s u m Á r i o ficha técnica - ordem dos médicose enquanto, no continente, se mantém uma medida...

28
26 Secção Regional do Centro promove viagens turísticas O emprego por Carlos Costa Almeida 29 Algumas recordações da minha juventude médica por Pedro Pimenta Jacinto 30 Os exames de Saúde em Medicina do Trabalho – as doenças infecciosas por António José Vilar Queirós Miguel Torga, a liberdade humana da voz aberta ao mundo 6 TSF – Na Ordem do Dia Distritos Médicos – tomadas de posse 12 Madeira: independência e coerência, duas referências permanentes 14 Comunicado sobre visita da OM a serviço de urgência 16 Açores: tomada de posse em tempo de mudanças 17 Entrevista com Eduardo Pacheco: «Açores devem ter um papel activo no planeamento da formação» 20 Reunião entre médicos 22 Daniel Serrão: homenagem no dia em que completou oito décadas HISTÓRIAS D HISTÓRIAS D HISTÓRIAS D HISTÓRIAS D HISTÓRIAS DA HISTÓRIA A HISTÓRIA A HISTÓRIA A HISTÓRIA A HISTÓRIA 34 ACTU CTU CTU CTU CTUALID ALID ALID ALID ALIDADE ADE ADE ADE ADE 8 EDIT EDIT EDIT EDIT EDITORIAL ORIAL ORIAL ORIAL ORIAL 4 S U M Á R I O Ano 24 – N.º 88 – Março 2008 PROPRIEDADE: Centro Editor Livreiro da Ordem dos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda. SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa Tel.: 218 427 100 Redacção, Produção e Serviços de Publicidade: Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa E-mail: [email protected] Tel.: 218 437 750 – Fax: 218 437 751 Director: Pedro Nunes Directores-Adjuntos: José Manuel Silva Isabel Caixeiro Directora Executiva: Paula Fortunato E-mail: [email protected] Redactores Principais: José Ávila Costa, João de Deus e Paula Fortunato Secretariado: Miguel Reis Dep. Comercial: Helena Pereira Dep. Financeiro: Maria João Pacheco Dep. Gráfico: CELOM Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, S.A. Av.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide Depósito Legal: 7421/85 Preço Avulso: 1,60 Euros Periodicidade: Mensal Tiragem: 38.000 exemplares (11 números anuais) Isento de registo no ICS nos termos do nº 1, alínea a do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99 Nota da redacção: Os artigos de opinião e outros artigos assinados são da inteira responsabilidade dos autores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos. Médicos Ordem dos Ficha Técnica Ficha Técnica OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO 28 REVISTA

Upload: others

Post on 29-Aug-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

26 Secção Regional doCentro promove viagensturísticas

O empregopor Carlos Costa Almeida

29 Algumas recordações daminha juventude médicapor Pedro Pimenta Jacinto

30 Os exames de Saúde emMedicina do Trabalho– as doenças infecciosaspor António José VilarQueirós

Miguel Torga, a liberdadehumana da voz abertaao mundo

6 TSF – Na Ordem do Dia

Distritos Médicos– tomadas de posse

12 Madeira: independênciae coerência, duasreferências permanentes

14 Comunicado sobre visitada OM a serviço deurgência

16 Açores: tomada de posseem tempo de mudanças

17 Entrevista com EduardoPacheco: «Açores devemter um papel activono planeamentoda formação»

20 Reunião entre médicos

22 Daniel Serrão:homenagem no dia emque completou oitodécadas

HISTÓRIAS DHISTÓRIAS DHISTÓRIAS DHISTÓRIAS DHISTÓRIAS DA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIA34

AAAAACTUCTUCTUCTUCTUALIDALIDALIDALIDALIDADEADEADEADEADE8

EDITEDITEDITEDITEDITORIALORIALORIALORIALORIAL4

S U M Á R I O

Ano 24 – N.º 88 – Março 2008

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordemdos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 1511749-084 Lisboa • Tel.: 218 427 100

Redacção, Produçãoe Serviços de Publicidade:

Av. Almirante Gago Coutinho, 1511749-084 Lisboa

E-mail: [email protected].: 218 437 750 – Fax: 218 437 751

Director:Pedro Nunes

Directores-Adjuntos:José Manuel SilvaIsabel Caixeiro

Directora Executiva:Paula Fortunato

E-mail: [email protected]

Redactores Principais:José Ávila Costa,

João de Deus e Paula Fortunato

Secretariado:Miguel Reis

Dep. Comercial:Helena Pereira

Dep. Financeiro:Maria João Pacheco

Dep. Gráfico:CELOM

Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, S. A.Av.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide

Depósito Legal: 7421/85Preço Avulso: 1,60 Euros

Periodicidade: MensalTiragem: 38.000 exemplares

(11 números anuais)Isento de registo no ICS nos termos do nº 1, alíneaa do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99

Nota da redacção: Os artigos de opinião e outros artigos assinados são da inteira responsabilidade dosautores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos.

MédicosOrdem dos

Ficha TécnicaFicha Técnica

OPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃO28

REV

IST

A

Page 2: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

4 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

E D I T O R I A L

Portugal é um país de burocracia, oimpério dos pequenos poderes, a mai-or arma dos que querem que a cadamudança tudo fique na mesma. Portu-gal não se desenvolve porque muitodeste império e tudo o que a ele estáassociado se mantém incólume e por-que os portugueses, medrosamente,preferem acolher-se no colo quente dainércia e iludir-se com manifestaçõesde presumível cidadania que mais nãosão do que remakes de tantas outrasque impediram sempre o país de cres-cer, de se desenvolver e de se adaptarao cenário internacional dos paísesmais progressivos.Há sempre um mas que dificulta, sem-pre um entre-vírgulas que condicionae sempre um zeloso funcionário que,investido do pequeno poder que se fazgrande a olhos vistos, levanta o dedo,balança-o de um lado para o outro,seguro e determinativo, e nem sequerprecisa de dizer não. Falta no quadroa manga-de-alpaca tão cara aos quebatem com a mão em cima do papelda burocracia. Porque a verdade é quehá sempre um papel, nem que sejauma folha simples, que tolhe a vida aosportugueses muitas vezes sem que ospróprios tenham disso consciência.Temos na nossa cabeça colectiva umaengrenagem que muitos já designampor complicador. Essa engrenagem usao combustível papel, em formato deregulamento ou de postura municipal,em formato de despacho, mas tambémsob as formas mais nobres de porta-ria, de decreto-lei ou mesmo de lei.Há tanta coisa que se torna burocráti-ca e pesada apenas porque não se des-liga o complicador e se raciocina deforma acertada. Abdica-se do raciocí-nio em função do temor, do desejo decontrolar e – não se duvide! – até deser controlado.Veja-se o caso de uma prática queassoberba médicos e serviços de saú-

Açores dá exemplode públicos com ninharias. Os funci-onários públicos que faltem por do-ença estão obrigados a justificá-lacom o recurso a um atestado passa-do por um médico do SNS. Até hápouco, o documento podia ser pas-sado por um qualquer médico, masagora é assim mesmo, tem que serassinado por um médico do serviçopúblico.E enquanto, no continente, se mantémuma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde – o secretário regi-onal dos Assuntos Sociais – garantiu,numa reunião com o Bastonário e ou-tros dirigentes da Ordem dos Médi-cos (ver páginas 17 e 18), que na re-gião passa a ser válido para justificardoença qualquer atestado passado porqualquer médico, sem a necessidadeburocrático de ser um profissional doserviço público.Portanto, nos Açores, resolveu o Go-verno Regional desligar o complicadorque se mantém em funcionamento nocontinente, em prejuízo de todos osportugueses. Pode ser que o exemploaçoriano tenha algum eco e se repro-duza por todo o resto do territórioportuguês.Mas, mais abrangentemente, a neces-sidade de um médico ter que atestara doença de um funcionário para quea sua falta no emprego seja justificadaé um dos casos mais concretos de quea burocracia vence o bom senso e aresponsabilização pessoal, de que osistema que oprime e impede Portu-gal de se libertar vale mais do que acidadania.Aqueles que têm perto de 40 anos oumais recordam-se com certeza do tem-po em que todos os certificados, ates-tados, requerimentos outros «ados» eoutros «entos» eram elaborados numafamigerada folha de papel selado, maistarde reduzida a uma folha de papel

azul de 25 linhas e, mais tarde ainda,extinta como regra por ser considera-da demencial! Era burocracia no seusentido mais puro e ninguém se atre-via a pôr em causa a prática, que tinhamuitos guardiães zelosos e fez o furorde muita repartição hoje caída no des-crédito.Uma boa ideia, de resto já defendidapelo Bastonário da Ordem dos Médi-cos, era mesmo acabar com os atesta-dos de doença para justificar faltas aotrabalho, que, muito simplesmente,deveriam ser substituídas pela respon-sabilização dos cidadãos. A eles, nessecontexto, caberia assumir a responsa-bilidade de se declararem doentes ousem condições físicas ou psicológicaspara um dia de trabalho. Aos serviçospúblicos ou às empresas competiria odever, se assim o entendessem e oachassem justificável, de fiscalizar a ho-nestidade dos seus funcionários emcasos em que considerassem necessá-rio fazê-lo.Àqueles que defenderiam o papel se-lado, se fosse esse o tempo, tal medidafará enorme confusão, mas na verda-de evitaria muitas horas de trabalhodos médicos, muitos gabinetes de con-sulta ocupados com irrelevâncias e tra-duzir-se-ia em ganhos no sistema desaúde, portanto em benefícios para osportugueses. E será que alguém con-segue ver um prejuízo descontrolávelnesse novo modelo?Esta possibilidade merece uma refle-xão, é certo, mas acautelados os prin-cípios fundamentais seria a soluçãopara a prática actual, meramente bu-rocrática e que tem revelado sempredefeitos irresolúveis. Já chega, portan-to, do benefício da dúvida atribuídoao modelo actual, passemos para ou-tro, mais racional, menos oneroso emais responsabilizador.

Diamantino Cabanas

Page 3: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

6 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

TSF – Na Ordem do DiaE D I T O R I A L

17 Março

Um jornal diário de grande circulaçãoexigia há dias que o responsável peloINEM justificasse os sucessivos casosde falha na resposta a situações deemergência.O facto de o actual responsável termenos de um mês no cargo não pare-cia ser obstáculo à sua eventualresponsabilização e à sua pelo menosobrigação de ter o diagnóstico feito eestar disponível para o discutir empúblico.Conheço o actual responsável peloINEM, como aliás conhecia o anterior.São ambos médicos com valor e currí-culo adequado à gestão de um orga-nismo complexo como este.Muito diferentes como pessoas será tam-bém seguramente diferente a forma comointerpretarão a tarefa que lhes foi come-tida. A maior discrição do actual, com-patível com o perfil expectável num mi-litar de carreira, se condicionará umamaior reserva no enfrentar da opiniãopública, não condicionará seguramenteuma menor determinação.Penso, por conseguinte que o impor-tante, antes de procurar culpados édeterminar se o que tem acontecido éresultado de erros humanos ou mate-riais esporádicos e como tal facilmen-te corrigíveis ou se, pelo contrário, setrata da consequência de um planea-mento deficiente que leve ao repensarde todo o sistema.Quando há mais de um ano e com ointervalo de poucas semanas dois do-entes demoraram mais de sete horas apercorrer a distância que de automó-vel leva cerca de duas, deixei nesteespaço de crónica algumas interroga-ções e preocupações.

Infelizmente, à época, o Ministro numacesso de arrogância, entendeu quea evidência que tudo funcionara bemera de molde a dispensar qualquer in-quérito.O que verdadeiramente me preocupounessa altura foi a tranquilidade dessaevidência de bom funcionamento quetinha tido o desfecho que se sabia.É que se algo funciona bem, isto é,dentro do que está programado e pre-visto, e a catástrofe acontece, estamosperante uma situação mais grave doque se alguém ou alguma coisa tiverfalhado. Nestas circunstâncias o fa-lhanço, no futuro, não será esporádi-co mas inexorável.A reflexão a fazer no caso do INEM ése as missões que lhe têm sido atribu-ídas são compatíveis com a estruturamontada no terreno, os meios dispo-níveis, os investimentos possíveis e ocomportamento dos utilizadores.Há muito tempo que se houve falarem carência de profissionais e dificul-dade de assegurar prontidão de meiosno terreno, paralela e estranhamenteassistiu-se a negociações desenfreadascom autarcas tentando vender ambu-lâncias e intervenções móveis por tro-ca com encerramentos de meios fixosinstalados – os famosos SAP.Quando um responsável sentiu necessi-dade de ir à América Latina em buscade profissionais, perguntamo-nos se nãoseria mais útil ser menos ambicioso einvestir num sistema de resposta quiçámenos perfeito em termos teóricos masmais exequível na nossa realidade.O treino de cidadãos disponíveis, oreforço de pontos de apoio já existen-tes dando-lhes meios e treino adequa-dos podem nalguns casos ser melho-res soluções que uma eventualmente

impossível profissionalização absolutae total da emergência.O INEM salva por dia milhares de vi-das e muitos dos casos descritos comofalhas não teriam eventualmente des-fecho diferente se o socorro tivesse che-gado mais cedo.Mas para defesa de todos os envolvi-dos, nomeadamente dos profissionaisque a isso têm direito, e para tranqui-lidade dos portugueses, é imprescindí-vel ser sério e não exigir do sistemamais do que aquilo que ele foi dese-nhado para dar.Igualmente não é liquido que aquiloque pode funcionar bem em grandesaglomerados humanos seja exequívelde montar para a cobertura de gran-des áreas do território.A chegada de um socorro emergenteadequado a quem dele necessite é umaequação em que entram profissionaisdisponíveis, condições de treino, geo-grafia e distâncias a vencer.A resolução dessa equação pode não serfácil mas é o exercício a empreender.É preciso não perder de vista que, con-trariamente às séries televisivas, na vidareal o objectivo é socorrer gente comeficácia e não fazer circular com gran-de alarido pirilampos azuis e ambulân-cias pintadas de amarelo...

24 Março

No que foi visto como uma inflexão àesquerda, o primeiro-ministro anun-ciou que o Hospital Fernando Fonse-ca voltaria à gestão pública após o fimdo contrato que o liga a um grupo pri-vado.O Partido Comunista veio convenien-temente lembrar que só ele desde sem-pre se opusera à gestão privada dehospitais públicos, com grande ênfaseconcretamente naquele.Os gurus da economia liberal, pelo con-trário, criticaram esta deriva estatizante,verdadeira traição à promessa deconcessionar a gestão a privados de pelomenos dez novos hospitais a construir.O debate político ganhou assim con-tornos de século vinte, o purismoconceptual voltou a agitar corações eao fundo do túnel avistou-se a luz que

A reflexão a fazer no caso do INEM é seas missões que lhe têm sido atribuídas são

compatíveis com a estrutura montadano terreno

Page 4: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

7Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

E D I T O R I A LTSF – Na Ordem do Dia

irá apagar o cinzentismo do conheci-do bloco central dos interesses.Aparentemente de todos os que des-de logo se envolveram na disputa, pou-cos terão ouvido os argumentos paraa decisão. Refiro-me evidentemente aosargumentos pragmáticos e reais e nãoà espuma dos dias com que se abri-lhantam debates parlamentares.O que foi dito foi que seria inútil conti-nuar a entregar a privados a gestão dehospitais públicos, já que os gestorespúblicos, utilizando as técnicas em usono sector privado, obtêm os mesmís-simos resultados, tornando assim inútilpor redundante a mencionada entrega.O que está em causa não será poisuma revisão à esquerda do sistema emuso mas uma apropriação pelo Estadode algo que julgávamos só ser possívelnos privados – uma nova cultura ba-seada na agilidade da tomada de deci-são e na procura do lucro que conflituacom a cultura de serviço e os meca-nismos de tomada de decisão caracte-rísticos da função pública tradicional.Evidentemente que o que o primeiro-ministro agora descobre é o preço dosmecanismos de controlo que têm im-perativamente que ser montados quan-do se entrega um bem que é de todosà gestão de alguém que licitamenteprocura desse bem extrair o seu pró-prio benefício.É que quando o bem é privado o riscoda sua perda condiciona decisivamen-

te a tomada de decisões, cuja adequa-ção é assim indirectamente controla-da pelo risco perceptível que compor-tem. Quando alguém gere o que não éseu, por exemplo o que é de todos, ocomponente do risco e das suas conse-quências esbate-se e o céu passa a sero limite.Foi por esta evidência desde sempreconhecida que o Estado Napoleónicomontou um conjunto de mecanismosprévios de análise e de contenção dainiciativa baseada na crença e no pal-pite que se por um lado evitam pro-blemas por outro tornam rígidos e mo-rosos os processos de tomada de de-cisão.Ao querer desmontar os mecanismos decontrolo típicos do sector público semperder a titularidade das empresas, o Es-tado assume um enorme risco, só evitá-vel montando mecanismos de acompa-nhamento e auditoria que agora se reco-nhecem economicamente insustentáveis.O curioso nesta questão é que nin-guém se pareça aperceber que não éo facto do gestor ser público ou priva-

Ao querer desmontar os mecanismosde controlo típicos do sector público sem

perder a titularidade das empresas, o Estadoassume um enorme risco

do que provoca a diferença mas omodelo em si mesmo.É que simultaneamente muitos econo-mistas insuspeitos começam a interro-gar-se se a derrocada do sistema eco-nómico a que parece estarmos a assis-tir, não será devida aos enormes einjustificados riscos assumidos porgestores de topo de empresas que pelasua dimensão e dispersão de capitalse assemelham a Estados.Se os donos dos Bancos americanostivessem efectivo poder de decisão ouse estes fossem geridos sob o vistoprévio de um Tribunal de Contas duvi-do que as hipotecas arriscadas que dãopelo inefável nome de subprime tives-sem sido concedidas.A escolha entre um e outro sistema degestão dos nossos hospitais é agoracom evidência uma escolha que qual-quer que seja tem preço, tem riscos etem consequências incontornáveis.A dificuldade é por conseguinte umajá habitual e que como portuguesesnos persegue – a impossibilidade deter o sol na eira e a chuva no nabal...

Page 5: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

8 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

A C T U A L I D A D E

José António Salgado, Santarém

José Poças, Setúbal

Distrito Médico de SetúbalA tomada de posse dos órgãos soci-ais em Setúbal teve lugar no dia 31de Janeiro. José Poças, presidentereeleito do Conselho Distrital deSetúbal proferiu um discurso marca-do pela explicação e realce dos méri-tos da renovação da lista e críticas àforma como decorreram as eleiçõespara bastonário. Quanto a eventuaisdivergências, José Poças realçou queas mesmas nunca impediram que otrabalho fosse feito. «Nós não apoiá-mos há três anos o candidato a basto-nário e nem sequer apoiámos a listacandidate ao Conselho Regional doSul e não foi por isso que não soube-mos trabalhar». Esta postura de cor-recção e respeito justifica-se com umadas frases que foi proferida pelo pre-sidente reeleito: «Os médicos estãounidos nos objectivos, mas às vezesnão estamos unidos nos percursos, oque não quer dizer que não nos res-peitemos».

Distritos Médicos– tomadas de posseTerminamos nesta edição a publicação de excertos dos discursos da cerimónia

de tomada de posse das distritais de Setúbal, Santarém, Aveiro, Guarda, Évora,

Oeste, Coimbra e Portalegre.

Distrito Médico de SantarémFoi no dia 7 de Fevereiro que se reali-zou a tomada de posse dos órgãos so-ciais do Distrito Médico de Santarém,cujo Conselho Distrital passa agora aser presidido por José António da Cos-ta Salgado. O presidente cessante, Ma-riano Velez, ao passar o testemunho re-feriu que «a equipa que vai representaro Distrito Médico de Santarém tem to-das as condições para realizar um tra-balho fantástico».

Distrito Médico de AveiroConstança de Miranda é a presidenteeleita do Conselho Distrital de Aveiro.Na tomada de posse dos representan-tes que os médicos escolheram paraesta Distrital, as palavras foram de cir-cunstância mas Constança de Mirandanão quis deixar de agradecer todo otrabalho das direcções que a precede-ram. Num discurso marcado pelo re-conhecimento de quanto empenho énecessário para exercer este tipo defunções, a presidente da Distrital deAveiro salientou e agradeceu igualmen-

te a dedicação dos colegas que aceita-ram integrar o projecto actual.

Distrito Médico da GuardaNa tomada de posse dos órgãos dis-tritais, Augusto Almeida Lourenço, pre-sidente eleito do Conselho Distrital daGuarda falou da necessidade de dina-mizar e aumentar a actividade da Or-dem dos Médicos, mais especificamen-te no que se refere ao Distrito Médicoque agora dirige. Aliás abrir a Ordema todos os colegas e sociedade civil,bem como promover cursos de forma-ção e apoiar iniciativas dos médicos.Para o trabalho que pretende desenvol-ver conta com o empenho da sua equi-pa como afirmou nas palavras proferi-das na cerimónia de tomada de posse.

Distrito Médico de ÉvoraTeve lugar no dia 19 de Fevereiro acerimónia de tomada de posse daDistrital de Évora. No seu discurso deposse, José Eduardo Correia, presidenteeleito do Conselho Distrital de Évora,que sucede a Hélder Gonçalves (diri-gente do Conselho Distrital nos trêsúltimos mandatos), não quis deixar derealçar o trabalho da equipa de diri-gentes cessante. Explicitando a inten-ção de honrar a confiança que os mé-dicos votantes demonstraram ao ele-ger a sua equipa, este dirigente recor-dou alguns dos pontos principais doprograma apresentado a escrutínio:«Neste programa está contida a defe-sa do acto médico. Iremos fazê-lo, namedida das nossas possibilidades ecompetências».Referindo-se a problemas como adesumanização da relação médico-do-

Page 6: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

9Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

Distrito Médico de Coimbra

João Carreira da Conceição Coucelo, presidenteda Mesa da Assembleia Distrital cessante, e Sal-vador Massano Cardoso, que lhe sucedeu nessecargo, no momento em que foi dada posse aAmândio José Correia Martins Couceiro, presi-dente reeleito do Conselho Distrital de Coimbra

Luísa Maria de Abreu Freire Diogo Matos,1º secretário da Mesa da Assembleia Distrital

José Manuel Pacheco Portela, vice-presidente daMesa da Assembleia Distrital eleito, assina otermo de posse

João Carreira da Conceição Coucelo, ex-presidente da Mesa da Assembleia Distrital, deuposse aos recém eleitos membros dos órgãosdistritais de Coimbra

José Correia, Évora

ente e à degradação do acto médico,nomeadamente nos serviços de urgên-cias, José Eduardo Correia aludiu a umestudo sobre a utilização de sistemasinformáticos nos hospitais, estudo esseque foi encomendado pelo Governo àPrice Water House Coopers, cujas con-clusões referem efeitos perniciosos.«Estes sistemas têm uma eficácia limi-tada porque não estão virados para oapoio à decisão clínica», pode ler-seno estudo em causa.O novo presidente do CD de Évoraelencou um conjunto de compromis-sos da sua equipa, entre eles, a realiza-

ção de eventos científicos, cul-turais, na sede distrital; a pro-moção de reuniões fora deÉvora, nos diferentes conce-lhos, à semelhança do que oConselho Regional Sul fez coma sua primeira reunião fora deLisboa, que decorreu nessa tar-de, antes da cerimónia de to-mada de posse; e ainda a reali-zação de reuniões de formação,integração para os mais novos.Mas, como referiu, não é ape-nas com os mais novos que estácomprometido. A equipa ago-ra eleita quer direccionar aatenção também para as neces-sidades dos médicos «menosnovos», comprometendo-se atentar iniciar o processo daCasa do Médico em Évora.No final do seu discurso, o pre-sidente do Conselho Distrital deÉvora referiu também a preo-cupação com a destruição dascarreiras médicas e referiu a suaintenção de as defender «emconsonância com o Bastonárioe o Conselho Regional do Sul».As maiores ameaças para as car-reiras médicas são, do ponto devista de José Correia, «a trans-formação que se tem dado, nosúltimos anos», que inclui as par-cerias público-privado, os hos-pitais SA, primeiro, e depois osEPE e o cada vez maior núme-ro de hospitais privados.

Distrito Médico do OesteNuno Santa Clara da Cunhatomou posse do cargo de pre-sidente do Conselho Distritaldo Oeste no passado dia 18de Fevereiro, tendo proferidoum discurso em que afirmouque o que pretende é «tornara Ordem dos Médicos umapresença mais efectiva, dar-lheum pouco mais de visibilidadee criar uma relação de proxi-midade com os colegas». Foramreferidos os problemas sentidosnas unidades hospitalares daregião e as inquietações e re-

A C T U A L I D A D E

Nuno Santa Clara Cunha, Oeste

Page 7: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

10 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

A C T U A L I D A D E

ceios que esta fase de mudança susci-ta nos médicos nomeadamente no quese refere à «qualidade da assistênciaprestada aos doentes». «Há problemasaqui na região que têm a ver com en-cerramento de serviços e com a altera-ção de valências», recordou. «Dentrodas próprias instituições – Centro Hos-pitalar de Torres Vedras e Hospital deCaldas da Rainha – colocam-se proble-mas que ameaçam vir a ser importan-tes», referiu, salientando, entre outrasquestões, as alterações no Departamen-to dos Doentes Oncológicos, quer nasCaldas, quer em Torres. «Por outro lado,assistimos a novas realidades: vai abriro hospital de Loures, estão a abrir ges-tões privadas, das quais o exemplo maisrecente é a Clínica Cuf Torres Vedras,fala-se de um hospital do Oeste», umafase de transformações e mudança quepoderão – ou não – trazer bons resul-tados no que se refere a médicos edoentes no entender deste dirigente.

Distrito Médico de PortalegreTeve lugar no dia 18 de Março a to-mada de posse dos novos órgãos dadistrital de Portalegre. Jaime Azedo, ex-presidente da Mesa da AssembleiaDistrital, falou na qualidade de novopresidente eleito do Conselho Distritaltendo manifestado a disponibilidade dasua equipa para trabalhar em conjun-to com o bastonário da OM na defesados médicos.«O Distrito Médico de Portalegre é umdos menos populosos do país, com 332médicos inscritos nos cadernos eleito-rais, os quais não correspondem em

Jaime Azedo, Portalegre

meu entender à realidade: porque hácolegas que infelizmente já falecerame continuam nos cadernos e porquehá inscrições de médicos espanhóisque, na verdade, já não trabalham cá.Este é um Distrito que corre o riscode desaparecer», afirmou Jaime Azedo.Preocupado com o que se tenta fazerna Saúde deste distrito, o presidenteeleito falou da responsabilidade da Or-dem dos Médicos na definição do queé cientificamente comprovado quantoà relação entre volume e resultados.Esta afirmação surge na sequência doargumento sistematicamente utilizadopelo Estado/Administração, que, quan-do o que se pretende é fechar um ser-viço ou instituição, faz depender a qua-lidade e resultados do volume de ac-tos praticados. Jaime Azedo defendeuno seu discurso de tomada de posse

que «em vez de se compararem resul-tados com volume, dever-se-ia compa-rar resultados e estratificação de riscodos doentes que são tratados». Esta éuma «grande preocupação de quemtrabalha na periferia quando tenta im-pedir que os serviços sejam fechados»,conclui. «Temos uma preocupação per-manente com as condições do exercí-cio da medicina pois existem muitascondicionantes na forma como esseexercício técnico se concretiza. Iremosser intransigentes nessa defesa poisdefender as boas práticas e um exer-cício técnico com condições adequa-das é defender a saúde da população».

Apesar de termos solicitado a todas asDistritais do país informação para di-vulgação da tomada de posse, não foipossível obter das restantes por não exis-tirem materiais.

Envie-nos os seus artigosPara que a revista da Ordem dos Médicos possa ser sempre o espelho da opiniãodos profissionais de todo o país, agradecemos a colaboração de todos os médicosque desejem partilhar as suas opiniões, experiências ou ideias com os colegas, atra-vés do envio de artigos para publicação na Revista da Ordem dos Médicos. Osartigos devem ser acompanhados de uma fotografia do autor (tipo passe) e pode-rão ser enviados para os contactos que se encontram na ficha técnica (morada daredação e/ou respectivo e-mail).

Page 8: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

12 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

A C T U A L I D A D E

Perante uma mesa em que estavamrepresentados dirigentes médicos – obastonário e a presidente do Conse-lho Regional do Sul – e autoridadespolíticas, entre as quais Paulo Fontes,vice-presidente da Assembleia Legis-lativa da Madeira, e o próprio presi-dente do Governo Regional da Madei-ra, José França garantiu a Alberto JoãoJardim que «a Ordem dos Médicosestará sempre disponível para ser um

Madeira: independência e coerência,duas referências permanentes

José França tomou posse como presidente do Conselho Médico da Região

Autónoma da Madeira (CMRAM) no passado dia 20 de Fevereiro. As relações

institucionais equilibradas, entre uma Ordem dos Médicos (OM) indepen-

dente e um Governo Regional que sabe respeitar essa independência e aco-

lher o apoio técnico da OM como o benefício que representa, foram um dos

temas abordados num discurso de posse que não ignorou problemáticas

como o acto médico e as carreiras.

parceiro atento e colaborante no inte-resse da Saúde regional, mesmo quepossam surgir eventuais divergências».Aproveitando também a presença nasala do Hotel Golden Residence, noFunchal, onde se realizou a cerimónia,do secretário regional dos AssuntosSociais, Francisco Ramos, também elemédico, o presidente eleito doCMRAM salientou que nos próximostrês anos se encontrarão «com a fre-

quência necessária» para debater «arevisão da convenção, entre outrasquestões que a seu tempo irão sur-gir».O discurso de José França ficouigualmente marcado pela abordagemdas questões que preocupam todos osmédicos: gestão clínica, carreiras mé-dicas, código deontológico, ServiçoNacional de Saúde e parcerias, etc. Odirigente atribui especial relevância àausência de uma lei do acto médicodevidamente aprovada e recordou aspalavras do seu antecessor no cargo– França Gomes –, quando há trêsanos tomou posse, em que referiu serPortugal o único país da Europa semuma lei do acto médico. «Passados trêsanos, estamos exactamente na mesmasituação; continua a persistir essa zonaindefinida, nebulosa, cinzenta, onde ig-norantes, oportunistas e atrevidos semovem à vontade», acusou.Dando seguimento ao programa quedefendeu e que foi sufragado peloscolegas, José França falou do projectode nomeação de um grupo de inter-nos que irá trabalhar com os dirigen-tes locais nos próximos três anos,«como uma estrutura consultiva».Do seu desempenho enquanto diri-gente da OM poder-se-á esperar «duasreferências permanentes»: independên-cia e coerência, conforme explicou:

A mesa da cerimónia de tomada de posse: Alberto João Jardim, Pedro Nunes, Paulo Fontes,Francisco Ramos, Isabel Caixeiro

Page 9: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

13Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

«Independência em relação à conjun-tura político-partidária da nossa soci-edade e aos interesses de grupos or-ganizados em torno da Saúde; coerên-cia na defesa intransigente dos valorese princípios que definem a nossa ética,promovem as boas práticas e assim cui-dam e protegem os nossos doentes».No encerramento do seu discurso, eantes de passar a palavra ao presiden-te do Governo da Região Autónomada Madeira, José França não quis dei-xar de prestar uma singela homena-gem a Manuel França Gomes, seu ante-cessor no cargo, pedindo aos presen-tes que se unissem nessa demonstra-ção de apreço e reconhecimento, soba forma de um caloroso aplauso. «Re-vejo-me em muitos e distintos colegasque antes de mim presidiram a estaOrdem e que ajudaram a criar umainstituição prestigiada, respeitada, fun-damental para a Saúde nesta região ea quem presto a minha homenagem.Entre eles, conto com bons amigos queestiveram ao meu lado neste percursoque me trouxe hoje até aqui e comquem quero partilhar a minha eleição»,confessou. E concluiu com um louvorparticular ao trabalho e iniciativa deManuel França», referindo-se ao privi-légio que foi trabalhar com esse diri-gente nos últimos seis anos.Alberto João Jardim iniciou o seu dis-curso precisamente com um elogio aopresidente cessante, destacando o de-sempenho de Manuel França Gomes eanunciando que o Governo Regionallhe fez um louvor público, publicadono Jornal Oficial da Região, o qual, fezquestão de explicitar, não foi «um actode mera cortesia, mas sim um acto dejustiça para quem tão dedicadamenteserviu a medicina, a classe médica e oserviço de saúde da região». Depois opresidente do Governo Regional es-tendeu o seu elogio a todos os diri-gentes da OM, manifestando «toda aconsideração e respeito» pelos mes-mos. Sobre o relacionamento institu-cional afirmou que estava «aberto àcontinuação do diálogo inteligente eeficaz que sempre caracterizou a rela-ção com a Ordem dos Médicos».Alberto João Jardim defendeu que a

única maneira de encontrar soluções– nomeadamente as que «não signifi-quem piorar as condições de saúde dosutentes» nem prejudiquem a carreirados médicos –, traduz-se em ambas aspartes «continuarem a trabalhar emconjunto».Pedro Nunes, que fez o último discur-so da sessão, após cumprimentar osrepresentantes eleitos e saudar os

«Passados três anos (…) continua a persistir essa zona indefinida, (…) onde ignorantes,oportunistas e atrevidos se movem à vontade», afirmou José França a propósito da nãoaprovação do acto médico

Alberto João Jardim defendeu que a única maneira de não piorar as condições de saúde dosutentes é OM e Governo trabalharem em conjunto

cessantes, nomeadamente Manuel Fran-ça Gomes, referiu-se igualmente às re-lações institucionais: «A relação entreos governos e a Ordem dos Médicos énaturalmente e por vezes uma relaçãode alguma tensão», mas destacou ofacto de o Governo Regional da Ma-deira ter compreendido as posições daOM, como uma «referência técnica» ecomo uma instituição que defende, não

A C T U A L I D A D E

Page 10: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

14 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

os interesses dos médicos, mas sim osdireitos das populações «a uma medi-cina de qualidade». Assinalando que

A C T U A L I D A D E

«todos conhecem a independênciapolítico-partidária» com que tem exer-cido o cargo, Pedro Nunes agradeceu

a Alberto João Jardim «a forma comosempre tem olhado para a Ordem dosMédicos».

França Gomes foi elogiado pelo seu trabalho à frente da OM-Madeiraem defesa da classe médica e do serviço de saúde da região

Pedro Nunes congratulou-se com o facto de o Governo Regional com-preender as posições da OM, como a «referência técnica» que é

Uma delegação da Ordem dos Médicos (OM) – a que presidiu o Bastonário, acompanhado pelospresidentes dos três conselhos regionais e dois outros dirigentes do Conselho Regional do Cen-tro – visitou na madrugada de hoje, 26 de Março, os serviços de urgência geral do Centro Hospi-talar de Coimbra e dos Hospitais da Universidade de Coimbra.Esta iniciativa, que não foi previamente marcada pela Ordem dos Médicos e que vai ter sequêncianoutros hospitais do país, visa avaliar no local a composição das equipas de urgência e, particular-mente, tudo o que diz respeito ao trabalho dos médicos em formação, à sua tutela e ensino, bemcomo ao exercício da autonomia.A OM adverte que aos médicos internos cuja fase de formação exige o acompanhamento decolegas especialistas não podem ser atribuídas responsabilidades de decisão clínica e adverte,igualmente, para a necessidade absoluta de se respeitarem os números mínimos estabelecidospara as equipas de urgência.A Ordem dos Médicos, no âmbito das suas atribuições reguladoras, poderá retirar a idoneidadeformativa às unidades que não cumpram o regulamentado.

Lisboa, 26 de Março de 2008

Ordem dos Médicos

COMUNICADO

Page 11: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

16 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

A C T U A L I D A D E

Eduardo Pacheco, que vai fazer o ter-ceiro mandato como presidente doConselho Médico da Região Autóno-ma dos Açores, revelou no seu discur-so apreensão face à crise por que está

Açores: tomada deposse em tempo demudançasO bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, deslocou-se no passado

dia 25 de Fevereiro a Ponta Delgada, no intuito de assistir à tomada de posse

dos dirigentes eleitos para o Distrito Médico dos Açores. A acompanhá-lo

esteve também Isabel Caixeiro, presidente do Conselho Regional do Sul. O

presidente da OM aproveitou a ocasião para se deslocar à Ilha Terceira, onde

se reuniu com o presidente reeleito do Conselho Médico da Região Autóno-

ma dos Açores, Eduardo Pacheco, e com o secretário regional dos Assuntos

Sociais, Domingos Cunha.

a passar o Serviço de Saúde e defen-deu o contributo que a OM pode darpara a solução dos problemas. «Asordens têm cada vez mais um papelimportante na ligação entre o poderpolítico e a sociedade civil, no sentidode promover mais diálogo e o apoiotécnico que o sector político necessi-ta», frisou.Em termos de prioridades e objecti-vos a cumprir, revelou estar em pre-paração um estudo de «alargamentoda constituição dos organismos doConselho da Região Autónoma dosAçores», com o conhecimento e con-cordância das estruturas centrais daOM. «Em breve será constituída umaentidade que pretende integrar osmembros das antigas direcções e ou-tros elementos que queiram colabo-rar connosco e estejam disponíveispara reunir com regularidade e deba-ter todos os assuntos relacionados coma Saúde a nível nacional e na região».Eduardo Pacheco manifestou ainda odesejo de criar «núcleos temáticos re-lacionados com as áreas mais impor-tantes da Saúde e da medicina», ape-

lando à colaboração de todos colegasque tenham interesse em participar. Opresidente do Conselho Médico dosAçores dilucidou as tarefas dos núcle-os temáticos que propõe: «Vão estudare fazer um levantamento dirigido paracada sector importante da Saúde, nosentido de fazermos um ponto da situ-ação, identificarmos os problemas epodermos encontrar soluções para se-rem apresentadas a quem de direito».A abertura de um Gabinete do Cida-dão, a que os utentes possam recorrerpara colocar as suas dúvidas directa-mente relacionadas com os serviços desaúde, sejam de índole pessoal ou ge-ral, é também uma das prioridadesdesta equipa.O presidente do Conselho Médico dosAçores pretende, igualmente, «nome-ar delegados em todas as instituiçõesde saúde, nomeadamente nos hospi-tais» com o objectivo de «fazer umaligação mais constante e mais acom-panhada entre a Ordem, os médicos eos respectivos Conselhos de Adminis-tração». Inicialmente ir-se-á avançarcom representantes escolhidos pelo

Eduardo Pacheco iniciou o seu terceiromandato como presidente do ConselhoMédico da Região Autónoma dos Açores

Page 12: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

17Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

Conselho mas, até ao próximo ano, irápreparar-se um processo democráticoe abrangente para escolha dos próxi-mos delegados envolvendo os colegasque trabalham nas instituições.Eduardo Pacheco referiu algumas dassuas principais preocupações entre elas«a preservação da qualidade do tra-balho médico e da assistência aos do-entes, bem como a garantia de inde-pendência e autonomia técnica do acto

Eduardo Pacheco, presidente do Con-selho Médico da Região Autónoma dosAçores, falou-nos do conteúdo da reu-nião, nomeadamente sobre os proble-mas que ainda estão por resolver, comoé a questão da falta de médicos nosAçores, preocupação presente quer nodiscurso de tomada de posse quer nes-ta reunião. Se se persistir nos erros eacontecer de novo como este ano emque houve um número muito reduzi-do de vagas para o internato médico,Eduardo Pacheco não tem dúvidas: osAçores vão enfrentar «uma situaçãocomplicada, de falta de quadros, numaaltura em que muito precisamos deles».

Revista da Ordem dos Médicos– Que questões foram levantadas nestareunião?

Eduardo Pacheco – A reunião como secretário regional dos Assuntos So-ciais foi de apresentação de cumpri-mentos por parte dos novos órgãosda OM, que tomaram posse pelo Con-selho da Região Autónoma dos Aço-res. Domingos Cunha levantou algu-mas questões importantes, nomeada-mente a informação de que a partir deagora, na região, passava a ser possí-vel a emissão de atestados médicos emqualquer local, inclusivamente nos con-sultórios privados.

ROM – Em que medida esse problemaafectava a região?EP – É de facto uma questão muitoimportante, especialmente aqui nosAçores: a disponibilidade dos médicosde família darem consultas e dos mé-

dicos hospitalares é muito menor poistemos falta de profissionais. A impos-sibilidade de emissão de atestados mé-dicos nos consultórios privados leva-va a que um grupo considerável dapopulação tivesse dificuldades extre-mas em conseguir um atestado e a umasobrecarga dos serviços públicos. Mui-tas vezes as pessoas optavam por fal-tar ou por usar dias de férias por nãoconseguiam obter esse documentoatempadamente.

ROM – É portanto uma resolução im-portante…EP – É importante para todos porqueagiliza o processo e permite que aover um doente no seu consultório pri-vado o médico possa passar um ates-tado, momento que é parte integrante

médico, em especial na decisão tera-pêutica, prescrição medicamentosa e,ou, de meios de diagnóstico e trata-mento». A contratualização é outrapreocupação manifesta e já existemconversações com os sindicatos sobreessas matérias.O encerramento desta cerimónia cou-be a Pedro Nunes que assinalou asespecificidades da região e as dificul-dades daí emergentes. Pedro Nunes

mostrou-se solidário com algumas daspreocupações de Eduardo Pacheco esalientou: «O papel da Ordem não é ode defender apenas os interesses dosmédicos, mas principalmente os inte-resses da Saúde. E a Saúde toca a to-dos: médicos e não médicos. O papelda Ordem é encontrar o melhor paratodos e o melhor para todos é o quefor melhor para os médicos e para osdoentes».

Entrevista com Eduardo Pacheco«Açores devem ter um papel activo no

planeamento da formação»Da reunião entre os representantes da OM e o secretário regional dos As-

suntos Sociais resultaram tomadas de decisão visivelmente importantes para

a concretização de boas práticas médicas: a questão das receitas médicas

dos Açores – que não beneficiavam de desconto quando aviadas no Conti-

nente – e a aceitação por parte do Governo Regional de atestados médicos

passados por profissionais que exerçam actividade no sector privado.

A C T U A L I D A D E

Page 13: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

18 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

do seu acto médico, em vez de ter queir pedir a um colega, do sector públi-co, que o faça. Esta medida já foi apro-vada e aguarda publicação em breve.

ROM – E em relação às receitas, queavanços houve?EP – Esse era outro problema que es-tava pendente e que agora parece es-tar resolvido: apesar das receitas se-rem mais ou menos semelhantes nomodelo aplicado, as que eram passa-das dos Açores não podiam ser avia-das nas farmácias do Continente, be-neficiando do devido desconto. Osmedicamentos eram vendidos mas semdesconto.

ROM – Esse estado de coisas geravacom certeza dificuldades…EP – Naturalmente. A situação origina-va vários problemas, por exemplo: umapessoa que estivesse de férias nos Aço-res, e que aqui fosse assistida, não podiausar essa receita no Continente ou en-tão não beneficiava dos descontos.

A partir de dia 1 de Março uma recei-ta passada pelos médicos que traba-lham dos Açores passa a ter viabilida-de no continente.

ROM – Domingos Cunha salientou a ne-cessidade de reavaliar a formação na re-gião…EP – Sim, o secretário regional dosAssuntos Sociais referiu à Ordem dosMédicos o problema das idoneidadesdos Serviços e a necessidade dos Co-légios da Especialidade fazerem umareavaliação das capacidades formativasna região.

ROM – Qual o objectivo dessa reavaliaçãode idoneidades formativas?EP – A medida visa alargar ao máximoas vagas que se possam gerar na região.A OM está a colaborar nesse sentidochamando a atenção para uma das gran-des dificuldades que surgiram na aber-tura de vagas nos Açores. Esta realidaderesultou no facto de termos permitido,se assim se pode dizer, que o regulamento

em vigor para internato médico deter-minasse que só serviços com mais decinquenta por cento de capacidadeformativa e de idoneidade é que poderi-am abrir vagas de especialidade. Aqui sóexiste esse tipo de capacidade em doisou três serviços. A Ordem alertou a Tu-tela para que, na discussão do novo re-gulamento, fosse tida em atenção a ne-cessidade de introduzir alteraçõeslegislativas nesse sentido.

ROM – De que forma se traduziriamessas alterações?EP – Nomeadamente permitindo que aRegião decida em pleno direito e por siprópria, no quadro do que são as nor-mas nacionais e as definições eparâmetros de idoneidades e capacida-des formativas definidas pela OM, deter-minando o número de vagas de que ne-cessita e planeando a formação médicaem termos das necessidades existentesnos Açores. A região deve ter um papelmais activo nesta questão e fazer chegaras suas propostas ao Ministério.

Reunião dos representantes da OM com o secretário regional dos Assuntos Sociais da Região Autónoma dos Açores

A C T U A L I D A D E

Page 14: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

20 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

Na introdução a esta reunião em queestiveram presentes muitos colegas,Eduardo Pacheco fez um resumo dasquestões que estão na ordem do diaem termos de Saúde na Região Autó-noma dos Açores, passando depois apalavra a Isabel Caixeiro, presidentedo Conselho Regional do Sul, a qualsaudou a iniciativa de envolvimentode todos os colegas nos projectos doConselho Médico da Região Autóno-ma dos Açores e que disponibilizou-se para prestar todo o apoio neces-sário ao desenvolvimento dos mesmos.Pedro Nunes, numa breve interven-ção introdutória a uma reunião quese pretendia que fosse feita de diálo-go e não de discursos, falou de uma«postura de independência da Or-dem» e de «intervenção crítica» queestá igualmente patente nos órgãos daRegião Autónoma dos Açores, na de-

A C T U A L I D A D E

Reunião entre médicosAinda no âmbito da visita dos órgãos da OM aos Açores, na noite de 26 de

Fevereiro teve lugar uma reunião alargada com os médicos desta região au-

tónoma. Foram debatidos problemas específicos da região e questões gerais

da medicina e da prática médica, com especial incidência no tema das car-

reiras médicas.

fesa dos interesses dos doentes e devalores como a manutenção do ser-viço de Saúde público que garante auniversalidade do acesso. Como as-sunto mais premente para a OM, obastonário referiu a reestruturaçãodas carreiras médicas: «Havendo umabandono por parte do Estado e osurgimento de entidades privadas aintervir na Saúde, é óbvio que teráque ser a Ordem a criar um sistemapara desenvolvimento ao longo davida que permita diferenciar os médi-cos e que seja transversal aos secto-res público e privado».A conversa com os muitos colegaspresentes na sala centrou-se no mo-mento difícil que atravessam os siste-mas de saúde, nos efeitos perniciososda competitividade gerada entre uni-dades de saúde, na desarticulação dosistema e em problemas estruturais,

quer regionais, quer nacionais e na faltade estímulos sentida.Em resposta a algumas das apreensõesevidenciadas pelos colegas da regiãoautónoma, Pedro Nunes referiu: «É es-sencial nos próximos anos recuperara capacidade de decisão e de gestãodos médicos nas unidades de saúde,são estes profissionais que conhecemo terreno e que têm o conhecimento.Serão, portanto, quem pode tomarmelhores decisões».Da assistência vieram informações so-bre os problemas provocados pela nãoaceitação do receituário passado pe-los médicos nos Açores em condiçõesde igualdade quando apresentadas noContinente. Sendo um problema decomparticipação, financeiro e adminis-trativo, foi referido ser igualmente, eacima de tudo, uma questão de rele-vância ética. Foi divulgado aos colegasque, na sequência da reunião com osecretário regional dos Assuntos Soci-ais de que já demos conta nesta edi-ção da Revista da Ordem dos Médi-cos, essa questão teria já sido ultra-passada.Outro assunto que originou debate foia questão das carreiras médicas e dodesinteresse sistemático demonstradopor parte do Estado em relação àsmesmas. Referidos foram ainda os pro-blemas levantados pelos tipos de con-tratos que têm sido aplicados aos mé-dicos, nomeadamente alguns modelosque incluíam um dever de solidarieda-de para com o empregador, dever esseque devia, supostamente, ultrapassaros deveres do médico para com o seudoente, um tipo de contratos que, ob-viamente, punha em causa a ética mé-

Isabel Caixeiro, Pedro Nunes, José António de Sousa e Francisco Rego Costa

Page 15: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

21Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

dica e que é necessário salvaguardarque não sejam aplicados.Foram colocadas várias questões so-bre como se irá processar a evoluçãotécnica ao longo da vida no novo sis-tema de carreiras médicas que a OMestá a preparar. O bastonário da OMexplicou o que está a ser estudado eque se pretende implementar em ter-mos de carreiras médicas e referiu anecessidade de manter os serviços e oshospitais públicos, de manter a evolu-ção/formação dos médicos ao longo davida e manter uma gestão adequada.Nesta reunião participaram ainda Fran-cisco Pacheco Rego Costa, presidenteda Mesa da Assembleia Distrital e JoséAntónio Amaral de Sousa, vice-presi-dente da Mesa.

Os médicos da Região Autónoma dos Açores aproveitaram a presença dos representantes daOM e falaram dos seus problemas e expectativas

Saúde e termalismo séniorO programa «Saúde e termalismo sénior» é uma iniciativa de turismo de saúde e bem estar do Estado português– Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social e da Saúde – com organização e gestão do INATEL. Este programatem como objectivo promover a estada em termas portuguesas, durante 15 dias (14 noites), a séniores carenciados,com idade superior a 60 anos, desde que necessitem de tratamento termal. O programa decorre entre Abril eNovembro de cada ano, com interrupção na época alta (Julho a Setembro). Abrange 16 balneários termais aderentesrecebendo, anualmente, cerca de 5000 concidadãos séniores. Os preços, com tudo incluído, excepto os tratamentostermais, oscilam entre os 120 e os 519 euros por termalista, dependendo do nível de rendimento dos participantes.Esta iniciativa é comparticipada pelo Programa de Apoio Integrado a Idosos e tem a colaboração da Associação dastermas de Portugal e da Direcção Geral de Saúde.

Page 16: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

22 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

A C T U A L I D A D E

Foi no passado dia 1 de Março que oprofessor jubilado de Anatomia Pato-lógica da Faculdade de Medicina da Uni-versidade do Porto, Daniel Serrão, foihomenageado. Presentes estiveramPedro Nunes, bastonário da Ordem dosMédicos, Marques dos Santos, reitor daUniversidade, e Ana Sofia Carvalho, di-rectora do Instituto de Bioética. JoãoLobo Antunes, Walter Osswald e Mariado Céu Patrão Neves, esta em repre-sentação do Presidente da República,tiveram a seu cargo a missão de profe-rir os discursos de homenagem e não

Daniel Serrão: homenagem no diaem que completou oito décadasDaniel Serrão completou, no dia 1 de Março, oito décadas de vida. O trabalho

desenvolvido pelo médico e professor em áreas como a ética e a medicina é

reconhecido por todos. Aproveitando esta data importante foi-lhe prestada

uma homenagem, na Universidade Católica Portuguesa. João Lobo Antunes,

Walter Osswald e Maria do Céu Patrão Neves foram os oradores que louva-

ram os méritos do homenageado, que sentiu o calor de colegas, amigos e

familiares.

se cansaram de elogiar a grande figurado professor – e a importância desteno campo da ética e da medicina – quecompletava 80 anos, mas que se recu-sa a parar. No mesmo dia foi inaugura-do um novo doutoramento em Bioética,para o qual Daniel Serrão já se encon-tra a preparar as aulas.A João Lobo Antunes coube a difíciltarefa de resumir por palavras a gran-diosidade de um homem que admiteque aos 80 anos não se considera«nada encerrado», uma vez que seencontra numa nova fase da sua vida,

desta feita a preparar as aulas para omais recente Curso de Doutoramentoem Bioética e Ética Médica da Univer-sidade Católica Portuguesa, onde vaileccionar. «Estamos aqui hoje para ce-lebrar um homem que nos acrescen-ta», foram as palavras escolhidas porJoão Lobo Antunes para iniciar o seudiscurso. Muito embora a relação en-tre o homenageado e este palestranteesteja confinada às reuniões do Con-selho Nacional de Ética para as Ciên-cias da Vida (CNECV), o médico neu-rologista acrescentou que o convíviode ambos foi «pouco a pouco tecendolaços quase invisíveis de indefinívelrespeito» e que «é mais poderoso oque os aproxima do que propriamen-te o que os distingue». Uma admira-ção confessa pelo homenageado quese foi desenvolvendo à medida queJoão Lobo Antunes descobria em Da-niel Serrão «uma inteligência de ex-cepção» e a sua enorme capacidadepara «desmontar ideias complexas ede deixar exposto o esqueleto do ra-ciocínio». «Debruçado à janela da mi-nha própria inteligência, tenho obser-vado com continuado deleite o uso queDaniel Serrão faz da sua», acrescen-tou. Durante o discurso realçou ou-tras capacidades do homenageado,nomeadamente a generosidade. UmaPedro Nunes não quis deixar de estar presente nesta homenagem

Page 17: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

23Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

característica louvável se evidenciaatravés da disponibilidade que DanielSerrão tem manifestado ao colocar assuas capacidades e talentos «ao servi-ço do seu Porto, do seu Douro, doseu Portugal, da sua Europa, da suaprofissão da sua especialidade, da suadevoção, da sua cultura, dos prazeresda vida, das paróquias, das diocesesdo Vaticano, das pequenas agremia-ções, da sua escola, das sociedades ci-entíficas e academias de partidos naoposição, no poder e no esquecimen-to. A todos tem servido com igual ge-nerosidade, entusiasmo e alegria». JoãoLobo Antunes frisou ainda que «cele-brar apenas a inteligência de um ho-mem, embora louvável, é claramenteinsuficiente». É muito mais importanteadmirar, o «bom uso que se faz da in-teligência», numa proclamada admira-ção pelo trabalho desenvolvido porDaniel Serrão.Walter Osswald expressou igualmen-te a sua admiração pelo homem quesempre assumiu perante a vida umaatitude digna e humana. No seu dis-curso, fez questão de lembrar algumasqualidades do homenageado e salien-tou a amizade que os liga, definindo-acomo «uma íntima, sofrida e inspira-dora amizade» e prosseguiu lembran-do que o nome de Daniel vem do he-braico que significa «o meu juízo éDeus». Relacionou o «Daniel profes-sor» com o Daniel da Bíblia que «pro-clama Deus como seu juiz, conheceuo exílio forçado e sumamente injusto,fruto de um iníquo juízo humano, queo afastou da Universidade e do seuprojecto de vida; acalenta o sonho deuma generosa utopia de tornar o sé-culo XXI mais justo, mais alegre; e éfiel às suas convicções e afectos, à suamissão, mesmo que tal lhe custe algumestágio na cova dos leões, de que saiincólume». Uma clara admiração pelohomem que tem tantas qualidades queaté é «mestre do envelhecer», pois «semnegar o acumular dos anos, permane-ce novo e surpreende pela novidade».Maria do Céu Patrão Neves aprovei-tou a sua vez de discursar para desta-car as capacidades profissionais nome-adamente a «competência académico-

Nasceu no dia 1 de Março de 1944 na freguesia de S. Diniz, na cidade de VilaReal.Terminou o curso geral dos liceus em Aveiro com média de 18 valores. Em1951 termina o curso de medicina com 17 valores.Entre 1951 e 1953 cumpre o serviço militar no Hospital Regional N.1 doPorto. Casa-se em 1958 e dessa união resultam 6 filhos.Doutorou-se em 1959 com 19 valores. Em 1961 concorre para o cargo deprofessor extraordinário de anatomia patológica e é aprovado por unanimi-dade. De 1967 a 1969 esteve mobilizado em Luanda, onde prestou serviço noHospital Militar.Em 1971 concorre a professor catedrático, tendo sido, mais uma vez, aprova-do por unanimidade.Entre 1975 e 1876 esteve demitido de todas as funções como consequênciade um saneamento que mais tarde foi anulado pelo Conselho da Revolução.Montou e dirigiu um Laboratório privado de Anatomia Patológica.Foi Jubilado no dia 1 de Março de 1998.Actualmente é Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Medicina doPorto, Membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, doComité Director de Bioética, da Academia das Ciências e das Artes, da Aca-demia Pontifícia para a Vida e Professor de Bioética e Ética Médica nos Cursosde Mestrado e de Doutoramento da Universidade Católica.

científica» e a «invulgar capacidade detrabalho» de Daniel Serrão. Acrescen-tando que «sempre mimado por umaextraordinária força de vontade quenos tornou a todos crentes no domda ubiquidade, o professor DanielSerrão tem sido o embaixador de Por-tugal para a ética e para a vida». Mariado Céu Patrão Neves levou uma cartado Presidente da República para esta

homenagem (ver caixa), o qual nãopôde estar presente mas não quis dei-xar de assinalar o momento.Um momento particularmente emoci-onante desta homenagem foi quandoo Daniel Serrão foi surpreendido coma publicação de um livro cujo titulo é«Daniel Serrão – um retrato», onde es-tão registados vários depoimentos deamigos e familiares do professor.

Bilhete de Identidade de Daniel Serrão

A C T U A L I D A D E

Daniel Serrão, homenageado no dia em que fez 80 anos

Page 18: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

24 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

Daniel Serrão tem tocado todas aspessoas que o conhecem pelo seu ad-mirável saber, pela integridade da suapostura e pela coerência entre o dis-curso e a actuação. A importância dasua obra projecta-se a partir dos mui-tos movimentos que anima. DanielSerrão tem estimulado a reflexão e aacção, desde os mais jovens estudan-tes, que se entusiasmam e se mobili-zam com o poder das suas palavras,aos muitos fóruns internacionais emque participa, suscitando o debate egerando consensos. Em qualquer dosplanos de intervenção tem contribuí-do sempre, com excepcional mérito,para a divulgação da ciência na socie-dade e para a promoção do respeitopela dignidade humana na prática clí-nica e na investigação científica.

Carta do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva

A C T U A L I D A D E

Oferta de emprego – Regional Agencyfor Health of Tuscany

The Regional Agency for Health of Tuscany has launched a public warning for the formationof a list of suitable candidates to be used for the provision of office of Head EpidemiologyUnit (published in the Official Bulletin of Tuscany Region No 12, 19/03/2008, expires April18, 2008).

Notice: This working place is based in Florence (Italy)

The text is available on the website of the Regional Agency for Health: www.arsanita.toscana.it,section «To work in ARS»

For further information, please contact:Regional Agency for Health of Tuscany – U.O. Personale e ConvenzioniVia Vittorio Emanuele II, 64 – 50134 FirenzeTel. 055 4624327 / 303 / 332 / 308Fax 055 3841403 E-mail: [email protected]

Page 19: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

26 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

A C T U A L I D A D E

O Conselho Regional do Centro deci-diu promover a organização de viagensturísticas para médicos de todo o paíse seus amigos com os seguintes osobjectivos:

• Disponibilizar viagens fora dos rotei-ros turísticos clássicos;• Promover o convívio entre médicos,as suas famílias e os seus amigos;• Conseguir preços significativamen-te inferiores aos praticados no mer-cado.

Secção Regionaldo Centro promoveviagens turísticasDamos conta neste artigo da organização de viagens turísticas para médicos e

amigos com o alto patrocínio lúdico da Secção Regional do Centro (SRC) da

Ordem dos Médicos. Já existem vários programas em estudo, nomeadamente

para a passagem de ano. Esta iniciativa destina-se aos médicos de todo o país.

Tal como a SRC explicou já no seuboletim regional, a Mania das Viagensfoi a única agência que se mostrou in-teressada na iniciativa. Assim, no pró-ximo Verão vai realizar-se uma deslum-brante viagem ao Peru (talvez aindaseja possível conseguir algum lugar deúltima hora).A próxima passagem de ano está jáem preparação, «para que todos pos-sam programar a vida com a máximaantecedência». Desta vez com um mer-gulho na Índia tradicional.

«Esperemos que gostem e que a ade-são seja significativa. Continuaremoscom esta iniciativa, organizando umaou duas viagens por ano, uma naépoca quente e outra na época fria.Para melhorar os programas conta-mos com a opinião crítica de todosquanto à relação qualidade/preço decada viagem. Naturalmente, estamosabertos a propostas de destinos etambém a propostas concorrenciaisde outras operadoras. A finalidadeserá melhorar, sempre!», pode ler-

Jaipur Fatehpur Sikri

Page 20: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

27Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

A C T U A L I D A D E

Passagem de ano 2008-2009 na Índia tradicional26 de Dezembro de 2008 a 7 de Janeiro de 2009

Preço por pessoa em duplo: 2.890€ Suplemento Individual: 720€

O preço inclui: passagem aérea Lisboa ou Porto/Deli/Goa/Bombaim/Lisboaou Porto; taxas de aeroporto, segurança e combustível; alojamento em hotéis5*; regime de pensão completa; transferes e visitas em autopullman com arcondicionado acompanhados de guia português/espanhol; guias locais ex-pressando-se em inglês, português e espanhol; guia acompanhante durantetodo o percurso; entradas nos monumentos e seguro de viagem.Forma de Pagamento: Até 15 de Maio: 25%. Até 15 de Agosto: + 25%. Até 20de Setembro: o restante. Inscrição: Almerinda David – Tlm: 967 018 0812T – Organização de Congressos e Traduções Lda.E-mail: [email protected] Tel: 239 704 442 Fax: 239 704 449OU Mania das Viagens – Agência de Viagens e Turismo Lda.E-mail: [email protected] Tel: 239 404 100 Fax: 239 721 241Programa completo da viagem será publicado no Boletim da SRC de Março-Abril 08.

se na informação do Conselho Re-gional do Centro.Os interessados podem contactar aSecção (tel: 239792920 ou 918752811ou [email protected]) ou di-rectamente a agência para conhece-rem o programa das viagens e a res-pectiva iconografia.

Page 21: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

28 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

O P I N I Ã O

Faltam ainda quinze minutos. Vem sen-tar-se na cadeira ao meu lado outrocolega da velha guarda. Falamos detrivialidades, depois, inevitavelmente,do estado da medicina e da saúde nonosso país. Olhamos o aparelho naparede… «Isto está tudo feito num oito,caramba» – foi o desabafo dele. Quan-do finalmente chegou a nossa hora desaída cumprimos o ritual burocráticoe fomos à nossa vida. No parque deestacionamento despedimo-nos comum conformado «até amanhã». Ama-nhã voltamos ao emprego.Pego às 8, com um atraso permitidode 15 minutos. Está bem, é o quartode hora académico muito à portugue-sa, sim senhor. A hora de saída é vari-ável de dia para dia na semana, masperfeitamente estabelecida em cada dia– só não sei se tem alguma tolerância,

O EMPREGOSentado numa cadeira encostada à parede do gran-

de hall, onde se encontra um «relógio do dedo»,

aguardo já sem reacção que chegue a minha hora

da lá pôr o meu dedo médio da mão direita. Foi

esse dedo que dei para amostra, quando ainda rea-

gia contra este culminar da funcionarização dos

médicos nos hospitais do Estado.lembrei-me agora. Há dias, uma inter-venção complicou-se, saí duas horas emeia depois, ultrapassando todas astolerâncias possíveis. Um mau hábitoainda, não voltará a acontecer. Hoje jánão aconteceu: não comecei o que nãopodia acabar dentro do horário. Di-zem-me que quando sair mais tardeum dia, poderei sair mais cedo noutro,mas este horário controlado rigidamen-te levou a que estabelecesse o inícioda minha vida diária depois do hospi-tal do mesmo modo, não há por issolugar a sair mais tarde nem mais cedo– só àquela hora.Ao esperar para «picar» o ponto lem-brei-me: «Por que não? É um empregocomo tantos outros, há tanta gente afazer o mesmo…». E desatei a pensarna minha vida profissional antes, a sa-ída da Faculdade, a entrada no hospi-tal, depois neste mesmo hospital, oentusiasmo, as tardes passadas a fazerhistórias clínicas, a deambular peloBanco, absorvendo a pouco e pouco aemoção de lidar com a vida e a morte,dando tudo para salvar uma pessoaque nunca se viu antes e se calhar nun-ca mais se verá. As longas horas noc-turnas ajudando em intervenções ci-rúrgicas para que me tinha oferecidopara ajudar, sem ganhar um tostão porisso. E no dia seguinte chegar antes dahora para preparar a visita médica, eficar o tempo que fosse preciso. A as-siduidade era marcada pelo trabalhofeito, por estar presente quando ne-cessário, quantas vezes tão depois da

hora de saída. E a escala (sim, escala, ecompletamente fora de qualquer ho-rário oficial e pago) para vir aos sába-dos, domingos e feriados ver os «nos-sos» doentes. Estavam no hospital maseram «nossos», estavam a nosso car-go, sentíamo-los como nossa respon-sabilidade directa. A nossa obrigaçãoera tratá-los, cuidar deles, mandá-losembora bem, ou o melhor possível, mar-cando encontro mais tarde para veri-ficar se continuavam bem. E quandoalgum internado piorava e o colega deserviço entendia que precisava de re-operação, telefonava sempre para oresponsável pelo doente avisando-o,discutindo o caso com ele, e quantasvezes era este que completamente forade horas ia operá-lo.Há poucos dias um antigo director doServiço passou por lá e, comentando-se «o dedo», perguntou: «Mas quandovêm cá ao domingo como é que fazempara ‘picar’ o ponto?» A resposta foiuma gargalhada a meia voz, meio en-cabulada: «Ninguém vem mais ao do-mingo, fora do seu horário».Do prazer, do entusiasmo, da disponi-bilidade mental permanente, da dedi-cação aos «nossos» doentes, das idascom interesse ao «nosso» hospital, aqualquer hora, ficou uma máquina decontrolo biométrico de assiduidade.Um pormenor tão pequeno, uma exi-gência dispendiosa tão gratuita, porinútil, como ela levou a uma radicaliza-ção tão grande duma mudança que jávinha a processar-se de há uns anospara cá! Desde que a saúde passou aser gerida administrativamente, e nãoclinicamente.É claro que quem tem uma profissãoadministrativa, sentado a uma secretá-ria, provavelmente nem compreenderábem o que estou a dizer, mesmo quetrabalhe num hospital. O que é curio-so é que a nova lei de gestão hospitalar,que dizem que foi feita para agilizar aadministração, o que conseguiu foi bu-rocratizar mais a saúde. Criando-se con-dições para expandir a saúde privada,em grande parte à custa de médicos edoentes da pública, vão-se tirando con-dições para esta poder competir comaquela. A liberalização dos hospitais es-

Page 22: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

29Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

tatais foi basicamente entregue a quemtem o espírito de funcionário público, edesta incongruência não se podia es-perar outra coisa.Hospitais transformados em empresase entregues a si próprios, ou melhor, aquem foi lá posto a dirigi-los. Que emmuitos casos querem acima de tudopoupar dinheiro, e para isso dispen-sam pessoal médico e outro, restrin-gem consultas e seleccionam patologi-as, afastando as mais dispendiosas. Co-mo um restaurante que para poupar

despede os chefes e fica só com os aju-dantes de cozinha, já que não precisade mais para servir carapaus fritos. Masterá de mandar os clientes de pratosmais sofisticados e mais caros paraoutro restaurante. O problema é setodos fizerem assim… Como ficará acomida no país?... Teremos de ir comer«paella» a Espanha?... E onde os novosaprenderão a cozinhar?«Isto está tudo feito num oito, caram-ba.» Ficou-nos o emprego, por enquan-to. E a medicina privada, felizmente em

expansão. «Não há-de ser sempre as-sim» – respondi eu. Será que é istoque temos para oferecer aos jovens quevenceram tantas dificuldades para re-alizar o sonho de ser médico? Este em-prego, ainda por cima tão mal pago?...Aos mais velhos vá que vai ficando arecordação do que durante trinta anosnão foi assim.O sistema de saúde mudou, a gestãohospitalar também, mas era sempremelhor o que passou. O presente éassim, tenhamos esperança no futuro.

O P I N I Ã O

Nessa noite, ao voltar a casa de umachamada a um monte (problema res-piratório), tinha à espera outra chama-da para um parto na vila. Quando en-trei em casa da parturiente, a avó (fa-ziam com frequência os partos das fi-lhas) disse-me: Como o Sr. Dr. Estavafora, tive que fazer o parto à minhafilha. O Sr. Dr. faça o favor de ver se ocordãozinho (umbilical) está bem ar-ranjado! Ao olhar para o cordão per-guntei à avozinha; que linha pôs nocordão? ÀAh! Como não tinha aquioutra coisa, tirei um atacador das bo-tas do irmão mais velho e «pusi-o»!(sic).

Algumas Recordações daMinha Juventude MédicaHá muitos anos (década

de 60) era chamado para

muitos partos, condição

sine qua non para ser

médico na província.

Nunca vi, em situações semelhantes,qualquer infecção!No comment, como seria agora na EuroNews!O consultório na residência; tem van-tagens e desvantagens, como é óbvio!Uma noite, alta madrugada, tocaram acampainha da porta.Um automóvel de aluguer de uma al-deia próxima, trazia a doente, o mari-do, a filha mais velha e o neto. Era cos-tume vir a família em peso! A doente«não obrava» (sic) há duas semanas!Passada a receita, o marido pediu paraa família ficar na sala de espera, en-quanto ele ia à Farmácia, porque esta-va muito frio e chovia. Passado um tem-po apreciável, deixei de ouvir qualquersussurro. Abri a porta e deparei comeste quadro; o marido já voltara, a fi-lha e o neto dormiam e a doente esta-va acocorada no chão envolta numamanta e sentada numa bacia que trou-xera de casa para, logo ali; ver se otratamento resultara e resolvia o pro-blema!

Contestação não existia no Dicioná-rio Médico!O meu pai, que também era médico,pediu-me um dia para o substituir nodia seguinte, por motivo de ausência.Fui visitar o doente, muito idoso, comcardiopatia e reumatismo articular.Estava medicado com cardiotónico (Di-gitalina Nativelle = gotas = duas gotaspor dia, e um analgésico líquido, for-mulado pelo Médico e manipulado naFarmácia local, em garrafa de litro, parafricções.Ao entrar na casa do doente, a mu-lher diz-me: muito obrigado por tervindo mas tem que passar uma receitapara o remédio da esfregão que só che-gou para uma vez; do coração aindatem para muito tempo. A bondosamulher esfregou-o com a Digitalina edava-lhe a beber com a fricção!!!E acrescentou: O meu marido estámuito melhor!

Pedro Pimenta JacintoMédico O.R.L., Ponte de Sor

Page 23: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

30 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

Cada exame deve ser adaptado ao tipode trabalho, às aptidões do trabalha-dor e aos riscos ocupacionais conhe-cidos. Pretende-se procurar despistar,tão cedo quanto possível, alteraçõesde saúde resultantes das condições detrabalho existentes, bem como avaliara capacidade do trabalhador para odesempenho de uma determinada ac-tividade, com o fim último de procu-rar adaptar o trabalho ao trabalhadore nunca exclui-lo do seu direito fun-damental ao trabalho (a OrganizaçãoInternacional do Trabalho, alerta paraque em circunstância alguma devemos exames de medicina do trabalho serusados como substitutos para a adop-ção de medidas de prevenção e con-trolo dos riscos1).

Os Exames de Saúde emMedicina do Trabalho

- As Doenças Infecciosas –

É objectivo último da Segurança e Saúde no Trabalho a preservação da saú-

de dos trabalhadores e a promoção de um ambiente de trabalho seguro e

saudável. A vigilância da saúde dos trabalhadores, da responsabilidade da Me-

dicina do Trabalho, deve ser condicionada pelos riscos ocupacionais presen-

tes nos locais de trabalho, necessariamente avaliados de forma sistemática.

Por esse motivo, não pode haver um modelo único de exame de saúde.

Os «testes diagnósticos»Em muitas ocasiões, o exame de saú-de pode englobar a realização de tes-tes de diagnóstico ou de despistagem.Esses testes, contudo, devem ser rele-vantes para a protecção da saúde dotrabalhador face aos riscos conheci-dos. São obrigatoriamente sujeitos aoconsentimento informado do trabalha-dor e devem ser executados com omínimo de risco possível, preferindo-se sempre os de natureza não invasiva.O Código do Trabalho, no seu artigo19º, limita fortemente a realização detestes ou exames para comprovaçãodas condições físicas ou psíquicas, em-bora reconheça a existência de situa-ções particulares previstas em legisla-ção específica de Segurança, Higiene eSaúde no Trabalho, condicionando-osà finalidade de protecção e segurançado trabalhador ou de terceiros. Emtodo o caso obriga à entrega de fun-damentação escrita ao trabalhador oucandidato a emprego.A boa prática e a regulamentação vi-gente exigem que o Médico do Traba-lho execute os exames de saúde naposse da informação mais completasobre os riscos ocupacionais presen-tes nos locais de trabalho. Esses exa-mes serão orientados, obrigatoriamen-te, em função dos riscos conhecidos,numa perspectiva constante de protec-

ção do trabalhador face a esses mes-mos riscos. Só serão, deste modo, ad-missíveis e justificáveis os testes que, emúltima análise, visem essa protecção.A relevância dos testes assenta no seucarácter de especificidade. Não deve-rão, por norma, ser solicitados examesque avaliem parâmetros ditos de roti-na. A boa prática, assente em estudosde carácter científico devidamente va-lidados, bem como legislação específi-ca, determinam quais os testes a reali-zar face a determinados riscos presen-tes: hemograma para vigilância dos ex-postos a radiações ionizantes, níveis dechumbo no sangue para os expostosa essa substância, são alguns dos exem-plos. Ainda assim, condicionados àexistência de níveis de exposição quese considerem relevantes.O caso particular dos testes de des-piste de doenças infecciosas e infecto-contagiosas deverá ser analisado tam-bém e sempre nesta perspectiva: rele-vância face aos riscos conhecidos pre-sentes no local de trabalho, adequa-ção ao processo de tomada de deci-são sobre a aptidão para o trabalho.Obviamente que, na avaliação da apti-dão para o exercício de funções, nãopode o Médico do Trabalho alhear-seda segurança de terceiros. Disso dáconta o já referido art. 19º do Códigodo Trabalho, bem como o Acórdão do

O P I N I Ã O

Page 24: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

32 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

O P I N I Ã O

Tribunal Constitucional nº 368/02, de25 de Setembro2. Mas, como se afir-mou já, na determinação de quais ostestes a realizar, mesmo para avaliarriscos de segurança de terceiros, ha-verá sempre que considerar a relevân-cia face ao risco existente.

A gestão do risco em Segurançano TrabalhoEm Segurança, a gestão do risco, pro-cesso conjunto de avaliação e de con-trolo desse risco, tem como fim últimomanter os riscos associados à organi-zação abaixo dos valores por ela tole-rados.Os conceitos de «perigo» e de «risco»são distintos. O «perigo» é uma pro-priedade intrínseca com potencial paracausar lesões para a saúde das pesso-as. O «risco» é já uma combinação deprobabilidades entre a ocorrência deum fenómeno perigoso (quantas vezespode ocorrer) e a gravidade das le-sões ou danos para a saúde das pes-soas expostas (que dano pode resul-tar). A noção de risco pressupõe, as-sim, a existência de exposição a umperigo. Na sua expressão mais simpleso risco traduzir-se-á por uma fórmulamatemática em que R (risco) = F (fre-quência) x G (gravidade). É bem dever que, se qualquer dos factores fornulo ou tender para zero, o risco re-sultante também o será.No processo de gestão do risco, apósidentificar perigos, estimam-se os ris-cos, quantificando-os através da apli-cação de escalas de frequência e gra-vidade, previamente construídas. Osvalores obtidos, que quantificam o ris-co, terão então de ser comparados comum referencial de risco chamado «acei-tável». A isto se chama valoração.A valoração é a etapa final da avalia-ção dos riscos e corresponde a um pro-cesso através do qual se fazem juízosde valor sobre a aceitabilidade do ris-co, tendo em conta um agregado defactores e critérios socio-económicose ambientais. A noção de aceitabilidadedo risco corresponde ao risco que osactores de um sistema aceitam incor-rer conscientemente, apesar de se dis-por de soluções conhecidas ou poten-

ciais que podem reduzir esse risco,porquanto tais soluções contêm umagregado de inconvenientes suficien-tes (custo, eficácia, …) para que a elesse renuncie. Trata-se, assim, de formu-lar um juízo, influenciado naturalmen-te pelo sentir de cada sociedade emcada época, num processo de perma-nente evolução. Ou seja, o nível de ris-co aceitável poderá, dentro do possí-vel, tender para zero, mas raramente oiguala.

Os testes de despistagem do VIH/SIDAO caso específico da infecção pelo VIH,pela carga discriminatória e de estig-matização que geralmente comporta,tem merecido especial atenção de vá-rios organismos, nacionais e internaci-onais. A Comissão Nacional de Pro-tecção de Dados, citada por André DiasPereira3, defende que o portador deVIH, na qualidade de candidato a em-prego, não está obrigado nem a forne-cer informação que lhe diga respeito,nem a ser submetido a qualquer teste.Esse tipo de informação não poderáser utilizada para impedir alguém deobter um emprego nem para funda-mentar o seu despedimento. No mes-mo sentido se pronuncia a O.I.T. noseu Código de Conduta sobre o VIH/SIDA (2001)1: os testes de despistagemde VIH/SIDA não devem ser solicita-dos para os candidatos a emprego nempara os empregados. Mais declara nãohaver justificação para solicitar aoscandidatos a emprego informação pes-soal sobre o seu estado de saúde quan-to a esta infecção.Os casos recentes de um cirurgião ede um cozinheiro, portadores do HIV/SIDA, a quem foram impostas limita-ções ao desempenho da sua activida-de profissional, nas quais se encontra-vam envolvidas, ao que tudo indica,decisões do âmbito da Medicina doTrabalho, trouxeram à ribalta preocu-pações antigas de discriminação laboral. A questão da legitimidade do pedidode testes de despistagem de infecçãopelo VIH no âmbito da Medicina doTrabalho deverá, em nosso entender,ser analisada à luz dos princípios ge-

rais, já enunciados, da gestão do risco:identificação dos perigos; estimativados riscos; valoração desses riscos.Identificado o perigo, de infecção peloVIH, há que estimar o risco decorren-te da exposição a esse perigo em con-texto ocupacional. A literatura cientí-fica mundial e múltiplas organizaçõescientifico-profissionais referem riscosde exposição muito baixos, vide virtu-almente inexistentes, quando se anali-sa, em particular, o risco de transmis-são do profissional de saúde para odoente. Existem, assim, estimativas derisco disponíveis para todos quantospretendam executar procedimentos degestão do risco. Faltará, porém, proce-der à valoração desse risco que, comovimos, se prende com a noção de acei-tabilidade.

O papel da Ordem dos MédicosNão estando o cidadão comum parti-cularmente informado por forma a quepossa, por si só, proceder a essa valora-ção, o mesmo sucedendo com muitosdos profissionais que com estas ques-tões se confrontam, em particular osMédicos do Trabalho, competirá a en-tidades próprias, das quais destacaría-mos a Ordem dos Médicos, procedera essa análise, emanando orientações,necessariamente baseadas em argu-mentação científica adequada.Não será demais realçar que o Médi-co do Trabalho, na esmagadora maio-ria dos casos, actua de forma isolada,sem mecanismos inter-pares de apoioà decisão, num ambiente em que asquestões de conflito de interesses as-sumem papel primordial. Atente-se nodever de lealdade para com a entida-de empregadora, porventura confli-tuante com o dever de lealdade paracom o trabalhador, o principal benefi-ciário da sua actividade. A isto acres-ce a ausência de orientações de actu-ação claras face a um número crescentede situações com que o Médico do Tra-balho se vai confrontando. A quemcompetirá definir linhas orientadorasde actuação e fornecer mecanismoscéleres de resposta às dúvidas de natu-reza técnica com que os Médicos doTrabalho se vão deparando? A respos-

Page 25: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

33Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

ta é, para nós, clara e inequívoca:à Ordem dos Médicos.É verdade, e de destacar, que a Or-dem dos Médicos, ao promover a rea-lização de um simpósio, na sua sede,no passado dia 24 de Novembro, su-bordinado ao tema «Risco e ética emCirurgia» pretendeu, de forma clara,demonstrar o interesse e actualidadeda questão. No entanto, apesar do vivodebate, não resultou, que se conheça,o lançamento de qualquer iniciativa fu-tura para, em sede própria, se proce-der ao estudo detalhado desta, e deoutras, questões do qual pudessem vira resultar orientações claras de actua-ção para os Médicos do Trabalho.No caso vertente, da infecção pelo

O P I N I Ã O

VIH/SIDA, consideramos obrigação daOrdem dos Médicos, à qual não po-derá alhear-se, a dinamização do es-tudo aprofundado desta questão, numprocesso que deverá envolver, à ca-beça, o Colégio da Especialidade deMedicina do Trabalho, mas tambémoutras áreas médicas e cirúrgicas, emesmo pessoas e organizações exter-nas, das quais destacaríamos a Ordemdos Médicos Dentistas e juristas queao estudo do problema se vêm dedi-cando. Seria um trabalho multidis-ciplinar do qual resultariam orienta-ções de natureza técnica com excep-cional utilidade, sobretudo para to-dos quantos, no exercício da activi-dade de Medicina do Trabalho, se po-

dem, a qualquer momento, ver con-frontados com tomadas de decisãopara as quais não encontram suportetécnico adequado. As mais-valias, ób-vias, estender-se-iam a toda a socie-dade que, assim se espera, poderiaadoptar atitudes e comportamentosmais racionais no lidar com as pesso-as que vivem com o VIH/SIDA.

Fontes Bibliográficas:

1. An ILO code of practice on HIV/AIDS andthe world of work. International Labour Office.Geneva. 20012. Diário da República II série, de 25-10-20023. Dias Pereira, A. Parecer para o Coordena-dor Nacional para a infecção VIH/SIDA. Cen-tro de Direito Biomédico. Faculdade de Direi-to da Universidade de Coimbra. Julho 2007

Page 26: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

34 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

Primeiros anos de luta e ju-ventude

«… nasci/Como um cabrito/Ou comoum pé de milho …», (M.T.)

Filho de gente do campo, simples ehumilde, da região do Alto Douro, asua terra S. Martinho de Anta (ou Aga-rez, tal como a descreve n’A Criação doMundo) confina com Trás-os-Montes epara si, ela representa o mesmo, comopara uma planta: um bom sítio de dei-tar raízes. Tem uma infância rural, sema singeleza bucólica tradicional da vidacampestre que cedo lhe dá a conhe-cer a dura realidade viva do campo,feita de constante e árduo trabalhoquase nunca reconhecido. Em 1913,sob a feliz orientação do mestre-esco-la, o senhor Botelho (o primeiro a en-tender as qualidades intrínsecas do alu-no) termina a escola primária: «quandofiz o exame da quarta classe e fiquei dis-tinto… meu pai, um pobre cavador sensí-vel, chorou de alegria e comprou-me umcavaquinho em Vila Real, no Bazar dos TrêsVinténs».Faz os primeiros estudos secundáriosno Seminário de Lamego, tendo de os

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

MIGUEL TORGA, A LIBERDADE HUMANA DA VOZABERTA AO MUNDO Por ocasião do centenário do seu nascimento

Miguel Torga1 (1907-1995) é o nome literário do médico, escritor e poeta portu-

guês Adolfo Correia Rocha. Nasce em S. Martinho de Anta (ou das Antas, devido

à sua antiguidade histórica megalítica), então pequena aldeia, hoje vila do Con-

celho de Sabrosa – Vila Real, no dia 12 de Agosto, filho de Francisco Correia

Rocha, «bom no ofício de cavador… que ganhava os dias a fazer o serviço de

vendeiro», e de Maria da Conceição Barros (a mãe por quem sempre manteve

uma especial ternura, tinha o costume de lhe dizer que «lhe falou na barriga»),

vindo a falecer em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995, aos 87 anos. É considerado

um dos mais importantes autores portugueses do século XX.

interromper por falta de vocação, con-tra a vontade do pai, na idade de 13anos e, obrigado sob pressão paterna aembarcar, em 1920, para o Brasil (nes-sa altura, filho de jornaleiro só pode-ria aspirar à carreira eclesiástica oucontinuar a dedicar-se ao amanho daterra) onde viveria para labutar, semsalário, durante cinco anos na fazendadum tio, a Quinta de Santa Cruz. Aí,além de trabalhar como capinador decafé, trata da escrita relativa à conta-bilidade da propriedade, cuida dosanimais e tudo o mais que seja preci-so; nas horas vagas aprende a andar acavalo, é caçador de cobras e começaa escrever os primeiros versos. O mes-mo tio ao aperceber-se das potenciali-dades intelectuais do sobrinho paga-lhea continuação dos estudos no muni-cípio de Leopoldina no Estado de Mi-nas Gerais. Após vários desentendimen-tos no seio familiar ou pela perene sau-dade, tão típica lusitana, regressa a Por-tugal em 1925, sem antes, ao entrar emcontacto directo lá no outro lado daTerra com a imensidão bravia da natu-reza, dar-se conta da pequenez do ho-mem perante o mundo e um Deus nemsempre tão fraterno e misericordioso.

Já em Coimbra, completa o curso dosliceus em apenas três anos (com a aju-da providencial do rico parente brasi-leiro), resultado da sua aplicação etenacidade e da sua obstinada decisãode recuperar o tempo perdido. Ingres-sa em seguida na Faculdade de Medici-na onde se forma em 1933, aos vinte eseis anos, como conta no Diário, vol. I:«Passo por esta Universidade como cãopor vinha vindimada. Nem eu reparo nela,nem ela repara em mim».Ainda estudante de medicina e jovem li-terato inicia-se na leitura dos grandesnomes da literatura mundial: Dostoiévski,Tolstói, Ibsen, André Gide, Proust, CecíliaMeireles, Jorge Amado, etc.. O pai sem-pre preocupado com o futuro do filho,mais com a ideia de ser poeta, desabafa:«Deixa-te de escrevedoiros e de modernicese trata da tua vida», in quarto dia d’A Cria-ção do Mundo. Ao mesmo tempo viaja pelaEuropa, sempre atento ao seu País e a

1 Torga – nome vulgar extensivo a plantas es-pontâneas da família das Ericáceas, tambémchamada urzes – arbustos de grande porteque se desenvolvem nos matos, pinhais,carvalhais, e charnecas húmidas, próximo derios e ribeiros, em todo o Portugal.

Page 27: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

35Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

Espanha, para manter viva a sinfonia ibé-rica torquiana, das suas terras e gentes.Exerce a profissão de médico na terranatal e noutras localidades: Vila Nova(Miranda do Corvo), Leiria, Arganil, fi-xando-se por fim em Coimbra, comoespecialista de otorrinolaringologia, em1941. Abre consultório no Largo daPortagem, com vista sobre o Mondego– a sua janela para o mundo, que sóencerraria já muito perto do fim.Miguel Torga, avaliou sempre a consul-ta médica como uma celebração secu-lar, em que se conjuga a experiênciado natural (ingénito) com a do sobre-natural2, «Os segredos que vivem sepul-tados nas quatros paredes deste consul-tório! E que responsabilidade humana euassumi no dia em franqueei a porta doconfessionário!», Diário, vol. VII.É nesta cidade, na casa de VitorinoNemésio, em Tovim que aos fins-de-semana, em pequenas tertúlias comprofessores e intelectuais, como PauloQuintela e Afonso Duarte, conhece em1939, a futura mulher – Andrée Crab-bé (1917-2003), estudante belga de Es-tudos Portugueses (conferidos porNemésio em Bruxelas) que viera aPortugal para frequentar um curso deférias na Universidade de Coimbra –mais tarde professora universitária eensaísta, além de inestimável e com-preensiva companheira de todos osdias do poeta.Sobre ela, escreve Torga no volumeDiário I: «S. Martinho de Anta, 21 de Se-tembro de 1940. Aqui estou. Vim mostrara mulher aos velhos, à Senhora da Azi-nheira e ao negrilho. Gostaram todos».

Acção literária

«... o meu rosto, presente ou futuro, estános livros que escrevi. É neles que disse

quem sou e como sou…» (Diário XVI)

Estreia-se nas letras em 1928 com ovolume de versos Ansiedade, e tal comooutros jovens intelectuais universitáriosda vaga do segundo modernismo, é con-siderado em linguagem literária arroja-do pela sua nova estética, o que deixaantever a força do seu talento criadorna consagração desse movimento.

Literariamente ligado, de princípio, àfundação do grupo e da revista coim-brã Presença (1927) – com nomes comoJosé Régio, João Gaspar Simões, Bran-quinho da Fonseca, Edmundo de Bet-tencourt, Casais Monteiro –, com quemcolabora intensamente e mais tardecom a Revista de Portugal dirigida porVitorino Nemésio. Mas, pelo seu indi-vidualismo e com a tendência naturalpara se libertar de toda a obrigação,logo se afasta por volta de 1930 e fun-da com Branquinho da Fonseca, a Si-nal de que sai apenas um número. Di-rige depois a revista literária Manifes-to também de vida curta.Esta precoce dissidência reflecte umacaracterística primordial da sua per-sonalidade: uma entidade ao mesmotempo impetuosa e intransigente, queo vai manter afastado, ao longo da vida,de escolas literárias e mesmo do con-tacto com as modas nos habituais cír-culos do meio cultural português.Os primeiros livros de poesia: Ansieda-de (1928), Rampa (1930), Tributo(1931), Abismo (1932) e Pão Ázimo (es-treia em prosa), ainda são assinadoscom o seu nome verdadeiro, AdolfoRocha que vai conservar no futuro du-rante a actividade médica. A partir de1934, com A Terceira Voz, adopta o nomeliterário de Miguel Torga: Miguel sob ainfluência de três grandes escritores he-terodoxos espanhóis, Cervantes, Moli-nos e Unamuno. Torga, porque eu souquem sou, urze campestre, cor de vinho,de raízes fortes agarradas e duras, meti-das entre as rochas; endémica nas serra-nias desabrigadas e agrestes trasmon-tanas. Assim como eu sou duro e tenhoraízes em rochas duras, rígidas, Torga é umnome ibérico, característico da nossa pe-nínsula.Vai continuar a prosseguir o seu cami-nho solitário na escrita, por ter chega-do à conclusão de que a autenticidadepoética, a pureza e a fidelidade pessoaissão impossíveis em grupo3.Os anos trinta, com os livros Tributo,Abismo e O Outro Livro de Job, de gran-de audácia formal, revelam um pensa-mento agreste e inconformista que aochamar sobre si, toda a atenção quan-to aos cânones literários por si impos-

tos, divide ao mesmo tempo, críticos epúblico, mas todos reconhecem o va-lor único que se revelava na sua obra,dentro da moderna literatura portu-guesa. Em 1932 inicia a publicação doque seriam os dezasseis volumes doDiário com perto de 4000 páginas deprosa e poesia. A partir dos finais dadécada de trinta (1937) com Os DoisPrimeiros Dias d’A Criação do Mundo,começa a editar este seu romance au-tobiográfico. De igual modo, passa aser conhecido como poeta e ganha re-nome com os seus contos ruralistaspela expressividade da sua linguagem.O ano de 1940 é importante para Torga,por vários motivos. Em Fevereiro é li-bertado do Aljube ao manter a sua ina-balável intervenção cívica, na oposiçãoao regime e na denúncia dos crimesda guerra civil espanhola, o que induza apreensão de algumas das suas obraspela censura e, mesmo, a prisão tem-porária pela polícia política portugue-sa. A 27 de Julho casa com AndréeCrabbé. No mesmo ano, o publicitadovolume de contos Bichos é distribuídonas livrarias e tal como, Contos da Mon-tanha (1941) é um dos seus livros maistraduzidos.

2 Clara Rocha refere in Miguel Torga, Foto-biografia, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2000,p. 82: «…a experiência do natural, porque é quan-do está mais indefeso, e portanto é mais autêntico,que o doente se aproxima do médico. E a dosobrenatural, porque o clínico é um outro feiticeiroque carrega os males e os demónios da tribo...».3 José María Moreiro, Eu, Miguel Torga, Difel,2001, p. 295.

Page 28: S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos MédicosE enquanto, no continente, se mantém uma medida de cariz burocrático injus-tificável, nos Açores, a autoridade re-gional da Saúde

36 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março 2008

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

Notável contista, poeta, romancista,ensaísta, dramaturgo, autor de vasta evária produção literária com mais de50 trabalhos publicados desde os 21anos, em frequentes edições de autore à margem de políticas editoriais. Oideário do pensamento e a atitude exis-tencial de Miguel Torga vão ser influ-enciados pela acção do escritor, poetae filósofo basco, Miguel de Unamuno(1864-1936), a partir do ensaio «DelSentimento Trágico de la Vida».A sua escrita, plena de simbologia bíbli-ca, encontra-se, mais imbuída dum sen-tido divino que transfigura a natureza edignifica o homem na sua relação histó-rica ambivalente face ao sublime, relati-vo a uma divindade sobrenatural, a que

se convencionou chamar de Deus. Pelaimagética do conjunto da obra literáriaserá várias vezes premiado e nomeadopara o Nobel da literatura.

O médico-escritor

«O homem é, por desgraça, umasolidão: Nascemos sós, vivemos sós e

morremos sós.», (M.T.)

O médico, pela sua formação acadé-mica e na sua prática clínica diária con-vive com a vida, com ou sem doença (aarte de curar), tentando manter o seudoente com saúde e, se possível, adiarsine die o inevitável tempo da morte.O escritor aparece e desenvolve a sua

criatividade pela necessidade de liber-tar-se através da expressão literária, daangústia que sentiu, assimilou, e expe-rimenta, ao caminhar pelos destinos dahumanidade.O médico absorve intrinsecamenteessa angústia que é superior às suaspróprias forças, pela intranquilidadeinterior permanente, a que está sujei-to todos os dias.Historicamente, o número de médicosque se tem dedicado à Literatura é ele-vado. Entre alguns dos mais conheci-dos lá fora, temos: Tchekhov ,Scheweitzer, André Breton, AxelMunthe, Conan Doyle, SomersetMaugham. Dos portugueses e maisrecentemente, destaco: Júlio Dinis,

Egas Moniz, Júlio Dan-tas, Manuel Laranjei-ra, António Patrício,Jaime Cortesão, Mi-guel Torga, FernandoNamora, BernardoSantareno, AntónioLobo Antunes.Miguel Torga ao ter-seimposto desde muitocedo como homem deLetras vai manter, em si-multâneo, a sua activida-de profissional de clíni-co, prolongando assim anobre tradição do mé-dico-escritor de que aMedicina reiteradamentese orgulha.Sempre avesso a entre-vistas, não deu mais quemeia dúzia em vida; mes-mo assim, não conseguiuque a sua forte persona-lidade telúrica e de lobosolitário, escapasse aoregisto indelével na me-mória dos vindouros.Após a sua morte ocor-rida no Hospital deOncologia de Coimbra,é sepultado no cemité-rio da terra que o viunascer, sem nenhumacerimónia religiosa. Aolado, é-lhe plantada emsua memória, uma Torga.