas orientados para a redução da pobreza, a melhor esperança dos pobres

mantém-se o crescimento rápido e sustentado.

Segundo o órgão executivo da União Européia denominado Comissão

Européia6, a implementação do comércio internacional :

1. ajuda a impulsionar o desenvolvimentoe a reduzir a pobreza através da

geração deoportunidades comerciais e investimento, bemcomo o

alargamento da base produtivaatravés do desenvolvimento do setor

privado;7

2.aumenta a competitividade e auxilia os países em desenvolvimento a reduzir

os custos dos insumos, aumentando o valor agregado de seus produtos, de

forma a subirem na cadeia produtiva global.8

3. facilita a diversificação das exportaçõesao permitir que os países em

desenvolvimento tenham acesso a novos mercados, novos insumos e

tecnologia de ponta,ampliando e inovando a produção.9

4. incentiva a inovação facilitando o intercâmbio de know-how,tecnologia e a

entrada de investimento estrangeira para a investigaçãoe desenvolvimento

de produto de alta performance.10

6 Benefits of trade for developing countries, in e c . e u r o p a . e u / t r a d e.

7 Entre 2000 e 2008, o PIB per capita aumentou US $ 325 para US $ 625 em países menos

desenvolvidos, que implementam o comércio internacional e o investimento estrangeiro. 8 O aumento do PIB per capita dos países em desenvolvimento do G20 é de 115% para a década

2000-2010, muito atribuído ao aquecimento do comércio internacional. 9 A Índia diminuiu as restrições a importação de 90% em 1991 para 30% em 1997. Isto deu acesso

aos fabricantes indianos à uma variedade de produtos intermediários e de capital. As importações de bens intermediários aumentaram em 227% durante o período, favorecendo os produtores indianos que não os podiam comprar antes de 1991.Como resultado, a produção industrial cresceu em 50% com os novos produtos.

10 O investimento e comércio internacional têm facilitado a implantação de tecnologias de informação

e comunicação, como acobertura telefônica móvel que atingiu 86% da população do mundo em 2008, incluindo 69% da população africana.

38

5.expande negócios e oportunidades para as empresas locais, com abertura de

novos mercados, removendobarreiras desnecessárias e tornandomais fácil

exportar.

6. ampliao leque de oferta de bens e reduz os preços para os consumidores

finais, ampliando a gama de fornecedores de produtos e serviços de

abastecimento, reforçando beneficamente a concorrência.

7.desempenha um papel na melhoriada qualidade de vida, trabalho e meio

ambiente dentro dos padrões de excelência internacional, através do

aumento daconcorrência e do intercâmbio de melhores práticas entre

parceiros comerciais,capacitação da indústria e qualificação das normas dos

produtos.11

8.contribui para o corteos gastos do governo, por meio da expansão dos

fornecedores de produtos e serviços, reforçando a concorrência

paracompras governamentais.12

9. fortalece os laços entre as nações,reunindo pessoas de diversas

nacionalidades em intercâmbios pacíficos de forma acontribuir para a paz e

a estabilidade.13

10.cria oportunidades de emprego já que ao estimular setores econômicos

surgem empregos estáveis e normalmenterendimentos mais elevados,

melhorando assim os meios de subsistência.14

Todas estas vantagens oferecidas pelo comércio trans fronteiriço aquecido

elevam o padrão de vida da população. O comércio internacional ea

interdependência global, de alguma forma, tem contribuído para a cooperação entre

os países que enfrentam os mesmos desafios, promovendo a cooperação

internacional com estratégias adequadas para enfrentar a nova realidade global. A

esperar com isso, que os benefícios alcançados sejam comuns. Outro aspecto

positivoda liberalização do comércio é que ele estimula a liberdade do cidadão, a

11

Através do comércio internacional, a União Européia tem ajudado o Sul da Ásia fazendo com que países como Bangladesh e Sri Lanka se beneficiem da melhoria dos padrões de qualidade para os produtos têxteis e outras exportações. Durante a última década Bangladesh aumentou as suas exportações em mais de 80%.

12 Compras governamentais são um aspecto importante do comércio internacional, dado o tamanho

considerável do mercado de contratos públicos (muitas vezes vão de 10-15% do PIB) e dos benefícios para as partes interessadas nacionais e estrangeiras em termos do aumento da concorrência.

13 Esta noção intuitiva é confirmada pela evidência de um estudo realizado pelo Centro de Pesquisas

de Política Econômica em dados empíricos, que demonstram que a probabilidade de conflitos é menor para os países que negociam.

14 Trabalhadores da indústria em economias abertas recebem taxas de pagamento 3-9 vezes maior,

do que aqueles de economias fechadas, dependendo da região.

39

liberdade de escolha e da atividade empreendedora de cada um, princípio básico de

uma sociedade democrática. Os agentes econômicos se comprometem em

promover as atividades produtivas com menor restrição do Estado. Esta liberdade

econômica é a manifestação da liberdade individual das pessoas. O exercício deste

direito reduz as chances de que o Estado, sob o controle de certos governos, viole

os direitos fundamentais dos indivíduos. Com liberalização do comércio novos

hábitos surgem e uma mentalidade empreendedora aflorana população. As pessoas

procuram o seu crescimento com base no seu próprio desempenho e não apenas

esperando que o governo, com uma atitude paternalista e às vezes demagógica,

proporcione-lhes recursos para a sua subsistência. Essas atitudes muitas vezes

favorecem a corrupção, pois mesmo os empresários aproveitamda proteção

conferida pelo Estado para alcançarem melhores lucros. (GONZALEZ, 1999)

2.3 A influência do Rent-seeking no Comércio Internacional

O governo influencia os padrões de importações e exportações por tarifas,

quotas e outras restrições políticas.

Um debate central por muitos anos tem se ocupado em tratar das virtudes do

livre comércio contra o protecionismo. Em termos simples, o livre comércio significa

a ausência ou a mínima quantidade de restrição ao comércio internacional.

Essencialmente, um governo persegue o livre comércio remove barreiras às

importações e estimula exportações. Os seguintes argumentos para o livre comércio

são muitas vezes feitos: 1)que a implementação das importações levará a mais

opções para os consumidores; 2) que a concorrência das importações torna as

empresas nacionais mais competitivas, com preços mais baixos e de melhor

qualidade para os consumidores; 3) que as importações podem fornecer valiosas

contribuições através de tecnologia e insumos para as empresas nacionais; 4) que

as importações depodem promover as relações comerciais com outros países,

tornando mais fácil para exportar; e 5) que o aumento das exportações levará a mais

renda e empregos nas indústrias de exportação.

Tradicionalmente, o protecionismo tem significado usando barreiras às

importações que concorrem com indústrias nacionais. Argumentos atuais para

medidas protecionistas, cujas razões não se limitem apenas a proteger a indústria

40

doméstica. Argumentos para o protecionismo incluem: 1) as empresas que

competem com as importações não tem leis trabalhistas e previdenciárias que

protegem os seus trabalhadores; 2) Incentivo e dinamismo da produção local para

substituir algumas importações e, portanto, mantendo mais dinheiro e empregos nas

comunidades locais; 3) redução dos custos ambientais diretos: a energia e

embalagens utilizadas para o transporte de mercadorias por longas distâncias; e 4)

discordância com o país de origem das importações, por causa de seu histórico com

direitos humanos, práticas trabalhistas, proteção ambiental, etc. Medidas

protecionistas incluem tarifas, cotase barreiras não tarifárias (restrições às

importações, como as normas aplicadas às mercadorias importadas, exames

especiais ou as marcações necessárias sobre os bens e os atrasos na liberação de

mercadorias para importação).

Os acordos de livre comércio têm o objetivo de reduzir essas barreiras. O livre

comércio está dominando a política comercial na década de 90 como mais e mais

acordos estão sendo negociados ou considerados para aumentar o comércio entre

os países. O mais conhecido e influente foi GATT, o Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio, iniciada em 1947. Através de várias rodadas de conversa, desde então,

as tarifas foram reduzidas significativamente entre os mais de 70 países membros,

que respondem por mais de 80% do comércio mundial. NAFTA, iniciado em 1993,

tem tarifas entre os EUA, Canadá e México reduziu significativamente. Na década

de 1990, a União Européia (UE) retirou quase todas as barreiras comerciais entre

seus países membros.

A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1995 para administrar

e aplicar acordos alcançados na Rodada Uruguai do GATT, tomou o livre comércio a

um novo nível. Muitas decisões recentes da OMC têm sido no sentido de remover

barreiras não tarifárias, em particular às normas de saúde e ambientais sobre as

importações, alegando que estes representam barreiras comerciais desleais. Muitos

críticos sugerem que o livre comércio no âmbito da OMC está desafiando a

soberania das nações afetadas por suas decisões.

Uma característica importante da economia política dos países em

desenvolvimento tem sido o aumento do estatismo como doutrina essencial.

41

Essa posição produziu muitos resultados, a maioria dos quais contribuíram

significativamente para rent-seeking15, que segundo James Buchanan (1980), ocorre

quando as instituições se afastam de uma estrutura institucional caracterizada pelo

livre mercado para um contexto onde predomina a alocação política dos recursos, é

que atividade de rent-seeking emerge como um fenômeno significativo; deste modo,

ela estaria diretamente relacionada à abrangência da atividade governamental e ao

tamanho relativo do setor público.

A teoria econômica da rent-seeking foi formulada no final dos anos 1960, a

partir do trabalho seminal de Gordon Tullock (1967), num contexto de crescente

intervenção governamental na economia, seja ela através do estabelecimento de

barreiras legais à entrada em alguma atividade econômica, por meio de uma

legislação restritiva, do protecionismo, do controle de preços, concessão de

monopólios e transferências de renda e com a idéia, baseada principalmente nos

estudos empíricos que se originaram do trabalho de Harberger (1954), de que os

custos sociais dos monopólios e tarifas eram desprezíveis do ponto de vista

econômico devido ao seu reduzido valor.

O conceito de rent-seeking para Bhagwati (1982) refere que as atividades de

rent-seeking ou como ele as designa “directlyunproductiveactivities (DUP)”, seriam

aquelas atividades que representam uma maneira de obter lucros ou rendas por

meio de atividades para obterem lucros ou rendas por meio de atividades que são

diretamente improdutivas do ponto de vista social, mas que produzem retornos

pecuniários, mas não implicam na produção de bens ou serviços que entram na

função utilidade direta ou indiretamente através de um aumento na produção;

Já segundo Ekelund e Tollinson (1981) a maximização dos lucros através da

atividade de rent-seeking sempre irá ocorrer quando os benefícios de obter alguma

regulamentação ou privilégio concedido pelo Estado forem positivos, mesmos em

detrimento da sociedade.

Uma das teorias que reforçam a crítica ao protecionismo foi feita por Anne

Krueger (2001) mencionando a facilitação da "sociedade rent-seeking" que afirma o

protecionismo gera ineficiência. Especialmente nos casos de contrabando e

corrupção decorrente de restrições comerciais; Bhagwati (2002) denomina de 15

Os artigos seminais que deram origem a moderna teoria da “rent-seeking” foram os seguintes: (i) Gordon Tullock (1967, 1971,1980); (ii) Anne Krueger (1974),(iii) Richard Posner (1975) e (iv) James Buchanan (1980).

42

“atividades diretas e improdutivas de lucro” ou DUP em suas siglas em

inglês.(BHAGWATI, 2002)

Bhagwati (2002) distingue duas classes de DUP: a) o montante DUP, que

refere ao custo de pressão por grupos de interesse que termina com a imposição de

barreiras comerciais e b) a DUP, oriunda da entrada em vigor de tais barreiras. Além

de outras atividades como contrabando e nepotismo. Por um estudo de Anne

Krueger (2014), a restrição de licenças de importação, no caso da Turquia, resultou

em perdas de 40% do PIB daquele país (GUZMAN, 2015).

O aumento das medidas políticas restritivas e o notável papel dos lobbies

empresariais, vem sendo amplamente reconhecidos pela comunidade internacional

e pela literatura de economia política, como conectados e impeditivos de um fluxo

próspero ao comércio internacional.

A regulação da atuação de cada país no comércio internacional é legítima e

deve ocorrer, visando evitar desequilíbrios à economia nacional, mas não como

resultado da ação de rent-seeking, já que retiram a oportunidade de concorrência

do mercado e a sociedade como um todo perde.

A atuação de rent-seeking envolve em grande parte a busca de monopólio ou

oligopólio na forma de barreiras à penetração de importações eou subsídios diretos.

Em suma, o protecionismo oriundo do rent-seeking tende a ser

ineficiente. Dispositivos tais como tarifas, licenças de importação, quotas e restrições

voluntárias de exportação,quando aplicados de forma desmedida, distorcem as

estruturas de incentivo dentro do mercado.

43

3 NEOPROTECIONISMO NO COMÉRCIO INTERNACIONAL E REFLEXO

DAS SANÇÕES ADUANEIRAS

A proteção de setores essenciais para os países éefetivada através da

criação de barreiras ou restrições, que não são apenas de natureza econômica,

usando os termos do autor espanhol Escudero (2001, p.48), a "barreira" ou

"barreira técnica", configura-se por "quaisquer restrições sobre o comércio

internacional causados por diferenças entre as leis e regulamentos dos Estados para

regular a produção e comercialização de bens, forçando a uma adaptação de dos

bens importados”.

A regulamentação do comérciopor barreiras técnicas têm um impacto

negativo sobre o comércio internacional, causando uma redução ou o desvio dos

fluxos de comércio dado a vantagem competitiva à produção local em detrimento

dos importados. Estas barreiras técnicas originam-se principalmente de atos infra-

legais, mas que emolduram o quadro jurídico que regula os processos de produção

e de comercialização de mercadorias transnacionais. Na verdade, as ações do

governo, que são muitas vezes chamadas de “práticas administrativas dos Estados",

tem fundamento nestes atos infra legais, o que significa que o obstáculo técnico é

baseado na norma e não especificamente na prática administrativa resultantes da

sua aplicação pelas autoridades aduaneiras.

Os obstáculos técnicos exigem a adaptação dos bens para aimportação ou

para a exportação ao cumprimento de uma série de medidas, ou seja, são ações

adicionais que o exportador deve executar para comercializar os produtos no

mercado interno de outro país, comprometendo a livre circulação de mercadorias.

As barreiras podem ser de vários tipos, as "econômicas" e as restrições "não

econômicas"que buscam, dentre outros objetivos, promover, proteger ou preservar

as atividades produção de bens ou serviços domésticos; implementar as políticas

econômicas (monetária ou cambial); assegurar a entrada adequada no mercado de

trabalho nacional e prevenir o desemprego; estabilizar os preços internos a níveis

acessíveis e manter um volume adequado de oferta às exigências de um mercado

interno de abastecimento, para citar alguns dos efeitos mais comuns. Por seu lado,

as "barreiras não-econômicas" para o tráfego internacional refere-se à proteção da

propriedade e da moralidade pública, da aplicação da lei e os regulamentos de

44

segurança; regular a importação e exportação de armas, munições e outros

materiais de guerra; a proteção da vida e da saúde das pessoas, animais e plantas;

a proteção do valor artístico, histórico e arqueológico; importação e exportação de

materiais nucleares, produtos radioativos e produtos relacionados, etc.

As barreiras também pode ser "direta" ou "indireta", sendo que as diretas são

proibições absolutas ou relativas queafetam o comércio exterior, sendo que quando

as proibições tem objetivos de natureza econômica não são aceitas no contexto da

OMC, ao passo que se barreiras perseguirem outros fins, podem ser autorizados, a

menos que sirvam como um método de ocultação de uma restrição injustificada.

Exemplos de tais barreiras permitidas são as que se destinam a proteger o

ecossistema ou do ambiente, a proteção do patrimônio nacional, artístico, histórico e

arqueológico, etc. Jáas restrições indiretas tendem a dificultar, mas não impedir, as

operações de comércio exterior. Eles são barreiras geralmente econômicas com os

quais seprocura, como regra, a imposição de quotas de importação,aumento de

impostos sob o produto importado, muitas vezes visando executar uma política

econômica em particular.

A OMC busca a convergência volitiva entre seus membros, de forma a

minimizar ou eliminar as restrições à economia e ao livre comércio e circulação de

riquezas e tecnologia.

O Acordo Sobre Barreiras Técnicas ao Comércio

(AgreementonTechinicalBarriersto Trade - Acordo TBT), que entrou em vigor em

1995, é o sucessor multilateral do Código de Normas, assinado por 32 Partes

Contratantes do GATT na conclusão da Rodada Tóquio de Negociações Comerciais.

A finalidade do Acordo éassegurar que regulamentos técnicos, normas e

procedimentos de avaliação de conformidade não criem obstáculos desnecessários

ao comércio internacional, ao mesmo tempo em que fornece aos Membros a devida

discricionariedade regulatória para proteger a vida e saúde humana, animal e

vegetal, a segurança nacional, o meio ambiente, os consumidores, e outros

interesses de políticas públicas.

O Acordo TBT procura ao mesmo tempo não interferir na autonomia

regulatória dos membros e evitar o protecionismo.Ou seja, a OMC permite exceções

as barreiras impostas por razões de moralidade pública, de saúde pública, sanidade

animal ou fitossanitárias, proteção ao patrimônio cultural, a preservação do ambiente

45

e dos recursos naturais não renováveis, etc., desde que estes não constituam uma

restrição disfarçada ao comércio internacional ou medidas para exercer

discriminação arbitrária entre países.

A Aduana é um órgão da administração pública de controle efiscalização do

tráfego de mercadorias fluindo através das fronteiras brasileiras, sendo seu trabalho

indispensável e essencial, visando não só o devido recolhimento de tributos,como

proteger os interesses nacionais tais como moralidade, saúde pública, meio

ambiente,segurança nacional, dentre outros. Sua atuação é vital e de extrema

importância a segurança nacional e a arrecadação tributária.

A segurança no trafego de pessoas e mercadorias após os ataques terroristas

nos Estados Unidos da América, a partir de 11 de setembro de 2001 foram

redobrados e aalfândega adquiriu um papel crucial em matéria de segurança (contra

o terrorismo e o crime organizado),atuando de forma que ao mesmo tempo que

deve facilitar o comércio internacional, também implementar as técnicas modernas

de análise de riscos para a segurança da cadeia logística, desde o produtor

estrangeiro até o importador. (ADUANAS, 2008, p.182)

Ao que interessa ao presente trabalho, resulta importante ressaltar que o

poder de tributação, o poder de policia fiscal e seus desdobramentos, tanto fiscais

quanto extrafiscais, possuem larga influência ao que tange a Aduana.

Sob este paradigma é possível afirmar, mais corretamente, que a aduana é o

órgão do Estado encarregado de aplicar as políticas de comércio exterior que

estabeleça a autoridade competente, e de efetuar o controle relativo das proibições

de caráter econômico e não econômico, e recolher tributos quando assim estiver

previsto, a respeito do ingresso ou egresso de mercadorias em um território

aduaneiro ou a partir dele. (ALAIS, 2008, p. 25).

Como dito acima, é trabalho do órgão aduaneiro fazer o recolhimento dos

tributos de importação e exportação de mercadoria, o que, na pratica é a efetivação

das políticas governamentais de desenvolvimento em um contexto de capitalismo

global. Não pode ser a Aduana desvinculada deste processo, tanto porque é o meio

de efetivação de diversos mecanismos internacionais de livre comercio e trânsito,

como o GATT, por exemplo.

Alais (2008, p. 25-27) destaca que a atuação da aduana é uma ferramenta

para alcançar o protecionismo estatal através da atividade arrecadatória, isto é, de

46

cobrança dos tributos a importação e exportação, ligadas, sobretudo, à política

econômica de cada governo. Mais profundamente, ela possui também uma

atribuição de controle extrafiscal de caráter administrativo que se desenvolve para

pautar a forma como as mercadorias entram ou saem do Estado.

Em suma, a aduana possui neste contexto uma dupla identidade –

arrecadatória e controladora – que configura o sistema de protecionismo da

economia estatal. O Poder de Policia Fiscal, na forma que foi destacado

anteriormente, adquire um novo volume neste contexto, sendo a ferramenta de

escolha do poder político para a efetivação da sua política econômica.

Ainda, a Aduana do Brasil é responsável pela apuração de infrações

aduaneiras e aplicação das respectivas sanções que poderão ser pecuniárias ou

restritivas de bens e direitos.

Ocorre que, as sanções aduaneiras são, na maioria das vezes, criadas por

atos infralegais, ao sabor da política praticada naquele momento no país e se os

governantes não comungam com livre comércio, ou pretendem manter a balança

comercial estável a qualquer custo, ou ainda por ceder ao rent-seeking, tais sanções

visarão restringir as importações, de forma a criar tantos obstáculos que

desestimulará a classe empresária em manter-se importando.

O desestimulo ao fluxo de mercadorias importadas, através de medidas

obliquas e dissimuladasconfigura o Neoprotecionismo, muito presente nos países da

América Latina.

A administração pública,quando aplica sanções administrativas aduaneiras

com fins protecionistas, na verdade o faz ao arrepio da Lei Maior e com fins

políticos, visando dificultar e restringir o comércio internacional, em desacordo com

os Tratados Internacionais que prevêem o livre comércio entre as nações e em

detrimento do desenvolvimento nacional.

As sanções aduaneiras quando têm caráter confiscatório e de restrição de

direitos, atentam contra os princípios e garantias constitucionais relativas a

propriedade privada, a livre iniciativa, ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício

ou profissão, maculando ainda a previsão de implementação do desenvolvimento

pelo Estado e o reconhecimento da função social da empresa.

Tais sanções além de restringir direitos básicos do cidadão, são aplicadas de

forma objetiva independente da culpa ou dolo e resultam no confisco de bens e

47

restrição de direitos, atingem assim não só os envolvidos mas toda a sociedade, na

medida que a aplicação de tais sanções arrefece o investimentos nas operações

comerciais transnacionais impactando diretamente no desenvolvimento.

O neo-protecionismo é uma violação aos tratados internacionais assinados e

ratificados para a liberalização do comércio mundial.

No período de 1948-1994, do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e

Comércio (GATT), visava programar o comércio mundial, apesar de sua aparente

força, teve o mesmo até o ano de 1994 um aspecto provisório.

A intenção original era criar uma terceira instituição para regular a cooperação

econômica internacional, as derivadas de Bretton Woods, são os conhecidos Banco

Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O plano completo previa

mais de 50 países e visava criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC)

como agência especializada das Nações Unidas.

A II Guerra Mundial tinha acabado de terminar e os países queriam empurrar

rapidamente liberalização do comércio e começar a eliminar as medidas

protecionistas que permaneceram em vigor desde o início dos anos 1930.

Deste conjunto de regras comerciais e concessões tarifárias chamado Acordo

Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), do qual o Brasil é signatário,

pretendia implementar o comércio como uma âncora para o desenvolvimento e

como um instrumento para a reforma econômica e social. Mas com o passar do

tempo, novos problemas surgiram. A Rodada de Tóquio foi uma tentativa de resolvê-

los, mas suas realizações foram limitadas. Este foi umsinal dos tempos difíceis que

se avizinham.

O sucesso do GATT em redução de tarifas a um nível tão baixo, juntamente

com um série de recessões econômicas na década de 1970 e início de 1980,

levouos governos a conceber outras formas de proteção para os setores que

enfrentam aumento da concorrência nos mercados estrangeiros. As altas taxas de

desemprego e fechamento de fábricas levou os governos da Europa Ocidental e

América do Norte a tentar celebrar acordos bilaterais e criarem subsídios para

manterem suas posições no comércio agrícola, Ambas as mudanças minou a

credibilidade e a eficácia do GATT.

48

Não se tratava de um ambiente de política comercial deteriorada, mas do fato

de que no início dos anos 1980, o Acordo Geral não é era mais relevante para as

realidades do comércio mundial como ele tinha sido em 1940.

Estes e outros fatores convenceram os membros do GATT que dessem uma

nova fórmula para reforçar e alargar o sistema multilateral. Esse esforço resultou na

Rodada Uruguai, a Declaração de Marraquexe e a criação da OMC.

Assim, aos 15 de dezembro de 1993, a Ata Final da Rodada Uruguai foi

aprovada com na seqüência dos acordos:

1. Criação da Organização Mundial do Comércio (OMC)

2. Acordo Geral sobre o Comércio de Bens (GATT de 1994 que substitui o

GATT 1947).

3. Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS)

4. Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados com o Comércio (TRIPS)

5. As regras e procedimentos para a resolução de litígios e mecanismos de

avaliação da Política de Comércio.

6. Quatro acordos plurilaterais recolhidos aspectos setoriais: de Aviação

Civil, laticínios e da carne.

Pelo que, o desenvolvimento econômico e jurídico do comércio internacional

até a década 90, passou por diversas fases inclusive a do protecionismo tradicional

justificada com base em argumentos como o patriotismo, a defesa do emprego, do

mercado interno, a receita do governo e indústria dentre entre outros.

A atual economia mundial trás características diferentes e que envolvem

países comprometidos com a implementação do livre comércio e com o

desenvolvimento econômico dos países menos favorecidos não se admitindo mais o

protecionismo como alhures, mas há argumentos contundentes que denotamnovas

tendências protecionistas o chamado neoprotecionismo.

Ponderando-se que muitas das medidas de neoprotecionismo, não são

motivadas pelo interesse do país, mas sim pelo interesse de um setor concreto,

devidamente representado pelo seu lobby, fenômeno denominado de rent-seeking.

49

O neo-protecionismo tem um atuar mais sutil, até mesmo encoberto cujas

características são mais relacionadas a fatores econômicos, técnicos, fitossanitários,

entre outras decisões políticas (CHURIÓN, 1994, p.170).

O fenômeno do neo-protecionismo se dá através da implementação de uma

série de medidas não tarifárias que inclui a aplicação de outros meios e instrumentos

que têm o efeito de favorecer os produtos nacionais do país impõe (TUGORES,

1999).

Para citar alguns, tem-se a exigência de regulamento com a quantidade de

mercadorias importadas através da aplicação de quotas, licenciamento de acordo

com o volume ou certificação dos produtos, restrição à obtenção de moeda

estrangeira para pagar as importações, a exigência de certificados sanitários, de

órgão do meio ambiente, certificado de qualidade aprovadas pelas agências de

qualidade internacional, especificação das embalagens e rotulagem, não podendo

haver inconsistência de dados nas mesmas, documentação relacionada com o

transporte de mercadorias, tais como: certificações documentação de embarque,

pré-embarque, fatura consular, certificado de origem, entre outros.

Enquanto as rodadas de comércio internacional fazem esforços consideráveis

para limitar estas práticas, a ambigüidade da definição e âmbito de aplicação de tais

medidas (argumentos técnicos, saúde pública ou planta, por exemplo), os faz ser

amplamente utilizados por alguns países para proteger seus mercados domésticos.

Torna evidente que do conceito de moderno neo-protecionismo, a quantidade

e tipo de limitações ou exigências podem, desestimular o livre comércio.

Contudo as sanções políticas aduaneiras vão além de tais exigências, se

referem a sanções oriundas de atos cometidos na maioria das vezes por

importadores ou seus representantes, que são enquadrados em infrações

aduaneiras e cujas sanções são gravíssimas atentando contra o principio do não

confisco, da livre iniciativa, da dignidade dentre outros.

Ao analisar as regras aduaneiras brasileiras, especificamente do

Regulamento Aduaneiro e respectivas Instruções Normativas, verifica-se que um

erro no preenchimento de qualquer documento relativo à importação que pretende o

administrado realizar será enquadrado como falsa em conteúdo cuja penalidade

será o perdimento da mercadoria, da mesma forma no subfaturamento, na

mercadoria importada sem a licença de importação prévia, dentre outras situações

50

em que a pena cabível e razoável é a pena de multa que poderá chegar a 100% do

valor da mercadoria, dentre outras sanções mais graves.

No entanto, a aplicações de tais sanções não se explicam nem mesmo pelo

seu caráter extrafiscal, já que são desproporcionais e atingem direitos fundamentais

refletindo a conduta estatal descaso com as exigências democráticas atuais que

demandam a chamada “administração pública consensual”, vislumbrando o atuar

administrativo com crédito na perfectibilidade humana e na confiança de que o

diálogo, a negociação e a convergência entre os homens têm superiores condições

de conduzir a sociedade a comportamento elevado e fecundo (NETO, 2000).

3.1 O Poder de Fiscalizar do Estado

O Estado, entendido como um ente criado pela vontade de uma sociedade é

dotado de diversas prerrogativas que lhe permitem exercer seu dever-ser essencial,

isto é, a pacificação social e a harmonização entre os homens. Fazendo uso das

palavras de Ihering (2006, p. 1)afirmava o Estado é a sociedade que se organiza

tomando a forma pela qual o poder coativo social.

Entende-se que para obter efetividade no mundo real, o estado é dotado de

diversos mecanismos de coação que lhe permitam exercer poder sobre as

atividades dos homens dentro de um espaço físico e temporal determinados, ao que

se chama de soberania. Este poder soberano, entendido por Focault como o

conjunto de técnicas e procedimentos utilizados para dirigir a conduta do homem

(FOUCAULT, 1997, p. 101), se desdobra em uma miríade de poderes essenciais

que norteiam a potestade estatal e seus limites, que direcionam-se ao objetivo

gravitacional estatal: A procura do Bem Estar Social.

Para Meireles(2005, p. 579), o bem-estar social é o bem comum, o bem do

povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades

comunitárias. Nele se incluem as exigências materiais e espirituais dos indivíduos

coletivamente considerados; são as necessidades vitais da comunidade, dos grupos,

das classes que compõem a sociedade, o bem-estar social é o escopo da justiça

social a que se refere nossa Constituição (art. 170) e só pode ser alcançado através

do desenvolvimento nacional.

51

Dentre os diversos mecanismos adotados pelo Estado para agir sobre a

economia,Rister(2007, p. 47-48) explica que podem ser manifestados peladireção,

que é quando se exerce pressão sobre a atuação do mercado, estabelecendo

normas para o comportamento compulsório do sujeito da atividade econômica,

manifestada, por exemplo, na obrigação de uso da terra, sob pena de majoração da

alíquota do Imposto Territorial Rural; e pela indução, que ocorre quando o estado

manipula os instrumentos de intervenção em consonância às leis do mercado.

Ocorre, por exemplo, na utilização do Principio da Seletividade para a alteração na

alíquota do ICMS e do IPI.

Nesse passo, ao Fisco compete o que hodiernamente chamamos

de“rulemaking”, ou seja, a possibilidade de editar atos legais e infra legais de

cunho tributário e fiscal, regulando a atividade administrativa e obrigações aos

administrados, desde que não contrarie os preceitos constitucionais. (LIMA, 2006)

Já o poder de policia administrativo fiscal decorre da manifestação do poder

de coerçãobaseada em seu poder de império, o ius imperii, e consiste em

intervenções genéricas ou especificas do poder estatal na esfera privada tendo em

vista os interesses sociais. O jurista argentino Rafael Bielsa já dizia que a idéia de

Estado é inseparável da idéia de polícia. (BIELSA, 1955, p.349)

E Jayme Rodriguez-Araña Muñoz (2004, p. 295) elucida em seu Manual de

Direito Administrativo Espanhol que a atividade de polícia, uma das funções

inerentes ao Estado, pode caracterizar-se como aquele conjunto de potestades ou

técnicas administrativas que têm como finalidade a defesa da ordem pública e o

cumprimento da legalidade vigente.

Segundo Caio Tácito“O poder de policia é, em suma, o conjunto de

atribuições concedidas a Administração para disciplinar e restringir, em favor do

interesse público adequando, direitos e liberdades individuais.” (TÁCITO, 2002,

p.128)

O doutrinador português, Marcello Caetano entende por poder de polícia “o

modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício

das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por

objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as

leis procuram prevenir.”(CAETANO, 1980, p.1150)

52

Para Diógenes Gasparini o poder de polícia ou atribuição de polícia

administrativa é “o poderque dispõe a Administração Pública para condicionar o uso,

o gozo e a disposição da propriedade e restringir o exercício da liberdade dos

administrados no interesse público ou social”.(GASPARINI, 2002)

Otto Mayer preferiu definir opoder de polícia, como sendo "a atividade do

Estado que visa defender, pelos meios do poder da autoridade, a boa ordem da

coisa pública contra as perturbações que as realidades individuais possam trazer.”

(MAYER, 1951, p. 5)

Os apontamentos de Friede também somam aos dizer que “ o poder de

polícia pode ser entendido como o conjunto de restrições e condicionantes a direitos

individuais em prol do interesse público prevalente. Traduz-se, portanto, no conjunto

de atribuições outorgadas á Administração para disciplinar e restringir, em favor do

interesse social, determinados direitos e liberdades individuais.” (FRIEDE,1999,

p.109)

Sundfield (1997, 14), em relevante ponderação, complementa que:

A idéia de poder de policia foi cunhado para um Estado mínimo, desinteressado em interferir na econômica, voltado, sobretudo, à imposição de limites negativos à liberdade e á propriedade, criando condições para convivência dos direitos. Daí haver-se definido o poder de polícia como imposição ao particular do dever de abstenção, de não fazer. Mas, modernamente, a interferência estatal se intensificou e mudou de qualidade, por conta da superação do liberalismo clássico. O estado Social, mais do que pretender a harmonização dos direitos individuais, impõe projetos a serem implementados coletivamente; o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades, a proteção do meio ambiente, a preservação do patrimônio histórico.

A rigor a autoridade da administração pública, está em confronto com a

liberdade do individual, este é o ponto nevrálgico que pretendemos ver analisado à

luz do direito. De um lado o Fisco pretende cumprir sua função arrecadatória e fiscal

e de outro o indivíduo visa manter seus bens e direitos intactos. A conciliação destas

esferas legítimas do direito requer sabedoria jurídica e bom senso.

É correto portanto, o raciocínio de Augustin Gordillo, ao sustentar que no

Estado de polícia se falava de um "poder de polícia" que era um poder estatal

juridicamente ilimitado de coagir e ditar ordens para realizar o que o soberano

entendia como conveniente; ao se passar para o Estado de Direito a noção foi

diminuída, excluindo o emprego ilimitado da coação, mas de todo modo se mantém

53

como instrumento jurídico não fundado conceitualmente e que freqüentemente

desemboca em abusos. (GORDILLO, 2003)

Pelo que a Constituição Federal, ao consagrar os direitos fundamentais,

estabelece a tênue linha que separa o exercício legítimo da atividade estatal do

exercício degenerado da mesma.

Entende-se, portanto, que há uma generalidade comum nos conceitos,

contemporâneos ou não, de que no poder de policia gravitam limitações às

liberdades e aos direitos essenciais do homem. A rigor, a autoridade da

administração publica está em confronto com a liberdade individual, este sendo o

ponto nevrálgico que pretendemos ver analisado à luz do direito.

Dentre os poderes incorporados pelo Estado para a procura do seu dever-ser

primordial, se enquadra o Poder Administrativo Fiscal, que engloba não tão somente

a função tributária, enquanto meio para a obtenção dos recursos necessários à

satisfação das necessidades coletivas, como também a função de fiscalizar a

atuação econômica e controlar o comercio exterior, essenciais à defesa dos

interesses fazendários, e em ultima instância, primordial, do estado, conforme

dispõe o art. 237 da Constituição da República.

Complementa ATALIBA (1996, p. 28) que, sob a necessidade de atender às

necessidades fiscais do poder publico, o poder político utiliza-se do direito, e mais

especificamente do tributo. Porquanto, o tributo (poder fiscal) do estado é

manifestação direta do poder político, ou o iusimperii – a imposição do poder

soberano sobre a legalidade. Esta potestade possui o duplo objetivo de angariar

recursos para o funcionamento da administração publica como para dirigir e induziro

mercado em prol deste ideal.

Brujanda (1967, p. 5) ensina que é a competência tributária é o “poder

tributário conferido aos entes públicos que estão facultados a estabelecer tributos,

vale dizer, a editar normas tributárias”, sendo que a criação destes tributos deve

seguir o Principio da Legalidade, como defende Carraza(2004, p. 435):

De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas política senão possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias.

54

A competência tributária no Brasil é está delimitada pela Constituição Federal

nos art. 153, 155 e 156, determinado de forma específica e fechada a divisão da

União, Estados-Membros, Municípios e o Distrito Federal, desta aptidão.

No paradigma da sua importância mister para a própria existência do

mercado, faz-se essencial a utilização de poder de policia específico, o fiscal, para

coibir abusos que possam indiretamente dificultar a atuação do estado. O Código

Tributário Nacional, em seu art. 78, delimita o conceito de Poder de Policia Fiscal:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Em suma, o poder de policia fiscal pode ser entendido como a procura pela

correta tributação, eficaz, isonômica, justa e adequada. Onofre Alves Batista Junior

(2001, p. 184) sintetiza que “Enquanto o Poder Tributário busca, em primeira vista, a

própria tributação, o Poder de Policia Fiscal visa assegurar essa justa tributação. No

exercício de um, “institui-se” tributos; no do outro, impõe deveres para assegurar a

tributação. O segundo existe para favorecer e garantir o exercício do primeiro,

entretanto, eles são nitidamente distintos.”

Ainda, o autor destaca que é um erro assumir que o poder tributário (e por

extensão, o poder de policia fiscal) se limita tão somente a angariar recursos para os

cofres públicos. Ele ainda é uma forma de efetivação do bem-estar social, sendo

ferramenta para a equilibrada atuação da economia, e portanto possuindo um

caráter extra-fiscal que alcança mesmo aqueles não-contribuintes: “O fisco não se

pode quedar impotente diante do fato de um contribuinte, por sonegar mais – por

pagar menos tributos -, apresentar um custo final de seus produtos muito inferior, e

assim, poder suplantar e destruir seus concorrentes” (BATISTA JUNIOR, 2001, P.

185).

55

3.2 Direito administrativo sancionador

A salvaguarda da Democracia é a Constituição de um país, por ser o

resultado de um processo político e a base do ordenamento jurídico, resguardando

os direitos fundamentais dos cidadãos frente a qualquer intromissão, pública ou

privada. Com as constituições as liberdades assumirão o significado de direitos;

configurando-se como limites à ação do poder soberano.

Do século XVIII advieram as primeiras declarações de direitos e as primeiras

constituições, mas a preocupação em garantir juridicamente a liberdade dos

cidadãos frente ao poder público se mantém, e com o neo-constitucionalismo o

enfoque sobre a eficácia jurídica dos direitos reconhecidos constitucionalmente e a

dimensão objetiva e institucional destes direitos.

Entre essas novas questões surgidas no âmbito da teoria geral dos direitos

fundamentais ocupa um lugar importante àquele relativo à titularidade pelas pessoas

jurídicas. A necessidade deste reconhecimento expresso advém da imposição pelo

Estado de restrições a determinados direitos fundamentais da pessoa jurídica, os

quais quanto aviltados, por certo, redundam em danos às pessoas físicas

envolvidas. Coloca-se, aqui, oportuna a visão de Recaséns Siches (1980), ao dizer

que “uma norma jurídica éum pedaço de vida humana objetivada”, bem como a

conclusão de que a carência de preceitos constitucionais elencando os direitos

fundamentais das pessoas jurídicas favorecem o abuso do poder do Estado sobre

as mesmas.

O Estado detém poder que lhe confere soberania, e daí emana o poder de

polícia administrativo, que não raras vezes, acaba por afrontar tais preceitos

fundamentais criando uma tensão jurídica relevante já que a Democracia está

intimamente ligada com a Igualdade e a Liberdade.

Com o avanço da tecnologia e o trafego de bens e pessoas entre as nações,

novos desafios surgiram que acabaram por justificar comportamentos que refletem

abuso ou desvios do poder sob o manto legitimidade, visando combater atos

terroristas, crimes de evasão de divisas, de lavagem de dinheiro e outros de ordem

internacional. Como identificou Tocquellive16, os dois grandes perigos que ameaçam

a democracia e a tirania da maioria e o despotismo do Estado. O desrespeito pelo

16

Du système pénitentiaire aux États-Unis et de aon application en France" (1833), "De la

démocratie" (1840), e "L'ancien régime et la révolution" (1856).

56

Estado de procedimentos formais ou cautelas que a própria soberania de um povo,

ao sancionar o pacto constitucional, se rodeou para evitar precisamente, esse vai e

vem de conjunturas, inclusive majoritárias, ou de momentos emocionais regidos

mais pela demagogia que pela vontade racional de convivência.

O Estado Democrático de Direito se assenta como princípio fundamental da

Constituição Federal de 1988 e exprime a inextricável submissão que se quer do

Estado: à vontade do povo e à vontade da ordem jurídica (MOREIRA NETO;

GARCIA, 2012).

Como se sabe, com o advento do Estado de Direito, as normas de Direito

Público explicitaram sua dupla função: a de limitar e controlar o poder do Estado, de

modo a coibir os excessos e desvios praticados no exercício do poder político em

desfavor dos administrados.

Completava-se, no plano teórico, a tarefa histórica da superação do arbítrio

do poder pelo poder do direito, com a substituição da vontade do soberano pela

vontade da lei, do que resultou a sujeição do próprio Estado aos limites e controles

impostos pela legítima expressão jurídica da vontade do povo.

Como resultado da feliz confluência de sucessivas etapas históricas do

aperfeiçoamento convergente da noção original de Estado de Direito, avançou-se

contemporaneamente para o conceito de Estado Democrático de Direito, que, ao

agregar o esquecido elemento da legitimidade, subordinou a ação estatal ao

atendimento do interesse público, bem como a inexorável observância de valores,

que passaram a ser expressos como direitos fundamentais dos cidadãos.

O maior intervencionismo característico do Estado providência e o advento do

Estado regulador trouxeram uma expansão da atividade administrativa, levaram ao

desenvolvimento do Direito Sancionador Administrativo, no âmbito do qual a sanção

administrativa surge como instrumento ao serviço da eficácia da atuação prestadora

e reguladora da Administração.

Neste âmbito, o sistema sancionador administrativo, resultado das opções

político legislativas das últimas décadas, apresenta-se complexo e disperso,

identificando-se vários tipos de sanções e zonas de intersecção comuns com outros

tipos de sanção e até com outras medidas administrativas (NOGUEIRA, 2015).

Com efeito, é no conceito de Estado Democrático de Direito e no de

legitimidade da ação estatal que o Direito Administrativo Sancionador encontra o seu

57

núcleo fundamental, com a necessária e indispensável preocupação de contenção

do poder aplicado pelo Estado.

Os limites necessários se fundem nos importantes princípios que informam o

Direito Administrativo Sancionador, assim referidos: ao devido processo legal, na

sua vertente adjetiva (ampla defesa/contraditório) e na sua vertente substantiva

(proporcionalidade/razoabilidade); à segurança jurídica; à legalidade e a tipicidade.

Assim, na medida em que a sanção administrativa surge como meio

repressivo que pode afetar de modo contundente, direitos e interesses dos

administrados, deverão ser concedidas garantias aos cidadãos, faceàspretensões

punitivas do estado, em nome da igualdade e liberdade dos cidadãos.

As sanções administrativas constituem a consequência de um dever jurídico

violado pelo administrado (AMARO, 1995).

Concebida como expressão do poder sancionador, a aplicação de sanções

administrativas deve reger-se por princípios constitucionais, substanciais e

procedimentais, tanto de origem especificamente administrativa como de natureza

penal.

A sanção derivada da autoridade administrativa difere qualitativamente do

poder punitivo criminal. A autoridade penal punitiva cumpre um papel preventivo, "a

ordem social coletiva é protegido, e sua aplicação refere-se, basicamente, (sujeito à

concorrência de outros fins difusos) a um pedido de compensação corretiva,

expiatória, ou resocialização da pessoa do infrator", enquanto a sanção

administrativa visa assegurar a organização e o funcionamento das diferentes

atividades da vida em sociedade. O poder sancionatório da administração é

necessário para atingir os objetivos inerentes a Administração Pública.

O alargamento do direito sancionador da administração é preocupante na

medida em que na ação administrativa punitiva, as garantias do devido processo

não tem o mesmo alcance que em matéria penal, aplicada pelo Judiciário. Esse

raciocínio decorre do fato de que o domínio administrativo é mais direcionado para a

proteção da sua própria organização e funcionamento, o que, por vezes, redunda

nainobservância de garantias constitucionais, com base na importância do interesse

público supostamente ameaçado.

58

3.3 Sanções Administrativas Aduaneiras

A sanção administrativa como resposta do Estado à inobservância por parte

dos administrados das obrigações gerais ou específicas que foram idealizados para

o adequado funcionamento e marcha da administração é a conseqüência concreta

do poder punitivo do Estado, não devendoignorar os princípios que regem o direito

ao devido processo. Por isso devem atender a critérios que assegurem os direitos

dos administrados.

Neste sentido, se exige, que a sanção seja contemplada em uma norma de

cunho legal- reserva de lei-, devendo determinar com claridade a infração e

respectiva sanção. Igualmente a que ser razoável e proporcional,a fim de evitar a

arbitrariedade e limitar ao máximo a discricionariedade de que possa fazer uso a

autoridade administrativa no momento de sua imposição. Em outros termos, a

tipificação da sanção administrativa resulta indispensável como garantia do princípio

da legalidade.

As relações jurídicas das quais emanem obrigações à favor do Estado e a

cargo dos particulares devem, como regra geral, ser estabelecidas por lei, em

muitos casos, as constituições concedem poderes específicos para o Executivo,

agindo como um legislador dentro dos marcos estabelecido por lei. Não obstante, o

que se tem por certo é que as obrigações do cidadão para com o Estado devem ser

impostas por lei, e até mesmo, parafraseando o espanhol Fernando Sainz de

Bujanda (SAINZ DE BUJANDA, 1962), no âmbito aduaneiro conviria que fora do

legislador a atribuição exclusiva para fixar as responsabilidades dos indivíduos,

como acontece, no âmbito do Direito Financeiro, uma vez que tais obrigações serão

o resultado de debate legislativo, que por mais demoradose formais que possam

parecer, se dá o debate próprio que convém conferir à tais regras, que determinam

responsabilidades em uma democracia, resultando em leis mais razoáveis e que

tiveram sua formação com a aquiescência dos representantes do povo, geralmente

personificadas na casa legislativa.

Esse tipo de normas que fixam responsabilidades, obrigações e sanções em

caso de violação das obrigações, convém sejamestabelecidas pelo legislador, como

já foi dito, e não através da atuação, por vezes precipitada e midiática do Executivo,

especialmente quando essas normas irão definir as regras do jogo, pois se entende

que se está a permitir que o Executivo utilize desta prerrogativa como instrumento

59

de política econômica sob a pauta aduaneira. Em outras palavras, a imposição de

obrigações para com o Estado, como de violações e sanções aduaneiras, devem ser

claramente uma competência exclusiva do legislador. Isso para manter a separação

de poderes, a existência de um Estado de Direito baseado na democracia e evitar

que o Executivo possa se acudir, pela via de legislar sobre estas questões

aduaneiras, vulnerando os direitos individuais (CARRERO, 2012, p. 39)

Com a integração econômica mundial, a administração pública no âmbito

aduaneiro ganhou relevância. Para além da função fiscal, tem-se a

extrafiscaldecorrente da intervenção sobre a atividade econômica e a parafiscal

vinculada à destinação dos recursos para a manutenção de atividades relevantes

executadas por diversas entidades estatais.

O Direito Aduaneiro é um ramo do ordenamento jurídico encarregado do

estudo, conhecimento e regulação do controle das fronteiras no que tange ao tráfico

de mercadorias, de importação e exportação, a respeito de um território aduaneiro e

outros aspectos diretamente relacionados com o assunto, envolve o estudo da

aplicação da legislação cuja regulação e cumprimento direciona grande parte das

aduanas e dos serviços aduaneiros.

O Direito Aduaneiro tem uma cobertura muitíssimo maior que a tipicamente

tributária, ante a proliferação do comércio exterior a necessidade de que as aduanas

realizem diversas e importantes funções que não contam com conteúdo tributário e

algumas que tem esse componente.

No tocante ao comércio exterior, não obstante os tributos incidentes, a

fiscalização pelos agentes da Aduana, apresenta diversas funções qualificadas

como extrafiscais a seguir enumeradas: i. proteção aos setores econômicos

nacionais e atuação regulatória sobre a oferta de bens e serviços no mercado

interno; ii. proteção da propriedade industrial; iii. proteção da saúde pública e

controle sanitário; iv. proteção da segurança pública interna; v. prevenção e combate

aos ilícitos transnacionais (fraudes cambiais - terrorismo – narcotráfico – tráfico de

armas – lavagem de dinheiro etc).

A inobservância pelos administrados da legislação aduaneira,

caracterizainfração aduaneira passível de sanção.

A infrações aduaneiras, consistem em condutas perpetradas pelos

contribuintes, pelos agentes da administração aduaneira, pelos transportadores ou

60

demais atores do sistema de comércio exterior, que na operação de trafego de

mercadorias submetida ao controle aduaneiro, violem ou contrariem a legislação

aduaneira.

Face ao princípio da legalidade as infrações aduaneiras são qualificadas pela

legislação aduaneira, conforme artigo 673 a 742 do Regulamento Aduaneiro do

Brasil (Decreto n. 6.759/2009).

O artigo 673 do Regulamento Aduaneiro descreve a infraçãoaduaneira como

sendo toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância,

por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida ou disciplinada neste

Decreto ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-lo

(Decreto-Lei n o 37, de 1966, art. 94, caput ).

E o parágrafo único do mencionado artigo 673 do RA, sugere

aresponsabilidade objetiva no Direito Aduaneiro Sancionador, quando diz: Salvo

disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da

intenção do agente ou do responsável e da efetividade, da natureza e da extensão

dos efeitos do ato (Decreto-Lei n o 37, de 1966, art. 94, § 2 o).

Adota o Regulamento Aduaneiro o que restara descrito no artigo 136 do

Código Tributário Nacional, a qualdesvinculando na infração tributária a

responsabilidade da intenção do agente, no entanto a constitucionalização dos

vários ramos do direito reconhecendo a força normativa da Lei Maior e os direitos

fundamentais lá albergados levam a não reconhecer a responsabilidade objetiva do

agente na infração administrativa seja na esfera tributária ou aduaneira.

A doutrina se solidariza neste entendimento, em estudo sobre o tema Bim

(2001) afirma que a responsabilidade objetiva por infração à legislação fiscal não só

não existe e tem por base o próprio CTN, corno independe deste, na medida que

decorre, principalmente, da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III), e do

princípio da boa fé, corolários do Estado de Direito.

E segue nesta toada Nogueira (p. 107), ao afirmar que o que se não houver

dolo nem culpa, não existe infração da legislação tributária.

Já Amaro (2003) éenfático em afirmar que o art. 136 do CTN não introduziu a

responsabilidade objetiva por infração tributária:

Enfim, subjaz à responsabilidade tributária a noção de culpa, pelo menos stricto sensu, pois, ainda que o indivíduo não atue com consciência e vontade do resultado, este pode decorrer da falta de diligência (portanto, de

61

negligência) sua ou de seus prepostos, no trato de seus negócios (pondo-se, aí, portanto, a culpa in eligendo ou in vigilando). Sendo, na prática, de difícil comprovação o dolo do indivíduo (salvo em situações em que os vestígios materiais sejam evidentes), o que preceitua o Código Tributário Nacional é que a responsabilidade por infração tributária não requer a prova, pelo Fisco, de que o indivíduo agiu com conhecimento de que sua ação ou omissão era contrária à lei, e de que ele quis descumprir a lei. O art. 136 não afirma a responsabilidade tributária sem culpa (stricto sensu). Interpretado o preceito em harmonia com o art. 108, IV, a equidade já conduz o aplicador da lei no sentido de afastar a sanção em situações nas quais, dadas as circunstâncias materiais ou pessoais, ela não se justifique. Mesmo no que respeita à obrigação de pagar tributo (em que, obviamente, não cabe a discussão em tela, sobre ‘elemento subjetivo’), o Código se mostra sensível a situações em que o erro ou ignorância escusáveis sobre matéria de fato possam ter o efeito de viabilizar remissão (art. 172, II e IV). Em suma, parece-nos que não se pode afirmar ser objetiva a responsabilidade tributária (em matéria de infrações tributárias) e, por isso, ser inadmissível todo tipo de defesa do acusado com base na ausência de culpa. O que, em regra, não cabe é a alegação de ausência de dolo para eximir-se de sanção por infração que não requer intencionalidade.

Para Vitta (2003, p.21) o impasse se resolve pelo viés constitucional, confira-

se:

Contudo, a nosso ver, todo ilícito, administrativo ou penal, exige, no regime democrático de direito, o elemento subjetivo do suposto infrator. Sem isso, estaríamos aplicando a responsabilidade objetiva nas sanções administrativas, as quais, inclusive, atingem a liberdade (profissional, econômica e outras) e a propriedade das pessoas, sem configuração constitucional, ante a afronta aos princípios maiores do regime democrático de direito. Numa palavra. Nada justifica a idéia de que no Direito Penal, por exigência da constituição ou da lei, haja existência do dolo ou da culpa para o agente ser apenado e, pelo contrário, no Direito Administrativo bastaria a voluntariedade. Isso equivaleria a admitirmos a imposição de penalidades ao administrado sem que estivessem especificadas no Texto Constitucional, cujas normas têm finalidade precípua de proteger o cidadão contra o arbítrio do Estado. (LEY, 1987)

A bem da verdade, o ius puniendi do Estado, seja no direito Penal ou

Administrativo, se funda sobre um conjunto de princípios constitucionais

garantidores dos direitos dos cidadãos, cuja inobservância torna a atividade punitiva

estatal ilegítima e arbitrária.

Não coaduna com o perfil democrático de um paísa aplicação de sanção que

não seja fruto de um processo que respeite o devido processo legal e cuja sanção

não seja razoável e proporcional. Note-se que, mesmo em países de tradição

arbitrária como a Colômbia, não se admite a responsabilidade objetiva em matéria

62

de sanção administrativa aduaneira, como se depreende do acórdão C616-2 da

Corte Constitucional da Colômbia, cujo trecho transcreve-se:

Resulta desproporcionado y violatorio de los principios de equidad y justicia tributarios la consagración de una responsabilidad sin culpa en este campo, por lo cual considera que en este ámbito opera el principio de nullapoena sine culpa como elemento integrante del debido proceso que regula la función punitiva del Estado.

No mesmo acórdão a corte constitucional declara que a sanção administrativa

de fechamento do estabelecimento do importador não poderia ser imposta a título

de responsabilidade objetiva e que a sua duração máxima é de 30 (trinta) dias,

diferentemente do Brasil como se verá a seguir.

Nas Democracias consolidadas não se admite a aplicação de sanção seja em

que órbita do direito for, calcada na responsabilidade objetiva, na Alemanha, a lei

exige dolo ou negligência como base para aplicação de qualquer sanção

administrativa.17

Por sua vez, a lei italiana 18afirma: "Cada um é responsável por seus próprios

atos ou omissões, se a conduta intencional ou negligente, resultante do [...]” Da

mesma forma, o Tribunal Constitucional espanhol, disse que a responsabilidade

objetiva é inadmissível.19

Da mesma forma, o princípio da proporcionalidade tinge a aplicação da

sanção administrativa nos países acima e em todos de matiz democrática.

No âmbito aduaneiro as sanções vão desde a exigência de caução para

desembaraço aduaneiro das mercadorias, suspensão do despacho aduaneiro face à

instauração de procedimento administrativo fiscal contra a empresa importadora ou

envolvidos, exigência de certidão negativa de débitos para conclusão do despacho

aduaneiro, pena de perdimento da mercadoria, pena de suspensão da habilitação da

empresa no sistema RADAR20 (registro e rastreamento da atuação dos

intervenientes aduaneiros), inclusão da empresa no procedimento especial de

fiscalização mantendo junto ao SISCOMEX21 toda a parametrização22 da mercadoria

17

Ley 19 de 1987 acerca de los Ordnungswidrigkeiten, Artículo 10. 18

Ley 689 de 1981, artículo 3.1. 19

Sentencia No 76 de 1990, Jurisprudencia Constitucional, 1990, Vol. XXVI p 1003. 20

Sistema da Receita Federal ao qual deve o administrado se submeter e após cumpridas as exigências, resta habilitado para operar no comércio exterior.

21 O Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, é um instrumento informatizado, por

meio do qual éexercido o controle governamental do comércio exterior brasileiro.

63

no canal cinza,declaração de inaptidão do CNPJ, multas que podem chegar a 100%

do valor aduaneiro do bem, dentre outras.

3.4 Sanções “Políticas” Aduaneiras

As sanções legitimas do Direito Tributário são as ressarcitórias, sendo por

excelência a multa, ressalvado o princípio do não-confisco na sua aplicação, definida

com propriedade por Sacha Calmon Navarro Coelho, como sendo: "a prestação

pecuniária compulsória instituída em lei ou contrato em favor de particular ou do

Estado, tendo por causa a prática de um ilícito (descumprimento de um dever legal

ou contratual)".(COELHO, p. 41)

Convencionou-se chamar de sanção política àquela quediferentemente da

sanção meramente tributária, que impõe uma multa pelo não cumprimento de uma

obrigação tributária principal ou acessória, causa em certas situações o

congelamento da própria atividade econômica do contribuinte, gerando uma asfixia

que pode fazer cessar sua própria existência, pela impossibilidade de continuidade

de suas atividades comerciais, de efetuar operações de crédito com instituições

financeiras oficiais e até mesmo privadas, participar de licitações publicas e muitas

outras situações que penalizam o funcionamento da atividade empresarial. (XAVIER,

2013)

22

Os canais de parametrização são a forma de análise criada pela Secretaria da Receita Federal - SRF mediante o despacho aduaneiro, ou seja, uma vez registrada a Declaração de Importação e iniciado o procedimento de despacho aduaneiro, a DI é submetida a uma análise fiscal e selecionada para um dos canais de conferência. Tal procedimento de seleção recebe o nome de parametrização. Os canais de conferência são quatro: verde, amarelo, vermelho e cinza. 1VERDE: A importação selecionada para o canal verde é desembaraçada automaticamente sem qualquer verificação, devendo o importador comparecer à Alfândega apenas para retirar o Comprovante de Importação (dispensa o exame documental, a verificação da mercadoria e a entrega dos documentos de instrução do despacho). 2 AMARELO: O canal amarelo significa conferência dos documentos de instrução da DI e das informações constantes na declaração (não sendo constatada irregularidade, efetuado o desembaraço aduaneiro, dispensada a verificação da mercadoria). 3 VERMELHO: No caso de seleção para o canal vermelho, há, além da conferência documental, a conferência física da mercadoria (a mercadoria somente será desembaraçada após a realização do exame documental, do exame preliminar do valor aduaneiro e da verificação da mercadoria). 4 CINZA: Se a DI é selecionada para o canal cinza, é realizado o exame documental, a verificação física da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, para verificação de elementos indiciários de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria. de importação se inicia com o registro da declaração de importação (DI) no Siscomex – Sistema Integrado de Comércio Exterior.

64

A sanção política é uma prática da administração pública, remanescente da

era Vargas para compelir devedores remissos a pagar, evoluindo a técnica

intimidatória para as relações do Cadastro Informativo - CADIN, com o objetivo do

corte do crédito oficial.(MARTINS, 1989, p. 38-105)

Tal postura da administração pública não está em consonância com a

Constituição Federal vigente, em que a cidadania representa a base do Estado

Democrático de Direito aliada ao princípio da livre iniciativa, da liberdade de

comércio e da atividade empresária, do respeito à dignidade humana e de valores

sociais do trabalho.

Ao tratar dos direitos fundamentais e sua consolidação no sistema

constitucional mostra Virga(1994, p. 330) que o Estado de direito, em contraposição

a outros tipos de Estado, como o absoluto, tem a necessidade de reconhecer aos

cidadãos os direitos de liberdade ou direitos fundamentais, que constituem

salvaguarda contra o abuso do poder estatal; esses direitos consubstanciam o

primeiro núcleo do direito público subjetivo, a cuja elaboração teórica segue a

doutrina publicística. Tendo em vista o grande movimento político contrário ao

sistema absolutista, os direitos fundamentais, na sua primeira elaboração, prendem-

se à concepção individualista da liberdade no Estado, característica da

contraposição Estado-indivíduo. Posteriormente, os direitos fundamentais passam a

ter um conteúdo social, através da introdução, ao lado dos tradicionais direitos

fundamentais individualistas, dos denominados direitos sociais, referentes ao

trabalho, assistência e atividade econômica. Surge uma nova interpretação do velho

direito fundamental, que passa a atender às novas exigências sociais.”

Na contra-mão das conquistas consagradas na Constituição Federal se

encontram as sanções políticas, por notadamente restrigirem a liberdade dos

adminstrados, direito fundamental do cidadão.

Pois a sanção política é aquele constrangimento, aquela ameaça feita ao

administrado, pessoa física ou jurídica, para que, submetido à coação ou processo

psicológico que lhe leve a sentimento de fragilidade e falta de opção tempestiva ou

economicamente viável, concorde com tudo o que o agente do Poder Executivo

deseje, independentemente de um exame de seus próprios direitos. (SIQUEIRA,

2005, p.47)

65

O termo ‘sanções políticas’ é assim cunhado por advir do Executivo e

proporcionar a este um meio de controle e coação do particular, sem o crivo do

Legislativo, visando impor um facere ou non facere, de forma a satisfazer as

intenções políticas do governo (aumentar a arrecadação, diminuir a importação,

aumentar a exportação...), de forma a subtrair direitos fundamentais do cidadão ou

desrespeitar os princípios do substantive due process of law.

Em outras palavras, sanção política resume-se em todas as formas pelas

quais o governo tenta impor restrições ou dificuldades ao administrado, de maneira

que este venha a abandonar direitos básicos que lhes são assegurados no Estado

de Direito.(PAULSEN, 2008)

É de notar que, toda vez que o cidadão não for reconhecido como sujeito de

direito pelo Estado estar-se-á diante do abuso de poder,também cunhado pelos

nomes excesso de poder, desvio de poder e desvio de finalidade. Aponta

Cretela(2002), que “desvio” é afastamento, mudança de direção, distorção. Já

“poder” é faculdade, competência para decidir determinado assunto. Desvio de

poder significaria, assim, “...afastamento na prática de determinado ato; poder

exercido em direção diferente daquela em vista da qual fora estabelecido”

(CRETELA, 2002).

Nesse passo, a administração pública tem o poder-dever de zelar peloEstado

Democrático de Direito mantendo estrita observância as garantias constitucionais

como fundamento da ordem jurídica. A inobservânciapela autoridade administrativa

destes preceitos constitucionais implica em abuso ou desvio de poder.

O mestre Canotilho ao comentar o Estado Constitucional Democrático bem

traduz essa necessidade ao dizer que“O estado constitucional é “mais” do que

Estado de Direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para “travar” o

poder (tocheckthepower); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do

mesmo poder (tolegitimizeStatepower). (CANOTILHO, 1998, p. 96).

O Estado Democrático de Direito materializado pela promulgação da

Constituição Federal de 1988 foi uma das maiores conquistas do cidadão brasileiro.

Mas como Kelsen (1929, p.30) e Loewstein (1976) acentuam não basta que a

Constituição consagre garantias essenciais para a consolidação de um sistema

democrático ele deve ter eficácia.

66

Bem aplicam-se aqui os apontamentos de Hesse (1991, p. 22), que ao tratar

da força normativa da constituição e da preservação da vontade constitucional,

leciona :

Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição ‘deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumasvantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático’. Aquele, que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, ‘malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do quetodas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado.

Na concepção de Machado (p. 46-47)a “ restrições ou proibições impostas ao

contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo”, tais como a

interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, a negativa para a

impressão de bloco de notas fiscais, o regime especial de fiscalização, a proibição

de inscrição ou cassação do cadastro de contribuintes, declaração de inaptidão ou

suspensão do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, inscrição do contribuinte

devedor no CADIN, a exigência de pagamentos de certos tributos para a expedição

de licenças, alvarás ou para participações de licitações, entre outras(MACHADO,

p.46-47).

Ainda que o discurso da administração pública em defesa das sanções

políticas, diga tratar-se de meio necessário para impedir fraudes lesivas ao erário

público, tais argumentos mínguam face à inconstitucionalidade de que estão

tingidos. O Fisco dispõe de meios hábeis e legítimos para ver satisfeitos os créditos

tributários e no quediz respeito as mencionadas fraudes caracterizadoras dos crimes

fiscais, caberá à autoridade fiscal em havendo provas ou fortes indícios expedir

ofício ao Ministério Público Federal para as providências necessárias à apuração do

delito pelo órgão competente.

O Supremo Tribunal Federal, repele veementemente as restrições estatais

que culminam por inviabilizar o exercício da atividade econômica ou profissional do

particular, conforme as Súmulas 70, 323 e 547. Convencionou-se denominar tais

restrições de ‘sanções políticas’.

Ao apreciar o Recurso Especial 374981/RS, sobre litígio que envolvia a

discussão em torno da possibilidade do Poder Público impor restrições, ainda que

[U1] Comentário: Falta ano

67

fundadas em lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo

e que em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção acabam por

inviabilizar o exercício de atividade econômica lícita do particular, o STF reconheceu

a inconstitucionalidade de tais sanções, ponderando que qualquer que seja a

restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é

inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170,

parágrafo único, do EstatutoMaior do País. (BRASIL. 374981 RS , 2005, p. 82)

O julgado em exame cita como os exemplos mais comuns de sanções

políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja

necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o

denominadoregime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir

notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí

decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe

lançamento consumado contra o Contribuinte; a suspensão e até o cancelamento

da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. Todas

essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque:a)

implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica,

independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170,

parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o

devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte,

porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente

para apreciar se a exigência é ou não legal.23

É que, o STF desde 1951, em voto do Ministro do STF Orosimbo

Nonato,reconhece que o poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de

destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o

tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o

direito de propriedade. É um poder cujo exercício não deve ir a ter o abuso, o

excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do détournement

de pouvoir" (BRASIL, RE N. 18.331, 1951)

A clássica advertência de OROSIMBO NONATO, acentuou, de forma

particularmente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief Justice JOHN

23

No caso especifico do RE 374981/RS23

, destacava-se o exame da legitimidade constitucional de exigência estatal que erigiu a prévia satisfação de débito tributário em requisito necessário à outorga, pelo Poder Público, de autorização para a impressão de documentos fiscais.

68

MARSHALL, quando do julgamento, em 1819, do célebre caso “McCulloch v.

Maryland”, que “o poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de

destruir” (RF 145/164 – RDA 34/132), repetidas com permanente atualidade por

Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. ("The power to taxis not the Power to destro

ywhile this Courtsits"), em "dictum" segundo o qual, em livre tradução, "o poder de

tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir

esta Corte Suprema", proferidas, ainda que como "dissentingopinion", no

julgamento, em 1928, do caso "PanhandleOilCo. v. Stateof Mississippi Ex Rel. Knox"

(277 U.S. 218). eis que – como relembra BILAC PINTO em conhecida conferência

sobre “Os Limites do Poder Fiscal do Estado” (RF 82/547-562, 552) – essa

extraordinária prerrogativa estatal traduz, em essência, “um poder que somente

pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de

trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. (BRASIL,

RE565.048,2014)

Assim, o STF têm historicamente confirmado e garantido a proibição

constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de

atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. único, da Constituição), a

violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e

razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos

de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal

manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto

para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente

justifica a nefasta penalidade,quanto para controle do próprio ato que culmina na

restrição. (RTJ 160/140-141)

No entanto, não há consenso entre os operadores do direito no tange ao

poder sancionador da autoridade aduaneira, para alguns a aplicação de sanções

restritivas de direito não tem o condão de sanções políticas, já que estas têm a

função de viabilizar a arrecadação tributária pelo Estado e no caso das sanções

aduaneiras, como estas não têm apenas fins arrecadatórios, mas de controle,

segurança e prevenção de dano ao erário e ao bem comum, não se enquadraram

em tal conceito.

Os julgados de vários Tribunais Federais do Brasil sobre o tema,tem

entendimentos dissonantes entre si, em julgado do TRF5 aos 26/09/2014 restou

69

decidido pela vedação à imposição de sanção de ordem política (BRASIL, AC:

00112126920124058100, 2014), reconhecendo que à autoridade administrativa

descabe apreender mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos.

O mesmo TRF5 um ano antes, decidiu que a retenção de mercadorias importadas,

para realização do procedimento de conferência aduaneira, mesmo que seja para

fins de pagamento de tributos, não deve ser considerada ilegal, até mesmo pela

natureza primordialmente extrafiscal da tributação incidente na importação e na

exportação. ( AC-86490520124058100, 2013)

O TRF2 decidiu que a prestação de garantia para a liberação da mercadoria

não implica na violação da súmula 323 do STF por não se tratar de sanção política

(BRASIL, RJ 2001.51.01.490129-0, 2008), destoando desse entendimento o

TRF3externou que não pode a administração obstar o desembaraço aduaneiro de

mercadorias em razão de tributos em aberto. (BRASIL, MAS-5553/SP, 2010)

No entanto em julgados recentes o Superior Tribunal de Justiça vem dando

sinais pela pacificação do entendimento no sentido de reconhecer a incidência do

disposto na Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal, visando obstar as sanções

políticas aduaneiras, oportuno, excerto do julgado:

A legislação Aduaneira adotou no seu contexto vários tipos de sanções,

destinadas não só ao controle administrativo como também ao controle fiscal, dentre

eles o de imposição de multas, quando os atos promovidos na importação se

encontrarem em desconformidade com o ordenamento que disciplina a matéria.

Admitiu, também, mecanismos para a retificação do procedimento, quando

detectada alguma omissão que implique em irregularidade no procedimento

encetado. Trata-se de ato administrativo vinculado. Embora o direito à propriedade

não seja visto atualmente como um direito intangível, em confronto com o direito

público, o procedimento adotado pelo Fisco retendo bens deve vir justificado na lei,

para que não sejam violados os princípios constitucionais vigentes, em especial,

quando destinado à cobrança da exigência fiscal, procedimento ilegal, conforme já

decidiu o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 323. A Administração

possui diversos mecanismos para levar a cabo a exigência tributária, dentre as quais

a ação executiva. A apuração de um crédito a favor da Fazenda quando do

desembaraço aduaneiro não difere em nada dos demais créditos apurados em

70

outros procedimentos de fiscalização e, por tal, encontram-se sujeitos às mesmas

regras (BRASIL, REE nº 1.439.535 – SP, 2015).

A aplicação das sanções políticas aduaneiras com previsão em meras

Instruções Normativas, restringem direitos fundamentais do cidadão e tolhem a

atividade empresária.

Não se pode olvidar que a atividade administrativa aduaneira é essencial e

legítima, mas não menos legítima a atividade empresária. O ponto nodal da

questão,especificar os limite da atividade administrativa aduaneira.

É de senso comum que a aplicação das sanções administrativas devem

observar o princípio da legalidade, da proporcionalidade e darazoabilidade, dentre

outros.

Também é sabido que diante da democratização da atividade estatal

alinhava-se na aplicação das sanções administrativas a defesa dos direitos

fundamentais dos administrados, seja do cidadão ou da empresa, pois ambos

refletem a dignidade da pessoa humana. A se esperar uma Administração Pública

moderna, participativa e consensual, ademais de sensível aos direitos fundamentais

consagrados na Constituição. (FERREIRA, 2009, p. 90)

Para Löffler (2009), governança pública encerra uma nova geração de

reformas administrativas e de Estado, que têm como objeto a ação conjunta, levada

a efeito de forma eficaz, transparente e compartilhada, pelo Estado, pelas empresas

e pela sociedade civil, visando uma solução inovadora dos problemas sociais e

criando possibilidades e chances de um desenvolvimento futuro sustentável para

todos os participantes.

A aplicação de uma sanção administrativa constitui a manifestação do

exercício da potestade sancionadora da Administração, cuja validade está

condicionada ao respeito à Constituição e aos direitos fundamentais da pessoa

(substantivos e processuais), assim como a observância de certos princípios, dentre

os quais o da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade é aquele também denominado de “proibição

de excesso”, é aquele segundo o qual a intervenção pública deve ser suscetível de

alcançar a finalidade perseguida, de modo que esta se entenda como necessária,

sendoimprescindível não haver outra medida menos restritiva da esfera de liberdade

dos cidadãos. Assim mesmo, dita intervenção deve ser proporcional em sentido

71

estrito, quer dizer ponderada e equilibrada, visando o interesse geral, sem prejuízo

de outros bens e valores, em geral, os direitos e as liberdades.

De acordo com o princípio em menção, o administrado tem direito de que a

atuação da administração que lhe afete, seja efetivada da forma menos gravosa

possível, evitando-se qualquer excesso de punição.

O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade,

tornainconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas

impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de

impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição

de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de

medidacautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu

direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a

imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões

negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em

sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da

impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do

Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas. (CUNHA, 2000,

p. 141/143)

Em análise as sanções aduaneiras restritivas de direitos dos administrados,

sem dúvida, uma das mais gravosas e desproporcionaisé a declaração de inaptidão

do CNPJ– Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, em se tratando este de requisito

essencial para a pratica dos atos do comércio, a suspensão da eficácia do mesmo

redunda no encerramento das atividades da empresa, tornando-o, portanto, um

instrumento de opressão ao cidadão que depende da atividade empresária para

viver.

O cadastro de pessoas jurídicas foi criadocomo instrumento de registro de

dados e acompanhamento de contribuintes pelo Fisco, pela Instrução Normativa n.º

24, de 09/08/73, da Secretaria da Receita Federal, que disciplinou os procedimentos

relativos à inscrição ao então denominado CGC e sua atualização. A idéia original

do CGC era a de mero instrumento de acompanhamento das atividades do

contribuinte. A inscrição só seria suspensa pelo não recadastramento ou a falta de

entrega de declaração ao imposto de renda. A baixa ou extinção do registro só

ocorreria com a perpetuação da suspensão por dado tempo, mas o contribuinte

72

poderia, a qualquer tempo, restabelecer sua inscrição, ocorrendo a cobrança dos

valores por ventura devidos, sejam de origem tributária ou não, pelas vias próprias.

O CGC, portanto, não via de constrangimento para o cumprimento de exigências

fiscais , principais ou acessórias, passando a partir da IN/SRF n.º 112/94, a ser

instrumento de coação, negando a inscrição da pessoa jurídica cujos sócios

tivessem alguma pendência fiscal em função de outra empresa da qual fez parte,

bem como a possibilidade de suspensão ou cancelamento da inscrição e a virtual

proibição de negociar com empresas sujeitas a apuração do IRPJ sobre o lucro real.

Para estancar as arbitrariedades do Fisco que insistia em se imiscuir na

iniciativa privada, inúmeros mandados de segurança foram impetrados, de forma a

estancar a restrição da referida Instrução Normativa por implicar em restrição à

liberdade de exercício da atividade profissional a atividade empresarial. (BRASIL,

Apelação – 56396, 1999)

A denominação CNPJ - Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica foi instituída

pela Instrução Normativa n.º 27, de 05/03/1998, da Secretaria da Receita Federal,

mais uma vez desbordando dos limites constitucionaisestabeleceu restrições às

atividades privadas como sanções pela inadimplência de exigências fiscais.

O Judiciário se mostrou eficaz no controle da supremacia constitucional e

pacificou-se o entendimento de que a exigência de regularidade fiscalpara a

obtenção do registro junto ao CNPJ, constitui verdadeiro meio coercitivo de

cobrança de tributos, o que implica em violação aos princípios constitucionais da

legalidade e da livre iniciativa. (BRASIL, Apelação 56396, 1999)

PelaInstrução Normativa SRF nº 200, de 13 de setembro de 2002, novas

modificações envolvendo o CNPJ, mantendo as sanções inconstitucionais já

existentes nas instruções normativas anteriores e foi além, como se pode extrair da

simples leitura dos artigos abaixo transcritos:

”....... Da Obrigatoriedade da Inscrição Art. 12. Todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a se inscrever no CNPJ. § 13. Não será deferido o pedido de cancelamento de inscrição no CNPJ de pessoa jurídica: I - cuja inscrição encontre-se na situação cadastral Ativa não Regular, Suspensa, na hipótese da alínea "c" do inciso III do § 1º do art. 28, ou Inapta; II – com procedimento fiscal em andamento por qualquer dos convenentes; III – com débito perante a Procuradoria da Fazenda Nacional;

73

IV - em relação à qual se constate a existência de condições restritivas, estabelecidas em convênio. ...................... § 15. Não será concedido o cancelamento de filial em relação à qual constar, nos arquivos do CNPJ, pendência quanto à obrigação tributária principal ou acessória de que for responsável isoladamente. ...................... .§ 1º Relativamente à SRF, a inscrição será enquadrada na situação de: I - Ativa Regular, quando a pessoa jurídica: a) não possuir pendência em seu nome, nos termos do inciso I do art. 48; b) comunicar o reinício de suas atividades, temporariamente suspensas; c) não possuir débito. ............. Da Declaração de Inaptidão Art. 29. Será declarada inapta a inscrição da pessoa jurídica: I - omissa contumaz: a que, embora obrigada, deixou de apresentar as declarações referidas nos itens 1 e 3 da alínea "c" do inciso I do art. 48, por cinco ou mais exercícios consecutivos e, intimada, não regularizou sua situação no prazo de sessenta dias, contado da data da publicação da intimação; II - omissa e não localizada: a que, embora obrigada, deixou de apresentar as declarações referidas no inciso anterior, por um ou mais exercícios e, cumulativamente, não foi localizada no endereço informado à SRF; III - inexistente de fato; IV - pessoa jurídica que não comprove a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior. ................................... Art. 37. Será considerada inexistente de fato a pessoa jurídica: I - que não dispõe de patrimônio e capacidade operacional necessários à realização de seu objeto; II - que não for localizada no endereço informado à SRF, quando seus titulares também não o forem; III - que tenha cedido seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de terceiros, com vistas ao acobertamento de seus reais beneficiários; Dos efeitos da inscrição inapta Art. 42. Sem prejuízo das sanções previstas na legislação, a pessoa jurídica cuja inscrição no CNPJ haja sido declarada inapta ficará sujeita: I - à inclusão no Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (Cadin); II - a não obtenção de incentivos fiscais e financeiros; III - ao impedimento de participação em concorrência pública, bem assim de celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos; IV - ao impedimento de transacionar com estabelecimentos bancários, inclusive, quanto à movimentação de contas-correntes, à realização de aplicações financeiras e a obtenção de empréstimos, bem assim, de realizar operações de crédito que envolvam utilização de recursos públicos; V - ao impedimento de transmitir a propriedade de bens imóveis. Parágrafo único. O impedimento de transacionar com estabelecimentos bancários a que se refere o inciso IV deste artigo não se aplica a saques de importâncias anteriormente depositadas ou aplicadas. Art. 43. Será considerado inidôneo, não produzindo efeitos tributários em favor de terceiros interessados, o documento emitido por pessoa jurídica cuja inscrição no CNPJ haja sido declarada inapta. (grifo nosso)

74

As sanções dispostas na Instrução Normativa acima, prevêem que qualquer

desatendimento às obrigações tributárias ou afins, implicarão na paralisação das

atividades da empresa.

O ponto nevrálgico do tema consiste no limite do exercício do direito

sancionador pela autoridade aduaneira e na validade das sanções

administrativasque venham a macular os preceitos constitucionais básicos e via de

conseqüência onerar demasiadamente o particular.

No caso do direito tributário e aduaneiro, em queas obrigações se

interpenetram, mas guardam diferenças substanciais, a aplicação da multa, sanção

inerente à atividade fiscal do Estado somada aos mecanismos para execução do

débito fiscal, já se mostram bastante razoáveis para atingir a efetividade da norma

validamente posta no ordenamento jurídico. Qualquer outra sanção,

cumulativamente, imposta pelo Fisco ao contribuinte foge aos limites quantitativos

das sanções, configurando abuso.

É aceitável, por atender ao princípio da razoabilidade, a restrição imposta ao

direito de propriedade e do livre exercício da atividade empresária,quando tratar-se

de importação de produtos proibidos para o consumo ou circulação no território

nacional.

De outro lado, se o bem jurídico tutelado pela norma é o erário público a

aplicação da multa equivalente ao valor aduaneiro das mercadorias, é a sanção

razoável, não se podendo falar em medidas mais gravosas ao importador, por

ofensa aos princípios da livre iniciativa e da propriedade privada.

A aplicação da sanção de declaração de inaptidão do CNPJ é sinônimo de

penade morte e foge aos preceitos constitucionais que regulam a administração

pública, posto que estaria instituindo pena de caráter perpétuo, que a Constituição

proíbe.24pois fazendo uso das lições de Machado (p. 49), o cadastro da pessoa

jurídica não pode ser utilizado como instrumento de coação, mesmo quando o

contribuinte pratica as apontadas "faltas graves", face a subsistência de evidente

inconstitucionalidade, pois instruções normativas, regulamentos ou leis estaduais ou

municipais não são instrumentos jurídicos válidos para o trato de matéria penal. E

ainda que se tratasse de lei ordinária federal, a punição não se poderia dar antes de

24

CF/88, art. 5º, inciso XLVII, alínea "b"

75

apurada a prática do ilícito, nem tampouco com duração indeterminada, porque ter-

se-ia pena perpétua, vedada constitucionalmente.

A Receita Federal pode deflagrar o procedimento administrativo

fiscal,formalizado por representação de auditor fiscal da Receita Federal, para

apurar irregularidades da empresa que atue no comércio exterior, seja durante o

desembaraço aduaneiro ou não, sendo legítima e inerente a função fiscal essa

prerrogativa.

No entanto, a exegese equivocada das normas que regulam a declaração da

inaptidão do CNPJ pelos agentes públicos, é que acabam por tornar a sanção

aplicada nula, por não atender aos princípios constitucionais da proporcionalidade e

razoabilidade.

Em um sem número de procedimentos especiais de fiscalização, a

inconsistências de dados no preenchimento da Declaração de Importação ou demais

documentos que acompanham o desembaraço aduaneiro, podem ser interpretados

comocaracterização da ocultação do sujeito passivo, do real comprador ou

responsável pela operação de importação, mediante fraude ou simulação, inclusive

a interposição fraudulenta de terceiros, ensejando a declaração de inaptidão do

CNPJ.

A medida gravosa de declaração de inaptidão do CNPJ da empresa, é pena

capital só aplicável à empresas cuja atividade se resuma total e exclusivamente à

prática do ilícito, não aplicável, conseqüentemente, por prudência, bom senso e em

obediência ao princípio da proporcionalidade às empresas regularmente

constituídas, que eventualmente sejam acusadas de ato ou atos concretos e

específicos reputados ilícitos ou irregulares. (BRASIL, AG 2007.01.00.000295-0/DF,

2007)

Da mesma forma, se os valores constantes da Declaração de importação,

faturas comerciais ou demais documentos que embasam o desembaraço aduaneiro,

revelarem alguma forma de subfaturamento, a exegese dos age muitas vezes é a de

uso de fatura comercial falsa para a instrução do despacho aduaneiro.

A legislação aduaneira prevê diversas sanções para atos ilícitos praticados

pelos operadores do comércio exterior, entre eles, conforme o caso, ou a perda das

mercadorias irregularmente importadas ou a multa no valor aduaneiro

equivalentedessas mercadorias. Ao lado de todas essas medidas, prevê e

76

regulamenta, conforme maior gravidade do caso, o procedimento de Representação

Fiscal de Inaptidão para o CNPJ.

O procedimento especial de fiscalização se dá de forma profunda e complexa

pelosAuditores Fiscais em empresas importadoras ou exportadoras, o arquétipo

normativo que embasa esse procedimento se situa numa ambiência aduaneira de

alta ilicitude tributária, que desafia pronta e eficaz atuação fiscal, que ponha cobro às

ilicitudes consecutivas que geram graves danos ao erário e à ordem jurídico-

tributária, especificamente na área da importação.

Ocorre que, muitas empresas vêm sendo equiparadas a empresas

inexistentes de fato, mesmo que regularmente constituídas e em plena atividade

comercial, realizando operações aduaneiras perfeitamente lícitas e regulares, no

caso de entender os agentes fiscaisque o montante financeiro transacionado pela

empresa não é compatível com capital social declarado, sugerindo que exista um

sujeito oculto na operação, configurando interposição fraudulenta, como se

depreende de um trecho da decisão do TRF4: .

Os argumentos aviados pela Receita Federal para o indeferimento do pedido de revisão não evidenciam existirem indícios concretos sobre a falta de capacidade operacional da impetrante para a realização de importações em montante maior ou que essas importações seriam realizadas por interposição fraudulenta de pessoas, razão pela qual a referida decisão carece de razoabilidade e legalidade. Impossível se admitir que decisões administrativas que tenham o condão de impedir a atividade empresarial possam ser adotadas tendo como fundamentação meras suspeitas de irregularidade. É mister que estas sejam efetivamente constatadas e comprovadas.(BRASIL, REOAC - 25615 /2010)

Nos termos do art. 33 da Lei nº 11.488 /07, ainda que ocorra a interposição

fraudulenta de pessoa jurídica em operação de comércio exterior, já não se aplica a

sanção deinaptidão do CNPJ da pessoa jurídica envolvida, mas a pena de multa.

A inscrição no cadastro de contribuintes não pode ser transformada em

autorizaçãopara exercer a atividade econômica. Nem o seu cancelamento em forma

de obrigar o contribuinte a cumprir seus deveres para com o Estado. Mesmo o

contribuinte mais renitente na prática de infrações à lei tributária não pode ser

proibido de comerciar. Mesmo aquele que tenha sido condenado, no juízo criminal

competente, por prática de crime de sonegação de tributos, tem o direito de

continuar exercendo o comércio, porque a lei não comina aos que cometem esse

crime a pena de proibição do exercício do comércio.

77

A cada ofensa a um bem jurídico tutelado pela ordem jurídica corresponde

uma única sanção, nisso consisteo princípio do non bis in idem , se há débito

tributário a pena a ser aplicada pela autoridade competente, o Fisco, é a de multa,

se há ilícito penal a pena a ser aplicada pela autoridade competente, o juiz, é a

privativa de liberdade. Qualquer mutação na aplicação destas penas implica em

ilegalidade.

A perspectiva constitucional na aplicação da sanção é que poderá resguardar

o cidadão e nortear as ações dos agentes da administração pública, possibilitando o

agir do fisco, mas evitando excessos.

Como aposta, Marques Silva25,a idéia demasiado simplista e

extraordinariamente perigosa de que todos ou quase todos os males do país são

provocados pela fuga ao fisco, donde, combatida a fraude, será pacificada a

comunidade e alcançado o paraíso,simplista porque pelo que parece a preocupação

dos políticos é quase só a de obter mais receitas para o Estado, o que não significa

aumentar a riqueza do país, mas sobretudo perigosa porque convoca para o

combate à fraude meios excepcionais e desproporcionados fronteiriços ao regime de

Estado de não direito. Também advogava, aquele autor, um combate eficaz às

infrações tributárias, mas sem admitir que nesse combate a força se deva substituir

à inteligência, que se justifiquem quaisquer medidas de caráter excepcional com

afastamento dos instrumentos comuns a um Estado Democrático de Direito,

repugnante à ética e ao direito que se equipare a fraude fiscal ao terrorismo, assim

a modos de terrorismo tributário (MARQUES DA SILVA, 2005)26

, e se usem meios

abusivos nesse combate.

Ao tratar da competências na aplicação da sanção, Franco (2008), entendia

que: não é necessária e é perigosa a atribuição de competências excepcionais à

administração tributária, porque nem os meios do processo comum são insuficientes

para um combate eficaz, nem a natureza e gravidade das infracções justifica a

subversão do sistema de investigação criminal; os meios de excepção embotam a

inteligência dos agentes.

25

Para um estudo mais profundo consultar“Ética e Fiscalidade”, Marques da Silva, Germano COMMUNIO –Revista Internacional Católica, Ano XV, nº 3, 1998, pp.237-247.

26Marques da Silva, Germano, Da “processualização” do Direito Penal à Responsabilização dos

Agentes da Justiça», Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, Direitos do

Homem/Dignidade e Justiça, 2005, pp.83-98.

78

Os princípios da moralidade são válidos tanto para os administradoscomo os

agentes da Administração Pública, além de deverem informar a produção legislativa

como condição da própria validade. Mais ainda, é razoável pensar que a moralidade

tributária do contribuinte pressupõe-sea moralidade da Administração como um todo

e de cada um dos seus agentes. Ao cumprir o dever funcional de agir, o agente da

administração deve escolher os meios e modos, ponderando as circunstâncias, para

não impor aos contribuintes ônus, restrições e constrangimentos que não apenas os

necessários ou recomendáveis. O modus faciendi deve ser premido demoralidade. .

A discricionariedade abre sempre a porta ao abuso e a fiscalização para exercer a

defesa do erário não pode ser arbitrária. A razoabilidade ea moralidade, devem ser

regras que iluminam toda a vida social.

A interpretação pelo Fisco no que tange ao enquadramento das empresas em

“inexistentede fato” ou pela “não comprovação da origem dos recursos empregados

em operações de comércio exterior”, como menciona a IN SRF200/02 e outras

subseqüentes, visando a aplicação da sanção de inaptidão do CNPJ, tem ocorrido

ao arrepio dos cânones da interpretação da lei tributária, como: a segurança jurídica

e justiça eqüitativa. Tratando de norma infra legal que imbrica nos direitos

fundamentais previstos na Constituição Federal sua exegese deve ser pelo princípio

da preponderância da constituição, segundo oqual, diz impõe-se que, dentre as

várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se uma interpretação não

contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da

conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada

inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em

conformidade com a constituição; (3) o princípio da exclusão da interpretação

conforme a constituição mas “contra legem” impõe que o aplicador de uma norma

não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação

conforme a constituição, mesmo através desta interpretação consiga uma

concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais.

(CANOTILHO, 1998)

O princípio do “non bis in idem” supõe que não deve havera imposição de

várias sanções administrativas punitivas para uma mesma conduta. Não obstante, a

autoridade aduaneira vem aplicando concomitantemente pena de perdimento da

mercadoria importada, suspensão do registro da empresa no sistema RADAR

79

impedindo-a de continuar a importar, declaração de inaptidão do registro no CNPJ

da empresa impedindoqualquer ato da atividade empresária, inclusive aqueles que

constam como objeto social da empresa e não se relacionam com a importação ou

exportação, sem prejuízo da aplicação das sanções ressarcitórias e remessa de

ofício ao Ministério Público Federal para apuração das possíveis sanções penais

cabíveis.

Na prática, a aplicação da sanção de inaptidão do registro no CNPJ,

representa uma verdadeira pena de morte àempresa, máxime nos casos em que o

objeto social da pessoa jurídica se refere a atividades além do comércio exterior. Por

exemplo, uma empresa que tenha por atividade habitual o comércio varejista e que

se aventurou a fazer uma operação de importação resultando em um processo

especial de fiscalização que veio a aplicar a sanção de inaptidão do CNPJ da

mesma, não somente a suspensão do registro da empresa no RADAR que a

autorizou a atuar no comércio exterior, mas para qualquer atividade. Nessa hipótese,

ter-se-ia algo semelhante à decretação da extinção da pessoa jurídica, por meio de

ato administrativo.

A sanção, neste caso, por carente de razoabilidade e desproporcional é

inconstitucional. Em suma: a prerrogativa institucional da fiscalização aduaneira,

que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de

suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental, constitucionalmente

assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política,

de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos

cometidos pelo poder público ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em

diplomas normativos por este editados. (BRASIL, STF - RE 374981/RS, 2005)

À guisa de analogia, vale destacar que a Constituição Federal de 1988, no

inciso XIX, do art. 5º, assegura que “as associações só poderão ser

compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial,

exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado.” Ou seja, para a dissolução das

associações exige-se decisão judicial, ao passo que, para as empresas do ramo

econômico em questão, bastaria ato administrativo. (BRASIL, STF- RE 550769,

2013)

Outra sanção política que o Fisco faz uso, éa inserção do nome da pessoa

jurídica em Cadastro de Inadimplentes. Em apertada síntese, o CADIN foi instituído

80

com a finalidade de dotar a Administração Pública de instrumento eficaz de consulta

quanto aos devedores da União e empresas estatais federais, contudo vem sendo

indevidamente utilizado pelo Fisco. O efeito da inserção da empresa no CADIN é

imediato e desastroso, pois haverá obstáculo intransponível para as mais

elementares transações jurídico - comerciais.

O contribuinte devedor fica impotente diante do aludido Cadastro o

quepraticamente lhe obriga a satisfazer a dívida fiscal que a determinou, pois o

interessado não tem meios de removê-la ou convencer instituições públicas ou

privadas que o consultam, compulsoriamente, a contratar consigo ou manter

relações jurídicas outras, o que viola o devido processo legal, assentado na Carta

Magna como um dos seus postulados fundamentais, devendo as dívidas tributárias

ser cobradas através de Execução Fiscal, nos termos da Lei nº 6.830/80.

Estaprática é inconstitucional, porque além de implicar em desproporcional e

indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de

autorização de órgãos públicos, conforme assegura a Constituição Federal,

configura aplicação de sanção sem o devido processo legal, com grave violação do

direito de defesa do contribuinte.

O Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade

nº 1.454-4, deferiu medida liminar para suspender cautelarmente o artigo 7º da

Medida Provisória nº 1.490, de 07.06.96, que estabelece restrições à celebração de

transações e outras operações, com a Administração Federal, por aqueles que têm

o seu nome inscrito no CADIN.

O fato é que, os postuladosconstitucionais protetivos das atividades

econômicas (CF, art. 170, parágrafo único) e da liberdade do exercício profissional

(CF, art. 5º, XIII), não podem sofrer restrições pelo Estado, nem mesmo mediante

lei, por flagrante inconstitucionalidade e por não guardarem compatibilidade com o

princípio da proporcionalidade, da razoabilidade, da finalidade e da motivação que

norteiam os atos administrativos, mormente os fiscais face a sua repercussão na

esfera privada.

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são direitos

fundamentais decorrentes do substantive due process of law, o qual consistido em

cláusula pétrea da Constituição Federal, não pode ser desrespeitado sob nenhum

aspecto por implicar em ofensa ao Estado de Direito. As sançõespolíticas impostas

81

pelo Fisco ferem estes comezinhos princípios constitucionais, por não atingirem a

finalidade da norma administrativo-tributária, por padecerem de motivação adequada

e idônea, apresentando-se como atos sancionatóriosdesarrazoados e

desproporcionais. A legitimação da atividade estatal depende de sua adequação à

finalidade, ponderando quetodo ato administrativo deve ser voltado a um interesse

público determinado em lei e sua formação deve ser motivada, através da

consonância entre os pressupostos fáticos e jurídicos que fundamentaram o ato

administrativo.

Para Gordillo a decisão 'discricionária' do funcionário será ilegítima, apesar de

não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é 'irrazoável', o que pode

ocorrer, principalmente, quando: a) não dê os fundamentos de fato ou de direito que

a sustentam ou; b) não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos

e notórios; ou se funde em fatos ou provas inexistentes; ou c) não guarde uma

proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar,

ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao

que se quer alcançar.( GORDILLO, 1977, p. 183-4)

Não discrepa deste entendimento Guerra Filho (p.75), quando acrescenta:

"Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim

almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional

em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens".

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder

Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo

ordenamento jurídico: a justiça.......o princípio da razoabilidade é um mecanismo de

controle da discricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao judiciário

invalidar atos legislativos ou atos administrativos quando: (a) não haja relação de

adequação entre o fim visado e o meio empregado; (b) a medida não seja exigível

ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com

menor ônus a um direito individual; (c) não hajaproporcionalidade em sentido estrito,

ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se

ganha. (BONAVIDES, 1997, p. 318)

E arremata Gilmar Ferreira Mendes ao dizer: “a doutrina constitucional mais

moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados

direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da

82

restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade

das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.” (MENDES,

1998)

A decisão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, de 1971, que não

discrepa do que até aqui fora proposto:

O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando, com o seu auxílio, se pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental.(GUERRA FILHO, 1989, p. 87)

O Supremo Tribunal Federal, corrige a restrição à livre iniciativa privada pelo

Estado por considerá-la uma sanção desproporcionale inconstitucional, por

manifesta afronta ao próprio direito à subsistência, como se pode ler na seguinte

passagem do voto então proferido pelo Ministro Themístocles Cavalcanti:

Infelizmente não temos em nossa Constituição o que dispõe a Emenda nº 8 da Constituição Americana, onde se proíbem a exigência de fianças excessivas, as penas de multa demasiadamente elevadas e a imposição de penas cruéis e fora do comum ou de medida (cruel andunusualpunishment). ...sic.. Ora, tornar impossível o exercício de uma atividade indispensável que permita ao indivíduo obter os meios de subsistência, é tirar-lhe um pouco de sua vida, porque esta não prescinde dos meios materiais para a sua proteção.(HC 45.232, 1968, p.322)

Não se pode negar que as relações de comércio exterior devem sofrer

controle e limitação pelo Estado, através dos órgãos intervenientes do Sistema de

Comércio Exterior - SISCOMEX, dentre eles o Fisco. Mas este controle, deve estar

pautado nos princípios constitucionais já referidos, tais como legalidade, moralidade,

impessoalidade, motivação e não pode ser desproporcional à finalidade que se

emprega.

Os limites do Poder de Polícia Administrativa são demarcados pelo interesse

social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na

Constituição da República. (MEIRELLES, 1999, p. 142)

As exigências para nacionalização das mercadorias importadas, têm

atravancando o comércio internacional, o que cria um ciclo vicioso negativo que

redunda em descrédito do Brasil no mercado internacional, pois se o importador não

liberou a mercadoria, acaba por não pagar o fornecedor estrangeiro, já, se o caso é

83

com o exportador, o comprador estrangeiro que já pagou ou que conta com a

mercadoria, não a recebe. As empresas enquanto aguardam umdesfecho pelo

Fisco, oneram-se com demurrage, encargos com armazenagem portuária, e com as

dívidas que se acumulam enquanto a mercadoria que gira a empresa não sai da

Alfândega. Vale frisar que,a maioria das importadoras e exportadoras no Brasil são

de pequeno e médio porte, e qualquer descompasso acaba por gerar prejuízos

financeiros irremediáveis.

Para Raposo de Medeiros, uma questão está fora de dúvida; o Direito

Aduaneiro não tem nada a ver com o Direito Fiscal, quer pelo seu próprio contorno

conceitual, quer pela especificidade da ação em função dos regimes mais diversos

devido a espaços econômicos, aos tipos de acordos internacionais, a procedimentos

normalizados ou simplificados de facilitação do comércio externo, a suportes

documentais de declaração das mercadorias, etc. Por outras palavras, o Direito

Aduaneiro tem particularidades técnicas e econômicas susceptíveis de considerar os

seus mecanismos jurídicos de intervenção no comércio internacional, como um

conjunto à parte, com uma técnica e originalidades independentes do Direito Fiscal,

e com uma terminologia própria. Daí espraiar-se pela nomenclatura pautal em

conexão com questões da taxação em eventuais alternativas de aplicação dos

regimes geral ou preferenciais, passando pelos regimes suspensivos de conteúdo

econômico das mercadorias e regime aduaneiro dos meios de transporte, e

terminando no contencioso aduaneiro. (MEDEIROS, 1996)

A implementação da pesquisa dos temas de Direito Aduaneiro no Brasil, irão

favorecer o linha mestra para a aplicação de sanções aduaneiras que conjuguemaos

cânones constitucionais que regem o Poder Sancionador do Estado e os interesses

da empresa.

Na atualidade os princípios constitucionais permeiam o agir daAdministração

Pública, exigindo desta uma visão sensível ao direito do administrado como corolário

do princípio da dignidade humana.

Os novos métodos de governançada Administração Pública exigem uma

virada conceitual no âmbito do exercício da atividade de controle tem de ver com a

necessidade de aproximação, cada vez mais premente, entre fatos (condições de

atuação) e normas prima facie, e entre procedimentos e demandas sociais.

84

É que na lógica do controle-sanção não há meio termo: ou a conduta do

controlado é conforme as regras e procedimentos ou não é: neste último caso, deve-

se penalizar o sujeito, independentemente das circunstâncias práticas por ele

vivenciadas na ocasião e das conseqüências futuras, às vezes negativas para o

próprio funcionamento da máquina administrativa. É nesse cenário que restou

concebida a idéia de produção de instrumentos consensuais de controle, com o

objetivo deliberado de substituir parcialmente o controle-sanção pelo controle-

consenso; o controle-repressão pelo controle-impulso. (FERRAZ, 2007)

A administração pública na esfera de atuação do comércio exterior,

sereconduzida para um agir consensual, editará os métodos de investigação e

exegese do fato e da norma, para aplicação da sanção aduaneira de forma justa,

ponderando a liberdade inerente a atividade empresária e os preceitos que regem o

comércio internacional forte e dinâmico, propulsor do desenvolvimento econômico e

social.

Prestigiando, em ultima ratio, dois valores fundamentais da República

Federativa do Brasil: o valor social do trabalho e o princípio da dignidade da pessoa

humana.

85

4 A SANÇÃO ADUANEIRA COMO LIMITADORA DA ATIVIDADE

EMPRESÁRIA

No mundo atual, globalizado e caracterizado por processos complexos de

integração, os novos direitos econômicos surgiram, incluindo os fundamentais

direitos da liberdade de empresa e trabalho. Com não há preceito absoluto na sua

aplicação, mas se pode distinguir alguns aspectos implícitos, bem como suas

limitações, estabelecidas pelo poder do Estado nadireção da economia.

Este princípio significa para autores como Ortiz (1995), liberdade de

empreendedorismo e acesso ao livre mercado, liberdade de organização e a

liberdade de direção da empresa, confira-se:

O primeiro aspecto envolve a liberdade de empreender atividades

econômicas no sentido de livre fundação de empresas, não sendo

cabívelargumentos espúrios pelo Estado para justificar medidas restritivas;O

segundo aspecto inclui a liberdade de organização, escolha de formas, o nome ea

identidade da empresa, site gratuito, constituição interna, etc., aqui também

devemos distinguir restrições ou limitações que são estabelecidas por meio de

restrições urbanas e territoriais; O terceiro aspecto, vamos dizer que a liberdade de

exercício da actividade empresarial significa a liberdade para tomar decisões

ecompetir em um mercado livre, o que se expressa na liberdade de produção

(volume, qualidade), liberdade de investimento.

A atividade aduaneira é de natureza complexa, envolvendo vários atos,

procedimentos e formalidadesrealizadas tanto pelas autoridades, como pelos

indivíduos envolvidos na introdução ao país ou remoção destes de bens e

transporte.

Como parte da verificação aduaneira e controle das atividades de

regulamentação não-tarifárias e restrições estabelecidas pelo Estado para permitir a

importação, exportação ou trânsito de mercadorias, caberá a autoridade aduaneira

em havendo descumprimento da norma aplicará a sanção correspondente.

86

A partir do último terço do século XX, várias medidas governamentaissurgiram

cujos objetivos formais são para regular e proteger as atividades e interesses sobre

o comércio exterior, mas que, no entanto, aplicadas com rigor desproporcional, de

forma a produzir evidente limitação ao comércio internacional, agrupando com o

nome genérico de medidas não-tarifárias dentro de um fenômeno que tem sido

chamado de neo-protecionismo.

As sanções políticas aduaneiras obstacularizam a atividade empresarial na

medida em que são aplicadas de forma objetiva aos empresários que atuam no

comércio transfronteiriço e qualquer incongruência no preenchimento dos dados

junto ao sistema SISCOMEX ou na contabilidade da empresa acarretarão penas que

vão desde multa de até 100% do valor da mercadoria, pena de perdimento,

suspensão do RADAR, inaptidão do CNPJ, dentre outras, sem prejuízo da

representação para fins penais ao Ministério Público Federal.

Todas essas sanções são abusivas por macular o principio da dignidade da

pessoa humana, uma vez que tolhe a liberdade do cidadão em exercer a atividade

empresária.

O empresário é tutelado no Novo Código Civil Brasileiro, no Livro II, Título I –

Do Empresário, Capítulo I – Da Caracterização e da Inscrição, no Art. 966 que diz:

Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Parágrafo Único.

Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza

científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores,

salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

A interligação entre o princípio da liberdade da profissão de empresário e o

princípio da dignidade humana é evidente e as sanções políticas tributárias e

aduaneiras afrontam tais princípios.

A liberdade de trabalho e profissão é um direito fundamental cujo advento

remonta às origens do próprio Estado de Direito; está hoje consagrada nos

principais instrumentosjurídicos relativo aos direitos humanos.

O processo de sua completa implementação não foi pacífico, na Europa até o

século XVII, a liberdade para comerciar era restrita e controlada pelas corporações

de ofício. O exercício da atividade comercialacabava monopolizado e com elevados

impostos e barreiras alfandegárias.

87

A idéia de comércio não se associava o conceito de autonomia contratual,

expressão da livre iniciativa econômica, mas o conceito de privilégio. Exercia a

atividade comercial apenas aquele que se encontrava autorizado para tanto.

Vários foram os instrumentos que foram formalizando a legitimidade do

exercício comercial, além da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do

Cidadão em 178927, o princípio da liberdade de iniciativa foi explicitado no Édito de

Turgot, de1776.Mas, a mudança fundamentaltem como marco histórico a queda do

Ancien Régime na França e a edição da Lei de 2 de março de 1791, o chamado

Décret d’Allarde, o qual declarou a liberdade de comércio e de indústria, podendo

qualquer pessoa realizar todo o tipo de negócio, profissão, arte ou ofício. Em junho

do mesmo ano, editou-se a Lei Le Chapelier28, a qual declarou a extinção das

corporações de ofício.

Ainda na última década do século XVIII, o governo monárquico absolutista

espanhol, com as ‘Reales Ordenes’ de 26 de maio de 1790 e de 1 de Março de

1798, estabeleceu “a liberdade de quaisquer pessoas de trabalhar nos seus ofícios

ou profissões, sem outro requisito senão o de fazer constar a sua perícia, ainda que

lhes faltem os da aprendizagem , do oficialato, do domicilio, e dos que prescreviam

as ordenações gremiais...”.

Mas o âmbito deste direito de liberdade, no Estado liberal era bem mais lato

que do que o dos seus atuais correspondentes semânticos (trabalho e profissão),

vez que, a liberdade de trabalho era “a esta luz, toda a liberdade de ação que o

homem possuía na vida econômica, quer essa ação se traduzisse na fundação de

uma empresa comercial ou industrial, quer ela consistisse no exercício de um

mister.” (SILVA, 1961, p. 143-157)

27

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, diz que "a liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique a outrem. Assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem limites, senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos; seus limites não podem ser determinados senão pela lei" (Déclarationdesdroits de l’Homme et duCitoyen, de 26/08/1789. Article 4 – La liberté consiste à pouvoirfaire tout cequi ne nuitpas à autrui: ainsi, l´exercicedesdroitsnaturels de chaquehomme n´a de bornes que cellesquiassurentauxautresmembres de lasociétélajouissance de cesmêmesdroits. Ces bornes nepeuventêtredéterminées que par la loi). Mas acrescenta: "A lei não tem o direito de impedir senão as ações nocivas à sociedade." (Article 5 – La loin´aledroit de défendre que les actionsnuisibles à la société).

28 Estatui a Lei Le Chapelier que, “sendo o aniquilamento de qualquer espécie de corporação de

cidadãos do mesmo estado e profissão, uma das bases fundamentais da Constituição francesa, é proibido restabelecê-las de fato sob qualquer pretexto ou sob qualquer forma.” (ANDRÉ LAUBADÈRE, 1985, p. 233). No Brasil, o marco histórico da positivação do princípio da livre iniciativa deu-se com D. João VI, que, pelo Alvará de 1º de abril de 1808, concedeu às colônias portuguesas a liberdade de indústria.

88

Agora reconhecida e protegida, traduziu-se a livre iniciativa na tutela da

liberdade contratual como um valor absoluto, em si considerado, expresso no dogma

laissezfaire, laissezpasser.(GOMES, 29

A concepção liberal, por sua vez, não identifica a existência de qualquer

conflito entre o exercício egoístico da livre iniciativa e a sua função social. Ao

contrário, pressupõe-se que a busca do interesse individual coincide com a

maximização do benefício social, como se deduz da célebre passagem de Adam

Smith: Cada indivíduo esforça-se continuamente por encontrar o emprego mais

vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem

em vista é o seu próprio benefício e não o da sociedade. Mas o juízo de sua própria

vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego

mais vantajoso para a sociedade. (SMITH, 1981, p. 757-758).

O Brasil antes das constituições européias, já fez constar na Constituição

Imperial de 1824 no art. 179, inciso XXIV, que “nenhum gênero de trabalho, de

cultura, indústria, ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos

costumes públicos, à segurança, e saúde dos cidadãos”.

Na Constituição Republicana de 1891, a ideologia do liberalismo permaneceu

inalterável, haja vista que o art. 72, § 24 consignou: “é garantido o livre exercício de

qualquer profissão moral, intelectual e industrial”.

A Constituição de 1934 por sua vez, refletindo uma postura constitucionalista

social sob os influxos das Constituições Mexicana de 1917 e Alemã de 1919, foi a

primeira a conter uma ordem econômica e social, disciplinando no art. 115 que

aquela deve ser organizada segundo os princípios da justiça e as necessidades da

vida nacional, de modo a possibilitar a todos uma existência digna e dentro desses

limites traçados garantida a liberdade econômica.(VENANCIO FILHO, 1968, p.45)

A Carta de 1937 trouxe pela primeira vez em seu art. 135, a intervenção do

Estado no domínio econômico, prevendo expressamente a iniciativa individual,

considerando-a como o poder de criação, de organização e de invenção do

indivíduo.

A Constituição Federal de 1946 consignou em seu art. 145 a liberdade de

iniciativa conciliando-a com a valorização do trabalho humano. Outrossim, inspirada

na legislação norte-americana a respeito do antitruste, o art. 148 dispôs que “a lei

29

Gomes, Carlos Jacques Vieira, O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LIVRE CONCORRÊNCIA: COROLÁRIO DA LIVRE INICIATIVA OU PRINCÍPIO AUTÔNOMO DA ORDEM ECONÔMICA?

[U2] Comentário: Qual ano e pagina?

89

reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões

ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza,

que tenham por fim dominar mercados nacionais, eliminar a concorrência e

aumentar arbitrariamente os lucros”. (CERVO, 2014)

A Constituição de 1967, reafirmando os postulados da Carta anterior, adotou

como princípios a liberdade de iniciativa e a repressão ao abuso do poder

econômico.

Na Constituição Federal de 1988, por fim, o constituinte adotou a livre

iniciativa como fundamentos da ordem econômica (art. 170, caput) e da República

Federativa do Brasil (art. 1º, IV), mas que na verdade possui natureza principio

lógica.

A liberdade de iniciativa envolve o livre exercício de qualquer atividade

econômica, a liberdade de trabalho, ofício ou profissão além da liberdade de

contrato.

A liberdade da escolha e exercício do trabalho, profissão indústria ou

comércio é reconhecidamente uma liberdade individual, isto é, como proteção a uma

manifestação da personalidade, consagrada internacionalmentenas diversas

constituições, tanto brasileira, portuguesa, espanhola e italiana dentre outras,

salientando que a liberdade de trabalho tem espectro amplo não se limitando ao

trabalho subordinado.

Como observa Mazziotti, a liberdade de trabalho é entendida pelas

jurisprudências italianas como a garantia da liberdade pessoal, com eficácia

imediata, “por meio da qual todo o cidadão pode exigir que os poderes públicos se

abstenham de qualquer intervenção destinada a impedir a atividade do trabalho do

particular, a sua escolha e o seu modo de exercício. (MAZZIOTI, 1956, p.59)

A liberdade de trabalho, a liberdade de seguir a própria vocação, a liberdade

de dispor da própria força de trabalho, sem encontrar obstáculos é entendida hoje

como uma das mais importantes afirmações da personalidade humana. (MANCINI,

p. 203)

No entendimento do Tribunal Constitucional Federal Alemão, ao qual se filia a

maioria da doutrina, o âmbito do artigo 12, n.1 do GG abrange toda a atividade lícita

apta a constituir “ a base econômica da existência individual, através da qual,

simultaneamente, cada indivíduo presta o seu contributo para o trabalho global da

90

sociedade”- mesmo que tal atividade não corresponda a uma “imagem de profissão”,

com características estabelecidas pela tradição ou pela legislação (RUPP, 1984, p.

379). Com base nesta definição a doutrina assinala os limites inerentes à própria

noção de Beruf, identificando-os nas características da estabilidade e da aptidão a

constituírem o suporte econômico, ou a base de vida do cidadão (subtraindo-se

assim do âmbito específico uma parte da liberdade econômica).

Como a Constituição Portuguesa de 1933, a atual Constituição da Alemanha

não rompeu a tradição do constitucionalismo liberal eusa um só termo para designar

o objeto desse direito- Beruf (profissão)- mantendo-se assim fundidas as liberdades

de trabalho e de empresa.

Fato é que, o desdobramento desta clássica liberdade fundamental em

liberdade de trabalho, liberdade de profissão, liberdade de empresa ou liberdade de

livre iniciativa econômica, não exclui do reconhecimento explicito do direito

fundamental de tais liberdades como corolários de um direito geral de personalidade

reconhecido na Carta Constitucional do Brasil de 1988, incluindo no exercício destas

liberdades atuação do comerciante, uma vez que também a empresa particular,

como qualquer outra forma de “atuação conjunta” na economia, não deixar de

constituir, antes do mais, um instrumento de “realização pessoal” dos seus

promotores e agentes, devendo o regime legal da respectiva atividade sujeitar-se a

esse ‘signo de liberdade’. (AMORIN, 2015)

O interesse teórico na autonomização de uma gewerbefreiheitrelativamente a

berufsfreiheit, serve para demonstrar a raiz do direito assegurado, uma vez que a

“evidente impossibilidade de uma rigorosa separação analítica” do significado de

termos como profissão, comércio ou indústria a causa da consagração expressa de

uma única liberdade econômica, indiciadora, portanto da consideração pelo

constituinte da unidade ‘substantiva’ a que se referem.Por conseguinte , no artigo

12, n.1 , da Lei Fundamental de Bona “ no objeto da mesma garantia constitucional

encontram-se incluídas, em igual plano, tanto as profissões propriamente ditas,

liberais ou dependentes, como a indústria e o comércio autônomos, importando isso

o mesmo que afirmar que cada um dos cidadão pode, a todo momento, escolher

como via para sua realização pessoal , uma ou outra de todas essas atividades

econômicas”. (QUEIRÓ; MELO, p.225)

91

A liberdade de profissão, enquanto direito fundamental de personalidade

(como derivação que é da idéia de dignidade humana), não é pois, por isso atribuível

neste plano à empresa enquanto pessoa jurídica, mas a cada um de seus dirigentes

(sócios, gerentes, administradores) que escolhem exercer a respectiva atividade

profissional.(BACHOF, p. 179)

Alguns autores como Nipperdey (1965, p.21) sustentam opinião diversa não

considerando a atividade dos empresários como ‘exercício de uma profissão’, no

entanto o Tribunal de Karlsruhe, já repudiou explicitamente essa última asserção

emsentença de 1979, por ter sempre considerado a atividade dos empresários como

‘exercício de profissão’ , vindo a afirmar na referida sentença que a matriz

exclusivamente subjetiva e personalista dos direitos fundamentais na Constituição

alemã:o direito de propriedade, a liberdade de fundar sociedades, a liberdade de

profissão são concebidos essencialmente como direitos reconhecidos às pessoas

“com a finalidade de permitir a sua plena realização;eles não são concebidos

(...)como princípio de direito objetivo que imponham uma determinada organização

das relações sociais”, interpretando-se os direitos fundamentais “à luz dos valores

proclamados pelo primeiro artigo da Lei Fundamental, a saber, a dignidade da

pessoa humana. (FROMONT ,1981, p. 363)

Não se pode deixar de ter presente que a indeterminação dos conceitos

constitucionais “não autoriza a reconhecer a estas disposições menor força

vinculante do que às disposições formuladas com melhor acabamento e mais rigor.

A particularidade daquelas reside, porventura, em mostrarem real significado

normativo somente quando se põe em confronto com as situações da vida que

intentam ser resolvidas à luz dos valoresnela inscritos, e por outro lado, em

oferecerem , mesmo então , maiores dificuldades no acesso à compreensão de seu

conteúdo positivo.” (BACHOF, p. 188)

Não é demais salientar que a liberdade de profissão, enquanto direito

fundamental de personalidade e atrelado ao princípio do respeito à dignidade

humana, e no caso do comerciante enquanto sócios, gerentes, administradores de

empresas, detém o direito de exercer a atividade empresária,atividade profissional

que escolheram e com a qual edificam sua existência. Pelo que, em nenhum caso

poderá o direito fundamental ser afetado em sua essência.

92

4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

O constituinte de 1988 deixou claro que o Estado democrático de direito tem

como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da Constituição

Federal). Aquele reconheceu na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser

humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência

(a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio.

É que, o princípio da dignidade da pessoa humana decorre da ideia de Estado

de direito democrático e são fixados dois elementos fundamentais da caracterização

jurídico-constitucional deste princípio: o de que se trata de um princípio aberto, não-

apriorístico, eminentemente cultural e historicamente concretizado; e o de que ele se

encontra concretizado na constituição como valor, ideia e princípio e as exceções de

sua aplicação não podem ser vislumbradas.

Para que possamos conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana é

necessário compreendermos a existência do próprio Estado. Criou-se o Estado, o

qual existe para que os interesses do homem possam ser atendidos. Quando o

homem vivia em seu estado natural, percebeu que não poderia viver em sociedade

se não houvesse uma efetiva proteção de seus interesses contra os outros

indivíduos (seus semelhantes) da sociedade.

Então, para que o Estado conseguisse atuar de forma a garantir a proteção

dos interesses do homem, este teve de dispor de parte de sua autonomia,

conferindo poderes àquele. Assim, percebe-se que o Estado foi criado para o

benefício do homem, não para o seu martírio. Destarte, o Estado poderoso e

controlador deverão sofrer limitações a sua atuação para que não ofenda a própria

natureza de quem o criou, ou seja, o Estado possui limites, os quais estão ligados

(limitados) à existência do indivíduo humano.

É justamente neste sentido que assume particular relevância a constatação

de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos

poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada

um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa

dimensão defensiva e prestacional da dignidade. (SARLET, 2002)

Face à impossibilidade de se estabelecer um conceito concreto e preciso da

dignidade da pessoa humana, por ser um conceito jurídico indeterminado e é bom

93

que seja assim –, é a autonomia que se coloca como conteúdo nuclear da dignidade

humana, pois “cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue

da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão,

tornar-se consciente de si mesmo”.(SARLET, 2002, p.32)

Construindo sua concepção a partir da natureza racional do ser humano, Kant

assinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a

si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo

apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade

da natureza humana.(SARLET, 2002, p.45)

Nas palavras de Nobre Junior (2000, p.4), respeitar a dignidade da pessoa

humana, traz quatro importantes consequências: a) igualdade de direitos entre todos

os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos;

b) garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda

coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação

que implique na sua degradação e desrespeito àsua condição de pessoa, tal como

se verifica nas hipóteses de risco de vida; c) não admissibilidade da negativa dos

meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou imposição

de condições sub humanas de vida. Adverte, com carradas de acerto, que a tutela

constitucional se volta em detrimento de violações não somente levadas a cabo pelo

Estado,mas também pelos particulares.

O princípio da constitucionalidade exige que a Norma Maior seja respeitada

independente da conjuntura social ou política, pois a Constituição uma vez que fixa

limites formais, tem vocação à permanência.

Não se pode perder de foco que os direitos fundamentais da pessoa física ou

jurídica e a separação dos poderes seguem sendo os pilares de todo o sistema

democrático garantido pela constituição. Esta vinculação entre soberania popular e

supremacia constitucional situa-se em primeiro plano à tensão anteriormente

apontada. Porque a Constituição como norma suprema do Estado submete à todos,

governo e cidadão e à todas as demais normas.

94

4.2 Liberdade de profissão e liberdade de iniciativa econômica

Na averiguação dos traços comuns entre a liberdade de profissão e a

liberdade de iniciativa econômica, pode-se dizer que constitui a matriz de um e de

outro direito, o direito geral de personalidade, que se desdobra num princípio

constitucional de liberdade (de atuação) extensível a toda a atividade produtiva, e

que constitui fundamento da ordem liberal da economia e da sociedade consagrada

na Constituição- assumindo assim um cariz institucional.

4.3 Sanções aduaneira sem confronto com o princípio da liberdade ao

exercício da atividade empresária.

Na órbita do direito aduaneiro o Fisco tem dois pontos cardeais, quais sejam:

a arrecadação tributária e a implementação das diretrizes político governamentais.

Dentre estas diretrizes podemos mencionar a tentativa de controlar a balança

comercial e o protecionismo da indústria nacional, visando o aumento do Produto

Interno Bruto – PIB. Para conseguir este intento, o governo ditará a dinâmica fiscal

para o fim de restringir a atuação das importadoras. Neste contexto, o legitimo poder

de polícia do Fisco sofre uma inquietação ética, vez que embora pautado nas metas

e diretrizes políticas impostas pelo governo, não age de acordo com os ditames

constitucionais, ferindo os princípios da livre iniciativa, da igualdade, da

impessoalidade, acabando por tornarilegítima a fiscalização e portanto nula.

A aplicação de sanções administrativas que tolhem a liberdade do exercício

da atividade empresária como a declaração de inaptidão do CNPJ, negativa de

emissão de blocos de notas pela administração, apreensão de mercadorias por

meras inconsistências,e outras sanções do gênero afrontam aos princípios da

liberdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade da empresa e do trabalho

e são um óbice ao livre comércio e ao desenvolvimento econômico e social do pais.

A matéria não é pacifica em nossos Tribunais, mas o STF já teve

oportunidade de se debruçar sobre o tema no RE 550769 / RJ, restando

ponderações importantes que coadunam com o entendimento que pretende este

estudo defender, algumas se transcreve:

95

- Que e o acesso aos mecanismos que consubstanciam o devido processo

legal é o direito fundamental mais susceptível de ser amesquinhado pela aplicação

de uma sanção política.

- Que a sanção política coloca desafios de duas ordens ao controle da

restrição. A primeira ordem de desafios refere-se ao controle da validade da própria

restrição. Como as restrições ao exercício profissional e à atividade econômica

podem comprometer a própria existência da empresa ou o desempenho

empresarial, a sanção política pode por um fim abrupto ao processo administrativo

ou judicial de controle da validade da própria sanção política. Não é difícil conceber

que uma empresa, acossada pelo risco de fechamento, opte por se submeter à

exigência que asseguraria seu funcionamento, dado o caráter capital da pena

aplicada.

- Que, ainda que o contribuinte opte por insistir no exame da validade da

norma que fundamentou o fechamento de seu estabelecimento, é inequívoco que a

interrupção das atividades econômicas coloca um óbice pragmático relevante à

manutenção do processo administrativo ou judicial que tenha por objetivo examinar

a validade da sanção. Na segunda ordem de desafios, a sanção política

desestimula, pelo mesmo modo, o controle da validade da constituição de créditos

tributários. A interdição de estabelecimento ou a submissão do contribuinte a regime

mais gravoso de apuração tributária pode impedir a discussão administrativa ou

judicial sobre matéria tributária, pois é incontestável que uma empresa fechada terá

menos recursos para manter um processo administrativo ou judicial. Dito de outro

modo, a sanção política viola o direito de acesso ao Estado, seja no exercício de

suas funções Administrativa ou Judicial, para que ele examine tanto a aplicação da

penalidade como a validade de tributo. A sanção política também viola o devido

processo legal substantivo na medida em que implica o abandono dos mecanismos

previstos no sistema jurídico para apuração e cobrança de créditos tributários (e.g.,

ação de execução fiscal), em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução.

- Que o direito fundamental ao exercício profissional e de atividade econômica

lícita,rechaça a aplicação de sanções políticas tributárias independentemente da

forma que as restrições possam tomar.

Em outro julgado esta posição foi registrada pelo eminente Ministro Celso de

Mello, em voto-vogal proferido nos autos do RE 413.782:

96

A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito tributário visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam. O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles - e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional - constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.

4.4 Limites ao poder administrativo fiscal

O freio para que o poder-dever de fiscalizar do Estado não acabe

conspurcando direitos fundamentais se concentra no principio oriundo do Comon

Law, denominado substantive due processo oflaw , o qual conjuga vários princípios

que regem os atos administrativos como da legalidade, proporcionalidade, eficiência,

motivação, boa-fé, dentre outros.

O principio do dueprocessoflaw é concebido como uma válvula reguladora

entre a liberdade individual e as imposições das autoridades e recepcionado em

nosso direito com duas concepções: a adjetiva, que garante aos cidadãos um

processo justo e a substantiva que declina a competência a ser exercida pelo

Judiciário para proteger a supremacia da Constituição, afastando a aplicabilidade de

leis ou de atos governamentais na hipótese de os mesmos serem arbitrários, criando

o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa, visando a distribuição da

justiça de forma que a Constituição seja o fio condutor para tanto.

Este estudo abordará o principio do due processo oflaw no seu sentido

substantivo, qual seja, instrumento através do qual caberá ao judiciário agir como

guardião da Constituição assegurando ao cidadão que, os direitos fundamentais lá

esculpidos, sejam observados pela autoridade na relação Estado-cidadão, evitando

a arbitrariedade, a injustiça ou a deslealdade.

Como se percebe na introdução histórica desta matéria, foi expressiva

aimportância da Constituição americana e da Declaração dos Homens e dos

Cidadãos (Bill OfRights) para a solidificação do exercício da democracia no mundo.

A referida Constituição americana de1215, que inicialmente se reservava a proteger

os interesses dos nobres ingleses, deu origem a 5ª Emenda àquela Constituição

97

datada de 1787, inserindo a cláusula do due process of law, cuja transcrição do

artigo se faz oportuna, vejamos:

"Nenhuma pessoa, qualquer que seja sua condição, será privada de sua terra ou moradia, nem de sua liberdade, nem deserdado, nem submetido a pena de morte, sem que antes responda ao devido processo lega”l.

O reconhecimento, interpretação e aplicação do substantive due processo of

law em nosso país, vem ocorrendo de forma gradativa, inicialmente qualquer

argumentação jurídica neste sentido era entendida como referencia ao justo

processo; na forma adjetiva, posteriormente foi reconhecido como princípio que

facultava ao Judiciário o controle da legalidade, para posteriormente adquirir o

sentido amplo que engloba os demais princípios que regem a atuação

administrativa, relativos à proporcionalidade, adequação, eficiência, motivação,

todos visando regular a discricionariedade no âmbito da administração pública,

traduzindo a ideia de liberdade e de limitação ao mesmo tempo.

Não resta dúvida que, se a norma revelar-se tisnada pelo vício da

irrazoabilidade ou desproporcionalidade, configurado estáo excesso de poder em

que incidiu o Estado, o que compromete a própria função constitucional inerente à

atividade de positivação do Direito, pois o princípio da tripartição dos poderes não

autoriza ao Estado a aplicação de normas injustas, revestidas de conteúdo arbitrário,

que maculem os direitos fundamentais do cidadão, podendo o Judiciário declará-la

inconstitucional visando preservar o Estado Democrático de Direito.

Em 21 de fevereiro de 1968, o STF declarou a inconstitucionalidade de norma

constante da Lei de Segurança Nacional, Decreto-Lei n. 314, de 1967, que obstava

ao acusado que desempenhasse a prática de qualquer atividade profissional ou

privada, o reconhecimento da desproporcionalidade da referida restrição se pode ler

na seguinte passagem do voto então proferido pelo Ministro Themístocles

Cavalcanti:

Infelizmente não temos em nossa Constituição o que dispõe a Emenda nº 8 da Constituição Americana, onde se proíbem a exigência de fianças excessivas, as penas de multa demasiadamente elevadas e a imposição de penas cruéis e fora do comum ou de medida (cruel andunusualpunishment). Os intérpretes consideram como tal, por exemplo, a morte lenta, mas entendem também que o conceito deve evoluir porque "cruel" não é uma expressão técnica, com significação definida em direito e que deve evoluir com o aperfeiçoamento do homem, as exigências da opinião pública e a proporção entre o crime e a pena.

98

É possível que em determinado momento se chegue a condenar a pena de morte, como cruel (Pritchett, The American Constitution, p. 527). No caso Trop versus Dulles (1958) Justice Warren entendeu, a meu ver com razão, que a idéia fundamental da Emenda nº 8 é a preservação da dignidade humana. Mas o preceito é de maior alcance, porque ele atinge numerosos direitos não enumerados e que representam conquistas do progresso humano no domínio das liberdades. A lista desses direitos vem crescendo há séculos. O objetivo da lei foi inverso a essa tendência, porque procurou aumentar o rigor da repressão desses crimes, intimidando com medidas que atingem o indivíduo na sua própria carne, pela simples suspeita ou pelo início de um procedimento criminal fundado em elementos nem sempre seguros ou de suspeitas que viriam a se apurar no processo. Nesse particular, a expressão de medida cruel, encontrada no texto americano, bem caracteriza a norma em questão, porque, com ela, se tiram ao indivíduo as possibilidades de uma atividade profissional que lhe permite manter-se e a sua família. Cruel quanto à desproporção entre a situação do acusado e as conseqüências da medida. Mas não só o art. 150, § 35, pode ser invocado. Também o caput do art. 150 interessa, porque ali se assegura a todos os que aqui residem o direito à vida, à liberdade individual e à propriedade. “Ora, tornar impossível o exercício de uma atividade indispensável que permita ao indivíduo obter os meios de subsistência, é tirar-lhe um pouco de sua vida, porque esta não prescinde dos meios materiais para a sua proteção”.(STF, HC 45.232, 1968, p.322)

Na decisão acima é possível destacar que a idéia de proporcionalidade da

restrição imposta pelo Poder Público já tinha ares de princípio constitucional, que

viria a ser consagrado na constituição de 1988.

O princípio da proporcionalidade, pouco a pouco, veio solidificando-se em

nosso sistema constitucional ganhando autonomia como dimensão específica do

princípio do substantive due processo law. Vale ponderar que, a idéia de

proporcionalidade do ato administrativo está agregada a razoabilidade e

adequaçãoda decisão administrativa.

Depois da Constituição de 1988, pela consagração da cláusula do devido

processo legal pelo art. 5º, LIV, inúmeros foram os julgados de nossa Corte

Suprema que distribuíram justiça sob o comando da dimensão material doprincípio

em tela, estancando a arbitrariedade do Estado e protegendo os direitos

fundamentais do cidadão, gerando respeito e segurança jurídica ao povo. Refreando

a edição de atos normativos revestidos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.

Como bem menciona o ministro Celso de Mello (BRASIL, SS 1319 / DF,

1999), a essência do substantive due process of law reside na necessidade de

proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de

legislação ou de regulamentação que se revele opressiva ou destituída do

99

necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da

extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades normativas do

Estado, que este não dispõe de competência para atuar ilimitadamente, de forma

imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional,

situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que

regem o desempenho da função estatal.

A falta de segurança jurídica que os contribuintes sentem face ao arcabouço

de normas fiscais instáveis e ininteligíveis deve ser corrigida, atravésda exigência de

normas dotadas de um mínimo grau de precisão quanto a realidade social a que se

referem, e um razoável grau de abstração e generalidade, sendo menos prolixas e

casuísticas, tornando-as menos mutáveis, visando não só a segurança jurídica

como a defesa da igualdade.

Um ordenamento jurídico em constante mudança, obscuro e confuso, regido

mais por caráter político e eleitoreiro, vem em desfavor do contribuinte que no mais

das vezes acaba prejudicado, sejapelo excesso de rigorismo, seja pela presunção

de culpa do mesmo pelo Fisco, seja pelo excesso de prazo para conclusão dos

procedimentos fiscais, seja pelo desmembramento criminal que qualquer

inconsistência contábil possa apresentar e outras inúmeras hipóteses que em nossa

vida profissional temos assistido.

Os agentes estatais enquanto representantes do Estado, devem ter como

primeira preocupação a preservação do interesse público verdadeiro, em

observância erga omnes a inviolabilidade das garantias e dos direitos individuais,

não podendo aparecer, ele mesmo, como agente violador. Ora se, o Estado visa

precipuamente fazer com que o exercício do poder político não elimine o necessário

espaço de liberdade individual, não se pode conceber que as autoridades promovam

atos ilegais e injustos ou aindaque apliquem injustamente leis, mesmo que justas.

Como esclarece Sundfeld (p. 67/69) “ao Estado de Direito não basta a submissão

das autoridades públicas à lei - senão, é evidente, a superioridade da lei seria um

fim em si. Fundamental que o sistema sirva à preservação da liberdade. O

princípio da mínima intervenção estatal na vida privada exige, portanto, que: a) todo

condicionamento esteja ligado a uma finalidade pública, ficando vetados os

constrangimentos que a ela não se vinculem; b) a finalidade ensejadora da limitação

seja real, concreta e poderosa; c) a interferência estatal guarde relação de equilíbrio

100

com a inalienabilidade dos direitos individuais; e d) não seja atingido o conteúdo

essencial de algum direito fundamental.”

O sistema fiscal e tributário deve estar submisso à lei e ao direito, com um

sistema efetivo de exigência de responsabilidades pessoais ao funcionário público

que causar dano indevido ao contribuinte ou com esta conduta concorrer ou for

conivente por ação ou omissão.

Vale lembrar aqui a referencia de Ferreiro Lapatza (ASORÈY, 2000, p. 20/23),

ao elaborar prólogo de recente obra jurídica intitulada “Protección Constitucional de

Los Contribuintes”, ao “modelo americano” pelo qual a modificação da lei americana

serviram para recortar os poderes do Fisco, sendo que quando da apresentação

deste projeto ao Congresso americano, o então presidente Clinton assim se

pronunciou: “como a maioria dos americanos, me sinto sinceramente contrariado

com a história de nossos cidadãos, acusados e humilhados, pelo que para eles é

uma poderosa, incontrolável e freqüentemente surda agência estatal”.

Como se vê o controle do poder fiscal exige uma conscientização real do

problema, não só através da divulgação dos direitos e deveres do cidadão

contribuinte, como dos instrumentos constitucionais existentes para estancar

possíveis abusos, bem como da conscientização de que o Judiciário é o guardião da

Constituição e aquele que restabelece a ordem das coisas pela distribuição da

Justiça.

Como já dizia o italiano Virga (1952)“na doutrina constitucional acentua-se a

tendência de tratar de temas em lugar de abordar problemas”. A crítica é válida, vez

que a questão é antiga, mas ainda pendente de solução. Os mecanismos

constitucionais de controle do poder embora existentes, tem tido resultados

parcialmente satisfatórios, uma vez que o exercício destes está condicionado à

múltiplos fatores, tais como, processos políticos e eleitorais, descentralização

administrativa. e principalmente relacionado à aspectos sociais, face a necessidade

de uma visão crítica do Fisco pelo contribuinte e da ciência de seus direitos e

deveres, o que só ocorrerá com um trabalho basilar árduo, entronizando a

conscientização de cidadania em cada indivíduo.

Outra questão que merece destaque, por demais injusta e abusiva, é a

inversão dos princípios processuais face a atribuição iuris tantun às afirmações dos

agentes fiscais em detrimento aos argumentos do contribuinte, que, no mais das

101

vezes, se encontra numa relação de subserviência. Não só com relação ao regime

de arrecadação, mas como e principalmente, na investigação das pessoas jurídicas

as quais, tem sofrido, com a “presunção da culpabilidade” e com a chamada

“presunção legal”.

A presunção é o resultado de um processo mental, um processo lógico

resultante da associação que se forma entre determinado fato e um fato

desconhecido.

Para Paola (1997) “os meios de prova são os fatos, os acontecimentos do

mundo real, os documentos, os depoimentos, os indícios, não podendo um processo

mental, como o é o juízo presuntivo, ser inserido em tal categoria”.

A presunção é o resultado de um processo mental, um processo lógico

resultante da associação que se forma entre determinado fato e um fato

desconhecido, mas que tem relação direta com aquele. Há que existir uma

correlação lógica entre o fato e o resultado.

O princípio da presunção de inocência vem contido no art. 5º, LVII da CF, pelo

qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória.

No processo administrativo fiscal incide o mesmo princípio, que possui uma

presunção juris tantum, podendo ser elidida ou afastada mediante “a existência de

um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal

e com a garantia da ampla defesa.”

Na área aduaneira o problema é tanto mais grave, sob a tônicado combate à

evasão de divisas e à operações fraudulentas, qualquer inconsistência de

digitalização nos documentos que acompanham a carga a ser exportada ou

importada se transforma em “fraude fiscal”, causando toda espécie de dissabores

aos já sofridos empresários brasileiros.

O direito constitucional da empresa de exercer suas atividades não pode ser

tolhido por decisão administrativa desprovida de fundamento técnico e patentemente

parcial, arraigada apenas em falácias e ilações do agente fiscal, pelas chamadas

“presunções legais”.

Sendo o procedimento fiscal uma lide onde o órgão que investiga é o mesmo

que julga a tendência à parcialidadeé patente, daí decorrendo o desvio ou abuso de

102

poder, como já se manifestou a doutrina, senão vejamos os ensinamentos de

Moreira e Castro (1996, p.67):

“...junto ao” Poder Executivo não é um sistema O Contencioso Administrativo vantajoso, a uma porque, se não tiver definitividade nas decisões, na prática será equiparado ao que temos hoje e a duas, porque, se houver esta definitividade, implicará em derrogação do sistema de jurisdição una e com ele, as conquistas do administrado em termos de confiabilidade e garantia do controle. Nesta linha, fácil denotar que a ideia de instituir a própria Administração como juiz de seu contencioso, tem, sem sombra de dúvidas, sérios defeitos. Dentre eles, a mesma autoridade que supervisiona as atividades de fiscalização e arrecadação é incumbida de julgar os litígios fiscais em nível administrativo, redundando em uma visível incongruência entre as duas funções, de forma que não há como se exigir imparcialidade, quando a um mesmo agente público são atribuídas duas funções antiômicas, quais sejam, a de representante do fisco e a de juiz de litígios, onde o próprio fisco encontra-se envolvido como parte.“A Fazenda atua com dupla função: parte e julgador; não é possível falar-se, então, num processo escorreito e sem privilégios.”

O Fisco ao imputar uma falta ao contribuinte deverá ter um mínimo de prova

material para suportar suas alegações, não podendo se valer apenas de presunções

e suposições, o que contraria os mais basilares princípios do procedimento

administrativo, tornando-o nulo.

Ao tratar das Presunções no Direito Tributário, Paola (1997, p. 209), esposa

tal entendimento, confira-se:

Fala-se em ônus da prova subjetivo no sentido de distribuição dos encargos probatórios entre as partes. Nessa acepção, ante o caráter inquisitivo do processo administrativo, não se pode admitir que ele possa recair sobre o contribuinte, e isso porque “a inexistência de um princípio de investigação tem por efeito abrir uma via autônoma para o carrear dos fato para o processo, não permitindo, assim, o estabelecimento de uma relação de dependência entre a atividade da parte e a obtenção de um certo resultado.” (PAOLASANCHES, 1987, p. 130) Assim, mesmo fatos que favorecem o contribuinte (que configuram isenções, por exemplo) devem ser oficiosamente, investigados pelo Fisco. No máximo, bastaria ao contribuinte alegá-los. Ocorre que – e é que mais nos interessa – pode-se falar em “ônus da prova” sob o ângulo objetivo. Nesse sentido, é “uma injunção ao juiz sobre como ele há de decidir sempre que não possa afirmar ou negar com segurança fatos juridicamente relevantes”. Por outra, é a regra que determina o conteúdo do julgamento de mérito quando certos fatos não são provados. Ou ainda: “Trata-se de saber que fatos deverão focar provados, e não quem terá de alegá-los.” (PAOLAENGISH, 1988, p. 104)

103

Ora, o ônus da prova existe afetando ambas as partes litigantes, não cabendo

a qualquer delas manter-se passiva, apenas alegando fatos que a favorecem, sem

carrear provas que os sustentem.

Ademais, a “presunção legal”, que também pode ser chamada de “presunção

juris tantum” apenas é válida em juízo até que a parte investigada conteste e

impugne as alegações trazidas pela Administração Pública, devendo o ônus da

prova recair sobre quem acusa, pois para uma condenação devem haver provas

concretas, não cabendo a invocação da “presunção juris tantum”.

Interessante se faz ressaltar os apontamentos da doutrina quanto ao tema,

conforme segue:

Quando do julgamento do processo administrativo fiscal, depois de verificados os elementos de prova e subsistindo dúvidas, o feito se apresenta sem força suficiente para ensejar a condenação do contribuinte. Apenas a existência de indícios ou presunções não pode caracterizar o crédito tributário. Qualquer indício deve ser necessariamente provado, já que se não for provado, não será sequer indício, ou seja, se não houver conexão entre o indício e o fato relevante para a aplicação da lei, não se configurará o indício. O indício é apenas um ponto de partida, um meio para se chegar a uma presunção. Como possui valor probatório inferior às presunções, não pode ser utilizado individualmente. São sinais que devem ser fundamentados por provas outras coligidas pelo Fisco. São equivalentes a um começo de prova insuficiente para a instituição de qualquer exação. As presunções, por outro lado, ancoradas em lei, podem a ser utilizadas para provar o fato, mas não constituem prova segura e como tal não fornecem ao julgador a certeza necessária para alicerçar o crédito pretendido pelo Fisco. Não há, nesta matéria, disponibilidade ou autonomia da vontade. A obrigação é ex lege e de Direito Público, absolutamente inderrogável. Mesmo quando é a lei que estabelece em favor de determinada situação uma presunção juris tantum, está apenas indicando que para a referida situação haveria dispensa de ônus da prova àquele que a tem a seu favor, nada mais. Quem a invoca, no entanto, deverá obrigatoriamente demonstrar que está em condições de invocá-la, podendo a outra parte trazer elementos seguros de prova em contrário.(SCHERKERKEWITZ, 2000, p. 99)

Como uma das causas de exclusão da ilicitude encontra-se a boa fé, que atua

em todos os departamentos do direito positivo, o que inclui, portanto, o direito

tributário e administrativo.

A recepção do princípio da boa-fé no âmbito do direito administrativo e

tributário é um imperativo que visa a flexibilizar o exercício do poder de punir diante

da complexidade do sistema de direito positivo. (BRASIL, APMS N.º

2002.72.08.002150-8/SC, 2003)

104

É correto afirmar que a aceitação da presunção, suposição ou indícios como

suficientes para embasar uma condenação ao contribuinte, compromete o princípio

da segurança jurídica e assim a própria democracia de um país. Os princípios

constitucionais e os direitos fundamentais não podem estar arraigados em um ramo

do direito e destacado de outro, como ocorre no direito fiscal, sustenta Alterini (1993,

p.15 a 17): “a exigência de segurança é própria da condição humana, visa dar certo

grau de certeza e estabilidade em uma determinada situação, geradora de confiança

e que se opõe a situações angustiantes de incerteza, intranquilidade e falta de

proteção”.

A exigência de segurança também se manifesta no mundo jurídico e por isso

temos a chamada “segurança jurídica”, cujo conceito foi claramente expressado pelo

já mencionado jurista argentino, desta forma: “... cuandoel sistema ha sido

regularmente establecidoen términos iguales para todos, mediante leyessusceptibles

de ser conocidas, que sólo se aplican a conductas posteriores-y no previas- a

suvigencia, que son claras, que tienenciertaestabilidad, y que

sondictadasadecuadamente por quien está investido de facultades para hacerlo”.

(ALTERINI, 1998, p. 19)

Para que se alcance a segurança jurídica se faz necessário que os direitos

declarados no ordenamento jurídico possam fazer-se efetivos, utilizando-se o

aparato judicial contra aqueles que pretendam desconhecer ou controverter os

mesmos.

Para manutenção da segurança jurídica apontada, o cânone constitucional da

boa-fé merece respeito, cujos procedimentos fiscais passam ao largo.

Em que se pese, ter o Fisco a função essencial de transferir recursos do setor

privado para o público, para possibilitar à ação do Estado a função de orientação e

facilitação ao cumprimento das obrigações tributárias pelo contribuinte também é

inerente a sua atividade, sob a tônica de que orientar é melhor que punir. Evidente

que caberá ao fiscal julgar, a partir da análise da contabilidade e das condições da

empresa, se houve sonegação e se esta foi voluntária ou fruto de erro ou

desconhecimento de detalhes da legislação.

Oportuno se faz destacar a diferença entre erros contábeis e fraudes fiscais,

sendo que aquelas em hipótese alguma devem ser punidas, mas sim corrigidas, e

105

estas, indubitavelmente repreendidas de acordo com a legislação e juízo

competente.

Monteiro (1998, p. 104) é extremamente elucidativo quanto ao tema, in verbis:

Enganos são toleráveis (aí compreendidos: erros, falhas, lapsos, omissões),uma vez corrigidos, são perdoados. Não existindo nos mesmos o intuito evidente, patente; a vontade consciente de mascarar e simular, de confundir o Fisco, os sócios, os acionistas, credores, etc., nem obter vantagem ilícita (v.g. com a redução ou supressão de impostos, com o postergamento ou diferimento de impostos não autorizado expressamente por lei; ou com prejuízo causado ao INSS e ao empregado, pelo não registro do mesmo, etc.) não há que se falar em fraudes fiscais, porque ausente o elemento-mor das mesmas: o dolo. (...) Não se admite, pois, qualquer pré-julgamento do fato, qualquer opinião de leigo – inclusive e principalmente dos Fiscais não Contadores que, precipitadamente, derem àqueles fatos conotação empírica, açodada, própria de quem “ouviu o galo cantar, mas não sabe onde...” (MIRANDA VALVERDE).

Desta forma, caso a Administração Pública não logre êxito em comprovar as

irregularidades apontadas contra a empresa, baseando-se em meras “suposições” e

“presunções” infundadas, não poderá restringir os direitos da mesma, ou

encontrando irregularidades as mesmas consistam em erros contábeis e passíveis

de correção, a sanção fiscal deverá ser proporcional e para aferição da mesma

deve-se ponderar a boa-fé do contribuinte. Sempre tendo em mente a aplicação da

pena menos onerosa e que mantenha a atividade do sujeito passivo da obrigação

tributária, pois tirar-lhe o meio de sustento é de certa forma tirar-lhe a vida,

considerando aí o princípio da livre iniciativa e a proteção constitucional à

propriedade.

5 CONCLUSÃO

No transcorrer dessa dissertação foi analisado o papel do comércio

internacional para o desenvolvimento econômico e social, sendo esse um direito

inalienável do cidadão.

106

O direito ao desenvolvimento econômico e social é albergado na Constituição

Federal de 1988 e para a consecução deste objetivo cabe ao Estado e a iniciativa

privada conjugarem esforços.

No mundo globalizado ou diante da mundialização, a oportunidade de acesso

a novos mercados deve ser oportunizada aos cidadãos dos países em

desenvolvimento como o Brasil, já que o intercâmbio de tecnologia, bens e métodos

de trabalho e governança, incrementarão o processo produtivo e a economia,

resultando em maior qualidade de vida ao cidadão comum.

A pesquisa detalhada de vários estudos sobre o tema foram expostas de

maneira a demonstrar que o comércio internacional pode ser visto como instrumento

para o desenvolvimento, e que vários países que se lançaram no mercado

internacional saltaram na escala do desenvolvimento, melhorando a vida de sua

população.

Neste contexto, a implementação do comércio internacional exige mudanças

de paradigmas das autoridades, não só com projeto ambicioso de infra estrutura,

mas também em sua visão administrativa, já que o comércio é uma via de duas

mãos não há como se querer exportar apenas e estar fechado para importações. E,

se as importações são necessárias para o desenvolvimentoe visando cumprir

acordos internacionais do qual o Brasil é signatário, se faz necessário arrefecer as

barreiras que impedem o pelo comercio transfronteiriço.

As barreiras no comércio internacional são tarifárias e não tarifárias, as quais

são rechaçadas pela comunidade internacional. Para fugir disso, muitos países

criam mecanismos que agem na penumbra por meio de sanções políticas, assim

chamadas por serem sanções de âmbito administrativo que visam compelir o

cidadão a um facere ou não facere de acordo com o interesse do governo naquele

momento.

O interesse do governo nem sempre expressa o interesse do bem comum,

muitas vezes está minado pela pressão do fenômeno rent-seeking, formado por

grupos econômicos que visam manter-se na hegemonia de certa fatia de mercado,

em detrimento da livre-concorrência e do bem comum.

Assim, muitas sanções administrativas no cosmos aduaneiro visam

desestimular a continuidade da atividade empresária na importação, a esse

fenômeno convencionou-se chamar de neo-protecionismo.

107

A atividade administrativa da Aduana é necessária e crucial não apenas par

fins de arrecadação tributária, mas de controle, segurança nacional, fitossanitários,

saúde pública, moralidade, dentes outros fins que a nobre atividade requer.

O desafio é conciliar a legitima atividade administrativa aduaneira, da não

menos legitima atividade empresária, que amparada pelo princípio da livre iniciativa

e da liberdade do exercício da profissão externam o valor da dignidade da pessoa

humana, corolário da liberdade do cidadão.

O que propõe o presente trabalho é uma mudança de paradigma, uma

metanóia, considerando que o Brasil ao visar o desenvolvimento, não pode se omitir

de usufruir do mercado internacional, devendo romper as barreiras desnecessárias

para isso, investindo em infra estrutura e na modernização da indústria para se

tornar competitivo, bem como na pesquisa tecnológica e no intercâmbio de idéias. A

administração pública em reconhecendo o valor da atividade empresária, agir nos

parâmetros modernos de governança adotando um modus operandi consensual e

conciliador, visando conjugar esforços entre empresários que atuam licitamente no

comércio exterior e Estado para o aquecimento do comércio internacional.

Desta forma, a aplicação das sanções administrativas aduaneiras estariam

pautadas não só no principio da legalidade, mas aplicadas guardando relação com

o princípio do due substantive of law, balizador da proporcionalidade e razoabilidade

dos atos administrativos.

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ANEXOS – ÚLTIMOS JULGADOS