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LUA NEGRA – LAURA ELIAS VOLUME 2 DA SAGA RED KINGS Após ter sido salva das garras da morte pelo sangue de seu amado Bill Stone, a adolescente Megan Grey se vê às voltas com o misterioso avanço de criaturas monstruosas, que deixaram o gélido Ártico rumo à pequena cidade de Red Leaves com propósito desconhecido. Por alguma razão, a aproximação delas está criando o pior inverno de todos os tempos no Hemisfério Norte. Como se isso não bastasse, Megan em enfrentando transformações no próprio corpo, que ameaçam substituir sua natureza humana por outra, animalesca e totalmente selvagem. Gigantes ancestrais, vampiros, rovdyrs, ódios e segredos milenares, temperados por uma paixão que atravessou vários séculos, unem-se no segundo volume da saga Red Kings, lançando a jovem Megan em um abismo de sombras, em que somente morrendo ela poderá sobreviver. Disponibilização: Marisa Helena Digitalização: Marina Campos Revisão: Marlene FORMATAÇÃO: ROSE

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Após ter sido salva das garras da morte pelo sangue de seu amado Bill Stone, a adolescente Megan Grey se vê às voltas com o misterioso avanço de criaturas monstruosas, que deixaram o gélido Ártico rumo à pequena cidade de Red Leaves com propósito desconhecido. Por alguma razão, a aproximação delas está criando o pior inverno de todos os tempos no Hemisfério Norte. Como se isso não bastasse, Megan em enfrentando transformações no próprio corpo, que ameaçam substituir sua natureza humana por outra, animalesca e totalmente selvagem. Gigantes ancestrais, vampiros, rovdyrs, ódios e segredos milenares, temperados por uma paixão que atravessou vários séculos, unem-se no segundo volume da saga Red Kings, lançando a jovem Megan em um abismo de sombras, em que somente morrendo ela poderá sobreviver.

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LUA NEGRA – LAURA ELIAS

VOLUME 2 DA SAGA RED KINGS

Após ter sido salva das garras da morte pelo sangue de seu amado Bill Stone, a adolescente Megan Grey se vê às voltas com o misterioso avanço de criaturas monstruosas, que deixaram o gélido Ártico rumo à pequena cidade de Red Leaves com propósito desconhecido. Por alguma razão, a aproximação delas está criando o pior inverno de todos os tempos no Hemisfério Norte.Como se isso não bastasse, Megan em enfrentando transformações no próprio corpo, que ameaçam substituir sua natureza humana por outra, animalesca e totalmente selvagem.Gigantes ancestrais, vampiros, rovdyrs, ódios e segredos milenares, temperados por uma paixão que atravessou vários séculos, unem-se no segundo volume da saga Red Kings, lançando a jovem Megan em um abismo de sombras, em que

somente morrendo ela poderá sobreviver.

Disponibilização: Marisa HelenaDigitalização: Marina Campos

Revisão: MarleneFORMATAÇÃO: ROSE

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Megan Grey, uma garota de 17 anos, tem sua vida totalmente desconstruída pela chegada de Simon Blackwell, um misterioso jovem de olhos avermelhados. Simultaneamente, a famosa banda de rock Red Kings of Paradise decide fazer um show na pequena cidade onde mora, deixando a vida de Megan ainda mais conturbada.

Graças à banda, ela acaba conhecendo Bill Stone, o fascinante vocalista dos Kings, e vê seu coração ser arrebatado pelos hipnóticos olhos azuis do cantor. Só há um problema: nem Simon nem Bill são humanos. Eles pertencem a uma raça desconhecida, os rovdyrs, que há milênios habita nosso planeta em segredo. Dotados de força e capacidades inimagináveis, esses seres caçam vampiros, não podem se envolver com humanos e vêem o amor como uma eterna maldição.

Contrariando as estritas leis rovdyrs, Bill e Simon — inimigos declarados — apaixonam-se por Megan e esse amor a faz cair nas garras de um vampiro cruel e vingativo. Correndo contra o tempo, Bill consegue resgatá-la... mas para salvar a vida da amada ele é obrigado a lhe dar grande quantidade de seu sangue.

A partir de então, a vida de Megan nunca mais será a mesma, pois o sangue que a salvou é o mesmo que a amaldiçoou para sempre.

Prólogo

O homem alto e loiro olhou interessado para a mulher à mulher á sua frente. Apesar de não ser jovem, era extremamente bela. E pela maneira como o abordou, tinha

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tanto caráter quanto ele.O homem lhe acenava com a liberdade, com a possibilida-

de de vingar um ódio antigo em troca de alguns favores. Ela estava disposta a negociar, ele sempre aberto a negociações. Ela era louca, ele um psicopata. Os dois eram perfeitos um para o outro.

Ele colocou seu preço, ela pediu alguns dias para pensar. Logan, no entanto, não era idiota. Sabia que ao aceitar aquele acordo estaria empenhando muito mais do que a possibilidade de ser capturado e preso: seu pescoço estava em jogo. Ela era muito perigosa e contava com um sobrenome de peso. Ele tinha apenas um carma ruim.

Alguns dias depois, ela voltou com a resposta: aceitaria as exigências se ele concordasse em entregar-lhe Megan Grey com vida. Ela mesma queria matá-la da maneira mais lenta e dolorosa possível. Quanto ao irmão de Logan, Sebastian, ela o localizara no Ártico, vivendo entre os agura.

Ah, sim. Ao contrário do que todos pensavam, os agura existiam e continuavam tão selvagens quanto sempre se acre-ditou que seriam.

Por que aquela mulher tinha tanto interesse em matar uma humana, ele não conseguia entender. Assim como não entendia por que ela mesma não capturava a tal Megan, mas imaginou que fosse algo ligado ao peso de sua família. Os Blackwell não gostavam de sujar as mãos.

Ele foi solto e enviado ao Canadá de avião, viajando de primeira classe em meio a humanos endinheirados como se fosse um deles. O restante do trajeto fez a pé, exercitando os músculos há tanto tempo em desuso.

Encontrou seu irmão vivendo como um selvagem em meio à neve, cercado por aquele povo asqueroso e bruto como se es-tivesse no Paraíso. Não foi difícil convencê-lo a partir. O difícil foi sair de lá sem um exército de aguras atrás deles.

Os selvagens demoraram algum tempo para perceber que Sebastian sumira e, quando se deram conta, partiram em seu encalço. O resultado disso foi o pior inverno que os humanos já haviam presenciado. Logan sabia que eles eventualmente

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acabariam por encontrar seu irmão e, quando isso acontecesse, Megan Grey já estaria morta há muito tempo...

Capítulo I

Medo de Escuro

Nevava pesado há mais de uma semana. Os ventos estavam mais gelados do que o habitual em nossos invernos e todos os dias acordávamos com as máquinas da prefeitura limpando as ruas, suas pás gigantes raspando e afastando a neve das calçadas.

Em Red Leaves não havia aquecimento global, havia 'congelamento' global. Tudo estava branco e, embora paisagens nevadas possam parecer atraentes para quem vive em lugares ensolarados, garanto que não havia nada de atraente em caminhar com neve até os joelhos, ter o motor dos carros congelado e viver sob a ameaça de falta de energia.

O aquecedor de nossa casa, um modelo antigo e nada eco-lógico, movido a óleo, trabalhava com força total, mas mesmo assim temíamos que a energia faltasse a qualquer momento, o que era um milagre ainda não ter acontecido. O inverno estava sendo um transtorno para todos: há uma semana meu pai não dormia em casa, pois era impossível viajar de Green Falls até Red Leaves em segurança. Ou seja, ele estava temporariamente instalado na casa de Joyce. Minha mãe andava com os nervos à flor da pele, ainda um tanto assustada pelas alterações que via em mim. Meu irmão Fred, como sempre, estava insuportável, correndo para cima e para baixo, criando caso por qualquer coisa. E o pior, muito pior de tudo: eu e Bill não podíamos nos ver.

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Claro que a neve não era problema para ele, mas como explicar à minha mãe que só Bill conseguira se deslocar em meio às nevascas quando ninguém mais era capaz disso? E ele estava de viagem marcada para Los Angeles dentro de dois dias, onde a banda faria uma apresentação num show bene-ficente em prol das vítimas de uma catástrofe. Dessa vez eu não poderia acompanhá-lo. Tinha aulas! Nunca odiei tanto ter 17 anos. Como se não bastasse, precisava voltar a ver o Dr. Strideus, já que o remédio que ele me dera estava terminando.

Enfim, meu começo de ano, que havia sido um sonho, se transformara em um pesadelo irritante.

Uma semana antes de terminar janeiro, a energia elétrica finalmente acabou. Por volta das 7 da noite, quando nos preparávamos para jantar, o mundo mergulhou nas trevas. Todas as luzes da cidade se foram, silenciando rádios e TVs. A escuridão deixou no ar apenas o som do vento, que assobiava uma canção mórbida e sem vida.

Foram apenas alguns segundos de silêncio antes que as pessoas começassem a procurar velas e lanternas, e a telefonar para a central de energia em busca de informação, mas os segundos foram agourentos. Estranhos. Dando a sensação de que precediam uma catástrofe.

Quando as luzes se apagaram, Fred estava sentado na mesa, minha mãe tinha uma tigela de purê de batatas nas mãos e eu vinha entrando na cozinha. O primeiro som que ouvi foi o grito dela. O segundo, da tigela se espatifando no chão. Tudo isso em segundos que demoraram milênios. Segundos que me fizeram dar conta de que eu enxergava perfeitamente, embora não houvesse luz alguma. No meio da escuridão, eu conseguia ver tudo! Isso pode parecer incrível, mas me apavorou até os ossos.

Como eu podia estar vendo tudo com tanta clareza? Olhei para Fred e para minha mãe sem conseguir raciocinar direito.

— Que foi? — gritei para Fred, assustada.— Seus olhos! SEUS OLHOS! — ele gritou de volta. Estávamos todos falando aos berros, apavorados.— Mãe! — gritei quando a vi tentando se amparar na mesa

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antes de desmaiar.— MONSTRO! — berrou Fred na minha cara.Com uma agilidade que com toda a certeza deste mundo

eu não possuía, saltei sobre a mesa e por cima de Fred em direção à minha mãe para socorrê-la, quando o som da porta da frente sendo aberta com violência me fez rosnar alto, de forma pavorosa, e saltar para longe. De relance, vi meu irmão gritar e se esconder apavorado. Virei-me depressa e percebi quatro vultos imóveis me olhando como fantasmas.

Eles eram enormes.Apesar de minha visão noturna ser perfeita, era impossível

distingui-los com clareza. Eles não emitiam som algum. Sequer pareciam respirar.

— Bill? — perguntei ofegante, sabendo que a pergunta era uma tentativa de me agarrar a um fio de esperança que não existia. Rápido como um raio, um pensamento passou por minha mente e me congelou de pavor: vampiros! Estávamos sendo atacados por vampiros!

Tentei alcançar Bill por telepatia, mas apavorada como es-tava era impossível coordenar os pensamentos e me concentrar em qualquer coisa que não fosse o medo daqueles predadores. O que fazer? O que fazer?!

Um deles deu um passo em minha direção e eu urrei instintivamente, parada em posição de ataque, esperando intimidá-los para que se afastassem dali, mas não foi o que aconteceu. O vampiro continuou caminhando em minha direção com passos suaves, como se deslizasse pelo chão ao invés de andar. Os outros três se aproximaram de Fred e de mamãe, que continuava desmaiada no chão.

— Leve todos — disse o homem que se aproximava de mim. Sua voz era sonora e agradável. Uma voz forte, que eu conhecia... Mas de onde? E por que eu era incapaz de vê-los com clareza quando tudo o mais estava nítido diante de mim?

Em um último gesto de desespero, tentando proteger mi-nha família, saltei sobre o desconhecido, sentindo que possuía garras nas mãos e que elas estavam expostas como lâminas de aço. Com extrema agilidade e rapidez, ele se desviou para o

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lado e, com um movimento preciso, me dominou.Agora seu rosto estava a alguns centímetros do meu e,

mesmo assim, eu não conseguia vê-lo com nitidez.— Calma, Megan — sua voz era imperativa.Eu estremeci. Aquela voz... Aquela era a voz em meus so-

nhos! Mas como, se a voz em meus sonhos era a de Bill? Esfor-cei-me para apurar ainda mais meus sentidos, mas era inútil tentar ver seu rosto ou sentir seu cheiro. A única coisa que percebi antes de apagar foi uma grossa trança dourada caindo sobre seu ombro.

Abri os olhos em um lugar frio e escuro, sentindo algo áspero sobre minha pele. Demorei vários segundos para per-ceber que minha cabeça estava coberta e por isso eu não en-xergava nada ao redor. Minha boca estava seca, com gosto de ferrugem, como se eu tivesse chupado um prego ou algo do gênero. Lentamente me levantei e o pano grosso que me cobria caiu ao chão. Eu estava nua! Nua em um lugar completamente deserto e coberto de neve, sob um céu negro e carregado, sentindo o vento congelante açoitar meu corpo.

Rapidamente me enrolei no velho cobertor, como se seu tecido grosseiro fosse meu escudo contra o mundo externo. Estava tão apavorada que nem lembrei que minha visão clara e instintos aguçados poderiam me tirar dali. De repente, pensei em minha mãe e irmão, e o pânico se instalou de vez. Fiquei desesperada e, mais por instinto do que por acreditar que aquilo pudesse funcionar, comecei a gritar por socorro, a berrar pedindo ajuda, ouvindo o som de minha voz se perder em meio ao vento feroz.

Aqueles momentos foram os piores da minha vida. Nem quando achei que o vampiro que queria me matar realmente fosse fazê-lo senti tanto medo. Talvez o que mais me apavorava era o fato de eu estar completamente sozinha no meio de um nada congelado. Ao menos quando pensei que ia morrer ou ser transformada por aquele homem, Simon estava comigo e eu ouvia Bill telepaticamente. Agora, não. Agora eu estava só e não sentia mais que possuía força ou coragem suficientes para sair dali.

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Eu era só uma garota de 17 anos, metida em uma encrenca maior do que tinha capacidade de resolver. Em velocidade astronômica me culpei por ter me envolvido com rovdyrs e mais ainda por amar um deles. Afirmei que ia morrer, que era bem feito por eu ser tão imbecil, me desesperei novamente por minha família, pensei em Bill, Simon, Sarah, Alice, no colégio e na tigela de purê de batatas espatifada no chão — pensamentos desconexos, atravessando meu cérebro, me enlouquecendo e apavorando ainda mais. Estava descontrolada e desesperada. Não havia mais esperanças para mim, eu ia morrer ali, congelada e sozinha, sem nunca saber como a história de minha vida terminaria porque estava fechando o livro logo nos primeiros capítulos.

Comecei a entregar minha alma ao universo quando tive a impressão de ouvir algo se mover não muito longe. Foi mais uma impressão de movimento do que propriamente um som, mas o suficiente para me fazer recomeçar a gritar por socorro com todas as forças de meu ser. E então, quando tive certeza absoluta de que não havia ninguém além de mim na vastidão gelada e que meu destino estava selado, o milagre aconteceu.

— Megan!O som veio de longe, mas foi suficiente para fazer meu

coração pular e reacender minhas esperanças. Continuei gritando e gritando até que vi a figura delicada e ao mesmo tempo imponente de Pops surgir à minha frente. Eu estava salva! Não morri no acostamento da estrada, não morri nas garras de um vampiro e também não morreria congelada no meio da neve! Mais uma vez, a sorte estava a meu lado, mas era inegável que ultimamente eu tinha me tornado um alvo bem cobiçado pela morte.

— Megan! Meu Deus, achei que jamais iria encontrá-la! Eu a olhei com curiosidade. Pops estava me procurando?Como ela podia saber que eu estava perdida?— Bill me mataria se eu não a encontrasse. Ele mal

chegou em L.A. e já queria voltar!Bill estava em Los Angeles? Como assim? Há quanto

tempo eu havia desaparecido? As perguntas se empilhavam em

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minha cabeça, mas eu não conseguia verbalizar nenhuma delas. Apenas me joguei nos braços de Pops, chorando de alívio e pavor. O cobertor escorregou outra vez e ela recuou, assustada.

— Meu Deus, Megan, o que houve com você? Que marcas são essas?

Balancei a cabeça em negativa e a abracei. Ela entendeu que eu não fazia idéia do que havia ocorrido.

— Venha. Vou tirar você daqui. Segure-se bem, OK? Assenti com a cabeça e Pops saiu à toda velocidade pela

floresta fria e branca, zunindo entre as árvores que haviam se tornado apenas espectros retorcidos de suas versões frondosas e verdejantes. Toda a vida fora substituída pela aridez gelada do ciclo branco e estéril do inverno, e eu temia que o mesmo acontecesse comigo.

Hanzi Maré é meu nome. Os mais próximos me chamam de Hans e os que me seguem acreditam que sou o rei de todos eles. Embora, a vida não se canse de nos brindar com sua ironia poética, jamais fui ou serei um rei. Não na verdadeira acepção do termo. Não possuo terras ou trono, não comando a economia ou o bem estar social de uma nação. O que faço, e talvez daí venha a analogia, é comandar uma legião de seres hostilizados e perseguidos, que se infiltram, existem e habitam as sombras do mundo. O termo 'legião' se aplica de forma perfeita a nós, os vampiros.

Somos mito e somos lenda, mas não existimos apenas porque os humanos são supersticiosos ou imaginativos e nos criaram. Somos reais. Bem mais do que a humanidade gostaria. Muitos dizem que vampiros não passam de uma alegoria inventada para falar de sexo quando o assunto era tabu entre os homens. Outros, que personificamos qualidades que as humanas desejam em seus pares. Há ainda aqueles que em um delírio criativo atribuem nossa origem a Caim, o primeiro assassino registrado na Bíblia. Não discuto isso, mas posso assegurar que tudo isso não passa de uma enorme bobagem. Afinal, é típico dos humanos fantasiar o que não entendem ou

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conhecem.E deles a prerrogativa de contar suas histórias como

desejam, já que são a raça dominante do planeta. É uma raça implacável, que destrói e aniquila como se estivesse acima do Bem e do Mal, mas as coisas são como são e a nós cabe apenas aceitá-las. Já vivemos o suficiente para compreender que a arrogância é sempre derrubada pela vida, que a transforma em sabedoria e equilíbrio. Um dia, os humanos também aprenderão.

Minha história começou há muito tempo e não pretendo contá-la neste relato, mas quero dizer que por séculos persigo um objetivo e que, nessa perseguição, adquiri seguidores que se multiplicam a cada dia. A nação dos vampiros finalmente adquiriu um objetivo, um propósito que a uniu quase que integralmente. Mas alguns não concordam com meus métodos de ação e preferem abraçar uma natureza bestial e assassina, como foi o caso de Axs, o vampiro que raptou, torturou e quase matou Simon Blackwell e Megan Grey. Não tivesse Bill Stone e seu grupo chegado a tempo, nós iríamos intervir e destruir Axs. Mas eu conheço Bill. Ele não deixaria sua amada morrer. Não outra vez. Porém, não é de Bill que quero falar, mas de Megan.

Tão jovem e tão linda, dona de olhos puros e sonhadores, de uma alma gentil e generosa, ela carrega consigo a chave de nossa existência. Há séculos esperamos por ela. Demorei tanto a compreender isso! E quando compreendi, cometi inúmeros enganos, tão ávido que estava por encontrá-la.

Uma das grandes lições que aprendi ao optar por ser vampiro foi que a ansiedade não existe entre nós. Tempo é algo que só passa para os humanos. Nós vemos as transformações acontecerem como capítulos de um livro sem fim. Conhecemos o desenrolar e os mecanismos da vida, por isso sabemos que cedo ou tarde o que tiver de acontecer acontecerá. Foi assim que Megan aconteceu.

Soubemos de seu nascimento por meio de Destiny, cujos poderes vão muito além do que nos é dado compreender. Ela é o que os humanos chamam de 'sensitiva', os supersticiosos de 'bruxa' e nós de 'luminosa', já que entre nós a luz é algo

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precioso e almejado. Destiny, entretanto, não conseguia nos dizer em que ponto do planeta a menina nascera e eu Logo percebi que nada do que tinha em minha lembrança me ajudaria a encontrá-la. Decidi que o mais sensato seria deixar Bill fazer isso, pois jamais duvidei que ele reviraria céus e terras para ter sua amada outra vez. Também para ele foi uma busca de anos, com muitos enganos cometidos, inclusive confundindo Megan com Joyce.

Eu a vi pela primeira vez em um estacionamento no meio do mato cercada por marginais. Cheguei a pensar que seria interessante aparecer naquele momento e salvá-la, mas a presença de Pops me inibiu. Pops continua linda e enérgica. Foi bom revê-la. Sabia que ela estava ali procurando por Christian, o filho de Lizandra Blackwell, e ouvi quando avisou Bill sobre o que estava acontecendo para que ele fizesse sua entrada triunfal. Meu sangue ferveu e senti meu coração se enegrecer ao vê-lo. Queria matá-lo ali, na presença dela, e contar-lhe toda a verdade, mas seria um engano. Megan não estava preparada para ver e ouvir os horrores que nosso passado encerra. Ela precisava acreditar que Bill era o herói de sua história, precisava conhecer mais, saber mais, antes que a verdade fosse revelada.

Desde então, não deixei de segui-la ou à sua família, sempre pronto a intervir, sempre esperando que o momento surgisse. A espera é torturante quando sabemos que o desfecho de algo grave se aproxima.

Eu contava os dias, até que a ajuda veio de forma inesperada e me colocou frente à frente com aquela em cujas mãos reside o destino de todos nós...

Hans

Eu não fazia idéia de onde estávamos, mas imaginei que deveria ser muito longe de Red Leaves. Pops me colocou em seu carro e saiu à toda pela estrada escorregadia, dirigindo de uma forma que me fez pensar por que motivo ela me salvara se pretendia nos matar em um acidente. Do que eu já havia visto de rovdyrs, todos tinham fixação por velocidade e perigo. Por

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isso, apenas fechei os olhos e relaxei.O calor do carro me fez bem, embora eu continuasse agar-

rada ao cobertor como se fosse meu escudo, minha proteção. Sentia uma necessidade sobre-humana de me agarrar a algo e, por mais absurdo que pareça, naquele momento o cobertor era o bem mais precioso que eu tinha. Lentamente, meu corpo começou a se aquecer e só então percebi que havia música no ar. Pops estava ouvindo Lady Gagá no último volume e a melodia explodia dentro do carro, reverberando em meus ou-vidos e em meu coração: / want you ugly, I want your disease, I want your everything...

Olhei para ela de modo estranho e Pops respondeu mesmo sem se virar:

— Gosto dessa música. Cheia de drama, intensidade, paixão.

— É... — respondi, com voz sumida, sem condições de falar mais nada. Meus olhos pesavam e meu corpo, agora já sem adrenalina, doía horrivelmente. Tudo que consegui fazer foi me encolher e deixar o cansaço tomar conta.

Acordei muitas horas depois, banhada e limpa, entre os lençóis perfumados no quarto de hóspedes da mansão de Bill, com o Dr. Strideus me olhando.

— Como se sente? — ele perguntou enquanto tomava meu pulso.

— Bem... acho. Minha família está aqui? — indaguei, preocupada.

— Não, Megan. Sua mãe e irmão continuam em Red Leaves. Estão bem, não se preocupe.

— O que aconteceu, Dr. Strideus? Não entendo...— Olá, Megan. Que bom vê-la acordada! — exclamou

Pops, entrando no quarto. — Ela está bem, doutor?— Pelo que tudo indica, sim.— Estou ótima! — exclamei. — Obrigada por me encontrar

antes que eu congelasse naquele lugar.— Não fui eu que a encontrou, Megan. Olhei surpresa.— Como assim?

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— Já contou a ela, Strideus?— Contar o quê? — perguntei, sentindo o coração acelerar.

O que havia acontecido comigo, afinal?— Ela acabou de acordar — respondeu o médico.Pops me encarou e suspirou profundamente. Sua expres-

são era séria e só podia significar que más notícias estavam a caminho. Olhei para ela por alguns segundos e decidi comentar sobre as estranhas mudanças que estavam acontecendo comigo.

— Eu... eu tenho sentido umas coisas esquisitas desde que Bill... desde que o sangue de Bill...

— Que coisas esquisitas? — perguntou ela.— Eu... bom... às vezes, eu rosno. E salto e urro. E vivo be-

bendo água gelada e quase não como mais...— Como?! — Pops arregalou os olhos e se virou para o

médico. — Você sabia disso, Strideus?— Sim. Desde o Natal, venho dando a ela uma medicação

para diminuir os sintomas.— E não falou nada? Bill está sabendo?— Não! — respondi assustada. — Eu não quero que ele

saiba, Pops! Bill é todo encanado que o sangue dele pode ter me feito mal e...

— Você é louca! Mas suponho que deva ser para conviver conosco. Qualquer um em sã consciência já teria sumido há muito tempo. Bem, sinto dizer mas você está se transformando em um animal. Sabe ao menos qual é?

Meus olhos se encheram de lágrimas. Como Pops ousava verbalizar aquilo que eu sequer sonhava em admitir para mim mesma?

— C-como assim? Eu não... — minha voz saiu trêmula, quase inaudível.

— Muito bem. Depois de adormecer em meu carro, você balbuciou frases desconexas sobre quatro homens terem apa-recido em sua casa. Isso aconteceu realmente?

— Sim. Faltou energia... as luzes se apagaram e de repente minha mãe desmaiou. Alguém arrebentou a porta... e do nada vi quatro vultos muito altos na entrada da cozinha. Um

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deles se aproximou de mim. Saltei sobre ele sentindo garras saírem de minhas mãos, mas o homem foi mais rápido e me dominou. Não vi o rosto de nenhum. E eles levaram minha mãe e meu irmão...

Novamente tive a incômoda sensação de que não estava me lembrando de algo importante.

— Algo mais? — Pops perguntou, intrigada.— Não... A próxima coisa de que me lembro é ter acordado

onde você me encontrou. Tem idéia de quem eram aqueles caras?

— Vampiros — ela respondeu sem hesitar. — Bem, agora é minha vez de falar.

Pops tomou fôlego, mas o telefone tocou. Strideus atendeu e o entregou a mim.

— É Bill — ele disse, com voz indiferente.Senti lágrimas se juntarem em meus olhos e rolarem pelo

rosto.— Bill!— Megan! Como é bom ouvir sua voz! Você está bem?— S-sim — respondi e caí no choro sem conseguir me

controlar.Pops e Strideus saíram do quarto e só voltaram quando a

conversa terminou. Ouvir Bill refez minhas forças e deu nova vida à minha alma.

Ele queria saber como eu estava, como estava minha famí-lia, e falou que me amava e que voltaria assim que terminasse a apresentação em L.A. Ficamos namorando no telefone por algum tempo, mas senti muita preocupação em sua voz. Ele disse que era impressão minha. Bill sempre procurava me poupar de tudo, tentando me proteger daquilo contra o qual não havia proteção: o destino.

Pops retomou nossa conversa como se não tivesse sido interrompida.

— A falta de energia que pegou vocês de surpresa foi cau-sada por uma avalanche a alguns quilômetros de Red Leaves. Várias linhas de transmissão ficaram soterradas, inclusive tor-res de telefonia celular. Nesse meio tempo, conseguimos um

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vôo até Nova York e de lá para L.A. Bill tentou falar com você, mas não conseguiu.

Ela fez uma pausa. "Oh-oh", pensei. "Lá vem bomba!"— Só que enquanto Bill voava, outro fenômeno aconteceu

— Pops continuou. — Uma tremenda tempestade de neve atin-giu diretamente Red Leaves. Muitas casas foram destruídas pelo vento, que mais parecia um furacão. Os estragos foram incalculáveis.

— Meu Deus! Minha casa... e meus pais?— Infelizmente sua rua foi uma das mais atingidas, mas

não houve vítimas.O tempo parou em minha cabeça. Não era a primeira vez

que algo assim acontecia em Red Leaves, mas minha família nunca tinha sido atingida diretamente.

— E agora? — perguntei angustiada. — Minha mãe deve estar desesperada!

— Não se preocupe, nós vamos ajudá-los a reconstruir tudo. Temos os recursos necessários para tanto, mas essa não é a questão principal. Há algo bem mais grave acontecendo.

Achei que Pops tinha ficado maluca. Uma catástrofe assolou minha cidade e provavelmente minha família não tinha mais onde morar. O que poderia ser mais grave do que isso?

— Vampiros — a palavra escapou de meus lábios sem que eu me desse conta.

— Sim. Você só está viva porque eles a salvaram e a sua família também. E eu só a encontrei porque Christian me avisou onde você estava. Ele salvou sua vida.

De repente, parei de entender o que Pops dizia. Eu pre-cisava de tempo para absorver aquilo tudo. Que inferno! Ela falava em vampiros e Christian, mas eu só via os discos, livros, roupas e móveis que, na minha imaginação, eram carregados pelos ventos e pela neve.

— Meus pais... e Fred...?— Seu pai está em Green Falls. Sua mãe e irmão estão

bem... eles foram resgatados pelos vampiros e levados para o hospital. Como os dois não sabiam como foram parar lá, imagino que tiveram suas lembranças apagadas. Mas todos

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estão bem. Só você estava desaparecida.— Pops... não estou entendendo. Os Vampiros morderam

alguém? Eles não são monstruosos e querem destruir vocês?— Ninguém foi mordido ou morto até agora e também não

consigo entender por que ajudaram você e sua família.— Você disse... que Christian me salvou?— Sim. Ele pressentiu que você estaria na mata e me in-

dicou o local. Christian está bem melhor, embora ainda não seja seguro deixá-lo totalmente livre para seguir sua vida. Pode demorar algum tempo até perder todas as características vampirescas que possui.

— Mas... nós nunca nos vimos! Como ele sabia quem eu era?

Pops se calou, na certa pesando se deveria ou não me contar certas coisas, até que começou a explicar:

— Alguns vampiros possuem uma espécie de sexto sentido e conseguem pressentir coisas. Esse é o tipo mais perigoso e mortal de predador que existe. Christian pertence a essa classe. Ele nunca viu você pessoalmente, mas a conhece por meio de meus pensamentos, de Strideus e de Bill. Não esqueça que o sangue de Bill corre nas veias dele.

— Mas por que Christian ia querer me salvar?— Ele está se curando e sente-se agradecido pelo que

temos feito por ele. Sabendo o quanto você é querida por todos nós, ajudar a salvá-la foi uma maneira de retribuir o que está recebendo. Christian me disse onde você estava e como havia chegado lá.

— Eu estava nua! Será que os vampiros... será que eles...? Ela soltou uma sonora gargalhada.— Vocês humanos são incomparáveis! Acabo de dizer que

aconteceu uma desgraça em sua cidade e que outra muito pior é iminente e você está preocupada com pudor! Megan, se eles a tivessem usado para saciar desejos sexuais, acredite, você já estaria morta.

— Bom, então por que eu estava nua?— Na certa porque estava transformada quando a

deixaram na floresta. Era óbvio que, voltando ao normal, você

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estaria nua e morrendo de frio. Por que acha que havia um cobertor sobre seu corpo? E as marcas sem dúvida foram fruto de você ter se debatido em algum momento, mas já devem ter sumido.

Eu me senti uma idiota por não ter percebido isso. Enfiei a cabeça por baixo das cobertas e dei uma olhada em meu corpo. Não havia mais marca alguma.

— Você e sua família foram salvas por vampiros que pre-viram o que aconteceria em Red Leaves, Megan. Eles deliberadamente foram até lá para salvá-los! Como se isso não bastasse, tiveram o cuidado de deixá-la onde ninguém poderia vê-la transformada ou voltando à forma humana.

Eu a olhei sabendo que minha boca estava aberta e meu olhar transmitia incredulidade.

— Não tem lógica — balbuciei.— Nenhuma — concordou Pops. — Nenhuma que

possamos entender, mas eles não fariam isso a troco de nada. Entende agora por que é tão importante nos contar cada detalhe do que aconteceu aquela noite?

— Bill sabe sobre os vampiros e tudo mais? — perguntei, mudando de assunto.

— Não, ele só sabe da tempestade. Esse tipo de coisa não se fala por telefone.

— Fez bem, mas ele vai ficar furioso quando souber.— Querida, eu vivo com cinco rovdyrs e tomo conta deles

há séculos. Acha mesmo que tenho medo da fúria de Bill? Além do mais, ele não é páreo para mim. Nenhum deles é.

Eu apenas a olhei. Bill já havia me falado sobre a força de Pops, mas achei que ele estava exagerando.

— Quando vou poder ver minha família? — perguntei, procurando resolver uma coisa de cada vez.

— Assim que parar de nevar eu vou buscar sua mãe e seu irmão. Vocês vão ficar conosco até que tudo se resolva. Seu pai ligou e pediu isso.

— Meu pai? Ele sabe alguma coisa sobre mim?!— Só o que foi possível contar. De qualquer maneira, ele

está mais tranqüilo agora que você está aqui. Tome — disse

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ela, me passando o celular. — Ligue para ele. Eu e Strideus vamos deixá-la sozinha por alguns instantes. Temos coisas a resolver.

— Dr. Strideus? — chamei.Ele me olhou com interesse, algo muito raro.— O remédio que o senhor estava me dando... eu vou pre-

cisar de mais.— Não apenas de mais, Megan, mas de doses mais fortes,

ao menos até resolvermos essa situação. Em algumas horas, ele estará pronto. Fique tranqüila, vamos cuidar de você.

Falei com meu pai e o acalmei sobre meu estado. Falei também com minha avó que, claro, perguntou por Bill, mas ficou feliz de saber que eu estava bem. Devo ter adormecido logo em seguida porque sinceramente não me lembro de mais nada.

Sonhei que havia um exército de homens enormes, de ca-belos quase brancos, marchando em direção a Red Leaves e que alguém gritava "corram para as colinas, corram para as colinas!". Só que em Red Leaves não havia colina alguma...

Algo me dizia que não deveríamos ir a L.A. Pouco me importavam as entrevistas e os shows, mas a banda não era só minha, e Pops foi firme quando afirmou que, se não fôssemos, ela não seria mais nossa produtora.

Aquela banda, que por anos havia sido minha maior felicidade, transformava-se em um estorvo e eu precisava urgentemente equilibrar as coisas se quisesse ter ao menos uma chance de vida normal com Megan. "Normal" parece algo absurdo quando se é um rovdyr, mas eu devia isso a ela após tudo que a havia feito passar. E eu sabia que o pior ainda estava por vir.

Strideus não me contava a verdade, mas eu não precisava que ele dissesse nada para saber o que acontecia. Megan estava se transformando, contaminada por meu sangue, que supostamente deveria lhe salvar a vida, e eu, covarde, não conseguia dizer a verdade com medo de perdê-la.

Havia sempre algo em meu coração gritando que cedo ou tarde tudo seria demais para ela, e que a mulher da minha vida

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me deixaria por vontade própria. Ela havia superado a história macabra que lhe contamos, o ataque do vampiro, a imensa diferença de idade e vida entre nós, mas será que superaria o fato de que dali em diante não era mais humana?

Estávamos pousando em Los Angeles quando Pops ligou avisando o que havia acontecido e que Megan estava desaparecida.

Quase enlouqueci. Avisei que íamos voltar, mas não tínhamos como chegar imediatamente a Red Leaves. Aquele vôo já havia sido uma sorte devido ao mau tempo que assolava o país. Conseguir outro de volta, nem por milagre. E, mesmo para nós, a distância era enorme. Levaríamos dias para percorrê-la.

Passei horas irritado, andando de um lado para outro, falando com Pops a cada cinco minutos, mas até mesmo isso me foi tirado quando duas torres de retransmissão deixaram de funcionar devido a uma violenta tempestade de neve. O contato telepático com Megan estava impossível: toda vez que me concentrava nela, surgia em minha mente a imagem de Red Leaves totalmente às escuras, açoitada pelo vento e coberta pela neve. Não conseguia acreditar que, depois de tudo, a natureza fosse levá-la de mim. Não! Tudo menos perdê-la outra vez!

Estávamos todos preocupados, mas o show devia continuar. Sabíamos disso quando nos decidimos pela carreira artística. Além do mais, estávamos ali com um propósito que julgávamos nobre e os fãs não tinham culpa de nossos problemas pessoais.

Então, durante a madrugada, Pops ligou avisando que Megan já se encontrava em casa, com Strideus, e que tudo estava bem. Os detalhes, disse ela, eu saberia quando fosse possível. Não gostei da voz de Pops. Senti que ela me escondia alguma coisa, que algo muito, muito ruim estava acontecendo em Red Leaves e que eu já começara apagar um preço pela felicidade vivida em Nova York.

Passei horas ligando para casa até que finalmente consegui falar com Megan. Ouvi-la chorar partiu meu coração.

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Nunca desejei tanto poder abraçá-la e afagar seus cabelos, dizer que tudo ficaria bem, encantá-la com minha voz e fazê-la passear pelas estrelas, como ela tantas vezes me dissera que acontecia!

Deus, como eu amava aquela menina! Como eu amava aquela mulher! Sacrificaria minha vida pela sua sem pestanejar, colocaria fogo no mundo, faria qualquer coisa apenas para que ela estivesse bem e feliz.

Dois dias e estaríamos de volta. Dois dias e eu poderia cobri-la de carinhos e mimos, recompensá-la por tudo o que havia passado. Dois dias que demorariam séculos, tal a minha ansiedade.

Já havia começado a fazer planos para reconstruir a casa de sua família, imaginando que Frank não aceitaria nada além do que havia perdido, mas ainda assim podíamos fazer algumas melhorias, modernizar algumas coisas. Tudo para que fossem mais felizes. Tudo para que Megan sorrisse mais. Tudo por ela, sempre! Afinal, já não havia sido assim no passado?

Bill

Capítulo 2

Fim de Romance

Abri os olhos quando a luz do dia era praticamente imperceptível. As noites no inverno chegavam cada vez mais cedo e haviam ficado mais geladas nas últimas semanas, o que também não era nenhuma novidade. Todos os invernos eram parecidos em Red Leaves, mas havia algo diferente naquele ano, uma espécie de presságio no ar, um frio cruel que eu jamais sentira.

Sem qualquer vontade de me mexer, fiquei deitada pensando em tudo que Pops havia me contado, tentando encontrar alguma lógica no fato de vampiros terem salvado

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nossas vidas. Algo ali estava muito errado. Passei dos vampiros ao fato de não termos mais casa para morar e novamente a imagem de minhas coisas voando no vendo me assombrou. Eu tinha só 17 anos. Por que tudo aquilo estava acontecendo? Cada vez mais, a sensação de estar lidando com coisas muito acima de minha idade pesava sobre mim. Pensei em meu pai, em sua felicidade no novo emprego, imaginando que talvez pudéssemos fazer uma pequena reforma, melhorar algumas coisas na casa... mas que casa? Não tinha mais casa!

Estava me torturando com essas idéias, piorando ainda mais o que já era ruim, quando o som de uma voz fez brotar um sorriso em meu rosto. Alice! Ela estava ali? Minha família também?

Entraram todos juntos no quarto e eu nem tive tempo de me mexer. Mamãe voou sobre mim, me abraçando com lágri-mas nos olhos. Ultimamente eu havia me tornado uma preo-cupação constante em sua vida e, se isso acontecia indepen-dente de minha vontade, pouco me importava. Não gostava de vê-la assim.

— Megan! O que houve com você, filha?— Ela se desorientou e correu para o lado errado, Gena —

Pops respondeu por mim. — Eu já lhe expliquei, lembra?— Foi isso mesmo, filha? — seus olhos estavam cravados

nos meus.— Sim, mãe — respondi, rezando para que meu olhar não

deixasse transparecer nada. — E você, está bem?— Estou ótima.Bom, isso pelo menos era verdade. Olhei para Fred, que

por alguma razão não se aproximava de mim, e por instantes me perguntei se ele se lembrava do que havia visto, se sua memória havia mesmo sido apagada.

— Oi, Meg — disse ele, de longe.— Oi, Fred. Tudo bem?Ele fez que sim com a cabeça. Eu o achei inusitadamente

calado. Olhei para minha mãe com uma pergunta nos olhos e ela respondeu baixinho:

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— Seu irmão está assim desde que acordou. Deve ter sido o susto.

Eu o chamei para perto e acariciei seus cabelos.— Oi, Meg! — de repente, Alice entrou, para minha sur-

presa. — Desculpe aparecer assim, mas encontrei sua mãe, ela disse que estava vindo pra cá e eu pedi pra vir também.

— Que bom te ver! Está tudo bem com você e sua família? — perguntei.

— Sim, mas ficamos muito abalados com o que aconteceu...

— E não é pra menos — respondi, suspirando.— Posso ir jogar? — Fred perguntou a Pops, indicando que

seu momento família já havia terminado.— Claro! Gena, não gostaria de vir comigo para se

instalar? Comprarmos várias roupas novas para vocês, Megan — disse Pops, sorrindo.

Eu conhecia Pops o suficiente para saber que ela estava tentando ser agradável e minimizar o peso daquele momento em nossas vidas. Perder uma casa não era nada perto do que estava acontecendo nas sombras de Red Leaves. Em muito pouco tempo, caso os receios de Pops se concretizassem, aquela tragédia não seria nada. Tudo iria depender do que os vampiros estavam planejando. No final, era uma bênção estarmos na casa de Bill. Ao menos, ali nada nos atingiria. Ou pelo menos era o que eu pensava.

Eles saíram e eu e Alice nos olhamos por alguns instantes.Só então notei que seus olhos estavam vermelhos, como

se tivessem chorado muito.— Que aconteceu? — perguntei e ela abaixou a cabeça.— Ah, Megan, você está cheia de problemas. Não vou ficar

te incomodando.— Está assim por causa do Paul?Ela não respondeu, mas seus olhos marejaram. Como era

possível? Em três dias tudo parecia estar de cabeça para baixo.— Fala, Alice. Que foi que ele fez agora?— Lembra quando te falei sobre ele querer e eu... Claro

que lembrava. Tinha até pedido a opinião do Bill.

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— Então, Meg... Ele continuou insistindo e eu cansei. Não dava mais. Será que tem alguma coisa errada comigo? Não é natural a gente não querer transar com o namorado... ou é?

E como eu podia saber? Era tão ignorante quanto ela nesse assunto.

— Poxa, Alice... Se você não está pronta, ele tem que respeitar isso.

— Pois é... Só que o cretino não pensa assim.— Mas que saco! Por que homem tem que ser assim?— E isso não é o pior. A gente nem deu um tempo nem

nada. Tivemos uma discussão, eu achei que era só mais uma briga, mas não...

— Não?— Sabe o que o Paul fez? Ele ficou com a Sarah!— Não acredito! Com a Sarah? E ela aceitou?! Soltei um palavrão espontâneo e Alice riu.— Quando foi isso? Gente, eu tô passada. Como assim?— Foi na noite da avalanche. Eu não conseguia falar com o

Paul e resolvi passar na casa dele pra resolver tudo de uma vez. Foi quando vi Sarah com ele no carro. Os dois estavam se beijando, Megan!

— Beijando? Pra valer?! E você?— Eu... eu quis morrer! Quis matar os dois, chorar, gritar...

Meu peito quase explodiu!Eu estava de boca aberta, sem saber o que dizer, mas

também quis matar a Sarah e o Paul. Como ela podia fazer isso com uma amiga?

— Corri de volta pra casa, me tranquei no quarto e passei o resto da noite chorando. Quer dizer, mais ou menos, porque depois teve o barulho da avalanche e ninguém sabia direito o que tinha acontecido, até meu pai dizer que a região onde você mora tinha sido muito castigada. Foi uma noite horrível! Eu me senti tão mal... Uma catástrofe acontecendo e eu chorando porque meu namorado estava me traindo!

A noite havia sido horrível para todos, disso não havia dúvidas. A única coisa que passava em minha cabeça era como Sarah podia ter feito aquilo com Alice. Eu não me conformava.

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— Não pense que vim aqui só pra desabafar, Megan. Sei que seus problemas são muito maiores que os meus...

Ela não fazia idéia de quanto isso era verdade.— Já conversou com a Sarah? Ela sabe que você sabe?— Não tive coragem porque tenho medo de cair no choro e

não conseguir falar, ou então de voar pra cima dela.Eu ri. Alice também. E depois voltou a chorar.— Isso vai passar e vai ficar tudo bem, querida — disse,

procurando consolá-la.Eu e meu bordão polianesco estávamos em cena

novamente.— Mas agora me conta de você. Que aconteceu? Ouvi que

sua mãe e seu irmão foram encontrados no hospital, mas eles não sabem direito como chegaram lá. Os médicos acham que foi porque estavam em choque...

— Lili, se eu te contar uma coisa, você promete que não fala nada pra ninguém?

— Lili... O Paul me chamava assim — disse ela, recomeçan-do à chorar, e eu quis me estapear por falar o que não devo em hora errada.

— Desculpe! Eu nem lembrei...— Sei disso, Meg. Eu é que sou burra de ficar me acabando

assim por um garoto que na primeira briga já sai ficando com a primeira que encontra. Mas deixa isso pra lá. O que queria me contar?

Eu a olhei por alguns segundos, pensando por onde come-çar. Estava cansada de guardar tanta coisa dentro de mim, de não ter alguém com quem me abrir.

— É sobre o Bill? — perguntou ela, com delicadeza.— É sobre ele também.— Megan, você não precisa me contar nada que não

queira. Depois de tudo por que passou... o acidente, e agora isso...

— Não foi acidente — confessei de forma impulsiva.Ela me olhou por algum tempo e seu silêncio me inquietou.

Alice era a mais discreta das criaturas. Reservada e respeitosa, a mãe tinha morrido quando ela ainda era de colo e o pai se

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casou pouco depois. Achávamos que ela havia se recolhido para sobreviver à falta da mãe.

— Eu sei que não — ela respondeu.Fiquei surpresa. Será que Alice sabia de alguma coisa?

Novamente entramos em um silêncio longo e embaraçoso, ambas decidindo se devíamos nos abrir mais. Certas coisas, quando acontecem, não têm volta. Revelar a existência de rovdyrs e vampiros, por exemplo.

— Não precisa me dizer nada, Megan. Mesmo. Sei que tem alguma coisa diferente em você. Todo mundo percebeu em seus olhos. E o jeito como se movimenta... Você ficou muito diferente depois do acidente que não foi acidente.

Fiquei pasma. Como assim todo mundo sabia que tinha alguma coisa esquisita comigo?

— Olhe, você é minha melhor amiga. Se não pode me dizer alguma coisa, não pode e pronto. A gente pode voltar a falar mal da Sarah... — ela riu e eu também.

— Por que não me contou que estava com problemas com o Paul? — perguntei, mudando de assunto.

— Você estava tão feliz. Tinha acabado de voltar com o Bill de Nova York...

Eu era um monstro de egoísmo. Minha amiga com proble-mas e eu nem sequer havia notado!

— Megan — disse Pops entrando no quarto —, sua amiga Sarah no telefone.

Peguei o fone e vi Alice empalidecer na hora. Pops lançou um olhar intrigado, ergueu as sobrancelhas e saiu discretamente.

— Vou esperar lá fora — disse ela, saindo antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.

— Oi, Sarah — cumprimentei.— Megan! Que bom te ouvir, menina! Fiquei

superpreocupada contigo. Todo mundo disse que você tinha desaparecido...

— Só corri pro lado errado e me perdi, mas agora está tudo bem.

Eu sabia que Sarah estava legitimamente preocupada

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comigo, mas não conseguia evitar querer esganá-la.— Olha, estou ligando pra dizer que você e sua família po-

dem ficar aqui em casa até tudo se resolver. Nós damos um jeito de acomodar todo mundo.

— Puxa, obrigada, mas acho que vamos ficar aqui no Bill por algum tempo. Eu não vi meu pai ainda, acredita?

— Lamento muito pelo que aconteceu, Megan. De verdade. Apesar de ela estar sendo muito gentil, não

consegui me segurar e perguntei:— Você tem visto o Paul?Silêncio. Eu não via o rosto dela, mas podia jurar que havia

surpresa nele.— Não... e nem quero ver nunca mais na vida. Até falei pro

Greg que, se trouxer o Paul aqui outra vez, conto pro meu pai que ele está fumando escondido e ficando com a Sandra de um jeito que vai acabar dando encrenca.

O Greg fumando... e ficando com a Sandra? A mesma que tinha ficado com o Paul? Onde eu estava quando tudo isso aconteceu?

— Sarah, a Alice viu você e o Paul se beijando na noite da avalanche — as palavras pularam da minha boca como se tives-sem vida própria.

— Não!— Como você pôde fazer isso? Como pôde ficar com ele?!— Eu não fiquei... Ai, meu Deus! Eu vou matar o Paul! Ela desligou antes que eu pudesse falar qualquer coisa.Algo não estava certo naquela história. Pela reação de

Sarah, as coisas não eram exatamente como estávamos imaginando e eu corri atrás de Alice para falar com ela. Abri a porta no exato momento em que meu pai ia entrar no quarto. Mal pude acreditar que ele estava ali!

— Pai! — voei sobre ele, que me abraçou com força.— Megan! Oh, meu Deus... Você está bem? Como é bom te

ver! Perder a casa é ruim, mas perder você... Deus, que desespero!

— Eu estou ótima, pai.— O que aconteceu? — o olhar dele era profundo e eu

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sabia que não dava para esconder certas coisas do meu pai.— Não sei direito. Só lembro que as luzes se apagaram e

apareceram uns sujeitos estranhos em casa. Foram eles que levaram a mamãe e o Fred pro hospital e que me salvaram também.

— Esses homens... Eles são como Bill e os outros?— Não... Eu não sei. Mas nós só estamos vivos por que

eles apareceram.— Sua avó mandou algumas roupas. Acho que vamos ter

de ficar aqui por enquanto. Ainda não fui ver como ficou nossa casa... vim direto para cá. Quero fazer isso amanhã pela manhã. As pessoas aqui são meio esquisitas, mas têm bom coração.

Eu concordei com a cabeça e perguntei como ia ser nossa vida a partir de então.

— Ainda não sei, querida, mas vamos dar um jeito. Meu patrão já ofereceu material para reconstruir nossa casa e um pessoal que trabalha comigo se prontificou a ajudar no tra-balho. Acho que ficará tudo bem. Joyce tem alguns móveis guardados na garagem, que já disponibilizou e ofereceu algum dinheiro, caso eu precise. Nós vamos sair dessa, Megan.

— Claro que vamos. A casa estava mesmo precisando de umas reformas... — comentei, tentando fazer uma piada que não teve a menor graça.

— Você está se tornando uma pessoa muito corajosa, sabia? Cada vez que te olho eu me pergunto onde foi parar a minha coelhinha. Quando foi que você ficou tão madura assim?

"No dia em que Simon Blackwell entrou na minha vida", pensei com meus botões e sorri.

— Sua amiga passou por mim chorando. Ela também per-deu a casa na avalanche?

— Não... o namorado traiu ela com sua amiga — respondi.— Nossa! Uma das piores tragédias do mundo quando se é

jovem.Eu ri e o abracei. Meu pai era o máximo!— Você já pode sair da cama? — perguntou. Fiz que sim e ele se levantou:

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— Então, vá trocar de roupa. Vamos ficar com sua mãe e seu irmão.

Eu sorri, me troquei e saí do quarto com ele. De alguma maneira torta, naquele momento nada que não fosse absoluta-mente comum me parecia real. Eu me sentia protegida e bem, imune a qualquer perigo ou ameaça. Nada de ruim poderia acontecer a qualquer um de nós enquanto permanecêssemos unidos como família.

Os ventos de inverno que açoitavam Red Leaves eram sem precedentes. Em meu grupo havia pessoas com muito mais idade, que haviam passado por mudanças climáticas severas, mas mesmo elas não se lembravam de ter visto algo tão terrível. Não era apenas a força da natureza atuando ali. Havia algo mais. Algo muito mais perigoso e sinistro, que se aproximava da região.

Algo que mesmo nós, vampiros, temíamos.Destiny se esforçava, mas suas visões sempre lhe

mostravam a mesma coisa: uma pesada massa de ar e neve, que havia deixado o Ártico e se aproximava de Red Leaves. O inverno rigoroso também dificultava nossa vida porque não tínhamos como nos alimentar.

Nem todos de nossa espécie seguiam a mesma dieta que eu e Destiny. Tudo dependia do grau de compreensão de cada um, da forma como viam sua própria natureza e o que esperavam do futuro.

Eu não podia proibi-los de matar humanos, mas podia impor regras para isso, e foi o que fiz. O maior problema era apequena população da cidade, que reduzia muito nossas opções. De todos os lugares do mundo, Megan havia nascido justamente onde a criminalidade estava perto de zero! O que era uma bênção a princípio, poderia se transformar em sua sentença de morte. Claro que outras cidades ao redor poderiam se prestar ao papel de "restaurante para vampiros", mas os rigores do inverno estavam dificultando tudo para todos.

Eu sabia que caminhava sobre o fio da navalha, que dependia de forças e circunstâncias que absolutamente não

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estavam sob meu controle, mas, ainda assim, eu precisava tentar. Devia isso a Destiny, a mim, ao povo ao qual escolhera me unir. E tudo residia no quão capaz eu conseguiria ser em relação a Megan Grey e o quanto ela seria capaz de compreender seu papel na vida de todos.

E Megan era tão nova! Nada daquilo era justo, mas quem disse que a vida funciona de acordo com nosso senso de justiça? A vida tem seus próprios parâmetros e uma maneira muito particular de conectar os pontos e resolver as situações. Somos todos instrumentos de sua vontade, pouco importando aquilo em que acreditamos. Ela manda, nós obedecemos.

Megan ainda tinha um longo caminho pela frente e muito que aprender sobre sua verdadeira natureza e história, sobre quem era e quem viria a ser. Talvez, entre todos, fosse ela quem mais iria sofrer com a verdade, mas isso também era inevitável e necessário. Para mim, Megan era um passaporte direto a um passado que eu desejava não ter vivido, a lembrança constante de como tudo pode mudar em um segundo, de que não controlamos nada, embora nosso orgulho nos diga que sim.

E eu a amava! Não queria amá-la, não queria desejá-la como mulher, mas não podia evitar. O que eu via em Megan Grey dilacerava meu coração, rasgava minha alma. Entretanto, havia coisas mais importantes e ela não estava destinada a mim. Destiny era minha vida agora. Minha mulher, minha companheira e conselheira, e com ela eu viveria meus dias. Ela sabia disso. Quando me acompanhou até a floresta para deixarmos lá a pequena Megan transformada e me viu ajeitar o cobertor sobre seu corpo, não conseguiu disfarçar a dor que estava sentindo.

No fundo, somos todos prisioneiros de amores impossíveis, de histórias sangrentas, de um tempo que jamais termina.

Pops a encontrara como Destiny havia previsto, por meio da capacidade de Christian Blackwell, que agora já era mais rovdyr do que vampiro. Havia coisas que Destiny não me contava, coisas que apenas ela sabia e eu suspeitava que algumas incluíam os Blackwell e seu papel nos acontecimentos

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que estavam por vir.Contudo, nossos planos estavam traçados. Qualquer um

que ficasse em nosso caminho seria visto como inimigo e, se há um povo de quem não é nada saudável ser inimigo, são os vampiros.

Hans

Estávamos todos na sala principal da casa conversando so-bre como seria nossa vida dali em diante quando o Dr. Strideus me chamou, alegando que gostaria de me examinar mais uma vez. Eu sabia que era apenas uma desculpa para me entregar o tal remédio 'antitransformação' e o acompanhei com alegria. Desta vez, infelizmente, não seria algo para beber, mas uma solução injetável.

— Tenho medo de injeção — disse a ele, sentindo a agulha furar meu braço.

— Já terminei. Uma destas por semana deve ser suficiente por enquanto. Mas saiba que isso é apenas temporário, Megan. Em algum momento, nada vai impedir que você se transforme.

— Como assim? Vou virar um animal para sempre? Vou deixar de ser gente?

— É uma possibilidade. Você é a primeira humana de quem cuido e conheço pouco das reações e mutações que as misturas de sangue podem provocar. Diferente dos rovdyrs, cuja fisiologia reage sempre da mesma forma, os humanos são um enigma difícil...

Eu não queria demonstrar, mas estava apavorada. Mais que isso, estava à beira de uma crise nervosa. Acho que aquilo que chamam de estresse pós-traumático se aproximava de mim a galope e eu senti que poderia desabar a qualquer momento. Isso e mais o fato das más notícias não me darem trégua.

— Assim que Bill chegar quero conversar com os dois. Não podemos correr o risco de você cometer atos dos quais possa se arrepender pelo resto da vida.

Eu gelei.— Como está se sentindo?— Bem.

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— Ótimo. Como vai ficar aqui durante algum tempo, gostaria de vê-la todos os dias e acompanhar a evolução de seu caso.

— O senhor fala como se eu fosse um rato de laboratório. Ele não respondeu. Apenas me olhou com seu jeito indife-

rente e me disse para descer.Logo após o jantar, que minha mãe preparou e eu devorei

com um apetite assombroso, todos se recolheram. O dia tinha sido longo para todos, menos para mim, que dormira boa parte dele e estava sem sono. Alice havia ficado conosco, aproveitando que as aulas tinham sido suspensas pelo resto da semana. Pops a instalara em meu quarto, o que era ótimo, pois poderíamos passar a noite toda papeando.

— O que a Sarah queria? — ela perguntou de repente.Eu narrei nossa conversa e disse que, pela reação de

Sarah, as coisas não eram bem como Alice imaginava.— Pode até ser, Megan. Nem sei o que é pior, sabe?

Pensar que Sarah e Paul ficaram numa boa, pensar que ele a beijou contra a vontade ou se aproveitou dela de algum jeito.

— É, mas fiquei com a impressão de que a coisa está mais para o segundo caso do que para o primeiro.

— Como pude ser tão idiota e me apaixonar por aquele cretino? Não me conformo. Ele era sempre tão legal com todo mundo... Ah, desculpa. Estou sendo uma chata só falando disso.

— Nem... Pode falar quanto quiser. É bom pensar nos pro-blemas dos outros pra variar um pouco — disse, com uma sin-ceridade cristalina.

Ela riu.— Se pelo menos eu pudesse ver a Lua... Sempre me sinto

melhor quando a vejo — minha amiga comentou, olhando pela janela.

— Jura? Não sabia que você tinha disso. Lua cheia é coisa de bruxa!

— E de lobo também — ela comentou, pensativa. Alguma coisa em sua voz me fez encará-la com surpresa.

— É verdade. Eles sempre uivam em noite de Lua Cheia —respondi.

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— Não apenas nas noites de Lua. O uivo para os lobos é uma forma de comunicação, sabia? Serve também para marcar território. Noites de Lua Cheia são mais claras e facilitam a caçada, daí eles uivam para reunir a alcateia.

Olhei para ela, intrigada. Que espécie de conversa era aquela?

— Eu adoro lobos, Megan. Tenho uma identificação enor-me com eles. Sabe a sua Tess? Então, eu tenho um lobo cha-mado Silver...

— Meu Deus, a Tess! A Tess não existe mais! — senti um aperto no coração. Tess era minha paixão e eu tinha me esque-cido dela!

— Poxa, Megan, desculpa de novo. Só fico te lembrando de coisas tristes...

— Que nada. Em algum momento precisa cair a ficha que não tenho mais o que tinha antes.

Alice me abraçou em silêncio. Falar o quê? Como Simon havia dito uma vez, as coisas são como são. Quanto mais cedo aceitamos isso, menos sofremos.

— Meu pai vai ver a casa, ou o que sobrou dela, amanhã. Acho que vou junto. Preciso me convencer de que tudo acon-teceu de verdade.

— Entendo. Posso ir contigo?— Claro. Sempre é ótimo ter você por perto.— Já pensou que está hospedada na casa dos Red Kings?

Não é chique demais?— Sabe que nem me lembro disso? Sei lá, é tanta coisa

acontecendo ao mesmo tempo... chego até a esquecer que Bill é famoso. Agora eles estão em Los Angeles fazendo um show...

Como era fácil falar com Alice. Ela sempre entendia tudo.— Por que você nunca me falou que era apaixonada por

lobos? — perguntei.— Sei lá, a gente é amiga há tanto tempo, mas nunca

fomos tão próximas como agora. Sempre achei que se dava melhor com a Sarah.

— Quando eu era mais nova, sim, mas minha vida mudou tanto nos últimos meses...

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— Desde que Simon Blackwell surgiu.Olhei para ela com espanto. Por que eu sempre ficava com

a impressão de que Alice sabia mais do que aparentava?— Pois é — respondi.Por alguns momentos, a imagem de Simon dançou à mi-

nha frente, com seus olhos dourados e radiantes. Senti uma ponta de dor ao pensar nele. Por onde andaria? Será que ele sabia o que havia acontecido? Será que estava preocupado?

Como se pressentisse que eu estava para ter uma recaída e embarcar enlouquecidamente no 'Expresso Bill Simon', Bill ligou. Na hora Alice deu uma desculpa e saiu do quarto, me deixando à vontade para falar. Tivesse eu um pouco mais de lucidez teria notado que ela não era uma pessoa comum, mas na montanha russa que haviam se tornado meus dias eu mal conseguia perceber o que estava acontecendo comigo.

Conversei com meu amado por mais de uma hora. Sua voz aquecia meu coração e ouvi-lo aumentou tanto minha saudade que precisei me segurar para não pedir que voltasse imedia-tamente. Conhecendo-o como eu conhecia, era bem provável que ele largasse tudo e viesse para casa na mesma hora.

O primeiro dia de show havia sido um sucesso. Ele me falou sobre os outros músicos que se apresentaram e o quanto estavam conseguindo arrecadar para as vítimas da catástrofe. Eu disse que Alice estava comigo, assim como minha família, e isso o tranqüilizou.

— Estou levando alguns presentes — disse ele. — Pops me passou uma lista de coisas que preciso comprar. Coisas de mulher, claro. Ela ditou tudo por telefone. Seu pai e Fred já são um departamento mais fácil...

Eu ri.— Vocês são tão carinhosos com a gente. Pops tem se

desdobrado por aqui...— Ótimo. Foi um inferno estar tão longe sem saber o que

estava acontecendo...— Eu estou bem, está tudo bem.— Temos mais um show amanhã e então voltamos, se o

tempo ajudar.

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— Pops disse que a neve deve parar alguns dias.— Não sei, não. Esses ventos e nevascas não parecem na-

turais.— Como assim?Bill mudou de assunto e voltamos a ser apenas dois na-

morados cheios de saudade. Fiquei segurando o telefone por alguns minutos após desligar, imaginando como Bill reagiria quando soubesse de toda a verdade. Eu estava mentindo para ele, escondendo coisas importantes para poupá-lo de uma preocupação desnecessária. Será que ele entenderia isso?

Ela estava mentindo para mim, assim como Pops e Strideus. A voz de Megan semitonava ligeiramente quando faltava com a verdade. Ela não se dava conta disso e eu jamais lhe diria. Mas mentindo sobre o quê? O que estava acontecendo em Red Leaves que eu já não soubesse? Todos os telejornais haviam mostrado cenas da avalanche e logo dariam um jeito de citar a banda, já que estávamos refugiados ali para supostamente compor.

Um peso no coração me dizia que o perigo estava apenas começando, que aqueles ventos e nevascas infernais não eram apenas obra da natureza ou da falta de juízo dos homens. Havia algo mais ali. Era como se uma onda se aproximasse, uma força gélida e cruel que não pouparia ninguém quando se abatesse sobre nós.

Dividi as preocupações com meus amigos, mas ninguém fazia idéia do que poderia ser.

— Só pode ter relação com os vampiros — disse Tray, brincando com as baquetas de Matt, que o socou no braço por isso. — Nós sabíamos que eles estavam se preparando para atacar, mas nunca ouvi falar de vampiros que controlam o clima.

— Isso nunca vai ter fim. É uma maldição que vai nos acompanhar para sempre. Blackwells, vampiros, mortes e tragédias. Que espécie de vida é essa? — desabafou Josh, com voz cansada.

— É a única que temos. Não somos como os humanos que ficam indo e voltando na existência — emendou Matt, olhando

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para mim.— O que acha que está provocando isso tudo?— Não sei — respondi, com sinceridade. — E só uma

sensação, uma impressão. Sei que Pops não contou toda a verdade e nem Megan. Elas estão escondendo alguma coisa.

— Se for isso mesmo, não deve ser nada urgente ou Pops já teria dito. Ela pode ser muitas coisas, Bill, mas não é louca — respondeu Josh.

— Falou a voz do coração — disse Tray, caindo na gargalhada.

— Isso não tem graça.Josh levantou-se e saiu da sala. Para ele era difícil lidar

com a rejeição de Pops. Josh a amava desde que a vira pela primeira vez, séculos atrás, mas Pops tinha sua própria história de dor e perda para viver.

Megan estava certa. O amor era mesmo uma maldição entre nós.

— Mais dois dias — disse para mim mesmo. — Só mais dois dias...

— Megan está segura lá em casa, Bill. Toda a família dela está lá. Não há nada que possamos fazer no momento, por isso, melhor nos concentrarmos naquilo que está ao nosso alcance — disse Nick, batendo em minhas costas.

Eu o olhei sem responder, tentando me convencer de que ele estava com a razão. Em minha alma, entretanto, sentia como se todos os ventos do Ártico estivessem se preparando para descer sobre nós.

Bill

Capítulo 3

Bruxas, vampiros e revelações

A casa estava mergulhada no silêncio e a noite, apesar de 35

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gelada, estava calma. A meu lado, Alice dormia tranqüila ouvindo música New Age em seu i-Pod. Nós havíamos conversado até tarde sobre o Paul, Sarah, Bill e sobre o que faríamos da vida dali para frente. Por diversas vezes quase lhe contei toda a verdade, mas não consegui reunir coragem suficiente. Não porque não confiasse em sua discrição, mas porque seria assustador demais para qualquer pessoa. Era assustador demais para mim também, mas eu parecia ter um sistema de amortecimento emocional mais forte do que qualquer humano tido como normal.

Saí do quarto em silêncio, vagando pela casa sem saber direito o que fazer. Não gostava de estar ali sem Bill, tudo ficava vazio e perdia a vida. Ele era a presença que preenchia corredores e salas, fazendo com que um espaço enorme parecesse pequeno e aconchegante. Bill era um em um milhão, como dizia a música do Kiss. Um em um milhão e era todo meu.

Procurei me agarrar a esse pensamento de forma obsessiva para não afundar era uma crise histérica. Seja lá o que o futuro fosse me trazer, eu precisava manter meu controle, o que não era nada fácil. A idéia de que poderia deixar de ser humana fazia meu coração disparar, minhas pernas tremerem. A verdade? Eu estava aterrorizada! Acho que nem o fato de haver vampiros se preparando para atacar me apavorava tanto quanto a possibilidade de virar um animal qualquer. Em minha imaginação dramática, eu já me via fugindo pela mata, sozinha e infeliz, longe de tudo e todos que eu tanto amava. Se Bill era o rei do drama, eu era a rainha.

Parei no alto da escada e vi luzes no andar de baixo. Pops devia estar por lá, já que rovdyrs praticamente não dormem. Quando exaustos, eles fecham os olhos e ficam absolutamente imóveis por algo em torno de uma hora. Esse é o momento em que se tornam realmente vulneráveis, pois todos os seus sistemas entram em uma espécie de animação suspensa. Bill havia me contado isso quando estávamos em Nova York. Eu o vi nesse estado e fiquei muito assustada. Por fim, Bill acordou e me disse como as coisas funcionavam com eles. Mesmo descansando por tão pouco tempo, os rovdyrs eram capazes de

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passar dias acordados com todos os reflexos, instintos e capacidades intactos.

"Predadores perfeitos", Simon havia dito e com toda a ra-zão. Eles eram mesmo perfeitos. Em tudo, devo dizer.

Comecei a descer as escadas e ouvi Pops conversando com alguém cuja voz eu não conhecia. Até onde constava, além dela, apenas nós, Alice e o Dr. Strideus estávamos na casa. Silenciosamente, desci alguns degraus dando graças pelo ta-pete grosso que os revestia, tentando ouvir o que diziam. Mal havia descido dois degraus e a voz de Pops me chamou:

— Megan, sei que você está aí.Senti o rosto ferver. Que inferno o olfato e a audição dos

rovdyrs!Sem graça, e com o rosto vermelho, entrei na sala pronta

para me desculpar e tentar explicar que não estava bisbilhotando quando as palavras morreram era minha garganta. Parado próximo à lareira que ardia com um fogo vivo, havia um rapaz de no máximo 22 anos, cabelos claros e encaracolados, olhos azuis, alto e esguio. Ele me olhava fixamente. Mesmo à distância eu podia sentir sua aura hipnótica e perceber suas presas se pronunciando sobre os lábios inferiores.

Ele era um dos garotos mais lindos que já havia visto e nos últimos tempos homens lindos não eram mais novidade em minha vida. Havia algo nele que me fazia encará-lo sem conseguir desviar os olhos, fascinada.

— Venha aqui, Megan — chamou Pops, estendendo a mão em minha direção e me abraçando pelos ombros quando me aproximei, coisa que absolutamente não era de seu feitio.

— Este é Christian — disse, sem me soltar.Os lábios dele se abriram em um sorriso inebriante e suas

presas brilharam, refletindo as chamas da lareira. Senti o co-ração parar de bater e, se Pops não estivesse me segurando, juro que teria voado para ele. Minha voz não saía e eu não conseguia me mexer, apenas olhá-lo absolutamente fascinada de uma forma que eu não conseguia controlar.

Até conhecer Christian, apostaria minha vida que ninguém

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neste mundo tinha o mesmo magnetismo que Bill. Bem, eu estava enganada.

Seus olhos estavam fixos no ponto entre meu pescoço e meu ombro e eu sentia o sangue pulsando forte, como se mi-nha veia fosse saltar da pele. Pops não aliviava a pressão em meu braço, mantendo-me próxima a seu corpo com firmeza redobrada.

— Pare, Christian! — mandou.Ele suspirou profundamente e então se virou por alguns

segundos. Quando voltou a me olhar, minha pulsação havia diminuído, embora ainda pudesse sentir o sangue fervilhando.

— É um prazer conhecê-la, Megan — ele me cumprimentou, com voz suave a aveludada.

Pops deu uma boa olhada em mim, avaliando meu estado psicológico antes de afrouxar o braço. Afrouxar, apenas. Ela continuava ali, me segurando. Eu não sabia o que dizer. Sinceramente, estava tão surpresa que não encontrava palavras. O único vampiro que eu conhecera era feio, tinha olhos vermelhos e tentara me matar. Mas, Christian? Christian era um sonho! Ele tinha um rosto de anjo! Anjo da morte, mas anjo.

Por fim, percebi que estava fazendo um papel ridículo, como se isso fosse alguma novidade no meu caso, e forcei meu cérebro a funcionar.

— Igualmente — respondi, com voz sumida.— Você está bem, espero — disse, com simpatia, e eu

pude ver uma preocupação genuína em seus olhos. Olhos de vampiro, olhos de caçador, olhos mentirosos. Mas, naquele momento, expressavam sinceridade. Ao menos, achei que sim.

— Estou ótima — respondi. — Pops me contou o que aconteceu. Obrigada por salvar minha vida.

Ele abriu os braços, querendo dizer que não havia sido nada.

— Bill está me devolvendo à vida, o mínimo que eu podia fazer era tentar salvar a dele. Você sabe o quanto é importante para Bill.

Seus olhos brilharam, eu senti que ia sair flutuando e Pops

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voltou a apertar o braço.— Como está se sentindo? — perguntei, querendo ser

simpática.— Neste momento? Para ser absolutamente sincero, gosta-

ria de voar em seu pescoço. Como ainda não fiz isso, imagino que esteja melhorando. — Ele não estava rindo, mas havia sar-casmo em sua voz.

— Eu e Christian estávamos conversando sobre o que aconteceu, Megan, sobre os vampiros que a salvaram, tentando entender o que houve. Quero ter o máximo de informação possível antes dos rapazes voltarem. Você pode imaginar como eles irão reagir quando descobrirem que não falamos nada sobre o que aconteceu.

Ah, sim, eu podia imaginar. As pobres árvores congeladas iriam sofrer um bocado de danos.

— E descobriram alguma coisa? — perguntei.— Talvez — respondeu o vampiro com rosto de anjo. —

Não sei se sabe, mas eu vivi muitos anos afastado de tudo e de todos, ignorando parte das minhas habilidades mentais. Por isso, nunca me preocupei em contatar outros de minha espécie e acabei ficando longe das novidades, por assim dizer. Minha mãe e meu primo eram as únicas pessoas que me visitavam. O pouco que sei, captei nas últimas semanas. O sangue de Bill está fazendo milagres comigo.

"Comigo também", pensei, mas não disse nada.— Christian pressentiu que vampiros iriam à sua casa e in-

tuiu o local onde a deixariam — disse Pops. — Eles não queriam matá-la, isso é evidente. E você viu como Christian reagiu à sua presença minutos atrás. Imagine quatro deles juntos, adultos e fortes, diante de três humanos indefesos.

— Mas tem uma coisa que eu não entendo, Pops. Como eles podiam saber que você iria me encontrar?

— Vampiros sabem muito do que se passa conosco — res-pondeu Christian.

Eu o olhei, intrigada. Sabiam como? Que trama macabra era aquela? Me senti como uma peteca, jogada de um lado para outro sem ninguém para respeitar o que ela pensa. Tá, peteca

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não pensa, mas acho que deu para entender o raciocínio.— Tem mais uma coisa, Megan... Esse frio opressivo, as

nevascas e ventos que estão congelando todo o hemisfério norte não são um fenômeno natural.

Lembrei que Bill havia dito a mesma coisa.— A TV vive dizendo que a culpa é do aquecimento global.— A TV não sabe de nada, Megan. Alguma coisa está vindo

para Red Leaves. Algo que não consigo ver, por mais que tente — disse ele, irritado. — Tudo que consigo vislumbrar é neve e vento frio, muito frio.

— O que está vindo para Red Leaves? — perguntou Alice surgindo às nossas costas. Ela havia se aproximado e ninguém tinha percebido? Como era possível se eu não emitira nenhum som e, no segundo degrau, Pops já tinha me mandado descer? Será que o radar deles só funcionava comigo?

O que aconteceu a seguir foi um amontoado de situações. Pops encarou Christian, que encarou Alice, que o encarou de volta e depois se virou para mim. Pops me soltou e voou em di-reção a Christian, que escapou de seu golpe com uma agilidade de milésimos de segundo. Apavorada, me virei para Alice e, se eu sofresse do coração, teria morrido naquele instante: Chris-tian estava sobre ela, as presas a milímetros de sua jugular.

Eu gritei, Pops saltou e então, deixando todos atônitos, in-clusive Christian, Alice ordenou:

— PARA! EU NÃO GOSTO QUE ME MORDAM!Ele recuou. Os olhos azuis arregalados de surpresa se

dirigiram a mim e depois a Pops.— Por isso detesto vampiros — disse Alice, irritada.Fiquei sem reação. Totalmente. Os pensamentos se

amontoavam em minha cabeça de tal forma que nenhum deles era coerente. Pops aproveitou que Christian estava paralisado de espanto e o dominou com facilidade.

— Quem é você? — perguntou ele, o primeiro a recuperar a voz.

— Alice Thompson, alguém que não gosta de caninos gi-gantes perto do pescoço. E você?

— Christian Blackwell.

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Os olhos de Christian se concentraram nela de um modo que não deixava dúvidas: ele estava fascinado.

— Parente de Simon? — ela franziu as sobrancelhas ao perguntar.

— Você... conhece meu primo?— Ele estudou comigo... conosco, durante um tempo.Eu e Pops trocamos olhares perplexos. Aquilo não parecia

real. Um vampiro tinha sido intimidado por minha amiga? E como ela sabia sobre a existência deles?

— COMO? — a palavra pulou da minha boca.Alice virou-se para mim, muito séria, entendendo exata-

mente o que eu estava perguntando e então deu de ombros, como se aquilo não fosse nada de mais:

— Coisa de família — respondeu.A idéia de que o mundo estava virado do avesso e de que

a ordem do universo estava para sempre alterada berrou em minha mente. Aquilo não era possível. Não era! Eu conhecia Alice desde que éramos criancinhas! Escorreguei para o sofá, as pernas tremendo e o coração pronto a saltar pela boca. A reação ao susto finalmente chegara. Pops apertou Christian com braços de ferro, mas ele pediu a ela que o soltasse.

— Estou bem agora — garantiu.— Eu mato você, Christian! Juro que mato! — disse ela,

ameaçadora.— Ele não vai atacar ninguém — respondeu Alice, olhando

diretamente nos olhos do anjo vampiro, com uma firmeza impressionante. — Pode soltá-lo.

Pops, mais pela surpresa do que havia acontecido do que por confiar em Christian, deixou-o livre. Depois, virou-se para Alice com ar resoluto e ordenou:

— Desembuche, menina. Quem é você?Alice olhou para mim, séria, ignorando a pergunta:— Desculpe, Megan. Não fica brava comigo por eu nunca

ter dito nada. Minha mãe falou que eu saberia o momento certo...

— Sua... mãe?!— Sim. Ela deixou uma espécie de diário antes de morrer.

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Sabendo que não estaria viva pra me criar, explicou tudo nele.— Do que está falando, menina? — perguntou Pops,

metendo-se na conversa.— Minha mãe morreu quando eu era bebê. E deixou um

diário para mim, falando sobre a natureza das mulheres de minha família. Nós não somos iguais a todo mundo.

— Isso nem precisava dizer — comentou Christian, que ainda a olhava fascinado. — Vá logo para a parte que interessa. Estou morrendo aqui!

— Não seja ridículo, você já está morto — disse Alice, irritada. — Eu pertenço a uma longa linhagem de heks. Muito mais antiga do que o nome que as pessoas nos deram — disse ela me olhando. — Todas nós casamos e temos apenas uma filha mulher, que recebe essa 'coisa' que eu não sei direito o que é.

— Uma heks? — perguntou Pops, sem conseguir se conter. — Você? Não acredito.

— Uma heks! — ecoou Christian, ainda mais fascinado. —Nunca pensei que vocês existissem de verdade.

— É mesmo muito engraçado um vampiro dizer que nunca pensou que as heks existissem — retrucou ela. — Estou morrendo de rir.

Olhei para eles esperando que alguém me explicasse o que era uma heks.

— Bruxa — respondeu Alice, com simpatia. — Heks é um termo usado no norte da Europa.

— Dinamarquês — explicou Christian.— Minha mãe me avisou de muitas coisas. Ela disse que

haveria uma guerra de sangue em Red Leaves e que eu tinha de me preparar pra isso. Desde os sete anos, quando meu pai me entregou o diário, venho fazendo coisas e me fortalecendo pra algo que nem sei o que é.

— Uma heks... — repetiu Christian, abobado. — E ela acha que pode me dar orderns!

— Minha mãe me ensinou como lidar com a influência de vampiros.

— Por isso você sempre foi tão silenciosa e discreta! —

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finalmente minha ficha caíra.— Também, mas um pouco é o meu jeito mesmo. Quando

a gente tem a própria vida pra cuidar, não tem tempo de cuidar da dos outros. Acho que você entende bem o que eu estou dizendo, não é?

Com certeza, eu entendia, sim.— Agora, será que alguém podia me responder o que está

vindo pra Red Leaves?— Mas você estava sofrendo por causa do Paul. Estava

frágil, vulnerável. Como pode? — perguntei, desviando o assunto.

— Megan, lembra que eu só tenho 17 anos.— Quem é Paul? — perguntou Christian, olhando para

Pops.— Um humano feioso que ela namora.— Ele não é feio! — protestou Alice.— Quando foi que esta casa virou uma comunidade de

adolescentes humanas? — desabafou Pops. — Vamos voltar ao assunto. Não sabemos o que está vindo para Red Leaves, apenas sabemos que algo avança em nossa direção.

Christian, então, contou sobre suas capacidades e visões, coisa que Alice ouviu atentamente. Eu não conseguia olhar para ela sem parecer estranha. Tudo era estranho, eu era estranha e nossa cidade era um absurdo! Acho que a música People Are Strange havia sido composta para nós.

— E os vampiros? — perguntou Alice. — Sei que há vampiros aqui e não estou falando de você — ela disse, olhando para Christian. — Estou falando dos outros.

Naquele momento não vi mal algum em dizer tudo de uma vez. Eu não queria desabafar com alguém? Minha chance havia chegado. Em poucas palavras, expliquei a ela o que havia acontecido na noite da avalanche, mas parei aí. Teríamos tempo para trocar confidencias mais tarde. Não me sentia à vontade na frente de Pops.

— Isso é extraordinário, sabe? Vampiros não salvam huma-nos, eles sugam humanos. Nós somos o cardápio deles. Tem certeza de que foram vampiros? — perguntou.

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— Absoluta — respondeu Christian. — Conheço minha gente.

— Neste caso imagino que você e sua família sejam muito importantes para eles, Megan. Não há outra explicação, concorda?

— Família é importante para o meu povo, não para o dele — retrucou Pops. — Vampiros não ligam para família porque não têm família. Claro que você é exceção — emendou ela, dirigindo-se a Christian —, mas isso porque sua família é de outra espécie.

Por alguma razão, essa frase ficou ecoando em minha ca-beça. A tal coisa que eu deveria lembrar, mas não lembrava, sobre a noite da avalanche voltou a me incomodar.

— Vou pesquisar sobre isso — disse minha amiga, pensativa.

— Sobre vampiros e tudo mais.— No diário da mamãe? — perguntou Christian.Eu estava entendendo errado ou ele a provocava de pro-

pósito?— Vá pro inferno! — disse ela.Se eu tivesse que destacar uma noite estranha entre todas

as que eu já havia vivido até ali, com certeza aquela ganharia o troféu. Nada, absolutamente nada, fazia sentido.

— Acho que vou seguir seu conselho, heks, e voltar aos meus aposentos. Está na hora do meu remédio — disse Chris-tian, despedindo-se com mesura exagerada.

Ele e Pops saíram da sala e nos deixaram a sós.— Que remédio? — perguntou Alice.— É uma longa história...— Era sobre isso que você queria falar, não era?— Também... Não consigo acreditar que você é uma

bruxa!— Desculpa não ter contado, Megan, mas era segredo.— Você tem poderes e tudo mais? — perguntei— Como o Harry Potter? Não — ela riu. — Na verdade, a

imagem que todo mundo tem de bruxa é mais superstição do que qualquer outra coisa. Isso de vassouras voadoras, etc, é

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puro folclore. Ser bruxa é algo interno, uma capacidade de fa-zer coisas que a maioria não consegue. O conhecimento sobre as artes mágicas é muito antigo.

De repente, entre lágrimas e soluços, a represa de senti-mentos que havia em minha alma abriu as comportas e eu despejei sobre Alice tudo o que estava contido dentro de mim. Naquele momento, ela se tornou apenas minha melhor amiga outra vez, alguém em quem eu podia confiar, com quem podia desabafar meus medos e apreensões.

— Ficamos muito maduras de repente, não acha? — perguntou ela, abraçada a mim enquanto o dia clareava devagar.

Eu ri:— Maduras demais — respondi, entre soluços. — Quem po-

deria imaginar que você é uma heks!— E você um bicho!— E vampiros existem!— E você namora um rovdyr! Nunca tinha ouvido falar ne-

les. Pelo menos, vampiros e bruxas são mais conhecidos — ela brincou. — Imagine a cara da Sarah se soubesse de tudo isso!

— Não vejo a hora de Bill estar volta. Estou com tanta saudade... — confessei, sentindo um cansaço indescritível. Deitei na cama e Alice apagou a luz.

O sono não demorou a chegar. Adormeci pensando que minha melhor amiga era uma bruxa. Pelo menos, eu não era a única adolescente esquisita no mundo.

Capítulo 4

O Amor e o ódio

Simon deixou Red Leaves no exato momento em que nos despedimos e partiu rumo ao norte. Seu plano, eu soube muito depois, era desaparecer. Tudo o que houve entre nós, por

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menor que fosse, era uma tortura constante em sua alma. Eu havia colocado a marca da maldição em mais um rovdyr, para quem o amor era sinônimo de danação eterna.

Sem nada que o ligasse a lugar algum, sua família opondo-se ferozmente ao fato de que ele e Lizandra haviam se aproxi-mado de Bill Stone e seu bando — como eles chamavam a ban-da — e com Christian em segurança recebendo o tratamento de que precisava, Simon desapareceu.

Por quais caminhos seguiu, quais pensamentos cruzaram sua mente ou que dores queimaram seu coração, eu jamais soube. Ninguém jamais soube. Porém, mais uma vez o destino quis que ele estivesse no lugar certo, na hora certa, ainda que isso lhe custasse a vida.

Não sei exatamente como as coisas aconteceram e o que narro aqui é a junção de trechos contados por pessoas diferen-tes, em ocasiões diferentes. Porém, ainda que não corresponda a toda a verdade, é algo bem próximo dela.

No começo de dezembro, quando Simon partiu, o inverno ainda não havia atingido os extremos que atingiu meses depois e ele avançou pelas matas canadenses com relativa facilidade. Caçador hábil e bem treinado, não foi difícil encontrar alimento pelo caminho, ainda que a presença de animais de grande porte estivesse diminuindo a cada dia. O silêncio da jornada e o fato de estar em completa solidão eram como bálsamo para sua alma e o devolviam à sua verdadeira natureza de predador. Treinado durante décadas, esse tipo de vida levava seus instintos naturais a uma perfeição quase completa.

Durante semanas, ele vagou pelas florestas geladas, evi-tando qualquer contado com humanos. Então, de uma maneira totalmente imprevista, Simon se viu preso em meio a uma tempestade de neve absurdamente forte. Mesmo ele, um rovdyr acostumado às agruras do clima, pensou que não fosse sobreviver.

Assim como veio, a tempestade se foi, deixando em seu rastro ventos fortes e gelados. Dois dias depois, a nevasca se repetiu, ainda mais extrema. Simon então rumou para uma cidadezinha muitos quilômetros ao sul, em busca de notícias.

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Rovdyrs, assim como todos os animais caçadores do planeta, pressentem tempestades, furacões e maremotos, mas ele não havia pressentido nada! Era inverno, ele estava no norte, era natural esperar que houvesse frio, neve, ventos e tempestades, mas não de tal porte.

Pela TV do bar onde entrou, ele soube que em todo o hemisfério norte o inverno estava sendo mais severo que de costume, mas não havia qualquer notícia daquilo que havia presenciado, indicando que, fosse qual fosse a razão, seus efei-tos ainda não tinham atingido a população humana.

Decidido a continuar sua jornada de solidão, retornou às florestas congeladas e continuou subindo em direção ao Pólo. Outras tempestades vieram e a todas ele sobreviveu, mas sabia que não duraria muito se não conseguisse alimento decente, o que ficava mais raro a cada dia. E ele precisava descansar. Suas forças se esgotavam rapidamente devido aos esforços para sobreviver às tormentas. Simon, entretanto, não queria dormir. Por alguma razão, seus instintos diziam para não baixar a guarda e continuar alerta, embora ele estivesse no meio do nada. Sentia o perigo em cada célula do corpo e isso começava a desnorteá-lo. Uma coisa é saber o que temer e do que se defender, outra é enfrentar algo totalmente desconhecido.

Conforme avançava, o peso da tristeza em seu coração ce-dia espaço aos instintos de sobrevivência que, de uma maneira invertida e inesperada, levavam alívio à dor que sentia. No mês de janeiro, Simon finalmente sucumbiu ao cansaço. Em meio à imensidão de neve e frio, encontrou uma caverna e nela se abrigou, reduzindo lentamente o metabolismo de seu corpo para hibernar e, com isso, poupar energia. Foi quando seus ouvidos captaram algo.

Simon concentrou-se totalmente em seu senso auditivo. Em meio às rochas onde estava, ele podia ver sem ser visto e sua natureza o protegia de ser rastreado por qualquer criatura viva, inclusive rovdyrs. Por quanto tempo teria forças para se manter alerta ele não sabia, mas sua cabeça gritava para que não dormisse. Lentamente, em meio ao barulho do vento, ouviu vozes abafadas que falavam em idioma desconhecido. Elas

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foram se aproximando, até se deterem na entrada da caverna. Encolhido em seu esconderijo, ele os viu entrar. Eram enormes e eram muitos, de cabelos longos e quase brancos, olhos cinza esbranquiçados, corpos rijos e porte assustador.

Quem eram, Simon não fazia idéia, mas a julgar pela falta de odor ou de campos detectáveis, deviam pertencer a alguma espécie desconhecida de rovdyrs. Vampiros deixavam rastro por onde passavam e apenas eles ou rovdyrs sobreviveriam à imensidão gelada. O grupo se reuniu a alguns metros de seu esconderijo e um deles se destacou dentre os demais. Era ex-tremamente alto e forte, um gigante branco e assustador, com presas imensas que não fazia qualquer questão de ocultar. A criatura gritou alguma coisa para os demais, que urraram em resposta, provocando ecos ensurdecedores dentro da caverna. Depois, como se estivessem reorganizando uma estratégia mi-litar, começaram a conversar, usando pequenas pedras para marcar locais e rotas de ataque.

Simon não ousava se mover, seus sentidos estavam aguçados ao máximo. Horas se passaram antes que o grupo se ajeitasse para descansar. Exatamente como o jovem Blackwell, eles estavam ali em busca de refugio. Conforme iam adormecendo, Simon foi tendo a certeza de que eram mesmo rovdyrs. Apenas rovdyrs conseguiam se desligar daquela forma.

Quando todos pareceram totalmente adormecidos, Simon saiu lentamente de seu esconderijo, silencioso como um felino. Esgueirando-se pelas rochas e tentando passar o mais longe possível do bando, chegou até a entrada da caverna e avançou rumo à liberdade. As criaturas continuavam profundamente adormecidas. Durante alguns segundos, estudou a marcação feita no chão com pedras e blocos de neve, memorizando o traçado das linhas, a posição das rochas, e então partiu a toda velocidade.

O terreno à sua frente era plano e aberto, completamente branco, deixando-o vulnerável a um ataque. Não haveria, pelos próximos quilômetros, qualquer abrigo e, cedo ou tarde, os estranhos rovdyrs acordariam para retomar sua marcha. Enquanto zunia pela imensidão gelada, Simon revia men-

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talmente o desenho no chão, tentando entendê-lo. Talvez as criaturas estivessem apenas em migração, mas seus instintos de guerra lhe diziam que não era só isso. Eles exalavam o odor da morte.

De repente, seu cérebro decifrou as marcações. Ele co-nhecia aquela maneira de mapear terrenos. Embora fosse um sistema muito antigo e pouco usado nos dias atuais, era in-confundível. Os estranhos rovdyrs deviam estar longe de tudo e de todos há milênios e, a menos que Simon estivesse muito enganado, algo gravíssimo havia acontecido para fazê-los abandonar seu refugio ártico.

Tomado de uma fúria incontrolável pelo que teria de fazer, ele gritou em direção ao céu carregado:

— Por que sou sempre levado de volta para ela? POR QUÊ?!?

Não havia alternativa. Ele precisava voltar e transmitir aos outros o que tinha descoberto. Mas voltar significaria vê-la nos braços de Bill! Fraco e cansado, Simon partiu na direção de Red Leaves, ciente de sua vantagem em relação ao bando ártico e também de quanto o tempo, algo insignificante para os rovdyrs, acabara de se tornar crucial.

Quando Destiny me disse quem havia chegado para falar comigo, achei que tinha ouvido mal. Mas então ela repetiu o nome e eu a olhei, perplexo. Não era possível! Como havia nos descoberto ali? Ela era inimiga, sempre fora e sempre seria. Eu não era Bill Stone, não forjava a vida à minha conveniência.

— Ela está só? —perguntei.— Sim. A sua espera no bar. Em algum momento, o ódio

precisa morrer, Hans!O ódio só morreria quando o amor também morresse. Ela

sabia disso tão bem quanto eu.Tive vontade de me esbofetear ao ver o olhar de Destiny.

Tanto tempo e eu ainda afazia sofrer, tanto tempo e eu ainda sofria!

— Você me acompanha? — perguntei, sentindo-me o último dos homens.

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Destiny não respondeu, mas também não precisava. Ela sempre me acompanhava, sempre estava comigo em tudo e para tudo, pouco importando quão louca minha idéia parecesse. Subimos as escadas, seguimos pelos corredores e entramos no bar em silêncio. Sentada em uma das mesas, observando as imagens nas paredes, Lizandra Blackwell nos esperava impassível. Vê-la fez surgir em mim uma onda de morte. Cada fibra em meu corpo desejava destroçá-la. Minhas presas desceram com ferocidade e um rosnado surdo formou-se em minha garganta. Não fosse Destiny, eu poderia ter colocado tudo a perder. Sua mão segurava meu braço com gentileza, mas, a qualquer sinal de perigo, se tornaria um torniquete de aço.

Lizandra me olhou com um sorriso tênue. Havia escárnio em seu rosto ou meu ódio me fazia ver coisas? Mantive as presas à mostra como um sinal do que sua presença significava para mim, mas ela não se intimidou. Nada era capaz de intimidar aquela mulher.

— Bonito lugar — comentou ela, referindo-se ao bar. — Só que um tanto morto, não acham?

Não respondi.— O que quer conosco? — perguntou Destiny, sem soltar

meu braço.— Quero falar com... Como é mesmo seu nome?— Hanzi Maré — respondi, controlando a vontade de voar

sobre ela.— Pois que seja, se assim você prefere. Não deixa de ser

um nome interessante. Bill Stone sabe que está aqui? Ah, não. Como sou tola... é claro que ele não sabe de nada!

O olhar de Destiny adquiriu um brilho perigoso.— O que quer comigo, Lizandra?— Ajuda. Conhece alguma das incontáveis histórias que

falam sobre adversários se unirem para combater um inimigo comum? Creio que estamos numa situação parecida. Eu tenho um sobrinho, Simon, não sei seja ouviu falar dele...

— Sim, eu o conheci. Ele tentou salvar Megan das garras de Axs. Mais um apaixonado por ela. Mais uma vítima da maldi-

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ção dos rovdyrs.— Simon viajou para longe, para o Ártico. Sabe como são

os rovdyrs quando procuram esquecer alguém... A solidão e a caça aliviam nossa alma e ele bem que estava precisando. Bill Stone nunca é páreo para ninguém. Eu acho que são os olhos, e você? Mulheres tendem a se derreter diante de um belo par de olhos azuis e os de Bill, bem, são especiais, não é mesmo? Mas você sabe disso melhor do que ninguém...

Eu rosnei e a mão de Destiny tornou-se mais firme.— Enfim, Simon foi para o norte esquecer suas dores de

amor e acabou encontrando criaturas que ele acredita serem rovdyrs. Tudo indica que o destino final do bando é Red Leaves.

— Como assim ele 'acha' que são rovdyrs?— Simon nunca viu ninguém como eles. Enormes, falam

em idioma desconhecido e usam mapeamento ancestral em suas estratégias...

Destiny se virou para mim e eu entendi seu olhar. Lizandra acabara de explicar o significado de suas visões.

— Simon diz que eles estão em campanha, não em migração. Seu objetivo parece ser a guerra, Hanzi Maré! Guerra!

— Por que veio a mim, Lizandra? Soube que você e Bill Stone são amigos agora, e que Christian está com ele recebendo seu precioso sangue.

— Não consigo imaginar outra razão para essa tribo se deslocar pelo Ártico rumo a um lugar tão distante a não ser caçar vampiros. Vampiros como todos os de sua raça.

— Você teme pelo seu filho — disse Destiny, de repente. — Por isso está aqui. Acha que Bill não terá forças para protegê-lo ou então, se tiver de escolher entre sacrificar Christian ou um dos seus, não pensará duas vezes.

— Você é inteligente — disse Lizandra, com sarcasmo. — Nunca encontrei uma vampira com tamanha clareza de visão.

— O que mais disse Simon? —perguntei.— Apenas isso. Ele está quase sem forças, faminto e

cansado. Enviei alguns dos nossos para ir a seu encontro e trazê-lo em segurança.

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— Meu coração está em prantos por ele — comentei, cheio de ódio.

— Você não entende? Não podemos esperar Simon chegar para começar a agir. Precisamos estar preparados!

— Nós? — perguntei. — Chega a ser cômico!Ela me olhou com cuidado, pegou a bolsa sobre a mesa e

preparou-se para sair.— Cometi um erro vindo aqui. Achei que, depois de tudo, o

passado estivesse morto, mas veio que me enganei. Você continua o mesmo. Ainda está apaixonado por ela.

Então, virando-se para Destiny, completou antes de sair:— Lamento por você.A porta se fechou e o tempo parou à minha volta. A

verdade que eu tanto lutara para negar, aquilo que eu fizera de tudo para esquecer, continuava ali, pulsando com vida: sim, eu ainda estava apaixonado por ela! Destiny me olhou e, se fosse dado aos vampiros a bênção das lágrimas, com certeza elas estariam escorrendo por seu rosto. Ao invés disso, seus olhos se turvaram de sangue.

— Isso nunca terá fim — disse, com voz sofrida e então, reassumindo a costumeira postura altiva, completou: — Mas há coisas mais importantes neste momento. Lizandra não mentiu. É bom você começar a trabalhar com a possibilidade de seu encontro com Bill acontecer mais cedo do que o esperado e por razões bem diferentes.

Sem dizer mais nada, ela saiu, deixando-me sozinho com meus medos, fantasmas e arrependimentos. Destiny merecia que eu a amasse, que lhe desse o melhor de mim, mas era impossível arrancar do coração as amarras que me prendiam ao passado. Eu ainda amava desesperadamente a mulher que há 500 anos fora arrancada de mim.

Hans

Na casa de Bill, sem qualquer noção do perigo que se aproximava, acordei muitas horas depois que meus pais haviam partido para ver as condições da nossa ex-casa, ouvindo a voz de Lady Gagá ressonando pelas paredes. Pops! Por menos

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sentido que fizesse — e na verdade não fazia nenhum — comecei a pensar nos cabelos loiros da cantora, que surgiram era minha mente muito mais longos do que eram na realidade. E mais escuros também: um loiro dourado, com fios grossos e volumosos.

Eu não sabia bem se estava sonhando ou imaginando aquilo, mas em determinado momento vi os cabelos dela se erguerem, dividirem e formarem uma trança grossa, que caiu pesadamente sobre seus ombros. Ela ficou muito estranha com aquilo. Fascinada, olhei para a trança tentando lembrar onde eu a vira antes.

De repente, sentei-me na cama, totalmente acordada, como se tivesse levado um choque. A trança! Era isso que eu precisava lembrar e não conseguia! O vampiro que me dominara era loiro e usava uma trança! A mesma trança do homem de meus sonhos e visões, a mesma voz, o mesmo porte! Eu jamais poderia imaginar que andava vendo um vampiro. Mas um vampiro que se assemelhava a um rovdyr, cuja voz era quase idêntica a de Bill? Impossível. Algo estava muito errado naquela história, como se o fato de haver vampiros no mundo já não fosse errado o bastante.

Durante muito tempo, fiquei ali, sentada, esquadrinhando as memórias, tentando lembrar todas as visões e sonhos que tive com aquele homem, até recordar a vez em que eu o vira com o dedo nos lábios, me pedindo silêncio. Pedido que acatei na íntegra apenas porque, para mim, aquilo tudo era maluquice da minha cabeça, delírios por conta da insônia. Só que agora meus delírios haviam se materializado de uma forma assustadoramente perigosa e real...

— Até que enfim! — exclamou Alice, entrando no quarto e me arrancando de meus pensamentos. — Achei que só ia acor-dar quando Bill voltasse!

— Meus pais já saíram, né?— Faz tempo. E eu não agüento mais ouvir Lady Gagá.

Pops não muda de música. Acho que ela não gosta muito de mim.

— Alice, você se lembra de quando eu andava com

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insônia?— Claro, por quê?— Então, aconteceram algumas coisas naquele período

que não contei pra ninguém...— Que coisas? — Alice sentou-se na cama e me encarou

com ar desconfiado. Contei tudo para minha amiga. Começando pelo episódio nos corredores do colégio até a trança loira, da qual não me lembrava mais.

— Nossa! — exclamou Alice. — Um vampiro que chama você de "meu amor" e salva sua vida?

— Pensei que fosse a voz do Bill. Cheguei a dizer isso pra ele.

— E?— Ele disse que não sabia que sua voz tinha falado na mi-

nha cabeça.— Lógico que não sabia. Não era ele.— Que confusão eu fiz. Mas as vozes são muito parecidas!

E depois, tenho mesmo uma conexão mental com Bill. Já te falei sobre isso ontem.

— Pelo jeito, você tem conexão mental com várias pessoas, Meg. Não foi assim que Christian te achou? E agora, o vampiro loiro...

— O que acontece comigo?— Não faço idéia.— Você é bruxa e não sabe essas coisas?— Ser bruxa não significa ser adivinha. Deixa eu aproveitar

e perguntar uma coisa: que fim levou o tal de Joseph?— Quem?— Não era esse o nome daquele cara que casou com a

Rosie, que os parentes do Simon mataram?— Era Joseph, sim, mas não sei o que aconteceu com ele.

Por quê?— Sei lá, me lembrei disso agora. Ele e Bill eram táo ami-

gos, fizeram até uma guerra juntos por conta do que tinha acontecido e daí, sem mais nem menos, o sujeito some. Não é esquisito?

— O autor esqueceu um personagem pelo caminho...

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— Você também acha que nada disso é real, não é? Que em algum momento vai acordar e voltar pra sua vida comum... Eu me sinto assim todos os dias desde que era criança, só que ainda não acordei. Aí fico me convencendo de que é tudo verdade.

— Mas não parece ser.— O que não parece ser? — perguntou meu pai, entrando

no quarto, seguido por mamãe.— A avalanche — respondeu Alice.— Infelizmente, é tudo verdade. Não sobrou nada de nossa

casa nem da dos nossos vizinhos.— O que houve com seus olhos? — perguntou minha mãe.— Nada — respondi olhando para Alice. — Por quê?— Eles não estão mais com o brilho intenso de antes.Eu sorri. A injeção do Dr. Strideus estava fazendo efeito,

graças a Deus!— Quem dá a boa notícia, Frank... eu ou você?— Que boa notícia? — perguntei.— Achamos uma casa para alugar, Megan. Podemos ficar

nela até que a nossa seja reconstruída!— Como? Onde?— Os pais de Mike têm uma casa pequena, que está vaga

há alguns meses. Quando levamos Fred para lá eles nos ofereceram por um preço minúsculo. Claro que aceitamos na hora!

— Que boa notícia, Megan! — Alice me lançou um olhar que negava o que suas palavras diziam.

— Nossa! — exclamei forçando uma empolgação. Seria aquele o melhor momento para sairmos da casa de Bill, com vampiros nos rondando e tudo mais?

— Se o clima continuar como está, em uma semana estaremos instalados. E a casa fica bem mais perto da escola que a nossa antiga.

Eu sorri. O que mais podia fazer?— Vou preparar alguma coisa para comer — disse minha

mãe. — Pops é muito gentil, mas cozinha não é com ela. Ainda se fosse o Tray...

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— Sua mãe não para de falar nele. Tray isso, Tray aquilo... Ainda bem que ele é muito mais novo ou eu estaria desconfiado — papai disse, piscando para mim.

— Ele cozinha bem, só isso — defendeu-se mamãe. Assim que eles saíram, Alice perguntou:— Tray cozinha?— Como um deus.— Mas pra quê? Eles nem comem!Não respondi. Tray e suas panelas eram a última de

minhas preocupações naquele momento.

Acabamos nossa apresentação mais cedo e Nick encontrou um piloto com coragem suficiente para nos levar a Red Leaves. O clima, apesar de frio, havia amainado. Aquilo que provocava as tempestades parecia mais calmo ou, como era meu receio, havia feito uma pausa para retornar com força redobrada. Pouco importava. Eu precisava ver Megan, abraçá-la, tê-la comigo. Não agüentaria esperar até o dia seguinte.

Se ao menos ela tivesse idéia de quanto eu a amava, do que seria capaz de fazer por ela... Mas Megan era apenas uma menina. Jamais poderia entender. Pouco me importava se parecia louco, desesperado ou obcecado. Eu a queria para mim e a teria. Arrumaria uma maneira de contornar as enormes diferenças que nos separavam. Isso havia se tornado meu único objetivo desde que ficamos juntos em Nova York. Eu não viveria nem mais um minuto sem aquela mulher.

Tudo isso passava por minha cabeça ao mesmo tempo em que a dúvida me corroía: por que Megan estava mentindo para mim? O que ela estaria escondendo? E por que nossa ligação telepática teria se desfeito?

No vôo para casa, meus instintos estavam em alerta. E não apenas os meus, mas os de todos nós. Josh me olhou com uma pergunta nos olhos, mas eu não tinha respostas para dar. Havia uma sensação intensa de perigo no ar, a mesma que antecedia nossas batalhas no passado, mas desta vez não sabíamos o que teríamos de enfrentar.

— Vamos precisar de uma parada para reabastecer —

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informou Matt.— Quanto tempo?— Pouco. Só não entendo por que tenho a sensação de um

ataque iminente.— Também sinto isso. Talvez sejam vampiros...— Vampiros? Seria necessário uma legião deles para nos

deixar assim — retrucou Nick.— Talvez sejam rovdyrs... ou os Blackwell— comentou

Josh.— Não acredito que os Blackwell se voltassem contra nós.

Estamos todos do mesmo lado, agora que os vampiros estão se achando organizados para nos atacar — argumentou Tray.

Eu apenas ouvia, imaginando se nunca teríamos paz, se o passado jamais deixaria de nos perseguir. Por piores que tivessem sido nossos pecados, já havíamos pagado por eles tantas vezes. E eu não iria perder Megan. Não outra vez. Minha doce Megan... a única capaz de aquietar a fera em minha alma.

Se o amor era uma maldição, que eu fosse amaldiçoado. Pouco me importava. Ela era minha. Só minha. Ninguém a levaria de mim, custasse o que custasse.

Bill

Capítulo 5

Destiny

— Vou ligar para Sarah — anunciou Alice com calma logo — após o jantar.

—Tem certeza? — perguntei, cheia de dúvidas.— Já me acalmei — declarou, como se aquilo explicasse

tudo.Alice era mesmo uma criatura especial. Havia nela uma

sabedoria que ia muito além da idade. Talvez por ser uma heks, talvez porque fosse assim naturalmente. Como algumas coisas nunca mudam, pouco importava se estávamos em um período extraordinário: arrumamos a cozinha depois do jantar, fizemos

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hora na sala com meus pais e Pops, jogadas no sofá diante da TV, e depois subimos para o quarto.

Alice cumpriu a promessa e ligou para Sarah. Embora não tenha ouvido toda a conversa, deu para perceber que o tal beijo havia sido um episódio isolado dentro de um contexto muito diferente daquele que havíamos imaginado. Paul não havia pro-curado Sarah, mas o contrário. O motivo? Greg. Sarah estava preocupada com o comportamento do irmão, principalmente em relação à Sandra, e queria pedir a Paul que lhe desse alguns conselhos. Explicou que estava frágil, que havia chorado, e Paul começou a confortá-la. Uma coisa levou à outra e ele se apro-veitou do momento para beijá-la. Ao menos foi o que ela disse.

O resto da conversa eu não ouvi porque bem naquele mo-mento alguém bateu à porta do quarto e, quando eu abri, meu mundo se transformou em luz, sol, estrelas.

Parado à minha frente, com seus olhos de estrelas que me faziam perder o pouco juízo que tinha, estava o homem que dominou minha vida.

— Bill! — exclamei voando em seus braços.As ondas de atração que antes da injeção do Dr. Strideus

começavam a ficar mais controladas me atingiram como faziam logo que nos conhecemos. O mundo girou e sumiu. Eu sumi, voei, flutuei. Minha respiração se foi, meu coração parou e eu só queria ficar ali, morta para o mundo, viva em seus braços.

— O que foi?Lentamente, a respiração voltou e eu abri os olhos. Ele

sorriu seu sorriso mais lindo, os olhos cintilando daquele jeito que eu conhecia bem.

— Recaída? — perguntou, referindo-se à minha reação.— Já estou melhor — respondi, abraçando-o outra vez.— Não quero ferir você.— Senti tanta saudade, Bill! Demais!— Eu também!Eu flutuava nas estrelas, via as galáxias girando em minha

volta. Ele me beijou com carinho. Um beijo suave, delicado. Não o beijo que eu queria, mas o que eu conseguia suportar. Namorar aquele homem era um constante morrer de amor e

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depois ressuscitar, e eu amava isso.— Trouxe um monte de coisas para você, quer ver? — ele

saiu caminhando, abraçado comigo. Eu mal senti meus pés tocando o chão.

— Não — meu tom de voz o fez parar.— Megan, por favor! Você sabe que é difícil eu me

controlar...— Não se controle, por favor! — pedi, vendo suas presas

surgirem, afiadas e poderosas. Meu coração disparou e instintivamente eu me ofereci a ele. Não havia como resistir e, mesmo que houvesse, eu não queria.

Bill me apertou nos braços, o mundo girou e a próxima coisa de que tive consciência foi a voz de meu pai falando algo sobre aluguel e mudança. Não sei quantos minutos fiquei fora do ar, mas minha expressão devia estar horrível porque ouvi meu pai dizer que eu estava cansada e que era bom ir me deitar.

— Bom, nós vamos dormir, não é Gena? — disse ele a ma-mãe, mas o que realmente estava dizendo era: nós vamos nos deitar e dar um pouco de privacidade a vocês. Megan, vá deitar cedo e Bill, veja bem o que vai fazer com minha filha. Tudo isso em uma única pergunta!

Eles se foram e Bill me olhou, rindo:— Essa foi por pouco. Acho que bati meu recorde de

recolhimento de presas.— O que houve comigo? — perguntei, referindo-me ao

meu apagão.— Preciso tomar cuidado com você, Megan. Achei que já

estava imune a esse tipo de coisa...— Depois falamos disso, tá bom? Agora, só quero matar as

saudades.— Eu idem — disse ele, abrindo e fechando a porta de seu

quarto em uma fração de segundos. Como já havia perdido a consciência várias vezes, não sei direito o que aconteceu, mas lembro que nos abraçamos e beijamos muitas vezes, que meu corpo fervilhou, tremeu, implorou, e que Bill usou de todo seu autocontrole para as coisas não passarem do limite seguro.

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Respirei fundo e perguntei como havia sido em Los Angeles.

— Muitas mulheres alucinadas por vocês?— Como sempre.— Seu convencido! Você nem é tão bonito assim, sabia? Ele riu: — Acha mesmo que eu teria olhos para outra mulher?

Estava alucinado para voltar para cá, louco de preocupação.— Eu amo você! — disse e o abracei novamente.Fiz isso não apenas porque ele exercia sobre mim uma

atração infernal, mas principalmente porque não estava pronta para dizer a ele tudo que havia acontecido. Na verdade, nem sabia como tocar no assunto. Não havia combinado nada com Pops! Ele me aconchegou e, aos poucos, comecei a controlar minha respiração.

— Megan, quero que me conte a verdade. Senti aquele pedido como um soco no peito.

— O que houve na noite da avalanche? Sei que Pops mentiu e que você acobertou a mentira...

Nem me mexi. Estava tão bom ali, por que ele tinha de puxar aquele assunto?

— Megan?— Vamos negociar — respondi, por fim, me lembrando

instantaneamente de Simon.— Muito bem, o que vai ser?— Eu conto se você me der sua palavra de que não vai ter

uma crise e nem fazer cena.— Eu não tenho crises! E não faço cenas! Você está me

deixando louco! O que houve aqui?— Bem, é que... hum... Eu não me lembro direito. Vou

contar primeiro o que lembro e depois o que Pops e Christian me disseram.

— Christian? Você esteve com Christian?!— Você prometeu! — protestei.— Está bem... vou ouvir em silêncio.Durante todo o tempo que levei para relatar o que tinha

ocorrido ele não emitiu uma palavra. As coisas saíam meio

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atrapalhadas de minha boca, mas Bill já havia se acostumado com meu jeito, então, isso não foi problema. Eu falei tudo. Tudo menos a parte em que estava virando um animal e sobre estar nua quando Pops me encontrou. E também não falei sobre o vampiro que me salvou... que ele era o homem e a voz nos meus sonhos porque não queria decepcioná-lo. Quando terminei, Bill continuou no mais completo silêncio.

— Você não vai dizer nada? — perguntei após alguns minutos.

— Prometi que só falaria quando você terminasse e você não terminou.

— Terminei, sim!— Megan, eu sei que não. Seja lá o que for, diga. Nada

pode ser pior do que tudo que me contou. A voz dele estava controlada, mas dava para perceber a

raiva vibrando em cada palavra.— Bill, eu... Bom... a Alice é uma heks! — exclamei de

repente.— Mesmo? Isso explica por que o campo energético dela

oscila. Como sabe?— Ela me contou.— Quando?— Ontem à noite.— E o que mais?— Bom... que eu me lembre...— Megan!— Tá bom, tem mais uma coisa, só que não estou

preparada pra falar disso agora. Nem adianta insistir.De repente, seu rosto começou a assumir uma expressão

de puro pavor e eu não fazia a menor idéia do motivo.— Meu Deus, o que fiz com você? — ele perguntou,

abismado.— Como assim? Do que está falando?— Você... você está se transformando!Eu gelei. 'Transformando'? Será que o remédio estava

perdendo o efeito? Olhei para meu corpo, mas tudo parecia absolutamente normal.

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— Quando começou? — ele quis saber.— Pouco... pouco antes do Natal ficou pior — respondi,

com voz quase inaudível.— Strideus mentiu!— Eu pedi! Não queria que você soubesse porque achei

que era passageiro. Eu... estou virando algo que eu não sei o que é.

— Megan! Pelo amor de Deus!— Você prometeu!— Não estou fazendo cena!— Está sim, e eu te magoei...— Megan, você perdeu sua casa, vampiros a raptaram e

sua preocupação é não me magoar? Eu não estou magoado. Estou furioso!

— Comigo?— Claro que não. Com Pops e Strideus. Comigo mesmo!

Você é só uma menina...— Eu sou nova, mas não idiota. Por que fica me tratando

como se eu fosse de vidro?Nesse momento, eu já estava chorando.— Porque para mim você é... Para mim você é de cristal! E

parece que quanto mais quero afastá-la do perigo, mais a empurro para ele!

Bill me abraçou e eu chorei feito uma boba.— Amo você, Megan. Mais do que tudo e, por amá-la, por

não querer perdê-la, eu a salvei. Fui covarde diante do sofrimento que seria minha vida sem você e acabei por amaldiçoá-la!

— Você me salvou! Não tem culpa de nada...— Eu sabia que algo iria acontecer, mas não o quê...— Estou medicada e o Dr. Strideus disse que as injeções

vão funcionar durante algum tempo. Por favor, vamos esquecer isso...

Ele me abraçou e beijou. Suas presas saltaram e arranharam minha pele, mas eu estava em seus braços, entregue e pronta para cruzar os malditos limites seguros. Só que, de repente, Bill se afastou.

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— Pare! Eu não quero matar você.Seus caninos ainda expostos, brancos e afiados, atuavam

como um imã em minha alma. Um fio de sangue surgiu em meu pescoço no lugar tocado por suas presas, mas eu não percebi. Não havia dor, apenas um calor envolvente que fazia meu sangue ferver. Bill me olhou horrorizado e, um segundo depois, o Dr. Strideus surgiu no quarto. Ele colocou uma coisa gelada e pastosa em minha pele, que me deu enjôo e levou embora o doce calor das presas que eu tanto desejava.

— Como você está? — perguntou Bill, cheio de preocupação.

— Bem, acho... O que houve?— Strideus aplicou um antídoto em você, algo para cortar

o veneno. Megan, nem sempre eu consigo me controlar. Você precisa me ajudar!

— Um simples arranhão causado pelas presas pode ser suficiente para transformá-la — explicou o médico.

— Transformar? Como assim?— Em uma vampira — disse Bill. — Lembra o que falei

sobre nossa saliva? Strideus, Megan me contou que você a está medicando. Eu quero saber a verdade.

— Tem certeza de que quer falar disso agora? — perguntou o médico.

— Absoluta — ele repetiu.— Bem, acho que não há muito mais além do que ela con-

tou. Megan teve alguns episódios de metamorfose, mas é algo instável ainda e me parece que seu tempo como metamorfa é curto. Como não presenciei nenhum episódio, só posso me basear pelas memórias dela. Não tenho como dizer se ela se transformará em uma versão sua, feminina.

Havia perigo nos olhos de Bill e surpresa nos meus, mas não por muito tempo. A imagem de Tess pulverizando o vampiro e depois me carregando até a floresta, lambendo mi-nhas feridas, urrando de tristeza, tudo isso voltou em um flash e eu me conscientizei de algo que sempre soubera. Nunca fora Tess, mas Bill. Por isso o logo da banda, por isso os anéis, por isso o pequeno pingente que ele me dera. Ou seja, além de

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tudo que fazia, ele também se transformava em pantera.— Por que não me disse? — perguntei, indignada.— Megan, não é o que você pensa...— Não? Diga que não foi você que me carregou na boca

até a floresta, que urrou com seu grito de pantera! — eu estava quase gritando. Por que, sinceramente, não sabia dizer. Poderia ter feito a pergunta em voz baixa, mas não sei o que acontecia comigo. Talvez fosse algum efeito retardado das presas de Bill ou do unguento fedido do Dr. Strideus, ou talvez fosse apenas histeria mesmo.

Bill não respondeu de imediato, até que cedeu:— Sim, fui eu. Mas não é o que você pensa.— Você não sabe o que eu penso! E quando pretendia me

contar sobre isso?— Tudo... tudo é sempre muito difícil quando envolve

você, Megan. Aquilo que para minha espécie é natural, para os humanos é de outro mundo. Eu não quero aterrorizá-la.

— Claro, porque um vampiro querendo me matar, pessoas que vivem centenas de anos e possuem força sobre-humana e poderes sobrenaturais não são assustadores! Acha mesmo que se eu tivesse de fugir já não teria feito isso? Minha melhor ami-ga é uma heks. Meu namorado tem 600 anos e é um rovdyr. Eu estou virando um bicho e continuo aqui, não é verdade? O que mais preciso fazer pra você confiar em mim e parar de ser tão inseguro? Quem tem 17 anos aqui sou eu!

Ele suspirou e ficou calado. Mais uma lição aprendida: ho-mens se rendem diante de um confronto direto com a verdade.

— Só a verdade, lembra?Bill me olhou e tive a nítida impressão de que ele estava

fazendo cálculos mentais sobre até onde poderia me revelar seus segredos.

— Minha espécie tem um passado confuso e complicado, Megan. Diferente de vocês, que foram obrigados a encontrar meios de organização e convivência para poder sobreviver, sempre fomos caçadores e vivíamos em bando, como pre-dadores selvagens. Só que a população humana começou a crescer rapidamente e fomos obrigados a interagir com vocês.

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Durante muito tempo, houve casamentos consanguíneos, não apenas com humanos, mas com outras espécies que hoje não existem mais. Nos nós misturamos de forma animalesca, se é que me entende... até porque enfrentamos um sério problema: a baixa taxa de fertilidade.

— Houve um tempo, antes que as uniões mistas fossem proibidas — disse o Dr. Strideus, metendo-se na conversa —, em que essas misturas de raças aconteciam sem qualquer controle, Megan. Inclusive entre rovdyrs e vampiros.

Arregalei os olhos. Rovdyrs e vampiros? Virei-me para Bill, boquiaberta:

— Mas eu pensei que vampiros fossem uma degeneraçáo da espécie de vocês. Rovdyrs podem se casar com vampiros?

— No passado, sim. Há quem os veja como criaturas degeneradas e brutais, e eles realmente são, mas porque possuem um metabolismo bem mais lento que o nosso. Tudo acontece de forma vagarosa com eles. Demoram séculos para amadurecer e se acalmar, mas, quando isso acontece, passam a apresentar um comportamento muito mais tranqüilo e sociável.

Eu me lembrei de Christian voando sobre Alice e não vi nada de sociável ali. Nem no vampiro que quase me matara, e ele não era nada jovem.

— A questão é que, enquanto eles não amadurecem, dizi-mam populações inteiras de humanos. Não podemos deixá-los soltos, esperando que conquistem a razão. Vampiros são um perigo, o pior que existe — disse Bill, que não concordava muito com a opinião do médico.

— Mas o que isso tem a ver comigo e com Bill? — perguntei a Strideus.

— Muitas variações surgiram destas misturas de raças. En-tre elas, algumas crianças que chamamos de 'plenas'. Comple-tas, entende?

Não, eu não entendia nada, mas qualquer explicação era melhor que nenhuma.

— Essas crianças — Strideus continuou em tom didático — possuíam raras capacidades e características físicas que as

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diferenciavam das demais. Os olhos, a altura, o porte, a ma-neira como conseguiam saltar e se manter suspensas no ar por instantes, enfim...

— Você! — exclamei, virando-me para Bill, que continuava longe de mim.

— Sim, Bill é uma delas. Houve outras, mas a maioria mor-reu cedo porque nosso povo era supersticioso e não sabia lidar com essas criaturas ou mesmo alimentá-las. Na época em que Bill nasceu, quase não havia mais casamentos mistos e os nascimentos de crianças plenas eram raros. Isso chega a ser irônico: quando finalmente aprendemos a lidar com elas, elas pararam de nascer. Bill acabou se tornando uma raridade entre nós. Ainda bem jovem, ele estava caçando com alguns amigos e um deles se feriu gravemente. Instintivamente, Bill estendeu o braço para que o rapaz o mordesse, algo que sempre foi uma prática comum entre nós. Toda vez que um rovdyr se fere gravemente, o sangue de outro pode ajudá-lo a sobreviver até chegar socorro. Mas o que aconteceu foi algo totalmente inesperado: o rapaz não apenas se sentiu melhor, como ficou totalmente curado! Nossa regeneração celular é rápida e somos muito resistentes, mas não a ponto de em apenas algumas horas estarmos totalmente restabelecidos de uma lesão grave. Há algo no sangue de Bill que acelera a cura.

— E vocês não sabiam disso antes?Strideus sorriu para mim, algo inédito de acontecer. Ele

devia me achar muito burra mesmo.— Megan, é errado pensar em nós em termos humanos.

Temos uma relação com o tempo e com as coisas da natureza muito diferente de vocês — disse Bill.

— Na verdade, o sangue dele tem a propriedade de 'corrigir desvios', digamos assim. Você viu isso acontecer com o jovem Blackwell e seus belos olhos dourados. O que aconteceu com você foi algo inédito. Nunca um humano havia recebido tal quantidade de sangue. Nós sabíamos que isso provocaria algum tipo de reação, mas não qual. O grande temor de Bill era transformá-la em uma vampira, e por isso ele relutou muito, mas diante da outra opção, que era vê-la morrer...

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Eu não sabia o que dizer. Bill salvara minha vida e isso não deveria ter preço, mas tinha. E era alto demais para mim. Foi nesse momento que me dei conta: eu não apenas caminhava por um lugar onde os anjos temiam ir, como meu caminho tinha mão única.

— Por que não me contou isso tudo quando notou as modificações em mim? Eu sei que você notou. Até me atacou pra ver como eu iria reagir!

— Covardia — a palavra pairou no ar e flutuou até meu co-ração.

— Tudo bem — disse, olhando para ele. Eu entendia bem de covardia.

Era visível o quanto Bill sofria com tudo isso. Quem não sofreria?

— Não, Megan, não está tudo bem — ele comentou, sem me olhar. — Nada está bem.

— Eu só quero saber o que vai acontecer comigo — pedi. — Só isso!

— Não há como saber. Eu posso evitar que você se transforme durante algum tempo, mas em algum momento vai acontecer.

— E eu posso não voltar mais a ser humana? — perguntei, olhando para Bill.

— Sim. E possível que você nunca mais volte à forma humana — disse ele, pesaroso.

— E se isso acontecer... eu vou te perder pra sempre?— Megan, você nunca vai me perder. Nunca! Se não voltar

à forma humana, eu me transformo e pronto. Não é essa a questão.

— Pra mim, é — respondi.Bill me olhou perplexo, como se eu estivesse falando

algum absurdo sem tamanho. Talvez estivesse, mas não me dava conta..

— Você tem família, tem amigos. Não pensa neles?— Há uma maneira de evitar uma transformação definitiva

— disse o Dr. Stridetis, meio que pensando alto.— NÃO! — gritou Bill.

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— Que maneira? — perguntei, cheia de esperanças.— Eu o proíbo, Strideus! Ela não merece!— Que maneira? — insisti.— Se você for mordida por um vampiro — respondeu o

médico, desafiando a fúria dos olhos estrelados que o encaravam.

Chega a ser poético um passado que julgamos morto retornar à vida em questão de segundos. Não somos ninguém diante desse mistério. Tentamos nos enganar imaginando que dominamos a vida e as circunstâncias, quando um pequeno detalhe, uma bobagem qualquer, nos traz de volta à nossa pequenez deforma implacável.

E era exatamente assim que eu me sentia naquele momento: pequeno. Muito pequeno.

O ódio que tinha por Lizandra e Bill mostrava o quanto o passado continuava presente em mim. Eu devia minha vida a Destiny. Não fosse ela, eu teria sangrado até morrer em uma região desconhecida.

Quando tudo acontecera, eu vagava sozinho há semanas, procurando me afastar cada vez mais de onde imaginei que os outros estivessem. Só queria era solidão e paz. Mas paz, quando se tem o coração carregado de ódio e infâmia, é algo impossível. Lembro-me de estar perseguindo um urso quando aconteceu. Algo caiu sobre mim e me derrubou. Algo enorme e peludo, fedendo a urina e sangue, com garras e presas enormes que rasgaram minha carne como uma lâmina quente sobre um bloco de manteiga. Jamais imaginei que houvesse neste mundo tal criatura.

Fui lançado ao ar e caí vários metros adiante com o gigante sobre mim. Que tipo de ser era aquele para se mover com tal velocidade? Eu estava morrendo, sabia disso, mas não conseguia deixar de me fascinar com tamanha força e precisão de ataque. O sangue, a força vermelha que me sustentava, esvaía-se pelo chão de forma abundante. Como não tinha um deus a quem rezar, apenas me entreguei à natureza que me criara, pedindo que ao menos aquele suplício logo tivesse fim.

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Um longo assobio, como um silvo agudo, chegou a meus ouvidos e imaginei estar ouvindo o canto da morte, o último som antes do nada absoluto. Então, para meu espanto, a fera que me segurava frente às suas presas recuou, lançou-me ao chão com brutalidade e sumiu entre as árvores.

— Ele está quase morto — ouvi um homem dizer.Um aroma estranho se aproximou de mim e senti uma

ferroada nas costas. Em seguida, um calor insuportável percorreu meu corpo.

— Traga-o — ordenou alguém.Fui erguido e me senti flutuar durante algum tempo até

que finalmente me colocaram em um lugar áspero, que cheirava a ervas e gordura animal.

— Você ficará bom, caçador — disse uma voz feminina e aveludada.

Antes que eu pudesse sequer pensar em responder, senti duas presas afundando com força em meu peito. Senti-me como se estivesse sendo queimado vivo. Todo o meu corpo ardia e a sensação era a de que minha carne se descolava dos ossos e meu sangue, o pouco que ainda restava, coagulava nas veias.

Quando a tortura acabou e eu finalmente abri os olhos, estava curado. Não havia qualquer marca, cicatriz ou dor em meu corpo. Eu estava vivo e muito bem.

Havia me transformado em um vampiro.Passei anos sendo ensinado, acalmado, domesticado.

Fiquei preso em uma caverna me alimentando de animais, sem qualquer contato com o mundo exterior, apenas com aquela que me transformara e que, desde então, seria sempre superior e mais forte do que eu: Destiny.

Ela me ensinou a controlar a sede de sangue, a me alimentar com sabedoria, a colocar o mundo em perspectiva novamente. Foram décadas, mas finalmente tive condições de sair do cativeiro e encarar minha nova realidade. Eu era um vampiro, mas também um rovdyr. E sendo ambos, percebi que tudo o que aprendemos sobre vampiros e sua bestialidade era um engano. Vampiros passam por um longo período de

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adaptação ao mundo, no qual tudo que foram um dia fica obscurecido por uma compulsão por sangue e violência, que aplacam o frio intenso que os acomete. O duelo moral que se trava na alma é tremendo: os princípios e valores de antes da transformação cobram um autocontrote quase impossível e a culpa pelo que sentem e fazem acaba por enlouquecer a maioria. Esses, geralmente, são abatidos por aqueles que os transformaram. E, ao contrário do que ensinavam os rovdyrs, a transformação só se dá em casos extremos. Na maioria das vezes, os humanos são sugados até a morte.

Nunca soube que um rovdyr pudesse ser transformado em vampiro. Jamais nos disseram isso. Para nós, vampiros eram humanos infectados por nossa saliva, mas a triste verdade que descobri ia muito além disso. Todo o orgulho que sentia de minha raça escoou pelo ralo quando me transformei e pude enxergar o tamanho de nossa ignorância e de nosso orgulho infantil. Eles eram muito mais fortes e poderosos do que nós! Mais astutos, mais ágeis e com instintos de caça superiores, possuíam um controle total sobre suas reações e impulsos. Para os vampiros, o amor não era uma maldição, mas uma bênção que, quando alcançada, podia levá-los a um outro nível de existência.

Destiny me ensinara muito e eu a ela. Quando o momento de insanidade passou, meus princípios de vida retornaram e me recusei a matar humanos. Continuei me alimentando de animais cujo sangue, embora não tão saboroso, era muito mais nutritivo. Aos poucos, Destiny se juntou a mim nessa dieta e outros nos seguiram. O resultado da nova alimentação, que eu adotara apenas por questões morais, ficou claro após alguns anos. Tornamo-nos mais fortes, mais ágeis e mais velozes. Verdadeiramente imbatíveis. Isso atraiu mais adeptos à nova dieta e trouxe, como conseqüência, uma diminuição dos ataques às aldeias humanas e os vampiros acabaram sendo vistos apenas como peças de superstição.

A novidade se espalhou pelo mundo e outros dos nossos se juntaram a nós. Não todos, mas um grande número de seres perdidos, que vagavam por entre as sombras da morte e a dor

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da alma, buscou nossa ajuda, ansiosos para ter uma nova oportunidade de vida. De uma forma que jamais imaginei, tornei-me líder de todos eles e, aos poucos, um plano se formou em minha cabeça. Vampiros possuem apenas um predador: os rovdyrs. E os rovdyrs os caçam por vê-los como uma ameaça aos humanos e ao equilíbrio do planeta. Então, se conseguíssemos nos organizar a ponto de manter nossa população sob controle, não haveria mais necessidade de sermos caçados. Não somos tantos assim, como também não são os rovdyrs. Quem sabe houvesse, por fim, uma chance de trégua entre nós?

Era uma idéia louca, mas Destiny a abraçou e me ajudou a transformá-la em realidade. E durante todo esse tempo aprendi a amá-la como a única mulher em minha vida.

O passado estava morto e enterrado para mim, mas então me dei conta de que meu plano precisaria do apoio de Bill Stone e seu bando... e que Megan existia. De forma sinuosa, como uma serpente que aos poucos se infiltra em um ninho, minhas recordações ganharam vida e os sentimentos se tornaram tão intensos como eram séculos atrás.

A batalha da qual eu fugira e em razão da qual acabara nas garras da fera que quase me matou gritava por acontecer.

Eu sabia que teria de lidar com isso em algum momento, mas da teoria à pratica há realmente uma longa distância. Por mais torturado que estivesse meu espírito, eu ainda conseguia manter uma capa de impossibilidade, mas quando entrei na casa de Megan e a peguei nos braços, as comportas que mantinham meus sentimentos sob controle se romperam de forma irreversível. Seu perfume me intoxicou, enlouqueceu. A suavidade de sua pele, a doçura dos olhos, a coragem que demonstrou quando tentou nos enfrentar para proteger os seus — simplesmente magnífica! E apenas uma menina. Quando se tornasse mulher e desabrochasse em todo o esplendor, Megan seria inigualável. E seria minha! Sempre havia sido e eu não a perderia novamente!

Hans

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Achei que Bill fosse voar sobre o Dr. Strideus (e talvez fosse mesmo!), mas não teve tempo. Pops entrou no quarto com cara de quem ia dar alguma notícia muito ruim, mas viu nossas expressões e se conteve.

— O que houve? — perguntou apreensiva. Silêncio.— Megan...? Está tudo bem? Silêncio.— Pelo amor de Deus, dá para alguém me responder?— O que você quer? — Bill perguntou, com voz de assustar

fantasma.— Acho que você deveria descer. Há alguém aqui para vê-

lo.— Agora? Quem? — perguntou, irritado.— Bill, acredite: é melhor vir comigo.— Eu... está bem. Me dê mais um minuto aqui — disse e,

virando-se para mim, depois que Pops saiu, emendou:— Eu a amo e nós vamos encontrar uma solução juntos.

Por favor, confie em mim. Ninguém nunca vai proteger você como eu.

E então, virando-se para o médico, completou:— Mais uma palavra e eu mato você, Strideus.Nem por um minuto duvidei de que ele fosse cumprir a

promessa e acho que o Dr. Strideus também não. Bill pousou um beijo em meu rosto e saiu. Strideus saiu logo depois e eu fi-quei ali, sentada na cama, imaginando quando teríamos Nova York outra vez.

Quando finalmente me animei a voltar para o quarto, en-contrei Alice no corredor, caminhando com cuidado. Ela colocou o dedo na boca pedindo silêncio e fez sinal para que eu a seguisse. Caminhamos até o alto da escada e descemos alguns degraus, o suficiente para ouvir o que se passava lá em baixo.

— Isso é impossível! — ouvi Bill dizer. — Você está mentindo!

— Acha mesmo que me arriscaria a vir até aqui apenas para mentir? — perguntou a voz de mulher mais linda e sensual que eu já ouvira.

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Alice olhou para mim e articulou a palavra 'vampira' em silêncio.

Eu arregalei os olhos. Vampiros? Ali?!— Se é como você diz — ouvi Tray comentar —, por que

agora? Depois de tantos anos?— Ela está mentindo! Pelo amor de Deus! — falou Josh.A mulher cuja voz eu ouvira era ainda mais bonita do que

eu tinha imaginado. De porte esguio, elegante e retilíneo, tinha cabelos negros que caíam lisos até a cintura, olhos assus-tadoramente vivos, de um tom que eu não conseguia precisar, ela emanava tamanho magnetismo que me deixou fascinada.

— Vou buscar Christian — disse Pops.— Faça isso — concordou a desconhecida, com calma.

Pops passou por nós ao sair da sala, mas nada comentou.Foi a desconhecida quem nos chamou.— Como vai, Megan? — perguntou, com voz suave. Ela me

conhecia?E então se virou para Alice:— Como vai, pequena heks?Bill me olhou boquiaberto, como se eu fosse a última pes-

soa que esperava ver. Os outros nos cumprimentaram de longe e Tray demorou-se um tantinho mais sobre Alice, tentando se lembrar de onde a conhecia. Ao menos era isso que dizia seu olhar. Pops entrou acompanhada de Christian, que piscou para nós quando passou e, ao deparar-se com a desconhecida, curvou-se em cumprimento.

— Christian Blackwell — disse ela. — Sempre soube que um dia nos encontraríamos.

As presas de Christian se pronunciaram. Eu e Alice éramos as únicas naquela sala com dentes normais. Foi assustador vê-los daquela forma. Não havia uma gota de docilidade em nin-guém. Eram como animais se preparando para a luta.

— Megan, é melhor você subir — disse Bill, controlando a voz.

— Não vou sair daqui, quero saber o que está acontecendo!

A mulher sorriu. Suas presas eram finas, longas e

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brilhavam como diamantes.— Sou Destiny — disse, dirigindo-se a mim e a Alice.— E então? — perguntou Pops, encarando Christian.— Ela é genuína — respondeu.— Não pode ser! — exclamou Nick.Destiny, que não tirava os olhos de mim, aproximou-se

com passos fluídicos e parou à minha frente.— Você é apenas uma menina. Pergunto-me se tem idéia

do que a aguarda ou de quem é na verdade.Ela fez um gesto em minha direção e tocou suavemente

meu rosto. Senti um calor agradável se espalhar pelo corpo e imediatamente meu sangue começou a pulsar com força, embora seu toque fosse frio como o de um cadáver. Destiny sorriu e se afastou.

— Nunca mais toque nela! — ameaçou Bill.— Acha que se eu a quisesse morta ela ainda estaria viva?

Cuidado, Bill Stone. É você quem deve ter medo aqui. Tem muito mais a perder do que eu.

Ela estava ameaçando Bill em frente a todos? Quem era aquela mulher? Havia um impasse na sala. Ninguém dizia nada, todos se olhavam calculando movimentos e, sabendo que a causa de tudo era eu, resolvi falar:

— O que aconteceu? Por que tem uma vampira aqui? — perguntei, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

Pops pigarreou e respondeu:— Destiny diz que veio nos avisar sobre um bando de

rovdyrs extremamente selvagens. Segundo ela, as criaturas estão a caminho de Red Leaves para nos dizimar.

Olhei para Bill e depois para Destiny, esperando o restante da explicação.

— Lizandra foi à procura dela e do marido para avisar sobre isso.

— Minha mãe? — perguntou Christian.— Lizandra? — ecoei. — Aquela Lizandra? Mas, por que ela

não veio aqui?— Não sei — respondeu Bill, postando-se ao meu lado e

dificultando meu entendimento.

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— E como Lizandra sabe disso? — indaguei.— Aparentemente, o jovem Blackwell cruzou com eles.

Simon Blackwell.— Simon?! — minha voz saiu bem mais animada do que eu

gostaria.— Eu vim de boa vontade e por conta própria — disse

Destiny. — As tempestades de neve que estão assolando esta região parecem ser obra das criaturas.

— Christian já havia pressentido isso — disse eu. — Ele via muita neve e ventos em Red Leaves! E você também mencio-nou algo a respeito...

— Por que veio nos avisar? — perguntou Bill.Destiny não respondeu. Em vez disso, encarou Christian

por um longo tempo.— Sua mãe faria qualquer coisa por você — disse. —

Qualquer coisa. Talvez ela não soubesse amar no passado, mas você deu isso a ela. Nós podemos oferecer ajuda caso vocês precisem.

— Não seja ridícula, mulher! Se rovdyrs estão chegando, vocês são o alvo deles. Nós não matamos os nossos.

— Não? Você tem memória curta, Bill Stone.— Não consigo entender por que veio até aqui — disse

Josh, metendo-se na conversa. — Se alguém precisa de ajuda são vocês, não nós! E nós não vamos ajudar.

— Quem é seu marido? — perguntou Alice de repente, atraindo o olhar de todos.

Christian sorriu e Tray a olhou com interesse. Um triângulo amoroso acabava de nascer, mas quem iria pensar nisso em um momento daqueles?

— Hanzi Maré — ela respondeu com orgulho e eu imaginei, não sei bem por que, que havia muito amor entre os dois.

— Bill pode ajudar você! — disse eu, de repente. — Ele está ajudando o Christian!

Ela riu alto: — Você é muito jovem, Megan. Eu não preciso de ajuda.

Tenho orgulho de quem e do que eu sou. Não vim pedir nada, apenas oferecer, mas já que não precisam de mim, parece que

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perdi meu tempo. Só não se esqueça, caçador — ela disse, encarando Bill diretamente nos olhos, — eu o avisei.

E então, diante de todos, ela simplesmente evaporou-se! O silêncio pairou na sala como uma nuvem de chumbo. Havia ódio e surpresa no ar, indicando que, de uma maneira ou de outra, o perigo marchava sobre nós.

— Talvez seja melhor eu dar uma olhada nisso — disse Nick, quebrando o momento. — Se há mesmo um bando de rovdyrs selvagens vindo para cá, eu vou encontrá-los.

— Isso tudo pode ser uma armadilha. Desde quando con-fiamos em vampiros? — protestou Matt.

— Não confiamos, por isso acho boa a idéia de Nick — disse Bill. — Vamos checar a veracidade da informação.

— Eu vou com você — disse Tray.— O que acha, Christian? — perguntou Bill. — Para mim,

Destiny disse a verdade.— Desde que o mundo é mundo, rovdyrs e vampiros são

inimigos mortais — protestou Matt. — Ela pode ser poderosa, mas ainda é uma vampira e rovdyrs matam vampiros!

— Do mesmo jeito que vampiros matam humanos? — per-guntei. — Eu estou viva!

— Eu também — comentou Christian.— Apenas porque sua família é da nossa espécie. —

respondeu Nick. — Quanto a você, Megan, só está viva porque Bill pulverizou o vampiro que a atacou.

— Não é disso que ela está falando — respondeu Bill, olhando para Pops, que o ignorou solenemente e me encarou como quem diz: o que você contou para ele?

Uma atmosfera de impasse formou-se rapidamente. Eu quis sair correndo. Era horrível ser mais uma vez a razão de tantas complicações.

Pops sentou-se no chão, em frente à lareira, sinal inequívo-co de que estava convocando uma reunião. Os outros a acom-panharam em silêncio, enquanto eu e Alice trocávamos olhares de dúvida. Se por um lado eu queria sumir, por outro queria ficar e ouvir tudo que seria dito. Puxei minha amiga pelo braço e nos sentamos uma ao lado da outra. Bill segurou minha mão

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em um gesto protetor e então Pops começou a narrar o que ha-via se passado nos últimos dias. Diferente de mim, ela contou absolutamente tudo, inclusive sobre minha nudez. Bill rosnou baixo quando escutou essa parte da história, mas não me atrevi a olhá-lo. Sabia que haveria em seu rosto uma pergunta que eu não queria responder.

— Isso é um absurdo! Pops, eu defendendo você e você sendo irresponsável desta forma? — Josh desafiava Pops com o olhar. — Não acredito!

— E o que queria que eu fizesse? Vocês estavam em LA, com um show para fazer! Que diferença faria vocês saberem ou não, se não tinham como voltar? — defendeu-se ela.

— Pouco importa isso agora — comentou Bill. — Pops, você foi mesmo irresponsável. A presença da tal vampira aqui hoje mostrou bem a ousadia e poder de nossos inimigos. Eles só não invadiram a casa e mataram todo mundo porque não quiseram.

Pops não respondeu, mas também não me pareceu arre-pendida do que havia feito.

— Eu gostaria de saber como não rastreamos o ninho deles. Vampiros costumam feder, deixar rastros.

A conversa continuou no mesmo ritmo, mais perguntas que respostas, e no final chegou-se à conclusão de que aqueles vampiros não queriam atacar ninguém ou já haveria uma longa lista de mortos em Red Leaves. Do que eles estavam se alimentando, porém, era um mistério. Nick e Tray partiram juntos para procurar pelo tal bando que Simon havia encon-trado e Bill, muito delicadamente, pediu que eu e Alice fôs-semos dormir. O dia seguinte seria agitado para todos, já que Bill havia combinado de ir ver a nossa nova casa com Frank.

— O que achou da tal Destiny? — perguntou Alice, antes de apagar a luz.

— Nunca vi uma mulher tão linda em toda a minha vida.— Nem eu. Sentiu medo dela?— Não. Você?— Também não.— Bill odeia vampiros. Todos os rovdyrs odeiam.Alice apagou a luz e eu a ouvi perguntar, pouco antes de

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eu pegar no sono:— Eles até que têm charme, você não acha?Emiti um grunhido qualquer em resposta e caí no sono. Só

depois descobri que o 'charme' a que ela se referia era de Christian. Mas isso foi bem depois.

Capítulo 6

Simon

A nova casa, um sobrado sem graça pintado de azul escuro, conseguia ser ainda menor que nossa antiga, mas ao menos tinha três dormitórios — o que garantia que eu e Fred não precisaríamos dividir um quarto. Meu pai, Bill e Matt percorreram os quartos trocando idéias e opiniões, todos preo-cupados com a segurança da construção, embora para cada um deles a palavra 'segurança' significasse coisas diferentes.

— Vocês poderiam ficar conosco até a casa de vocês ser reconstruída — disse Bill em uma inútil tentativa de fazer meu pai mudar de idéia.

— Agradeço muito a generosidade de vocês, mas vamos nos ajeitar bem por aqui.

— Ao menos deixe-nos ajudar — pediu Matt.— Bem, toda ajuda será bem-vinda, principalmente para

obter móveis — disse papai. — Vamos ter de contar com doa-ções, empréstimos...

— Isso não será necessário — contestou Bill. — Podemos ajudá-los neste momento comprando os móveis de que ne-cessitam...

Sem pensar duas vezes, meu pai agradeceu e disse que não poderia aceitar. Bill me lançou um olhar pedindo ajuda e eu dei de ombros. Que diferença fariam simples móveis quando o mundo estava prestes a desabar sobre nossas cabeças?

Em algum momento do entra e sai, eu e Bill ficamos a sós naquele que seria meu quarto: um quadrado sem graça, com

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paredes desbotadas e um armário cuja porta, pintada de verde escuro, parecia saída de um filme de terror.

— Então é aqui que virei vê-la — disse ele, me abraçando.— Você virá? — perguntei.— Todo dia, toda noite, toda madrugada. Eu sorri e ele me beijou com suavidade.— Nick ainda não deu notícias? — comentei.— Não... Começo a me perguntar se eu não os deixei ir

direto para uma armadilha. A vampira pode ter mentido.— Destiny.— O quê? — Bill me olhou como se eu de repente

estivesse falando com ele em chinês.— O nome dela... Destiny. Do mesmo jeito que o seu é Bill

e o meu é Megan. Você não me chama de humana e eu não chamo você de rovdyr. Por que tem que se referir a ela como vampira?

— Por que é isso que ela é!— Estou interrompendo? — perguntou meu pai, entrando

no quarto com a maior cara de pau. — Bill, você poderia me acompanhar até o porão? Gostaria de sua opinião sobre algu-mas coisas...

Aquilo era hora de meu pai aparecer? Fiquei louca da vida. Desviei os olhos para a paisagem fora da janela, sentindo falta das árvores que existiam na frente de nossa ex-casa. Eu só tinha um consolo: ali estaria morando bem perto da escola e da casa de Alice e Sarah. Sarah! O que será que tinha dado a conversa dela com Alice? Com tanta confusão, acabei me esquecendo de perguntar. Eu e meu egoísmo continuávamos fortes e saudáveis. Horrível!

Meio desanimada, encostei-me na parede e escorreguei até o chão, ouvindo os versos de No More Tears tocando na minha cabeça: your mamma told you that youre not supposed to talk to strangers/ Look in the mirror and tell mel Do you think your life is in danger.

Acho que demorei alguns minutos para perceber que não era na minha cabeça que a música tocava, mas lá fora. Olhei pela janela e vi o carro de Greg estacionado em frente à casa

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com a porta aberta e o som berrando. Ele acendeu um cigarro enquanto Sarah gritava alguma coisa que não entendi. Ela entrou, ele ficou e Bill saiu.

Em dois segundos, o som estava desligado, a porta do carro fechada e o cigarro de Greg voara longe. Não sei o que Bill disse a ele, mas a expressão em seu rosto passou de desafiadora para respeitosa. Chegava às raias do surrealismo ver um rocker de cabelos longos, brincos e unhas pintadas dar uma bronca em um garoto porque ele estava fumando e ouvindo som no último.

Bill voltou para dentro de casa e Greg o seguiu.— Oi, Megan! — exclamou Sarah, correndo para me

abraçar. — Que bom ver você bem!Eu sorri, agradecida.— O que houve com o Greg? — perguntei, indicando a

janela.— Um saco esse garoto. Um saco! Agora cismou que é

rebelde, não ouve ninguém, não obedece ninguém.— Ele acabou de levar uma bronca do Bill — disse, com um

sorriso.— Bem feito. Garoto insuportável! E aí... gostou da nova

casa? Acho que minha expressão respondeu melhor do que qualquer palavra.

— É... também achei meio caidinha, mas depois de limpa e com uma pintura nova vai ficar melhor. Vocês váo mudar quando?

— Este final de semana. Se eu não for pra escola na segunda, minha mãe surta.

— Ótimo. Eu vim pra ajudar. Tenho umas coisas que gos-taria de te dar, ou emprestar, como você preferir. Na verdade, é só um espelho e uma estante pequena, mas achei que pode-riam ser úteis.

— Vão ser e muito! — comentei, agradecida.— Megan... a Alice te contou o que houve com Paul?De repente, sua expressão mudou. Eu fechei a porta do

quarto.— Não tudo. Só uma parte.

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— Nem gosto de imaginar o que vocês devem estar pensando de mim. Fiquei com tanta raiva do cretino!

Achei melhor ficar quieta e Sarah tomou meu silêncio como um convite para se abrir. Ela havia procurado Paul para pedir que desse uns conselhos ao Greg. Eles haviam tido uma briga infernal e a mãe dos dois estava muito nervosa. Sarah começou a chorar, Paul a abraçou para confortá-la e aí rolou o tal beijo que Alice viu.

— Mas ele te beijou sem você querer? — perguntei.— Pior que não. Eu beijei também, mas depois me

arrependi. Não quero nada com o Paul. Eu achava ele um gatinho, mas hoje ele tá com a Alice. Como aconteceu com Simon: depois que você começou a namorar o Bill, Simon desapareceu.

Olhei para ela, fiz uma careta e comentei: — Amadurecer é um saco!Ela riu e eu mudei de assunto.

Quando os homens que Lizandra enviou finalmente loca-lizaram Simon, ele estava praticamente morto. A cada deslo-camento, o bando do ártico afugentava ainda mais os poucos animais que se atreviam a vagar pela neve e Simon não via alimento há muitos dias. Lógico que ele poderia ter matado algum humano, mas simplesmente se recusou a fazê-lo. Não estava em sua natureza matar pessoas para se alimentar.

Ele não havia dormido e nem parado de correr desde que encontrara o bando na caverna. Apesar de ser forte e jovem — 228 anos não é nada para um rovdyr —, sua vida corria perigo. Lizandra mandou que o levassem para a casa de Bill e eu, quando soube disso, tive várias reações ao mesmo tempo: medo por sua vida, medo de vê-lo outra vez, tranqüilidade por saber que ele estava bem.

A notícia chegou a nós por meio de um breve telefonema de Pops quando nos preparávamos para sair de nossa nova casa. Bill terminou de falar com ela, desligou o telefone e per-guntou a Greg:

— Estamos entendidos?

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— Claro — ele não parecia nada animado.— O que disse ao Greg? — perguntei quando já estávamos

voltando.— Que se o pegasse fumando de novo arrancaria seu pes-

coço. E arrancaria suas orelhas se não começasse a respeitar os demais. É muita falta de educação ouvir música naquela altura! Ninguém conseguia conversar dentro de casa.

Não comentei, mas entendi por que o garoto estava tão assustado. Bill podia ser muito intimidador quando queria.

— Esse bando selvagem que está vindo pra cá... o que será que eles pretendem?

— Não sei, Megan, mas deve ter algo a ver com os vampi-ros. Só acho estranho conseguirem detectar os sugadores de sangue quando nós não conseguimos. Vamos esperar Simon estar melhor e então tudo se esclarecerá.

Não comentei nada. Rever Simon era algo que não estava em meu programa. Bill me olhou pelo canto dos olhos e eu sorri.

— Eu a amo, Megan. Você pode confiar em mim. O que houve?

— Nada — menti.— É o Simon, não é? Ainda sente algo por ele.Tudo de que eu não precisava era uma cena de ciúmes.— Ele é meu amigo, Bill — respondi, pondo fim ao assunto.Bill não insistiu. Apenas segurou minha mão e não a soltou

mais.— Estou com tanta saudade de Nova York — disse,

sentindo o sangue esquentar.— Eu também, Megan. Prometo que vamos resolver esse

assunto de uma vez por todas e então teremos todo tempo do mundo para reviver Nova York. Você confia em mim?

Minha resposta foi um sorriso. Eu confiava na intenção dele, mas não no controle que pudesse ter sobre os aconteci-mentos. A única verdade naquele momento é que minha vida jamais seria normal outra vez...

Mal pude acreditar no que ouvia. Olhei para ela com tantas

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perguntas nos olhos que a forcei a sorrir.— Eu não podia deixar que sua vingança pessoal pusesse

tudo a perder, Hans.— Por que não me disse?— Não queria que tentasse me dissuadir inutilmente e não

queria brigar com você. Eu o amo, mas neste momento há coisas mais importantes em jogo.

— Jamais colocaria tudo a perder por um ódio pessoal.— Mas colocaria por um amor amaldiçoado. Não. — disse

ela, erguendo a mão para que eu não argumentasse. — O que está feito, está feito e as coisas são como são. Você ainda a ama.

— Ela é uma menina! — protestei. Destiny deu uma gargalhada triste.— É uma menina quando eu o acuso de ainda amá-la e é

uma mulher quando vejo em seus olhos o quanto a deseja. As humanas dizem que seus homens são todos iguais. As vampiras podem dizer o mesmo.

— Ao menos eles acreditaram em você? — perguntei, tentando mudar o assunto.

— Não, mas vão acreditar. E você tem razão em uma coisa: Bill Stone é mesmo prepotente. Tanto quanto você.

— Eu não sou como ele.— Você é exatamente igual. Bill reagiu a mim como você

reagiu a Lizandra. Nenhum dos dois aceita ajuda, nenhum dos dois ouve conselhos. Para vocês, só o que conta é esse maldito orgulho de caçador.

Não respondi. Não quis me arriscar a dar mais um passo em falso. Destiny se aproximou e olhou dentro de meus olhos:

— Seja lá o que for que tenha em mente, Hans, eu sacrificaria qualquer coisa para continuar a seu lado. Qualquer coisa, menos a segurança de meu povo. E, se para mantê-la for preciso procurar Bill Stone, farei isso quantas vezes forem necessárias!

Sem me dar tempo para responder, ela saiu, deixando-me com um mundo de situações conflitantes para resolver. Eu tinha quase 700 anos e me sentia um garoto de 10! Algumas

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coisas que ainda trazia de minha origem como rovdyr, coisas que eu julgara mortas e resolvidas, gritavam por uma decisão urgente. E tudo, na verdade, se resumia em descobrir se o que eu sentia por Megan era um amor que se recusava a perecer ou sede de vingança por um passado morto para ela, mas vivo para mim. Destiny tinha razão: nós éramos orgulhosos e prepotentes, não cedíamos nunca, ainda que isso pudesse nos custar a vida. Morríamos em luta como se isso fosse algum mérito ou demonstração de superioridade. Uma grande tolice, sem dúvida alguma.

Mas uma coisa era ser tolo quando apenas sua vida está em jogo e outra quando muitos podem morrer. Eu precisava tomar uma decisão e superar o passado em mim. Precisava deixar de amar Megan e de odiar Bill, e era justamente aí que minhas forças falhavam...

Hans

— Simon está aqui! — disse Alice assim que entrei em casa.

— Eu sei. Ele está bem?— Dormindo, mas bem — respondeu Lizandra, vindo ao

meu encontro.Abracei-a com carinho e ela sorriu.— Não sabia que você estava aqui — disse, percebendo

imediatamente o quanto havia sido estúpida, já que fora a própria Lizandra quem pedira para levar Simon para lá. Bill, parado atrás de mim, encarou-a com seriedade. Dava para perceber que ele não gostava de tê-la em sua casa e que aquilo que os fizera inimigos no passado ainda estava bem vivo em sua alma.

— Assim que ele acordar, quero vê-lo — disse. Depois, virou-se para mim, beijou meu rosto e sumiu entre as enormes salas da mansão. Lizandra esperou que ele saísse e nos convidou a sentar em um canto mais reservado da primeira sala.

— Gostaria de lhe pedir uma coisa, Megan — disse com cuidado. — É sobre Simon. Você sabe por que motivo ele tentou

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se isolar no Ártico, não sabe?Não respondi, mas meu peito doeu. Alice, sentada a meu

lado, segurou minha mão.— Só gostaria que tivesse paciência com ele. Simon quase

morreu para chegar até aqui, e embora, claro, a intenção fosse avisar todos nós e poupar Red Leaves de um massacre, quem ele realmente queria salvar era você.

— Eu não posso mentir, Lizandra. Não seria justo com ninguém.

— Não estou lhe pedindo que minta, apenas que seja pa-ciente com ele.

— Bom... isso eu posso fazer.— Posso perguntar uma coisa? — indagou Alice.— O que quiser.— Por que você foi procurar os vampiros quando Simon

contou o que havia acontecido? Quero dizer, o mais lógico seria ter vindo aqui, já que também é uma rovdyr, não é?

Eu e Lizandra a encaramos com a mesma expressão. Como assim Alice conseguia articular com tanta facilidade aquilo que ninguém ainda havia conseguido?

— Exatamente o que eu queria saber, heks. Você acabou de subir vários pontos em meu conceito — disse Pops, juntando-se a nós.

— Não há privacidade neste lugar? — perguntou Alice pouco se importando se Pops gostava dela ou não.

— Não neste caso — respondi.Lizandra olhou para Pops e depois para Alice.— Você é bonita e é inteligente — disse, visivelmente

impressionada com minha amiga.— A resposta — disse Pops com impaciência.Lizandra abriu a boca para explicar, mas a resposta ficou

no vácuo.— Nick foi capturado! — exclamou Josh, entrando na sala

feito um vendaval. — Tray acabou de ligar, mas o sinal estava horrível!

— Onde? — perguntou Pops. — Capturado por quem?!— Pelos brancos. Bill pediu que você fique aqui e cuide de

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tudo. Nós vamos atrás deles.— Posso mandar meus homens com vocês — disse

Lizandra.Josh olhou para ela e depois para Pops. Eles eram do clã

Blackwell. Será que mereciam confiança?— É uma boa idéia, vocês não sabem o que váo enfrentar

— concordou Pops, acompanhando Josh para fora da sala, se-guida por Lizandra.

Eu e Alice trocamos olhares assustados:— Destiny falou a verdade...— Pelo jeito, sim, mas Nick é um rovdyr. Então o bando

não está vindo pra cá atrás dos vampiros — raciocinou minha amiga.

Minutos depois, Bill entrou na sala, seguido pelos outros. Pops e Lizandra ficariam na casa. A primeira porque era ótima lutadora e poderia nos defender, se fosse necessário. A segun-da, por ser justamente o contrário.

— Nós já estamos de partida, Megan — disse Bill, me abra-çando com força.

— Tome cuidado pelo amor de Deus! — implorei.Ele sorriu e seus olhos faiscaram tanto que fiquei cega a

tudo mais. Quando dei por mim, já não estava mais na sala, mas em outro canto da casa e Bill me abraçava com ardor. Meu sangue corria à velocidade da luz e minha temperatura devia estar beirando o ponto de ebulição, mas eu não me importava. Nós nos beijamos de forma tão ardorosa que quase morri em seus braços. Nada importava mais, só aquele calor insano e delirante que pulsava descontroladamente em mim. Em nós.

— Assim que possível, eu ligo. Agora preciso ir, querida...— Não!A palavra saiu carregada de uma dor que assustou a mim

mesma. Eu não queria que ele fosse, algo me dizia que Bill estava correndo perigo mortal.

— Eu tenho que ir. Nick precisa de nós. Nem sabemos se ele está vivo ou morto.

— Morto? Como assim?Naquele momento, fiquei oficialmente apavorada. Jamais

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me passara pela cabeça que alguém, além de mim, pudesse morrer naquela história. Bill não respondeu, apenas me beijou.

— Eu amo você — disse a ele, olhos marejados. — Volte pra mim!

— Sempre! — respondeu, sorrindo.No instante seguinte, seu rosto assumiu a verdadeira ex-

pressão da natureza de Bill: força, poder, sangue e morte. Assim que eles se foram, Pops encarou Lizandra e desafiou:

— Muito bem, agora desembuche. Por que foi procurar os vampiros? E como sabia onde eles estavam?

Lizandra devolveu o olhar de desafio. Alice observava as duas com curiosidade e eu prendi o fôlego. Por alguma razão senti muito medo da resposta que estava por vir.

Tudo acontecia mais depressa do que eu conseguia processar. Como se não bastasse o ódio que sentia por mim mesmo pela maldição imposta à mulher de minha vida, ainda precisava lidar com o fato de que vampiros muito mais poderosos do que nós estavam à nossa espreita.

Destiny... Jamais havia visto criatura semelhante. Eu sequer sabia que ainda existiam vampiros tão antigos e poderosos. Do que seriam capazes? Por que salvaram Megan? As perguntas giravam sem cessar em minha cabeça.

Um bando selvagem, desencadeando nevascas, cuja aproximação poderia destruir Red Leaves e matar milhares... e uma vampira nos advertindo, oferecendo ajuda. Ajuda! A vida continuava a nos torturar com suas ironias.

Achei prudente deixar que Nick fosse investigar os seres misteriosos. Tray ofereceu-se para ir junto e eu permiti. Eram bons guerreiros, rápidos e astutos. Não haveria perigo, principalmente se o bando em marcha realmente fosse rovdyr. Mais do que Destiny ou Christian, eu mesmo suspeitava que algo muito estranho estava acontecendo.

E então, como se isso fosse pouco, Simon Blackwell ressurge, confirmando aquilo que a vampira dizia. Simon Blackwell, o homem que ainda fazia a alma de Megan suspirar. Eu queria matá-lo mil vezes, mas não podia. Em algum lugar

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entre a bestialidade de minha natureza e a sensibilidade que havia aprendido a abraçar, habitava a maldita voz da consciência, sussurrando que eu devia ter calma. Que se tocasse em Simon, perderia Megan. Que a escolha era dela e não minha!

Eu precisava dar tempo a ela para que avaliasse seus sentimentos. Precisava, mas não queria! Minha vontade era roubá-la, tê-la só para mim. Os humanos dizem que uma desgraça nunca vem só e eles têm razão. Mal chegamos em casa para ver Simon e Tray ligou, ferido, avisando que Nick havia sido capturado e que ele mesmo escapara por pouco. O bando era furioso, extremamente selvagem. Ele jamais vira criaturas como aquelas.

Não havia outra coisa afazer senão ir resgatá-los.Quando me despedi e tive Megan nos braços, soube mais

do que nunca que por ela faria tudo, que sem ela não poderia viver. Saímos de casa e disparamos pela floresta gelada, seguindo a orientação que Tray nos dera. Não sabíamos quanto tempo demoraríamos para encontrá-lo e muito menos em que condições ele estaria, mas sabíamos que não poderíamos voltar antes de resgatar nossos dois amigos. Mesmo que o preço disso fosse a morte.

Bill

Capítulo 7

Sobre o Passado

Lizandra demorou algum tempo para responder à pergunta que pairava no ar e eu tive a sensação de que ela só o fez quando finalmente conseguiu achar uma forma de explicar sua atitude sem se comprometer. Pops a odiava e não hesitaria em destroçá-la por mais tênue que fosse o motivo. No fundo, todos caminhávamos em uma teia de aranha sobre o precipício da vida. Um passo em falso, por menor que fosse, e cairíamos todos.

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— Imaginei que o bando de rovdyrs estivesse vindo pra cá atrás dos vampiros — disse, por fim.

— E daí? — rosnou Pops.— Quis proteger Christian.— Christian está conosco, está protegido!— Até quando? Ele ainda é um vampiro.Pops calou-se, provavelmente porque, assim como eu, viu

verdade na resposta de Lizandra.— Nós gostamos de Christian — disse ela. — É um rapaz

perspicaz e extremamente educado. Também sabe demonstrar lealdade e consideração.

— Mas não hesitariam em sacrificá-lo se isso fosse preciso para salvar a vida de mais alguém. Ao menos admita!

Fiquei com a incômoda sensação de que o 'mais alguém' era eu. Uma coisa era ouvir Bill dizer que mataria por minha causa e tudo mais, outra me dar conta de que realmente faria isso. Não queria ninguém perdendo a vida por mim.

— Não admito nada! — rosnou Pops. — Quanto aos vampi-ros, como sabia onde se escondem? Já varremos esta área dezenas de vezes e não encontramos qualquer traço deles.

— Isso é algo para você remoer, porque não vou revelar.— Ora, sua...!Lizandra se levantou e, antes que eu desse pela coisa,

estava na frente dela, formando um escudo.— Afaste-se, Megan! — ordenou Pops.— Não! Ela é minha amiga! O que deu em você? Vai matar

a mãe de Christian?Alice estava sentada assistindo a tudo, concentrada em al-

guma coisa dentro da própria cabeça. Pops urrou de ódio. O que será que havia entre aquelas duas? Bill havia dito que Pops não tomara parte em nenhuma batalha contra os Blackwell, que eles se conheceram depois disso. Então de onde viria tanto ódio? A história estava cheia de hiatos, de segredos. Todos mentiam. Todos eles!

— Megan!— Não vou sair da frente dela — disse, colada ao corpo de

Lizandra, que por sua vez demorou a fazer qualquer gesto para

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me afastar. Por fim, ela tocou em meu ombro:— Acalme-se, Megan. Nada vai acontecer. Jamais esquece-

rei seu gesto, mas está tudo bem. Pops está apenas nervosa.Pops urrou outra vez. Eu podia ver o ódio cintilando em

seus olhos, as presas expostas de forma mortal. Ela não recuava e eu me recusava a me afastar de Lizandra. Qualquer uma das duas era centenas de vezes mais forte que eu, mas minha mania de querer ser Mulher-Maravilha me impedia de raciocinar direito.

— Como pode usar uma menina como escudo? Você é pior que os vampiros. Você é uma desgraça para nossa espécie! — gritou Pops.

Não sei como aconteceu, mas segundos depois fui arre-messada em direção ao sofá e Pops em direção à parede dos fundos.

— Finalmente! — exclamou Alice, encarando Christian com impaciência. — Como você é lerdo!

— Mãe! Você está bem? — perguntou ele, ajoelhando-se ao lado de Lizandra.

— Pops! — a voz do Dr. Strideus soou forte e imperiosa. — O que deu em você?! Bill mal virou as costas! Não é hora disso!

— Odeio essa mulher mais do que tudo! — rosnou. Strideus levou-a e só então Alice perguntou:— Você tá bem, Megan?— Sim. O que aconteceu?Lizandra e Christian se aproximaram de nós.— Nunca mais faça isso — disse ela, sorrindo para mim. —

Você é só uma humana. Mas eu agradeço sua lealdade.— E eu também — ecoou Christian.— Nunca vi Pops daquele jeito! Por quê? E como você che-

gou aqui?— Sua amiga — respondeu o rapaz. — Ela me avisou. Olhei para Alice e ela deu de ombros.— Não sabia se ia funcionar... nunca tinha tentado

telepatia com vampiros. Mas por que demorou tanto?— Porque as imagens não eram claras... você só me

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mostrou 'pés'! E eu ainda tive que ir buscar o médico.— Hum... preciso treinar mais.Pela enésima vez me senti uma idiota. Todo mundo fazia

coisas legais, menos eu. E ainda assim, era por minha causa que as confusões aconteciam.

— Lizandra, por que Pops sente tanto ódio de você? — perguntei.

Alguém tinha de começar a falar a verdade. Christian aproximou-se, interessado em ouvir o que a mãe ia dizer. Naquele momento, por alguma razão, me dei conta de como a vida de Christian havia sido miserável até Bill começar a curá-lo. Isolado, sem amigos, tratado com desprezo feito um animal raivoso. Sei que ele era um vampiro e tudo mais, mas mesmo assim era evidente que por baixo de toda a selvageria havia um ser sensível e inteligente, ainda que adormecido e incapaz de se mostrar. Ninguém merecia uma vida daquelas, principalmen-te quando se tem vida eterna...

Lizandra me olhou por um longo tempo, depois fez sinal ao filho para que se sentasse a seu lado. Segurou-lhe a mão e, criando coragem, disse:

— Fiz algumas coisas no passado das quais não me orgulho nem um pouco. Eu era jovem e estava tomada pelo ódio... ódio que é muito forte em nossa espécie.

— Por isso o amor é uma maldição em vocês. É o outro lado da moeda — disse Alice, com uma sabedoria impressionante.

— Quero saber o que aconteceu no passado, Lizandra. Aquilo não foi um pedido, mas uma ordem.— Muito bem, mas nem tudo que ouvir vai agradá-la.A voz dela soou fria e sinistra, e eu comecei a me

perguntar se realmente estava pronta para o que ia escutar. Porém, como dizia Pops, o caldo já havia entornado...

Tray estava muito mais longe do que imaginávamos. Levamos muitas horas para chegar até ele e, quando isso aconteceu, nós o encontramos caído, gravemente ferido nos braços, pernas e pescoço. Não havia tempo para levá-lo de

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volta, tínhamos que cuidar de tudo ali mesmo. Seu estado era tão frágil que não conseguia cravar as presas em mim. Precisei morder meu próprio braço para que ele tomasse um pouco de sangue e continuasse vivo durante o retorno.

Meu coração estava duro como pedra. Tray era o mais jovial e amoroso de nós. Era quem sempre ria, brincava e via o melhor lado de todas as coisas. Sem ele cairíamos no abismo negro de nossos corações.

Josh pousou a mão em meu ombro numa tentativa de conforto, mas ele também sofria muito.

— Tray, você consegue falar? — perguntei após alguns minutos

— Nick... eles levaram Nick... muito ferido... norte... selvagens...

— São rovdyrs...? — perguntou Matt.— S-sim... brancos...Josh me olhou, depois para Matt e para os Blackwell que

nos acompanhavam. Um deles, chamado Lucius, franziu a testa e se dirigiu a Tray:

— Ancestrais?— Sim... — respondeu Tray, quase sem forças.— Ele precisa de cuidados. Alguém precisa voltar com

Tray.— Eu vou — disse outro Blackwell. — Sou o mais rápido

aqui.Não gostei de deixar meu amigo nos braços de um

adversário potencial, mas não tínhamos muita escolha. Lizandra os havia designado e nós tínhamos Simon e Christian conosco. Ela não se arriscaria a uma traição tendo tanto a perder. Dei a Tray mais um gole de sangue. O Blackwell pegou-o nos braços e desapareceu na floresta branca.

— Rovdyrs brancos? Não é possível! — comentou Lucius.— Tray está fraco, mas não louco. Eu acredito nele —

respondeu Josh.— Não há pistas, não há rastros e o ataque aconteceu há

horas — comentei. — Tray disse que foram em direção ao norte. Se o que a vampira falou é verdade, o bando deve estar

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acampado em algum lugar. Vamos nos espalhar. Somos em seis. Podemos manter uma distância de alguns quilômetros uns dos outros e enviar um sinal quando encontrarmos algo. Não temos muita escolha. Juntos estaremos mais seguros, mas cobriremos uma área menor.

Separamo-nos e partimos. Em séculos de existência, boa parte vividos em lutas e guerras, eu nunca sentira medo, mas confesso que naquele momento temia por minha vida e pela de meus companheiros. Rovdyrs brancos eram furiosos e implacáveis, segundo contavam os mais antigos de nossa espécie. Eles eram nossa origem. Todos descendíamos da tribo branca, mas julgávamos que não existissem mais, que houvessem se perdido durante os milênios de miscigenação pelos quais passamos. Enfrentá-los seria suicídio. Ainda assim, não podíamos abandonar Nick e fugir como covardes.

Vaguei pela neve durante horas, mas não encontrei um rastro sequer. Imaginei que os outros estivessem na mesma situação, já que nenhum aviso sonoro fora lançado. Em dado momento, decidi assumir minha forma animal, que me daria maior agilidade na busca, e me transformei. Imediatamente algo surgiu à minha frente e voou sobre mim com violência indescritível.

Eu acabara de virar comida para um rovdyr branco!Bill

— Tudo teve início quando éramos muito jovens. Já naque-la época, casamentos mistos eram proibidos e minha família havia assumido a responsabilidade de acabar com eles — co-meçou Lizandra.

— Essa parte eu conheço — disse.— Muito bem, então vou direto para a parte que imagino

que não conheça. Eu tenho uma irmã mais nova chamada Julia. A mãe de Simon. Bem antes de Joseph conhecer Rosie e acontecer tudo o que você sabe, Bill e minha irmã começaram a se interessar um pelo outro.

— Bill e a mãe de Simon? — perguntei, boquiaberta.— Sim. Minha irmã é uma criatura emocionalmente frágil,

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e ela adorava Bill. Para ela, os dois ficariam juntos para sempre, teriam filhos, enfim... Bill foi um jovem belíssimo. Ele era uma visão do Paraíso e muitas de nossa espécie se apaixonaram.

— Bom, ele continua sendo o homem mais lindo que eu já vi — comentei.

Lizandra riu e continuou:— Julia tinha tanta certeza de que se casariam que chegou

a consultar os mais antigos em busca de aprovação. Bill, en-tretanto, jamais deu mostras de querer se casar com ela ou qualquer outra. Namorava muitas, não se comprometia com nenhuma. Minha irmã, entretanto, não queria saber com quantas ele andava, desde que pertencesse a ela. Diferente dos humanos, nós não temos tantos entraves morais e sexo é algo que consideramos fundamental.

— Certo... — disse eu, imaginando o que vinha pela frente.— Não vou torturar você com isso, mas digamos que Bill e

Julia se viam muitas vezes, se é que me entende. Bill jamais dis-se a Julia que se casaria com ela, mas também não a desiludiu. Ou seja, ele alimentou o relacionamento, deixou que ela viajasse nas fantasias. Então, um grande amigo de Bill chamado Joseph conheceu uma jovem humana de nome Rosie e se apaixonou.

Neste momento, Alice apertou meu braço, indicando que eu prestasse muita atenção ao que seria dito e eu suspirei irri-tada. Não estava gostando nada daquela conversa.

— Eles eram todos muito amigos: Joseph, Bill, Tray, Nick, Josh, Matt e mais alguns outros que você não conhece. Aonde ia um, os demais estavam logo atrás. Eram inseparáveis. Mas um belo dia, Joseph saiu para caçar sozinho, não sei bem por que, e ouviu uma mulher pedindo ajuda na mata. Nós nunca usamos armadilhas para caçar, não precisamos delas, mas os humanos as usavam comumente. Joseph foi acudir a pessoa em perigo e quando a viu... Bem, a maldição dos rovdyrs caiu sobre ele: o pobre coitado se apaixonou. Você pode imaginar o resto. Ele ficou louco, perdeu o juízo, perdeu o senso, perdeu tudo. Os amigos acobertaram o namoro e começaram a conviver com Rosie, que os aceitou por serem como irmãos para seu

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namorado.— Bill me falou sobre isso — comentei, com o coração sus-

penso, esperando pelo que viria. — Ele disse que todos convi-viam com Rosie normalmente.

— E também disse que todos, de alguma forma, se apaixo-naram por ela?

— Sim...— Que bom, pelo menos isso — completou Lizandra, com

sarcasmo. — Um deles realmente se apaixonou por Rosie tanto quanto Joseph. Ele a amava tanto que chegou a pensar em tirar a própria vida por conta do que sentia. Isso só não aconteceu porque um dos nossos o encontrou no exato momento em que ia se matar e conseguiu evitar. O nome do caçador que o salvou é Linus Strideus.

— O doutor Strideus? — perguntei, boquiaberta.— O próprio. Ele convenceu o jovem a enfrentar a situação

e deixar que o tempo aplacasse a dor, mas isso é muito difícil quando se é um rovdyr, Megan. Tudo conosco é de tal forma exagerado que um humano jamais poderia avaliar o que sentimos, quando sentimos. Por isso o rapaz queria morrer. De um lado sentia um amor violento arrebentando seu peito, de outro a amizade e fidelidade ao amigo cobravam que esquecesse o que sentia.

Eu tinha uma pergunta na cabeça, para a qual já sabia a resposta, mas mesmo assim tinha medo de fazê-la e deixei Lizandra continuar.

— O namoro de Joseph ficou sério. Ele decidiu que se ca-saria com Rosie e partiria com ela para longe. Mas seu amigo, aquele que a amava, se desesperou. Pior do que ver a amada com outro seria não vê-la mais. Ele resolveu ir atrás de antigas histórias de nosso povo que diziam haver casais mistos que conviviam bem sem qualquer problema e que seus filhos eram tão saudáveis quanto os nossos.

— Bill falou disso e também do que aconteceu depois... so-bre sua família...

— E com certeza falou a verdade, mas deve ter omitido que essa matança só ocorreu porque ele se recusou a aceitar o

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fato de Rosie ir embora. Bill estava obcecado!— Então Bill se apaixonou mesmo por Rosie — eu disse,

desanimada, constatando aquilo que já pressentia.— Ambos a amavam e eram amigos. Bill jamais disse uma

palavra a Joseph sobre isso, mas confessou tudo a Julia, pois a via mais como confidente do que qualquer outra coisa. Isso acabou com ela. Minha irmã enlouqueceu. Ela chorava dia e noite. Não agüentávamos mais vê-la naquele estado deplorável, entende? E tudo por uma humana! Bill trocara Julia por uma humana! Era inaceitável.

— Resumindo: Joseph e Bill se apaixonaram pela tal Rosie, Bill inventou um jeito de os dois ficarem por perto depois de casados e sua irmã teve um chilique de ciúmes. E depois? — perguntou Alice, olhando para Christian pelo canto dos olhos.

Lizandra sorriu.— Rosie sabia dos sentimentos de Bill. Em algum

momento, ele acabou confessando o que sentia e ela não reagiu exatamente como previsto: Bill achava que seria rejeitado, mas não foi.

— NÃO?! — A pergunta saltou da minha boca.— Ela traiu o Joseph? — até Alice estava pasma.— Bem, isso depende muito do que você entende por trair,

não é? Rosie confessou a Bill que gostava dele tanto quanto de Joseph. Ao menos isso é o que eu sei porque foi o que Bill disse a Julia. Rosie estava apaixonada pelos dois.

Bill-Joseph! Meu Deus, eu conhecia uma história parecida! Senti meu rosto esquentar na hora, mas calei a boca, envergo-nhada. Quem era eu para julgar a tal Rosie?

— E aí? — perguntou Christian, entusiasmado com a história como se aquilo fosse um livro.

— Bill encontrou as provas necessárias para convencer nosso líder de que o casamento seria possível. Quando foram todos procurar Hardaad, ele não estava e quem os atendeu foi o irmão de Hardaad, que por sua vez tinha muito interesse em entrar para nossa família e imediatamente procurou por nós.

— Meu Deus! — exclamei, sentindo as peças se encaixarem na minha cabeça. Estava explicada a reação

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visceral que Bill teve na noite em que me contou parte daquela história. Ele, indiretamente, havia causado todo o mal!

— Pois é. E meu irmão achou que, se Rosie fosse tirada de cena, Bill voltaria para Julia.

— Então Rosie não foi morta por conta da proibição do casamento, mas por que Julia estava com ciúmes?

— Sim — respondeu Lizandra. — E Bill sabia disso. Dito assim parece pouco, mas Julia estava de tal forma perturbada que acabou enlouquecendo todos nós!

— Minha mãe...? — perguntou Simon entrando na sala. — O que houve com ela?

Simon estava pálido, magro, com olheiras. Ele sorriu para mim e eu devolvi o sorriso, vendo o dourado de seus olhos brilhar de forma encantadora.

— Megan!Ele deu um passo em minha direção e eu o abracei com

força.— Que bom te ver! — exclamei. — Você está bem?— Vou ficar — respondeu ele, sorrindo. Depois olhou para

Alice e para Christian com estranheza.— Alice está conosco... ela veio me fazer companhia até

eu voltar para Red Leaves.— Não sabia que já estava convivendo com humanos

normalmente, Chris.— Não estou, primo. Só com elas.Simon me olhou e eu fiz um breve relato do que havia

acontecido até então.— Você? — ele perguntou, olhando admirado para Alice

quando soube que ela era uma heks, e minha amiga apenas sorriu.

— O que está fazendo fora da cama? — indagou Pops, ao entrar na sala junto com o médico. — Ainda não está bem para ficar zanzando por aí.

— Não posso ficar descansando! Precisamos nos organizar e juntar reforços, além de encontrar quem fale o idioma daquelas criaturas. Você conhece alguém, Lizandra? Eles são numerosos e extremamente fortes. Nunca vi presas como

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aquelas e jamais soube de rovdyrs que provocassem alterações climáticas.

— Simon, as coisas estão um pouco diferentes do que imagina — disse Pops, com um suspiro cansado. — Bill já partiu para encontrá-los.

Simon empalideceu ainda mais: — Isso é loucura! Será preciso um exército para enfrentar

aquelas criaturas!— Ele não teve escolha. Nick foi capturado e Tray estava

gravemente ferido — disse eu.— Capturado como? Eles já estiveram aqui?— Não eles... Destiny — respondi.Simon abriu os braços em um gesto de rendição. Ele não

fazia a mínima do que eu estava falando. Christian, adiantando-se, resumiu a história e, quando terminou, os olhos dourados estavam arregalados, focados em todos nós.

— Uma vampira? Aqui? Lizandra, você enlouqueceu! Por que foi procurar os vampiros?!

Alice saiu da sala me levando junto. Christian veio logo atrás.

— O que você quer aqui? — perguntou ela a Christian. — A conversa é particular!

Ele deu meia-volta e ela me encarou: — Megan, está na hora de tirar seus pais desta casa. Sei

que quer ficar, mas eles precisam ir embora. As coisas vão ficar pretas por aqui.

— Você acha mesmo?— Tenho certeza. Ligam prós seus pais e diga que vamos

voltar. Imagina sua mãe convivendo com um bando de rovdyrs e vampiros se preparando pra guerra!

— Poxa, eu...— Liga agora! Vocês precisam sair desta casa!— Ta, vou falar pra eles ficarem por lá, mas eu não vou!— E a escola? Temos aula na segunda!Quem conseguiria pensar em aulas com tanta coisa acon-

tecendo ao mesmo tempo? Só Alice! Mas ela não era a única a querer me despachar de volta. Pops apareceu logo em seguida

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falando a mesma coisa.— Este não é o melhor lugar para humanos, Megan. Não

sabemos o que pode acontecer. Red Leaves parece uma opção bem mais segura neste momento.

— STRIDEUS! POPS!Os gritos chegaram até nós de supetão. Olhei pela janela e

vi um homem alto trazendo alguém nos braços. A neve em volta dele se tingia de vermelho rapidamente e meu coração se contraiu. Eu via uma massa de cabelos escuros esvoaçante e por um instante achei que fosse Bill, que ele estivesse morto.

Um rugido apavorado saiu de minha garganta, seguido por um rugido de dor. Alice arregalou os olhos, Pops correu para fora com Christian nos calcanhares. Simon saltou sobre mim e me segurou.

— Calma, Megan! Estou aqui!Sua voz era forte e impositiva. Ouvi-la me fez bem e eu

relaxei em seu corpo.— É Tray! — gritou Pops.O que vou dizer é horrível, mas senti um alívio indescrití-

vel, quase uma alegria por saber que não era Bill. Simon me soltou, mas sem me perder de vista.

— Que está acontecendo contigo? — ele perguntou, preocupado. — Desde quando você ruge?

— Longa história — respondi, sem olhá-lo.O homem entrou na casa e zuniu atrás do Dr. Strideus,

seguido por Pops, Lizandra e Christian. Simon ainda estava ao meu lado sem dar mostras de pretender sair dali.

— Pode ir — eu disse. — Já estou bem.— Tem certeza?Fiz que sim com a cabeça.— Eu vou, mas quero que me conte tudo, entendeu?— Eu conto, prometo.Alice e eu trocamos um olhar comprido, daqueles que fa-

lam muito em pouco tempo e ela me entregou o telefone. Avisei meus pais sobre um grave acidente envolvendo Tray e Nick e expliquei que seria melhor eles ficarem na cidade.

— E você? — perguntou meu pai.

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— Volto assim que alguém puder me levar, pai. Desliguei, me perguntando até quando continuaria enganando as pessoas que amava tanto.

É costume de nosso povo reunir as crianças em volta de fogueiras e contar sobre nossa origem e lendas. Perdi a conta de quantas vezes ouvi, fascinado, sobre os grandes rovdyrs do passado e seus feitos grandiosos. Também perdi a conta de quantas vezes nos falaram dos Brancos, a tribo primeira da qual todos descendemos. Eles eram uma lenda entre nós. Ninguém acreditava que ainda existissem e muitos duvidavam que sequer tivessem existido um dia. Do que se sabia sobre os Brancos, eles eram extremamente selvagens, de tamanho descomunal, guerreiros impiedosos e imbatíveis. E era justa-mente com uma criatura dessas que eu lutava naquele momento.

Ele se jogou sobre mim com tal velocidade que mal consegui escapar de seu bote. Em minha forma animal, sou gigantesco e ainda assim minhas garras sequer conseguiam alcançá-lo! Caímos na neve macia, cada um tentando manter o outro longe de seu pescoço. Formamos uma bola de carne e ossos e rolamos pela encosta. Meus rugidos, viajando pela imensidão fria, alcançaram meus companheiros e logo eles se juntaram a mim, atacando o gigante branco.

Foram necessários seis de nós para dominar apenas um deles. E mesmo dominado, ele era assustador. Tinha presas longas e afiadas, lembrando um Smilodon, e suas mãos eram como pás imensas. Braços, pernas, pescoço, cabeça, tudo era descomunal. Os cabelos eram cor de marfim e os olhos de um azul quase branco.

Ainda arfando, voltei à minha forma original e meu oponente me encarou assustado. Será que ele nunca havia visto um metamorfo?

— Quem é você? — perguntou Josh, lutando para manter o braço da criatura preso sob seu corpo.

— Esse monstro não entende nossa língua — disse Lucius, olhando para Josh como se meu amigo fosse um imbecil.

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— Ele é um agura! — rosnou Matt, sentado sobre o tronco do gigante.

— Agura! — repetiu o Branco. — A-GU-RA!— Meu Deus... ele entendeu! — Josh estava perplexo.— Simon tinha razão — disse eu.— Precisamos sair daqui antes que os outros cheguem.

Temos que levá-lo, Bill.Eu sabia que Josh tinha razão, mas como carregar aquela

criatura e, pior ainda, como mantê-la presa?De repente, o bando de Brancos chegou e já estava sobre

nós antes que tivéssemos tempo de nos recompor. Nunca em minha vida vi algo semelhante. Não tínhamos chance alguma contra eles. Mesmo os Blackwell, tão bem treinados, voavam pelos ares como se fossem de papel. Em questão de minutos, estávamos amontoados uns sobre os outros em uma pequena clareira, aguardando nossa sorte. Eles rugiam e urravam, provocando grandes ventanias ao redor. Apesar de derrotados, não estávamos gravemente feridos. Ainda tínhamos condições de lutar, mas nenhuma chance de vencer.

O brutamontes que havíamos dominado anteriormente se aproximou de mim e me ergueu no ar. Em seguida, falou algo a seus companheiros e imaginei que estivesse contando que eu me transformava em animal, porque todos me olharam com interesse redobrado. Ele me jogou de volta ao chão e expôs suas presas. Eu sabia que ia morrer, mas não morreria humilhado daquela forma. Voei sobre ele e consegui cravar as presas em seu braço com toda a força de minhas mandíbulas. O gigante urrou de dor e começou a jorrar sangue. Meus companheiros esboçaram uma reação, mas logo o bando caiu sobre nós. Minutos depois, estávamos vencidos e empilhados como mantas de carne no matadouro. De todos os finais que havia imaginado para minha vida, jamais pensei que acabaria sugado por um ancestral de minha própria espécie. O branco se colocou em nossa volta e, quando achei que seriamos destroçados, eles simplesmente se viraram de costas, totalmente imóveis.

— O que estão fazendo? — sussurrou Josh. — Por que não

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acabam logo com isso?— Que espécie de caçador é você?! — indignou-se Lucius

Blackwell. — Não reconhece esse movimento?Josh me olhou e eu vi, pela primeira vez em séculos, o

pavor em seu olhar. O que os agura — nome pelo qual os antigos chamavam caçadores canibais — estavam fazendo era proteger sua presa de outros predadores que se aproximavam. Mas quem? Não havia qualquer som no ar, não havia movimento ou odor. Não havia nada ali além deles e de nós!

Sem hesitar um segundo, aproveitamos a ocasião para tentar escapar. Eles pareciam mais preocupados com os supostos adversários do que conosco. Lenta e silenciosamente, começamos a nos mover para fora do círculo, mas estávamos lidando com criaturas capazes de detectar sons praticamente inaudíveis. Fomos jogados de volta ao centro com violência e seus olhares deixaram claro que, se quiséssemos ter mais alguns minutos de vida, deveríamos permanecer quietos.

— Não há nada aqui. Por que eles não acabam logo com isso? —perguntou um dos Blackwell.

Abri a boca para responder, mas minha resposta ficou entalada na garganta.

Eles surgiram em absoluto silêncio e se espalharam sobre os agura feito uma onda de morte e destruição. Era nossa chance. Não conseguíamos ver direito quem eram, mas nos unimos a eles. O cheiro de sangue instigava nossos instintos e acabamos nos tornando aquilo que já não éramos há séculos: assassinos sedentos para matar. Não sei quantos abati e nem sei com quantos lutei. Tudo era confusão, gritos, dor e neve. Em determinado momento, senti Josh me puxar com força e, ao olhar para onde ele olhava, vi duas pessoas paradas, a distância, comandando os ataques com gestos quase imperceptíveis. Por tudo que me era mais sagrado, não conseguia acreditar em meus olhos! Como duas estátuas, lá estavam Destiny e seu homem. Ele era alto, tanto quanto eu, e emanava força, poder, autoridade. Os cabelos, de um dourado escuro, estavam presos em uma trança, que caía por suas costas amplas e volumosas.

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— MEU DEUS! — gritei sentindo o corpo inteiro reagir àquela visão.

Ainda segurando meu braço, Josh tinha no rosto a mesma expressão de perplexidade que eu.

Não era o fato de termos sido salvos por vampiros que nos deixava atônitos, mas o homem que acompanhava Destiny. Ele nos fez imaginar que o dia do Juízo finalmente havia chegado.

Capítulo 8

Fantasma

A luta continuava e fomos novamente tragados por ela. Quando voltei a olhar, nem Destiny nem seu acompanhante estavam mais lá. Não fosse Josh ter visto o mesmo que eu, julgaria ter sido uma alucinação. Não sei durante quanto tempo continuamos lutando com os agura e não consigo precisar em que momento me dei conta de que meu braço sangrava e meu tronco estava cheio de ferimentos. Não eram profundos e logo estariam cicatrizados, mas o mesmo não podia dizer de meus companheiros. Dois dos Blackwell estavam mortos. Josh e Matt permaneciam em pé, mas também feridos. Havia quatro vampiros caídos e vários agura pelo chão. Ainda assim, os que restavam lutavam como feras ensandecidas.

O fedor de sangue infestava o ar e a cor vermelha tingia a neve, em meio a gritos que rasgavam a floresta. Embora não quisesse admitir, era notável a habilidade dos vampiros que lutavam ao nosso lado. Rápidos, precisos, ferozes, atacavam de forma coordenada até que, por fim, eles e não nós, conseguiram fazer o grupo de Brancos debandar e sumir pela mata congelada.

Dos monstros caídos, um continuava vivo, embora muito ferido. Foi em torno dele que nos agrupamos. Obter informações era vital para nós, mas ninguém conseguia se comunicar com a criatura. Sua linguagem primitiva nos era

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totalmente desconhecida.Olhei para meus companheiros avaliando a situação.

Lucius recolhia os corpos de seus pares com expressão de dor. Era evidente o quanto sentia aquelas mortes, mas sabíamos que ele jamais diria uma única palavra sobre elas.

— O que fazemos com ele? — perguntou Josh, limpando o sangue que escorria por seu rosto.

— A criatura está quase morta — disse Matt.Os vampiros se aproximaram, fechando um círculo ao

nosso redor. Eram cerca de 40 ou 50, e nós, apenas cinco. Um deles se destacava, aparentando ser o chefe do grupo.

— Eu sou Bill — me apresentei. — Estes são Josh, Matt, Lucius e...

— Thomaz — respondeu o outro Blackwell.— Sou Lazan — disse o vampiro.— Obrigado pela ajuda...— Agradeça a ela — respondeu, sem se mover.— Ela... ? —perguntou Josh.— Ele está falando de mim — disse Destiny, surgindo de

repente ao lado do guerreiro caído. — Talvez agora acredite quando digo que vocês precisam de nossa ajuda e que estamos aqui em paz.

Não respondi. Jamais pensei que um dia agradeceria a um vampiro por me salvar a vida e, pior, que lutaria ao lado de um bando deles de igual para igual. Destiny ajoelhou-se sobre o agura, colocou as mãos em volta de sua cabeça e fechou os olhos, concentrada. Miúda como era, parecia uma criança ao lado daquele ser descomunal.

— Eles são muitos e estão vindo em nossa direção. Estes eram apenas batedores — disse.

— Por quê?— Não consigo saber, mas é uma marcha orquestrada, não

uma migração. Eles têm um propósito definido, mas este não sabe qual é. Ele pertence a uma hierarquia inferior. Por meio dele, não consigo saber quem é o líder.

— Como você...?Destiny sorriu:

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— Varredura mental. Uma de nossas muitas habilidades.Depois, virando-se para mim, acrescentou:— Sugiro que o deixem aqui, pois já está quase morto. E

caçador, se posso lhe dar um conselho, reúna seus amigos e conte a eles o que está acontecendo. Vamos precisar de toda ajuda possível para enfrentar o que se aproxima de nós.

Não respondi, apenas fiz um ligeiro movimento de cabeça.— Havia um homem com você durante a batalha — disse

Josh, rompendo de vez as barreiras do medo. — Quem é ele?— Um homem? Não me lembro de ninguém ao meu lado. Uma ruga surgiu em seu rosto impecável.— Não minta, vampira!Ele avançou um passo em sua direção, provocando um

movimento no bando inimigo.Destiny sorriu:— Vão ter de aprender a conviver conosco se quiserem

sobreviver e salvar os humanos. Não somos inimigos, somos aliados nesta luta. Se eu digo que não havia ninguém comigo, não havia.

— Nós dois vimos! — eu disse.Ela me olhou por um longo tempo, observando-me com

atenção.— Talvez fosse meu marido — ponderou. — Todos os de

minha espécie possuem uma ligação mental poderosa. Como estávamos dirigindo o ataque a distância, talvez tenham captado nossa imagem. Eu não estava aqui. Cheguei apenas quando a batalha terminou.

— E quem é seu marido? — insistiu Josh.— Alguém que não gostarão de encontrar.— Você ao menos conseguiu ver para onde levaram nosso

amigo? Sabe se ele está vivo? — perguntou Matt.— Não, mas pelo que presenciamos aqui, as chances de

seu amigo estar vivo são nulas. Os agura são canibais e estão com pouco alimento. Agora, se nos dão licença...

Destiny ergueu-se e desapareceu com seu bando.— Não! — minha voz saiu baixa, pesada e sinistra. Nick

estava vivo, eu podia sentir. Por alguma razão estranha, eu

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estava certo de que sua captura nada tinha a ver com alimentação.

— Isso é um pesadelo! — desabafou Matt. — Não pode estar acontecendo, Bill. Quem, afinal, vocês viram com ela?

Josh e eu trocamos um olhar sério e foi ele quem respondeu a Matt.

— Não é possível! Vocês estão loucos! Vampiros são cheios de truques! Ela enganou vocês!

Lucius, que até aquele momento estava calado, aproximou-se, bateu em meus ombros e apontou para os companheiros mortos. Reunimos-nos em volta dos cadáveres, Lucius conduziu uma breve cerimônia típica dos rovdyrs e então incendiou os corpos. Devido à nossa natureza, nossos corpos sem vida queimam com extrema facilidade. Quando acabou, estávamos mergulhados em um silêncio pesaroso e foi envolto nele que fizemos nossa marcha de volta. Matt, eu sabia, sofria por Nick, revoltado por não podermos seguir em frente e resgatá-lo. Eu e Josh, além de Nick, estávamos assombrados pelo fantasma que tínhamos visto.

Dias sombrios aguardavam a todos nós e, em meio ao negrume daquela existência sangrenta, uma única luz iluminava a todos: Megan.

Bill

Tray estava sendo cuidado, mas até que Bill chegasse, Strideus apenas tratava de mantê-lo vivo. Pops estava com ele, Christian voltara a seus aposentos (que eu não sabia em que parte da casa ficavam), Alice fazia as malas e Lizandra estava com Simon, reunida a portas fechadas. Sobre o que conversa-vam eu não fazia idéia, mas não queriam nenhum de nós por perto. Havia uma atmosfera pesada em cada canto daquela casa maravilhosa, diminuindo seu esplendor e luxo. Sem saber o que fazer, entrei no quarto de Bill e fechei a porta. Meu peito estava pesado e minha alma doía sem que eu soubesse dizer exatamente pelo quê.

Encolhida, deitei-me na cama de Bill, abraçada ao traves-seiro que ele nunca usava, numa tentativa infantil de senti-lo

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mais perto, de volta em meus braços.Por mais que ao olhar para Simon meu coração tivesse se

apertado, era Bill que eu amava. Esse sentimento parecia vir de muito longe, como se fosse uma coisa eterna. E havia o homem da trança dourada. Quem seria? Por que falara comigo muito antes de tudo começar? E por que todos me tratavam como se houvesse uma grande verdade que eu não podia conhecer? Tantas perguntas e as respostas vinham picadas, em pequenas peças que aos poucos iam se encaixando. E eu não gostava nem um pouco daquilo que elas apontavam. Ninguém era exatamente o que aparentava ser.

— Finalmente a encontrei! — exclamou Pops, abrindo a porta do quarto sem qualquer cerimônia.

— Já fez as malas?— Que malas? — perguntei, irritada. Não havia nada para

colocar nelas.— Sua amiga já está pronta. Precisamos ir embora, Megan.— Eu não quero ir, Pops! Sei que é besteira, mas parece

que, se for pra cidade, vou ficar ainda mais longe de Bill!Ela sentou-se a meu lado em um raro gesto de empatia e

segurou minhas mãos.— Você precisa ir. Ninguém sabe o que vem por aí. Prome-

to que se Bill der notícias, ligo para você imediatamente.Olhei pra ela com os olhos marejados. A bondade em seu

rosto desatou o nó que prendia minhas apreensões e eu deixei as lágrimas correrem livremente.

— Não fique assim, menina. Já viu as coisas que Bill trouxe para você?

Ver? Eu nem lembrava mais que elas existiam.— Vou colocar tudo no carro. Quando se sentir pronta,

estamos lá embaixo esperando. Só não demore mais do que quinze minutos, OK?

— Certo — respondi, voltando a abraçar o travesseiro.Ela saiu e dois minutos depois entrou o Dr. Strideus. Alice

estava coberta de razão, não havia privacidade naquela casa.— Como se sente? Acha que precisa de outra dose antes

de ir? — perguntou ele.

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— Sim. Os sintomas estão voltando...Ele sequer respondeu. Tirou a seringa do estojo e me apli-

cou mais uma dose do que eu havia apelidado de 'vacina anti feral'.

— Qualquer problema, me avise imediatamente. Não respondi e ele saiu.Voltei a abraçar o travesseiro, gritando por Bill dentro da

cabeça."Fale comigo, por favor, diga que está vivo!", pensei,

visualizando sua imagem."Megan! É mesmo você ou minha imaginação?", a voz dele

soou clara e limpa em minha cabeça.Graças a Deus! Ele estava vivo e nossa ligação telepática

estava voltando. Comecei a chorar de alegria e a pular na cama feito louca. Ele estava vivo, estava vivo!

"Estamos voltando. Não conseguimos encontrar Nick. Houve uma violenta batalha, Megan."

Tentei perguntar detalhes, mas a voz de Bill desapareceu.Lá fora, Pops buzinou, mas ignorei. Não ia sair dali en-

quanto Bill não chegasse, nem que para isso tivesse de virar uma onça e morder Pops. Não mesmo!

Ela buzinou outra vez e mais outra. Então, irritada, desceu do carro e veio atrás de mim.

— Vamos! — disse, entrando no quarto.— Não. Bill está chegando. Vou esperar por ele!— E como sabe...?— Ele falou comigo mentalmente. Disse que não encontra-

ram Nick, que houve uma batalha e que está voltando.— Falou... "mentalmente"?Era evidente que ela não acreditava.— Sim. — meu olhar era desafiador.— Megan, não me obrigue a levá-la à força. Você precisa

ir!— Não vou! Não saio daqui até Bill chegar!— Muito bem, mas lembre-se: não vou ficar protegendo

você. Se quer ficar, fique por sua própria conta e risco.Dei de ombros. Eu podia me virar sem ela. Ao saber que

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não queria partir, Alice também tentou me fazer mudar de idéia.

— Megan, mesmo que Bill esteja voltando, é perigoso de-mais ficar aqui. E imagine só a aflição de seus pais!

— Eles não vão se preocupar. Digo que fiquei pra ajudar a cuidar de Tray.

— Tá bom. Então eu vou ficar com você.— Isso é chantagem! — reclamei.— Não, é solidariedade. Aqui é o quarto de Bill?— Hum-hum.— Lindo, né? Então é assim que as celebridades dormem.

Ou fingem que dormem.Ela não perdia o bom humor.— Megan, queria te perguntar uma coisa. Você e o Bill,

quando estavam em Nova York, vocês....?— Quem me dera! Eu bem que queria, mas ele não se per-

mite. Disse que tem medo de se descontrolar e me morder.— Que saco!— Nem fale! Na noite que ele chegou, a gente meio que fi-

cou junto um pouco e sem querer ele arranhou meu pescoço. Você precisava ver o pânico que foi!

— Jura? Ele tem medo que você vire vampira, né? Mas eu não acho que isso vai acontecer. O sangue dele não cura tudo? Está até transformando você!

— Fala isso pro Bill. Sinceramente, não sei nem se algum dia vai rolar.

— Ah, vai! — garantiu ela, rindo. — E eu quero estar bem longe nesse dia. Com tanta tensão acumulada, vocês vão in-cendiar a floresta.

Eu ri. Cinco minutos e já tinha esquecido todos os proble-mas. Alice era fabulosa mesmo.

— E aquela história do Bill e da Rosie?— Pois é. Fiquei morrendo de ciúmes.— Incrível isso... os rovdyrs costumam passar a eternidade

apaixonados pela mesma pessoa. Bill amava Rosie e agora ama você. Não é estranho? E o tal do Joseph, que ninguém nunca diz onde está...

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— Já pensei nisso, Alice. Também não entendo.— Você acredita em reencarnação? — perguntou à

queima-roupa.Pois é, eu vinha evitando pensar nisso com todas as

minhas forças. Tudo já estava complicado o suficiente sem que eu precisasse enfiar histórias de fantasmas no meio.

— Não sei... e você? Bill acredita. Todos eles acreditam. Dizem que os humanos ficam indo e voltando pra Terra em vidas e mais vidas. Eles só não encaram isso como algo extra-ordinário. Falam que é tudo parte da natureza.

— Então, voltando ao assunto da Rosie... a reencarnação explicaria tudo. Você era ela e agora é você, mas também é ela. Entendeu?

— Sei lá. Não acho que tenha vivido outra vida nem nada disso. Não sinto, entende? Pra mim, esta história soa forçada.

— Pode ser, mas ela explicaria tudo. E se for verdade... se você for mesmo a Rosie?

— Para com isso!— É sério. Pensa comigo: você é a Rosie, o Bill conseguiu

te encontrar e vocês se apaixonaram. Quer dizer, reapaixonaram. Se ele te achou, cadê o outro, o Joseph? Se ele ainda está vivo, então significa que também pode vir atrás de você, certo?

— Posso saber de onde tirou tudo isso?— Sou adolescente e penso. Fácil assim.Eu ri, mas não pude deixar de me perguntar se ela não

tinha razão. E se tivesse, será que Joseph já não teria me alcan-çado? A imagem do homem alto de tranças douradas surgiu em minha imaginação...

— Deixei você encucada? — ela perguntou, ainda rindo.— Encucada com o quê? — indagou Pops entrando no

quarto.— Que inferno! Será que não se tem sossego nesta casa?

Isto é uma conversa particular! — protestou minha amiga.— Desculpe. Só quis avisar que preparei comida para

vocês. Liguei para seus pais e disse que a levaríamos pela manhã.

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— Obrigada, Pops. Nós já vamos — respondi. Ela saiu e Alice me olhou séria.— Acho que precisamos terminar de conversar com

Lizandra e descobrir o resto da história. Já deu pra perceber que Bill e os outros não vão contar tudo.

Minha amiga estava coberta de razão. Mas será que eu queria mesmo saber a verdade?

Não resisti quando vi Bill e os outros em batalha. Está-vamos em maior número e éramos mais velozes, mas isso não diminuía a habilidade ou coragem de Bill e seus amigos. Ele sempre fora um guerreiro formidável e não perdera essa virtu-de com o tempo. Havia audácia e objetividade em seus golpes. Vê-lo ali me lembrou de épocas que eu preferia esquecer, mas ainda assim não podia deixar de reconhecer o quanto eu o admirava por isso.

Josh foi o primeiro a me ver e depois Bill. O que li em seus olhos faz valer cada gota de tudo que senti no passado: pavor, susto, incredulidade. E eu sabia que muito ainda estava por vir.

Aqueles rovdyrs eram fortes e vinham às centenas. Mesmo que todos os vampiros e todos os rovdyrs do mundo se unissem contra eles, ainda assim, eu teria dúvidas da vitória. Não seria na força ou na guerra que os derrotaríamos, mas na estratégia. E para que isso acontecesse, Bill teria de se unir a mim.

— Espero que esteja feliz, Hans. Bill reconheceu você — comentou Destiny, visivelmente contrariada.

— O que disse a ele?— Nada. A disputa entre vocês não me diz respeito. Não

vou me meter em briga de crianças.— O que descobriu? — perguntei.— O óbvio. São muitos e não temos como derrotá-los. Não

conseguindo chegarão líder. As criaturas não pensam, apenas obedecem. A única maneira é tentarmos chegar ao cabeça do bando.

— Ao menos é possível nos comunicar com eles?— Seus amigos os chamaram de "agura". Sabe o que

significa?

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— Agura? Não é possível. Os agura não existem!— Nós também não, de acordo com os humanos.— Segundo as lendas, os agura são um povo antigo e feroz

que não possui qualquer restrição em se alimentar de seres vivos. Nunca imaginei que fossem reais... até agora.

— Então eles matam humanos.— Qualquer criatura que esteja respirando.Destiny me olhou preocupada. Durante séculos, havíamos

trabalhado juntos por um objetivo comum: livrar os vampiros dos caçadores e agora um bando deles parecia disposto a destruir nossa tênue esperança de sucesso.

— Acho que está na hora de você, Bill e Lizandra terem uma conversa séria, Hans. Se não fizermos algo, seremos dizimados. Só não entendo por que agora e por que em Red Leaves.

Destiny insistia em me trazer para a razão, mas meu coração permanecia obscurecido pelo ódio.

— Preciso de tempo.— Isso é algo que nenhum de nós tem. O momento é

agora, Hans! Destiny se foi, deixando-me entregue à dúvida e uma feroz

luta interna. Quem sairia vencedor dela, apenas o tempo poderia dizer.

Hans

Bill chegou pouco depois do jantar. Ele tinha ferimentos nos braços e dois riscos vermelhos no peito, todos em adian-tado processo de cicatrização. Josh, Matt, Lucius e Thomaz não estavam em melhor estado, mas ninguém fora gravemente ferido. Todos, porém, pareciam pesarosos e humilhados. Algo terrível devia ter acontecido para abater tanto o orgulho dos rovdyrs.

Assim que entrou em casa, Bill me tomou nos braços sem me dar tempo de respirar. Foi a primeira vez, desde que nos conhecemos, que ele agiu como um namorado normal, sem cuidados ou reservas. Sem pedir permissão, me levou para seu quarto, fechou a porta e me beijou com uma volúpia

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assustadora. Eu já não respirava mais, não sabia quem era ou onde estava. Passei a existir em algum lugar do universo, pairando entre luzes e pulsações, MUITAS pulsações. E Bill não parava, sedento e desesperado, como se há séculos não nos víssemos. Entre beijos e sussurros, carinhos e desespero eu me perdi na paixão mágica e perigosa de um rovdyr. Então, quando achei que finalmente teríamos nosso grande momento, ele se afastou.

Por que meu amado sempre parava quando realmente ia começar? Aquilo estava me enlouquecendo! Sem qualquer consideração pelo fato de que se ele não tivesse parado eu es-taria morta, me joguei sobre ele e o apertei contra meu corpo.

— Por favor! — pedi.— Não, Megan! Não faça isso!— Por que não? Foi você quem começou!O que ele pensava que eu era? Me levava à loucura para

depois simplesmente se afastar? Será que Bill não sabia nada sobre hormônios femininos?

— Desculpe... — foi sua resposta. — Eu estava louco para tocá-la, para sentir seu corpo... Pensei que jamais fosse vê-la novamente!

— E por que parou? Foi tão ruim assim?— Ah, Megan... não diga bobagem! — disse ele, me

abraçando novamente. — Me dê um minuto... eu preciso lavar todo este sangue.

Quando um rovdyr lhe pedir um minuto, cronometre, porque será exatamente isso. Um minuto depois ele voltou limpo, cheiroso, com os cabelos molhados e brilhando como seda. Suas presas não estavam mais à mostra, mas os olhos faiscavam em minha direção. Eu conhecia aquele olhar, eu amava aquele olhar... o olhar da minha perdição.

Ele me aconchegou em seus braços e relatou tudo o que havia acontecido, inclusive a intervenção dos vampiros, e ex-plicou que, não fosse isso, ele teria morrido. Quando pedi que falasse sobre os agura, ele os comparou a um bando de caça-dores pré-históricos, selvagens e famintos. Na hora imaginei um exército de neandertais marchando sobre nós.

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— E você não acreditou quando Destiny disse que tinha vindo oferecer ajuda... — comentei, com cuidado. Sabia que aquele era um terreno perigoso. Ele acariciou meus cabelos e se calou. Tive a impressão de que havia mais a ser dito e que Bill estava escolhendo as palavras para não me apavorar.

— Desde que entrou na minha vida, nada mais foi igual, Megan. Tudo que eu tinha como certo e definido simplesmente desmoronou. Quando poderia me imaginar em um local junto com Lizandra, a menos que fosse para matá-la? Não apenas isso, salvei a vida de Christian e a de Simon... e agora os tenho, não apenas sob meu teto, mas sob meus cuidados também.

— As coisas mudam — comentei, sem saber o que mais dizer.

— E agora, os vampiros. É inacreditável.— Mas eu não tenho nada a ver com isso, Bill. No caso dos

Blackwell, até tive, mas agora...Ele me olhou e sorriu.— Eles a salvaram, meu amor. Definitivamente, você tem

tudo a ver com isso. Mas já chega de falar. Agora quero que durma em meus braços.

— Não. Eu não quero dormir. Não estou com sono! Bill sorriu e disse suavemente:— Durma, Megan.Soltei um bocejo e me aninhei em seu peito. Quando me

dei conta de que ele estava comandando minha mente, já era tarde. Adormeci quase que imediatamente e, quando voltei a abrir os olhos, não sabia onde estava e nem que horas eram. Só sabia que meu coração estava descompassado e que sentia uma estranha compulsão para descer correndo as escadas, como se lá embaixo estivesse alguém que eu esperava, há mui-to, encontrar...

Coloquei Megan para dormir não porque queria me livrar dela, mas porque não sabia quanto mais conseguiria resistir a seu lado. Meu corpo gritava pelo dela e minhas presas se recusavam a permanecer retraídas. Como gostaria de fazê-la minha!

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De alguma maneira eu sabia que não teria tempo ou condições de lidar com tudo que estava acontecendo. Eu sabia que teríamos de nos unir ao exercito de Destiny e que seria extremamente difícil convencer os outros disso, mas sem reforços seríamos todos devastados. O cheiro da morte se aproximava na forma de ventos gélidos, mas nada disso realmente importava para mim. Um único pensamento me torturava: ele estava de volta! Era mais forte que eu e levaria Megan de mim.

Deixei Megan adormecida, desci e me reuni aos outros. Tudo o que havia acontecido foi repassado em detalhes e as perguntas choveram sobre nós. Ninguém acreditava que eu e Josh o havíamos visto. Esse fato superou até o perigo que se avizinhava, a morte que nos rondava.

— Não é possível! — Pops me olhava em choque. — Vocês se enganaram!

Simon Blackwell me olhou estarrecido. Ele amava Megan e, embora não fosse nascido quando tudo aconteceu, sabia o que a presença daquele homem significaria para todos nós.

— Ele está de volta — disse Lizandra —, só que agora é um vampiro. Destiny é sua mulher, mas é evidente que o passado ainda tem peso sobre ele.

— Por que não nos disse antes, Lizandra? — cobrou Simon.— Para me proteger — respondeu Christian, com pesar.

Interessante como ele se modificava a cada dia, deixando sua natureza selvagem por outra mais sofisticada e serena.

— Meu Deus, isso é um pesadelo eterno!— Pesadelo ou não, mais importante do que a disputa que

fatalmente irá acontecer é tecermos um plano para enfrentar os agura — disse Josh.

— Ele está certo — concordou Simon. — Vamos juntar esforços e, se para isso for preciso nos aliar aos vampiros, que seja! Depois resolvemos o resto.

— O "resto" como você diz, Simon, é minha razão para viver!

— Não apenas a sua! — protestou ele. — Você não é o único aqui apaixonado por ela! Mas, mortos, de nada servirá o

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amor que sentimos.Ele estava certo. Primeiro a sobrevivência, depois Megan.

Ao menos em um ponto todos concordávamos: não era coincidência os agura estarem vindo a Red Leaves naquele momento. Havia algo ou alguém por trás disso, mas quem? Passamos boa parte da noite analisando estratégias e alianças, fazendo telefonemas, mandando mensagens. Em algum momento no meio disso, Strideus enfiou uma agulha em meu braço e extraiu boa quantidade de sangue para Tray, cujos ferimentos não melhoravam como deveriam. Repentinamente Christian levantou e apontou para fora:

— Há um vampiro aqui.— Como sabe? Não sinto nada...— Eu sou vampiro, lembra?— Não entendo por que não consigo detectá-los como

sempre fizemos — reclamou Josh, frustrado.— O que vocês detectam é o cheiro do sangue humano em

nós. Esses vampiros se alimentam de animais e não exalam odor algum — explicou.

— Onde está ele? —perguntei.Christian apontou para fora e eu o vi. Fui em sua direção

seguido pelos demais.— Trouxe uma mensagem, Bill Stone — disse ele, em tom

sombrio. — Destiny e Hans querem vê-lo.— Aqui?'— espantou-se Pops.— Onde for mais conveniente. Eles vêm em paz.— Se querem me ver — respondi, controlando as emoções

—, que venham até aqui, em meu território.Lazan maneou a cabeça e desapareceu na floresta escura.— Chegou a hora, Bill — suspirou Matt.Nós nos olhamos em silêncio e voltamos para dentro de

casa. Eles aportaram assim que fechamos a porta. Nunca desejei tanto que as lendas humanas estivessem certas e que vampiros só pudessem entrar quando convidados. Ou que fossem sensíveis a estacas ou cruzes. Adoraria queimá-los com dois crucifixos de prata!

Destiny me olhou séria, mas foi o olhar de seu

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companheiro que ardeu em meu coração carregado de sombras...

Bill

Capítulo 9

Joseph

Acordei no meio da madrugada com o coração aos saltos. Despertando de um sono sem sonhos, olhei para a escuridão à minha volta e percebi uma total ausência de sons. Senti-me em uma tumba. Com o coração disparado, fui atraída para fora da cama sem saber por quê. Estava amassada, descabelada e com um gosto de parafuso na boca. A impressão era de que tinha dormido por vários dias.

Como quem caminha sobre nuvens, desci os poucos de-graus que separavam o quarto de Bill do corredor de acesso aos outros aposentos. Não conseguia pensar. Meus ouvidos estavam tapados, meus olhos pesados. Ao passar pelo quarto de Alice, vi luz sob a porta e quis parar ali, mas uma força desconhecia me impelia a continuar. Ela, entretanto, deve ter pressentido minha presença, porque se juntou a mim e, ao meu lado, desceu as escadas rumo à sala principal.

Havia um silêncio pesado no ar. Apenas o vento lá fora indicava que ainda havia vida no mundo. Atravessei as salas e, não fosse Alice me puxar pelo braço, teria entrado no grande salão onde apenas a lareira ardia, iluminando vultos que eu conhecia bem.

— Acorde! — sussurrou ela, com a boca colada em meu ouvido.

Olhei para minha amiga sem entender o que dizia. Como assim? Eu estava acordada, ao menos parte de mim estiva.

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Continuei em frente. Meus olhos estavam fixos no homem alto e de cabelos dourados, de costas para as portas de vidro que refletiam o fogo. Percebi que eu sorria e que meus olhos se enchiam de lágrimas. Corri para ele e me joguei em seus braços entre soluços e uma sensação de alívio.

— Joseph! — exclamei chorando, olhando para seus olhos espantados.

— Rosie! — disse ele, fechando os braços à minha volta. —Meu amor! Minha mulher! Eu vim buscá-la.

— Eu sei — respondi, sorrindo.— Acorde! — novamente a boca de Alice estava colada em

meu ouvido. Olhei para ela sem entender por que me chamava se eu estava nos braços dele!

— Vamos — disse o homem, beijando meus lábios com suavidade.

Suas presas eram longas, afiadas. Eu já havia visto presas assim, mas não me lembrava onde.

— ACORDE, MEGAN! — gritou Alice, desta vez com tal força que estremeci.

Olhei para ela e para Joseph sem entender como aquilo estava acontecendo.

— Você vem comigo? — insistiu ele.— MEGAN!Eu abri os olhos e me senti desnorteada. A luz do quarto

me incomodava e a expressão de Alice me assustou:— Que foi? O que aconteceu?! — perguntei, pulando da

cama.— Um vampiro estava querendo te levar — disse ela.— Me levar? Pra onde? Eu estava dormindo...— Você estava em transe! Eu disse que este lugar seria

perigoso pra humanos.— Do que está falando? Eu estava sonhando que... Meu

Deus! Alice, eu ia embora com ele! Ia trair Bill e virar vampira...— Calma! Você não ia trair ninguém. Estava sob efeito do

transe. Vampiros sempre fazem isso.— Mas ele me beijou! E eu gostei! Eu queria ir com ele,

Alice. De verdade!

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— Bom, acho que você pode decidir isso acordada, agora.— Como assim?— O sujeito está lá embaixo com Destiny. E, a menos que

queira arriscar a vida de Bill e seus amigos, aconselho você a descer e resolver essa história de uma vez por todas.

Numa repetição de meu sonho, desci com Alice, total-mente apavorada. Não porque temesse ver Joseph, mas porque tinha medo de minha reação. E se eu me jogasse sobre ele e conscientemente dissesse que queria ir embora? Como no sonho, eles estavam todos reunidos no grande salão e a lareira ardia, só que desta vez todas as luzes estavam acesas e eu não flutuava.

Descalça, desarrumada e meio bêbada de sono, caminhei pelo salão olhando para meus próprios pés. Só parei quando cheguei ao lado de Bill.

— Megan! — a exclamação escapou de Joseph sem que ele conseguisse reprimi-la.

Eu o olhei nos olhos. Ele era maravilhoso, agora que conseguia vê-lo com nitidez. Tão alto quanto Bill, cabelos que brilhavam como ouro, olhos verdes, porte de um deus. Destiny aguardava impassível ao seu lado, apreensiva como todos à nossa volta. Bill segurou minha mão com força.

— C-como vai? — perguntei, vacilante.Ele apenas me olhou com olhos brilhantes. Tudo em volta

era silêncio. Tudo estava em jogo. Eu estava em jogo. Não era difícil entender por que Rosie havia se apaixonado por ele. Joseph tinha uma poderosa aura magnética. Também não era difícil entender por que ela se apaixonara por Bill. Mas eu não era Rosie, eu era Megan. Eles viviam no passado, eu no presen-te. E definitivamente não acreditava em reencarnação.

— Oi, Destiny — cumprimentei para quebrar o silêncio. A sensação de que o tempo havia sido suspenso e de que todos esperavam para ver minha reação estava acabando comigo.

— Como vai, Megan? — ela respondeu, com a sombra de um sorriso.

— Estou atrapalhando alguma coisa? — perguntei, olhando para Bill, que apenas me abraçou em resposta. A situação pa-

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recia um jogo de xadrez. Eu era uma peça extremamente im-portante e cabia a mim decidir o próximo movimento no jogo.

— Obrigada por salvar minha vida. E a do meu irmão e da minha mãe — disse, com suavidade.

Joseph sorriu e eu me deslumbrei. Não tinha como não me deslumbrar, ele era simplesmente maravilhoso.

— Não há de quê — ele respondeu, com a voz que eu co-nhecia tão bem e que era tão parecida com a de Bill. Eu podia sentir o corpo de Bill se retesando cada vez mais. Era evidente que Joseph e Bill adorariam se fazer em pedaços, que todos eles tinham razões de sobra para se atacar, mas estranhamente, como era uma cena congelada, ninguém se movia. Então, não sei o que me deu. Algo em mim explodiu e decidi que era hora de acabar com aquilo.

— Posso te perguntar uma coisa? — falei olhando para Joseph, mas sem sair do lado de Bill.

— Claro.— Você me viu transformada. Que animal eu sou? Senti todos os olhos sobre mim, mas não liguei.— Uma tigresa. Uma linda tigresa branca. Bill rosnou, mas eu arregalei os olhos.— Tigresa? Bill é uma pantera negra, Tess é uma pantera...

por que sou diferente? Que saco!— Megan! — Bill me encarou, perplexo.— Não quero ser de outra espécie. Quero ser igual a você!Joseph arregalou os olhos e Destiny sorriu aliviada. Não me

dei conta de que minha reação infantil havia respondido a grande pergunta que pairava no ar: Bill ou Joseph? Bill. Defi-nitivamente e para sempre Bill.

— Vou falar uma coisa e quero que vocês dois me ouçam — continuei. — Sei que acham que sou a reencarnação da Rosie, mas eu não acredito em nada disso. Sinto por vocês não serem mais amigos e terem se apaixonado pela mesma mulher, mas isso faz 800 anos! Já deu!

— Megan... — novamente Bill me olhou, perplexo.— Eu cansei de meias verdades e de todo mundo achar

que não pode me contar as coisas porque sou uma humana

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frágil e idiota, que vai sair correndo descabelada por qualquer coisa.

— Como você sabe...? — perguntou Bill, olhando para Pops.

— Lizandra me contou. E não fique brava com ela. Lizandra foi a única que me tratou como adulta, que falou a verdade, e pouco me importa o que acham dela — disse, erguendo a mão em direção a Joseph, que ameaçou interromper meu discurso. — Sempre que precisei de uma amiga, ela estava lá. Se vocês se odeiam, problema de vocês!

— Megan, eu só quis proteger...— Ah, claro! E sempre que alguém vai morrer, esse

alguém sou eu! Por que não me falou que também amava a Rosie e que fez tudo para ela e Joseph não irem embora? Não precisa responder, eu mesma respondo: porque não confia em mim!

Eu acabara de transformar a reunião em uma briga de namorados, mas estava tão furiosa com Bill e comigo mesma por virar tigre que pouco me importei.

— Quer saber, Bill? Eu vou embora pra minha casa. Joseph, sinto muito por tudo que passou. Imagino que tenha sofrido demais, mas agora você tem Destiny. Não está mais só. E tam-bém agradeço por salvar minha vida e cuidar de nós, mas, em-bora eu esteja com vontade de matar o Bill, é ele que eu amo.

Então, me virei para Alice:— Vamos arrumar as malas.— Megan, ainda é madrugada! — protestou Bill. — É

perigoso sair agora...— Todo lugar é perigoso demais pra coitadinha de mim,

não é verdade? Simon, você me leva?Ele olhou em volta e assentiu com a cabeça. Saí da sala

pisando duro. Eu estava furiosa! Alice não disse uma palavra. Apenas juntou suas coisas e desceu comigo em silêncio.

— Megan, por favor...— Não quero conversar agora, Bill. E vocês têm coisas

mais importantes pra decidir do que ficar brigando por mim. Foi um prazer te conhecer — disse, despedindo-me de Joseph.

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Simon olhou para mim e depois para Bill.— Vamos? — perguntei.Ele abriu a porta e saímos. Na última hora, Christian se

juntou a nós e eu desconfiei que isso tivesse tudo a ver com minha amiga.

— Melhor irmos pra minha casa — comentou Alice. — A gente nem sabe se você já tem cama pra dormir...

— Tá — concordei.— Posso falar uma coisa? — perguntou Simon.— Depende — respondi.— Adorei a cena! À cara de Bill foi algo impagável!— Ninguém fala a verdade pra mim, Simon! E ficam me

disputando como se minha vontade não importasse! Quero voltar pra escola, pra minha vida de sempre e pronto.

— Está esquecendo uma coisa... — comentou Christian.— Esquecendo o quê?— Ninguém sabe o que nos espera. Sinto dizer, mas você

nunca mais conseguirá voltar para sua vida de sempre, querida.Preferi me calar. Descemos a estradinha estreita e

escorregadia com cuidado. Era a primeira vez que via um rovdyr dirigir devagar e com cautela. A noite estava absurdamente escura, mas ao menos não nevava naquele momento.

— Por que Joseph foi até lá? — perguntei, de repente.— Eles pediram uma reunião conosco, provavelmente por

causa dos agura.— O que você viu, Simon? Lizandra disse que estava indo

pro Ártico...Simon narrou tudo o que havia acontecido e como fora seu

retorno a Red Leaves.— Alguém disse, não me lembro mais quem, que essas

criaturas devem ter um líder comandando o ataque. Você concorda?

— Sim. Eles não têm inteligência suficiente para agir sozinhos.

— Quem poderia...?— Não sei. Mas eles são muitos. Não podemos enfrentá-

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los, nem com a ajuda dos vampiros. Eles são extremamente fortes e difíceis de matar.

— É, o Bill disse isso também. Mas quem iria querer atacar Red Leaves? E, principalmente, por quê? Não tem nada na cidade que valha a pena.

— Depende do que cada um acha que vale a pena — co-mentou Christian, metendo-se na conversa. — E depois, você só conhece uma parte dessa história. A coisa é muito mais complicada do que parece.

— O que quer dizer? — perguntou Alice.— Há uma peça fundamental faltando nisso tudo. Não é,

Simon?Eu me virei para ele, mas Simon mantinha os olhos fixos

na estrada.— Do que ele está falando? — insisti.— Não é do que, mas de quem — disse Christian.— Cale a boca! — a voz de Simon era ameaçadora.— Não, não cale! Eu quero saber!— Vou lhe dar um nome e você pergunta ao Bill:

Sebastian. Eu e Alice trocamos um olhar surpreso. Nunca ninguém

havia mencionado aquele nome.— Christian, mais uma palavra e eu...A frase ficou na metade. Um vento furioso nos atingiu,

carregado de neve e gelo, quebrando o pára-brisa, fazendo as rodas patinarem e o carro deslizar precipício abaixo. Quando dei por mim, estava no fundo do abismo, fortemente presa nos braços de Simon. A nossa volta, havia vários homens parados... vampiros... e mais adiante uma bola de fogo: o carro.

Alice estava segura por Christian logo à frente. Mal conseguíamos ficar em pé, tamanha a fúria branca que nos cercava. Se eu tivesse um porrete, bateria em minha cabeça até rachá-la pelo tamanho da estupidez que havia cometido.

Dentre todas as incertezas e improbabilidades, de todas as loucuras e desvarios, a única coisa que se mostrava sólida era Megan. Ela sequer titubeou. Por mais que o mundo estivesse

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para desabar sobre nós e eu sentisse ímpetos quase incontroláveis de destroçar Lizandra, sentia-me feliz. Era a mim que ela amava! Sem qualquer dúvida, sem qualquer hesitação!

A cena que Megan protagonizou, sua crise emocional, as verdades que jogou sobre nós... Ela era pouco mais que uma menina! Assim que Megan saiu, Lizandra ordenou que os dois caçadores remanescentes os acompanhassem de perto, e o mesmo fez Joseph com seus vampiros. Ninguém queria correr riscos. Todos tínhamos muito a perder.

— O que veio fazer aqui, Joseph? — perguntei, sustentando seu olhar. Eu sabia que ele deveria estar sofrendo muito, que sua dor era do tamanho de minha alegria.

— O óbvio: unir forças contra os agura — respondeu, sem desviar os olhos de mim.

— Não acredito que tenha se transformado. O que houve? — perguntou Pops, aturdida.

— Não vim aqui falar sobre minha vida ou explicar minhas decisões. Vim falar sobre nos unirmos para enfrentar o que está chegando.

— Sem nada em troca? Você quer nos ajudar sem nada em troca? — perguntou Josh.

— Tudo tem um preço. Nossa ajuda não é diferente.— Imagino que o preço seja Megan — respondi.— Não seja idiota. Estou fazendo isso por meu povo.— Seu povo? O que quer de nós, afinal?— PAZ. Que nos deixem em paz.— Para sugar os humanos e transformar o mundo em um

covil? Jamais!— Não sugamos humanos, Bill Stone.— Não? E vocês vivem do quê?Destiny tomou a frente e nos contou sobre Joseph, como

lhe salvara a vida e como retribuiu o favor mudando a maneira dos vampiros enxergarem o mundo e se alimentarem.

— É impossível! Vocês são muitos. Não haveria caça para todos, ainda que concordássemos com isso.

— Nós criamos nossa própria caça. Temos campos especiais para isso, não somos loucos.

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— Eu... não sei o que dizer — exclamou Pops. — Por que não voltou a nos procurar, Joseph? Por que veio justo agora?

A resposta, óbvia, foi deliberadamente evitada. Joseph mudou de assunto:

— Há séculos, todas as transformações acontecem de forma controlada e não somos tantos assim no planeta. Temos tanto direito à vida quanto vocês.

— Acha mesmo que vai me convencer? Megan quase foi morta por um dos seus amigos angelicais.

— Uma dissidência. Há alguns como Axs, mas são poucos. Nós mesmos tratamos de mantê-los sob controle. Só não interferimos porque vocês já estavam lá.

Aquilo tudo me incomodava muito, mas o que realmente me deixava em alerta era a reação de Joseph. Como ele podia aceitar a situação tão bem? Eu o conhecia, éramos inseparáveis na juventude. Ele nunca foi passivo ou acomodado. Tinha de haver algo por trás de sua aparente passividade.

— Bill, interfira por nós junto aos caçadores. Seja nosso embaixador e nós os ajudaremos a derrotar os agura — disse Destiny.

— Você é louca! — exclamou Pops. — Tem idéia do está pedindo?

— Ainda que eu concordasse, não somos os únicos. Está se esquecendo da família dela? — disse, apontando Lizandra. — Os Blackwell jamais concordariam com isso!

— Eu cuido de minha gente — respondeu Lizandra, com ar arrogante.

— O quê? — rosnou Pops, com fúria. — Nem seu filho foi aceito! O infeliz viveu isolado até entrarmos na história! Você não presta e eu vou acabar com sua vida!

Josh segurou Pops, o que não foi nada fácil.— As coisas mudam e o tempo passa — comentou

Lizandra. — Não disse que seria fácil, disse apenas para deixar esse assunto comigo.

— Joseph, seja razoável. Você é um rovdyr, ou já foi um dia. Sabe como as coisas são entre nós!

— O Joseph que fui um dia morreu quando soube da

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traição dos amigos. Ele não existe mais. E não acho que você queira reviver aquela época, não é, Bill? A proposta foi feita.

— E se eu não concordar?— Vocês estarão por sua própria conta. Nesse caso,

aconselho agilizarem os pedidos de ajuda, pois o tempo não está ao seu favor. E, claro, não poderei mais me responsabilizar pela segurança dos pescoços humanos. A única coisa que mantém meu povo comportado é a possibilidade de não serem mais caçados.

Eu podia sentir o prazer de Joseph por estar em uma posição de poder. Ele sabia que nos tinha nas mãos, mas o que me pedia era absolutamente impossível. Eu jamais advogaria em nome de vampiros. Contudo, sozinhos seríamos mortos em questão de minutos, Red Leaves ficaria devastada e eu não poderia sequer salvar Megan ou deixá-la em segurança. Não haveria mais segurança em lugar algum.

— Não consigo acreditar que está fazendo isso! — exclamou Pops. — O Joseph que conheci jamais agiria assim. Você perdeu todos os princípios quando se transformou. Tornou-se igual a todos os outros, pouco importando de que sangue se alimenta.

— Ao contrário, eu adquiri novos princípios, mais éticos e duradouros, mas não espero que compreenda isso.

A discussão talvez tivesse continuado noite adentro, mas a chegada do vendaval terminou com ela. A neve açoitava as portas, janelas e paredes com tal fúria que achei que a casa não resistiria.

Joseph me encarou. As circunstâncias estavam todas a seu favor. Naquele momento, tomei minha decisão, a mais difícil de minha vida: eu me aliaria àquele que com certeza me apunhalaria pelas costas na primeira oportunidade.

Bill

Capítulo 10

Estranhos no ninho126

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Simon jogou-se no chão, assim como Christian e os outros, para resistir ao vento, enquanto eu me protegia sob seu corpo. Ele gritou alguma coisa, mas sua voz foi encoberta pela ventania. Eu não via nada a não ser Simon sobre mim e tudo o que passava pela minha cabeça era o tamanho de minha idiotice. Não sei quanto tempo ficamos ali, mas quando final-mente Simon se ergueu, estávamos quase soterrados pela neve.

— Vamos embora — ele disse sem me dar tempo de abrir a boca. Não vi Alice, Christian ou qualquer dos outros. Partimos em uma velocidade indescritível e nem sequer pude perguntar para onde estávamos indo: se a Red Leaves ou para a casa de Bill. Com o rosto colado ao peito dele, mais do que me preocupar com o vento ou com o perigo, eu me preocupava com aquilo que seu cheiro causava em mim.

Seguindo junto a nós deveriam estar os dois homens que Lizandra enviou porque, por diversas vezes, percebi Simon fa-lando com alguém, mas os sons me chegavam abafados. Por fim, alcançamos um local que ele achou seguro e fui colocada no chão. O frio era tão absurdo que, mesmo que eu quisesse, não conseguiria me mover. Os ventos estavam mais calmos, mas ainda eram fortes. Afinal, com ou sem aguras, estávamos no auge do inverno.

— Você está bem? — perguntou ele. Tremi uma resposta qualquer.— Não sei onde estão os outros, Megan. Eles se distancia-

ram, portanto, vou seguir naquela direção.Olhei para onde Simon apontara, mas para mim todas as

direções pareciam absolutamente iguais: negras e frias como gelo. Fiz que sim com a cabeça e ele voltou a me pegar. Mais uma vez, zunimos neve adentro. Paramos em uma estrada de terra, estreita e escura. Pouco à frente, havia uma luz vermelha piscando, desbotada. Seguindo a luz, paramos em frente a um bar de aparência suspeita, onde um letreiro luminoso piscava, com algumas lâmpadas queimadas. O nome do lugar: Garras do Inferno. Nada convidativo, mas, ainda assim, um abrigo. Simon

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colocou-me no chão e nos aproximamos dos degraus de entrada. Dava para ouvir a música tocando alto lá dentro. Entramos e fui envolvida pelo som de ZZ Top em um volume ensurdecedor. O lugar era mal iluminado, mal cheiroso e mal encarado. Para ser um antro completo só faltavam fumaça no ar e meia dúzia de cabeludos jogando sinuca num canto qualquer. Assustador. Simon encontrou o aparelho de som e o desligou. Eu me perguntei se já não estávamos com problemas suficientes para ele começar uma briga numa espelunca daquelas, mas logo ficou evidente que não. O lugar estava completamente deserto.

— Vampiros — sussurrou Simon.— Aqui? — perguntei, olhando em volta sem ver nada

além de mesas, cadeiras, copos e garrafas.— Acho que estamos no quartel-general de seu amigo

Joseph.Achei melhor não responder. Estava assustada demais

para começar uma discussão.— O celular não pega aqui. Não temos muita opção, Me-

gan. Vamos ter de esperar amanhecer.— Não! Bill deve estar preocupado conosco! E tem Alice e

os outros...Ele olhou feio em minha direção:— Prefere congelar lá fora? Não temos como saber quando

outra nevasca vai nos atingir.— Você acha que são os agura?— Acho que eles estão nos mandando um aviso. Vou dar

uma olhada por aí. Aconteça o que acontecer, por favor, não saia daqui, Megan.

— Sim, senhor — respondi, apertando mais o casaco contra o corpo. Não havia muita diferença entre estar dentro do bar ou fora, na neve. Simon sumiu e reapareceu trinta segundos depois.

— O lugar está deserto. Não entendo... vampiros não cos-tumam abandonar seus ninhos.

— Isso é bom ou ruim? Quer dizer, acho que eles não fica-riam muito felizes de ver a gente aqui.

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— Antes de hoje à noite, eu concordaria com você, mas agora? Não entendo mais nada, Megan. Alguma coisa está muito estranha neste lugar.

E estava mesmo, mas só percebemos isso quando decidi-mos atravessar o salão até o bar procurando alguma coisa para comer e nos deparamos com um verdadeiro circo de horror. Só tive consciência de que estava gritando de pavor quando Simon me sacudiu e mandou olhar para ele. Mas eu não conseguia, completamente em choque.

No chão, enfileiradas, estavam as cabeças de pelo menos dez vampiros. Apenas as cabeças.

Simon me abraçou com força, numa tentativa inútil de me acalmar. As cabeças sem vida nadavam em um mar de sangue negro que havia grudado na sola de minhas botas. Cada vez que pensava nisso eu gritava mais alto, sentia arrepios percor-rendo meu corpo e o estômago embrulhado. Simon me tirou de lá e me abraçou outra vez. Em seu peito, eu me sentia pequena e indefesa, pela primeira vez tendo a idéia exata do caminho por onde seguia minha vida. Os gritos deram lugar a um choro histérico e este a mais tremores. Por fim, não sei quanto tempo depois, comecei a me acalmar.

— Megan...— Quero ir embora, Simon. Quero voltar pra minha casa! Ele começou na falar comigo em um tom hipnótico, o

mesmo que os rovdyrs usavam para dominar uma caça. E fun-cionou perfeitamente. Eu logo estava serena e tranqüila.

— Quem fez isso? — perguntei.— Não foram os agura, com certeza. Eles são selvagens

demais para esse tipo de requinte sádico.Claro, afinal cortar e enfileiras cabeças era coisa de

assassino bem civilizado.— Estamos em um ninho de vampiros, Megan. Em algum

lugar aqui deve haver uma entrada para os subterrâneos.— Como sabe?— Vampiros gostam de ficar era contato com a terra. Tem

a ver com a temperatura fria de seu corpo. E quem matou es-ses pode voltar a qualquer momento. Nós não sabemos o que

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houve aqui.— Acha que foram rovdyrs?— Não os que conheço. Nós não costumamos deixar cabe-

ças de presente... destruímos o corpo inteiro.— Que alívio saber disso — respondi.— Não esqueça que vampiros são os vilões da história.— Eles salvaram minha vida!— Não. Joseph salvou sua vida porque a ama e porque tem

contas a acertar com Bill.— Eles também ajudaram Bill e os outros.— Não foi de graça, acredite. Mas agora vamos. Não pode-

mos ficar aqui. Você é um alvo fácil demais.Eu me calei e o segui bar adentro. Passamos pelos banhei-

ros, pela cozinha e, no final desta, entramos por uma porta caindo aos pedaços que dava em um escritório minúsculo e fedorento. Nele, havia uma mesa, duas cadeiras, um armário horrível e, Deus seja louvado, um telefone! Simon ligou para Bill, mas ninguém respondeu. Tentou o celular de Lizandra, mas também sem sucesso.

— Talvez as linhas tenham caído com o vento — disse, tentando me acalmar, mas ele também estava visivelmente preocupado.

— Ligue para seu celular. Se tocar é porque aconteceu al-guma coisa.

Ele fez o que eu disse e o telefone tocou, indicando que algo muito ruim havia acontecido na casa de Bill.

— E agora? Não tem mais nada aqui!— Tem que ter — disse Simon, empurrando a mesa e o ar-

mário. — Eles precisam de um esconderijo.Simon socou as paredes e vasculhou o chão, mas não

encontrou qualquer abertura ou passagem. Voltamos pelo caminho que viemos e, após examinar cada pedaço daquele lugar, finalmente encontramos a tal abertura dentro do banheiro masculino, sob um dos vasos sanitários nojentos e encardidos.

— Eu não entro aí — disse, enojada.— A outra opção é ficar de guarda aqui fora.

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Joguei-me pelo buraco sem pensar, seguida por Simon. Escorregamos por um túnel apertado e úmido, escavado na ro-cha, até encontrar chão plano. A escuridão era total. Se havia um momento em que eu gostaria de ter minhas capacidades metamorfas funcionando era aquele. Era horrível estar em ab-soluta escuridão e silêncio, ouvindo seu próprio coração bater feito louco.

— Não há ninguém aqui. O lugar está completamente vazio.

— Talvez tenham sido todos mortos — eu disse, pensando nas cabeças do andar superior.

— Duvido. Acho que aquelas cabeças eram dos sentinelas do ninho. Por alguma razão, Joseph tirou todos os outros daqui.

— Será que eles vão voltar? Joseph e os outros, quero dizer...

— Não sei. Talvez. De qualquer maneira, vamos ficar aqui até amanhecer. Não quero ficar vagando por aí com você.

— E que diferença vai fazer esperar até amanhã?— Vampiros não saem durante o dia, lembra?— Achei que isso era lenda...— Felizmente, não. Eles têm um problema genético que os

torna ultrassensíveis à luz ultravioleta. Ela produz queimaduras terríveis em sua pele.

— E amanhã, o que vamos fazer? — perguntei, aflita. Simon não respondeu. Apenas me abraçou e puxou para

si.Sentamos em algum canto daquele lugar negro.— Tente dormir um pouco. Vou manter você aquecida.Eu sabia que precisava ficar perto dele ou morreria de

hipotermia, mas me perguntei o quanto Simon estaria gostando disso. Em minha loucura, eu acabara criando uma situação de intimidade que não pretendia. Aconcheguei-me em seu peito e ele acariciou meus cabelos com gentileza.

— Quem é Sebastian? — perguntei, lembrando-me de Christian.

— Um dos irmãos de Joseph.— "Um" dos? Quantos são?

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— Três. Joseph, Sebastian e Logan. Uma das poucas famílias com mais de um filho entre nós. Sebastian nasceu com problemas... ele era diferente. Tinhas pernas tortas e estatura menor que os demais.

— E o que houve com o ele? — perguntei, sentindo Simon me aconchegar mais a seu corpo. Sei que soa horrível e volúvel, mas eu gostava de estar com ele, gostava daquela proximidade.

— Sumiu na floresta. Também não sei muito sobre isso, foi bem antes de eu nascer, mas reza a lenda que Sebastian se dis-tanciou dos outros durante uma caçada e nunca mais foi visto, o que não é de se admirar, dada a maneira como minha espécie lida com as diferenças. Somos péssimos nisso.

— E o outro?— Não sei, ninguém nunca fala dele. Lizandra uma vez

comentou que Logan tinha problemas de caráter, mas acho que isso se deve ao fato de ter sangue vampiro na família. Não sei se sabe que durante algum tempo nos misturamos com outras espécies...

— Bill comentou e o Dr. Strideus também.— E Bill lhe contou que sua mãe era vampira?— Como assim?— Esse ódio todo que ele sente dos vampiros não é só por-

que eles são um perigo para sua espécie. Bill tem sangue vam-piro também.

— Não pode ser! Ele é um pleno... não é?— Crianças plenas são uma depuração da raça, Megan...

Uma forma da natureza corrigir distorções genéticas. As mis-turas acabaram danificando nossa espécie.

Eu não entendia por que Bill escondia tanta coisa de mim. Por isso tanto pavor quando me deu seu sangue. Ele temia que eu virasse uma vampira como sua mãe!

— Imaginei que Bill lhe tivesse dito disso. Era o mínimo antes de ter lhe dado seu sangue.

Havia uma ponta de maldade no comentário, que resolvi ignorar e mudei o rumo da conversa:

— Simon, em sua família também existe sangue vampiro?

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— Christian foi o primeiro. Uma bomba no orgulho dos Blackwell, que sempre se gabaram da pureza de sua linhagem. Foi um inferno mantê-lo vivo todos esses anos.

— Imagino. Deve ter sido muito difícil para Lizandra.— Você é um pequeno milagre, sabia? — Eu?— Tudo que está acontecendo agora... essas interações

entre nós, Bill, vampiros... isso tudo só está sendo possível porque você existe.

— Simon, menos. — brinquei.— Bill só decidiu ajudar Christian e a mim por sua causa.

Ele faria qualquer coisa por você. Sempre foi assim...— Ah, por favor. Agora só falta dizer que eu sou a

reencarnação da Rosie.— Eles acham que é. E eu... — Simon se calou de repente.

—Tem alguém aqui — sussurrou. Eu podia senti-lo farejando o ar atrás de pistas.— Graças a Deus! — disse, relaxando.— Que foi?— O socorro chegou. Venha, vamos sair.— Como assim? Quem está aqui...?— MEGAN! — o grito voou pelos corredores no mesmo

instante que pensei em seu nome.— Aqui! — gritou Simon, enquanto caminhávamos rumo a

um facho luminoso ainda distante. Logo nos encontramos e a luz da lanterna que Alice segurava mais parecia um holofote após tanto tempo na escuridão.

— Tem uma fila de cabeças lá em cima! — disse ela, me abraçando.

— Eu sei! Como chegou aqui?— Os vampiros de Joseph nos disseram pra vir. Nós

também nos perdemos. E incrível que uma ventania tenha conseguido desorientar um vampiro.

— Não apenas ele, eu também me desorientei — disse Simon, encarando Christian. — Devia haver algo mais naquele vento.

— Vocês conseguiram falar com Bill ou com alguém de lá?

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— perguntei, aflita.— Nós só pegamos a rabeira da tempestade — comentou

Alice. — A maior parte dela atingiu a região da casa de Bill...— Meu Deus... Temos que ir pra lá! Bill pode estar ferido e

os outros, Joseph, Destiny...— Calma, Megan! Uma coisa de cada vez — pediu Simon. Mas eu não queria ficar calma!— Como sabe disso? — ele perguntou.— Os vampiros que estavam conosco no momento da ven-

tania... Nós os encontramos e eles nos disseram que não conse-guiram chegar até a casa de Bill devido à fúria da tempestade. O grupo voltou para cá, encontrou seus companheiros mortos e foi atrás de algum de nós. Foi nesse momento que avistaram vocês vindo pra cá...

— Eles estiveram aqui antes de nós? Pra onde foram?— Não sei, Megan. Eles disseram onde vocês estavam e

sumiram. Acho que estão tentando voltar pra casa de Bill.— Meu Deus! — exclamei, sentindo a histeria voltar

rapidamente. Será que Bill estava morto? Não! Isso era demais para mim. As lágrimas começaram a correr pelo meu rosto, mas não havia tempo disponível para eu deixar minha veia grega solta. Tínhamos de sair dali o mais rápido possível e voltar para casa. Naquele instante, todos tínhamos tudo a perder.

Infelizmente, quando eu tinha Bill Stone em minhas mãos, quando surgiu a possibilidade de nosso povo ter um pouco de paz, a tempestade chegou. Tão violenta e feroz que fez com que nossa pequena vitória perdesse qualquer expressão. Permanecer vivo tornou-se a única coisa que importava.

Um a um, os vidros da casa de Bill foram estilhaçados pelo vento furioso que varreu tudo, inclusive a nós. Destiny, a mais velha, forte e experiente de nosso grupo agarrou-se a uma das colunas de sustentação e ali ficou enquanto lutávamos desesperados para não sermos levados pela ventania. Eu vi Pops e Josh passarem voando por mim, bem como Matt e Strideus se enfiarem no duto da lareira que, pela força do

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vento, estava apagada. Não fazia idéia do que havia acontecido aos homens que nos aguardavam além do terreno da casa, entre as árvores mais próximas.

Fui jogado contra a parede do fundo com violência, sem nada em que me agarrar, enquanto via a neve invadir a sala, formando uma espessa cortina branca que aos poucos engolia tudo. Não havia para onde correr nem onde se esconder. A única maneira de sobreviver era deixar que a neve me cobrisse e ali permanecer até a tormenta passar.

De repente, fui puxado pelas pernas, mas não vi quem era, e alguém se jogou sobre mim. Quando a tempestade passou, a casa inteira estava sob uma montanha branca e silenciosa. O corpo que caíra sobre mim não se encontrava mais ali. Não havia qualquer som. Nem mesmo o vento uivava. Imaginei que talvez a morte fosse assim: silenciosa e absolutamente vazia. Esperei um bom tempo antes de tentar sair daquele túmulo branco, até que comecei a cavar vigorosamente com as mãos.

— Tem alguém aí? — ouvi a voz de Matt gritando para alguém. Em poucos minutos, fui arrancado de minha sepultura branca e lançado por sobre a montanha de neve que se acumulara, bloqueando as portas.

— É Joseph! Bill deve estar em algum lugar perto dele — disse Strideus.

— Onde está Destiny?Os dois continuaram cavando sem me responder e eu me

juntei a eles em silêncio. Interessante como naquele momento, embora por vias tortas, o tempo pareceu jamais ter passado. Ainda éramos um grupo de amigos lutando juntos para derrotar um adversário comum. Não falávamos e nem nos olhávamos, mas todos entendiam e sentiam a estranheza da situação.

— Ela sumiu — disse Matt de repente, respondendo a minha pergunta. — Quando a vi, estava agarrada à coluna.

— O que acha que foi isso tudo? —perguntei, olhando ao redor.

— Obra dos agura, com certeza. Só não entendo o motivo.— Hans!Destiny se jogou sobre mim, apertando-me em seus

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braços.— Você está bem? Senti tanto medo...Estranhas coisas acontecem conosco quando nos

colocamos numa linha de fogo, quando partimos para o tudo ou nada.

Megan havia me rejeitado visivelmente, assim como rejeitara a certeza de que Bill e eu dividíamos de que ela e Rosie eram a mesma pessoa. Naquele momento, senti-me morrer por dentro, como se nada mais valesse a pena. Não sem ela. Mas havia Destiny e os vampiros, e tudo em que eu havia empenhado minha palavra e esforços. Nisso, os Agura foram uma grande ajuda, pois graças à sua presença consegui encostar Bill na parede. Contudo, eles vieram e nada mais parecia ter razão de ser. Ainda odiava Bill e queria esfacelá-lo, mas já não era como antes. E olhar para Destiny, vendo a mistura de medo e alívio em seus olhos, sabendo o quanto ela havia suportado por mim, teve o efeito de uma sequoia caindo sobre minha cabeça.

— Onde estão os outros? — ela perguntou.— Onde estava você? — retruquei.— Consegui saltar antes de a neve entrar. Joseph, os agura

não atacaram sozinhos. Havia alguém mais com eles. Um dos seus!

— O quê?—perguntou Matt. — Como assim?— Um caçador. É um rovdyr que está comandando os

agura.— Isso é impossível! Nem mesmo os Blackwell teriam a

audácia de nos atacar. Ainda mais junto com um bando selvagem!

— Digo o que vi — respondeu Destiny, devolvendo o olhar de Matt.

Naquele exato momento, me dei conta de que pela primeira vez nosso plano parecia factível. O que devia nos separar talvez contribuísse para nos unir.

— Vou ver se encontro mais alguém — disse Destiny, abraçando-me.

Eu a beijei. Não um beijo comum, mas um beijo renovado

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de esperança e fé.— Não entendo como pode fazer uma coisa dessas! Não

vou entender nunca! Mesmo que não tenha tido escolha, mesmo que ela o tenha transformado contra sua vontade. Unir-se a Destiny é, no mínimo, nojento!— explodiu Matt.

— AQUI! Ele está aqui! — gritou Strideus. Imediatamente, concentramos nossos esforços para tirar

Bill da neve. O olhar que trocamos foi longo e carregado de preocupação. Sim, eu queria matá-lo, mas ele precisava estar vivo para isso e, até onde podíamos ver, Bill Stone havia morrido.

Hans

Capítulo 11

Lázaro

O dia e o relógio não andavam se entendendo naquele inverno. Já deveria haver luz, mas a escuridão da noite ainda persistia enquanto corríamos rumo à casa de Bill. Simon, Alice, Christian e eu. Casais improváveis contra um destino impossível. Ao menos era assim que eu me sentia. A cada segundo, minha apreensão só crescia, torturada que estava por pensamentos de desastre, morte e escuridão.

Não havia ninguém no caminho. Nem aguras, nem vampi-ros ou rovdyrs. O mundo estava deserto, mergulhado em um freezer gigantesco cuja porta buscávamos desesperados.

— Ali! — apontou Christian para algo que eu não via. Disparamos na direção indicada até encontrarmos Destiny.

— Preciso de ajuda — foi tudo o que ela disse.Jogados no chão, um sobre o outro, estavam Pops e Josh.

Josh tinha os braços virados ao contrário e grandes hematomas no pescoço e rosto. Uma das pernas de Pops estava numa po-sição impossível e havia um grande corte em seu braço direito, coberto por neve avermelhada.

— Meu Deus! — gritei, muito perto de perder o tênue fio 137

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de autocontrole que me sustentava.— O que houve? — perguntou Simon.— A casa foi destruída. Nunca vi nada igual ao que nos

atingiu.— Bill!— Ele está lá dentro, mas não sei se vivo, Megan.Alice se aproximou e segurou minha mão de um modo que

me assustou.— Vocês podem levá-los? — perguntou Destiny — Eu

preciso ir.Simon e Christian recolheram os corpos sem vida e

caminhamos na direção do que um dia fora uma bela e suntuosa casa.

Caminhar é uma maneira suave de descrever o esforço que eu e Alice fazíamos para dar cada passo, afundando os pés na neve fofa como elefantes desajeitados. Eu estava gelada, congelada. Mas nada me impediria de ver com meus próprios olhos o que havia acontecido.

Por fim, nossos acompanhantes tiveram de nos ajudar, pois ficamos entaladas até quase o quadril nos montes brancos. Quando chegamos, a única coisa que vi foi o corpo de Bill estirado no chão. Sinceramente, não me lembro do que fiz em seguida. Tenho a sensação de ter gritado e me atirado sobre ele, mas não lembro com clareza. Simon disse que eu gritei e Alice, que comecei a socá-lo para que acordasse. Não sei, talvez tenha feito as duas coisas, mas só me lembro da sensação de desespero e vazio que tomou conta de mim e do fato de não ver nada nem ninguém, como se apenas nós dois existíssemos no mundo.

Ele não podia estar morto. Ele era Bill Stone. Ele salvava vidas! Bill era o milagre, não eu! Como eu podia estar viva e ele não? Lembro de gritar por Destiny com todas as forças dos meus pulmões. Estava transtornada. Bill não podia morrer! Destiny faria com ele o que fizera com Joseph. Qualquer coisa era melhor do que não ter mais Bill comigo — até vê-lo virar um vampiro, sugar meu sangue e sair pelo mundo, alucinado. Qualquer coisa era melhor do que viver sem ele!

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Destiny, onde quer que estivesse, não atendeu a meus apelos, provavelmente porque, mais inteligente que eu, sabia que nada podia ser feito ali. Ainda assim, continuei berrando até não ter mais voz. Então virei-me para Joseph, com uma súplica nos olhos, implorando que ele devolvesse a vida a seu grande inimigo. Joseph retribuiu meu olhar com dor e desencanto, como se estivesse repisando uma tristeza antiga e consumada.

— Lamento — disse ele. — Não há nada que eu possa fazer.

— NÃO! Por favor, alguém tem que ajudar Bill! — supliquei desesperada, chorando sobre o peito frio de meu amado. Não era possível. Aquilo não estava acontecendo! Odiei ter tomado as injeções do Dr. Strideus, odiei não poder me transformar e sumir no mundo gelado, odiei ser uma humana inútil e sem qualquer poder para salvar o homem que amava. Justo eu, que achava Romeu e Julieta uma história imbecil, estava pronta para fazer o mesmo que a personagem: morrer por não suportar a vida sem meu amor.

Alice ajoelhou-se a meu lado e permaneceu ali até que finalmente me levantei.

— Quanto tempo já faz, Matt? — perguntou Strideus após terminar o que quer que estivera fazendo com Pops e Josh.

— Talvez uma hora, uma hora e meia.— Mais dez minutos. Se não voltar, vou precisar agir.Matt não respondeu. Olhei para eles sem saber do que es-

tavam falando. Como podiam conversar quando meu mundo tinha acabado? Bill estava morto! A vida estava morta! A Terra tinha que parar de girar, o universo tinha de apagar as estrelas. Qualquer sinal de vida era um desrespeito à memória dele!

— Não encontro minha mãe! — exclamou Christian, voltan-do para a casa.

Mãe? Do que ele estava falando? Lentamente percebi que não era a única que havia perdido alguém querido. Os olhos de Christian estavam dolorosamente tristes. Lizandra também se fora. Eu não conseguia entender como criaturas tão fortes e resistentes tinham morrido, enquanto eu e Alice, humanas,

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continuávamos vivas. Minha cena patética havia nos salvado a vida, mas eu queria estar morta!

— Cinco minutos, não mais que isso — disse Strideus.— Tem certeza? — perguntou Matt.Alice passou o braço por meus ombros e, com delicadeza,

abriu minha mão, que segurava a de Bill.— NÃO! — gritei. — Quero ficar aqui!O que aconteceu em seguida, graças a Deus, foi muito rá-

pido e me poupou do pavor que com certeza teria sentido caso fosse consultada. Strideus ajoelhou-se ao meu lado, pegou meu braço e fez nele um corte profundo com uma faca. Em seguida, colocou-o a alguns centímetros da boca de Bill, deixando o san-gue escorrer para dentro de seus lábios. Eu estava em choque completo. Matt segurava minha cabeça para trás, impedindo que me debatesse, como se eu tivesse forças para isso.

— Saia daqui! — ordenou Strideus para Christian, que segurava Alice com força.

Ouvi seu grito e vi o espanto nos olhos de Joseph. Ele era um vampiro e, se eu tivesse qualquer condição de raciocínio naquele momento, saberia que era muito difícil para ele resistir ao cheiro de sangue humano. Mas parece que, vampiro ou não, uma vez rovdvr, sempre rovdyr. Sangue humano era absolutamente proibido e eles se atinham a isso com força de Hércules. Matt me largou e saiu com Christian, obviamente preocupado que a visão de meu sangue avivasse nele os instin-tos vampirescos e o levasse a morder Alice. Nunca pensei que tivesse tanto sangue em mim. Eu via o líquido vermelho escorrer para Bill como num filme em que o sangue de alguém era colocado na boca de um cadáver.

Strideus retirou meu braço, indicando como eu deveria pressioná-lo e então deu um soco no peito de meu amor. Forte o suficiente para fazer tremer o chão.

— Está feito — disse ele, erguendo-se. — Deixe-me ver seu braço, Megan.

Não deixei. Strideus não tinha tempo para lidar com mi-nhas bobagens e agarrou meu braço mesmo assim. Antes que eu pudesse chutá-lo, ele já estava me fazendo um curativo.

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Atrás de mim, alguém tossiu e rosnou. Meu coração parou de bater e eu me virei lentamente, sentindo o ar escapando de meus pulmões com dificuldade. A minha frente, estava Joseph, olhando aparvalhado para o que estava às minhas costas. Não tive tempo de ver o que era. Joseph se lançou em minha di-reção e, quando me dei conta, estava na floresta, parada no meio da neve, seus braços me segurando com firmeza.

Ele me olhou demoradamente e aproximou seu rosto do meu. Suas presas saltaram, desafiadoras e mortais. Senti o san-gue correr muito rápido, o corpo esquentar, as veias pulsarem. Ele acariciou gentilmente meu pescoço, fazendo meu sangue ferver ainda mais.

— Rosie... — murmurou, seu hálito quente em minha pele. Eu estava entregue, sentindo a irresistível força de sua atração. Tudo em volta se apagou. Não conseguia pensar em mais nada. Não até que a imagem de Bill surgisse em minha frente. Eu não sabia se estava delirando, sonhando ou se já estava morta e aquilo era o Paraíso, mas a visão daqueles olhos indescritíveis me fez despertar.

— ME LARGUE! — protestei. — Eu não vou permitir que me morda, entendeu?

Joseph riu, acariciando meu rosto.— Acha mesmo que isso me impediria de mordê-la se eu

quisesse? Ah, Rosie...— Eu sou Megan! MEGAN! Por que me tirou de lá? Eu

quero voltar!— Para mim será sempre Rosie... Minha Rosie... e vou

amá-la eternamente. Mas você não me ama mais, não é? E eu terei de viver com isso...

— ROSIE te amava e foi sua, não eu! Eu amo...— A mim! — disse a voz mais linda e poderosa do univer-

so. A de Bill!Virei-me para ele emocionada, mas o que vi me fez recuar.Aquele era Bill? O rosto parecia azulado e os traços haviam

ganhado contornos grotescos. As presas expostas eram longas e os olhos não mais luziam. Eles adquiriram um tom de azul elétrico e mortal.

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— Agradeço por ter me dado seu sangue — disse ele, com olhar fixo em meu pescoço, que imediatamente começou a latejar — e por me trazer de volta.

— Bill... o que há com você? — perguntei, aproximando-me. — Por que está falando assim comigo?

— Saia daí, Megan — gritou Simon, que acabara de chegar.

Bill sorriu para mim e acariciou meu rosto com delicadeza.— Deliciosa — disse, de um modo que soou ofensivo. Eu quis recuar, mas as pernas não obedeciam. Tentei dizer

para ele se afastar, mas não tinha voz nem reação. Joseph colocou-se entre nós, bloqueando meu amado. Bill lançou-se sobre ele, furioso, e os dois rolaram engalfinhados, feito feras enlouquecidas. Até aquele momento, por mais que Bill tivesse dito que era perigoso, que eu não sabia com quem lidava, suas advertências não haviam ecoado em mim. Só tive mesmo consciência de que não havia nenhum príncipe encantado em minha vida quando o vi atacar Joseph com o claro intuito de matá-lo. Joseph conseguiu escapar do movimento e, com extrema habilidade, paralisou Bill com um tremendo golpe. O que viria a seguir estava evidente: Joseph, de alguma forma que eu não conseguia imaginar, iria matar meu amado. Nunca entendi e sei que jamais entenderei o que houve comigo, simplesmente porque não estava agindo com a cabeça, mas por impulso. Eu gritei alto e, antes que Simon pudesse me impedir, joguei-me sobre Bill. Uma fração de segundo antes de Joseph enterrar nele suas presas vampirescas.

A última coisa de que me lembro foi cair sobre o corpo inerte do homem da minha vida, a quem amava fosse ele ani-mal, vampiro, caçador ou celebridade. Depois disso, tudo es-cureceu e eu morri.

Meu maior medo, aquele que me acompanhou a vida inteira:, era minha herança de sangue. Minha mãe, filha e neta de vampiros, conheceu e se apaixonou por meu pai quando ele atravessava suas terras atrás de alimento. Como não os conheci, o que sei deles me foi contado durante a infância e a

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juventude. Eu nasci após algumas décadas de união e fui a última criança mestiça de meu povo, assim como a última que nasceu plena. Casamentos entre rovayrs puros não geram crianças plenas, apenas aqueles onde há mistura de raças.

Dizem que minha mãe era extremamente bela e poderosa. Sua idade avançada já havia lhe assentado o juízo e os instintos, e por influência de meu pai ela não caçava humanos. Jamais acreditei nessa parte, pensando que me diziam isso apenas para que eu não me sentisse inferior. Vendo Joseph e Destiny, comecei a pensar que talvez eles não tenham mentido e que ela realmente fosse assim. De qualquer forma, essa parte de minha herança nunca foi motivo de orgulho e eu lutei a vida inteira para apagar sua existência. Uma das coisas que o lado vampiro me confere é a capacidade de ressuscitar após ingerir sangue humano — algo que jamais fiz e que por mim mesmo jamais faria. Sempre tive comigo que, se tivesse de enfrentar a morte e perder a luta, eu o faria sem peso ou remorsos.

Porém, quando estamos mortos, perdemos o poder de decisão e outros decidem por nós. Strideus decidiu por mim naquele fatídico dia, após o ataque dos agura, que para nós ainda permanecia um mistério. Talvez porque Tray estivesse à beira da morte, e Pops e Josh não se encontravam em melhor situação. Talvez porque salvar vidas fosse seu oficio, talvez por respeito, talvez por medo de enfrentar um futuro sombrio sozinho. Não sei e jamais saberei o que se passava em seu coração quando Strideus teve a infeliz idéia de me trazer de volta com o sangue de Megan. O que sei, e daria tudo para não saber, são as conseqüências de seu ato.

Morri rovdyr, ressuscitei vampiro.Strideus sabia que precisava me dominar logo que

voltasse a mim, mas nem ele nem Matt eram páreos para um vampiro recém-nascido e eu farejei o ar atrás daquilo que me enlouquecia: Megan. Ela me trouxera de volta, era seu sangue que eu procurava. Por outro lado, Megan era o amor da minha vida e eu preferia morrer a matá-la. Mas como morrer quando não se está mais vivo?

Encontrei-a na floresta com Joseph. Por sorte, Simon

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estava ali para protegê-la, pois em minha fúria tudo que eu conseguia ver era outro vampiro tentando roubá-la de mim. Mas Simon não foi rápido o suficiente, provavelmente porque o ato de Megan foi desprovido de qualquer senso de juízo. E desde quando ela tinha algum juízo no que fazia? Como poderia saber que eu não estava ferido, mas apenas voltando a ser eu mesmo? Minhas mentiras e medo de lhe contar a verdade finalmente cobravam seu preço. Megan se atirou sobre mim e Joseph recuou, mas não rápido o suficiente para evitar que suas presas se cravassem nas costas da mulher que, no final das contas, era a única razão que nos mantinha vivos.

Bill

Capítulo 13

Por Alice

Tenho uma maneira concisa de raciocinar e uma inex-plicável atração por listas, algo que me ajuda a colocar as idéias no lugar e Deus é testemunha de como precisava, naqueles dias, colocar as coisas em perspectiva para não enlouquecer. Mesmo sendo descendente de uma linhagem de bruxas.

O que narro a seguir é fruto das infindáveis anotações que fiz naqueles dias loucos e sombrios, em que o mundo parecia prestes a terminar em gelo e sangue. Partes do que conto aqui eu não presenciei, mas me foi dito pelos que assistiram aos acontecimentos ou participaram deles...

Depois que Joseph acidentalmente mordeu Megan e que Bill voltou a ser o Bill de sempre, conseguindo dominar o vampiro em seu interior, tudo virou um inferno de apreensão, culpa e provocações. No meio disso, contávamos os feridos, mortos e desaparecidos. A luz da manhã, que finalmente resolvera dar o ar de sua presença, levou Joseph assim que surgiu. Para onde ele foi não faço idéia. Só sabia que volta-ríamos a vê-lo ao anoitecer. Megan, Tray, Pops e Josh foram

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levados para o hospital de Green Falls, escoltados pelo médico deles. Como fizeram para convencer médicos humanos a permitir que apenas Strideus os tratasse eu não sei, mas devem ter hipnotizado a todos.

Simon e Christian sumiram pela floresta gelada procuran-do Lizandra, de quem não havia qualquer rastro. Eu voltei para Red Leaves, levada por Bill. Fomos direto para a residência dos Grey avisar sobre a terrível nevasca que destruíra a casa e sobre o estado de Megan. Frank e Gena seguiram imediatamente para Green Falls, carregados de preocupação. Depois de vê-los partir, fui para minha casa. Bill estava abatido, calado e pesaroso. A condição de Megan não era nada boa e, por mais que o médico fizesse de tudo para cortar a ação do veneno em seu organismo, a mordida fora muito profunda. Seus outros companheiros não estavam em melhor situação, mas eram mais fortes e de alguma forma deveriam sobreviver. Além disso, havia os agura, que ninguém sabia quando ou onde atacariam novamente.

— E agora? — perguntei a ele, antes de entrar.— Nós chamamos reforços, que devem começar a chegar

hoje. Não sei o que será mais difícil: convencê-los de que de-vemos nos unir aos vampiros ou de que os agura existem e estão nos atacando.

— Christian falou alguma coisa sobre um irmão de Joseph, alguém chamado Sebastian. Você acha que ele pode ter algu-ma coisa com isso?

Bill me olhou pensativo. Seus belos olhos, ainda que pesa-rosos, brilhavam maravilhosamente. Não era difícil entender por que Megan era louca por ele.

— Sebastian? Não acho. Ele tem todos os motivos do mun-do para nos odiar, mas não acho que teria condições de exe-cutar algo desse porte.

— Mas há alguém por trás de tudo, não é?— Com certeza.Bill me olhou e eu tive a nítida impressão de que ele

queria me dizer alguma coisa, mas se deteve.— Bom, eu estou aqui. Se precisar de alguma coisa...

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— Alice, Megan me contou sobre sua mãe...— Sim?— Se houve alguma coisa, qualquer coisa, capaz de

devolver Megan a seu estado normal...Eu sorri. — Você acha mesmo que não pensei nisso? Fique

tranqüilo. Megan é minha melhor amiga. Se algo puder ser feito, eu aviso. Você acredita em bruxaria?

— Nem um pouco.— Tudo bem. Eu também não acreditava em rovdyrs.— Chega a ser irônico, sabe? Fiz de tudo para evitar que

Megan se contaminasse, que se transformasse em uma vampira...

— Você deu seu sangue a ela e lhe salvou a vida. Ela devolveu o favor. Não é culpa sua, não é culpa de ninguém! E se minha intuição, na qual você não acredita por sinal, servir para alguma coisa, saiba que tudo ficará bem, de uma maneira ou de outra.

— Há coisas que você não sabe, Alice. Coisas que me apavoram... — seus olhos expressaram tristeza e culpa. Eu continuei em silêncio, dando o tempo necessário para Bill decidir se deveria ou não se abrir.

— Você é uma boa menina — disse ele, por fim. — Por favor, fique longe de encrencas.

Eu sorri e ele se foi, levando consigo seus medos e segredos sombrios.

Os amigos de Bill, aqueles que ele havia chamado, começaram a chegar no transcorrer do dia. E conforme iam se agrupando, também começaram a limpar e consertar a casa. Fortes, rápidos e incansáveis, fizeram, em horas, o que o mesmo número de gente comum levaria um mês. Se a casa não estava habitável para nós, humanos, estava boa o suficiente para acomodar um bando de caçadores cada vez maior.

Então os Blackwell decidiram dar a honra de sua presença. Afinal, ou eles passavam por cima de seus preconceitos ances-trais ou seriam engolidos pela morte branca que se aproxima-

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va. No final de dois dias havia algumas centenas de rovdyrs reunidos, lutando para manter uma convivência pacífica em prol do objetivo maior que era deter os agura. Pode parecer incrível, mas a parte que levou mais tempo e deu mais trabalho foi a que envolvia Joseph e os vampiros. Joseph, que agora se chamava Hanzi. Joseph, que todos tinham como uma pessoa equilibrada, forte, de boa índole e que agora era um vampiro. Joseph, que além de ter sido transformado, ainda se unira a uma sugadora de sangue e com ela queria promover uma revolução.

As conversas se transformavam em discussões e algumas em luta corporal. Quando um grupo parecia se convencer de que talvez fosse interessante ao menos estudar a possibilidade de aliança, outro se rebelava, levando o primeiro consigo. Alguns dos caçadores mais próximos de Bill, com quem ele podia conversar abertamente, foram os únicos que concordaram que enquanto houvesse o perigo dos agura, lutar ao lado de vampiros seria a solução. Mas eles eram apenas uma dezena, um número muito pequeno para convencer os orgulhosos rovdyrs de que os tempos eram outros e que, sim, precisavam ampliar seus paradigmas se quisessem sobreviver.

— Precisamos de um milagre — desabafou Simon, irritado após uma conversa com alguns de seus primos.

— Somos rovdyrs. Não há milagres entre nós — respondeu Bill, igualmente frustrado.

— Nem negociação, pelo que vejo — completou Christian. — Engraçado... Não conheço ninguém aqui, mas ao vê-los começo a pensar que tive muita sorte em ter crescido longe de todos.

Bill bateu no ombro dele de forma amigável e voltou a se reunir com os outros, desesperado para encontrar um meio de convencer aquela gente da falta de opções que tinham.

Na noite do segundo para o terceiro dia, enquanto Megan ardia em febre no hospital e Tray finalmente parecia dar mostras de recuperação, o milagre que Simon pediu aconteceu. Não por intervenção divina, mas por intervenção de Lizandra Blackwell. Ela, que todos julgavam morta, surgiu acompanhada

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de dois anciãos, cuja aura emanava poder. Entraram na casa em comitiva, caminhando entre grupos raivosos que discutiam entre si. Por onde passavam, produziam silêncio, perplexidade, apreensão.

— Bill Stone — disse um dos presentes, em saudação.— Daghar Blackwell — respondeu Bill.— Saiam todos! — ordenou o misterioso homem para a

multidão na sala.Os Blackwell deixaram o recinto, menos Simon e Christian.

A figura imponente então se aproximou de Christian, examinando-o cuidadosamente.

— Seja bem-vindo à família, Christian Blackwell. Meu nome é Daghar.

Christian sequer piscou, muito provavelmente porque para ele o nome vinha desprovido de qualquer significado. Parado a seu lado, Simon continuou imóvel, atento a qualquer movimento que indicasse perigo.

— Você o salvou, Bill Stone. Eu lhe devo por isso.— Não me deve nada — respondeu Bill.— Não vamos prolongar isso mais do que o necessário —

advertiu o outro que estava com eles.— Muito bem — disse Daghar. — Lizandra nos contou o

que houve. Como em tempos de crise não é possível escolher aliados, os Blackwell lutarão a seu lado e ao lado de quem mais acharem necessário para enfrentar o inimigo que se aproxima. E que fique claro: não estamos aceitando sua proposta, apenas concordando temporariamente com ela. Terminada a guerra, também estará terminada a nossa complacência.

— As coisas não são como você pensa, Daghar Blackwell. Essa guerra não é minha. Não é contra mim que se voltam os agura. É contra todos nós. Lutar ao meu lado não significa lutar por mim, mas pela própria sobrevivência de nossas raças.

O homem não gostou da resposta, mas ponderou sobre ela.

— Não nos peça para respeitar o direito de seres que tanto você quanto nós sabemos muito bem que são a escória do mundo.

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Christian ameaçou reagir, mas Simon o deteve.— Pois que seja — disse Bill, com firmeza. — Dei minha

palavra e não posso traí-la. Ao aceitar a ajuda de Joseph, comprometi-me a advogar em sua defesa.

— O que você pede é impossível. Blackwell algum se curvará a um vampiro.

— Pois então morreremos todos — disse Simon, convicto. — Você não está entendendo, Daghar. Não estamos pedindo favor, mas apresentando condições de negociação. Gosto disso tanto quanto você, mas neste momento é tudo que podemos fazer. Imagine as conseqüências de um ataque a humanos. Imagine os humanos descobrindo nossa existência! Imagine o poderio bélico que teríamos de enfrentar. Neste momento, tudo está a favor dos vampiros.

— O que nos leva a pensar que eles são os responsáveis pelo que está acontecendo — respondeu Stivan, o outro Blackwell que acompanhava Daghar.

— Não acredito que sejam. A meu ver, eles estão usando a situação em benefício próprio. Não é honrado, mas é algo que se pode esperar de vampiros — completou Bill, lançando um olhar de desculpas para Christian.

— Ainda que eu aceite seus argumentos e concorde em estabelecer algum tipo de trégua com o bando de Joseph, como saber se eles cumprirão sua parte no acordo? Quem nos ga-rante que, ao pararmos de caçá-los, eles não aproveitarão a oportunidade para atacar humanos?

— Também pensei nisso, Daghar — explicou Bill. — E, mesmo com os vampiros ao nosso lado, não há garantias de vi-tória. Sequer sabemos qual é o objetivo desses ataques. Um dos meus foi capturado pelos agura, outros três estão feridos e sendo tratados em um hospital humano.

— E então, Stivan? Temos um acordo? — perguntou Simon.

— Sim, nós temos um acordo. Daghar, reúna os nossos e transmita as ordens.

Daghar se retirou sem dizer nada e Stivan virou-se para Lizandra:

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— Espero que saiba o quanto sua vida nada significará para nós caso um único humano seja morto.

Mais uma vez, Simon conteve Christian, impedindo-o de enfrentar o todo poderoso chefe do clã Blackwell. Eles se foram pouco depois e Bill respirou aliviado. Unir os rovdyrs já não era mais problema. Agora, restavam os vampiros. Claro que a chegada de Daghar e Stivan não tinha passado em branco. Assim que eles partiram, Lazan se apresentou a Bill, anunciando a chegada de Destiny e Joseph, a quem sempre chamavam de Hans.

Os termos foram expostos e aceitos, até porque não havia muito o que discutir. Era aquilo ou a morte certa. Mas entre Bill e Joseph ainda havia muito para ser acertado, principalmente no que se referia a Megan...

Meu celular tocou no meio da madrugada. Vinte minutos depois, Simon bateu em minha janela e saímos. Nosso destino: o hospital de Green Falls.

A trégua dos Agura, que ninguém sabia quanto tempo ia durar, deu aos caçadores tempo para se espalhar e procurar pistas, qualquer coisa capaz de indicar onde estavam e o que pretendiam os invasores. Enquanto isso, Bill dividia seu tempo entre organizar estratégias e cuidar de seus amigos feridos, incluindo aí, é claro, Megan. Ela não estava nada bem. Ardia em febre e delirava, chamando ora por Bill, ora por Joseph, ora pelos pais. Sua mãe estava inconsolável, acreditando que a filha enlouquecera. O pai fazia de tudo para convencê-la de que aquelas fantasias eram fruto da febre alta, mas sem sucesso. Porém, o que para nós, humanos, era considerado um horror, para o médico rovdyr era um sucesso. Qualquer outra pessoa mordida por um vampiro já teria se transformado. Ela, entretanto, lutava contra isso. A febre altíssima era sinal de que sua natureza combatia o veneno em seu corpo. Strideus achava que era efeito do sangue de Bill, mas eu tinha minhas dúvidas. Aliás, tinha dúvidas sobre muitas outras coisas.

Quando cheguei ao hospital com Simon, encontrei os pais da minha amiga adormecidos no corredor, Bill sentado à beira

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da cama e Destiny com as mãos sobre a cabeça de Megan.— Que aconteceu?' — perguntei, assustada.— Ela pediu para que a chamássemos, Alice — explicou

Bill.Ele estava um trapo.— Preciso de ajuda — disse Destiny. — Ela está lutando,

mas não é forte o suficiente. Você é a única pessoa que pode me ajudar.

— EU? — perguntei, assustada.— Sim. O espírito de sua amiga precisa de forças. Você é

uma heks, deve saber do que estou falando.Saber eu sabia, mas só em teoria. Expliquei isso a Destiny,

mas ela alegou que não tínhamos um segundo a perder e eu teria de me virar. Bill saiu do quarto a seu pedido, assim como o médico. Para eles, não passávamos de duas curandeiras malucas, mas em momentos de desespero até os loucos têm algum valor. Não posso contar o que eu e Destiny fizemos nas horas seguintes porque, segundo o que minha mãe deixou em seus escritos, quem revela algum segredo mágico sempre acaba mal. Posso entretanto dizer que, quando terminamos, a febre de Megan havia cedido um pouco e eu estava completamente exaurida. Destiny, ao contrário, parecia muito bem. Ela abriu aporta e pediu que Bill entrasse.

— Não dê nem uma gota de sangue a ela até a febre ceder totalmente. Creio que mais um dia e Megan estará recuperada.

— E o veneno?— Continuará em seu organismo. Algumas coisas vão se

alterar em seu comportamento, mas ela não deixará de ser humana.

Destiny partiu antes de o sol nascer. Fiquei no hospital ao lado de Bill, cansada demais para enfrentar a jornada de volta à minha casa.

— É tudo culpa minha — disse ele, por fim. — Cada vez que tento salvá-la, eu a transformo um pouco. Ela sempre acaba pagando o preço de minha fraqueza.

Fiquei em silêncio. Se tinha algo que eu jamais faria, era meter o bedelho no relacionamento dos dois.

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— Podemos ir? — perguntou Simon, entrando no quarto.Fiz que sim com a cabeça. Bill se debruçou sobre minha

amiga, pesaroso. Lembro que naquele momento senti muita falta de ter alguém que me amasse tanto. Mas eu não era Megan e meu destino, embora nada soubesse sobre ele, me reservava outro tipo de aventura.

Capítulo 14

Lar Doce Lar

A chegada de Daghar e Stivan Blackwell é mais uma daquelas, coisas que jamais sonhei acontecer. Muito sangue havia corrido entre nós, sangue que acabou formando um rio e nos separando — um rio sem travessia, sobre o qual seria impossível firmar os pilares de uma ponte. Mas, de repente, o inesperado: com sua visita, a ponte se formou, não porque tivéssemos criado juízo ou amadurecido a ponto de entrar em entendimento, mas porque em todos o instinto de sobrevivência era mais forte que o ódio ancestral.

O acordo foi feito e, ainda que frágil, nos garantiria maior força de combate. Vampiros eram uma ajuda fundamental, com sua rapidez e habilidade. Um dos problemas estava resolvido: tínhamos formado uma boa milícia, e outros mais ainda viriam com a anuência do poderoso Stivan. Contudo, o que me atormentava não era isso, mas Megan. Quando tomei a resolução de me aproximar dela, imaginei que de alguma forma conseguiríamos viver o amor que sempre fora nosso, cego por minha necessidade de tê-la, pelo egoísmo que me impelia a aplacar, de qualquer forma, a dor de sua ausência.

Eu a amava há tanto tempo! Tanto!E ela me amava também. Sempre amara! O casamento de Rosie e Joseph aconteceu porque ela jamais faria algo para feri-lo, mas se não fosse por ele nós teriamos ficado juntos. Louco! E em minha loucura tudo que consegui foi contaminar minha amada, colocá-

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la em risco. Ainda assim, não podia desistir dela. Jamais!A idéia de chamar Destiny veio de Strideus devido à luta

interna que Megan travava contra o veneno de Joseph. Quem melhor do que uma vampira tão antiga para ajudá-la? E era claro que Destiny concordaria em fazê-lo. Destiny, mais do que todos nós, inclusive eu mesmo, queria que Megan fosse minha. Assim, enquanto Joseph treinava seus homens em conjunto com os nossos, sua mulher nos acompanhou até o hospital. Foi preciso adormecer os pais de Megan e também afastar todos os humanos dos corredores. Por fim, a vampira pediu que fôssemos buscar a jovem Alice, pois precisaria de mais alguém para ajudá-la.

No final da noite, Destiny se foi deixando-me em companhia da menina. Suas palavras antes de sair me aterrorizaram: Megan sofreria mais uma metamorfose e só Deus poderia saber o que viria dessa vez.

Bill

Abri os olhos lutando contra o torpor de meu corpo, que insistia em permanecer inerte. A sensação era a de que um rolo compressor havia me atropelado, esmagado meus ossos até eu virar tapete e em seguida uma manada de elefantes decidira marchar sobre mim. Até piscar doía.

— Megan! Filha!Eu não conseguia sequer sorrir em resposta a minha mãe.

Ela se debruçou sobre mim, seus olhos vermelhos de tanto chorar pairando a alguns centímetros do meu rosto. Mamãe parecia ter envelhecido vinte anos. Eu não fazia a menor idéia de onde estava.

— Oi, coelhinha querida — disse meu pai, olhando-me com ternura. Ele também estava abatido. Mais uma vez, eu enchia os dois de preocupação pela minha mania de entrar em situa-ções que nunca terminavam bem.

— Filha, você consegue falar?Eu quis responder que não, mas só consegui piscar para

ela.— Está sentindo dor, Megan? — perguntou meu pai, olhos

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marejados. Pisquei duas vezes, rezando para que ele entendes-se a resposta.

— Uma vez para não, duas para sim? — perguntou. Pisquei duas vezes.— Vou chamar o médico — disse a mamãe, saindo do

quarto.— Você não consegue falar?Quis dizer a meu pai que não conseguia me mexer porque

estava com muita dor, mas como? Pisquei uma vez, depois duas.

— Sim e não? Mais ou menos, é isso? Duas piscadas.— Você vai ficar boa, querida. Eu sei que vai. E quando

isso acontecer, nós vamos estabelecer algumas regras, certo?Duas piscadas. Ele sorriu. Strideus entrou no quarto com

mamãe, os três conversaram algumas coisas e meus pai se reti-raram, explicando para ele o código das piscadas.

— Está sentindo dor, Megan?Duas piscadas. Intervalo. Duas piscadas.— Muita dor. OK. É normal, já que seu organismo lutou

muito para mantê-la viva.Enquanto falava, ele aplicou alguma coisa em minha

jugular. Um líquido que me queimou feito brasa durante alguns segundos. Quando o ardor passou, estava me sentindo bem melhor.

— Tente se mover agora — pediu.Mexi os dedos das mãos lentamente. Depois, virei o pesco-

ço e movi os braços. Estava quase sem nenhuma dor.— Consegue falar?— Sim — respondi, após alguns instantes.— Ótimo. Provavelmente amanhã estará fora da cama.— Bill...? — perguntei.— Logo estará aqui. Mas agora descanse.Bill chegou algum tempo depois e entrou no quarto em

silêncio. Mesmo estando de costas para a porta, senti sua presença.

— Megan — disse ele, segurando minhas mãos. Esqueci-me totalmente da dor e o puxei para perto.

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— Megan, o que...Não o deixei terminar a frase. Beijei-o com força e

desespero, com uma saudade que parecia milenar.— O que houve comigo? — perguntei, assustada.— Joseph a mordeu, você não lembra?— Joseph? Aquele Joseph?— Megan, você está bem?— Não sei. Eu esperava que você me dissesse. O que há

comigo?Bill me olhou com seriedade.— Do que consegue se lembrar?— De estar descendo as escadas da sua casa em direção à

sala. Mais nada.Ele resumiu òs acontecimentos, minimizando muito algu-

mas partes. Fiquei espantada quando soube que ele havia morrido e ressuscitado, e totalmente decepcionada por saber que havia me transformado em uma tigresa. Mas o que real-mente me deixou de queixo caído foi saber a razão de estar no hospital:

— Eu fui mordida por um vampiro e não morri nem me transformei? Como é possível?

— Não sei. Ninguém sabe.— Quer dizer que além de virar um animal agora também

tenho um lado vampiro? Como você?— Sim — ele respondeu, abatido.— Ou seja, a cada dia estamos mais parecidos?— Sim...— Finalmente uma notícia boa! Ao menos em alguma

coisa agora nós dois somos parecidos!— Megan... você é maluca!— Por você! — respondi, atirando-me sobre ele. — Meu

Deus, eu posso te abraçar sem sentir nada!— E isso é bom? — perguntou Bill.— Claro! Quer dizer, agora podemos namorar direito!

Finalmente!— Megan, isso terá conseqüências... assim como teve

quando lhe dei meu sangue.

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— Tá. Quais?— Não sei. Só esperando para saber.— Não me importa, Bill. De verdade!Ele me olhou de uma forma estranha, como se aquilo que

me fazia feliz fosse absolutamente inconcebível.— E os outros, como estão? — perguntei. Afinal, não era a

única que havia ido parar no hospital.— Melhorando rapidamente. Acho que todos estarão de

volta em alguns dias. Por falar nisso, você vai sair daqui direto para casa de seus pais. Não tenho condições de hospedá-la neste momento.

— Eu sei... Como estão as coisas em sua casa?Ele me falou sobre a proposta de Joseph, a visita de

Daghar e Stivan Blackwell e os progressos que havia conseguido por conta, exclusivamente, do perigo dos ataques inimigos.

— E os agura...?— Há vários caçadores e vários vampiros espalhados pelas

montanhas tentando descobrir algo que possa nos ajudar. Cedo ou tarde, alguém vai encontrar uma pista, um rastro, um esconderijo. Isso, claro, se eles não atacarem antes...

Eu o abracei, pouco me importando se dali a cinco minutos estaríamos todos mortos. Naquele momento, estar ao seu lado era a única coisa que importava. Bill se foi e, pouco depois, eu adormeci. Quando voltei a abrir os olhos, minha vida tinha mudado para sempre.

Foi estranho e desconfortável caminhar por nossa nova casa, apertada e sem graça. Não sei como, mas meus pais ha-viam arrumado vários móveis e uma cozinha nova em folha com tudo que alguém que aprecia culinária poderia sonhar (com certeza, havia ali um dedinho do Bill).

Embora me sentisse bem e disposta fisicamente, meu âni-mo não era dos melhores. Não gostei daquela casa desde o primeiro dia e, de alguma forma, morar com Bill afastou de minha cabeça o fato de que tudo que tínhamos não existia mais. Além disso, era estranho eu voltar a uma vida que nem

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julgava mais ser a minha quando o mundo estava prestes a acabar em fúria de sangue e neve. Desanimada, subi a escada em direção ao meu novo quarto, rezando para que houvesse nele ao menos um colchão confortável onde pudesse me jogar e sentir pena de mim mesma, mas assim que abri a porta levei um choque. A lembrança que eu tinha do antigo cômodo sem graça e desbotado foi substituída por uma imagem totalmente diferente, colorida e decorada, com paredes recém-pintadas, cheia de livros e CDs cuidadosamente colocados em uma estante.

— Gostou? — perguntou minha mãe logo atrás de mim.— Mãe... é lindo! Como...— Bom, o crédito não é só nosso. Sarah e o irmão tiveram

uma grande participação, assim como sua amiga Alice. E, é claro, Bill. Seu pai não queria, mas acabou aceitando a ajuda dele.

Eu olhei para ela e depois para o quarto, sem saber o que dizer.

— Como perdeu suas anotações escolares, Sarah e Alice repuseram tudo. Suas lições estão em dia. E tem mais... — dis-se ela, caminhando até o armário cuja porta fora pintada de branco. Dentro havia roupas e sapatos, um luxo a mais que eu realmente não esperava. — O que suas amigas não trouxeram, nós ganhamos de outras famílias. Tanta gente nos ajudou, filha! Espero que goste de tudo.

Eu a abracei. — Obrigada, mãe!Ela sorriu e acariciou meu rosto: — Apenas pare de sofrer acidentes, Megan. Por favor.— Vou tentar — garanti, enxugando as lágrimas.Ela sorriu e se foi. Eu me atirei em minha cama nova como

se estivesse em um sonho. Liguei para Sarah e agradeci por tudo, depois liguei para Alice, que prometeu passar para me ver na manhã seguinte. Então, liguei para Bill.

— Gostou da surpresa? — Foi sua primeira pergunta.— ADOREI! Como encontrou tempo no meio de tudo que

está acontecendo...?

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— Sempre tenho tempo para cuidar de você. Não aprendeu isso ainda?

— Estou aprendendo...— Quero vê-la tão logo seja possível, Megan. As coisas an-

dam loucas por aqui. Estão chegando reforços inesperados depois que os Blackwell resolveram aceitar a aliança. Eles têm bastante influência e metem medo em muitos de minha espécie. Está sendo uma experiência e tanto ver vampiros e rovdyrs lado a lado.

— Imagino.— O que achou do presente?— Qual deles? TUDO aqui é presente!— Olhe no armário. Um canudo de papelão.Corri até o armário e vi o objeto. Parecia um desses canu-

dos que embalam fotos e quadros. Imaginei que fosse uma pantera para substituir a Tess, mas eu havia subestimado as capacidades do Bill.

— Como você conseguiu? — perguntei espantada, olhando para o pôster aberto sobre a cama.

— Achei que, depois de sua decepção, isso a ajudaria a se alegrar.

Alegrar? Aquilo era maravilhoso! Bill mandara montar um quadro mostrando uma enorme pantera negra deitada ao lado de uma tigresa branca, as cabeças dos dois animais repousan-do juntas. Precisava dizer mais?

— Eu amo você — disse, com lágrimas nos olhos.— Também a amo, Megan, acima de tudo e de todos.— Estou me sentindo tão inútil! Tanta coisa acontecendo e

eu aqui, longe da ação!— Fique em segurança, por favor. Ao menos desta vez,

acho que consigo proteger você.Não respondi. É claro que Bill tinha razão, mas isso não

fazia com que eu me sentisse melhor. Levar uma vida normal, a mesma que tinha antes de conhecê-lo, parecia tão impossível quanto enxergar uma estrela negra no céu noturno. Nós des-ligamos logo depois e eu fui explorar meu novo território por falta de coisa melhor para fazer. Depois, abri a janela e deixei o

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vento frio entrar. Do outro lado da rua, além da fileira de casas absolutamente iguais à nossa, bem longe no horizonte, estavam as montanhas brancas onde o perigo espreitava.

Como não tinha mais nada para fazer, coloquei um CD para tocar e peguei um livro. Cinco minutos depois, adormeci ao som de Freddie Mercury cantando One Year of Love. Acordei muitas horas mais tarde com a sensação de flutuar sobre a cama. A janela estava fechada, as luzes apagadas e o CD havia terminado. Lá fora, um vento forte assobiava e a neve caía como um véu branco e fosco. Não sentia meu coração bater, não sentia o ar entrar e sair de meus pulmões. "Será que estou dormindo?", pensei, tentando me tranqüilizar. Então, não sei por que, pensei na cozinha nova de minha mãe e de repente me vi parada bem ao lado do fogão. Soltei um grito de susto, mas não senti o coração ou a respiração acelerar. Megan, isso terá conseqüências... assim como teve quando lhe dei meu sangue. As palavras de Bill soaram claras em minha mente.

Será que eu acabara de experimentar a primeira delas?Voltei para o quarto procurando não pensar, com medo de

me deslocar até onde meu pensamento se projetasse. Quando entrei, meu coração já batia normalmente e o ar voltara aos meus pulmões. O que teria sido aquilo? Pensei em falar com Bill, mas ele estava cheio de problemas e não tinha tempo de se preocupar com minhas bobagens. Então, pensei em Alice. Nós nos veríamos em poucas horas, já que eu finalmente ia voltar ao colégio.

Com medo de adormecer, retomei a leitura sem me dar ao luxo de acender as luzes. Eu não precisava delas. "Pelo menos, vou economizar energia e contribuir com o planeta", pensei, tentando achar alguma coisa positiva em toda aquela confusão. Quando o dia chegou, eu já havia terminado o livro, tomado ba-nho e estava na cozinha preparando o café da manhã para meus pais. Fred continuava na casa de Mike e eu imaginei que, se continuasse naquele ritmo, acabaria adotado pela família do amigo.

— Nossa, que cheiro bom! — exclamou meu pai, entrando na cozinha.

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— Quis preparar alguma coisa pra retribuir tudo o que fize-ram por mim.

— Café da manhã? — disse minha mãe, vindo logo atrás. — Mas que luxo! Acho que já posso me aposentar — brincou.

— Como é bom ver você tão disposta, filha! E então, pronta para voltar ao colégio?

— Não.Meu pai piscou para mim e eu sorri de novo. Estava fican-

do muito boa em disfarçar tudo com um sorriso.Sinceramente, eu ia fazer o que no colégio? Nada do que

iam me ensinar eu queria aprender e tudo que tinha vontade de saber eles não conheciam, então para quê? Ainda assim, peguei minhas coisas, vesti o casaco de astronauta gordo, que por alguma ironia do destino não fora destruído junto com a casa, e ia me sentar na sala para ficar esperando o pai de Alice buzinar lá fora, quando a mamãe me chamou para tomar café com eles.

— Você não pode sair sem comer, menina!Eu suspirei e obedeci. Forcei uma panqueca com geléia

goela abaixo e tomei um copo de leite sem respirar, rezando para que aquilo ficasse em meu estômago. Eu não sentia fome alguma e nem havia qualquer coisa que me apetecesse. Pensei em uma deliciosa barra de chocolate, mas nem isso me deu vontade de comer. Finalmente, a buzina soou e eu saí. Ao fechar a porta, tive uma sensação estranha, como se fosse a última vez que veria aquele lugar.

— Que foi? — perguntou Alice, notando minha expressão.— Nada. Estou estranha, só isso.— Também, depois de tudo... E aí, como foi a primeira

noite na casa nova?Contei a ela o que havia acontecido.— Uau! Conselho? Da próxima vez, veja como acontece

para aprender a controlar o processo. E não adianta sentir medo, Megan. Só vai atrapalhar.

— Meu coração não bate, fico sem respiração e você quer que eu ache isso legal?

— Seja lá o que for, não vai sumir só porque você não gosta. De repente, dá até pra usar isso em seu favor.

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Lógico que ela estava certa, mas dá licença que eu queria fazer um drama?

A escola estava exatamente como eu me lembrava dela: chata, impessoal, um saco. Sarah veio me abraçar assim que saí do carro e trocou um "oi" meio sem graça com Alice. Greg também veio nos ver e Paul sequer nos olhou.

— Idiota! — Alice rosnou baixinho.— Para com isso, vai! Pense que há um vampiro lindo mor-

rendo de amores por você.— Nem vem, Megan. E ele nem é mais vampiro, já está

mais pra rovdyr.— Mas está babando por você.— Ele é babão — respondeu, enfatizando o verbo na

oração.Suspirei fundo, encarando a escadaria do colégio. "OK,

sacrifício, lá vamos nós", pensei, tentando imaginar como su-portaria as longas horas de tédio que me aguardavam.

— Estou feliz que esteja de volta, Megan — disse Sarah, aproximando-se de mim. — Quem sabe agora a gente consiga fazer tudo voltar ao normal.

Entendi que ela se referia a Alice e à amizade que tínhamos.

— Vamos ver — respondi, pensando em quantos significados a palavra 'normal' poderia ter...

Capítulo 15

Paralelo

Voltar ao colégio não foi tão horrível quanto imaginei. No final das contas, éramos todas adolescentes e, em determinados momentos, era impossível não falar de coisas engraçadas e cair na gargalhada. Eu já havia esquecido como era bom ter só 17 anos e nada com que me preocupar. Foi bom voltar a ser um pouco normal, como diria Sarah, por algum

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tempo. Na saída da escola, meu irmão veio me dar um beijo e depois foi embora com Mike e outros garotos.

— Você tem carona! — disse Sarah, apontando para a rua.Quando olhei, vi Simon encostado em um carro de cair o

queixo esperando por mim. Como eles conseguiam arranjar tantas coisas novas naquele fim de mundo era um mistério. Milagres! Um por dia.

Acenei para ele e pensei em me despedir de Sarah, mas era evidente que ela não desgrudaria de mim até conseguir chegar perto de Simon. Alice, muda, nos acompanhou.

— Oi, Simon. Que bom ver você de volta. Vai estudar aqui de novo?

— Não, Sarah. Só vim falar com Megan.— Ah, que peninha...— Acha mesmo? Para mim, você deveria ir para casa

estudar. Você precisa estudar muito, não é mesmo?Franzi a testa para Simon e Alice riu, adorando vê-lo

mesmerizar a pobre coitada.— É mesmo... preciso ir pra casa. Tenho que estudar muito

— ela repetiu feito um robô e foi em direção ao carro de Greg.— Francamente — disse, olhando para ele, que ria junto

com Alice.— Vim ver como você está, Megan. Totalmente

recuperada?— Acho que sim. Desculpe a pergunta, mas... de onde saiu

esse carro?— Lizandra trouxe vários ontem. Quer uma carona?Olhei para Alice, mas ela deu uma desculpa e se afastou.

Por um minuto, o tempo parecia ter retrocedido. Eu saindo da escola, Simon me oferecendo carona... Aquilo parecia já ter acontecido há um milhão de anos.

— Como vão as coisas por lá? — perguntei.— Bem agitadas. E estranhas. Passei a vida caçando

vampiros e agora eles entram e saem da casa como se fôssemos amigos. Para mim, que cuidei de Christian desde o nascimento, não é tanta novidade assim, mas para os outros está realmente esquisito.

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— Bill comentou a mesma coisa ontem. O silêncio pairou no ar.— Bill sabe que você está aqui? — perguntei.— Não, ninguém sabe. Eu só queria ver você.— Ah, não, Simon. Por favor... — olhei para ele com súplica

nos olhos. O expresso Bill-Simon era coisa do passado e eu não queria trazê-lo de volta.

— Precisamos conversar, Megan. Quero deixar tudo muito claro entre nós. Sempre que tento me afastar, alguma coisa me trás de volta e eu não quero mais que isso aconteça.

Calada estava, calada permaneci.— Sei que ama Bill, isso já ficou claro para todo mundo.

Você desculpou todas as mentiras dele, encarou Joseph e der-rubou aquela história sobre Rosie com meia dúzia de palavras, meteu-se em uma guerra de vampiros para salvá-lo... pelo amor de Deus! É evidente que o ama. O que quero saber agora é o que você sente por mim.

— Quer saber 'agora'? No meio de tudo que está acontecendo?

— Sim, no meio de tudo que está acontecendo.— Simon, eu gosto muito de você. Mesmo. Mas meu senti-

mento por Bill é diferente. Você é meu amigo querido, aquele com quem posso conversar, brigar, desabafar... mas isso não é amor. Quero dizer, não amor entre homem e mulher.

— Eu... entendo. Já sabia disso, mas precisava perguntar. Eu tinha de ouvir você dizer com todas as letras.

— Eu não quero te magoar...— Não magoou. Eu serei sempre seu amigo, se é o que

prefere.Pouco depois, ele estacionou em frente de casa e me

olhou demoradamente com seus olhos dourados. Havia dor neles e eu senti ódio daquele destino que fazia os rovdyrs escravos de suas paixões. Não era justo! Simon merecia ser feliz. Alguém tinha que dar um jeito. Alice! Ela era uma bruxa. Quem sabe havia algo que pudesse fazer?

Desci do carro com a firme decisão de encontrar uma solu-ção para Simon. Não fosse Bill ter entrado como um furacão em

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minha vida, nós estaríamos juntos. Pouco me importaria o dramalhão dos rovdyrs, eu ia dar um jeito de salvar Simon de algo que ele absolutamente não merecia. Engoli alguma coisa para deixar minha mãe feliz e fui direto para meu quarto. Em cima da cama, o pôster dos felinos me fez sorrir espon-taneamente. Houve um tempo em que quase desejei não ter conhecido Bill para poder amar Simon, mas agora? Não tinha mais como. Eu pertencia a Bill de corpo, alma, coração e tudo mais que havia em mim.

Liguei para Alice e contei o que havia acontecido, pedindo sua ajuda.

— Eu não sei como fazer esse tipo de coisa, Megan, e acho que nem posso. Minha mãe deixou claro que ninguém deve interferir magicamente no destino dos outros. Isso nunca ter-mina bem.

— Mas tem que haver um jeito! — insisti.— Bom... o que posso fazer é dar uma olhada nos escritos

dela e ver se encontro alguma coisa.Agradeci e, assim que desligamos, meu telefone tocou. Era

Bill querendo saber como havia sido a volta às aulas e como eu estava me sentindo. Conversamos muito e acabei falando sobre a visita de Simon, pedindo que ele não ficasse zangado.

— O que posso fazer se minha namorada tem uma fila de homens atrás dela? — brincou.

— Você também tem uma fila de mulheres babando por você.

— Vai ver somos irresistíveis. Mas falando sério, depois de tudo que houve, não será Simon que me fará sentir ciúmes. No lugar dele eu teria feito a mesma coisa. Aliás, eu já estive no lugar dele e fiz a mesma coisa...

— Nunca falamos sobre isso, né?— Quando as coisas se acalmarem, prometo que vamos

falar sobre o que você quiser.Eu suspirei. Quando as coisas se acalmariam? Pelo jeito,

no dia de São Nunca...

Uma semana depois de eu ter voltado para casa, a busca

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pelos agura continuava sem sucesso. A casa de Bill, agora transformada em um quartel-general, ficava mais cheia a cada dia.

Acho que todos os rovdyrs do planeta estavam ali. E com eles vinham os vampiros. Brigas, discussões e desentendimentos eram constantes. Bill chegou a dizer que não via a hora de o ataque acontecer para que toda aquela testosterona tivesse um alvo definido.

Enquanto isso, Alice buscava alguma solução para o pro-blema de Simon, eu freqüentava as aulas e aperfeiçoava meus momentos vampirescos, que passaram a acontecer todas as noites, sempre no mesmo horário, exatamente como a insônia que preconizara as mudanças na minha vida tempos atrás. Haveria aí alguma ligação? Aos poucos, descobri que eu não sumia de um lugar e aparecia em outro, mas me movia muito rapidamente. Para isso acontecer, só precisava me concentrar no lugar aonde queria ir. Repeti isso várias vezes até conseguir certo controle do processo. Alice tinha razão — até que a coisa era bem legal, mas resolvi manter segredo. Só minha amiga sabia daquilo. Imaginei que se conseguisse ficar boa nessa minha nova capacidade, poderia fazer uma surpresa a Bill e surgir em sua casa. Estava morrendo de saudades e só telefonemas não resolviam mais.

Uma noite, quase dez dias depois, acordei e decidi que já estava boa o suficiente para surpreender Bill. Conhecendo minha habilidade para sempre fazer coisas nas piores ocasiões possíveis, eu deveria ter freado aquele impulso, mas quem pensa em frear alguma coisa quando se tem 17 anos e está apaixonada?

Escolhi uma roupa, vesti meu casaco de astronauta e, parada em meu quarto, esvaziei a mente. Concentrei-me na casa de Bill. Alguns minutos depois, surgi no meio de uma sala lotada de homens imensos e mal encarados, reunidos em torno da lareira. Quase não dava para reconhecer o lugar. Não havia móveis, janelas, enfeites. O chão estava sujo de lama e o cheiro de sangue que pairava no ar seria forte o suficiente para obstruir meus pulmões, caso eu estivesse respirando naquele

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momento. Olhei era volta, procurando um rosto conhecido, mas não vi nenhum. Tentei me concentrar em Bill, mas estava apavorada demais para conseguir fixar a mente. O fato de ser rápida e forte e poder sumir dali com facilidade sequer entrou na equação. Eu havia feito uma grossa bobagem e, a menos que alguém aparecesse para me salvar, seria muito difícil sair dali com vida.

Fiquei repetindo para mim mesma que enquanto meu coração não batesse eu seria apenas mais uma vampira naquele antro de monstros. Mas minha sorte tinha que dar as caras, é claro. No momento em que estava quase saindo do salão rumo às escadas, senti um tremor no peito e o som da pulsação voltou.

Sem saber o que fazer, gritei por Bill com toda a força dos pulmões. Uma parede de rovdyrs e vampiros se formou diante de mim e eu vi o que Bill e Simon viviam repetindo: eles eram, sim, monstruosos, animalescos e perigosos. Apenas vê-los já era suficiente para matar alguém de susto. Continuei gritando por Bill de forma alucinada até que um deles me mandou calar a boca.

— Quem é você? — perguntou um outro, alto e de presas horríveis.

— Megan. Sou a namorada de Bill.— Bill não está aqui.— E Simon? Joseph? Destiny...? Alguém gargalhou e eu tremi.— Falta de sorte menina. Estão todos fora. É o turno deles

esta noite.— Christian Blackwell? — implorei. — Lizandra...?— Nenhum deles está aqui.Comecei a falar todos os nomes de que lembrava até final-

mente acertar um:— Lazan?Eu sequer o conhecia, mas ele visitara Bill várias vezes e

imaginei que soubesse quem eu era. Alguém foi buscá-lo, en-quanto os outros continuavam me olhando. Eu me sentia uma ovelha prestes a ser devorada por lobos sanguinários.

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— O que faz aqui? — Lazan surgiu e perguntou secamente.— Você conhece a humana? — indagou o sujeito das

presas horríveis.— É a mulher de Bill Stone. Ela não deve ser tocada.

Venha comigo, menina.Eu o segui escada acima até o que um dia fora o quarto de

Bill.— Fique aqui.Ele saiu e me largou naquele lugar frio como a morte. A

lareira do quarto não estava acesa e o vento entrava pelas ja-nelas destruídas, sem qualquer piedade. Meu medo daqueles homens e da reação de Bill ao descobrir o que eu havia feito era tão grande que sequer tive tempo para sentir raiva de mim. Enrolei-me em meu casaco tentando permanecer aquecida. Se ao menos eu pudesse me transformar, se meu coração parasse de bater... Mas eu estava mesmo sem sorte. Todas as reações que aconteciam comigo devido à mistura de sangue simples-mente desapareceram quando eu mais precisava.

Se ficasse ali eu ia morrer congelada! Comecei a enumerar as conseqüências de minha loucura, quando um ruído vindo do andar de baixo me arrancou da autopiedade. A princípio, era só um murmúrio, que foi crescendo até se transformar em gritos selvagens e assustadores e depois em urros de fúria descontrolada. Os urros se misturavam a gritos e brados de guerra. Pela janela quebrada, vi quando a horda selvagem co-meçou a deixar a casa, desaparecendo na escuridão fria, como fileiras de soldados partindo para a guerra. Teria Bill finalmente localizado o esconderijo dos agura? E se assim fosse, o que iria acontecer com ele?

Minutos depois, o silêncio voltou a imperar, absoluto e sepulcral. Saí do quarto e percorri a casa inteira o mais si-lenciosamente possível, apenas para constatar o que já sabia: todos haviam partido e eu estava só. Corri para a sala e me co-loquei diante da lareira, única fonte de calor disponível, ima-ginando um jeito de voltar para casa, mas estava sem opções razoáveis no momento. Sentada em frente ao fogo, eu parecia uma figura de história em quadrinhos. Tudo negro numa sala

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imensa e apenas uma pessoa minúscula, iluminada pela luz das chamas. Patética e burra! Muito burra.

De repente, algo vibrou em mim. O celular em meu bolso!— Te acordei? — perguntou Alice, preocupada.— Não...— Está tudo bem, Megan?— Não...— Eu sabia. Tive um pesadelo horrível contigo. Onde está

agora?— Na casa de Bill...— Como assim? Fazendo o quê?!Contei tudo e aí viramos duas apavoradas. Nem eu nem

Alice sabíamos o que fazer. Claro, eu podia acordar meu pai e pedir que fosse me buscar, mas e se ele fosse pego no meio de um ataque? Não. O jeito era me virar sozinha. São muito interessantes as coisas que passam por nossa cabeça quando estamos na iminência de uma tragédia. Pensamentos sem qualquer importância passam a ser vitais e nos lembramos de coisas absurdamente ridículas, sem qualquer utilidade ou li-gação com o momento.

De repente, ouvi algo atrás de mim. O som era baixo, mas claro. Havia mais alguém na casa! Levantei num salto e me esgueirei pelas sombras. O ruído ficou mais alto e então percebi que ouvia o som de alguém caminhando. Alguém pesado e lento. Não podia ser vampiro e nem rovdyr, já que eles não faziam barulho nenhum. Ao som dos passos, juntou-se outro, o de algo sendo arrastado. Silenciosamente, farejei o ar e rosnei — a fera em mim havia acordado! Fiquei em silêncio absoluto, ouvindo o som se aproximar, e então, quando achei que alguma criatura espectral surgiria para me devorar, deparei-me com um grande felino. Tão surpreso quanto eu, ele me olhava imóvel. A seus pés jazia o corpo inerte de um cervo abatido, cujo sangue escorria pelo chão.

Ele rugiu para mim e eu rugi em resposta. Queria dizer que não pretendia comer sua caça, mas isso era eu, Megan, humana. Minha outra natureza não pensava da mesma forma e, quando dei por mim, estava atracada com o animal, lutando

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furiosamente para roubar-lhe a presa. Uma fome descomunal se apoderou de mim. Eu queria, mais que tudo na vida, fincar meus dentes no pobre cervo e devorá-lo inteiro.

Lutei com o puma furiosamente pela comida, o que afinal de contas não era justo, já que ele havia caçado, mas quando se é um tigre e se está faminto, quem liga? Para minha sorte, eu era maior e mais feroz e, embora ele rugisse, reclamando a caça, ela ficou comigo. O felino se afastou com grandes ar-ranhões pelo corpo, saltando pela janela estilhaçada. Eu rugi alto, tomando posse de meu jantar. A parte de mim que man-tinha o raciocínio estava enojada, mas a outra, mais forte e selvagem, arreganhou os dentes, pronta para devorar o cervo. Mal tive tempo de aspirar o aroma da carne fresca e um rosnado baixo soou ao meu lado. Não era o puma, disso eu tinha certeza. O som era diferente, rouco, e ressoava em meu peito de forma perturbadora. Rosnei com força e o desconhecido saltou sobre mim. O que se seguiu foi uma luta selvagem. O intruso era muito mais forte e, por mais que eu tentasse, não conseguia me virar para vê-lo. Seus rugidos ecoavam em minha cabeça. Nem vampiros, nem rovdyrs, nem o frio e nem acidente: eu ia morrer devorada por um inimigo faminto, em busca de alimento.

Numa desesperada tentativa de permanecer viva, parei de me debater. Eu havia sido derrotada, o invasor ficaria com a caça. Relaxei o corpo, indicando que reconhecia sua vitória, mas ele não se moveu e nem deu mostras de estar interessado na comida. Ficou parado sobre mim, mantendo-me imóvel. Minha parte humana começou a rezar, suplicando para que eu não mudasse de forma naquele momento.

Ainda sobre mim, o animal afrouxou suas garras e, com delicadeza, lambeu parte de meu corpo. Sangue! Eu estava suja com o sangue do puma que ferira e do cervo que pretendia devorar. As lambidas continuaram calmas e cadenciadas, pa-recendo mais carinho do que preparativos para me abocanhar. Aos poucos, fui me acalmando.

— Muito bem — disse o inimigo, ainda sobre mim —, vou soltar você agora.

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Respirei aliviada ao ouvir sua voz. O peso sobre minhas costas desapareceu e, ao me virar, deparei-me com Bill já em forma humana. Assim como havia acontecido comigo quando Pops me encontrou na floresta, sei lá quanto tempo atrás, ele estava totalmente nu e eu seria muito mentirosa se dissesse que não fiquei fascinada com o que vi. Talvez, em outras circunstâncias, eu sentisse vergonha ou medo, mas naquele momento, transformada em animal, dei-me o direito de apre-ciar aquele corpo magnífico, maravilhoso e escultural. Até eu, que nunca havia tido qualquer experiência com homens, sabia que Bill era um em um bilhão. E que tinha a bunda mais linda do planeta.

Olhei para o cervo, mas Bill pegou o animal e jogou-o pela janela.

— Nem pense nisso, Megan. Se provar sangue, talvez não volte mais à forma humana.

Eu rosnei.— Não sei o que está fazendo aqui ou como chegou, mas

precisa ir embora. Está me entendendo?Rosnei novamente, em afirmativa.— Muito bem, ouça com atenção. Não sabemos quanto vai

demorar até você voltar à forma humana, por isso, quero que entenda que o que vou fazer é para o seu próprio bem.

Olhei para ele, desconfiada.— Venha comigo — pediu.Eu o segui pela casa deserta até a cozinha e vi arrastar um

dos armários, revelando uma sala até então oculta. Bill abriu uma porta e nós descemos por uma escada que terminava numa espécie de câmara frigorífica, com geladeiras enormes, repletas de potes de sangue.

Era ali que eles guardavam a comida!— Há algumas roupas naquele armário, Megan. Vou deixar

a temperatura tolerável para você. Caso retorne à forma hu-mana enquanto eu estiver fora, não saia daqui. Eu volto assim que puder.

Eu rosnei e Bill acariciou minha cabeça com ternura, afun-dando os dedos na pelagem espessa. Ele estava tão calmo, tão

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carinhoso. Mesmo com o pouco raciocínio que me restava, eu não conseguia entender como ele me encontrara e o que estava fazendo ali. Então, assim como veio, ele se foi, deixando-me trancada naquele lugar frio e tétrico.

Meu raciocínio parece ter desaparecido com a saída de Bill. A última coisa de que me recordo é andar em círculos olhando para as geladeiras de sangue e sentindo a boca salivar.

O esconderijo dos agura, uma reentrância coberta de neve na face norte das montanhas, ficava a mais de 1.500 metros de altura. Encontrá-lo exigiu capacidades muito além das nossas — capacidades que apenas os vampiros possuíam. Mas não qualquer vampiro. Destiny. Seu corpo tinha toda a resistência e agilidade necessária para escalar a encosta fria, íngreme e escorregadia. Ela se ofereceu como batedora.

Como os inimigos haviam chegado àquele lugar beirava o milagre, evidenciando a transformação de nosso povo ao longo das eras. Embora alguns de nós ainda conservassem a aparência rústica e selvagem de antigamente, a maioria havia se tornado civilizada. Quando Destiny voltou com a localização dos agura, nossa preocupação aumentou. Como chegar até eles sem dar sinal de nossa presença?

— Vamos esperar que adormeçam — sugeriu um dos homens.

— Isso pode demorar dias!— comentou Simon, o único entre nós que havia estado próximo do inimigo.

— Matt, aproveite a direção do vento e chame os outros — pedi. Se íamos enfrentar centenas de feras, precisávamos de toda ajuda possível.

Em pouco tempo, nosso exército estava reunido, chegando em silêncio absoluto. Numericamente, estávamos mais ou menos empatados com os agura, perto de 300, mas levando em conta que eram necessários cinco ou seis de nós para cada um deles, nossa única vantagem era a surpresa.

— Qual será a estratégia? — perguntei a Joseph. Ele me olhou e imagino que tenha percebido o momento

da mesma forma, que eu, porque a sombra de um sorriso

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ameaçou surgir em seu rosto. Já havíamos tido aquela mesma conversa centenas de vezes no passado e, embora hoje fossemos inimigos, algo em nós ainda estava firmemente preso aos antigos laços de amizade.

— Acha que poderia explorar melhor o terreno se estivesse transformado? — indagou.

— Talvez.— Será que Nick está com eles? —perguntou Matt.— Não vi ninguém diferente com as criaturas — Destiny

respondeu.— Muito bem, vamos fazer o que é preciso — disse eu,

assumindo minha outra forma. Mesmo acostumado à escaladas e terrenos instáveis, precisei de muito cuidado para não rolar pela encosta e quebrar o pescoço. Quem escolheu aquele local como esconderijo sabia o que estava fazendo.

Demorei um bom tempo para subir e depois voltar com informações. Não cheguei até a boca da reentrância, mas perto o suficiente para traçar uma rota de subida. Seria um ataque único. Se falhássemos, não haveria como fugir para tentar novamente. Era tudo ou nada e eu deixei isso muito claro para meus companheiros. Os vampiros tinham a vantagem da rapidez, por isso iriam à frente, atacariam e nós entraríamos a seguir. O plano, se não era o melhor, era o único que tínhamos. Joseph lideraria o ataque dos vampiros, enquanto eu, Matt e Lucius Blackwell o dos rovdyrs.

— Não morra — disse Joseph antes de partir. — Ainda temos contas a acertar.

Eu o encarei por uma fração de segundos e concordei com a cabeça. Ele não estava brincando. Enquanto os vampiros subiam pela encosta seguindo o caminho que eu havia indicado, um dos nossos, de aparência selvagem, aproximou-se:

— Preciso lhe falar, Bill Stone. Sua mulher está na casa.— Minha mulher...? Do que está falando?Ele resumiu o que havia acontecido, dizendo que Lazan

tinha deixado Megan no andar superior pouco antes de receberam o aviso de Matt para se reunirem.

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— Impossível! Lazan estava aqui. Foi ele que chamou os vampiros.

— Lazan estava na casa conosco. Ele voltou pouco depois que vocês partiram, avisando que todos acharam melhor ele ficar para controlar os sugadores de sangue.

Olhei para a fileira que subia a encosta sem saber o que pensar. Eu conhecia Megan o suficiente para saber que juízo não era seu forte, mas nem ela seria louca aponto de se arriscar tanto. Ou seria? E como Lazan podia estar em dois lugares simultaneamente?

— Bill, está na hora — avisou Matt.Não havia tempo para me concentrar em qualquer coisa

que não fosse a batalha. Não sabia do que aquele homem estava falando, mas fosse o que fosse, teria de esperar. Matt e Lucius tomaram a dianteira, fazendo sinal para que me juntasse a eles, mas eu resistia. E se Megan realmente tivesse arrumado uma forma de chegar em nossa casa?

— Vamos, Bill! — disse Matt, parado a meu lado. — Não podemos deixar Lucius sozinho!

Nossos homens subiam a montanha e lembravam uma grande serpente deslizando pela encosta gelada. Alguns segundos antes de chegarmos à reentrância, ouvimos os vampiros atacando e os agura reagindo. Daí em diante, foi apenas luta, sangue e morte.

Eu não tinha prazer algum em investir contra aquelas cria-turas, principalmente tendo a certeza de que não estavam ali por vontade própria. Adoraria torcer vagarosamente o pescoço de quem estava por trás dos agura, mas era preciso acabar com os gigantes brancos antes que eles esquartejassem todos nós. Lutamos durante horas e, quando achamos que tínhamos finalmente conseguido dominá-los, eles ressurgiram ainda mais fortes e selvagens.

Nós nos defendíamos em bloco, feito as legiões romanas. O sangue corria pela neve misturando o vermelho dos rovdyrs ao negro dos vampiros, que lutavam com loucura. Após várias horas de combate, estávamos cansados e desfalcados, assim como os inimigos. Com a aproximação do dia, ou acabávamos

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lago com eles ou seríamos mortos, uma vez que forçosamente os vampiros se retirariam antes do nascer do sol.

— Reúna os seus e se afastem! Vamos fazer o chicote! — gritou Joseph.

— Fazer o quê? — gritei de volta.— Um movimento ofensivo que desenvolvi aproveitando a

velocidade dos vampiros. Só que precisamos de espaço para isso. Não queremos matar vocês. Não ainda — completou, olhando-me nos olhos.

— Posso confiar em você? — perguntei, agarrando o pescoço de Joseph e olhando dentro de seus olhos.

— Você pode ficar e ser massacrado ou nos deixar fazer o que sabemos. A escolha é sua.

Dei a ordem e os rovdyrs recuaram. Joseph emitiu um silvo alto e todos os vampiros começaram a girar juntos até formar um cordão semelhante a um chicote. Em dado momento, eles se lançaram contra os agura e o efeito foi devastador. Pedaços de corpos voavam em todas as direções, o som dos urros era insuportável e o sangue caía como chuva sobre nós. Todos estávamos tingidos de sangue quente e viscoso, sangue de nossa própria raça, sangue de nossos ancestrais. Isso nos dava uma sensação de náusea e revolta, mas era inegável que os vampiros haviam vencido a luta por nós.

O chão da floresta estava coberto de pernas, braços, cabe-ças e troncos. Foi a primeira vez que saí vitorioso numa guerra sentindo-me perdedor. Os vampiros mostraram exatamente do que eram capazes e o quão facilmente poderiam acabar conosco em condições apropriadas. Mais do que um apoio em batalha, aquele movimento fora uma advertência e eu comecei a entender o quanto era importante que o acordo feito anteriormente fosse mantido.

Os mortos foram recolhidos e queimados.— Lutou bem — disse Simon, aproximando-se.— Digo o mesmo a você. É um grande guerreiro, Blackwell. Ele recebeu o cumprimento com elegância, mas sua

aparência estava abatida. Não havia glória naquela vitória.— Reparou se havia algum líder no meio do bando? —

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perguntou.— Não. Você viu Lazan?— Logo será dia. Os vampiros estão se reunindo para

partir e Lazan está com eles.Fui até os sugadores de sangue e encontrei Lazan

reunindo seus homens.— Você esteve em minha casa mais cedo?— Não. Parti com vocês e só me afastei para dar o aviso.

Por quê?— Um caçador me procurou antes da batalha dizendo que

Megan havia estado em minha casa e que você a levou para o andar de cima.

— Ele está delirando. Não saí daqui.— O que foi? — Perguntou Joseph.Contei a ele e imediatamente procuramos o caçador com

quem havia falado. Infelizmente, o homem havia morrido em combate e não tinha como esclarecer nada.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Simon ao perceber a movimentação.

Contei a ele o que sabia e Joseph disse: — Isso é um absurdo. Megan jamais faria algo assim. Seria

loucura demais.— Pode juntar os homens e levá-los de volta, Bill. Lucius

vai avisar Daghar sobre o que houve aqui. Acho melhor irmos procurá-la — disse Simon.

Eu concordei. Joseph e seus vampiros partiram logo em seguida, pois o céu já começava a mudar de cor.

No caminho de volta, comentei com Simon sobre sua visita a Megan na saída do colégio. Ele era um bom guerreiro e tinha maturidade para falar como adulto.

— Eu tinha de saber — disse.— Entendo. E espero que em algum momento possamos

ser amigos.— Talvez em algum momento... mas ainda não.Não respondi. Apenas voltei a correr, rezando para que

Megan estivesse bem. Bill

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Capítulo 16

Quasímoso

Quando acordei, a primeira coisa que reparei é que estava deitada sobre pedras soltas. A minha volta, apenas escuridão e um insuportável cheiro de carne podre, que me fez engasgar e vomitar várias vezes. Com certeza, não estava mais na despensa de Bill e nem em lugar algum de sua casa.

— SOCORRO! — gritei o mais alto que consegui, ouvindo o som reverberar nas paredes do lugar. Minha visão noturna havia desaparecido assim como todos os meus outros instintos não humanos e voltei a ser eu mesma, metida em alguma encrenca muito além das minhas capacidades. A única coisa que sentia era uma corrente de ar gelado em minha volta. Se por um lado me fazia tremer, por outro me fornecia oxigênio para respirar.

Busquei desesperada por um rugido no peito. Nada. De quatro, engatinhei sobre as pedras tentando encontrar uma parede para me apoiar. Senti as mãos arderem e os joelhos ras-parem na aspereza do chão, mas finalmente achei o que pro-curava. O lugar não era alto o suficiente para que eu ficasse em pé, mas ao menos poderia me guiar pela parede e tentar encontrar uma saída.

Conforme caminhava, o teto foi ficando cada vez mais bai-xo, até que me vi obrigada a engatinhar novamente. Talvez eu estivesse indo na direção errada e achei melhor voltar. Meus joelhos começaram a arder, mas me virei e retornei ao ponto de partida, apenas para constatar que estava em uma espécie de câmara. O silêncio ali era absoluto, assim como a escuridão. Sem saber para que lado ir, segui em frente, engatinhando por um dos corredores fedorentos, perdida e apavorada.

De tempos em tempos eu gritava por socorro, mas o único retorno era o som de minha própria voz. Em determinado mo-mento, alcancei outra câmara, desta vez mais alta que a

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primeira e consegui ficar em pé. Meus olhos aos poucos começaram a responder à escuridão até que finalmente consegui discernir onde estava. Exatamente como o Dr. Strideus previra, os sintomas oscilavam em mim como uma ponte de bambu sobre um precipício durante uma ventania. Assustada, olhei em volta e fechei os olhos, soltando um grito de pânico. Eu acabara de descobrir de onde vinha o cheiro de carne podre: inúmeras carcaças carcomidas e cheias de vermes, largadas como lixo.

Sem saber quanto tempo ainda conseguiria enxergar, saí correndo pelo primeiro corredor que encontrei e com altura suficiente para me manter em pé. Corria gritando por socorro, sem saber para onde estava indo. Por fim, quando o cheiro insuportável diminuiu, parei para descansar. O corredor seguia em frente, escavado de forma grosseira.

Já me preparava para continuar minha jornada ao centro da Terra quando ouvi alguém se aproximar com rapidez. Mal tive tempo de me virar e fui agarrada pelos cabelos e arrasta-da. A dor na cabeça era insuportável, mas não a ponto de me impedir de berrar. Aquilo que me arrastava me colocou sobre os ombros. Esperneei, gritando para que me soltasse sem real-mente esperar ser atendida, mas acabei sendo. Caída no chão, pude finalmente ver o monstro por inteiro. Ele era baixo, cor-pulento e deformado. Seu rosto e formas pareciam um monte de bolas de argila colocadas umas sobre as outras de forma descuidada. O cabelo era um longo e embaraçado ninho de fios e sujeira, a boca um rasgo vermelho sob um nariz grosseiro. Um par de olhos vivos e brilhantes destoava de todo o resto.

Ele me estendeu a mão e eu gritei novamente. Suas presas saltaram, seguidas de um urro selvagem. Eu conhecia aquele urro. Havia ouvido vários deles na casa de Bill antes dos caçadores sumirem na noite. Era um rovdyr!

Num lampejo de lucidez, lembrei-me da conversa com Simon.

— Sebastian? — perguntei, controlando os tremores e o medo.

Ele me olhou surpreso e urrou de novo. Depois, voltou a

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me colocar sobre os ombros e saiu em disparada por lugares malcheirosos, cheios de ossos e vermes. A corrente de ar gela-do foi ficando mais intensa conforme avançávamos, indicando que estávamos nos aproximando de uma saída. Em deter-minado momento, ele me jogou no chão como se eu fosse um saco de batatas e desapareceu. Sem saber se devia ficar ou correr, comecei a chorar, imaginando se algum dia sairia dali. Meu corpo latejava inteiro, inchado, pedindo cuidados.

O monstro voltou e, sem qualquer aviso, me colocou no ombro outra vez e foi em direção à saída. Quando senti o ar congelante bater em meu rosto, as lágrimas se multiplicaram. Ele continuou correndo comigo, pendurada de cabeça para baixo, sem qualquer cuidado. Fui batendo em árvores e galhos ressequidos, embora me mantivesse o mais colada possível ao seu corpo para me proteger. De repente, ele parou, colocou-me de pé e me empurrou na direção de uma grande pedra. Eu não conseguia andar, minhas pernas não obedeciam. Fui nova-mente empurrada. Sem entender direito, olhei em seus olhos, a única parte que eu conseguia encarar sem me apavorar.

— Você está... me libertando? — perguntei, com voz trêmula.

Ele apenas me olhou e tive a nítida impressão de que toda a inteligência contida em seu cérebro vazava pelos olhos. Se ao menos eu conseguisse me comunicar, fazê-lo entender! Colo-quei a mão no peito e disse:

— Eu Megan. Preciso de ajuda...Ele voltou a me empurrar, indicando que eu deveria ir em-

bora, mas não me movi. Não tinha como caminhar na neve com aquelas roupas. Foi então que me dei conta de que vestia apenas uma espécie de avental de lona, igual ao que estava pendurado no depósito de sangue da casa de Bill. Recusei-me a pensar que aquela coisa havia me vestido.

Como eu não saía do lugar, ele rosnou em minha direção. Lentamente comecei a caminhar, deixando a criatura para trás. Quando me virei, ele não estava mais ali. Segui vagando pela floresta branca, pensando no estranho rovdyr deformado e a imagem de Quasimodo surgiu em minha mente. Quasimodo,

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que era explorado e se apaixonou por uma cigana. Quasimodo, cujo coração infantil foi traído de todas as formas possíveis. Na certa eu estava enlouquecendo, mas pensar no Corcunda de Notre Dame manteve minha mente ocupada e, ao mesmo tempo, livre de preocupação. Livre o bastante para ouvir os chamados de Bill...

Nossa casa parecia um espectro vista de longe, sob a neve. Nada ali lembrava a beleza e sofisticação de alguns dias atrás. Vazia, suja, o vento entrando por vidros quebrados, era como caminhar em uma mansão mal assombrada. Achamos pegadas de um puma de bom tamanho e muito sangue no chão.

— Cervo — disse Simon.— Megan esteve aqui. São patas de tigre.Vasculhamos a casa inteira sem sucesso. Encontrei rastros

dela em meu quarto, depois na sala e na cozinha, mas nada que indicasse uma direção a seguir. Arrastei o armário e fomos em direção às geladeiras. Megan havia passado por lá, seu cheiro doce pairava no ar como um perfume embriagador.

Vasculhamos novamente a casa inteira e depois os arredores. Não havia qualquer sinal dela. Era como se Megan tivesse desaparecido em pleno ar. O desespero tomou conta de mim. O mesmo desespero que senti quando Rosie me disse que ia embora com Joseph, quando supliquei a ela que não me deixasse! Não era possível. Não de novo! Aquela mulher era minha vida! Por ela eu havia traído amigos, promovido uma guerra, matado, morrido. Eu a amava de forma total, louca, insana! O maior amor do mundo, aquele que não esquece, não supera, não se refaz.

Simon aproximou-se e seu estado de espírito não era muito melhor que o meu. A luz do dia, tão cinza quanto o céu, parecia banhar o mundo de tristeza. Lamentar, entretanto, não traria Megan de volta e nem nos diria quem estava por trás daquilo tudo.

— Vou encontrar os homens e iniciar uma busca — disse Simon.

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— Isso. Imediatamente — respondi.— Bill... há algo que gostaria de comentar com você.— O que houve? O que sua família fez agora?Seus olhos se esquivaram dos meus. Ele hesitava, o tempo

corria e eu comecei a sentir um rosnado surgindo em meu peito, fruto da impaciência.

— Por que minha mãe o odeia tanto? — perguntou ele, encarando o céu acinzentado.

— Isso é importante neste momento? Megan está lá fora, perdida!

— Para mim, é importante.— Bem... Nós tivemos um romance sem compromisso.

Imaginei que, assim como eu, ela não desse muita importância ao que acontecia. Então conheci Rosie e o resto você já sabe. Sua mãe jamais me perdoou. Ela estava realmente apaixonada por mim. Isso sem falar no maldito orgulho dos Blackwell, que se acham melhores do que todo mundo. Sem ofensa.

— Não me ofendi. Sei que minha família é bem difícil. Mas então foi só isso, um amor não correspondido?

— Sim.Eu estava minimizando tudo. Afinal, como poderia dizer a

ele que sua mãe era louca e eu fui o responsável por tudo o que aconteceu? Já era admirável Julia ter aceitado se casar com outro e ter tido um filho. Simon ficou calado, cabisbaixo.

— Fale de uma vez, homem. O que mais você sabe?— Vou dar o alerta. Obrigado por me contar a verdade —

ele completou e sumiu em direção à floresta, sem responder minha pergunta.

Fiquei parado em frente à casa destruída, tentando entender o que estaria se passando na mente de Simon, o que Julia podia ter a ver com tudo aquilo. Não adiantava dizer a mim mesmo que a culpa era minha, já que fora eu quem, enlouquecido de amor, insistira em ressuscitar aquela história e com ela todos os ódios que a cercavam. Eu não deixara de amar Rosie, Joseph não deixara de amar Rosie, embora pudesse perceber que seu sentimento já não era o mesmo. Então por que imaginar que Julia havia deixado de me amar e de querer

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vingança?Por mais que quisesse sair procurando Megan pela mata,

sabia que o momento pedia reflexão. Não podia perder tempo com coisas que outros já estavam fazendo. Lentamente caminhei para dentro, peguei o telefone e liguei para Frank Grey. Conversamos por alguns minutos, tempo suficiente para ele compreender que a filha estava desaparecida e que buscávamos por ela. Como ele explicaria isso à esposa, eu não fazia idéia.

— Traga minha menina de volta, Bill — Frank disse ao desligar. Mais uma vez, senti-me um garoto frente àquele homem admirável. Depois dos pais de Megan, falei com Alice. Aquela menina fora uma agradável surpresa e uma aliada importante.

— Não sei o que posso fazer para ajudar, não faço idéia de onde ela esteja, mas acho que seria bom você conversar com Christian. Ele falou algo sobre um irmão de Joseph... Sebastian, acho. Você sabe quem é?

— Sim — respondi, começando a encontrar o maldito fio da meada. — Alice, você poderia entrar em contato com Strideus e dizer a ele o que houve?

— Lógico. Hospital de Green Falls, certo? Ligo agora mesmo.

"Sebastian!", pensei ao desligar. Era isso que Simon estava tentando me dizer? Julia fora atrás de Sebastian? Se isso fosse verdade, não era ele que devíamos temer, mas seu irmão, Logan. Todos os rovdyrs têm a habilidade de imitar sons e vozes para atrair uma caça. Mas isso se limita a sons, não imagens. Ao menos até os gêmeos Sebastian e Logan virem ao mundo. Um totalmente deformado, o outro um deus de perfeição. Um manso e infantil, o outro frio e sanguinário. Separados, não iriam longe. Juntos, conseguiam iludir qualquer um, imitar qualquer um, inclusive um vampiro como Lazan! Simon não contaria mais nada, ele já havia ido até onde podia sem trair sua família, sem entregar sua mãe. Mas Christian era diferente. E Christian estava com os Blackwell desde antes da batalha com os agura...

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Corri para floresta atrás de Simon. Precisava saber onde sua família estava. Encontrá-lo consumiu mais tempo do que eu imaginava, mas finalmente eu o vi. Quando lhe perguntei sobre o paradeiro de Christian, percebi em seus olhos que ele entendera o que eu estava pensando.

— Boa sorte — disse, com pesar. Eu entendia sua dor: pior que ser um rovdyr, era ser um

Blackwell.As buscas por Megan continuavam e eu não faria falta ali.

Por isso, parti em direção ao Canadá, onde residiam os orgulhosos parentes de Simon.

"Ah, Megan, como eu gostaria de saber como você está agora", pensei, desesperado.

"Morrendo", foi a resposta que surgiu em minha cabeça."Megan! E você?""Bill!", ouvi sua voz e então mais nada."Megan, não pare de falar comigo!", implorei. "Mostre-me

onde está!"A imagem do avental que usávamos quando

armazenávamos o sangue surgiu em minha mente, amarela e berrante.

"Isso. Continue. Continue!"Neve, muita neve, foi a imagem seguinte. Ela estava a céu

aberto, o que significava que seria encontrada cedo ou tarde."Sono... Frio... Amo você... Quasimodo..." As palavras vi-

nham soltas e sem qualquer contexto, mas ao menos indicaram uma direção. Corri como o vento, mas as palavras pararam. Por mais que eu a chamasse, ela não mais respondia.

"Notre Dame... de Paris...", as palavras surgiram claras e altas. O que significavam, eu não fazia idéia, então imaginei que ela estivesse delirando. Comecei a procurar por algo amarelo nas redondezas. Ela estava perto, eu podia sentir.

"Adeus...", ela disse. O som foi tão claro que gelei.— MEGAN! — gritei com toda a força de meus pulmões.

Nada. Minha mente estava escura, silenciosa.— NÃAO! — urrei em desespero.O som de um galho caindo chamou minha atenção. Eu o

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ouvi fora e dentro de mim. Segui na direção do ruído e, algu-mas centenas de metros à frente, vi o velho avental sobre a neve. Megan estava praticamente morta. Seu coração era como um relógio parando de bater. Eu precisava tomar uma atitude naquele momento, pois não havia tempo para aquecê-la ou buscar ajuda. Hesitei uma fração de segundo apenas. Por ela, eu havia cruzado todos os limites. Por mim, ela possuía veneno nas veias. E era esse veneno que eu usaria para salvar-lhe a vida.

Sabia que não haveria volta depois daquilo. Tudo o que Megan era, não seria mais. A menina ingênua e doce, de olhar encantador e personalidade juvenil, daria lugar a uma outra, mais adulta, mais sensual e muito menos humana.

— Espero que um dia me perdoe — disse, rasgando o braço com minhas presas e deixando meu sangue descer por sua garganta. Nosso casamento de alma estava consumado. Não houve festa ou comemoração, apenas a urgência de não existir sem ela. Daquele momento em diante, éramos um do outro. Eu acabara de confirmar nosso voto de sangue e ela sequer sabia disso.

Bill

Capítulo 17

Unidos para sempre

Eu dormi e sonhei que Bill me carregava nos braços. Senti meu sangue ferver e reagir à sua presença. Pedi que me mordesse e me fizesse sua. Ele respondeu que ainda não era hora, mas que eu já era sua. Insisti. Nós estávamos na neve e eu usava um vestido de noiva feito de lona amarela emborrachada, muito feio e berrante. Então ouvi Simon gritar e discutir com Bill. Eu queria mandá-lo calar a boca, porque estava atrapalhando meu casamento, mas ele não me ouvia. Quando olhei novamente, Simon havia sumido e nós estávamos em um quarto de hotel. O radio tocava música country.

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Eu queria perguntar se era mesmo nossa noite de núpcias, mas Bill também havia sumido. Em seu lugar surgiu Pops, que me colocou numa banheira de água quente. Fiquei feliz ao vê-la. Pops parecia totalmente recuperada. Ela acariciou meus cabelos e ficou repetindo baixinho para que eu dormisse, até que finalmente caí no sono. Acordei em minha cama, coberta até as orelhas. Minha mãe estava ao meu lado, me olhando com olhos cansados. Ela não disse uma palavra. Apenas me deu um beijo, colocou a mão na minha testa e saiu do quarto. Meu pai entrou a seguir e sentou-se exatamente onde minha mãe estivera antes:

— Que aconteceu, pai? — perguntei, ainda sonolenta.— Bom... Primeiro, gostaria de saber que idéia louca foi

essa de sair de casa no meio da madrugada atrás de Bill.Permaneci calada.— Sei que Bill tem alguma coisa diferente e que você está

ficando igual a ele, Megan. Venho tentando aceitar isso porque, pelo que já conheço de Bill, deve ser por uma boa razáo. Sou seu pai e a amo acima de tudo, mas você ainda mora aqui. Não vou tolerar que continue fazendo esse tipo de coisa. Eu não sabia mais o que inventar para sua mãe não morrer de preocupação!

Concordei com a cabeça. — O que exatamente... a mamãe ficou sabendo?— Que Bill tem alguma anomalia genética e a contaminou

quando doou sangue após o acidente de novembro. Espero, sinceramente, nunca mais ter de explicar qualquer esquisitice a ela. Você está entendendo, Megan?

— Sim, senhor — respondi, sentindo-me com dois anos de idade.

— Bem, agora é melhor se ajeitar. Seu namorado está aqui para vê-la. Vou deixar a porta do quarto bem aberta. Quem sabe assim sua mãe sossega.

Eu ri.Bill entrou com uma caneca de chocolate quente nas

mãos.— Sua mãe mandou isso — disse, após me beijar. — Como

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você está?— Bem... mas só me lembro de estar na sua casa. Depois,

tudo fica confuso. Também tinha o... Quasimodo...— Fique tranqüila. Em dois ou três dias vai se lembrar de

tudo e aí vamos ter uma longa e difícil conversa — disse ele, acariciando meu rosto.

— Assim você está me assustando.Ele me abraçou e beijou do jeito que esperei tanto tempo

para ser beijada. Suas presas saltaram, mas não me feriram. Ao contrário, fizeram meu corpo inteiro se excitar.

— Quando, Bill? — perguntei baixinho.— Logo — respondeu ele, me abraçando forte.Dois dias depois, em meio à aula de matemática, minha

memória voltou feito uma avalanche. Como num filme, lembrei-me de absolutamente tudo que havia acontecido. Devo ter tido algum sobressalto porque Sarah me encarou desconfiada e não desgrudou de mim um segundo. Alice, por outro lado, parecia me evitar, coisa que me incomodava muito. O mesmo estava acontecendo com minha mãe, que andava me evitando, talvez por não saber direito como lidar comigo. Saí da escola com Sarah grudada em mim, tagarelando alguma coisa sobre meu aniversário cair no sábado.

— Seu presente! O que você quer? Pensei em comprar rou-pas, mas se preferir outra coisa...

— Não precisa, você já fez demais. Meu quarto foi o me-lhor presente que eu poderia receber — respondi apenas para ser educada. Quem ia pensar em presentes com tantas outras coisas importantes na cabeça?

— Nossa! Olha só quem veio te buscar — disse ela.Eu olhei e sorri. No meio da multidão de alunos, meu

amor, lindo e de olhos muito azuis, acenava para mim. Corri para ele. Bill me beijou e abraçou com força.

— Minha memória voltou — informei assim que me sentei no carro. — Agora quero saber tudo o que aconteceu.

— Muito justo, mas antes quero que me diga como chegou em minha casa e por que foi até lá.

— Promete que não vai ficar bravo?

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— Nem fazer uma cena — completou.Engasguei um pouco e fiz longas pausas, mas acabei con-

tando tudo.— Eu estava com saudades de você e queria fazer uma

surpresa! Não tinha idéia de como estavam as coisas. Quando cheguei lá, fiquei apavorada — completei.

— Teve muita sorte de não ser atacada, isso sim! Havia centenas de homens ali, Megan, e nem todos dominam tão bem seus instintos.

— Lazan me ajudou.— Não era Lazan.— Claro que era. Eu falei com ele.Bill não respondeu, apenas me pediu para continuar. Falei

sobre o puma, o cervo, a luta por comida e como ele, Bill, me salvara de tudo.

— Não era eu, Megan. Naquele momento, eu estava me preparando para lutar com os agura.

— Como assim? Primeiro, Lazan não é Lazan, depois você não é você...?

Ele se calou. Então contei sobre os túneis cheios de vermes e cadáveres, e como meu novo amigo Quasimodo me salvara.

— Acho que o nome dele é Sebastian, porque Simon co-mentou comigo que Joseph tinha um irmão parecido com o homem que vi — expliquei, como se aquilo fosse alguma novi-dade para ele.

Ele continuou calado.— Então? — perguntei quando chegamos em minha casa.

— Sua vez, agora.Bill me olhou com seriedade, escolhendo as palavras:— O que tenho para dizer não vai ser nada agradável,

Megan.— Contanto que não implique em ficarmos separados,

tudo bem.Bill começou pela batalha com os agura e falou como sua

gente se sentiu mal por matar tantas criaturas. Contou também sobre a vitória dos vampiros e o que isso significava para os

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rovdyrs. Então, passou a falar do passado, explicando como se apaixonara por Rosie e como fora a reação de Julia ao seu comportamento. Muito do que ele disse confirmou a história de Lizandra, mas uma parte era novidade para mim, como o fato de Nick e Tray o terem flagrado com Rosie, e que ela meio que namorava com ele enquanto também estava com Joseph. Bill não poupou palavras e em momento algum se desculpou por seu comportamento. Para ele, o fato de amar loucamente aquela mulher justificava tudo. Então falou de Julia, de como ela enlouquecera, sobre Lizandra ter ido atrás deles, décadas depois, apenas para contar a verdade a Joseph.

— Como assim? Ela foi atrás de vocês?Ele me encarou e seus olhos se perderam por alguns

segundos no brilho das lembranças.— Não há um jeito fácil de dizer isso. Prometa que não vai

me odiar quando eu terminar.Nem me dei ao trabalho de responder.— Julia enlouqueceu, Megan. Enlouqueceu de verdade. E

enlouqueceu a família junto. Todos sofreram muito ao vê-la protagonizar cenas dantescas de autoflagelo. Foi tudo um horror. Lizandra é muito ligada à irmã, sempre foi. Para ela, eu era o responsável por aquilo tudo.

— Isso é ridículo — protestei.— Talvez, mas foi assim que ela entendeu a questão. Ela

me disse que se vingaria de mim e se vingou. Durante décadas, procurou por nós até nos encontrar, apenas para contar a Joseph toda a verdade. Não foi o bastante levarem Rosie, ela queria me tirar o amigo também...

— Joseph nunca desconfiou que você e Rosie...?— Nunca. E a forma como Lizandra narrou os fatos foi

cruel. Foi aí que nos separamos. Joseph presumiu que todos nós o havíamos traído e simplesmente desapareceu. Procuramos por ele em toda parte, mas Destiny o encontrou antes.

— Eu... agradeço por me dizer a verdade, mas não estou entendendo o que isso tem a ver com o que aconteceu aqui, Bill.

— Essa é a parte complicada. A crise ainda não acabou.

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Logo enfrentaremos novas batalhas e, até que toda a verdade venha à tona, não teremos paz.

— Bill, do que está falando exatamente?— Sei que você não acredita ser Rosie, mas por um

minuto, por favor, pense como eu.— OK — concordei, com um suspiro.— Eu não deixei de amar você, Joseph não deixou de amar

você, então por que acreditar que Julia tenha deixado de me amar?

Eu o encarei, perplexa. Ainda não sabia do que ele estava falando. O que a mãe de Simon tinha a ver com tudo aquilo?

— Sei lá! Seguindo seu raciocínio, ela não deixaria de te amar. Mas o que isso tem a ver...

De repente, entendi.— Está tentando me dizer que Julia está por trás do ataque

dos agura?— De alguma forma, sim. Fiquei pasma.— Não só isso, Megan, há alguém se fazendo passar por

outras pessoas. Por isso eu disse que Lazan não era Lazan e eu não era eu. E por isso preciso lhe pedir duas coisas: primeiro, que acredite em mim e faça o que eu disser. E a segunda é que me perdoe pelo que fiz.

— Tá... Seja lá o que for, está perdoado. E, sim, prometo fazer o que você disser.

— Mas você nem sabe do que se trata!— Tudo bem, eu prometo.— Primeiro: vamos criar um uma senha que apenas nós

dois conheçamos. Não comente sobre isso com ninguém. Promete?

— OK.— Escolha a palavra.Olhei para ele e seus olhos estrelados faiscaram em minha

direção.— Starlight — disse. Ele sorriu.— Agora a outra coisa... aquela que preciso perdoar.

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— Quando a encontrei na neve, você estava quase morta. Não havia tempo para aquecê-la ou transportá-la. Precisei agir rápido para mantê-la viva. Só fiz isso porque a amo demais, Megan.

— Mas fez o quê?— Dei meu sangue para você beber.— E qual é o problema? Eu já recebi seu sangue antes e

você também recebeu o meu.— Receber meu sangue pela segunda vez selou nossa

união, Megan. Com isso, acabei levando de você uma parte de sua humanidade.

— Por isso não fico mais zonza quando te beijo?— Sim. Mas não apenas isso. Eu agora sou realmente seu,

inseparavelmente seu. Estamos definitivamente unidos. Não há mais volta.

— Mas então... eu só posso estar feliz! Ele me olhou com ar confuso.— Você nunca mais poderá ser de outro, Megan! Eu lhe tirei a oportunidade de outra vida.— Eu perdi isso quando o vi pela primeira vez, querido.

Quem disse que quero outra vida? Eu quero você!Abracei meu homem com força e o beijei. Longa e

delicadamente, sentindo-me a criatura mais feliz do mundo porque nossa união agora estava completamente sacramentada.

Eu a amava demais. Sei que repito isso vezes sem conta, mas Megan ia muito além do que eu poderia esperar nesta vida. Sua maneira e aceitar e absorver todas as coisas impensáveis que nos cercavam era notável. Como se tivesse nascido para viver conosco, para conhecer o lado negro da vida. Muito ainda havia para ser dito e explicado, mas não com seu aniversário chegando. Ela faria 18 anos, a idade mais importante para os humanos, e eu lhe daria a mais bela festa do mundo. Pops, Josh e Tray estavam de volta e, embora todos lamentássemos a ausência de Nick, ainda tínhamos esperanças de encontrá-lo com vida. Não conseguia sentir que Nick

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estivesse morto.Como não havia condições de fazer qualquer coisa em

nossa casa, Pops alugou um salão em Red Leaves e preparou o que ela mesma chamou de comemoração ostentosa em um momento inadequado. Logo após o aniversário, eu iria atrás de Julia para tirar a história de Logan e Sebastian a limpo. Eles ainda estavam nas proximidades, nós ainda corríamos risco.

— Você está criando um hiato perigoso — disse Pops. — Baixar a guarda neste momento crítico...

— Estou apenas dando uma festa para a mulher que amo.— Isso é loucura, Bill. Está arriscando o pescoço de todos

com isso. Estamos no meio de uma guerra, que pode eclodir outra vez a qualquer momento.

Talvez ela tivesse razão, mas a menos que o sol se apagasse, como sempre dizia Megan, nós comemoraríamos aquele aniversário em paz.

Bill

Epílogo

E eu fiz 18 anos. Sequer imaginei que haveria uma festa, ainda mais como aquela. Pops e Alice produziram um pequeno milagre de flores, decoração, comida e música. Porque Nick estava desaparecido, os Reds não tocaram, mas Pops conseguiu uma banda muito boa da região, que animou a noite.

Ganhei um lindo vestido de meus pais, um sapato chique de Alice, uma bolsa de Sarah. O melhor presente, entretanto, veio depois da festa, quando todos já tinham ido embora. E não foi um diamante, ou um carro, ou algo de grande valor material. Meu melhor presente foi poder finalmente ficar com meu amor durante horas seguidas, sem me preocupar com vampiros ou aguras, sem medo do instante seguinte. Os limites seguros que eu tanto odiava e tanto queria dinamitar ainda existiam, mas estavam mais flexíveis. Toda sede que eu tinha de beijar e abraçar aquele homem, de conhecer carinhos mais íntimos e

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apaixonados foi parcialmente saciada naquela noite. Podia não ser exatamente o que eu queria, mas ao menos era real e era bom demais.

Voltei para casa no meio da madrugada, flutuando sobre nuvens e sobre nuvens me deitei para dormir, com a imagem de Bill Stone dançando em minha mente.

Acordei algumas horas depois com o telefone tocando e atendi com um sorriso nos lábios, crente de que era Bill. O choque com a realidade me fez tremer:

— Megan, estou passando pra te pegar. Nick e Lizandra fo-ram mortos e alguém deixou seus corpos em frente à casa de Bill. Christian precisou ser trancado, de tão enlouquecido que está — disse Alice, desligando o telefone.

Tremendo, enfiei a primeira roupa que vi, deixei um bilhete para meus pais, sabendo que levaria uma bronca, e desci para encontrá-la. Minutos depois, minha amiga chegou. Entrei no carro em silêncio, tremendo, e saímos voando pelas ruas desertas de Red Leaves.

A paz havia terminado. O mundo, uma vez mais, havia se tornado um lugar muito, muito perigoso...

Fim

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