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UniSALESIANO LINS
CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM
CURSO DE DIREITO
SABRINA MACHADO ALVES DE DEUS
CONCUBINATO ADULTERINO: Relações paralelas de afeto e o direito da amante
LINS/SP
2018
SABRINA MACHADO ALVES DE DEUS
CONCUBINATO ADULTERINO: Relações paralelas de afeto e o direito da amante
Monografia apresentada ao curso de Direito do
UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação do Professor
Mestre Danilo César Siviero Ripoli como um dos
requisitos para obtenção do título de bacharel em
Direito.
LINS/SP
2018
NOME DO(A) ALUNO(A)
TÍTULO: Subtítulo (se houver)
Deus, Sabrina Machado Alves de
Concubinato adulterino: relações paralelas de afeto e o direito da amante / Sabrina Machado Alves de Deus. – – Lins, 2018.
85p. 31 cm. Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para Graduação em Direito, 2018.
Orientador: Danilo César Siviero Ripoli
1. Concubinato Adulterino. 2. Afeto. 3. Relações Paralelas ou Simultâneas. 4. Direitos. 5. Amante. I Título.
CDU 34
D495c
SABRINA MACHADO ALVES DE DEUS
CONCUBINATO ADULTERINO: Relações paralelas de afeto e o direito da amante
Monografia apresentada ao curso de Direito do
UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação do Professor
Doutor Mestre Danilo César Siviero Ripoli como um
dos requisitos para obtenção do título de bacharel
em Direito.
Lins, maio, 2018.
Professor Mestre Danilo César Siviero Ripoli (Orientador)
Professor Especialista Luiz Alberto Asato
Professora Especialista Melissa Fernanda Fontana
Dedico este trabalho a minha amada mãe, por ser minha luz e minha inspiração, por acreditar no meu potencial, e por desejar acima de tudo, a minha felicidade; ao meu amado Túlio, que de forma especial e carinhosa sempre me apoia e acredita nos meus sonhos e a Deus por sua infinita bondade e por me amar tanto.
AGRADECIMENTOS
Finalmente, chegou o momento de agradecer a todos aqueles que
contribuíram de alguma maneira na minha trajetória acadêmica, chegar ao fim desse
ciclo da vida é realmente entusiasmante.
Primeiramente, quero agradecer a Deus provedor de toda a minha força e
confiança, sem a tua presença e seu amor incondicional eu nada seria, sou
extremamente grata pela vida que tenho e as oportunidades que me foram dadas.
A minha amada mãe Roseli, a mulher mais extraordinária que eu poderia
conhecer e meu exemplo de vida. Sorte a minha tê-la como mãe, todas as minhas
conquistas serão sempre suas!
Agradeço as amizades maravilhosas que ganhei durante esses cinco anos de
curso. Em especial, a Patrícia Trevisan e Gislaine Rodrigues, amigas desde o
comecinho do curso, a presença de vocês foi de significativa importância nessa
caminhada, vocês sempre estarão presentes em todas as lembranças mais
divertidas dessa fase. Obrigada pelo companheirismo e amizade verdadeira, torço
muito pelo sucesso de vocês.
Ao meu orientador Danilo César Siviero Ripoli, pelo suporte oferecido, pelas
suas orientações e incentivos, em uma etapa tão importante, muito obrigada.
E por fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da
minha formação, impossível seria mencionar todos aqui.
Sejam as leis claras, uniformes e precisas,
porque interpretá-las, quase sempre, é o
mesmo que corrompê-las.
Voltaire
RESUMO
A função social da família é representada atualmente pelo afeto, bastando existir laços de comunhão de vida e assistência mútua, não importando se a relação afetiva é entre homem e mulher ou entre pessoas do mesmo gênero sexual, o que importa é a afetividade e a parentalidade socioafetiva existente na relação. A sociedade brasileira tem sofrido mudanças significativas em suas estruturas devido a essas transformações constantes, os vínculos do afeto passaram a ser valorizados, surgindo consequentemente novas espécies de famílias e estas estão sendo, diante de grande resistência motivo de discussões acerca do seu possível reconhecimento e equiparação às entidades familiares pelo legislador conservador. Nessa situação, encontra-se o concubinato adulterino, uma realidade tangível na sociedade brasileira, o qual resulta em consequências incontestáveis de direitos e deveres em todas as esferas do ordenamento brasileiro. Contudo, tais questionamentos de possíveis direitos se revelam progressivamente divergentes na doutrina e jurisprudência nacional, sendo diversos os posicionamentos acerca dos direitos patrimoniais, do reconhecimento da união estável, do direito a alimentos, bem como, o direito de sucessão. Os maiores obstáculos enfrentados pelo concubinato adulterino, certamente, se refere às preconcepções de ordem cultural que envolve o assunto, por vezes, deixa de serem analisados os aspectos técnicos e evolutivos da sociedade, a fim de manter padrões tradicionais. E essas disparidades de entendimentos são consequência da ausência de regulamentação sobre este instituto, e isso se deve a tentativa de proteção ao instituto do casamento e ao preceito da monogamia, o qual possui a finalidade de organizar as conjunturas familiares. O abismo em que se encontra o concubinato faz com que significativa parcela das famílias fique desprovida de proteção legal o que provoca grandes injustiças e insegurança jurídica a seus integrantes. Desse modo, surge a importância do enfrentamento do referido tema e uma análise das consequências sofridas por aqueles que não possuem socorro legal.
Palavras-chave: CONCUBINATO ADULTERINO. AFETO. RELAÇÕES
PARALELAS OU SIMULTÂNEAS. DIREITOS. AMANTE.
ABSTRACT
The social function of the family is currently represented by affection, it being enough to have ties of communion of life and mutual assistance, regardless of whether the affective relationship is between men and women or between people of the same sex, what matters is affectivity and socio-affective. Brazilian society has undergone significant changes in its structures, due to these constant transformations, the bonds of affection have come to be valued, resulting in new species of families and these are being faced with great resistance to discussions about their possible recognition and assimilation to the by the conservative legislator. In this situation, there is adulterous concubinage, a tangible reality in Brazilian society, which results in undeniable consequences of rights and duties, in all spheres of the Brazilian order. However, such questioning of possible rights is progressively divergent in national doctrine and jurisprudence, with several positions on property rights, recognition of the stable union, the right to food, and the right of succession. The greatest obstacles faced by adulterous concubinage, of course, refers to the preconceptions of a cultural order that involve the subject, sometimes the technical and evolutionary aspects of society are sometimes neglected in order to maintain traditional standards. And these disparities of understanding are a consequence of the absence of regulations on this institute, and this is due to the attempt to protect the marriage institute and the precept of monogamy, which has the purpose of organizing the family conjunctures. The abyss in which concubinage is found makes a significant portion of the families deprived of legal protection, which causes great injustice and legal insecurity to its members. In this way, the importance of confronting this topic and an analysis of the consequences suffered by those who do not have relief lawful.
Keywords: ADULTEROUS CONCUBINAGE. AFFECTION. SIMULTANEOUS OR PARALLEL RELATIONS. RIGHTS. LOVERS.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 FAMÍLIA NOS DIAS ATUAIS ................................................................................ 14
2.1 Principais aspectos da evolução histórica do direito de família ................. 16
2.2 Evoluções legislativas e a tutela no ordenamento jurídico brasileiro .......... 18
2.3 Natureza jurídica da família .............................................................................. 21
2.4 Princípios do direito das famílias ................................................................... 22
2.4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana .................................................. 23
2.4.2 Princípio da liberdade .................................................................................... 25
2.4.3 Princípio da igualdade e respeito à diferença ............................................. 26
2.4.4 Princípio da solidariedade familiar ............................................................... 27
2.4.5 Princípio do pluralismo das entidades familiares ....................................... 29
2.4.6 Princípio da igualdade jurídica entre os filhos ............................................ 30
2.4.7 Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros ................. 31
2.4.8 Princípio da afetividade ................................................................................. 32
3 O PLURALISMO CONTEMPORÂNEO DAS FAMÍLIAS ....................................... 35
3.1 Famílias plurais ................................................................................................. 35
3.1.1 Família matrimonial ........................................................................................ 54
3.1.2 Família informal decorrente da união estável .............................................. 39
3.1.3 Família homoafetiva ....................................................................................... 42
3.1.4 Família monoparental .................................................................................... 44
3.1.5 Família parental ou anaparental .................................................................... 45
3.1.6 Família composta, pluriparental ou mosaico ............................................... 46
3.1.7 Família eudemonista ...................................................................................... 48
3.1.8 Família poliafetiva .......................................................................................... 49
3.1.9 Famílias simultâneas ou paralelas ............................................................... 50
3.2 A imposição dos deveres aos cônjuges e companheiros ............................. 54
4 RELAÇÕES PARALELAS DE AFETO, O CONCUBINATO E O DIREITO DA
AMANTE ................................................................................................................... 57
4.1 O concubinato atual e sua breve evolução histórico-jurídica ....................... 58
4.1.1 O concubinato e a atual legislação brasileira .............................................. 62
4.2 As divergentes decisões proferidas pelos tribunais, ante o reconhecimento
das famílias concubinárias..................................................................................... 65
4.2.1 A concubina e o possível alcance nas demais esferas do direito ............. 70
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 76
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 80
9
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo analisar os aspectos controvertidos que
envolvem as relações de concubinato adulterino, em especial, os direitos resultantes
da relação concubinária e a consequente divergência de posicionamentos proferidos
pelo nosso ordenamento jurídico.
Ao verificar as divergências com relação ao referido tema nos dias atuais, tal
abordagem e questionamentos se tornam de extrema necessidade. Assim, será
realizada a partir de um estudo histórico do instituto da família, a observação das
constantes transformações ocorridas na formação da estrutura familiar na sociedade
brasileira, o enquadramento do concubinato adulterino na atual legislação pátria,
bem como, a verificação das controvérsias judiciais que permeiam tais questões
levantadas.
A inquietante questão que faz refletir sobre o tema é até que ponto a
Constituição Federal negará a concreta intenção do casal em formar um núcleo
familiar mesmo que de relações simultâneas de afeto, não seria descabido o direito
“sentir ciúmes” em relação a parte enganada? Mesmo porque, a maioria dos casos
os envolvidos tem conhecimento da dualidade de famílias e por diversos motivos
preferem ser coniventes, não seria pertinente o ordenamento jurídico tutelar ambas
relações, evitando desenfreadas injustiças?
Consequentemente, os relacionamentos simultâneos ou paralelos têm se
mostrado de grande monta e uma frequente busca por socorro judicial nos dias
atuais. O que não significa dizer que se trata de um fato novo, pois, referido instituto
sempre esteve presente paralelamente desde a formação do núcleo familiar, visto
que, durante toda história da humanidade, a infidelidade sempre se encontrou
presente, por vezes de forma pública, e em outros casos as escondidas.
Desta feita, devido às constantes mudanças sociais no âmbito familiar, na
percepção de valores dos indivíduos, os vínculos de afeto passaram a ser
valorizados, surgindo novas espécies de famílias, e a concomitância de parceiros já
não geram tamanha estranheza. Sendo assim, importante o enfretamento destas
10
situações, as quais são causadoras de consequências jurídicas e geradoras de
obrigações e de direitos aos indivíduos envolvidos.
Ocorre que, o concubinato adulterino é uma realidade frequente em nossa
sociedade, possuindo característica de natureza familiar como qualquer outra
entidade constitucionalizada, porquanto, reúne todos os requisitos estruturadores de
afetividade, publicidade e estabilidade.
Partindo dessa premissa, tais questões se evidenciam no momento que o
concubinato adulterino é desfeito, se tornando gerador potencial de consequências
discriminatórias e de exclusão de direitos, contudo, não raro nestas situações
destacarem-se casos de dependência econômica existente por uma das partes, bem
como, a constituição de patrimônio em comum e eventual prole.
Entretanto, a atual legislação brasileira se mantém desinteressada quanto a
sua normatização, as ínfimas menções ao concubinato não passam de normas de
exclusão cria-se um verdadeiro abismo legislativo sobre o tema e o mesmo
repercute em outras áreas. Sendo motivo de discussões e divergências tanto
doutrinárias, quanto jurisprudenciais sobre o assunto que é de extrema importância
para o Direito Civil, especialmente para o instituto do Direito de Família e das
obrigações, o propósito que se pretende alcançar com este trabalho é analisar
concubinato e os direitos que podem provir desta relação.
Importante destacar, que o concubinato antes mesmo do advento da
Constituição Federal de 1988, era dividido pelos doutrinadores em duas espécies,
em puro e impuro, sendo considerado puro aquele que os indivíduos não possuíam
impedimentos para se casar, contudo, no impuro o mesmo não ocorria. Desta forma,
a presença de impedimentos se tornou o elemento diferenciador dessas espécies de
concubinato, as quais produziam efeitos jurídicos destoantes.
O concubinato na legislação brasileira encontra-se disciplinado pelo Código
Civil de 2002, expresso no artigo 1.727 o qual estabelece como concubinato “as
relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de se casar”.
Conseguinte, a ausência de previsão de regras legais ao concubinato faz com
que às relações concubinárias sejam impingidas a classificação dos impedimentos e
11
da proibição, estando assim desprovidas de direitos e dependente totalmente do
entendimento do ordenamento jurídico.
Não se pode utilizar da omissão da legislação pátria como ferramenta
propulsora de injustiças às relações paralelas de afeto, vez que, estas guardam
demasiada semelhança com qualquer outra entidade familiar e produzem inúmeras
consequências na esfera civil e pessoal dos indivíduos.
Isto posto, não há como negar as características do núcleo familiar decorrente
das uniões paralelas, sendo inadmissível excluir qualquer entidade familiar que
preencha os requisitos impostos, pois, a realidade fática é conflitante e enseja por
amparos, por esta razão este instituto deveria ser regulamentado no campo familiar
pelas normas do Direito de Família e não na esfera das obrigações como o é feito
até os dias atuais, abnegando a tutela jurisdicional devida a estes.
Não obstante, as dificuldades de normas de regulamentação, ainda há a
estarrecedora resistência por parte do legislador constituinte em visualizar a
verdadeira face do concubinato, como realmente é, uma família e não uma
sociedade de fato como é denominada. Em absoluto, para aqueles que repudiam a
conjuntura familiar formada por concubinos o que não faltam são argumentos,
preceitos morais e princípios legais a serem impostos como barreira intransponível
de qualquer eventual possibilidade de aceitação.
Sob este enfoque, optam por negar às pessoas a respectiva natureza familiar
da relação vivenciada e mantida durante anos, a relação de afeto construída passa a
ser denominada como sociedade de fato entre o casal, como se o real valor do amor
fosse possível quantificar em números. Os direitos fundamentais à dignidade da
pessoa humana sequer são observados, com a absurda afirmação de não
configurarem um núcleo familiar, pois desrespeitam os deveres conjugais da
fidelidade ou lealdade, dispondo de caráter nitidamente punitivo para satisfazer a
mentalidade anacrônica e preconceituosa particular, assim, acabam por perpetuar a
supremacia da monogamia e sepultar os direitos da dignidade humana da
concubina.
12
O capítulo que se segue após esse primeiro introdutório irá tratar da família
nos dias atuais, a dificuldade da tentativa conceitual do instituto de família devido
suas multifacetadas possibilidades.
Serão apresentados os principais aspectos da evolução histórica do direito de
família, os resquícios de uma sociedade tradicionalista e sua repercussão ainda
presente na atualidade, as evoluções legislativas sofridas e o que as ensejaram, a
natureza jurídica deste instituto, bem como os princípios norteadores das famílias.
Conseguinte, será destacado no terceiro capítulo deste trabalho o pluralismo
contemporâneo das famílias, as famílias plurais, as famílias constitucionalizadas
decorrentes do matrimônio, das uniões estáveis e as monoparentais, bem como, a
família que mais interessa ao objetivo de investigação que este trabalho se propõe
em realizar, que são as famílias simultâneas ou paralelas, sua concepção e
consequências jurídicas. Para melhor compreensão será feito uma breve exposição
sobre a imposição dos direitos e principalmente dos deveres aos cônjuges e
companheiros e qual seria o limite de intervenção do Estado na vida privada das
pessoas.
No último capítulo do trabalho monográfico, serão abordados as relações
paralelas de afeto do concubinato e os direitos da “amante”, expressão esta
discriminatória e pejorativa imputada à mulher, analisando o caminho percorrido por
este instituto concubinário em sua breve evolução histórica até a sua roupagem
atual na legislação brasileira.
Conseguinte, serão tratadas as divergentes decisões proferidas pelos
tribunais, quanto ao reconhecimento do caráter familiar do concubinato adulterino e
os direitos provenientes dele, o possível alcance de direitos nas esferas
patrimoniais, alimentícia e previdenciária exposta de maneira sucinta e objetiva.
Visto que, são infindáveis os julgados sobre referido tema, desta feita, optou-se por
expor os ínfimos casos em que os direitos da concubina foram agasalhados pelo
ordenamento judiciário pátrio.
O principal intuito desta abordagem certamente é a obtenção de respostas
capazes de justificar a retrógrada posição da Constituição Federal, assim como,
13
investigar os reais fundamentos que levam boa parcela dos tribunais ainda
divergirem tanto sobre uma realidade tão evidente na sociedade.
A elucidação do tema é de extrema necessidade, pois envolve interesses
pessoais de um percentual significativo da sociedade brasileira, onde mulheres e
eventual prole se encontram desprovidos do mínimo necessário de tutela
constitucional e direitos humanos.
14
2 FAMÍLIA NOS DIAS ATUAIS
A família é a base da sociedade e é nela que se funda a organização social,
sendo que, por essa razão recebe especial proteção do Estado.
Por se tratar de um tema de alta complexidade e transformações recorrentes,
não há um conceito preestabelecido para que o defina de modo definitivo, restando
então, a tentativa de conceituar a família como o conjunto de pessoas com laços de
afinidade ou parentesco entre si.
A família é uma realidade sociológica, conforme ensina Gonçalves (2017, p.
17) e constitui a base do Estado, sendo considerada como instituição necessária e
sagrada, devendo receber total proteção do Estado. Contudo a Constituição Federal
e o Código Civil são responsáveis por legislar sobre a sua estrutura, porém sem
defini-la, pois não há conceitos existentes tanto no direito como na sociologia que
possam conceituá-la.
Nesse sentido leciona Venosa (2017, p. 1) que:
A conceituação da família oferece de plano, um paradoxo para sua compreensão. O Código Civil não a define. Por outro lado, não existe identidade de conceitos para o Direito, para a Sociologia e para a Antropologia. Não bastasse ainda a flutuação de seu conceito, como todo fenômeno social, no tempo e no espaço, a extensão dessa compreensão difere nos diversos ramos do direito.
Por se tratar de um tema de grande abrangência, e tendo em vista, a
instabilidade da mesma, resta claro que não existe apenas uma única definição do
conceito de família, sendo variável a sua compreensão nos diversos ramos do direito
e na realidade social.
Ainda sobre a dificuldade em conceituar a família, afirma Dias:
15
Dispondo a família de formatações das mais diversas, também o direito das famílias precisa ter espectro cada vez mais abrangente. Assim, é difícil sua definição sem incidir num vício de lógica. Como esse ramo do direito disciplina a organização da família, conceitua-se o direito de família com o próprio objeto a definir. Em consequência, mais do que uma definição, acaba sendo feita a enumeração dos vários institutos que regulam não só as relações entre pais e filhos, mas também entre cônjuges e conviventes, ou seja, a relação das pessoas ligadas por um vínculo de consanguinidade, afinidade ou afetividade. (DIAS, 2017, p.42).
A Constituição Federal tornou-se mais humana com a implementação do
direito de família em seu texto, afastando as concepções tradicionais e
individualistas do século passado.
Com a constitucionalização do direito de família, o conceito de família foi
ampliado, reconhecendo a união estável e as famílias monoparentais como entidade
familiar. Sendo considerada uma das grandes inovações que a Constituição Federal
trouxe com a sua promulgação, foi considerar o modelo de família tradicional apenas
um modelo entre muitos outros existentes, como dispõe o artigo 226, §§ 3º e 4º,
demonstrando que a sociedade constitui um núcleo familiar com base no afeto.
Atualmente o afeto talvez seja considerado como principal fundamento das
relações familiares, mesmo que não haja qualquer expressão ao afeto no texto
constitucional reconhecendo como direito fundamental, pode-se, no entanto, afirmar
que certamente ele decorre do princípio da dignidade humana e da solidariedade.
(TARTUCE, 2011, p. 992).
Ao analisar o texto constitucional fica claro que o legislador tenta traçar um
conceito de família e elenca uma pluralidade de entidades familiares começando
pela família matrimonializada pelo casamento, o reconhecimento da família
convivencial formada pela união estável e ainda reconhecendo como entidade
familiar a convivência entre um só genitor, não importando o gênero deste, com seus
descendentes.
Ademais, atualmente busca-se, portanto, a identificação de afeto nas relações
pessoais, e o reconhecimento de outras formas de conjugalidade.
De acordo com o brilhante entendimento de Tartuce:
16
Buscar-se-á analisar o Direito de Família do ponto de vista do afeto, do amor que deve existir entre as pessoas, da ética, da valorização da pessoa e da sua dignidade, do solidarismo social e da isonomia constitucional. Isso porque, no seu atual estágio, o Direito de Família é baseado mais na afetividade do que na estrita legalidade, frase que é sempre repetida e que pode ser atribuída a Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Professora Titular da Faculdade de Direito da USP e uma das fundadoras do IBDFAM. Tal premissa ficará evidenciada pela análise dos princípios desse Novo Direito de Família. (TARTUCE, 2014, p. 5).
Portanto, o conceito que mais se encaixa atualmente na nossa realidade
social, é a família conceituada como o conjunto de pessoas que possuem grau de
parentesco ou não entre si, que vivem ou não sob a mesma moradia, que sejam
unidos por um vínculo chamado afeto.
2.1 Principais aspectos da evolução histórica do direito de família
Nesse subtítulo será apresentado um breve histórico do Direito de Família ao
longo dos anos, até os dias atuais para a melhor compreensão da evolução deste
instituto, que infelizmente, o direito positivado não foi eficiente em acompanhar.
A família decorre de um agrupamento informal de pessoas, e certamente
constitui a primeira forma de socialização do homem, devendo ser analisada sob o
ponto de vista exclusivamente sociológico e afetivo, para então somente ser
analisado como fenômeno jurídico.
No Direito Romano a família era administrada pelo pater família (VENOSA,
2017, p. 4), sendo que, o homem é quem exercia poder sobre a mulher, os filhos e
os escravos, os quais lhes deviam total submissão. Neste momento, o elo que unia
os membros dessa família não era o afeto, embora pudesse existir, mas nem mesmo
o nascimento nem a mera afeição eram características da família romana. Às uniões
livres era atribuído certo reconhecimento jurídico, porém, estas não possuíam o
caráter de casamento, pois o cristianismo condenava estas uniões de forma que
somente o casamento era considerado sacramento, com a finalidade de comunhão
17
espiritual entre os nubentes, e de concentrar a economia no grupo familiar
estabelecido:
Por muito tempo na história, inclusive durante a Idade Média, nas classes nobres, o casamento esteve longe de qualquer conotação afetiva. A instituição do casamento sagrado era um dogma da religião doméstica. Várias civilizações do passado incentivavam o casamento da viúva, sem filhos, com o parente mais próximo do seu marido, e o filho dessa união era considerado filho do falecido. O nascimento de filha não preenchia a necessidade, pois ela não poderia ser continuadora do culto do pai, quando contraísse núpcias. Reside nesse aspecto a origem histórica dos direitos mais amplos, inclusive em legislações mais modernas, atribuídos ao filho e em especial ao primogênito, a quem incumbiria manter unido o patrimônio em prol da unidade religioso-familiar. (VENOSA, 2017, p. 4).
Os membros da família eram ligados por um vínculo mais forte que a afeição,
eles eram unidos pela religião doméstica e o culto aos deuses antepassados. Com o
passar do tempo, a rigorosidade das regras impostas pelos romanos foram
atenuadas, restringindo gradativamente a autoridade do pater família, tendo a
mulher e seus filhos mais autonomia no ambiente familiar.
Já no Direito Canônico, o qual regulou a família até o século XVIII, ensina
Venosa (2017, p. 11) que a indissolubilidade era a principal característica do
matrimônio, onde sua finalidade era apenas a procriação e criação dos filhos. Sendo
a família comandada pelo marido, que se baseava em normas imperativas o qual
inspirava a vontade de Deus ou do monarca, sendo que essas regras de convivência
se não obedecidas ocasionavam sanções com penalidades rigorosas.
A igreja desempenhou um papel extremamente importante no que diz respeito
ao impulso social, principalmente em relação à família e ao exercício do poder
paterno, com a sustentação da monogamia, a qual se transforma em um fator
econômico de produção dentro do âmbito familiar. No entanto, com a Revolução
Industrial a família perde este fator econômico, transformando-se em uma instituição
na qual suas características baseiam-se nos valores afetivos, assistenciais e morais
(VENOSA, 2017, p. 3).
18
Ao final do século XVIII, o poder adivinha do Estado decorrente das Leis
positivadas, afastando o poder até então exercido pela Igreja.
2.2 Evoluções legislativas e a tutela no ordenamento brasileiro
Com o advento do Código Civil de 1916, o projeto de Clóvis Beviláqua,
referia-se ao casamento como instituição jurídica, prevendo assim normas de ordem
pública, que eram requisitos para a validade do matrimônio.
A definição de família era totalmente taxativa e limitada, não havendo
espaços para interpretações, o Código Civil admitia tão somente como família
aquelas originadas pelo matrimônio.
Sendo assim, eram excluídas totalmente as outras espécies de conformações
familiares que pudessem vir a existir.
Nesse sentido ensina Dias:
O antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do século passado. Em sua versão original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a o casamento. Impedia a sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação da família constituída pelo casamento. (DIAS, 2017, p. 40).
Contudo, ainda nessa época, segundo ensina Venosa (2017, p. 16), a
sociedade possuía característica rural e patriarcal, com profundas marcas deixadas
pelas famílias da antiguidade, sendo o marido ainda considerado como o chefe, o
administrador e o representante da família, cabendo a ele decidir sobre questões
que envolvessem os filhos, como a educação, por exemplo, a qual somente era
realizada pela mulher na falta deste. Ainda assim, mulheres permaneciam na figura
submissa ao homem, dedicavam-se apenas aos afazeres domésticos e não
19
possuíam os mesmos direitos conferidos aos homens, sendo consideradas
relativamente incapazes de realizar alguns atos, que por vezes só dispunham
mediante a necessidade de autorização do marido.
Como consequência em 1.977, com a Emenda Constitucional nº 09 e a Lei nº
6.515/77, possibilitaram o divórcio no Brasil, mesmo depois de obtida a separação
judicial e viabilizaram a ação direta de divórcio: “a instituição do divórcio (EC 9/77 e
L 6.515/77) acabou com a indissolubilidade do casamento, eliminando a ideia da
família como instituição sacralizada”. (DIAS, 2017, p. 40).
Neste sentido, afirma Venosa:
A batalha legislativa foi árdua, principalmente no tocante à emenda constitucional que aprovou o divórcio. O atual estágio legislativo teve que suplantar barreiras de natureza ideológica, sociológica, política, religiosa e econômica. Muito ainda, sem dúvida, será feito em matéria de atualização no campo da família. Nessa ebulição social, mostrava-se custosa uma codificação, tanto que o Projeto de 1975 que redundou no Código Civil de 2002 dormitou por muitos anos no Congresso. (VENOSA, 2017, p. 16).
A legislação civil de 2002 incorporou alguns princípios e inovou em outros,
como por exemplo, a Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), retirando a
incapacidade relativa da mulher e conferindo igualdades idênticas entre os cônjuges:
A evolução pela qual passou a família acabou forçando sucessivas alterações legislativas. A mais expressiva foi o Estatuto da Mulher Casada (L 4.121/62), que devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados a assegurar-lhe a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu trabalho. (DIAS, 2017, p. 40).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o núcleo familiar foi
modificado novamente, sendo que houve importante relevância tanto nos princípios
que regem a família, quanto às conquistas aos direitos sociais:
20
A Constituição Federal de 1988 “absorveu essa transformação e adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos”. Assim. O art. 226 afirma que “a entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição”. O segundo eixo transformador “encontrasse no §6º do art. 227. É a alteração do sistema de filiação, de sorte a proibir designações discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrida dentro ou fora do casamento”. A terceira grande revolução situa-se “nos artigos 5º, inciso I, e 226, §5º. Ao consagrar o princípio da igualdade entre homens e mulheres, derrogou mais de uma centena de artigos do Código Civil de 1916. (GONÇALVES, 2017, p. 33).
A Constituição Federal estabeleceu a igualdade entre o homem e a mulher, e
ampliou o conceito de família, passando a garantir a proteção de forma igualitária de
todos os seus membros, ampliando a proteção à família constituída pelo casamento,
bem como a família monoparental e as formadas por união estável.
Segundo Fachin (1996, p.83, apud Dias, 2017, p. 40 - 41):
[...] Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre homem e mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico. Como lembra Luiz Edson Fachin, após a Constituição, o Código Civil perdeu o papel de lei fundamental do direito de família.
O Código Civil atual já nasceu desatualizado, pois o mesmo tramitou por mais
de duas décadas até ser aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, sendo o
Direito da Família o ramo que apresentou maior evolução na área do Direito Civil.
Contudo, talvez o maior ganho com o advento do Código Civil de 2002
segundo brilhante afirmação de Dias (2017, p. 41), foi a exclusão de expressões e
conceitos discriminatórios, causadores de grandes preconceitos, desigualdades
entre homens e mulheres, adjetivações da filiação, e o regime dotal, sendo
dispositivos ultrapassados não havendo espaço para a sua aplicabilidade diante da
21
nova estrutura jurídica e as modernas conformações em que a sociedade se
formavam.
Com o passar do tempo, através da doutrina e da jurisprudência, foi se
desenvolvendo uma nova visão de direito de família, com compreensão mais realista
e coerente em relação às evoluções da sociedade, e ao surgimento de novas
entidades familiares.
Para Madaleno (2017, p. 44), após o advento do Código Civil já não havia
mais a possibilidade de aceitação dos frágeis mecanismos de proteção das famílias,
nem mesmo ignorar a existência dos diferentes arranjos familiares existentes no
mundo, e por obvio no Brasil, realidade ignorada pela Constituição Federal.
Sendo assim, conforme leciona Gonçalves (2017, p. 21) não restam dúvidas
que o Código Civil buscou se adaptar, devido a evolução social, aos bons costumes
e as mudanças legislativas, assim as conseguintes alterações sofridas visou
preservar a harmonia familiar e os valores culturais, o objetivo era atender as
necessidades das novas conformações familiares, bem como, a afeição entre os
cônjuges e os companheiros e os mais diversos interesses da sociedade.
2.3 Natureza jurídica da família
Quanto à natureza jurídica da família, esta não possui as características de
pessoa jurídica, ao passo que lhe falta aptidão e capacidade para usufruir direitos e
contrair obrigações, certo que seus direitos imateriais são direitos subjetivos de cada
membro da família, como por exemplo, o poder familiar: “a família nunca é titular de
direitos. Os titulares serão sempre seus membros individualmente considerados.
(VENOSA, 2017, p. 9).
O Direito de Família possui caráter privado, uma vez que, se encontra
inserido no Código Civil e regula as relações individuais entre seus membros:
22
No entanto, em face do comprometimento do Estado de proteger a família e ordenar as relações de seus membros, o direito das famílias dispõe de acentuado domínio de normas imperativas, isto é, normas inderrogáveis, que impõem limitações as pessoas. São normas cogentes que incidem independentemente da vontade das partes, daí seu perfil publicista. Por isso são consideradas de ordem pública, assim entendidas por tutelarem o interesse geral, atendendo mais aos interesses da coletividade do que ao desejo do individuo. A tendência em afirmar que o direito das famílias pende mais ao direito público do que ao direito privado decorre da equivocada ideia de que busca tutelar as entidades familiares mais do que os seus integrantes. (DIAS, 2017, p. 43).
Portanto, importante se faz reconhecer que embora o direito de família
possua características e proximidades com o direito público, tal situação, não retira o
seu caráter privado: “não há interesse em atribuir personalidade à família, tendo em
vista que suas atividades jurídicas, de natureza patrimonial ou não, podem ser
realizadas sem esse atributo”. (VENOSA, 2017, p. 12).
2.4 Princípios do direito das famílias
Os princípios são normas jurídicas de alto grau de generalidade, utilizados
para solucionar questões e preencher lacunas, até então omissas dentro das
normas positivadas, pois estas não conseguem e nem poderiam alcançar todas as
mudanças sociais existentes atualmente e as situações fáticas delas decorrentes.
Diante de tantas evoluções que ocorrem na sociedade, é necessário
compreender que nas mais variadas situações de conflitos, a sua resposta e solução
restarão eminentemente amparadas por algum dos princípios existentes, os quais
serão tratados mais adiante.
Conforme os ensinamentos de Pereira (2012), todos os indivíduos como
sujeitos de direito, estão presentes em atos, fatos e negócios jurídicos. Sendo assim,
as ações praticadas por estes devem necessariamente estar em conformidade com
os princípios estabelecidos, pois, sem a sua devida observação, os objetivos de
justiça se distanciariam e seriam cada vez mais contraditórios, prevalecendo os
23
entendimentos particulares e moralistas e não um sistema jurídico ético e universal
que é o esperado.
Neste sentido reitera Diniz que:
Com o novo milênio surge a esperança de encontrar soluções adequadas aos problemas surgidos na seara do direito de família, marcados por grandes mudanças e inovações, provocadas pela perigosa inversão de valores, pela liberdade sexual; pela conquista do poder (empowerment) pela mulher, assumindo papel decisivo em vários setores sociais, escolhendo o seu próprio caminho; pela proteção aos conviventes; pela alteração dos padrões de conduta social; pela desbiologização da paternidade; pela rápida desvinculação dos filhos do poder familiar etc. Tais alterações foram acolhidas, de modo a atender à preservação da coesão familiar e dos valores culturais, acompanhando a evolução dos costumes, dando-se a família moderna um tratamento legal mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de diálogo entre os cônjuges ou companheiros. (DINIZ, 2010, p.18).
Portanto, o ramo do Direito de Família atual é regido por vários princípios, e o
presente trabalho irá tratar dos principais, não se esgotando o assunto.
2.4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Trata-se do princípio mais importante do Direito, considerado o qual se irradia
todos os demais, não constitui apenas um limite à atuação do Estado, mas um norte
para sua ação, sendo assim, devido a sua tamanha relevância no âmbito jurídico, se
encontra disposto como fundamento da República no art.1º, III, da Constituição
Federal de 1988.
Considerado de difícil conceituação, uma vez que se trata de um princípio
com as mais variadas interpretações e incontáveis conceitos que a ele podem ser
aplicados, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 76) ensinam que o princípio da
dignidade humana é a tradução do valor fundamental de respeito à existência
humana, onde o que se busca é a felicidade através de possibilidades e
24
expectativas, sendo elas quais sejam, de caráter afetivo ou patrimonial, mas de
indispensável importância para a concretização da realização pessoal.
Para Pereira (2016), o princípio da dignidade humana em uma análise final,
refere-se à dignidade para todas as entidades familiares, sendo indevido o
tratamento diferenciado aos vários tipos de constituição de família.
Neste sentido, temos importante ensinamento de Madaleno:
A dignidade humana é princípio fundamental na Constituição Federal de 1988, conforme artigo1º, inciso III. Quando cuida do Direito de Família, a Carta Federal consigna no artigo 226, § 7º, que o planejamento familiar está assentado no princípio da dignidade humana e da paternidade responsável. Já no artigo 227, prescreve ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, pois que são as garantias e os fundamentos mínimos de uma vida tutelada sob o signo da dignidade da pessoa, merecendo especial proteção até pelo fato o menor estar formando a sua personalidade durante o estágio de seu crescimento e desenvolvimento físico e mental [...] [...] O Direito de Família tem a sua estrutura de base no princípio absoluto da dignidade humana e deste modo promove a sua ligação com todas as outras normas ainda em vigorosa conexão com o direito de familista, pois configurando um único sistema e um único propósito, que está em assegurar a comunhão plena de vida, e não só dos cônjuges, dos unidos estavelmente, mas de cada integrante da sociedade familiar. (MADALENO, 2016, p. 104 - 106).
Nota-se, que o texto maior deixa claro que o princípio da dignidade da pessoa
humana, se refere à sociedade implantada pelo estado de democracia, onde o
legislador se preocupa com o bem estar de todos os cidadãos, e com os valores
fundamentais a eles inerentes. Conferindo assim, a justiça e proteção a fim de que,
todos os seres humanos sejam respeitados dignamente como pessoas, tutela essa
que não pode ser violada.
Segundo ensina Lôbo (2017, p. 63), “no sistema jurídico brasileiro, o princípio
da dignidade da pessoa humana está indissoluvelmente ligado ao princípio da
solidariedade”.
25
2.4.2 Princípio da liberdade
Este é um dos primeiros princípios reconhecidos como direitos humanos
fundamentais, que garante o respeito à dignidade da pessoa humana.
Conforme defendido por Dias (2017, p. 53), a maior preocupação da
Constituição ao instaurar o regime democrático, foi eliminar qualquer tipo de
discriminação, conferindo à igualdade e à liberdade especial tratamento no âmbito
familiar. Tendo todos à liberdade de escolher o seu par ou pares, não importando o
sexo que for, bem como, o tipo de entidade familiar que pretendem constituir.
Nesse sentido ensina Diniz que:
[...] Intervindo o Estado apenas em sua competência de propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito; na convivência conjugal; na livre aquisição e administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1.642 e 1.643) e opção pelo regime matrimonial mais conveniente (CC, art. 1.639); na liberdade de escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole (CC, art. 1.634); e na livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família. (DINIZ, 2010, p. 23).
O princípio da liberdade se encontra presente nos mais diversos atos da vida,
e desde modo, é inerente a todos os indivíduos, os quais possuem o livre arbítrio
para tomar suas decisões e fazer as suas escolhas, e arcar com as consequências
de tais atos de vontade.
Segundo Madaleno (2016, p. 158), o princípio da liberdade dentre tantos
tipos, garantem também a liberdade de locomoção, de expressão, o direito à vida, a
integridade física, liberdade de imprensa, da manifestação do pensamento, da
liberdade de consciência, da autodeterminação da pessoa e do livre arbítrio. O qual
este último é encontrado frequentemente no direito de família, pela a livre decisão do
planejamento familiar, pela liberdade de escolha quanto às conformações familiares
existentes, entre tantos outros.
26
2.4.3 Principio da igualdade e respeito à diferença
Este princípio garante que todo cidadão seja tratado igualmente pela lei,
eliminando qualquer tipo de discriminação, sendo todos os indivíduos tratados de
maneira igual no limite de suas igualdades e desigualdades.
Para o doutrinador Madaleno (2016, p. 106), o fundamento jurídico do
princípio da dignidade humana encontra-se fortemente sustentado pelo princípio da
igualdade formal e substancial, o qual possui a finalidade de impedir as mais
variadas discriminações, como por exemplo, entre os gêneros sexuais.
Neste sentido brilhante é a afirmação de Dias:
Constitucionalmente é assegurado tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A ideia central é garantir a igualdade, o que interessa particularmente ao direito, pois está ligada à ideia de justiça. Os conceitos de igualdade e de justiça evoluíram. Justiça formal identifica-se com igualdade formal: conceder aos seres de uma mesma categoria idêntico tratamento. Mas não basta que a lei seja aplicada igualmente para todos. Aspira-se à igualdade material precisamente porque existem desigualdades. Também existe a igualdade como reconhecimento, que significa o respeito devido às minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam elas quais forem. Nada mais do que o respeito à diferença. (DIAS, 2017, p. 54).
A igualdade atualmente é reconhecida em vários aspectos, como se observa
no tocante ao reconhecimento da união estável como entidade familiar, uma vez
que, toda família constituída estabelece comunhão de vida.
Também é verificada no espaço e reconhecimento adquiridos pela mulher
moderna, que se tornou mais independente e lançou-se ao mercado de trabalho,
onde hoje ocupam cargos e desenvolvem atividades de chefia e liderança, funções
essas que, nos tempos passados jamais seriam possíveis, pois caberia somente aos
homens desempenharem esse papel.
Ocorre que, a igualdade como princípio fundamental presente nas relações,
tanto pessoais quanto jurídicas, embora tenha ganhado inquestionáveis dimensões
e proporcionado direitos até então não existentes, ainda tem um longo caminho pela
27
frente para percorrer, considerando que existem gritantes desigualdades que estão
em todos os cantos sociais e em sua grande maioria encobertas.
Nesse sentido afirma com maestria Madaleno:
Contudo, ainda que a evolução do moderno Direito acenasse caminhar para a igualdade das pessoas, a organização social e jurídica da família ainda conserva rasgos do antigo modelo patriarcal e uma estrutura das relações familiares que, longe de ser uma coordenação entre sujeitos iguais, é de indisfarçável subordinação entre sujeitos hierarquicamente ordenados. Trata-se, a seu turno, da estarrecedora advertência feita por Sérgio Gischkow Pereira quando evoca os deploráveis dados sociológicos das estatísticas nacionais denunciando que: “A maior parte das mulheres brasileiras ainda vive em estado de subordinação dos maridos e não apresenta condições mínimas de conhecimento e de flexibilização negocial e segue sendo confinada no seu serviço doméstico, sendo agredida moral e fisicamente por seus maridos”. Prova mais evidente dessa desmedida violência doméstica pode ser encontrada na promulgação da Lei de combate à violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), editada dezoito anos após o surgimento da Carta Política de 1988. (MADALENO, 2016, p. 107).
Conforme demonstrado, o princípio da igualdade embora tenha conquistado
seu espaço em diversas áreas, ainda tem muito a evoluir e realidades sociais a
transformar, já que as desigualdades e discriminações existem e vão sempre existir,
mas devem ser minimizadas, muito embora a sociedade seja a principal causadora.
2.4.4 Princípio da solidariedade familiar
O princípio da solidariedade familiar é de extrema importância e possui
ligação direta nos vínculos afetivos.
A solidariedade familiar compreende a fraternidade e a reciprocidade,
características que devem estar presentes nas relações familiares, devendo haver
nas relações pessoais a preocupação em amparar e cuidar um dos outros de forma
humanitária.
28
Este princípio determina o amparo nas relações pessoais, bem como a
assistência material e moral entre os indivíduos e seus familiares, contudo, por mais
que a solidariedade leve a crer nos mais nobres sentimentos, também repercute no
sistema patrimonial. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 95).
Neste sentido observa Dias:
A solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. Uma das técnicas originárias que até hoje se mantém é a família. A lei se aproveita da solidariedade que existe no âmbito das relações familiares. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro a família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação (CF 227). Impor aos pais o dever de assistência aos filhos decorre do principio da solidariedade (CF 229). O mesmo ocorre com o dever de amparo às pessoas idosas (CF 230). (DIAS, 2017, p. 56).
A solidariedade social tem o seu reconhecimento no artigo 3º, inciso I, da
Constituição Federal de 1988, que dispõe no sentido de construir uma sociedade
livre, justa e solidária, o qual reflete diretamente no direito de família e nas relações
familiares.
O referido princípio resulta da superação do individualismo jurídico, da
modificação do modo de pensar e viver os interesses individuais, os quais marcaram
o início do século e ainda se encontram na atualidade. (LÔBO, 2017, p. 64).
Portanto, resta claro que o objetivo central do princípio da solidariedade é o
exercício da solidariedade familiar, como o afeto, o auxílio e amparo, a prestação de
alimentos, de maneira patrimonial, psicológica e afetiva, ressaltando a valorização
ao respeito mútuo em relação aos membros da família.
29
2.4.5 Princípio do pluralismo das entidades familiares
Com o advento da Constituição Federal de 1988, as entidades familiares
adquiriram novas conjunturas, diferentemente do texto constitucional anterior, o qual
somente reconhecia e tutelava o casamento como único modelo familiar, ignorando
as outras conformações existentes.
Segundo o entendimento de Diniz (2010, p. 23) a norma constitucional
reconhece e abrange as famílias decorrentes do matrimônio e as entidades
familiares, quais são a união estável e a família monoparental, o Código Civil
embora se resume em tratar da união estável em poucos artigos, conferindo-lhes
alguns efeitos jurídicos apenas, nada se refere as famílias monoparentais, não
havendo sequer nenhuma norma regulamentadora sobre as famílias formadas por
um dos genitores e a sua prole, sendo que, 26% dos brasileiros aproximadamente
estão inseridos nessa estrutura familiar.
No momento em que as famílias matrimonializadas deixam de ser o padrão
de modelo único da base social, aumenta-se o espectro de família.
Neste sentido afirma Dias:
Como as uniões extramatrimoniais não eram consideradas de natureza familiar, encontravam abrigo somente no direito obrigacional, como sociedade de fato. Mesmo que não indicadas de forma expressa, às uniões homoafetivas foram reconhecidas como família pela justiça. As uniões simultâneas e poliafetivas – preconceituosamente nominadas de “concubinato adulterino” -, também são unidades afetivas que merecem ser abrigadas sob o manto do direito das famílias. Do mesmo modo as famílias parentais e as pluriparentais. Excluir do âmbito da juridicidade entidades familiares que se compõem a partir de um elo de afetividade e que geram comprometimento mútuo e envolvimento pessoal e patrimonial é simplesmente chancelar o enriquecimento injustificado, é afrontar a ética, é ser conivente a injustiça. (DIAS, 2017, p. 57).
As entidades familiares são compostas de afetividade e estabilidade,
requisitos essencias a qualquer configuração familiar, pois produzem o
30
comprometimento entre os envolvidos, e não devem ser excluídas do âmbito
jurídico.
Portanto, não há como ignorar o surgimento de novas entidades familiares e
vínculos afetivos atuais, e nem mesmo abnegar a tutela jurídica aos novos institutos.
2.4.6 Princípio da igualdade jurídica entre filhos
O princípio da igualdade jurídica entre os filhos existe com o propósito de
acabar com as discriminações que existiam tempos atrás, e essas infundadas
diferenciações ocorriam devido a origem dos filhos, se legítimos ou ilegítimos,
naturais, adulterinos ou incestuosos. (MADALENO, 2016, p. 166).
Dessa forma, afastaram-se as concepções pejorativas empregadas aos filhos
devido às condições em que se davam os relacionamentos de seus pais. Assim, se
a prole procedia de relações extramatrimoniais, esses eram classificados de
ilegítimos, que se subdividiam em naturais e espúrios; os naturais eram nascidos de
pais impedidos de se casar, no entanto, os espúrios, os impedimentos eram
decorrentes de parentesco ou casamento anterior, de modo que, estes configuravam
os adulterinos e incestuosos. (GONÇALVES, 2017, p. 29).
Contudo, hoje essas discrepâncias restam superadas, e são assegurados aos
filhos os mesmos direitos e qualificações, não existindo qualquer tipo de distinção
entre eles, sendo proibidas as designações discriminatórias, conforme estabelecidas
no art. 227, § 6º, da Constituição Federal e art. 1.596 do Código Civil:
Quanto ao seu reconhecimento, afirma Dias:
Apesar de não elencados no art. 5º da CF, são fundamentais os direitos de crianças, adolescentes e jovens. Mas dispõem de assento constitucional a doutrina da proteção integral e a igualdade no âmbito das relações paterno-filiais, ao ser assegurado aos filhos os mesmos direitos e qualificações e vedada designações discriminatórias (CF 227 § 6º). Agora a palavra “filho” não comporta nenhum adjetivo. Não mais cabe falar em filhos legítimos, ilegítimo, naturais, incestuosos, espúrios ou adotivos. Filho é simplesmente “filho”. (DIAS, 2017, p. 57).
31
No entanto, para o doutrinador Madaleno (2016, p. 167), apesar da mudança
da norma disciplinadora e a tentativa de estabelecer a igualdade jurídica entre os
filhos, ainda não foi alcançado o objetivo de igualdade, pois a lei nada fala sobre a
filiação socioafetiva, a verdade biológica e a adotiva ainda são diferenciadas com
relação ao tratamento recebido.
Nesse sentido ensina Tartuce:
Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as odiosas expressões filho adulterino ou filho incestuoso que são discriminatórias. Igualmente, não podem ser utilizadas, em hipótese alguma, as expressões filho espúrio ou filho bastardo, comuns em passado não tão remoto. Apenas para fins didáticos utiliza-se o termo filho havido fora do casamento, eis que, juridicamente, todos são iguais. Isso repercute tanto no campo patrimonial quanto no pessoal, não sendo admitida qualquer forma de distinção jurídica, sob as penas da lei. Trata-se, desse modo, na ótica familiar, da primeira e mais importante especialidade da isonomia constitucional. (TARTUCE, 2014, p. 16).
O princípio em questão estabelece a proteção aos filhos, não mais podendo
ser taxados por expressões pejorativas e discriminatórias no âmbito social ou
familiar, cabendo aos responsáveis garantir e proteger os seus bens jurídicos
fundamentais.
2.4.7 Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros
Como forma de isonomia constitucional a lei reconhece a igualdade à
sociedade conjugal ou convivencial, formada pelo casamento ou pela união estável,
dispostos no art. 226, § 3º, e art. 5º, I, da Constituição Federal.
32
A ideia central do princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e
companheiros é a de proporcionar paridade de direitos e obrigações entre homens e
mulheres, não havendo espaço para o modelo de patriarcalismo do passado.
Neste sentido ensina Diniz:
[...] No que atina aos seus direitos e deveres, que revolucionou o governo da família organizada sobre a base patriarcal. Com esse princípio desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre os conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que a mulher e o marido tenham os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade convivencial ou conjugal (CF, art. 226, § 5º; e CC, arts. 1.511, in fine, 1.565 a 1.570, 1.631, 1.634, 1.643, 1.647, 1.650, 1.651 e 1.724). O patriarcalismo não mais se coaduna com a época atual, nem atende aos anseios do povo brasileiro; por isso, juridicamente, o poder do marido é substituído pela autoridade conjunta e indivisa, não mais se justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal. (DINIZ, 2010, p. 20).
Devido os seus direitos e deveres ter sido igualado, abre-se então a
oportunidade para os homens pleitearem alimentos de sua ex-mulher ou
companheira, direito esse que era disponível apenas as mulheres, sendo que, hoje,
comprovada a sua aptidão ao trabalho não mais terá direito, lembrando que outra
modificação refere-se à possibilidade de continuar fazendo o uso do nome do outro,
se assim as partes concordarem. (TARTUCE, 2014, p. 16).
Contudo, há ainda grande dificuldade referente ao princípio da igualdade
jurídica entre homens e mulheres, e está em saber qual o alcance dessa igualdade
no plano concreto e fático.
2.4.8 Princípio da afetividade
Este princípio é norteador das relações familiares e da solidariedade familiar,
fundando-se na comunhão de vida e afeição mútua entre os indivíduos.
33
A afetividade é reconhecida como requisito das relações familiares, pelo fato
de que o conceito de família não se estabelece mais aos critérios biológicos e de
diferenças de gênero.
Como defendido por Tartuce (2014, p. 25), a expressão afeto não foi
destacada no conteúdo constitucional, no entanto, pode-se afirmar que o seu
reconhecimento esta presente na dignidade da pessoa humana. Neste sentido
possuindo valor jurídico, sendo assim, mesmo não havendo o expresso
reconhecimento pela legislação, nota-se, a demasiada frequência em que é utilizada
pelos juristas, demonstrando a afetividade como princípio no nosso sistema jurídico.
Conforme ensina Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 90), a afetividade tem
muitas faces e diversos aspectos, e é considerada de grande complexidade, sendo
que a única certeza é de que se trata de uma força elementar, propulsora de todas
as relações de vida. Portanto está presente em todas as relações sejam elas quais
foram.
Nesse sentido ensina Dias:
A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. A família e o casamento adquiriram novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Essa é a concepção eudemonista da família, que progride à medida que regride o seu aspecto instrumental. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas. (DIAS, 2017, p. 60).
Diante do exposto, a função social da família esta fundada nas relações de
afeto, não importando se esta união é entre pessoas do mesmo gênero ou não, pois
o que importa é o caráter satisfatório e afetivo que envolve os membros.
Sendo assim, é necessário compreender que as famílias de hoje estão
direcionadas pela busca da felicidade, pela realização pessoal de cada membro
como indivíduo, ainda que, existam relacionamentos decorrentes de arranjos
familiares onde sequer exista amor. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 45).
34
Neste sentido brilhantemente ensina o civilista Madaleno:
O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. Necessariamente os vínculos consanguíneos não se sobrepõem aos liames afetivos, podendo até ser afirmada a prevalência desses sobre aqueles. O afeto decorre da liberdade que todo indivíduo deve ter de afeiçoar-se um ao outro, decorre das relações de convivência do casal entre si e destes para com seus filhos, entre os parentes, como está presente em outras categorias familiares, não sendo o casamento a única entidade familiar. (MADALENO, 2016, p.165).
Conclui-se, portanto, que o afeto é atualmente o princípio formador e
mantedor da família, sendo encontrado de forma tácita dentro do princípio da
dignidade da pessoa humana, o qual é o fundamento da democracia e base que
permeia todo o nosso direito, principalmente o Direito de Família.
35
3 O PLURALISMO CONTEMPORÂNEO DAS FAMÍLIAS
Conforme mencionado anteriormente, a Constituição Federal tipifica
expressamente em seu art. 226, as três formas de entidades famíliares, sendo elas
decorrentes do matrimônio, da união estável e da família monoparental. Nota-se,
portanto, que este rol é apenas meramente exemplificativo da estrutura familiar, o
qual se encontra em constante transformação, tornando-se quase impossível ao
legislador, acompanhar e inserir no âmbito do Direito as mais diversas modalidades
de relacionamentos interpessoais.
Tal diversidade de entidades familiares ocasionou lacunas no Direito, no que
diz respeito à ausência de leis e proteção aos indivíduos envolvidos, sendo elas
supridas pelos princípios constitucionais e pelos princípios próprios do direito de
família, emprestando ainda, juridicidade ao princípio da afetividade.
A seguir serão expostos os tipos mais relevantes de famílias na sociedade,
demonstrando que as entidades familiares, nada mais são que um sistema aberto e
abrangente, o qual engloba até mesmo aqueles que não estão positivados perante o
direito.
3.1 Famílias plurais
Quando o assunto é família, logo o que vem à mente é o modelo de família
tradicional, aquele fundado no casamento entre duas pessoas de sexo opostos, com
a finalidade de gerar filhos e permanecer unidos para todo sempre.
Ocorre que, essa ideia de família convencional e conservadora teimam em
permanecer no meio social, porém a realidade atualmente é outra.
Conforme bem observa Dias (2017 p. 144), todos já estão acostumados com
os tipos de famílias que se distanciam do perfil tradicional, devido à convivência ou
36
aproximidade com famílias recompostas, monoparentais, ou homoafetivas, o que se
faz necessário reconhecer que seu conceito se pluralizou, houve uma completa
reformulação. Ideais de igualdade, liberdade, pluralismo, solidarismo, democracia e
humanismo se voltaram à proteção da pessoa humana, o que se torna necessário
ampliar igualmente o termo que define a família atual, de modo a abranger todas as
suas conformações.
Percebe-se que foi desfeito o amoldamento da estrutura familiar, o qual se
baseava somente no matrimônio.
O pluralismo das relações familiares ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família. A família já não se condiciona aos paradigmas originários: casamento, sexo e procriação. (DIAS, 2017, p.145).
Conclui-se que diante das mudanças nas estruturas sociais, houve reflexo
nas relações familiares, fazendo que a proteção da pessoa humana e os seus
interesses afetivos estejam acima de qualquer coisa, assim nascendo novas formas
de convívio, dando novo conceito plural de família e maior liberdade.
Conforme demonstra Dias (2017, p. 146), devido às mudanças ocorridas na
sociedade e a evolução dos costumes, levaram a uma verdadeira reconfiguração,
quer da conjugalidade, quer da parentalidade. Sendo assim, expressões como
família informal, marginal ou filiação ilegítima, adulterina, espúria, impura, não são
mais utilizadas, nem sequer como referência às relações afetivas ou em vínculos
parentais, no que diz respeito aos filhos ou em relação à família, pois as expressões
trazem consigo um teor discriminatório, e estão banidas do vocabulário jurídico.
Contudo, é de suma importância ter uma visão pluralista da família, que
abrigue os mais diferenciados arranjos familiares existentes, buscando o elemento
que permite agregar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que
têm origem em um elo de afetividade, independente da forma que é composta.
37
3.1.1 Família matrimonial
A família matrimonial é aquela que tem por base o casamento.
O casamento é uma forma de instituição social, que se transforma de acordo
com o tempo e a sociedade, para Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 112)
lecionam que o casamento deriva efetivamente de um sistema organizado
socialmente, com o estabelecimento de regras formais, e de fundo espiritual e laico.
O casamento como um instituto social, que é formado através da vontade dos
contraentes, será firmado por meio de um contrato especial, o contrato de direito de
família, tratando-se de um ato de autonomia privada.
Contudo, em um passado não tão distante, o casamento sofria grandes
influências da Igreja Católica e do Estado, tendo como consequência as mais
diversas formas de proibições e discriminações a qualquer outra modalidade de
entidade familiar que não se enquadrasse aos moldes estabelecidos na época, com
a justificativa de manter a ordem social.
Portanto, a família matrimonial não era formada pelos vínculos afetivos entre
os casais, e sim, reconhecido como a forma única e legítima de criação da família,
com intuito de cunho reprodutivo, patrimonial e de indissolubilidade.
Nesse sentido, de acordo com o entendimento de Dias:
A Igreja Católica consagrou a união entre um homem e uma mulher como sacramento indissolúvel: até que a morte os separe. As únicas relações afetivas aceitas são as decorrentes do casamento entre um homem e uma mulher, em face do interesse de procriação. Daí a origem do débito conjugal como obrigação à prática da sexualidade. A máxima crescei e multiplicai-vos atribuiu à família a função reprodutiva com o fim de difundir a sua fé. Aliás, outro não é o motivo para ser vedado, de modo irresponsável, o uso de contraceptivos. O casamento religioso pode ser anulado se algum dos cônjuges for estéril ou impotente. Essa conservadora cultura, de larga influência no Estado, acabou levando o legislador, no início do século passado, a reconhecer juridicamente apenas à união matrimonial. (DIAS, 2017, p. 148).
38
Por ter o cristianismo sacralizado o casamento, este foi considerado por muito
tempo a legítima forma de constituição da família, por se tratar de um ato formal e
solene, revestido de proteção jurídica através de um contrato, o qual era celebrado
mediante o preenchimento de inúmeras formalidades, tais como: diversidade de
sexo, consentimento para constituir família, ser celebrado por autoridade
competente.
Conforme bem observa Dias (2017, p. 148), o Código Civil de 1916 solenizou
o casamento, o qual se tornou uma instituição regulamentada pelo Estado. De modo
que, a lei reproduziu o perfil familiar baseado no matrimônio até então existente,
tendo o homem como chefe da sociedade conjugal, a união ser decorrente do
matrimônio, com total obediência da esposa e filhos as suas ordens, patrimonialista
e heterossexual.
Posteriormente, devido às novas transformações ocorridas na sociedade, o
surgimento de novos valores e tendo como um dos fatores marcantes a inserção da
mulher no mercado de trabalho e sustento familiar, notadamente inicia a modificação
da relação familiar e tornam-se necessárias novas disposições legais, passou-se a
questionar o modelo de casamento vigente na época, como o único e legítimo.
Desse modo, conforme destaca Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 114),
ocorreu o surgimento de um casamento estritamente civil, paralelo ao casamento
religioso existente, o qual era destinado a qualquer cidadão independente de crença,
embora houvesse a resistência da doutrina tradicional de o reconhecer, devido a
influência que a Igreja Católica exercia na época.
Foi então com a entrada em vigor da atual Constituição Federal, que trouxe
as mudanças à crescente evolução social e o reconhecimento de outras entidades
familiares.
Nota-se, portanto, que o caráter estritamente contratual, econômico e de
procriação que tinha o casamento, transformou-se nos dias atuais em uma estrutura
livre de qualquer impedimento social ou religioso.
39
3.1.2 Família informal decorrente da união estável
Distante de todo o prestígio e juridicidade antes destinados apenas às
famílias constituídas pelo matrimônio, as uniões livres até então discriminadas pela a
sociedade, ganham espaço e são devidamente reconhecidas e isso ocorreu pela
incidência de casos no âmbito social ter se tornado cada vez mais comum.
Atualmente a união estável, encontra-se expressamente tutelada pela
Constituição Federal, que dispõe em seu art. 226, § 3º, sobre o reconhecimento da
união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento.
Ao albergar a união estável como entidade familiar, as uniões que eram
consideradas informais e livres, e não eram regulamentadas como o casamento,
passam a ter proteção jurídica também do Código Civil de 2002, conforme o art.
1.723 dispõe que “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre
homem e mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Neste caso, para a validade da união estável assim como ocorre no
casamento, se faz necessário o preenchimento de certos requisitos, e se tratando de
união estável, temos como base legal os estabelecidos no art. 1.723 do Código Civil.
Contudo, antes da união estável ser reconhecida como entidade familiar e
adquirir a tutela constitucional, vale destacar em breve exposição, a evolução
histórica da entidade em nosso país.
Como já foi dito anteriormente, as uniões realizadas fora dos moldes traçados
até o início do século XX, recebiam tratamento diferenciado e eram carregadas de
preconceito e repulsa social, (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 412), e isso
se deu, devido à inexistência de legislação pertinente a esta entidade familiar,
tentativa essa talvez, do legislador proteger a família legítima e tradicional imposta
na época.
40
Ocorre que, no Brasil não se admitia o divórcio como forma de dissolução do
vínculo matrimonial, e a única opção para os casais que estavam separados de fato
e não poderiam se casar era a união livre. Sendo que, se alguma entidade familiar
fosse formada pela livre vontade do casal, mesmo que estivesse presentes a
finalidade de reprodução e assistência recíproca, de nada teria valor, pois esta
relação seria considerada ilícita e associada com o adultério. (TARTUCE, 2014, p.
287).
Na época, a tutela jurídica da união estável recebia a denominação de
concubinato, e não se engane ao pensar que, tal inclusão jurídica foi dada pelo
direito civil ou constitucional, pois o reconhecimento expresso como núcleo familiar
se deu pela tutela previdenciária, reconhecendo o concubinato como apto para
produção de limitados efeitos jurídicos. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p.
414).
Nesse sentido afirma Tartuce que:
No caso do Brasil, a primeira norma a tratar do assunto foi o Decreto-lei 7.036/1944, que reconheceu a companheira como beneficiária da indenização no caso de acidente de trabalho de que foi vítima o companheiro, lei que ainda é aplicada na prática. Posteriormente, a jurisprudência passou a reconhecer direitos aos conviventes, tratados, antes da Constituição Federal de 1988, como concubinos. (TARTUCE, 2014, p. 287-288).
Outra novidade em relação às desigualdades e desvantagens da união
estável em favor do matrimônio foi receber pequena modificação a partir da criação
jurisprudencial no século XX, fato este considerado um grande marco com a
publicação da Súmula nº 380 do STF. A qual estabelece que sendo comprovada a
existência de sociedade de fato entre os concubinos, será cabível a dissolução
judicial com relação à partilha do patrimônio adquirido em esforço comum, sendo
que o conteúdo da súmula, posteriormente foi tratado em legislações esparsas e
consequentemente o tema foi tratado pela Constituição Federal de 1.988.
(NICOLAU, 2015, p. 7).
41
Nesse momento, conforme ensina Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 417),
referido dispositivo jurisprudencial passa a reconhecer a sociedade de fato entre os
companheiros, assim sendo, a companheira deixa de ser prestadora de serviços
com direito apenas a indenização, para ser considerada “sócia” na relação
concubinária, e dispor do direito da partilha do patrimônio adquirido em comum,
evitando o enriquecimento injustificado.
Nesse sentido, em relação à trajetória que a união estável percorreu até os
dias atuais, o doutrinador Venosa traz brilhante disposição:
O fato é que a família é um fenômeno social preexistente ao casamento, um fato natural. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento como regra de conduta. A partir daí surge a problemática da união conjugal sem casamento. De qualquer forma, durante muito tempo nosso legislador viu no casamento a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à união livre, mais ou menos estável, traduzindo essa posição em nosso Código Civil do século passado. Essa posição dogmática, em um país no qual largo percentual da população é historicamente formado de uniões sem casamento, persistiu por tantas décadas em razão de inescondível posição e influência da Igreja Católica. Coube por isso à doutrina, a partir da metade do século XX, tecer posições em favor dos direitos dos concubinos, preparando terreno para a jurisprudência e para a alteração legislativa. Com isso, por longo período, os tribunais passaram a reconhecer direitos aos concubinos na esfera obrigacional. Advirta-se, de início, que, contemplada a terminologia união estável e companheiros na legislação mais recente, a nova legislação colocou os termos concubinato e concubinos na posição de uniões de segunda classe, ou aquelas para as quais há impedimentos para o casamento. Isso fica muito claro no vigente Código Civil quando, no art. 1.727 descreve: “As relações não eventuais entre homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”. Trata-se do outrora denominado concubinato impuro. Concubinato apresenta o sentido etimológico de comunhão de leito: cum (com) cubare (dormir). (VENOSA, 2017, p. 37).
Nota-se, portanto, que as uniões livres passaram por distintas fases até
alcançar a posição que atualmente se encontra, sendo elas, da rejeição e ausência
de tutela, a tolerância no âmbito previdenciário, posteriormente a aceitação como
fato social possuindo apenas natureza obrigacional, para só então falar em
reconhecimento e valorização, e assim ser chamada de união estável pela
Constituição Federal de 1.988.
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3.1.3 Família homoafetiva
Embora ainda vítima de discriminação e repúdio social, a família homoafetiva
que decorre da união de pessoas do mesmo sexo com o objetivo de constituir uma
família, é um claro exemplo da constante evolução do direito de família.
Este tema é causa de certa resistência por parte de uma sociedade
conservadora e moralista, assim como a união estável foi discriminada por grande
parte da sociedade, não seria diferente com a homoafetividade.
Para o reconhecimento da família homoafetiva como núcleo familiar, tanto o
legislador quanto a sociedade, tiveram que se abster de suas posições pessoais e
religiosas que supostamente determinavam um padrão moralmente recomendável
para se viver. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 476).
O caminho percorrido por essa entidade familiar não foi dos mais fáceis,
principalmente devido à intolerância da Igreja e do Estado, como observa Dias
(2017, p. 286), o legislador com medo de desagradar a sociedade, preferia se
manter inerte em relação a aprovação de leis à conceder direitos as uniões
homossexuais, sendo elas marginalizadas e excluídas do sistema judiciário,
contudo, a ausência de leis não significa inexistência de direito.
Foi com a Constituição Federal de 1988 em seu art. 226 que o conceito de
entidade familiar foi ampliado, reconhecendo a existência de outras formas de
relações afetivas além do tradicional matrimônio.
Devido ao vinculo afetivo existente nessas relações, as uniões homoafetivas,
merecem tratamento igualitário e tutela constitucional. E essa proteção encontra-se
elencada no art. 5º da Constituição Federal, a qual dispõe que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Nesse sentido Dias entende que:
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Diante das garantias constitucionais, impositiva a inclusão de todos os cidadãos sob o manto da tutela jurídica. A constitucionalização da família implica assegurar proteção ao indivíduo e suas estruturas de convívio, independentemente de sua orientação sexual. Ainda que não haja expressa referência às uniões homoafetivas, não há como deixá-las fora do atual conceito de família. Passando duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo a manter relação duradoura, pública e contínua, como se casadas fossem, formam um núcleo familiar, independentemente do sexo a que pertencem. A única diferença que essa convivência guarda com a união estável entre um homem e uma mulher é a inexistência da possibilidade de gerar filhos. Tal circunstância, por óbvio, não serve de fundamento para qualquer diferenciação, por não ser requisito para o reconhecimento da entidade familiar. (DIAS, 2017, p. 287).
Contudo, foi no dia 05 de Maio de 2011, que o Supremo Tribunal Federal, por
meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, quebrou todos os
paradigmas e barreiras existentes, para finalmente reconhecer as uniões
homoafetivas como entidade familiar, e a legalização da união estável entre esses
casais.
Importante destacar o brilhante voto do Ministro Luiz Fux proferido na ADI n.º
4.227/DF:
Pois bem. O que distinguem do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas? Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros, como integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: Nada as distinguem [...] Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e união (estável) homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como entidade familiar. Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família, merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos. [...] Não há qualquer argumento razoável que ampare a diferenciação ou a exclusão das uniões homoafetivas do conceito constitucional de família. (STF, ADI. nº 4.227/ DF Relator Ministro Ayres Britto, julgado em 05 de maio de 2011, publicado em 14 de outubro de 2011).
Após essa decisão, a jurisprudência começou a admitir a conversão da união
estável homoafetiva em casamento. Conforme ensina Dias (2017, p. 290), o
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Superior Tribunal de Justiça deferiu a habilitação direta para o casamento
homoafetivo, e a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
proibiu qualquer forma de recusa por partes das autoridades competentes, em
habilitar a celebração do casamento civil ou a conversão de união estável em
casamento.
Portanto, resta claro o esforço que o Judiciário tem tido, ao trabalhar a favor
da igualdade jurídica entre as novas entidades familiares que surgem a todo tempo,
ao reconhecer a igualdade das uniões entre pessoas do mesmo sexo, sem admitir
qualquer tipo de diferenciação, possibilitando que os entes destas relações exerçam
seus direitos como qualquer outra família, por isso, não cabe mais a sociedade
julgar e sim respeitar a opção do outro.
3.1.4 Família monoparental
A família monoparental é aquela constituída pela presença de apenas um dos
pais como titular do vínculo familiar. (DIAS, 2017, p. 307).
A Constituição Federal de 1.988, em seu art. 226, § 4º, ampliou o conceito de
família e estabeleceu a proteção do estado à entidade familiar formada por qualquer
dos pais e seus descendentes.
Como se sabe, o modelo de família patriarcal foi superado, ocorreu à inserção
da mulher no mercado de trabalho e a legalidade do divórcio ocasionou grandes
mudanças na estrutura familiar. (DIAS, 2017, p. 307).
Essa modalidade familiar constituída por um dos pais e sua prole existe há
muito tempo, mas somente agora ganhou tamanha visibilidade. A predominância
mais frequente na nossa realidade social é a de famílias constituídas principalmente
por mulheres e seus descendentes, e isso ocorre por diversos fatores.
Em relação a seu surgimento ensina Dias que:
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A monoparentalidade tem origem na viuvez, quando da morte de um dos genitores. A adoção por pessoa solteira também faz surgir um vínculo monoparental entre adotante e adotado. A inseminação artificial levada a efeito por mulher solteira ou a fecundação homóloga a que se submete a viúva após a morte do marido são outros exemplos. Na separação de fato, de corpos ou no divórcio dos pais, não se pode falar em família monoparental. Afinal, o fim da conjugabilidade não elimina os laços de parentalidade. (DIAS, 2017, p. 309).
Contudo, leciona Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 512), que no tocante
ao momento de sua constituição há duas formas de classificação doutrinaria,
podendo a família monoparental ser dividida em originária ou superveniente.
A família monoparental originária é a entidade familiar constituída por uma
mulher solteira, e decorre de múltiplos fatores, desde a gravidez independente ou
abandono do parceiro, ou ainda, pela “reprodução independente” e até mesmo a
adoção. A família monoparental superveniente é constituída pela ruptura do núcleo
parental originário, seja pela morte ou pela a separação de fato ou divórcio, tendo
essa divisão apenas caráter didático. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p.
512).
Sendo assim, a tutela jurídica e o reconhecimento da família monoparental
foram de suma importância para o direito de família, ao passo que, a família
socialmente discriminada passa a ser prestigiada constitucionalmente. (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2013, p. 513).
3.1.5 Família parental ou anaparental
Essa modalidade de entidade familiar se caracteriza pela convivência de
pessoas unidas pelos laços de parentesco entre si, estando ausente neste caso a
figura dos genitores, ou entre pessoas sem vínculo algum de parentalidade.
Contudo, essa entidade familiar também pode ser conceituada, com a finalidade de
união de esforços em conjunto para a formação de um patrimônio. (DIAS, 2017, p.
154).
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Assim, como ocorre em outras modalidades familiares, o elemento principal
que a rege é o afeto, e convenhamos, não poderia deixar de ser.
A família parental tem como uma das características o vínculo do parentesco,
e é a mais frequente, como observa Dias (2017, p.154), sendo um exemplo simples
dessa entidade familiar, o convívio entre duas irmãs, que unem esforços para a
formação de um patrimônio em comum.
Por se tratar de uma entidade familiar que ainda não é reconhecida pelo
legislador constituinte, talvez pela dificuldade de enumerar todas as conformações
familiares existentes, defende Dias (2017, p. 154) que ao ganhar o reconhecimento
de entidade familiar, e devido à característica de esforço em comum patrimonial
existente, essas relações deveriam também ser reconhecidas como uma sociedade
de fato, ainda que inexista qualquer conotação sexual, pois a mera convivência gera
a comunhão de esforços, devendo assim ser aplicado por analogia, às normas que
tratam o casamento e a união estável.
Conclui-se que embora essa modalidade de entidade familiar ainda não tenha
ganhado o devido reconhecimento no direito de família, ela existe e faz parte de
nossa realidade social, e quanto à característica patrimonial em comum, essas
devem ser tratadas de maneira cautelosa para evitar meras injustiças.
3.1.6 Família composta, pluriparental ou mosaico
Essa entidade familiar tem como característica a multiplicidade de vínculos,
sendo a que mais possui denominações, como por exemplo, família recomposta,
reconstruída, composta, pluriparental ou mosaico, até mesmo ensambladas
expressão em voga na Argentina, a qual se refere a uma estrutura familiar
ocasionada pela união de fato de um casal e sua eventual prole. (DIAS, 2017, p.
155).
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A multiplicidade de vínculos decorre da situação de convívio dessa conjuntura
familiar, na qual um ou ambos dos seus membros participantes, possuem filhos de
relações afetivas anteriores, e assim, se unem com o propósito de formar um novo
núcleo familiar. (DIAS, 2017, p. 155).
Neste sentido ensina Santos que:
Não raro, as pessoas descasadas unem-se a outras também descasadas, dando origem a um novo núcleo familiar. Não raro, também, essas pessoas trazem para a nova união os filhos provenientes de uniões anteriores, os quais estabelecem uma diversidade de relacionamento com o padrasto, a madrasta e com os filhos destes. (SANTOS, 2011, p. 231).
Embora ainda não haja o reconhecimento expresso como entidade familiar,
dispõe Dias (2017, p. 155 - 156) que é equivocada a tendência de classificar como
monoparental essa nova relação, tendo em vista que, o novo vínculo afetivo formado
não extingue o vínculo monoparental anterior entre o genitor e seus descendentes,
como bem dispõe o art. 1.579, parágrafo único, do Código Civil, o divórcio não irá
modificar os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.
Contudo, a legislação atual já reconhece a tutela dos participantes dessa
modalidade familiar, possibilitando a adoção unilateral pelo companheiro ou cônjuge
do genitor, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 41, § 1º,
e no mesmo sentido, a Lei nº 11.924/09 que tratou da possibilidade do enteado
acrescentar o nome do padrasto ao teu, sem que com isso, gerasse a exclusão do
poder familiar do pai biológico.
Sendo assim, é nítido que a admissão de direitos a família mosaico ainda são
limitados, embora seja frequente que as pessoas no exercício de sua liberdade
individual, busquem a realização de sua felicidade em um novo núcleo familiar, o
qual neste, pouco importa a sua ligação biológica, pois o que predomina nessa nova
formação familiar é o afeto entre todos os envolvidos.
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3.1.7 Família eudemonista
Diferentemente daquele modelo tradicional de família, o qual era formado pelo
matrimônio, onde sequer existia espaço para a liberdade de escolha e o que
predominava era o conservadorismo na sociedade, se encontra a família
eudemonista, que tem como principal marca a família baseada no afeto, a liberdade
de escolha e a busca individual da felicidade e realização de todos seus membros.
(DIAS, 2017, p. 158).
Para melhor compreensão sobre eudemonismo ensina Dias que:
A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade enseja o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. As relações afetivas são elementos constitutivos dos vínculos interpessoais. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira de as pessoas se converterem em seres socialmente úteis. Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome: família eudemonista, que busca a felicidade individual, por meio da emancipação de seus membros. (DIAS, 2017, p.158).
Com os novos formatos contemporâneos das famílias, não há dúvidas que a
maior transformação que ocorre atualmente no ramo do direito de família, é o
reconhecimento da existência do afeto nas relações.
A presença da afetividade e da liberdade de escolha pode ser considerada
como a resposta do crescente surgimento da pluralidade familiar atual.
Contudo, se o eudemonismo trata-se da busca da felicidade pelo individuo,
onde o que predomina é a afirmação da sua liberdade, resta claro que, atualmente
não há mais espaço para qualquer tipo de conduta a ser estabelecido, nem padrões
a serem impostos pela sociedade ou Estado.
Assim sendo, cabe somente ao Estado conforme dispõe o art. 226, § 8º da
Constituição Federal, o dever de tutelar e assegurar a assistência à família, na
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pessoa de cada indivíduo, e não mais na família como um todo na vã tentativa de
manipulá-la ou moldá-la como bem entender.
3.1.8 Família poliafetiva
A família poliafetiva certamente é a que mais se difere de todas as outras
conformações familiares, e foge totalmente dos padrões monogâmicos e tradicionais
até então estabelecidos.
E isso se deve pela forma que a sua estrutura familiar é formada, melhor
dizendo, pelo número de integrantes envolvidos nessa espécie de relação, motivo
pelo qual é alvo de discriminações religiosas e sociais, e consequentemente do
silêncio do legislador. (DIAS, 2017, p. 153).
O poliamorismo ou poliamor, como uma nova realidade social vem ganhando
cada vez mais espaço, seja na sociedade ou no Direito, neste sentido, entende
Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 463) que o poliamorismo começa a se revelar
para o Direito, tendo como característica a coexistência de duas ou mais relações
afetivas paralelas, onde os seus integrantes se conhecem e se aceitam uns aos
outros, configurando assim uma relação múltipla e aberta.
A união poliafetiva é formada por uma única entidade familiar, onde todos os
seus integrantes habitam sob o mesmo teto, sendo ela pública, continua e
duradoura, enfim, encontrando-se presentes nessa união todas as características de
um casamento, contudo, o que não existe certamente é a proteção legal para esses
indivíduos e seu devido reconhecimento.
Nesse sentido brilhante se faz os ensinamentos de Dias:
Essas uniões sempre foram inviabilizadas. Não aceitas pela sociedade e nem contempladas no sistema jurídico. Por isso, ter uma tabeliã elaborado escritura pública declaratória de união poliafetiva de um homem com duas mulheres, repercutiu como uma bomba. Foi considerada por muitos como
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nula, inexistente, além de indecente, é claro. E acabou rotulada como verdadeira afronta à moral e aos bons costumes. A partir desta, seguiram-se outras, o que ensejou a recomendação do CNJ, para que os tabeliões se abstivessem de lavrá-las, até a matéria ser regulamentada. Eventual rejeição de ordem moral ou religiosa à dupla conjugalidade não pode gerar proveito indevido ou enriquecimento injustificável de um ou de mais de um frente aos outros partícipes da união. Negar a existência de famílias poliafetivas como entidades familiares é simplesmente impor a exclusão de todos os direitos no âmbito do direito das famílias e sucessório. (DIAS, 2017, p. 300).
Diante da constante evolução social, da crescente modificação das estruturas
familiares, da liberdade de escolha que cada indivíduo possui para buscar a sua
felicidade onde quer que ela esteja ou independentemente do arranjo familiar em
que ela se encontre, é preciso que se compreenda a realidade e aceite como tal, de
forma respeitosa de uma vez por todas.
Em resumo, não cabe ao Estado nem a sociedade conservadorista impor
padrões e impedir que os indivíduos escolham o seu modo de viver. “Não havendo
prejuízo a ninguém, de todo descabido negar o direito de as pessoas viverem como
quiserem e da forma que desejarem”. (DIAS, 2017, p. 301).
3.1.9 Famílias simultâneas ou paralelas
As famílias simultâneas ou paralelas como seu próprio nome indica, recebem
essa denominação pela existência concomitante de mais de uma entidade familiar.
Embora de início possa aparentar alguma semelhança com a entidade
familiar tratada anteriormente, devido à quantidade de indivíduos envolvidos nesta
relação, a família simultânea ou paralela se distingue consideravelmente da família
poliafetiva. Sendo que, o surgimento da família simultânea em sua grande maioria
ocorre porque o homem é quem opta em manter duas entidades familiares distintas,
tendo elas todas as características legais, na qual cada família possui sua própria
residência, porém, nem sempre possuem o conhecimento da existência uma das
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outras. Já as famílias poliafetivas tratam-se, de uma única entidade familiar onde
todos se conhecem e se aceitam, e assim habitam sobre o mesmo teto. (DIAS,
2017, p.153).
Essa entidade familiar é mais frequente do que se possa imaginar, são
inúmeros os casos de famílias simultâneas ou paralelas, e não se engane ao pensar
que ela estaria livre de todo o preconceito e repúdio social, como é de costume
sofrer todas aquelas relações que fogem do modelo tradicional e cristão
estabelecido.
Em sua realidade, as famílias simultâneas ou paralelas são tidas como
imorais, ilegais, vergonhosas e são sempre identificadas por expressões pejorativas,
como “o concubinato, chamado de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé e
até concubinagem, é alvo de repúdio social, legal e judicial”. (DIAS, 2017, p. 294).
Diante de tanta aversão e questionamentos relacionados ao tema,
especialmente por afrontar o dever de fidelidade, Gagliano e Pamplona Filho faz
intrigante indagação:
Você seria capaz de amar duas pessoas ao mesmo tempo? Essa indagação, quando nos referimos ao amor que une os casais, costuma surpreender o interlocutor, o qual, por vezes, culmina por tentar buscar – ainda que em breve (e quase imperceptível) esforço de memória, em sua história de vida, na infância ou na adolescência, algum fato caracterizador dessa complexa “duplicidade de afeto”. Pondo um pouco de lado o aspecto eminentemente moral que permeia o tema, é forçoso convir que a infidelidade e os amores paralelos fazem parte da trajetória da própria humanidade, acompanhando de perto a história do casamento. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 461).
Como sabemos as relações paralelas existem e em grande escala no nosso
país, contudo, a nossa legislação se mantém alheia quanto a sua regularização, com
forçoso empenho de negar-lhes a existência.
Entretanto é quando ocorre o fim desses arranjos ou a morte do companheiro,
que essas questões vêm à tona e batem à porta do judiciário, ocasionando assim
posicionamentos progressivamente divergentes, tanto na doutrina quanto na
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jurisprudência nacional acerca do referido tema. Alguns juristas são firmes ao
utilizar-se de infindáveis justificadas a fim de negar efeitos jurídicos a essas
conformações familiares, já outros entendem haver a existência dos deveres
familiares no tocante as duas famílias.
A única certeza quanto ao assunto é a presença de certa conduta punitiva do
Estado em relação à concubina, e a intrigante desconsideração da participação e
responsabilidade do companheiro já casado na relação concubinária.
Nesse sentido ensina Coelho:
No direito brasileiro, a relação monogâmica ainda é essencial a configuração do vinculo de conjugalidade. Ninguém pode manter simultaneamente dois casamentos, um casamento e uma união estável, nem duas uniões estáveis. Essa é a lei. Mas na vida, há homens e mulheres, pertencentes às diversas camadas sociais, que não dão tanta importância assim à exclusividade sexual. Essas pessoas se ligam em relações não monogâmicas simultâneas e, apesar do que peremptoriamente afirma a lei, formam famílias.
Quando nenhum dos parceiros está sendo enganado, isto é, todos têm pleno conhecimento da inexistência da exclusividade sexual e partilha da ideologia de questionamento da monogamia, a cada núcleo familiar de que participam corresponderá uma união livre. Se, porém, houver alguém sendo enganado, está-se diante de figura bem diversa, a da união estável putativa. (COELHO, 2012, p. 114 - 115).
Ora veja, se o ser humano é livre e dotado de capacidades, intelectuais e de
escolhas, descabida é a intenção do Estado de impor limites ou padrões familiares,
uma vez que, as pessoas tendem a buscar à sua felicidade por caminhos diversos
daqueles moralmente admitidos.
Resta ao legislador conservadorista aceitar que as relações familiares surgem
independentemente de reconhecimento ou não da lei, o que esta fora do alcance é à
vã tentativa e equivocada por sinal, de controle sobre a forma de constituição
familiar. Cabe ao Estado apenas reconhecer as mudanças sofridas na configuração
da entidade familiar, e oferecer-lhes o tratamento e a proteção que lhes são de
direito.
53
Em suma, é nítido que uns dos maiores obstáculos são as preconcepções de
ordem cultural que envolve o assunto, que por vezes, deixa de analisar os aspectos
técnicos e evolutivos da nossa sociedade.
É necessário que tenhamos consciência da constante mutação que sofre a
nossa sociedade, devemos analisar cautelosamente os padrões comportamentais
das relações de afeto nas famílias, como uma realidade existente que envolve
pessoas e sentimentos, tanto o princípio da afetividade, bem como a questão da
monogamia enquanto suposto princípio, posto que é uma nota característica de
nosso sistema, a fidelidade traduzida a um padrão valorativo absoluto, esquecendo
da tutela do Direito de Família a ambas as relações.
Neste sentido vejamos a brilhante afirmação de Dias:
A corrente mais conservadora, invocando o princípio monogâmico – que princípio não é – e os deveres de lealdade e fidelidade, nega a possibilidade de concessão de qualquer direito a nenhum dos parceiros. A legislação tem se mostrado incapaz de acompanhar a evolução, a velocidade e a complexidade dos demais modelos de núcleos familiares. Só existe a união legal (CC 1.727). A quem quer negar efeitos jurídicos, justificativas não faltam. A alegação é de que a distinção entre concubinato adulterino e união estável busca manter coerência com o preceito ordenador da monogamia. Mas como bem observa Carlos Eduardo do Ruzyk, a monogamia não é um princípio do direito estatal da família, mas uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela prévia do Estado. No entanto, descabe realizar um juízo prévio e geral de reprovabilidade contra formações conjugais plurais não constituídas sob a égide legal. Isso não significa, porém, que alguém que constitua famílias simultâneas, por meio de múltiplas conjugalidades, esteja, de antemão, alheio a qualquer eficácia jurídica. Principalmente, quando a pluralidade é pública e ostensiva, e ambas as famílias se mantêm íntegras, a simultaneidade não é desleal. O que afronta a ética e infringe o princípio da boa-fé é ignorar a existência dos deveres familiares perante ambas as famílias. (DIAS, 2017, p. 295).
As mudanças referentes ao surgimento de novos modelos de famílias, apesar
de sofrerem demasiada resistência e incontáveis discriminações, trazem
consequências tangíveis ao mundo jurídico, que por não serem tratadas e
regulamentadas causam grandes divergências nas mais diversas áreas do Direito.
54
3.2 A imposição dos deveres aos cônjuges e companheiros
Estabelecidos na forma dos artigos 1.566 e 1.724 ambos do Código Civil, o
Estado se vê na liberdade de atribuir obrigações e impor regras nas relações
pessoais dos casais, muito embora o tema devesse ser apenas do interesse do
indivíduo.
Com a realização do casamento ou da união estável, nascem direitos e
deveres recíprocos para os cônjuges e para os companheiros, e só se encerram
com o fim do relacionamento ou a morte.
Os deveres conjugais estabelecidos pelo artigo 1.566 do Código Civil são:
dever recíproco de fidelidade, de vida em comum no domicílio conjugal, salvo
justificadas exceções, a mútua assistência, o sustento, o dever de guarda e
educação dos filhos e, por fim, o dever de respeito e consideração mútuos.
(MADALENO, 2016, p. 288).
Assim, como ocorre o surgimento de deveres aos cônjuges com a realização
do casamento, o mesmo acontece para os companheiros com a realização da união
estável.
Os deveres impostos às relações pessoais entre companheiros estão
dispostos no artigo 1.724 do Código Civil, a saber: dever de lealdade, de respeito e
assistência, de guarda, sustendo e educação dos filhos.
Para se estabelecer as diferenças encontradas nos deveres que o legislador
impõe a essas duas conformações familiares, será realizada uma breve comparação
entre os principais deveres, os quais são a fidelidade e a lealdade no âmbito familiar.
A fidelidade e a lealdade são os primeiros a serem estabelecidos pelos artigos
1.566, inciso I, e 1.724 ambos do Código Civil.
A imposição da fidelidade enquanto dever aos cônjuges justifica-se pela vã
tentativa de impedir os relacionamentos extraconjugais e manter preservado o
caráter monogâmico do casamento.
55
Para a doutrinadora Dias (2017, p. 186), a fidelidade somente se tornou lei
jurídica, ou seja, um dos deveres do matrimônio, porque o impulso a infidelidade
existe, sendo necessário estabelecer certas limitações e proibições aos desejos que
envolvem as relações pessoais.
Neste sentido afirma Dias:
O dever de fidelidade é uma norma social, estrutural e moral, mas, apesar de constar entre os deveres do casamento, sua transgressão não mais admite punição, nem na esfera civil, nem na criminal. Com o fim do instituto da separação, perdeu completamente o sentido sua imposição como dever do casamento. Visando a desestimular a infidelidade, ainda é consagrada como crime a bigamia (CP 235), que torna imperativa a anulação do casamento (CC 1.521 VI). É anulável a doação feita pelo cônjuge adúltero a seu cúmplice (CC 550 e 1.642 V). (DIAS, 2017, p. 187).
Contudo, devido às razões de moralidade, da elevação do dever de fidelidade
recíproca, e a imposição aos casais a sua observância, tal dever possui um caráter
um tanto quanto contraditório, visto que, contraria o princípio da intervenção mínima
no Direito de Família. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 289 – 290).
No entanto, já quanto à imposição do dever de lealdade aos companheiros
temos dois entendimentos doutrinários distintos.
No entendimento de Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 288), a lealdade
possui a qualidade de caráter, e consequentemente um comprometimento mais
amplo e profundo, não apenas a exclusividade sexual e afetiva característica esta da
fidelidade, mas também moral e espiritual entre os parceiros.
Quanto ao ponto de vista do dever de lealdade para Dias (2017, p. 265 - 266),
o questionamento é sobre as razões que levaram o legislador a ter utilizado termos
distintos em relação aos deveres dos casais, o termo lealdade para os
companheiros substituindo ao de fidelidade. Ao impor o dever de lealdade entende-
se que inexiste a essa entidade a obrigação de ser fiel, nada impedindo assim o
reconhecimento de vínculos simultâneos, e ainda, nem mesmo a vida no domicílio
conjugal foi estabelecida aos companheiros como foi feito com os cônjuges no inciso
56
II do artigo 1.566 do Código Civil, entendendo-se, assim, que não é necessário a
coabitação para a configuração da união estável.
Observa-se ainda que, o legislador utilizou-se de critérios diversos ao
estabelecer os deveres destinados a essas duas entidades familiares.
Foram impostos aos companheiros no artigo 1.724 do Código Civil, apenas os
deveres de lealdade, respeito e assistência, já para os cônjuges o artigo 1.566 e
incisos do Código Civil, estabeleceu ao casamento os deveres de fidelidade
recíproca, vida no domicílio conjugal e mútua assistência, tendo as entidades
familiares de semelhanças, a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos
apenas. (DIAS, 2017, p. 265).
Diante do caráter extremamente privado e íntimo em que se dá a formação do
núcleo familiar, questionam-se, mormente, os reais fundamentos que levam o
Estado a ainda interferir na vida privada das famílias, estabelecendo regras de
condutas que julgam ser eficazes para a obtenção da felicidade e satisfação pessoal
dos indivíduos, sob o engessado argumento da monogamia.
Ora, atentemos ao fato de que a sociedade transmuta em ritmo incessante, as
famílias se distanciam cada vez mais de padrões fixados e mudam suas estruturas
livremente, bem como, seus valores e a forma de se relacionar, contudo, audaciosas
são as pretensões do legislador pátrio, em acreditar piamente na possibilidade de
manipulação dos sentimentos e desejos inerentes aos indivíduos, esquecendo-se,
que a busca incessante da felicidade pessoal faz com que o indivíduo estabeleça
suas próprias regras.
57
4 RELAÇÕES PARALELAS DE AFETO, CONCUBINATO E O DIREITO DA
AMANTE
Referido tema é certamente responsável por gerar tamanha estranheza e
desconforto para a grande maioria das pessoas, uma vez que, tradicionalmente
somos educados a seguir certos preceitos morais e padrões sociais desde cedo
estabelecidos.
Sendo assim, tudo aquilo que é evidentemente oposto a moralidade e aos
bons costumes, tende a ser discriminado e menosprezado, tanto pela sociedade,
pela religiosidade das pessoas, bem como, pelo Estado, o qual parece acreditar que
ao ignorar a tutela jurídica a essas disparidades, a sua existência simplesmente se
extinguirá.
Ademais, é certo sabermos que as relações simultâneas e paralelas de afeto
na linguagem popular chamadas de “puladas de cercas”, existem e em todos os
lugares imagináveis, não só no nosso país, muito embora a sua aceitação seja
reprovável devido ao esperado ideal de fidelidade nas relações familiares.
Contudo, é decorrente da conduta infiel de um dos indivíduos na relação
afetiva, que nasce a possibilidade de vir a ocasionar o surgimento de direitos ao
terceiro indivíduo envolvido.
E é exatamente quando o ânimo inicial dessas esporádicas relações se
modifica e passam a ser frequentes, no sentido de perdurarem durante os anos, se
tornando pública sem qualquer sinal de clandestinidade, tendo presentes o afeto e a
intenção de constituição de família, e um dos participantes já possua uma entidade
familiar formada que ocorre a dualidade familiar, núcleos distintos e concomitantes,
daí o grande problema a ser enfrentado pela nossa legislação.
Assim, vejamos que o presente tema nos faz levantar infindáveis
questionamentos acerca do Direito de Família, pois, não seria ele afinal o
responsável por reconhecer devidamente e de maneira expressa o surgimento das
58
novas entidades familiares, assim como o fez, com a união estável e a
homoafetividade há pouco tempo atrás.
A negação de normas à existência dessas relações causa sem sombra de
dúvidas grandes injustiças, mesmo porque, ainda que paralelas, elas existem e
recebem várias denominações sendo algumas de caráter pejorativo, como “amante”,
ou ainda, concubinato impuro, famílias simultâneas e paralelas, e em alguns casos
dependendo do desconhecimento da pessoa envolvida, configuram o chamado
casamento putativo ou ainda a união estável putativa.
Diante disso, já é esperado que essa realidade inevitavelmente seja
causadora de consequências nas várias esferas jurídicas, podendo ser, patrimoniais,
familiar, sucessórias, além das emocionais causadas nos indivíduos envolvidos, seja
pela aceitação da existência de outra família, ou ainda, pelo completo
desconhecimento da mesma.
Portanto, caberia ao legislador tutelar juridicamente essas conformações no
sentido de fazer as adequações a ambas às famílias de modo objetivo, assegurando
proteção e estabelecendo deveres e sanções, ou este deveria continuar apenas
protegendo a primeira família na clara tentativa de preservação do ideal de
monogamia e dos patrões familiares tradicionais?
Certamente, esse assunto é causador de divergentes entendimentos e
posições tanto no âmbito jurídico quanto na sociedade, o qual será tratado mais
adiante.
4.1 O concubinato atual e sua breve evolução histórico-jurídica
Antes de abordarmos o tratamento legal que o concubinato recebe
atualmente, necessário se faz analisarmos a palavra concubinato.
A palavra concubinato entre os leigos não indica apenas uma forma de vida
ou de estar vivendo com outra pessoa, a ela é relacionada motivo de deboche e
59
relação desonesta, motivo pelo qual essa palavra é sempre evitada por muitas
pessoas e principalmente por aqueles que estão inseridos nesta forma de vida,
preferindo utilizar-se de expressões como “morar ou viver juntos” ou até “amigados”.
(PEREIRA, 2016).
Sobre a origem da palavra concubinato leciona Azevedo:
Ao partirmos do conceito etimológico da palavra concubinato, temos que ela descende do vocábulo latino concubinatus, us, que, então, já significava mancebia, amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo, is, ubui, ubitum, ere ou concubo, as, bui, itum, are (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama. Também, apresenta-se esse vocábulo com dois sentidos: amplo e lato, a significar toda e qualquer união sexual livre; e o estrito, a mostrar-se como união duradoura, a formar a sociedade doméstica de fato, na qual são importantes o ânimo societário (affectio societatis) e a lealdade concubinária. (AZEVEDO, 2011, p. 161).
Conforme já mencionado no presente trabalho, sabemos que o concubinato
era a denominação destinada às uniões livres, também chamadas de uniões de fato,
que ocorriam entre homens e mulheres, os quais se encontravam impedidos de
constituir uma relação familiar devido ao matrimônio já contraído por uma ou ambas
as partes e a inexistência na época da possibilidade de separação.
A união livre se diferenciava do casamento, especialmente pela liberdade que
os envolvidos possuíam em descumprir os deveres de um casamento, ou mesmo,
de rompê-lo a qualquer momento independente de sua duração, sem que ao menos,
fosse garantido o direito de indenização pela ruptura ao concubino abandonado.
(GONÇALVES, 2017, p. 610).
Posteriormente, na tentativa de impedir novas injustiças causadas pela
ruptura da ligação more uxório, de caráter duradouro, foi dado pela justiça o
reconhecimento a existência de uma sociedade de fato, sendo os companheiros
equiparados a sócios, evitando assim que os bens adquiridos durante a união
ficassem apenas com um dos envolvidos. Esse entendimento resultou na Súmula
380 do STF, a qual dispõe que comprovada à existência da sociedade de fato entre
60
os concubinos, é cabível a dissolução judicial com relação à partilha do patrimônio
adquirido em esforço comum. Evitava-se com isso o enriquecimento injustificado das
partes, em prejuízo, geralmente da mulher, a qual nenhum outro direito sequer era
concedido, nem a titulo de alimentos e muito menos sucessório. (DIAS, 2017, p.
254).
Desse modo, diante do reconhecimento legal apenas destinado as relações
familiares matrimonializadas, o concomitante aumento da incidência de uniões livres
no âmbito social e a ausência de normas regulamentadoras, não restaram
alternativas ao legislador senão ao reconhecê-las, alargando-se assim o conceito de
família.
No entanto, foi a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, § 3º que
reconheceu a união estável como entidade familiar, afastando de vez o caráter
discriminatório da lei, garantindo a proteção do Estado, e retirando o caráter
clandestino que o concubinato se encontrava, passando a ser redirecionado a um
regime de absoluta legalidade. (RODRIGUES, 2008, p. 258).
Por conseguinte, com a substituição da denominação concubinato pela
expressão união estável adotada pela Constituição Federal, ocorreu à mudança do
significado da palavra concubinato, o qual tomou outro sentido e passou a se referir
apenas à relação que se dá concomitantemente com outra união conjugal.
Ademais, o concubinato podia ser classificado em puro e concubinato impuro,
caracterizados pela à ausência ou presença de impedimentos matrimoniais dos
concubinos. (MADALENO, 2016, p. 1697).
Assim, observe que, o concubinato puro se caracteriza pela união constante e
duradoura entre homem e mulher desimpedidos, isto é, não estando comprometidos
por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária, mas vivendo como se
casados fossem, constituindo uma família, sendo assim, configuraria a união estável
ou concubinato puro a união de indivíduos solteiros, viúvos, separados
extrajudicialmente, judicialmente ou de fato. (DINIZ, 2010, p. 394).
Todavia, o concubinato impuro diverge consideravelmente da união estável,
uma vez que, tem como característica as relações não eventuais onde um ou ambos
61
os amantes estão impedidos legalmente de contrair novo matrimônio, devido à
presença de caráter adulterino, quando o homem ou a mulher encontram-se
impedidos de se casar; ou incestuoso decorrente da união de pessoas pertencentes
da mesma família, ou ainda, por já possuírem uma relação conjugal com outrem.
(DINIZ, 2010, p. 395).
Contudo, embora atualmente o concubinato puro tenha sido reconhecido
como entidade familiar e tenha adquirido a tutela legal com a denominação de união
estável, o mesmo não ocorreu com o concubinato impuro, denominado agora
simplesmente de concubinato.
Conforme leciona Pereira (2016), o concubinato não deixou de existir, ele
ainda ocorre como relações paralelas às relações oficiais, fazendo com que a
história do concubinato ainda seja contada como uma história carregada de
libertinagem, onde infelizmente, automaticamente as pessoas acabam por fazer a
ligação de “concubina” à prostituta, à mulher devassa, a que se deita com vários
homens, ou até mesmo, a amante, a outra, nesse sentido, é infindável as
denominações pejorativas a ela imputadas.
Resta claro que, o instituto do concubinato certamente é um dos temas mais
relacionados à negação de tutela no ordenamento jurídico.
A inescondível tentativa de não atribuir a estes a existência de direitos e
deveres no âmbito de suas relações pessoais, bem como, o seu devido
reconhecimento jurídico diante de uma realidade constante na sociedade, são
responsáveis por causar as mais variadas injustiças e discriminações, visto que, a
comunhão de vida faz surgir efeitos e consequências que necessitam de qualquer
forma de normatização jurídica.
Neste contexto, apesar da incontestável maioria de “nãos” existentes, insta
avaliar cuidadosamente tal questão, assim como, analisar o atual posicionamento do
ordenamento jurídico brasileiro sobre o concubinato como relação simultânea de
afeto e o tratamento legal a ele destinado.
62
4.1.1 O concubinato e a atual legislação brasileira
O concubinato atualmente encontra-se disciplinado pelo Código Civil de 2002,
em seu artigo 1.727, o qual estabelece que nas relações não eventuais entre
homem e mulher, onde um ou ambos estejam impedidos de se casar, constituíra o
concubinato.
Ao analisar referido artigo, é notório o cuidado que o legislador civilista
prestou ao utilizar a expressão “relações não eventuais”, indicando que o
concubinato rememora a união estável, contudo, logo não demorou a estabelecer a
distinção entre eles ao fazer uso da expressão “impedidos de casar”, já que,
somente é viável ao instituto da união estável a realização da conversão em
casamento.
Ademais, para a configuração do concubinato deve se atentar ao fato de que,
pelo menos um dos integrantes envolvidos necessariamente se encontre impedido
de constituir nova família concomitante com aquela que já é pertencente.
Importante observar que o Código Civil ao abordar o instituto do concubinato
opta por apenas conceituá-lo, permanecendo estático ao que se referem às
consequências jurídicas. Todavia, o concubinato percorre o mesmo árido caminho
das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais enfrentado pela união estável
quanto à sua natureza familiar. Sendo assim, restaram por entender que o artigo
1.727 do Código Civil é norma de exclusão, se referindo ao concubinato apenas
para vedar-lhes direitos, e o mesmo ocorre nos artigos 550 e 1.642, V, ambos do
Código Civil, os quais prevêem a anulação de doação do cônjuge adúltero ao seu
cúmplice, podendo ser anulada pelo cônjuge ou pelos herdeiros necessários,
interditando direitos como de herdeiro ou legatário do testador casado, conforme
artigo 1.801, do Código Civil. (LÔBO, 2017, p. 185 - 186).
Nota-se que, o tratamento destinado ao concubinato é demasiadamente
deficiente e imparcial, a realidade esmagadora de casos concubinários que chegam
ao Judiciário e suas conseguintes decisões divergentes, só servem para destacar
ainda mais a repressão a essa conformação familiar, optam por punir as escolhas
63
pessoais dos indivíduos, esquecendo que estes são dotados de direitos e dignidade
humana, a fim de sacralizar a imposição cultural do modelo tradicionalista de família.
Assim, parece estar o legislador disposto a relutar incansavelmente pela
exclusão de normas, mesmo diante da implacável velocidade das mudanças e dos
valores sofridos por nossa sociedade.
Neste sentido leciona Dias:
O vocábulo concubinato carrega consigo o estigma do preconceito. Historicamente, sempre traduziu relação escusa e pecaminosa, quase uma depreciação moral. No Código Civil (1.727) é utilizado com a preocupação de diferenciar o concubinato da união estável. Mas a referência não é feliz. Certamente, a intenção era estabelecer uma distinção entre a união estável e família simultânea (chamada doutrinariamente de concubinato adulterino), mas para isso faltou coragem ao legislador. A norma restou incoerente e contraditória. Parece dizer – mas não diz – que as relações paralelas não constituem união estável. A tais relações é que faz referência a lei ao autorizar a anulação de doações (CC 550 e 1.642 V), suspender o encargo alimentar (CC 1.708) e impedir a possibilidade de “o concubino do testador casado” ser nomeado herdeiro ou legatário (CC 1.801 III). Pelo jeito, a pretensão é deixar as uniões “espúrias” fora de qualquer reconhecimento e alijadas de direitos. Não há sequer remissão ao direito das obrigações, para que seja feita analogia com a sociedade de fato. Nitidamente punitiva a postura da lei, pois condena à invisibilidade e nega proteção jurídica às relações que desaprova, sem atentar que tal exclusão pode gerar severas injustiças, dando margem ao enriquecimento ilícito de um dos parceiros, certamente do homem. (DIAS, 2017, p. 259).
Conforme observado, prevalece o entendimento que o concubinato não é
reconhecido como entidade familiar, e sim configurado como uma sociedade de fato,
gerando efeitos apenas na esfera do direito das obrigações aos concubinos, essa
posição encontra-se alocada na Súmula 380 do Superior Tribunal Federal.
Destarte, como já abordado no presente trabalho, a referida Súmula 380 do
STF, foi elaborada em 1964, a qual dispõe que na comprovação da sociedade de
fato entre os concubinos, é cabível a dissolução judicial, com a partilha do
patrimônio que foi adquirido em comum, tentativa essa encontrada para diminuir as
injustiças econômicas e patrimoniais sofridas pela concubina e conseqüente
enriquecimento ilícito.
64
É indefensável que o concubinato adulterino seja considerado como uma
sociedade de fato, como observa Rodrigues (2008, p. 193), sendo que essa
denominação o desloca do campo do direito das famílias e o faz ingressar no âmbito
do direito das obrigações, sendo contemplado pela área do direito societário.
Sendo assim, atentamos ao fato de que a criação da Súmula 380 do STF, não
era destinada aos casos de concubinato impuro, mas tinha em si, o propósito de
proteger as uniões livres, também chamadas de concubinato puro que eram
existentes na época, as quais hoje são reconhecidas como união estável.
Neste sentido afirma Lôbo:
Esta equiparação, que transforma os companheiros/concubinos em sócios de atividade econômica lucrativa, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, que não se atenua com os argumentos encontradiços em várias decisões de que não se trataria de monetarização de afeto, mas de aplicação dos princípios de solidariedade e de vedação do enriquecimento sem causa. (LÔBO, 2017, p. 182).
Assim, devido à ausência de normas regulamentadoras atualmente
destinadas ao instituto do concubinato, e a demanda cada vez mais crescente de
casos entre concubinos, faz com que os Tribunais ainda se utilizem de uma súmula
de mais de 50 anos, tornando-se notório a ínfima ou quase inexistente importância
destinada a essa espécie de relação familiar.
Essa atual abstenção de normas jurídicas e exclusão de direitos destinados
as relações de concubinato adulterino, se devem a uma corrente mais conservadora
a qual, segundo afirma Dias (2017, p. 295), o princípio monogâmico, que nem
princípio é, juntamente com os deveres de lealdade e fidelidade, negam a chance de
outorga de direitos. Neste sentido, a quem prefere negar direitos, justificativas não
faltam, e uma delas certamente é o preceito ordenador da monogamia, contudo, não
é um princípio de direito estatal, mas apenas uma restrição as múltiplas relações
matrimonializadas, constituídas sob a aprovação do Estado. Sendo assim, é
descabido o julgamento e a reprovação das famílias simultâneas ou plurais quando
65
essas são públicas, o que ofende a ética e o princípio da boa-fé são as incansáveis
exclusões de direitos a ambas as famílias.
No mesmo sentido leciona Lôbo:
Além dos princípios fundamentais e gerais, há princípios específicos no âmbito do direito de família, aplicáveis a situações determinadas. Por exemplo, o princípio da monogamia, presente na cultura judaico-cristã, não é mais geral, em virtude do fim da exclusividade da família matrimonial, no direito brasileiro. Persiste como princípio específico aplicável à entidade familiar constituída pelo casamento. Todavia, até mesmo em relação ao casamento, esse princípio tem sido atenuado pelos fatos da vida, na medida em que o direito brasileiro tem admitido efeitos de família ao concubinato; exemplo é o art. 1.708 do Código Civil, que estabelece a extinção do dever de prestar alimentos se o credor constituir concubinato com outra pessoa. (LÔBO, 2017, p. 52).
Segundo Pereira (2016) “quando falamos em monogamia estamos nos
referindo a um modo de organização da família conjugal”.
Temos em nosso país a idéia de monogamia como fonte mantedora da
organização jurídica, o que justifica a necessidade que haja certas proibições e
limites aos indivíduos. Com isso, a causa de infidelidade tornou-se de interesse do
Estado visto que esse oferece proteção às famílias. Contudo, as regras deveriam ser
estabelecidas entre as partes, na liberdade da relação do casal, sem a imposição de
regras de conduta do Estado. Neste sentido, não há como negar que questões à
respeito do limite de intervenção entre o público e privado no âmbito familiar
necessitam de ponderação e bom senso. (PEREIRA, 2016).
4.2 As divergentes decisões proferidas pelos tribunais, ante o reconhecimento
das famílias concubinárias
O concubinato é certamente um dos institutos mais injustiçados pelo Direito
Brasileiro, sendo a ele destinadas apenas normas de exclusão, e isso se deve, por
66
ser considerada uma relação familiar destoante do conceito sacralizado de família e
dos princípios conjugais instituídos.
Evidencia-se, que o julgamento absoluto por parte da sociedade e a inércia da
legislação a respeito das relações concubinárias se dão atreladas a discriminações e
repulsas sociais, os quais se baseiam em valores morais tradicionalistas, e acabam
por impingir a uma relação familiar que ainda não possui o reconhecimento devido, à
associação a imoralidade pessoal, ilicitude de conduta, carregada de atos
atentatórios aos preceitos éticos e legais estabelecidos.
Sabemos que, os casos de concubinato configuram uma realidade social de
incalculáveis proporções no nosso país, a essa conformação familiar carente de
previsão legal resta apenas à sorte diante do bem querer do julgador, e esse fato é
causador de divergentes decisões dos tribunais e grandiosas injustiças.
Assim, antes de abordarmos os atuais posicionamentos dos Tribunais
vejamos algumas modalidades classificatórias de concubinato.
Diante da dificuldade de decisões assertivas e pontuais a doutrina tenta
estabelecer duas situações, assim, o concubinato adulterino passa a ser dividido em
duas espécies, quais são, o concubinato adulterino puro ou de boa-fé e o
concubinato adulterino impuro ou de má-fé.
Neste sentido, pontual ensinamento de Dias:
A tendência, ainda, é somente reconhecer direitos à mulher se ela alegar que não sabia da infidelidade do parceiro. Isto é, para ser amparada pelo direito precisa valer-se de uma inverdade, pois se confessar que desconfiava ou sabia da traição recebe um solene: bem feito! Quem mandou se meter com homem casado! Essa solução, à primeira vista, parece prestigiar a boa-fé de quem diz ter sido enganado. No entanto, só é exigida a boa-fé de um dos integrantes do “triângulo amoroso”: da “outra”. Condenada por cumplicidade, ela é punida pelo adultério que foi cometido por ele. A esposa saber do relacionamento do marido não tem qualquer significado. Ela continua privilegiada. Já ao homem que foi infiel, desleal a duas mulheres, é “absolvido”. Nada lhe é imposto. Permanece com a titularidade patrimonial, além de desonerado da obrigação de sustento para com quem lhe dedicou a vida. Assim, uniões que persistem por toda uma existência, muitas vezes com extensa prole e reconhecimento social, são simplesmente expulsas da tutela jurídica.
67
Perquirir a boa ou má-fé é tarefa complexa, além de haver o perigo de se cair no puro subjetivismo. A linha, a fronteira a partir de onde a boa-fé passa a ser má é por demais tênue, podendo ser praticamente invisível, inalcançável, imperceptível. (DIAS, 2017, p. 296).
Atentamos que, o ponto diferenciador existente entre elas é o fato da mulher
possuir ou não o conhecimento de que seu parceiro mantém uma relação
concomitante com outrem. Nesse sentido, somente quando a mulher age de boa-fé
e afirma desconhecer tal situação do seu par, é que se admite o reconhecimento da
união estável, e neste caso configurando a união estável putativa. Contudo, se a
mulher afirmar ter conhecimento da duplicidade de relacionamentos, entende-se a
configuração da má-fé e o vínculo é tido como inexistente, e assim em alguns
julgados podendo remeter ao direito obrigacional, onde o caso configuraria a apenas
uma sociedade de fato.
Esse vem sendo o entendimento da maioria, assim leciona Azevedo:
É de ver-se que o primeiro, concubinato puro ou concubinato, simplesmente, deve merecer, por parte do Estado, completa proteção e regulamentação legal; já o segundo, concubinato impuro ou concubinagem, não deve merecer apoio dos órgãos públicos e, mesmo, da sociedade. Entendemos, ainda, que deste não deve surtir efeito, a não ser o concubino de boa-fé, como acontece, analogamente, com o casamento putativo, e para evitar-se locupletamento ilícito. (AZEVEDO, 2011, p. 165).
Contudo, resta perceptível a dificuldade de enfrentamento desse tema e a
existência de divergências até mesmo no âmbito doutrinário.
Ante o exposto, passamos a analisar os julgados do Superior Tribunal de
Justiça e do Supremo Tribunal de Federal, no tocante ao reconhecimento das uniões
simultâneas e paralelas como união estável.
Neste sentido, observa-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
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EMENTA: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO CONCOMITANTE. DEVER DE FIDELIDADE. INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. AUSÊNCIA. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1º E 2º DA LEI 9.278/96.1. [...] 2. Discussão relativa ao reconhecimento de união estável quando não observado o dever de fidelidade pelo de cujus, que mantinha outro relacionamento estável com terceira. 3. Embora não seja expressamente na legislação pertinente, como requisito para a configuração da união estável, a fidelidade está ínsita ao próprio dever de respeito e lealdade entre os companheiros. 4. A análise dos requisitos para a configuração da união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio soccietatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, e também a fidelidade. 5. Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade – que integra o conceito de lealdade e respeito mútuo – para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. 6. Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade. 7. Na hipótese, a recorrente não logrou êxito em demonstrar, nos termos da legislação vigente, a existência da união estável com o recorrido, podendo, no entanto, pleitear em processo próprio, o reconhecimento de uma eventual uma sociedade de fato entre eles. 8. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 1.348.458/MG, 2012/0070910-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data do julgamento: 08/05/2014, T3 –TERCEIRA TURMA, Data da Publicação: DJe 25/06/2014).
Como analisado os operadores do direito relutam em assentir quaisquer
efeitos jurídicos as relações simultâneas tidas como concubinárias.
No mesmo sentido, o julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal:
COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina. (STF - RE: 397762 BA, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 03/06/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: "caDJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-03 PP-00611 RDDP n. 69, 2008, p. 149-162 RSJADV mar., 2009, p. 48-58).
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É nítida a resistência por parte dos tribunais, em reconhecer a configuração
da união estável nos casos em que há relações simultâneas concubinárias, e essa
inflexibilidade é, mormente justificada nas decisões judiciais, através do proferimento
da inobservância dos deveres conjugais, os quais, a fidelidade, a lealdade, bem
como a mútua assistência, são nesses momentos colocados em um patamar
elevadíssimo de perfeição conjugal, como se fossem uma receita invalível,
impossível de dar errado. Os operadores do direito, quase faltam estabelecer que
todos os indivíduos devam viver em um conto de fadas, ignorando as adversidades
da vida e o fato que a infidelidade existe, e gera consequências, ou até filhos e na
grande maioria dos casos, uma segunda entidade familiar desafortunada de tutela
legal.
Mera abstração daqueles que são responsáveis em aplicar o direito, deixar de
reconhecer as diversidades familiares decorrentes da atual realidade fática, pois,
vivenciamos as transformações sociais e elas ocorrem de maneira frenética, bem
como, as mudanças de valores pessoais que saltam aos olhos, não tendo assim,
como negá-las a existência.
Destarte, passemos a analisar o julgado do Tribunal de Justiça do Maranhão:
DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL PÓS MORTE. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL CONCOMITANTES. SEPARAÇÃO DE FATO NÃO COMPROVADA. UNIÃO ESTÁVEL CONFIGURADA. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. FAMÍLIAS PARALELAS. FENÔMENO FREQUENTE. PROTEÇÃO ESTATAL. REFORMA DA SENTENÇA. APELAÇÃO PROVIDA. I - O reconhecimento da união estável exige demonstração de convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família, bem como que inexistam impedimentos à constituição dessa relação. Inteligência dos artigos 1.723 e 1.726 do Código Civil. II - No caso sob análise, tem-se que o de cujus, mesmo não estando separado de fato da esposa, manteve união estável com a apelante por mais de 15 (quinze) anos, o que caracteriza a família paralela, fenômeno de frequência significativa na realidade brasileira. O não reconhecimento de seus efeitos jurídicos traz como consequências severas injustiças. IV - O Des. Lourival Serejo pondera: "Se o nosso Código Civil optou por desconhecer uma realidade que se apresenta reiteradamente, a justiça precisa ter sensibilidade suficiente para encontrar uma resposta satisfatória a quem clama por sua intervenção." V – O comando sentencial deve ser reformado para o fim de reconhecer a união estável. VI - Apelação provida, contrariando o parecer ministerial. (TJ-MA - APL: 0000632015 MA 0049950-05.2012.8.10.0001,
70
Relator: MARCELO CARVALHO SILVA, Data de Julgamento: 26/05/2015, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/06/2015).
Conforme demonstrado, nos tribunais reinam as controvérsias devido à
demanda reiterada de casos concubinários existentes no nosso país, a falta de
legislação pertinente e o seu possível reconhecimento como entidade familiar,
causam tremendas disparidades, contudo, restou aos Tribunais de Justiça a árdua
missão de enfrentá-los, e são deles os julgados proferidos que mais se aproximam
a equidade, concedendo direitos até então destinados apenas às famílias
constitucionalizadas.
Desse modo, haja vista ser fundamental que a concubinagem seja
reconhecida como realidade familiar na sociedade, proporcionando assim, a efetiva
abrangência de arranjos familiares ainda não elencados expressamente pelo
ordenamento jurídico pátrio, mas indubitavelmente presentes na realidade social e
de inegáveis consequências jurídicas.
4.2.1 A concubina e o possível alcance nas demais esferas do direito
Como cediço, as decisões dos tribunais negam a qualidade de entidade
familiar ao concubinato adulterino, bem como, tendem a não dar o reconhecimento
de união estável, pouco importando a duração dessas relações, sua publicidade ou
prole. Destarte, as soluções desses conflitos dependem do caso concreto
identificado, os tribunais utilizam-se ainda da Súmula 380 do STF como
fundamento e deslocamento das relações simultâneas e paralelas a uma qualidade
meramente obrigacional, ou ainda, não restando provas do esforço em comum,
quiçá poderão vir ser indenizadas pelos serviços prestados. (LÔBO, 2017, p. 183).
Essas, no entanto, foram às saídas iniciais encontradas pelo o ordenamento
jurídico pátrio, a fim de oferecer ínfima tutela à concubina, restou por retirar o
caráter da afetividade do relacionamento em que estava inserida, para atribuir a
uma sociedade de fato, visando lucro, como se fosse possível quantificar o valor do
71
afeto nas relações. Não sendo suficientes tamanhas discrepâncias, a concubina é
equiparada a uma mera prestadora de serviços, ridicularizando e diminuindo a
mulher, a qual não tem outra alternativa senão aceitar essas inverdades.
Em consonância, leciona Pereira (2000), que os tribunais sempre permitiram
as mulheres, em sua grande maioria fossem indenizadas pelos serviços prestados
ao homem, configurando contradições e até mesmo uma imoralidade, pois quais
serviços poderiam ser esses, e se assim fosse verdade não deveriam buscar a
devida reparação na Justiça do Trabalho? Por conseguinte, a indenização
pressupõe a ocorrência de danos e questionam-se quais seriam esses, desde
modo, se segue a formação da jurisprudência, carregada de contradições e
moralismos.
Por essas e tantas outras razões já pontuadas, os julgamentos proferidos
pelos operadores do direito têm sido cada vez mais divergentes, sendo eles
dotados de liberdades, assim acabam por abranger vários direitos, tais como,
patrimoniais, alimentícios e previdenciários.
Sob aludida concepção, importante analisar os direitos que já foram
concedidos às relações concubinárias, bem como, o pequeno avanço que vem
sendo dado pelas decisões proferidas sobre referidos temas.
Ante a possibilidade de percepção de alimentos à concubina, observemos o
ensinamento de Pereira (2016), o qual afirma que a obrigação alimentar decorre de
um dever ético, de assistência e socorro, destinados aos vínculos familiares,
conjugais ou parentais. Por ser um direito fundamental à vida e tutelar os interesse
familiares, a obrigação jurídica de prestação alimentícia tem caráter de ordem
pública e publicística, resultante do interesse estatal na mantença da sobrevivência
das famílias, sendo fundados em princípios de solidariedade humana.
Neste sentido o posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul:
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APELAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. RECONHECIMENTO. PARTILHA. "TRIAÇÃO". ALIMENTOS PARA EX-COMPANHEIRA E PARA O FILHO COMUM. Viável reconhecer união estável paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. Caso em que restou cabalmente demonstrada a existência de união estável entre as partes, consubstanciada em contrato particular assinado pelos companheiros e por 03 testemunhas; e ratificada pela existência de filho comum, por inúmeras fotografias do casal junto ao longo dos anos, por bilhetes e mensagens trocadas, por existência de patrimônio e [...]. (TJ-RS - AC: 70039284542 RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 23/12/2010, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11/01/2011).
Pelo exposto, os alimentos por possuírem caráter de ordem publicística e
não somente particulares, podem, a depender de a situação fática possibilitar a
percepção de alimentos àquela relação simultânea que possuía relacionamento
com características semelhantes às relações conjugais constitucionalizadas. No
entanto, referido julgado acima, o qual reconhece o direito alimentício representa
apenas mera exceção, diante de vastos casos que batem a porta do Judiciário sem
lograr êxito algum.
Conquanto, é inegável que com o rompimento da relação concubinária
resulte no desamparo da concubina e eventual prole, gerando dificuldades para a
mantença da subsistência familiar sem a contribuição do concubino. Assim,
descabido é negar-lhes direitos alimentícios deixando de tratar a questão com o
devido cuidado, sem que prejudique o núcleo familiar paralelo sob a ultrapassada
justificativa de preceitos morais e tradicionalistas.
Defronte as possibilidades de direitos, alguns tribunais diante de situações
peculiares reconhecem direitos apenas de percepção patrimoniais,
Nesse sentido, tem-se o posicionamento do Tribunal de Justiça de
Pernambuco:
DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS. RECONHECIMENTO. PARTILHA DE BENS. TRIAÇÃO. 1. Estando demonstrada, no plano dos fatos, a coexistência de duas relações afetivas públicas, duradouras e contínuas, mantidas com a finalidade de constituir família, é devido o seu reconhecimento jurídico à conta de uniões estáveis, sob pena de negar a ambas a proteção do direito. 2. Ausentes os
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impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil, a caracterização da união estável paralela como concubinato somente decorreria da aplicação analógica do art. 1.727 da mesma lei, o que implicaria ofensa ao postulado hermenêutico que veda o emprego da analogia para a restrição de direitos. 3. Os princípios do moderno direito de família, alicerçados na Constituição de 1988, consagram uma noção ampliativa e inclusiva da entidade familiar, que se caracteriza, diante do arcabouço normativo constitucional, como o lócus institucional para a concretização de direitos fundamentais. Entendimento do STF na análise das uniões homoafetivas (ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ). 4. Numa democracia pluralista, o sistema jurídico-positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares cultivadas no meio social, abstendo-se de, pela defesa de um conceito restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no campo afetivo. 5. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o companheiro. Meação que se transmuda em "triação", pela simultaneidade das relações. 6. Precedentes do TJDF e do TJRS. (TJ-PE - APL: 2968625 PE, Relator: José Fernandes, Data de Julgamento: 13/11/2013, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/11/2013).
Verifica-se a pontualidade da aplicação do direito no julgado acima
transcrito, pois perante a dificuldade de estabelecer a prevalência em casos de
relações simultâneas, na existência de bens adquiridos onerosamente devem estes
ser amealhados durante o período da coexistência das relações, em três partes
iguais, ocorrendo a triação dos bens, expressão cada vez mais frequentemente
utilizada pela jurisprudência. (DIAS, 2017, p. 303).
Portanto, mesmo diante da quantidade impressionante de julgadores que
ainda optam pelo tratamento discriminatório, ao não assegurar as demandas
concubinárias os direitos inerentes às demais entidades familiares, essa posição
atualmente atravessa uma mudança, ainda que, tímido reconhecimento das
conseqüências jurídicas e quiçá possível reconhecimento do concubinato como
entidade familiar.
Assim, leciona Madaleno (2017, p. 67), que a presença do afeto faz com que
os atuais julgamentos autorizem o sacrifício dos bens da esposa, mesmo que com
ela possua filhos e nunca tenha se afastado. Contudo, isso se dá, pois se conclui
que a mulher e concubina aceitaram a relação nesses moldes, o que torna a
relação com a concubina ate então considerada furtiva e adulterina, em uma
relação estável de conhecimentos de todos os envolvidos, o que torna justo que a
concubina seja colocada no mesmo patamar que se encontra a esposa.
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Ainda abordando os direitos que vem sendo asseguradas às relações de
concubinato, estão os direitos previdenciários e a pensão por morte.
Nesse sentido, vejamos o posicionamento do julgado do Supremo Tribunal
Federal:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCUBINATO DE LONGA DURAÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. RE 669.465-RG. DEVOLUÇÃO DO FEITO AO TRIBUNAL DE ORIGEM (ART. 328, PARÁGRAFO ÚNICO, DO RISTF). Decisão: O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da controvérsia sub examine, em que se discute, à luz do artigo 226, § 3º, da Carta da Republica, à possibilidade de reconhecer direitos previdenciários àquele que, durante determinado período de tempo e com aparência familiar, manteve união com pessoa casada, nos autos do RE 669.465-RG, de minha relatoria, Plenário Virtual, Tema 526, DJe de 16/10/2012. A decisão restou assim da: “PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. EFEITOS PARA FINS DA PROTEÇÃO DO ESTADO À QUE ALUDE O ARTIGO 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.” O Tribunal de origem ao apreciar o feito, manteve a sentença, por seus próprios fundamentos, a qual consignou: "Diante das provas material e oral produzidas tanto na esfera administrativa, quanto na judicial, entendo que restou demonstrado que o Sr. Gervásio continuava casado com a Sra. Clarice e, ao mesmo tempo, manteve união estável com a Sra. Neusa, não sendo possível descaracterizar nenhum dos vínculos maritais alegados pela demandante e pela ré Neusa De fato, basta confrontar os depoimentos prestados para concluir que o de cujus convivia com ambas, com intuito de manter a família em que inserido inicialmente (com a demandante), e formar nova família com a ré Neusa. [...] Por tais razões, tenho que a melhor forma de aplicação da justiça no caso em análise é a divisão da pensão entre a esposa, a companheira e o filho menor [...]. (STF - ARE: 850957 SC, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 26/11/2014, Data de Publicação: DJe-235 DIVULG 28/11/2014 PUBLIC 01/12/2014).
Resta verificado, que os tribunais reconhecem a possibilidade de percepção
de pensão por morte à favor da concubina e viúva, desde que comprovado que são
economicamente dependentes do de cujus.
Embora, estamos diante de ínfimos casos de reconhecimento de tal direito,
as situações de coexistência simultâneas de famílias do segurado e a concessão
do benefício ainda geram grande impasse nas decisões proferidas pelos tribunais,
e a justificativa é que para a percepção do benefício previdenciário devem ser
atendidos os requisitos da união estável.
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Contudo, o direito previdenciário possui caráter econômico e alimentar, o
qual apresenta interpretação própria e por muitas vezes divergentes com o Código
Civil, pois a principal finalidade do ramo previdenciário é a garantia de subsistência
de seus beneficiários, e se o segurado é provedor econômico de famílias
concomitantes, com o advento da morte, não resta a previdência social fazer o
exame de qualquer distinção entre viúva e concubina, assim ocorrerá a
possibilidade de rateio do benefício entre ambas as mulheres. (MADALENO, 2017,
p. 1716).
Resta claro, que a ausência de normas ao instituto do concubinato
adulterino traz enormes embaraços ao judiciário, vez que, as disparidades dos
entendimentos faz com que mulheres enfrentem tremendas injustiças devido sua
condição de concubina, são elas vítimas da completa desvalorização de sua
dignidade humana, restando apenas a sua conjuntura familiar a imputação de
caráter depreciativo no âmbito social. Assim, são raros os casos em que os
operadores do direito pátrio se arriscam em asseguram direitos fundamentais à
concubina e eventual prole.
Conquanto, isso se dá, pois, a ausência de leis vem sendo confundida com
ausência de direitos, beneficiando somente aquele que escolheu constituir duas
famílias concomitantes, ou ainda a esposa, que foi conivente com a situação por
longa data, desta forma, acreditamos que ambas deveriam ter todos os direitos
agasalhados e a proteção assegurada pela Constituição Federal, respeitando a
dignidade humana e demais direitos fundamentais, afastando qualquer tipo de
moralismo anacrônico e discriminações que são impingidos em pleno século XXI
ao concubinato adulterino na sociedade.
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5 CONCLUSÃO
Certamente, o concubinato adulterino trata-se, de um tema causador de
grandes desconfortos, seja pessoal, social e até mesmo ao judiciário, uma vez que,
as relações paralelas e simultâneas são automaticamente vinculadas a prática de
atitudes desonestas, desrespeitosas e de libertinagem.
Sabemos que, o concubinato adulterino não configura fato novo, ao passo
que, sempre esteve presente na história da humanidade acompanhando de forma
concomitante outra relação conjugal.
A Constituição Federal é a responsável por instituir a forma da família
brasileira, sendo assim, apenas reconhecia como família legítima aquela advinda do
matrimônio sacralizado, desta maneira, todas as outras formas de conjunturas
familiares eram deixadas a esmo.
Destarte, com o advento da Costituição Federal de 1988, houve uma grande
reviravolta no âmbito familiar, o casamento perde a característica de exclusividade e
passa ser uma opção aos casais, e isso se deu devido ao reconhecimento da união
estável e das famílias monoparentais como entidades familiares.
Diante das constantes mudanças sofridas pela sociedade, o legislador pátrio
tenta, ainda que, esforçadamente acompanhá-las sem qualquer sinal de sucesso, a
velocidade que se alteram e surgem novos valores, bem como, a queda dos padrões
anteriormente estabelecidos, não são mais considerados motivo de grande impacto
na sociedade, visto que, o normal atualmente é ser diferente.
Assim, parece ser infundado os motivos que levam a resistência em torno do
reconhecimento das famílias concubinárias, ao passo que, ainda são tidas como
uma verdadeira afronta as famílias constitucionalizadas, justamente no século que
mais se fala em reconhecimento da liberdade, da igualdade e da afetividade como
princípio norteador das relações interpessoais, ainda assim, nos deparamos com
exclusões injustificáveis.
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Atente-se ao fato de que, para todos aqueles que são contra ao
reconhecimento do núcleo familiar formado por concubinos, ou ainda, coniventes a
mera ausência de direitos, não lhes faltam argumentos, justificativas e institutos
jurídicos para tanto, contudo, o que não se pode admitir é a omissão de legislação
pertinente ser utilizada com a finalidade de provocar as mais variadas injustiças
sociais.
A discrepância na aplicabilidade dos direitos fundamentais, aos casos
concretos de mulheres que buscam por socorro judicial nos tribunais é
estarrecedora. A grande totalidade dos operadores do direito se utiliza de
anacronismos e prejulgamentos pessoais, sem ao menos conferir a concubina, o
respeito à dignidade humana a ela inerente. Funda-se, portanto, o entendimento de
punição às mulheres, que por diversos motivos que não cabem ao caso, se
permitem figurar em uma relação dualista, estando cientes ou não da existência de
outra família simultânea e paralela a sua, escolhem aceitar viver em um longo
período de tempo nestas condições, vivem nos moldes de qualquer outra relação
conjugal, estruturam seus lares de forma pública, e conseguinte manutenção da
prole de ambas famílias.
No entanto, vale destacar que, ao homem concubino que “foi infiel”, depois de
anos de convívio ao decidir abandonar a concubina, se vê livre de qualquer tipo de
responsabilidade, uma vez que, a ausência de proteção jurídica a essas famílias
devido a inescondível discriminação as relações simultâneas, não são outorgados
quaisquer direitos à mulher, sendo uma omissão beneficiadora apenas ao homem.
Importante ressaltar, que o instituto do concubinato abrange em si, todos os
requisitos que estruturam a formação da união estável. Todavia, por se tratar de
uma questão problemática e de constantes reprovações, ainda não são disciplinadas
pelo Direito de Família com o devido cuidado, e nem mesmo reconhecidas como
entidade familiar, assim, de longe são destinados ao tema ínfimas normas de
exclusão.
É notável, a urgência de que a atual legislação pátria, bem como, o
posicionamento jurisprudencial majoritário, realize pontualmente o saneamento
destas lacunas, visto que, o concubinato é uma questão corriqueira de demandas no
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judiciário, e estas estão longe de ser apreciadas de maneira equitativa pelos
operadores do direito.
De tal forma, verificada a constituição de duas famílias que possuem entre si
o mesmo membro em comum, inconsequente é a falta de sensibilidade e
observância do órgão julgador, ao ignorar que as consequências dessas longas
relações irão reverberar no âmbito jurídico.
As jurisprudências dos tribunais de justiça, bem como, os tribunais superiores
ainda destoam na uniformidade dos entendimentos que são proferidos, tão quanto,
sobre os efeitos jurídicos pertinentes as relações concubinárias. Não raro,
apresentam decisões que conferem apenas um, dos mais variados direitos
pertinentes à relação, ou optam por não agasalhar nenhum direito. Ainda assim,
verificamos que a passos lentos, a justiça caminha em busca da tão esperada
equidade nas relações concubinárias, como foram demonstrados no presente
trabalho, os pequenos avanços percorridos pela concubina nos tribunais.
Contudo, ainda é assustador de que a negativa ao reconhecimento de
entidade familiar e do caráter depreciativo imposto pela própria legislação na
sociedade, são devido às reiteradas decisões que em sua grande maioria optam por
excluir os direitos à concubina, e assim, satisfazem em diminuí-la em nome de
princípios morais, negando a sua condição humana direitos de sua própria natureza.
Partindo dessa premissa, os direitos excluídos atingem várias esferas, sendo
ínfimos os casos de julgados em que os reconhecem a favor da concubina, assim,
tais como, direitos patrimoniais, os quais, apenas poderá concorrer se comprovado o
esforço em comum na formação do acervo patrimonial; direitos alimentícios, quando
impossibilitada de manter a subsistência própria e dos eventuais filhos; direito ao
benefício de pensão por morte, neste concorrendo acirradamente com a esposa; e
por fim, negar o direito ao reconhecimento de união estável, aqui lhe negando
direitos decorrentes da união concubinária duradoura e conseguinte direito
sucessório da prole em comum, impingindo tratamento desigual aos filhos tidos fora
da relação conjugal, denominados como filhos concubinários, configurando
verdadeiro retrocesso aos direitos já adquiridos.
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Irrefutável, afirmar que o bem jurídico que deveria ser protegido acima de tudo
pelos operadores do direito, seria a vida, em destoante percepção da realidade,
prefere enveredar em caminhos arcaicos em pleno século XXI, a fim de, sacrificar
direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e refutar uma estrutura familiar
existente. E assim, impingir caráter tão discriminatório e repudiante a mulher e sua
família, para reverberar imperiosamente aos quatro cantos do mundo, a proteção
aos deveres conjugais e ao princípio monogâmico, que conforme já exposto, nem
mesmo princípio é.
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REFERÊNCIAS
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