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18
A FALA SAGRADA As Belas Palavras: assim os indios guarani denominam as pala- vras que lhes servem para se dirigir a seus deuses. Bela linguagem, fala sagrada, agradável ao ouvido dos divinos, que as consideram dignas de si. Linguagem de um desejo de supra-humanidade, desejo de uma linguagem próximá da dos deuses: os sábios guarani souberam inventar o esplendor solar das palavras dignas de serem dirigidas somente aos divinos. Belas Palavras - lugar de um saber esotérlco que descreve sucessivamente, em uma linguagem d enc ntamento, a gênese dos deuses, do mundo e dos homens. Textos de essência religiosa dos quais encontraremos aqui a maior parte do que tram os momentos principais da cosmogênese guaranl. 11 11 R . E A FALA SAGRADA MIms E CAN1DS SAGRADOS DOS ÍNDIOS GUARANI

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AFALASAGRADA

AsBelas

Palavras:

assimos

indiosguarani

denominam

aspala-

vrasque

lhesservem

parasedirigir

aseus

deuses.Bela

linguagem,

falasagrada,

agradávelao

ouvidodos

divinos,que

asconsideram

dignasde

si.

Linguagemde

umdesejo

desupra-hum

anidade,desejo

deuma

linguagempróxim

áda

dosdeuses:

ossábios

guaranisouberam

inventaroesplendor

solardas

palavrasdignas

deserem

dirigidassom

enteaos

divinos.

Belas

Palavras

-lugar

deum

saberesotérlco

quedescreve

sucessivamente,

emumalinguagem

denc

ntamento,

agênese

dosdeuses,

domundo

edos

homens.

Textosde

essênciareligiosa

dosquais

encontraremos

aquiamaior

partedo

quetraçam

osmomentos

principaisda

cosmogênese

guaranl.

1111

R.E

AFALASAGRADAMIms

ECAN1DSSAGRADOSDOS

ÍNDIOSGUARANI

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TraduçãoNícia

Adan

Bonatti

AFala

SagradaMITO

SECANTOSSAGRADOS

DOSíNDIOSGUARANI

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Títulooriginal

emfrancês:··

Legrand

parler-Mythes

etchants

sacrésdes

lndiensGuarani

©Editions

duSeuil,

1974Tradução:

Nícia

Adan

Bonatti

Capa:

FrancisRodrigues

EquipeEditorial

Coordenação:

Beatriz

Marchesíni

Copidesque:

Níuza

M.Gonçalves

Revisão:Josiane

PioRomera

Regina

Maria

SecoVera

LueianaMorandim

Dados

deCatalogação

naPublicação

(CIP)

Internacional(Câmara

Brasileira

doLivro,

SP,Brasil)

Clastres,

Pierre,1934-1977.

Afala

sagrada:mitos

ecantos

sagradosdos

índiosGuarani

IPierre

Clastres

;traduçãoNíeia

Adan

Bonatti.

-Campinas,

SPPapirus,

1990.Bibliografia.1.índios

daAmérica

doSul

-Religião

emitologia

2.ín-

diosGuarani

-Lendas

3.índios

Guarani

-Religião

emitolo-

gia4.índios

Guarani

-Ritos

ecerim

ôniasI.Título.

11.Título:Mitos

ecantos

sagradosdos

índiosGuarani.

CDD-390.098-299.8-980

3fílam

andupai

verdadeiroprim

eiro!ésobre

suaterra

queNamandu

Grande

Coração,

divinoespelho

dosaber

dascoisas,

seanim

a.Você

quefaz

comque

seanim

emaqueles

quevocê

proveudo

arco,eis:

denovo

nósnos

animamos.

Ascoisas

sendoassim

:quanto

àsPalavras

indestrutíveis,asquais

nada,jamais,

enfraquecerá,

índicespara

catálogosistem

ático:1.América

doSul

:índios

:Mitologia

2998

2.Guarani

índiosAmérica

doSul

980.33.

Guarani

índiosLendas

390.0984.

Guarani

índiosMitologia

299.85.

Guarani

índiosRitos

ecerim

ônias299.8

6.índios

Brasil·:

Religiões

299.8

1=paptrU

fEDITO

RA

Fone:(0192)

32-7268-Cx.Postal

73613001

•Campinas.

SP•Brasil

ospouco

numerosos

órfãosdas

coisasdivinas,

nósasrepetirem

os,anim

ando-nos.Que

possamos

entãonos

animar

enos

animarumavez

mais,

Namandu

paiverdadeiro

primeiro!

proibidaareprodução

totalouparcial

porqualquer

meio

deimpressão,

emform

aidêntica,

resumida

oumodificada,

emlíngua

portuguesaouqualquer

outroidiom

a.

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1OTEM

PODAETER

NIDADE

IAparecim

entode:Namandu:

osdivinos.

.......20

IIFundam

entodaPalavra:

oshum

anos26

IIICriação

daprim

eiraterra

34

IVFim

daidade

deouro:

odilúvio

46

2OLUGARDAINFELIC

IDADE

VYwyPyau:

aterra

nova...................

57

VIAsaventuras

dosGêmeos

-Versões

..........

60

VIIAorigem

dofogo

-Versões

102

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3OSÚLTIM

OSDAQUELES

QUEFORAM

OSPRIMEIR

OSADORNADOS

VIII

Osbelam

enteadornados

IXTodas

ascoisas

sãouma

111

125

140

AsBelas

Palavras:assim

osíndios

guaranidenom

inamaspala-

vrasque

lhesservem

parasedirigir

aseus

deuses.Bela

lingua.gem

,fala

sagrada,agradável

aoouvido

dosdivinos,

queasconsideram

dignasdesi.Rigor

desua

belezanaboca

dossacerdotes

inspiradosque

aspronunciam

;embriaguez

desua

grandezanocoração

dosho-

mens

edas

mulheres

queosescutam

.Essas

iíe'ijpara,essas

Belas

Pala-vras,

ecoamainda

noslugares

maissecretos

dafloresta

que,desde

sem-

pre,abriga

aquelesque,

autonomeando-se,

Ava,osHomens,

seafir-

mam

assimdepositários

absolutosdo

humano.

Homens

verdadeirosportanto

e,exacerbados

porum

orgulhoheróico,

eleitosdos

deuses,marcados

pelosinal

dodivino,

essesque

sedizem

igualmente

osTegua-

kava,osAdornados.

Asplum

asdas

coroasque

ornamsuas

cabeçasmurm

uramaoritm

odadança

celebradaem

homenagem

aosdeuses.

Acoroa

reproduzacham

ejantecabeleira

dogrande

deusRamandu.

Quem

sãoosguarani?

Dagrande

naçãocujas

tribos,naamora

doséculo

XVI,contavam

seusmembros

àscentenas

demilhares,

sósubsistem

ruínashoje

emdia:

talvezcinco

ouseis

milíndios,

disper-sas

emminúsculas

comunidades

quetentam

sobreviveràmargem

domundo

branco.Estranha

existênciaadeles.

Agricultores

dequeim

ada,amandioca

eomilho

desuas

plantaçõesasseguram

-lhes,bem

oumal,

suasubsistência.

E,quando

precisamdedinheiro,

alugamseus

braçosaos

ricosexploradores

madeireiros

daregião.

Umavez

decorridoo

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I'Illp

nece~~árioàaquisição

dasom

adesejada,

voltamsilenciosam

en-leàsestreitas

trilhasque

seperdem

nofundo

dafloresta.

Poisaver-

dadeiravida

dosíndios

guaranidesenrola-se

nãoàsmargens

domundo

brancomasmuito

mais

longe,onde

continuamareinar

osantigos

deuses,onde

nenhumolhar

profanadordoestrangeiro

deboca

grandecorre

orisco

dealterar

amajestade

dosritos.

Poúcospovos

testemunham

umareligiosidade

tãointensam

entevivida,

vínculostão

profundosaos

cultostradicionais,

vontadétão

férreademanter

emsegredo

aparte

sagradadeseu

ser.Àsinvestidas

oramal-sucedidas,

orabrutais

dosmissionários

opõemsem

preuma

recusaarrogante:

"Guardem

seuDeus!

Temososnossos!"

Etão

po-tente

eraseu

zeloem

protegerde

todaconspurcação

seuuniverso

religioso,fonte

efim

desua

forçadeviver,

queaté

emdata

recenteomundo

brancoperm

aneciana

totalignorância

dessemundo

ditoselvagem

,desse

pensamento

doqual

nãosesabe

oque

otorna

mais

admirável,

sesua

profundidadepropriam

entemetafísica

ouasuntuosa

belezadalinguagem

queoexprim

e.Para

queosguarani

consentissemem

abrirumabrecha

nesseform

idávelmuro

desilêncio

comoqual

envolvemoedifício

desuas

crençaseque

ozelo

obstinadodos

missio-

náriosjamais

conseguiuabalar,

foipreciso

queum

brancosoubesse

merecer

delesumaconfiança

semrestrições,

foipreciso

adescoberta

eaconquista

deumagrande

amizade,

aque

nasceudoencontro

dosíndios

edo

paraguaioLeón

Cadogan,

amizade

queodecorrer

dosanos

jamais

enfraqueceueque

sócessou

noano

passado,com

amorte

daqueleque

osguarani

chamavam

de"nosso

verdadeirocom

panheiro,que

temseu

lugarem

nossoslares".

Abenevolência

amigável

comque

noshonrava

estehom

emde

tãorara

generosidadeintelectual

permitiu-nos

oacesso

aossábios

gua-rani.

Agarantia

donom

edeLeón

Cadogan,

aliás,nem

sempre

erasuficiente

pararom

persua

recusaem

falar.Àsvezes

nosfoinecessário

abandonarumaaldeia

indígenaaofim

devários

diasdeespera

vã;aparentem

enteindiferentes

ànossa

presença,osguarani

preparavamaonosso

redorumazona

desilêncio

quenada

oslevaria

aquebrar.

LeónCadogan

morreu:

éprovável

queagora

osguarani

nãoperm

itamque

tãocedo

umoutro

brancoescute

suasBelas

Palavras.

Asubstância

dasociedade

guaraniéseu

mundo

religioso.Seo

seuancoradouro

nessemundo

seperder,

entãoasociedade

sedesm

o-ronará.

Arelação

dosguarani

comseus

deuseséoque

osmantêm

comoEu

coletivo,oque

osreúne

emumacom

unidadedecrentes.

Essacom

unidadenão

sobreviveriaum

sóinstante

àperda

dacrença.

Osíndios

sabemdisso.

Eéporque,

obrigadosapactuar

comomundo

brancoem

umtrabalho

episódicocom

vistasaarrum

arum

dinheiroàsvezes

necessário,continuam

intransigentesdiante

detudo

oque

possaameaçar

oespaço

desua

fé,espaço

emque

seencontra

inte-gralm

enterestrito

todooethos

datribo.

Ofato

deserem

imperm

eá-veis

àsinvestidas'

dosmissionários

confereaesses

índiosum

lugarparticular

nohorizonte

etnocidaque

definiu,com

osabem

os,odestíno

dosindígenas

americanos.

Éporque

umamesm

aféosreúne

queos

guaranicontinuam

comotribo;

somente

suareligiosidade

animaseu

espíritoderesistência.

Masdeonde

vemapotência

dessaligação

comosdeuses

tradicionais?Onde

seenraíza

essadiferença

quetanto

dis-tingue

osguarani

dosoutros

índios?

Quando,

noinício

doséculo

XVI,osprim

eiroseuropeus

puse-ram

ospés

naAmérica

doSul,

osportugueses

efranceses

entreos

tupi,osespanhóis

entreosguarani,

encontraramessas

sociedades.cul-

turalmente

homogêneas,

profundamente

impregnadas

porumasurda

inquietação.Detribos

emtribos.

dealdeias

emaldeias.

erravamho-

mens

denominados

karaipelos

índios,que

nãocessavam

deproclam

aranecessidade

deabandonar

essemundo

quereputavam

mau.

afim

deganhar

apátria

dascoisas

não-mortais.

ltllwrdos

deuses.Terra

se,;,Mal.Trata-se

dofenôm

enodas

migrações

religiosasque

lançavammI-

lharesdeíndios

naesteira

doskarai,

emumabl1sca

apaixonadado

paraísoterrestre,

freqüentemente

dooeste

paraoleste.

nadireção

dosol

nascente,eàsvezes

nosentido

inverso,nadireção

dosol

poente.

Nãopodem

osnos

deteraqui

sobrearazão

deser

desseprofetis-

motupi-guarani,

deaparição

bemanterior

àchegada

dosocidentais.

Indiquemos

simplesm

enteque

eletraduzia,

noplano

religioso,uma

profundacrise

dasociedade

eque

essamesm

acrise

estavacertam

entemuito

ligadaàlenta

massegura

emergência

depotências

dedom

ina-ção

territorial.Em

outrosterm

os,asociedade

tupi-guaranicom

oso-

ciedadeprim

itiva,sociedade

semEstado,

viasurgir

deseu

seioessa

coisaabsolutam

entenova,

umpoder

políticoseparado

que,com

otal,

ameaçava

deslocaraantiga

ordemsocial

etransform

arradicalm

entearelacão

entreoshom

ens.Não

sesaberia

explicaraaparição

doskarai,'os

profetas,sem

articularcom

essaoutra

aparição,ados

gran-des

mburuvicha,

oschefes.

Eafacilidade,

ofervor

comque

osíndios

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n;'polldiUnlao~

apelosdo~

pl'irn'iros,

r'vehtbem

upr

rundidudeda

desordemem

queosmergulhava

ainquietante

figlll'ados

chefes;os

profetasdemodo

algumpregavam

nodeserto.

Esseprofetism

oselvagem

envolviaassim

umasignificação

polí-tica

emsua

essência.Masésua

expressãoreligiosa

ealinguagem

doprofeta

quedevem

deternossa

atenção.Apregação

doskarai,

nosséculos

XVeXVI,pode

condensar-seem

duasafirm

ações:omundo

tornou-seruim

demais

paraque

sefique

nelemais

tempo;

devemos

abandoná-lopara

nosinstalarm

osna

terraonde

omalestá

ausente.Ora,

secom

pararmos

oconteüdo

desseantigo

discursoprofético

comapregação

dos.sábiosguarani

contemporâneos,

percebemos

queeles

dizem·exatam

enteamesm

acoisa

eque

asBelas

Palavrasdeagora

repetemamensagem

deantigam

ente,com

umadiferença:

pornão

poderdoravante

realizarosonho

deatingir

ywymara

éy,aTerra

SemMal,

atravésdamigração

religiosa,osíndios

atuaisesperam

queos

deuseslhes

falem,que

osdeuses

.lhesanunciem

avinda

dostempos

dascoisas

não-mortais,

dacom

pletezaacabada,

desseestado

deper-

feiçãono

eatravés

doqual

oshom

enstranscendem

suacondição.

Seeles

nãosecolocam

mais

emmarcha,

permanecem

àescuta

dosdeuses

esem

repousofazem

ouvirasBelas

Palavrasque

interrogamosdivinos.

Essedesejo

deabandonar

ummundo

imperfeito

Jamais

deixouosguarani.

Através

dequatro

séculosdedolorosa

história,ele

nãocessou

deinspirar

osÍndios.

Muito

mais:

tornou-sequase

queoúnico

eixoem

tornodoqual

seorganizam

avida

eopensam

entodasocie-

dade,aponto

deela

determinar-se

claramente

comocom

unidadereli-

giosa.Achegada

doseuropeus

naAmérica,

abrutalidade

daConquis-

ta,oesm

agamento

dasrebeliões

indígenas,toda

essaviolência

con-jugada

abreviouolivre

desenvolvimento

datransform

açãosocial

con-secutiva

aomovim

entoprofético.

Amigração

religiosamaciça,

como

efeitoconcreto

dodiscurso

doskarai,

tornou-seimpossível.

Fechado,conseqüentem

ente,dolado

dapráxis,

odesejo

deeternidade

dosgua-

raniprocurou

seuencam

inhamento

noaprofundam

entodaPalavra

eextravasou-se

dolado

dologos.

Odiscurso

doskarai

atuaisperm

a-nece

seguramente

nalinha

diretado

discursoprofético

pré-colom-

biano,mastoda

aforça

dodesejo

queanim

avaesses

últimosvoltou-se

agorapara

ameditação.

Houve,

nolimite,

ummovim

entodoativism

omigratório

paraopensam

entoquestionante,

passagemdaexterioridade

dogesto

concreto-

dagesta

religiosa-

àinterioridade

constante-

mente

exploradadeumasabedoria

contemplativa.

Odesejo

guaranidetranscender

acondição

humana

ultrapassoupor

suavez

ahistória

e,conservando

intactasua

forçaatravés

dotempo,

investiutotalm

entenoesforço

dopensam

entoedesua

expressãofalada.

Linguagemdeum

desejodesupra-hum

anidade,desejo

deuma

lingu~gempróxim

adados

deuses:ossábios

guaranisouberam

inven-tar

oesplendor

solardas

palavrasdignas

deserem

dirigidassom

enteaos

divinos.Eque

ninguémseengane:

olirism

odas

Belas

Palavrasdesigna

aomesm

otempoaeclosão

deum

pensamento

nosentido

oci-dental

doterm

o.Se

compararm

osocorpus

mitológico

dosguarani

comodas

outraspopulações

indígenasdaAmérica

doSul,

ficaremos

surpresospela

suarelativa

pobreza.Ele

secom

põeessencialm

entedo

grandemito

dosGêmeos,

domito

daorigem

dofogo

edomito

dodilúvio

universal.Ficam

osbem

distantesda

alegreexuberância

quemarca

acapacidade

deinvenção

mitológica

dospovos

selvagens.Deve-

mosentão

atribuiraos

guaraniumaimaginação

poéticamenos

fértil,um

dommenor

decriação?

Não

acreditamos

nisso.Pensam

osantes

queessa

diferençamitológica

entreosguarani

eseus

vizinhosmede

exatamente

adistância

quesepara

domito

opensam

entoreflexivo.

Pensamos,

emoutros

termos,

que,pobres

emmitos,

osguarani

sãoricos

empensam

ento,que

suapobreza

emmitos

resultadeumaperda

consecutivaaonascim

entodeseu

pensamento.

Desabrochado

norico

solodamitologia

antiga,esse

pensamento

desdobra-sepor

sipróprio,

livra-sedesua

terranatal,

ametafísica

substituiomitológico.

Seos

guaranitêm

menos

mitos

paranos

contar,éporque

dominam

mais

pensamento

paranos

opor.

Que

pensaopensam

entoguarani?

Pensaomundo

eainfelici-

dadedomundo,

colocaaquestão

dascausas:

porque

oshom

enssão

humanos

demais?

Eletenta

umaarqueologia

domal,quer

fazeruma

genealogiada

infelicidade.Por

quenós,

belosadornados,

oseleitos

dosdivinos,

somosexpostos

aumaexistência

doentedeimperfeição.

deinacabam

ento,incom

pleteza1?Amargura

daevidência

queseimpõe

aospensadores

guarani:nós,

quenos

sabemosdignos

deviver

avida

dosque

estãonoalto,

vemo-nos

reduzidosaviver

aquelados

animais

doentes.Querem

osser

deusesesósom

oshom

ens.Objeto

denosso

desejo:ywymara

ey~aTerra

SemMal;

espaçodenossa

condição:ywy

mba'e

megua,

aterra

má.Comoisso

épossível?

Comopoderem

os

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reinvestirnossa

verdadeiranatureza,

recobrarasaúde

deum

corpoaéreo,

reconquistarnossa

pátriaperdida?

QUenossa

vozseimpregne

depotência,

easpalavras

queela

pronuncia,debeleza,

afim

deque

possaatingir

ossete

firmamentos

sobreosquais

reinanosso

pai2,

Namandu!

Vêm

entãoostempos

felizesdos

longossóis

eternos,amorada

calma

ondeoser

nãosediz

mais

segundooUm,oespaço

indivisíveldos

seresdos

quaissepode

dizerque

sãoao

mesm

otempo

homens

edeuses.Eco

familiar

demais,

dizíamos,

quefaz

ressoarem

nossosouvidos

talpensam

ento.Nãoreconhecem

osaí,com

efeito,quase

aténapreci-

sãodos

termos,

opensam

entometafísico

quedesde

suamais

longín-qua

origemgrega

animaahistória

doOcidente?

Emum

casoeoutro,

pensamento

doUmedonão-U

m,pensam

entodoBem

edoMal.Mas

ossábios

pré-socráticosdiziam

queoBem

éoUm,enquanto

queos

pensadoresguarani

afirmam

queoUméoMal.

Ostextos

indígenasreunidos

nestacoletânea

sãode

naturezadiversa.

Essabusca

perseveranteàsvezes

conduzossábios

guaranipor

estranhoscam

inhos.Estranhos

paranós,

espectadoresdo

Ocidente,

queficam

osperturbados

comoeco

familiar

demais

detaldeclaração,

ouvidaao

acaso,que

condensaavirulência

deum

aforismo.Um

dessessábios

noscontava

umdia

suaversão

daaventura

dosGêmeos.

Inicialmente

incomodado

comapresença

dogravador,

poucoapouco

cessoudeconsiderar

amáquina.

Suavoz

tornava-semaisforte,

ofluxo

desua

narrativa,mais

acutilado.Enos

demosconta

deque,

poruma

vertentemuito

naturalentre

essespensadores

indígenas,ele

deixavaprogressivam

enteoterreno

domitopara

seabandonar

aumareflexão

sobreomito,

aumainterrogação

apropósito

deseu

sentido,aum

verdadeirotrabalho

deinterpretação

atravésdo

qualtentava

respon-der

àquestão

quesecolocam

,até

aobsessão,

osguarani:

Onde

estáomal,

deonde

vemainfelicidade?

Eeis

oque

profere,em

uma

frescanoite

deinverno,

nasua

florestado

Paraguai,junto

auma

fogueiraque

atiçavapensativam

entedevez

emquando:

/IAscoisas

emsua

totalidadesão

uma.E,para

nós,que

nãohavíam

osdesejado

isso,elas

sãomás3".Ele

reuniaassim

omaldesse

mundo

ruimea

razãodesse

mal;

ainfelicidade

dacondição

doshabitantes

dessemun-

doeaorigem

desua

infelicidade.eporque

atotalidade

dascoisas

quecom

põemomundo

podesedizer

segundooUmenão

segundoomúltiplo

queomalestá

inscritonasuperfície

domundo

4.Equanto

anós,

osadornados,

nãoéesse

mundo

quedesejávam

os,não

somos

culpados,sofrem

osodestino

dopeso

doUm:omaléoUm:nossa

existênciaestá

doente,achy,

porsedesenrolar

sobosigno

doUm.

Podem-se

ler,éclaro,

vanasversões

dosprincipais

mitos

queos

guaranicontam

:asaventuras

deSol

eLua,

osGêmeos,

odilúvio

uni-versal

quedestruiu

aprim

eiraterra,

aorigem

dofogo.

Seosíndios

consentemmuito

facilmente

emcontar

aum

brancoseus

mitos,

elesrecusam

,em

contrapartida,da

maneira

mais

firme,

senãoagressiva,

comotivem

osexperiência

pessoal,deixar

entreouviromenor

fragmento

doque

chamadeBelas

Palavras,lugar

deum

saberesotérico

quedescreve

sucessivamente.

emumalinguagem

deencantam

ento,agênese

dosdeuses,

domundo

edos

homens.

Textosdeessência

religiosados

quaisencontrarem

osaqui

amaior

partedos

queretraçam

osmomentos

principaisdacosm

ogêneseguarani.

Retivem

os,enfim

,quando

nãoeram

obscurosdem

ais,um

certonúm

erodetextos

enigmáticos,

quepertenciam

aoque

l!ost~ríamode

chamardenível

metafísico

dopensam

entoindígena:

reflexõescrítieas

sobreosmitos,

comentários

livres,brilhos

deumaluz

semtraços.

Sabe-seque

quasetodos

osguarani

conhecemesabem

contaros

mitos

datribo.

Massóumaminoria

dehom

enssabe

falarcom

osdeuses

ereceber

suasmensagens:

ossábios

sãoossenhores

exclusivosdas

Belas

Palavras,detentores

respeitadosdoarandu

para,obelo

saber.Fortem

entecodificado,

essesaber

sóperm

itefracas

variaçõesdeform

adeum

pensadoraoutro.e

porisso

quenão

reproduzimos

atotalidade

dostextos

disponíveis:eles

separeciam

demais.

Inversamente,

nonível

dostextos

quedizem

osmetafísicos,

opensam

entojoga

comamais

2.Expressão

correntede

respeito,dos

jovensaos

mais

velhos.3.

Cf.aseguir,

pp.134

e135.

4.Desse

aspecto,omodo

deexistência

doUm

éotransitório,

opassageiro,

oefêm

ero.Oque

nasce,cresce

esedesenvolve

somente

comvistas

apere-

cerécham

adoUm.Condenado

dolado

docorruptível,

oUm

torna-sesigno

doAcabado.

Éporque,

emcom

pensação,um

habitanteda

TerraSem

Mal

éum

homem,claro,

mas

também

ooutro

dohom

em,um

deus.OBem

nãoéomúltiplo,

éodois,

simultaneam

enteoum

eseu

outro,odois

quedesigna

verdadeiramente

osseres

completos.

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inteiraliberdade,

apotência

deumacriação

pessoaldopensador

des.dobra-se

sementraves,

aponto

de,com

oobservam

os,umaembriaguez

verbaltom

arconta

doorador,

dequem

sepode

dizerentão

que,lite.

ralmente,

nãoéele

quefala

mas,

atravésdele,

osdeuses.

Linguagemdaqual

noscom

prazemos

emimaginar

oeco

longínquododiscurso

dosantigos

profetas,sobre

quemosíndios

diziamque

eramfie'e

;ara,osmestres

daspalavras

...

Trêsfontes

alimentam

estaantologia.

DeCurt

Unkel

Nimuendaju,

traduzimosasversões

domitodos

Gêmeos

edomitododilúvio,

reco-lhidos

noinício

doséculo

entreosíndios

apapokuva-guaranique

habi.tavam

osul

doMato

Grosso

brasileiro.Sabem

osque

essegrande

pes-quisador

deorigem

alemãobteve

nacionalidadebrasileira

sobonom

eque

lheatribuíram

ossábios

apapokuva:Nimuendaju,

palavraesplên-

didaque

significa"aquele

quedispõe

seupróprio

espaçoeterno".

Com

exceçãodesses

doismitos

apapokuvaedaversão

dosGêmeos

queAndré

Thevetanotou

emmeados

doséculo

XVIentre

ostupi-

nambádolitoral

brasileiro,todos

osoutros

textosconcernem

aosgua.

ranidoParaguai

eforam

recolhidospor

LeónCadogan

epor

nós.O

pacienteeminucioso

trabalhodeCadogan

frutificounolivro

queele

publicouem

1959,Ayvu

Rapyta:ofundam

entodalinguagem

huma-

na.Énesse

conjuntodetextos

míticos

dosmbya-guarani

queescolhe-

mososextratos

quefiguram

emnosso

trabalho.Nósmesm

osestive-

mosem

aldeiasguarani

durantevários

meses,

nodecorrer

deuma

pesquisa,em

1965,tanto

entreosmbya

quantoentre

seusvizinhos

bempróxim

os,oschiripa.

Todososnossos

textosforam

gravadosem

guarani,pois

osíndios

sófalam

suaprópria

língua.Reproduzim

osaqui

todososque

oferecem,em

relaçãoaos

deLeón

Cadogan,

uma

originalidadesuficiente.

Além

devariantes

dosmitos

principais,po-

dem-se

leresses

textosàsvezes

umpouco

delirantesque

Cadogan

jamais

ouviudaboca

dosíndios

eque

pertencemaocam

poque

cha-mamosmetafísico.

Equanto

ànossa

tradução?Indicam

osinicialm

enteque

dispo-mosdaversão

indígenapara

atotalidade

dostextos

aquiapresentados

(salvoodeThevet).

LeónCadogan,

emseu

AyvuRapyta,

forneceuotexto

guaraniesua

versãoespanhola.

Nimuendaju

transcreveuigual-

mente

nalíngua

dosapapokuva

osmitos

queeles

lhecontaram

.Em

1944,um

letradoparaguaio,

J.F.Recalde,

traduziuem

espanholo

textoalem

ãodeNimuendaju.

Elechegou

mesm

oatraduzir

parao

suaranido

Paraguaioguarani

dosapapokuva,

oque

permite,

de

passagem,notar

quesão

tênuesasdiferenças

lingüísticasentre

essesdois

dialetos.Equanto

aosnossos

própriostextos,

elesforam

traduzi-dos,

comaajuda

insubstituívelde

Cadogan,

dooriginal

guarani.Pudem

osentão,

emcada

caso,referir-nos

àversão

indígena.

Tentamos

traduzirtodos

essestextos

apartir

doguarani,

como

qualnos

familiarizam

osum

poucodurante

váriasestadas

noPara-

guai,masconstantem

entenos

reportamos,

éclaro,

àtradução

espa-nhola,

beneficiando-nosdaluz

deinúm

eroscom

entáriosenotas

comosquais

Cadogan

enriqueceuostextos

propriamente

ditos.Traduzir

é,seguram

ente,tentar

fazerpassar

paraum

universocultural

elin-

güísticodeterm

inadoapalavra

eoespírito

detextos

saídosdeum

sistemacultural

diferente,produzidos

porum

pensamento

próprio.Quando,

comonos

mitos,

otexto

éumanarrativa

deaventuras,

atradução

nãocoloca

problemas.

Oespírito

cola-se,seassim

podemos

dizer,àpalavra,

oenigm

aérelativam

enteexcluído

nanarração.

Mais

árduo,epor

issomesm

omaisapaixonante,

foiotrabalho

detradução

dostextos

religiosos.Demaneira

nenhumapor

causado

usocons-

tanteque

asBelas

Palavrasfazem

dametáfora:

bastasaber

que,quando

otexto

falado"esqueleto

dabrum

a",ele

nomeia

ocachim

bodebarro

ondeossábios

fumam

seutabaco;

quea"flor

doarco"

designaaflecha;

queonascim

entodeumacriança

sediz

"umapala-

vraseprovê

deum

assento";oembaraço

dotradutor

provémmais

dadificuldade

dedom

inaroespírito

quecorre

secretamente

soba

tranqüilidadedapalavra,

decaptar

aembriaguez

desseespírito

quemarca

comseu

selotodo

discursoenigm

ático.León

Cadogan,

incomparável

conhecedordalíngua

edo

pensa-mento

guarani,soube,

nodecorrer

devárias

entrevistascom

seusamigos

indígenas,chegar

omais

pertopossível

dasBelas

Palavras.Isso

equivaledizer

queseu

trabalhoéexem

plar.Em

algunspontos,

naverdade

raríssimos,

nossatradução

difereda

dele.Quando,

porexem

plo,aversão

espanholadotexto

quedescreve

aaparição

dodeus

:N'amandu

dizen

elcurso

desuevolución,

nodecorrer

desua

evolu-ção,

elatraduz

oterm

oguarani

oguera-jera,que

nóstraduzim

ospor

"desdobrando-seasimesm

oem

seupróprio

desdobramento".

Assim

comoCadogan

indicaclaram

enteem

suasnotas

lexicológicas,overbo

jeraexprim

e,com

efeito,aidéia

dedesdobram

ento,oauxiliar

ogueraindica

aform

apronom

inal:descreverem

osdessa

maneira

omovim

entode

umaasa

depássaro

seabrindo,

omovim

entodeumaflor

quedesabrocha.

Eétalo

modo

deemergência

dodeus:

semelhante

àflor

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jácom

pletaem

todasassuas

partes,surge

dastrevas

primordiais,

soboefeito

daluz

daqual

elemesm

oéoportador.

Nãohá,

nessemovi·

mento,

precisamente

umaevolução,

masasubtração

progressivaà

noitedas

partesacabadas

quecom

põemocorpo

divino.Épor

issoque,

atendo-nosao

explícitodo

texto,preferim

osdizer

emfrancês

queNamandu

sedéploie

lui-mêmeenson

propredéploiem

ent.Divergência

defraco

alcance,pois

sóaltera

umpouquinho

osentido

geraldo

texto.Convinha,

apesardisso,

fazernotar

essaItinjeção"

nopensa-

mento

guaranideumacategoria

quedele

estáausente:

adaevolução,

idéiatipicam

enteocidental.

Éprecisam

enteoque

levouCadogan

a.escolher

essatradução,

quelhe

permitia

dizeraos

céticoseaos

racis-tas:

"Emnom

edeque

desprezamosíndios,

quesabem

pensarcom

onós?"

Intençãodas

mais

louváveis,claro,

masque,

ocidentalizandoo

textoindígena,

podialevar

aacreditar

-erradam

ente-

emuma

influênciacristã

quesabem

ossofreram

osmbya-guarani.

Decisão

deliberadaentão

anossa:

preocupadosem

nosdistan-

ciarmosomenos

possíveldapalavra

dotexto,

tentamospor

issomesm

orestituir

oespírito,

estimando,

paraparafrasear

umafamosa

afirmação,

quetraduzir

osguarani

étraduzi-los

emguarani.

Conseqüentem

ente,tradução

quasesem

preliteral:

éassim

quedizem

os,para

pindovy,pindo

azul,pois

esseéosentido

literal,enão

pindoeterno,

sebem

queovy,

oazul,

conotaaidéia

deeternidade

noespírito

dosíndios.

Fidelidadeàpalavra

emvista

deconservar

oespírito

e,talvez,

paraalguns

fragmentos,

umaaparência

deobscuridade.

Ocom

entárioque,

nessecaso,

fazseqüência

àtradução

ouaprecede,

contribuirá,espe-

ramos,

parátorná-la

mais

clara.Eis

aquihinos

ecantos,

precese

mitos,

textosereflexões

sobreostextos,

eisaqui

asobras

deum

pen-sam

entomuito

antigoque

talvezdeva

aseu

essencialpessim

ismoo

tersabido,

atéopresente,

afastarsua

morte.

Pensamento

selvagem,

pensamento

inelutavelmente

condenado,pois,

aolongo

dotempo,

osprofetas

calar-se-ãopor

faltadeadornados

aquem

fazerouvir

alin-

guagemdas

Belas

Palavras.Queaomenos

elassobrevivam

aqui,recolhidas

etranscritas

comrespeito

igualaodos

sábiosque

asproferiram

.Osúltim

osdos

queforam

osprim

eirosadornados:

semilusão

sobreseu

destinomasdeci-

didosaperm

aneceraté

ofim

oseleitos

dosdeuses.

Sentimo-nos

gratospor

termospodido,

atravésdeste

trabalho,tornar

perceptívelaoleitor

tudooque

encerradepoesia

edeprofundidade

opensam

entodos

índiosguarani.

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Eosabriga

natotalidade

desua

morada

noalto,

paraosque,

belamente,

selembram

devocê.

Paravocê

seergue

nossoclam

or.Queaos

excelentesofereçam

seusfilhos

palavrasem

abundância!Queentre

atotalidade

dascoisas

quesobre

aterra

selevantam

pronunciemem

abundânciaaspalavras,

seusnum

erososfilhos

degrande

coração!

Épara

queisso

aconteçaque

venhoperturbá-lo,

Oh!Namandu

paiverdadeiro!

Ostextos

queseseguem

pertencem,em

seuconjunto,

aotl11'

chamamoscam

pometafísico.

Compreendem

os,com

isso,que

nãov

111

exclusivamente

doterreno

damitologia,

quesesituam

alémdomilo.

nameta-m

itologia.Não

podemos

também

situá-loscom

otextos

J"1igiosos;

estessão,

emgeral,

suficientemente

rígidospara

tornardil'r-li

otrabalho

criadorda

imaginação.

Odiscurso

"metafísico",

aoCOII

trário,não

sendonem

hino,nem

mito,

forneceainspiração

pc"111

dosábio

atotal

liberdadedeseexercer.

Issonão

significaquc

1111discurso

digaqualquer

coisa,que

sejaodiscurso

deum

louco;é

110

territóriodomito

emsique

florescetal

discurso,éàluz

dainqul

.tação

religiosaque

seesclarece.

Umhom

em-

umsábio-pajé

-conta

osmitos

datribo;

ainspiração,

aexaltação

poéticatom

amcontll

dele;ele

falaarespeito

dosmitos,

falados

mitos,

falaalém

dosmito,.

Existecom

oque

umaespécie

deabandono

àmagia

doverbo,

qll'tom

atotalm

enteconta

doorador

eoleva

aesses

picosonde

habltuoque

sabemosser

apalavra

profética.Ohom

emdequem

obtivemos

essestextos

éum

mbya-guaranl.

Nósoencontram

osem

1965,naoca

miserável

queocupava

comSlIIl

família,

nocoração

dafloresta,

pertodorio

Paraná.Esse

índioera

unIsábio,

dirigenteespiritual

reconhecidopelos

seus.Em

frentefi

1111

ocaerguia-se

umaconstrução

relativamente

baixa,construída

01)1'

umeixo

leste-oesteeaberta

"dolado

denosso

rosto",para

adir

Çllll

deaparição

dosol

nascente.Lugar

sagradodoculto,

casadas

donçlledas

precesonde

sereúnem

osadornados

parasedirigirem

aOHd

li

ses.Aolongo

daparede

detroncos

depalm

eirapartidos

ao111-lo,

erguiam-se

trêsestacas

enfiadasnaterra,

trêsbastões-insígnil:ls

'01'011

dospor

plumas.

Nosso

informante

afirmava

nãoter

nenhumIHlIl1I

alémdesse

espanhol,Soria;

nuncatinha

ouvidofalar

denOl11Ulnl!(.

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Épreciso

atravessaraságuas

grandes.Sim

,indis-

cutivelmente

épreciso

queasatravessem

os,eàsvezes

mes-

mocontra

nossavontade.

Atravessam

osaságuas

porqueas

circunstânciasnos

obrigamafazer

isso.

Eisogrande

mar

quefizem

os,meu

calIla.

(111'

111perm

aneçaconvertido

emmar!

Paracom

er,já

t'lHOS

tIldlloque

épreciso,

caçula.Deque

aindaprecisaríam

os11

•l:tterra

feia?-

Dancem

ospara

irláem

cima!

Quando

acabaramdedançar,

Soldisse

aocaçula:

-Vamos

atirarnossas

flechaspara

océu

quevem

osláem

cima,vam

osatirar

paraoalto!

Vejam

osseelas

tor-nam

acair!

Atirou

umaflecha

paraoalto.

Apurou

osouvidos

paraoque

sepassava

sobreaterra,

masnão

ouviunada:

afle-

chanão

haviavoltado.

-Atire

mais

umavez,

meu

caçula!Ele

lançouumaflecha

paraoalto.

Prestaramatenção:

elatambém

nãovoltou.

Eiam

atirandoflecha

atrásdefle-

cha.Quando

acoluna

deflechas

atingiuaterra,

Caçula

perguntou:-

Que

vamos

fazer?-

Aproxim

e-se,meu

caçula!Aproxim

e-se,minha

irmãUrutau!

Vamos

levarnossa

irmãpara

cima!

Seela

quiservir,

nósalevarem

os.Senão

quiser,que

fique!Que

fiquechorando

sobreesta

terrafeia.

Láem

cima,dizem

,estão

nossopai,

ogrande,

enosso

paique

sabeascoisas.

Não

esqueçamos

isso.Sobre

aporta

damorada

delesvocê

plantousua

flecha,meu

caçula.Esta

colunadeflechas

éo

caminho

quenos

vaiconduzir

paracima.

"Quanto

aela,

quefique

emnossa

morada

queaban-

donamos!

Que

permaneça

também

ourucu

queseergue

juntoanossa

morada

abandonada.Então,

lembrando-se

dessascoisas,

asmulheres

cantarãoem

nossaausência.

Can-

tarãoem

nossaausência,

essascrianças

queterem

osaban-

donado."

gena!Por

umairreflexão

desua

parte,todavia,

elefoi

levadoanos

confiar,sussurrando

noouvido,

onom

ereligioso

deseu

filho,um

menino

comcerca

dedez

anosdeidade:

Ro'yju,

Frioeterno.

Agravação

sedeu

aolongo

deaproxim

adamente

dezdias

ou,melhor

dizendo,dez

noites,pois

sempre

aconteceunoturnam

ente,à

luzdofogo.

Noinício,

tínhamos

aintenção

decoletar

novasversões

dosmitos

guaranie,mediante

aprom

essa.de

honoráriosconvenientes,

nossoanfitrião

concordoude

bomgrado

comesse

desejo.Mas,

àsvezes

prisioneirodesimesm

o,exaltando-se

aodizer

oque

osguaraní

possuemdemaisprecioso,

caindonaarmadilha

queoliberava

detoda

restrição,nosso

informante

esquecia,no

augeda

graça,que

eraum

homem,efalava

comosefosse

umdeus.

Foidessa

formaque

pude-moscoletar

essestextos

freqüentemente

estranhosque

namaior

partesurpreenderam

LeónCadogan

quandoeste

osouviu.

Com

efeito,tanto

setrata

deum

índioque

contaum

mito,

tantodeum

sábioque

trans-mite

seusaber

eseus

conselhosaos

membros

datribo,

enfim,tanto

dopróprio

deus,que,

aniquilando-ocom

ohom

em,faz

amorada

ex-clusiva

dapalavra

divina,que

ohabita

inteiramente.

Parece-nosnão

serdifícil

observar,em

cadacaso,

asseqüências

atribuíveisseja

aonarrador

demitos,

sejaaoguia

espiritual,seja

aodeus.

Essestextos

defato

prolongam-eultrapassam

-com

odisse-

mos,

asnarrações

demitos,

essencialmente

odos

Gêmeos.

Afastam

ostodos

oselem

entosjápresentes

nasversões

reproduzidasnasegunda

partedeste

trabalho,para

retersóostemasnovos,

queainda

nãofiguram

emnenhum

adas

versõesconhecidas.

Trata-se.em

particular,dasubida

dosirmãos

aocéu

atravésdacoluna

deflechas

plantadaumassobre

asoutras

edoaparecim

entodairmãdos

meninos,

Urutau,

ocorvo

noturnodecanto

lúgubreque

choranafloresta,

nocrepús-

culo,efaz

sobressaltaroviajante,

detanto

queseparece

ouviruma

lamentação

humana.

Poderemos

constatar.com

umasimples

leitura,que

oselem

entosnão-diretam

entemitológicos

escapamàanálise

estru-tural

epedem

umoutro

tipode

explicação.Querem

osaqui

oferecê-los

somente

àcuriosidade

e,talvez,

àemoção

doleitor.

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"Osque

crescerãosobre

estaterra

feia,vendo

tudoisso,se

lembrarão

denós,

seuspais,

ecantarão."

"Quando

aqueleque

habitado

ladodenosso

rostosouber

detudo

isso,entãonossas

criançasconhecerão

todososnossos

costumesoriginários,

osque

vãoficar

paranos

substituir,meucaçula,

conhecerãotodos

oscostum

esorigi-

nários.Vamos.

Soldirige-seasua

irmãUrutau:

-Sente-se

sobreesse

troncodeárvore!

Delá,olhe-

nosomáxim

oque

puderver

noar.Quando

nostiver

per-dido

devista,

nãochore!

Emsua

morada,

pronunciarampreces.

Depois

parti-ram,voando

paraoalto.

Chegaram

:-.-

Pai,por

quenos

abandonou?Nósestávam

osem

umasituação

penosa,evocê

nosabandonou

sobreesta

terrafeia!"Você

vaivoltarpara

estaterra

feia.Pornos

teraban-

donadosobre

estaterra

feiacontra

nossavontade,

paraex-

piaresse

abandono,você

vaivoltar

sobreesta

terra.Ele

émeucaçula

esecham

aGuyrapepo,

AsadePássaro.

Eeu

souoprim

ogênito."-

Não,

meufilho,

nãofique

irritado!Épreciso

queeufique

emminha

morada

originária!Pois

souNanderu-

vusu,evocê

émeufilho,

evocê

também

,você

émeufilho.

Eleseram

,efetivam

ente,ascrianças

quetinham

nas-cido

juntas,estavam

situadasjuntas.

Omais

velhodisse

então:-

Nãonos

preocupemos,

meucaçula!

Euvou

ficaraqui.

Vouficar

commeupai

Nanderuvusu:

nósnos

colo-carem

osàescutado

quesepassa

sobreaterra

corrompida.

Urutau

chorava.

-Nãofique

compena

deque

elatenha

ficado,meu

caçula.Nãoselamente

porquenossa

irmãUrutau

estáem

prantos.Quefique

aí!Nãosepreocupe.

Queesta

terraim-

perfeitacontinue

assim,eque

elaprospere

paranós.

"Queessas

grandeságuas

corram!Daívão

nasceros

rios.Eisasgrandes

águasque

criamos.

Eeisosriachos

queirão

seunir

aseus

futurossenhores.São

coisasque

nãoper-

mitirem

osque

sequem.Fom

osnós

queabrim

ostudo

isso:asraízes

dasárvores

deonde

brotamaságuas.

Elasnão

sãodestinadas

asecar,

meucaçula!"

"Essasárvores

sãoofruto

denossa

semeadura.

Fomos

nósque

plantamos

essasárvores.

Que

produzamfrutos,

paraque

possamcom

eraqueles

quehabitarão

sobreaterra

corrompida.

Tudoisso

éoque

dispusemos."

"Setudo

issosecar,

secaírem

osgalhos,

entãoapartir

dissosecriará

novamente

aterra.

Também

apropósito

dasárvores

quecaem

eapodrecem

,não

choremos,

meucaçula!"

"Vamosprestar

atençãoaomovim

entodos

queenvia-

mos,

dosque

habitamsobre

aterra

corrompida.

Elessão

nossosanim

aisdom

ésticos.Masnós

nãodevem

ossentir

odesejo

deser

seussenhores.

Elesdeverão

criarseus

filhosdemodo

queostenham

ossem

presob

osolhos.N

ósosfare-

mosbrincar

novamente

conosco,esua

mãechorará,

eseu

paichorará.""Coloquem

osascoisas

emordem

,meucaçula.

Essascoisas

sãoquentes,

poisestão

situadasaolado

dosol,

nolimite

dosol.

Oque

estásituado

nosarredores

dosol

éNavandu.

Eleéquem

produzabrum

a.Épreciso

queseja

ornadodeumacoroa

deplum

as,que

sejacoberto

porbol-

driésdeplum

as.Deverá

também

possuiraflecha.

Queleve

tudoisso

consigoem

suasviagens

peloscam

inhosabando-

nadosdaterra.

Tudoisso

sãocoisas

quenão

podemosne-

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gligenciar.Êpreciso,

meucaçula,

quenos

lembrem

osde

tudoisso

paranosso

futuro.""Nosso

mensageiro

jáestá

aqui.Queeleretire

daterra

imperfeita

todasascoisas

quepodem

sernocivas

àscrian-

ças.Em

seguidairem

osespionar

aquelesaquem

permiti-

mosbrincar

sobreaterra

corrompida.

Paraespionar

aque-lesque

permitim

osbrincar

sobreaterra

corrompida,

épre-

cisoprim

eiramente

queseeleve

abrum

a.""Quevão,

osmensageiros,

quefiquem

naescuta,

quevão

limpar

oque

descobrirãoem

nossofuturo

caminho.

Então,nós

partiremos."

"Eisporque

devemosnos

disporem

ordem,dançar,

escutar.""Ele

éoenviado

domestre

dobastão-insígnia,

aquelesaquem

chamamosNavandu.

Nósdizem

osque

todososcan-

tossão

bons.Masocanto

deNavandu

équente.

Êpor

isso,meucaçula,

quenão

deveseapaixonar

demaispor

ele.""QueNavandu

continueaexistir

comonosso

mensa-

geirofuturo.

Elecarregará

oque

encontrar,ele

carregarácom

suaflecha.

Dosque

serãoatravessados

porsua

flecha,aqueles

quemorrerem

morrerão,

eaqueles

quenão

morre-

remnão

morrerão.

Eele

continuaráalimpar

oscam

inhospara

nós.""E,

quantoaeste,sim

,vamosescutá-lo!

Eleéomestre

dagrande

peneira.Em

suagrande

peneiraeleleva

água,lá

emcima,para

molhar

estaterra

corrompida,

paraque

hajachuva.""N

estalaguna

quetransborda,

queelepegue

águaem

suapeneira.

Nósadeixarem

oscair

emseguida

sobreaterra

feia,afim

deque

hajafrescor

paraascrianças

quenela

brincam."

"Olugar

emque

poderemosnos

distrairjánão

estádistan.te.Tupã

jánão

estádistante.

Nós,

simplesm

ente,ain-

danão

atingimosamorada

deTupã;

épor

issoque

conti-nuam

osaerrar

sobreesta

terrafeia."

"Atingirem

osamorada

deTupã

atravésdoque

cha-mamosdança.

E,perseverandonadança,

nósaatingirem

os,meucaçula!""Enós,que

nãodispusem

osessas

coisas,refrescaremos

aterra

chamando

umgrande

ventodemuito

longe.""Vão,

mensageiros,

abramum

caminho

paranós:

poisvam

osnos

pôrem

marcha,

afim

deirem

pazadiante

dascoisas.""Irem

oscom

nossostrovões.

Vamos

trovejar,vam

osferir

ascoisas

assustadoras.Nóslivrarem

osdelas

aterra

ondebrincam

ascrianças."

"Seavista

denossos

mensageiros

alcançalonge,

seela

éaguda,

tiraremostodas

ascoisas

perigosas.Nostron-

cosdas

árvoressecas

encontram-se

ossenhores

delas.Va-

mosferi-los!

Ostrovões

sefarão

ouvir,eeles

desaparece-rão.

Ostrovões

tocarãoasárvores

secas,rom

perãotodos

osgalhos

dasárvores

secas,eisso

serábom

.""Tudo

isso,todas

essascoisas,

éimpossível

quesejam

contadas.""E,

quantoàscoisas

quesão

saídasdos

homens

bran-cos,

nósnão

sabemos.

Nóspossuím

osoarco

eterno,pos-

suímosaflecha

eterna.Agora

podemosterocoração

tran-qüilo

paraandar

noscam

inhosdesta

terracorrom

pida.""Todas

essascoisas

feias,nós

nãoasaprovam

os!Ê

porisso

quecolocam

osordem

nelas!Som

enteassim

,vocês,

meus

filhos,seerguerão

sobreesta

terrafeia,

meus

filhos!"Vocês

meescutam

,meus

filhos?Eu

osestou

aconse-lhando.

Jánão

mesinto

mais

felizaqui.

Estaterra

corrom-

pida,nós

vamosabandoná-la.

Sobreesta

terracorrom

pidaabandonarem

osnossos

corpos.Masnossa

Palavra,sim,nós

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alevarem

ospara

ofirm

amento.

Quanto

anossa

Palavra,devem

oslevá-la

paraofirm

amento."

"Láonde

temosnecessidade

deir,Tupã

nosguiará.

Essagrande

água,esta

coisaque

chamamosmar,esta

coisaque

criamos,

épreciso

queaatravessem

os;som

entedepois

deatravessar

estaágua

grandeéque

chegaremosnamo-

radadenosso

paiedenossa

mãe."

"Vejam

!Osbastões

quedispusem

osestão

aqui.São

ossuportes

dastochas.

Devem

ospossuir

belossuportes

paranossas

luzes.Edevem

ostambém

usarbelos

ornamentos."

"Tenhamerespeitem

essesornam

entosque

nossopai

possuía!Senão

nosservirm

osdetodas

essascoisas,

nãopoderem

osprosperar

nestaterra

feia.Mas,seusarm

ostodos

essesbelos

ornamentos,

entãoseguram

entenão

ficaremos

mais

queonecessário

nestaterra

imperfeita."

ysypo(ocipó)

significaria,defato:

amão

damãed'água.

Eassim

vemosque

aetim

ologiacorre

orisco

deser,

emguarani,

umapesquisa

estéril.Todaviavam

oscorrer

orisco

econsiderarem

osonom

epróprio

queaparece

váriasvezes

nessetexto:

:Navandu.

Nãosetrata

aqui,de

formaalgum

a,deum

errotipográfico

queteria

substituídoompelo

v;:Navandu

éumaversãó

rarado

nomedo

grandedeus

:Namandu,

mesm

oque,

emnosso

texto,esse

deustenha

umpapel

epreencha

fun-ções

quenão

sãoasdo:Namandu

habitual.Reflitam

ossobre

onom

e:Navandu.

Umaregra

dafonética

guaranidiz

que,quando

umapala-

vracom

eçandopelo

fonemajéseguida

deum

fonemanasalisado,

oj

transforma-se

emn.Poderíam

osver

entãono

filade:Navandu

atrans-

formação

exigidapela

nasalisaçãodo

ndu,deum

lainicial.

Apala-

vra:Navandu

seriaentão

composta

peloterm

ojava

eosufixo

ndu.Ora,

emjava

(oujawa,ou

jagua),reconhecem

osojaguar.

Epode-

mosentão

delirar:afigura

dojaguar,

cujaimportância

namitologia

guaraniconhecem

os,figura

queseconverte

aquiem

deussuprem

o.

Semdúvida,

umalonga

explicaçãodeveria

acompanhar°

textoque

acabamos

deler,

talariqueza

depensam

entoque

congregae

belaalinguagem

queenuncia.

Istoultrapassaria

emlarga

medida

afinalidade

quenos

propusemos:

apresentarumaantologia

dosgran-

destextos

guarani.Vamosnos

limitar

entãoaform

ularumahipótese

deordem

etimológica.

Estamosbem

colocadospara

sabercom

oesse

exercícioéperigoso

quandosetrata

dalíngua

guarani.Ela

éconsti-

tuídadetal

forma,que

aqualquer

grupomínim

oform

adoseja

deumaouduas

vogais,seja

deumaconsoante

edeumavogal

umsen-

tidopode

seratribuído.

Demodo

quesepoderia,

aparentemente,

ana-lisar

cadaterm

ocom

postoe,apartir

dosentido

decada

elemento,

descobrirosentido

originaldo

termoem

questão.Maséjustam

enteafacilidade

doprocedim

entoque

tornaincerta,

paranão

dizerilusó-

ria,qualquer

pesquisaetim

ológica.Tom

emoscom

oexem

ploum

termo

corrente:ysypo,

nomegenérico

doscipós.

Podemossepará-lo

emysy,

aresina,

epo,

amão.

Osentido

etimológico

dapalavra

ysyposeria

então:amãoderesina.

Maspodem

oslevar

mais

longeaanálise,

iso-lando

trêselem

entos:y,aágua;

sy,amãe;

epo,

amão.

Nesse

caso,

Notexto

aseguir,

nossoinform

antequeria

contaracriação

danova

terra,masfoi

tomado

porumaexaltação

tãointensa,

quelogo

tornava-seum

deusprofetizando

aoshom

ensseu

destino.

Paracriar

aterra

imperfeita,

oprincipal

dosTupã

deuinstruções

aseu

filho:"Váàterra

imperfeita!

Disponha

osfundam

entosfu-

turosdaterra

imperfeita!

Queapindo

eternaeapindo

azulnela

sejamrefrescantes!

Seelas

nãonos

foremfavoráveis,

entãoascoisas

irãomal."

"Apindo

éanervura

denosso

corpo.Seela

nãonos

forfavorável,

entãoascoisas

irãomal,meufilho."

"Instaleum

ganchosólido

deplanta

chircacom

ofu-

turoapoio

daterra.

Dêum

bomapoio

àterra!

Umavez

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colocadooapoio,

ponhaum

poucodeterra

porcima.E,

sobreessa

terra,plante

umaguavira

eumaguaropoity,

paraque

nelafrutifiquem

.",

"Éopequeno

porcoselvagem

quevai

provocaramul-

tiplicaçãodaterra.

Seele

assegurarpara

nósocrescim

entodaterra,

elairábem

!Coloque

somente

umpouco

deterra:

eque

daísedesdobre

aterra

imperfeita.

Quando

elaatin-

girotamanho

quedesejam

os,euoavisarei,

meufilho."

"Ponhaum

bomgancho

paraaterra.

Nãouse

dois,porque,

secolocar

dois,nós

nãopoderem

ostom

arconta

deles.Desse

únicoque

tivercolocado,

dessenos

ocupare-mos.

Precisamosdeterra,

poisaágua

jáameaça

nossub-

mergir.

Seela

passarpor

cimadenós,

issonão

serábom

.Perm

aneceremostransform

adosem

senhoresdotapir,

eisso

nãoserá

bom,pois

nós,quevivem

osnocoração

dafloresta,

temosnecessidade

deterra."

"Queopequeno

porcoselvagem

perfureaterra,

queeleaperfure

entreasraízes

dechirca.

Queseform

eaterra

imperfeita.

Queopequeno

porcoselvagem

façacrescer

paranós

aterra

imperfeita.

Nósnão

vamosmatá-lo,

meufilho.

Veja

aágua:

queaíseja

seubebedouro,

queserefresque

nela.Queelerepouse

àsom

bradaguavira,

afim

deque

sedesdobrem

paranós

ascoisas

imperfeitas."

"E,sequiser

queaterra

queimenovam

ente,tirarei

ogancho.

Enenhum

:&ande

Jara,nenhum

Nosso

Senhor,o

recolocará.Então

nadaexistirá,

epartirem

ostodos.

Não

haverámais

habitantessobre

aterra.

Osque

chamamosde

homens

brancosnão

existirãomais,

serãotodos

destruídos.Esses

homens

diferentes,quando

nãoquerem

mais

seustrapos,

jogam-nos

paranós."

"Oque

chamamosdebrum

aestá

pesado.Oque

cha-mamosdebrum

aéoproduto

doque

nossopai

verdadeirofum

ou.Abrum

aexala-se

sobreaterra

imperfeita.

Seos

efeitosdabrum

atom

arem-se

nocivos,avisem

-me,pois

eutambém

tenhoocostum

edecantar.

Sabereioque

fazer,eu

vireieadissiparei.

Fareique

abrum

aseja

levepara

aterra

imperfeita.

Somente

assimesses

pequenosseres

queenvia-

mossobre

aterra

serefrescarão

eserão

felizes.Quanto

aeles,

devemosdistraí-los.

Vou

ocupar-medisso.

Somente

ogranizo

eosventos

poderãoelim

inarabrum

a.Seela

setom

arnociva,

seráporque

:&amandu

teráfum

adoem

umcachim

boimperfeito.

E,secobrirem

detrevas

oslugares

poronde

passamos,

avisem-meetirarei

abrum

adesta

terr~imperfeita.

Somente

assimpoderem

osreencontrar

ocam

I-nho

quedevem

osseguir.

E,seisso

nãoacontecer

assim,.a

únicacoisa

quepodem

osfazer

éabandonar

estaterra,

pOIS

jamais

noshabituarem

osaessas

coisas.""Todas

ascoisas

quesão

umaeque

nãodesejávam

os,elas

sãomás."

"Veja!

Temosojaguar

azul!Nósotemosafim

deque

osangue

dalua

nãocaia

gotaagota

sobreaterra

imper-

feita,nós

otemospara

queele

bebaosangue

dalua."

"Apequena

cutiaeterna

étambém

nossoanim

aldo-

méstico.

Quanto

aojaguar

azul,nós

otemossom

entepara

quebeba

osangue

dalua.

Quanto

anós,

manipularem

osa

carnedalua.

Nósnos

apoderaremos

delaeaoferecerem

osaTupã,

parasua

futuraalim

entação.""Dessa

maneira,

aquelesque

enviamossobre

aterra,

paraque

nelacantem

,nós

osfarem

osprosperar."

"Elesencontrarão

suasfuturas

esposas,terão

filhos;poderão

assimatingir

aspalavras

quesurgem

denós.Se

nãoasatingirem

,isso

nãoserá

bom.Tudo

isso,nósosabem

os.""Por

conseguinte,deixem

osopequeno

porcoselvagem

consagrar-seaprocurar

aterra

imperfeita.

Somente

quandoeumeirritar

comogancho

daterra

nãohaverá

maisterra."

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"Eu,Tupã,

lhesdou

essesconselhos.

Seum

dessessa-

beresperm

anecerem

seusouvidos,

emsua

audição,então

vocêsconhecerão

meus

rastros.Agora

estoupartindo

paraoalto.""V

ocêterá,

meufilho,

aocasião

deselembrar

detudo

isso,evocê

cantará.Quesubsistam

ascoisas

quedispus!

Eu,delonge,

prestareiatenção."

"Somente

assimvocês

atingirãooterm

oque

lhesfoi

indicado.""Eu

voupara

longe,vou

paralonge,

vocêsnão

me

verãomais!

Porconseguinte,

meus

nomes,não

ospercam

!"

Deixando

delado

qualquertentativa

deanálise,

nósnos

limita-

remosaatrair

aatenção

doleitor

paraaobscura

referência,ausente

dequalquer

outromito,

quenofim

onarrador

fazaosangue

dalua,

lambido

pelojaguar

azul,eàcarne

dalua,

manipulada

edepois

ofe.recida

aTupã.

Nãopodem

osnos

impedir

dearticular

essadescrição

deum

canibalismodivino

àantropofagia

ritualdos

antigostupi-gua.

rani,que,

comosabem

os,com

iamseus

prisioneirosdeguerra.

Talveznos

encontremos

aquidiante

domito,

semiperdido

oudeform

ado,que

falasobre

aorigem

docanibalism

o...

Quanto

àalusão,

desprovidade

qualquerequívoco,

a:N"ande

Jara,ela

traduzocom

batedareligião

indígenacontra

ados

brancos::N"andeJara

é,com

efeito,onom

eguarani

deCristo,

Nosso

Senhor.

Depois

deter

nomeado

todosospássaros

etodos

osanim

aisdafloresta,

Soldisse

aocaçula:

"Vamosconstruir

nossacasa

eplantar,

parapoderm

osviver!

Porquesem

dúvidanossos

filhosterão

fome.Vão

querercom

ertodos

osdias.N

ósnão

viveremosmuito

tempo

mais

sobreesta

terrafeia.

Estaterra

feiajánão

émais

suficientemente

frescapara

nós.Esta

terrafeia

j{1uno

.mais

umlugar

quepossam

oscontinuar

afreqüvntar."

"Eisporque

épreciso

ensinaraos

nossosfilhos

oti11

,

énecessário

saberpara

viver,para

quesaibam

viv'rm

nossaausência,

assimcom

ovivem

ossobre

estaterra

f·íll."

"Oscantos

queentoam

os,eles

também

osentO

HrHO.

Eficarem

osnaescuta,

parasaber

seeles

cantamou

11tH.

Quando

Tupãseerguer,

elesdeverão

entoaroscantos

qUl:

nóslhes

ensinamos.

Equando

voltarmospara

visitaraterra,

seremosacom

panhadosdeum

grandevento.

Porisso

serúpreciso

arrimarbem

ascasas.

Prestaremosatenção

aosseu

clamores.""Esta

terrafeia

éumacoisa

queTupã

fez.Quanto

anós,

nãoasuportam

osmais,

vamos

embora.

Eisaqui

acasa

grandeonde

todospoderão

sedivertir.Eis

aquiourucu,

quedeixam

ospara

quesuas

irmãssepenteiem

paranos

agradar.""Nãoseesqueçam

dedançar!"

Hámuitas

naçõessobre

aterra.

Não

seimpacientem

comelas!

Continuem

adançar!

Agitem

seuchocalho

dedança

comforça.

Quesuas

irmãsosacom

panhemcom

seusbastões

dedança.

Queelas

saibammanejá-los!

Entoembem

,sem

seenganar,

oscantos

queTupã

lhesinspirou.

Coletem

-nos

parasuas

irmãs:

somente

assimelas

ossaberão.

Senão

coletaremesses

cantos,senão

tiverempaciência,

sea

perseverançalhes

faltar,senão

tiverempaciência

comseu

própriocorpo,

entãovocês

nãoadquirirão

aforça.

Quecontinue

acrescer

ourucuru

imperfeito!

Quecom

esteurucu

asmulheres

seenfeitem

,enão

comosornam

en-tos

doshom

ensbrancos!

Poisdevem

osperm

aneceràparte.

Ascoisas

doshom

ensbrancos,

nósnão

assuportam

ossobre

estaterra

feia!

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Osdois

curtosresum

osque

precederampontuavam

oconto

domito

dosGêmeos.

Noprim

eirodiscurso,

oinform

antefala

comose

fossenosso

próprioirmão

mais

velho,Sol.

Nosegundo,

assumecom

vigorseu

papeldelíder

esábio:

apelodestinado

aosíndios,

paraque

permaneçam

comtenacidade

fiéisaos

antigosvalores,

adançar,

cantar,pintar-se

comurucu

etc.Aotemaconstantem

enteevocado

dapresença

domalsobre

aterra

feiaencontra-se

associadoodaexis-

tênciadeoutra

formadomal:

omundo

doshom

ensbrancos.

Afide-

lidadetribal

àreligião

tradicionalimpõe-se

entãocom

maior

urgênciaàmedida

queados

brancossetorna

mais

ameaçadora.

Éisso

queodeus

Namandu

constataamargam

enteno

textoa

seguir.Ele

renova,claro,

oapelo

paraque

continuemàescuta

desua

palavra:"Essas

palavrasque

colocopara

você,não

asdeixe

disper-sar,

meufilho!"

Masaverdade

pungente,entretanto,

éque

"todosos

seresque

estimamos(subentende-se

osíndios

guarani)jánão

sãomais

nada".Eisso

provémdaimpotência

deNamandu

frenteaTupã.

Umabreve

explicaçãoseimpõe.

OTupã

nomeado

aquinão

é,com

osepoderia

crer,essa

figuramaior

dopanteão

guarani.Trata-se

simplesm

entedo

Deus

cristão.Efetivam

ente,épreciso

lembrar

que,tanto

entreostupi

brasileirosapartir

dofim

doséculo

XVI,quanto

entreosguarani

doséculo

XVII,

osmissionários

jesuítas,para

nomear

emguarani

oDeus

quequeriam

ensinaraos

índios,adotaram

onom

edo

deusautóctone

Tupã.Demodo

que,para

osguarani

contempo-

râneos,existem

doisTupã:

oseu,

mestre

dastorm

entasedo

frescor,eodos

brancos.É,fica

evidente,deste

últimoque

Namandu,

humi-

lhado;descobre

aforça

invasora:"Tupã

cantamais

queeu!"

Todaviaumaameaça

fechaodiscurso

dodeus:

seele

recobrarsua

força,"as

coisasserão

entãodifíceis!"

Abrum

acom

aqual

po-deria

recobrÍraterra

éamesm

aonde

nascem,redentoras

eguerreiras,

asBelas

Palavras.

palavras,faça

comque

habitemsua

cabeça.Essas

palavras~ue

colocopara

você,não

permita

quesedispersem

,meu

fllho!Quehabitem

suacabeça,

afim

deque

elapossa

terconhecim

entodetodas

ascoisas

quecoloco

paravocê."

"Todososseres

queestim

amosjánão

sãomais

nada.Quanto

àquelesque

cantam,Tupã

paiverdadeiro

jánão

osconhece

mais."

"Eu,àsvezes,não

tenhomaispoder

contraTupã,

por-que

elecanta

mais

queeu.

Canta

mais

queeu,

Tupã!Não

sei."

"PorqueTupã

englobatudo

emseu

olhar,não

façomais

nada.Agora,

humilho-m

ediante

de·Tupã,porque

jánão

seimais

nada.""Mas,

sealgum

diaeuproceder

comforça,

entãoas

coisasserão

difíceis.Porque

eucoloco

abrum

a!"

"Eu,I'l"am

andu,paiverdadeiro,

voufalar

agoracom

meupróprio

saber,pois

souaquele

queexam

inatodas

ascoisas.""Q

uantoavocê,

conheceráespontaneam

entetodas

ascoisas

suscetíveisdelhe

fazeremmal.Por

issopronuncio

essaspalavras

paravocê.

Tudoisso,

saiba-o!Essas

minhas