rudolf smend e os direitos fundamentais como...

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Rudolf Smend e os direitos fundamentais como integração: esboço para uma crítica da fundação axiológica dos direitos. Paulo Sávio Peixoto Maia * 1. Introdução: a atualidade de Rudolf Smend. Nos últimos tempos a República de Weimar passou a receber notável atenção acadêmica. Um interesse que em muito se deve à qualidade do debate instaurado na Alemanha a partir de 1919. Um debate que tinha a seguinte questão de fundo: o que é uma Constituição? Como ela pode acoplar direito e política sem que estes domínios não percam as suas respectivas identidades 1 ? As soluções para tanto, fornecidas pelo “laboratório Weimar”, foram inúmeras. A busca pela melhor descrição de uma ordem constitucional baseada na soberania popular em um tempo de democracia de massas deu luz a uma fábrica de idéias das mais ricas que a história constitucional dá notícia 2 . A esse debate intenso se costuma chamar Methodenstreit, “luta pelo método” 3 . Os constitucionalistas, de todos os lugares, têm valorado esse debate, que tem se mostrado fértil na tarefa de problematizar o tempo presente. Os debates agônicos dos * Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Professor na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogado. 1 LUHMANN, Niklas. “La Costituzione come acquisizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo. PORTINARO, Pier Paolo. LUTHER, Jörg (orgs.). Il Futuro della Constituzione. Torino: Einaudi, 1996, pp. 83-128. 2 FROSINI, Tommaso Edoardo. “Costituzione e sovranità nella dottrina della Germania di Weimar”. In: Il Politico: Rivista Italiana di Scienze Politiche. Ano LXI, nº 1. Pavia: Università degli Studi di Pavia, janeiro-março de 1996, pp. 96-97. Para o leitor brasileiro, a introdução mais acessível e de excepcional qualidade é: BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004, pp. 25-50 (nas quais o autor analisa como os direitos fundamentais, mormente aqueles que disciplinavam a ordem econômico-social, foram percebidos em Weimar, por seus juristas coevos). 3 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945. Trad. Thomas Dunlap. Oxford: Oxford University Press, 2004, pp. 139-145.

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Rudolf Smend e os direitos fundamentais como integração: esboço para uma crítica da fundação axiológica dos direitos.

Paulo Sávio Peixoto Maia*

1. Introdução: a atualidade de Rudolf Smend.

Nos últimos tempos a República de Weimar passou a receber notável atenção

acadêmica. Um interesse que em muito se deve à qualidade do debate instaurado na

Alemanha a partir de 1919. Um debate que tinha a seguinte questão de fundo: o que é

uma Constituição? Como ela pode acoplar direito e política sem que estes domínios não

percam as suas respectivas identidades1? As soluções para tanto, fornecidas pelo

“laboratório Weimar”, foram inúmeras. A busca pela melhor descrição de uma ordem

constitucional baseada na soberania popular em um tempo de democracia de massas deu

luz a uma fábrica de idéias das mais ricas que a história constitucional dá notícia2. A

esse debate intenso se costuma chamar Methodenstreit, “luta pelo método”3.

Os constitucionalistas, de todos os lugares, têm valorado esse debate, que tem

se mostrado fértil na tarefa de problematizar o tempo presente. Os debates agônicos dos

* Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Professor na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogado.1 LUHMANN, Niklas. “La Costituzione come acquisizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo. PORTINARO, Pier Paolo. LUTHER, Jörg (orgs.). Il Futuro della Constituzione. Torino: Einaudi, 1996, pp. 83-128.2 FROSINI, Tommaso Edoardo. “Costituzione e sovranità nella dottrina della Germania di Weimar”. In: Il Politico: Rivista Italiana di Scienze Politiche. Ano LXI, nº 1. Pavia: Università degli Studi di Pavia, janeiro-março de 1996, pp. 96-97. Para o leitor brasileiro, a introdução mais acessível e de excepcional qualidade é: BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004, pp. 25-50 (nas quais o autor analisa como os direitos fundamentais, mormente aqueles que disciplinavam a ordem econômico-social, foram percebidos em Weimar, por seus juristas coevos). 3 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945. Trad. Thomas Dunlap. Oxford: Oxford University Press, 2004, pp. 139-145.

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publicistas de Weimar foram objeto de várias obras de alento, como a de David

Dyzenhaus4, ou de coletâneas como a de Carlos-Miguel Herrera5 e a de Jean-François

Kérvegan6. Em comum a todas elas: nenhum capítulo sequer é devotado a Rudolf

Smend. Isso seria um indício de que o autor a ser estudado neste ensaio não mais possui

atualidade ou utilidade? Decididamente, não. O fato de pouquíssimos livros e artigos

serem voltados a Smend talvez apenas signifique que aquilo que não foi esquecido não

precisa ser lembrado: Smend não foi “resgatado” porque não deixou de ser utilizado.

Com efeito, as contribuições teoréticas de Smend balizam tanto a doutrina

quanto a jurisprudência alemãs7. Um exemplo é o conceito de “lealdade federal”

(bundesfreundliches Verhalten), cunhado por Smend em escrito de 1916 e que é

utilizado como razão de decidir em questões federativas enfrentadas pelo Tribunal

Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht – BVerfG)8. Um outro exemplo,

decididamente o mais importante, é fornecido pela noção de “ordem concreta de

valores”: em nenhum outro lugar o legado de Smend foi tão influente.

O BVerfG tem uma autocompreensão de que é sua missão institucional

concretizar uma ordem concreta de valores; ordem essa que se encontra subjacente ao

arcabouço constitucional do Estado ao mesmo tempo que lhe confere legitimação. Essa

crença irracional torna possível ao Tribunal se desvincular da lei e, assim, utilizar-se de

qualquer argumento para a decisão de um caso concreto9. Tal postura teve início tão

4 DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy: Carl Schmitt, Hans Kelsen and Hermann Heller in Weimar. Oxford: Oxford University Press, 1999.5 HERRERA, Carlos-Miguel. Le droit, le politique: autour de Max Weber, Hans Kelsen, Carl Schmitt. Paris: L’Harmattan, 1995.6 KÉRVEGAN, Jean-François (org.). Crise et pensée de la crise en droit: Weimar, sa république et ses juristes. Paris: ENS Éditions, 2002.7 Em sua polêmica com Jürgen Habermas acerca da (des)necessidade de uma Constituição para a Europa (ante a realidade da integração que já acontece no âmbito do mercado), Dieter Grimm se vale precisamente do conceito de integração, embora com significado um pouco diverso daquele utilizado por Smend: GRIMM, Dieter. “Integration by Constitution”. In: International Journal of Constitutional Law. Volume 3, Números 2 & 3. Oxford, New York: Oxford Jounals; New York University School of Law, 2005, pp. 193-208.8 Disse o tribunal por ocasião do acórdão BVerfGE 12, 205: “No Estado federal alemão, a totalidade das relações constitucionais entre a Federação e seus Estados, assim como as relações entre os Estados, devem ser regidas pelo princípio constitucional – não escrito – do dever recíproco, por parte da Federação e dos Estados, de um comportamento leal (ver Smend, Ungeschriebenes Verfassungsrecht im monarchischen Bundesstaat, Festschrift für Otto Mayer, 1916, pp. 247 e ss.). O Tribunal Constitucional tem desenvolvido sobre esse ponto uma série de deveres legais concretos”. Cf. SCHWABE, Jürgen (org.). Cincuenta años de jurisprudencia del tribunal constitucional federal alemán. Trad. Marcela Gil. Bogotá: Ediciones Jurídicas Gustavo Ibañez; Sankt Augustin bei Bonn: Konrad Adenauer Stiftung, 2003, p. 347. Cf., também, sobre a “lealdade federal” as observações de: KOMMERS, Donald P. The Constitutional Jurisprudence of the Federal Republic of Germany. 2ª ed. Durham: Duke University Press, 1997, pp. 69-75.9 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, pp. 315 e 321.

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logo o BVerfG foi instalado, em 195110. Em um primeiro momento, o BVerfG chegava

ao ponto de falar que haveria um direito suprapositivo, consubstanciado em uma ordem

concreta de valores, a ser identificada pelo Tribunal, que tornaria possível jogar na vala

da inconstitucionalidade até mesmo artigos da Lei Fundamental (Grundgesetz) de

194911.

Em um segundo momento, inaugurado pela sentença-Lüth (1958), o Tribunal

começa a adotar uma posição menos megalomaníaca, mas não menos metafísica: a

ordem concreta de valores é personificada nos direitos fundamentais12. Robert Alexy

consiste, concomitantemente, no grande entusiasta, expositor e fundamentador dessa

posição13. Segundo ele, a importância da sentença-Lüth reside no fato de que ela “une

três idéias que enformaram (sic) fundamentalmente o Direito Constitucional Alemão”14:

A primeira é que a garantia jurídico-constitucional de direitos individuais não se esgota em uma garantia de direitos de defesa do cidadão clássicos (sic) contra o Estado. Os direitos fundamentais personificam, como diz o tribunal constitucional federal, “também um ordenamento de valores objetivos”. (...). A segunda idéia, estritamente unida com a primeira, é que os valores jurídico-fundamentais ou princípios valem não somente para a relação entre o Estado e o cidadão, mas muito além disso “para todos os âmbitos do direito”. (...). A terceira idéia resulta da estrutura dos valores e dos princípios. Valores como princípios são propensos a colidir. Uma colisão de princípios somente por ponderação pode ser resolvida. A mensagem mais importante para a vida cotidiana jurídica da decisão-Lüth diz, por isso: “torna-se necessária, por conseguinte, uma ponderação de bens”15.

10 Para uma descrição da institucionalização do BVerfG, Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 3-6.11 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? (1951) Trad. José Manuel Cardoso da Costa. Coimbra: Ed. Almedina, 2008, pp. 18-35, principalmente.12 Uma profunda desconstrução dessa postura do BVerfG e do Supremo Tribunal Federal, foi feita por Juliano Zaiden Benvindo, Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília por ocasião de sua tese de doutorado (que fora orientada por Bernhard Schlink na Humbolt Universität zu Berlin, Alemanha, e aprovada com a menção summa cum laude). Tese recém-publicada no idioma de Shakespeare: BENVINDO, Juliano Zaiden. Towards a concept of limited rationality in constitutional adjudication: a critical response to balancing in German and Brazilian constitutional cultures. Heildelberg: Springer Verlag, 2009.13 Para uma crítica do posicionamento teorético de Alexy, adotado pelo Supremo Tribunal Federal à condição de seu “marco teórico oficial”, Cf. BARBOSA, Leonardo A. de Andrade. “Notas sobre colisão de direitos fundamentais e argumentação jurídica: um diálogo entre Robert Alexy e Klaus Günther”. In: Novos Estudos Jurídicos. Vol. 13, Nº 2. Itajaí: Univali, julho-dezembro de 2008, pp. 23-37.14 ALEXY, Robert. “Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista de Direito Privado. Ano 6, vol. 24. São Paulo: Ed. RT, outubro-dezembro de 2005, p. 336.15 ALEXY, Robert. “Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista de Direito Privado, pp. 336-337.

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O nexo interno entre a doutrina de Rudolf Smend e o método decisório do

BVerfG, que por meio de uma ponderação “revela” a ordem concreta de valores, é

traçado por ninguém menos que o próprio Robert Alexy. A posição de proeminência

dos tribunais constitucionais, aduz Alexy, é resultado da conjugação de uma força de

validade formal com uma densidade de normatização material16. Do ponto de vista

formal (isto é, da força cogente de suas decisões) a fundamentação dos tribunais

constitucionais se deve a Hans Kelsen17. De um ponto de vista material, todavia, foi

Smend quem deu a melhor contribuição. Foi com a sentença-Lüth que o BVerfG

conseguiu unir forma e matéria: “Com isso, o postulado de Kelsen da força de validade

formal foi, com a intepretação de Smend do catálogo de direitos fundamentais como

expressão de um ‘sistema de valores ou de bens, um sistema de cultura’, unido”18. Para

Alexy, são estes os pressupostos da supremacia dos tribunais constitucionais pelo

mundo; entre eles o nosso Supremo Tribunal Federal, que há algum tempo realiza a

“ponderação”, principalmente quando é o caso de desrespeitar direitos fundamentais

(como mostra o exemplo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9)19.

Tudo isso faz revelar a importância da teoria da integração de Smend para a

conformação do conceito de direitos fundamentais. Neste trabalho, problematizaremos

esse senso comum do direito constitucional contemporâneo. Para tanto, propomos um

roteiro. Primeiro, teceremos algumas palavras sobre o pano de fundo teológico e

conservador existente nos escritos de Smend. Segundo, descreveremos o conceito

central do pensamento de Smend, a “integração”. Terceiro, situaremos a “integração”

no contexto histórico da “desintegrada” República de Weimar. Quarto, abordaremos o

conceito de Constituição de Smend, e sua busca por uma “matéria constitucional”,

16 ALEXY, Robert. “Direito constitucional e direito ordinário. Jurisdição constitucional e jurisdição especializada”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista dos Tribunais. Ano 91, volume 799. São Paulo: Ed. RT, maio de 2002, p. 33.17 Alexy cita, como contribuição decisiva de Kelsen, para o tema, sua comunicação apresentada por ocasião do encontro de 1928 da Vereinigung der Duetschen Staatsrechtlehrer (Associação dos Professores Alemães de Direito Público). Como tal exposição de Kelsen foi publicada um pouco antes em Francês – fruto de palestra proferida no Institut International de Droit Public, no mesmo ano de 1928, em sessão presidida por Raymond Carré de Malberg – ela fez fortuna pela América Latina. Cf. KELSEN, Hans. “La garantie jurisdictionelle de la Constitution (La justice constitutionelle)”. In: Revue de Droit Public et de la Science Politique en France et a l’Étranger. Tomo 35, Ano 35. Paris: E. Brière, 1928, pp. 197-257. Há tradução para o português: KELSEN, Hans. “A jurisdição constitucional” (1928). In: Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 121-186.18 ALEXY, Robert. Direito constitucional e direito ordinário. Jurisdição constitucional e jurisdição especializada. Trad. Luís Afonso Heck. Revista dos Tribunais, pp. 34-35.19 Trata-se de uma repaginação da raison d’État medieval: em um juízo (irracional) de ponderação, o Código de Defesa do Consumidor foi derrogado judicialmente por meio de um terrorismo argumentativo que previa o colapso do país em caso de decisão contrária àquela postulada pela Advocacia-Geral da União.

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concebendo-o como uma resposta ao seu contexto histórico. Quinto, veremos o porquê

de Smend acreditar que os direitos fundamentais são aptos a doar “materialidade”: isso

é percebido quando analisamos a polêmica palestra de Smend de 1933, na qual critica

Carl Schmitt abertamente. É aí que encontraremos um ponto em comum que muito diz

sobre a teoria dos direitos fundamentais.

2. Projeções biográficas na teoria: entre autoritarismo e iconoclastia.

Nascido em uma família composta por vários teólogos e juristas, a tensão entre

“igreja” e “Estado” sempre se fez presente na vida de Smend. Conquanto tenha

conseguido importantes cargos de professor de Direito Público (Staatsrecht) em

universidades como Tübingen (1911), Bonn (1915), Berlin (1922) e Göttingen (1935),

Smend também ocupou, entre 1945-1955, assento no Conselho da Igreja Protestante na

Alemanha (Rat der Evangelischen Kirche in Deutschland), que é o órgão de direção da

Igreja Protestante20. Smend exerceu, também, atividade político-partidária, uma vez que

pertenceu, até 1930, ao DNVP, sigla de Deutschsnationale Volkspartei21: um partido de

extrema-direita que sempre assumiu uma postura anti-República de Weimar, desde a

constituinte de 1919 até o golpe nazista de 193322.

Quando se leva em consideração essas esquemáticas notas acerca das opções

políticas da vida de um literato, não é de se assustar caso se encontre, em sua produção

bibliográfica, uma ou outra declaração favorável ao fascismo:

Uma das grandes virtudes do fascismo (independentemente da valoração que se faça do fascismo como um todo) é precisamente a de ter sabido detectar a necessidade de uma integração global. Não obstante a recusa do liberalismo e do parlamentarismo, o fascismo soube manejar com maestria as técnicas de integração funcional, e soube substituir conscientemente a integração substantiva do socialismo por outros elementos muito eficazes, tais como o mito da Nação, o Estado coorporativo, etc.23

20 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 208.21 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism. Durham: Duke University Press, 1997, p. 123.22 Cf. GRAIG, Gordon A. Germany: 1866-1945. Oxford: Oxford University Press, 1978, pp. 505-511.23 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, pp. 112-113.

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E quando o pano de fundo teológico que subjaz à formação de Smend é

conduzido ao primeiro plano, o leitor não pode se assombrar com o conceito de

democracia de Smend, delineado em Protestantismus und Demokratie (1932). Em tal

escrito Smend entende a democracia a partir de um raciocínio puramente religioso,

quando afirma que “também na democracia há a necessidade de crença: em si mesma,

nos próprios valores, na própria dignidade”. O protestantismo poderia contribuir com a

democracia na medida em que poderia “dar aquele grau de homogeneidade espiritual

que constitui o pressuposto de uma democracia internalizada”24.

De se ressaltar que a doutrina de Smend não é ontologicamente autoritária.

Entretanto, é fato que seus escritos se prestam muito bem a um uso antidemocrático25.

Por mais que Smend não tenha colaborado pessoalmente com o III Reich26, quando a

democracia é definida como a “homogeneidade espiritual de uma comunidade de

valores”, isso em quase nada difere, por exemplo, da pretensão do Partido Nacional-

Socialista dos Trabalhadores alemães (NSDAP) de ser o “elemento de ordem da

comunidade”, ante o surgimento do völkischer Führerstaat inaugurado com o assalto

nazista ao poder27. Isso porque tanto os conceitos de “democracia” dos totalitarismos do

século XX quanto o conceito smendiano de democracia tem uma coisa em comum:

buscam a homogeneidade com o mesmo vigor em que abominam as diferenças, o

“outro”28.

Entretanto, por mais que as consequências reacionárias das escolhas de Smend

saltem aos olhos, Peter C. Caldwell mostrou-se perspicaz quando vislumbrou que o iter

24 LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale. Bologna: il Mulino, 1987, p. 196.25 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism, p. 126. 26 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 20827 STOLLEIS, Michael. “Que signifiait la querelle autour de l’État de droit sous le Troisième Reich”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, p. 377.28 Uma reflexão acerca do conceito de democracia na contemporaneidade, chamando a atenção para os riscos dos “democratas” que desconsideram as diferenças ao acreditarem que a vontade da maioria é sempre democrática por antonomásia, pode ser encontrada em: MOUFFE, Chantal. “Pensando a democracia moderna com, e contra, Carl Schmitt”. Trad. Menelick de Carvalho Netto. In: Cadernos da Escola do Legislativo. Ano 1, Vol. 2. Belo Horizonte: Assembléia Legislativa, julho-dezembro de 1994, pp. 91-107. Cf. também, na mesma linha de valorização das diferenças para a confecção da identidade constitucional de um país: ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2003.

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acadêmico de Smend também ostenta um quê de iconoclastia29. Mormente no plano da

epistemologia jurídica.

Em um ambiente dominado pelo positivismo legalista, Smend, desde seus

primeiros escritos, tomou como missão sua a de criticar essa compreensão teorética que

entende que todo o direito está contido em regras gerais e abstratas. Essa postura é

perfeitamente ilustrada quando se observa a sua trajetória acadêmica. Sua tese de

doutorado, defendida em Göttingen, aos 22 anos, tratou de fazer uma comparação entre

a Constituição da Prússia de 1850 e a Constituição belga, de 183130. Essas duas

constituições têm muitas regras que são absolutamente idênticas; caso o intérprete adote

um enfoque legalista que se prende somente ao texto, acredita Smend, as diferenças

passam por alto: entrementes, é a valorização do contexto subjacente a cada texto que

faz surgir diferentes significados para cada um dos dois textos31. Ele aponta, então, que

as diferenças só se fazem perceber quando se leva em conta que a Constituição belga é

do tipo “revolucionária abstrata” – pelo fato de ser baseada no princípio da soberania

popular – por sua vez a da Prússia é do tipo “histórica”, porquanto assentada no

princípio monárquico32.

Já em sua tese de livre-docência (Habilitationschrift), aos 24 anos em Kiel,

Smend confeccionou um estudo de história do direito, acerca do Reichskammergericht,

sob a orientação de Albert Hänel, que era um dos mais destacados críticos do teórico-

chefe do positivismo jurídico daquela época: Paul Laband33. Ainda no que toca a seus

escritos de juventude, seu artigo de 1916, Ungeschriebenes Verfassungsrecht im

monarchischen Bunsdesstaat, conclui que as relações entre o ente federal central

(Reich) e os Estados (Länder) não são regidas pelas regras contidas na Constituição de

1871, mas sim por um “direito não-escrito” oriundo de uma práxis constitucional

informada por uma “lealdade federal” (Bundestreu)34.

O que essas três obras noticiam? Diríamos que elas exemplificam a postura,

encampada por Smend, de combate ao positivismo. Uma “interpretação autêntica” 29 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism, p. 122.30 Trata-se de: Die preuβische Verfassungsurkunde im Vergleich mit der Belgischen, de 1904.31 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 207.32 LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale, pp. 178-179.33 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 208.34 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 208.

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confirma isso: em escrito de 1973, aos noventa e um anos, Smend interpretou que os

seus esforços, durante a República de Weimar, se inseriam em um contexto de uma

Kampfgemeinschaft (comunidade de luta) contra o positivismo jurídico35. Comunidade

integrada por Carl Schmitt, Hermann Heller e todos os juristas que buscavam superar o

positivismo36.

A sua obra-prima, Verfassung und Verfassungsrecht (1928), se insere nessa

assim-chamada “luta”; seu caráter “polêmico” se mostra com nitidez. Nela, Smend

busca refundar a teoria do Estado com um enfoque material, para além do positivismo

jurídico, para além do mero texto constitucional37. Suas palavras, nesse sentido, são bem

claras:

O que a teoria jurídica do Estado precisa é, por isso, de uma teoria material do Estado. Uma teoria do Estado que, independentemente de toda aquela anterior, possua uma justificação própria, enquanto ciência do espírito que abarca o âmbito cultural e espiritual da dinâmica estatal. Nesse ponto, em grandes linhas, usualmente se está de acordo: claro, desde que não se venha de Viena.

Há duas coisas a serem valorizadas nessa transcrição. A primeira é a

enunciação do método geisteswissenschaftlich, “próprio às ciências do espírito”, para

compreender a “dinâmica estatal”. A segunda é o caráter polêmico existente no tempo

Weimar entre, de um lado, Hans Kelsen – identificado como o grande representante do

positivismo formalista – e, de outro lado, a Kampfgemeischaft, isto é, todos os outros

teóricos que buscavam uma materialização da teoria do Estado, para além e contra o

positivismo. Isso fica evidenciado na sentença “desde que não se venha de Viena”.

Esses dois elementos – centrais não só na transcrição supra, mas em todo o pensamento

de Smend – se entrelaçam: o método geisteswissenschaftlich é o modo de doar

“substância” à teoria do Estado e, ao mesmo tempo, a mais eficaz forma de combater o

positivismo “de Viena” (rectius, de Kelsen)38. Vejamos.

35 ZAGREBELSKY, Gustavo. “Introduzione”. In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988, p. 5. 36 BISOGNI, Giovanni. Weimar e l’unità politica e giuridica dello Stato: saggio su Rudolf Smend, Hermann Heller, Carl Schmitt. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2005, p. 87.37 GUSY, Christoph. “Le principe du Rechtsstaat dans la République de Weimar: crise de l’État de droit et crise de la science du droit public”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, pp. 335-337.38 BISOGNI, Giovanni. Weimar e l’unità politica e giuridica dello Stato: saggio su Rudolf Smend, Hermann Heller, Carl Schmitt, pp. 58-73, passim.

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As inquietações de Smend se voltam contra o predomínio da impostação

formalista que “proíbe considerar o Estado como um âmbito autônomo da realidade”.

Impostação inaugurada por Georg Jellinek, que esvazia as grandes questões da filosofia

do Estado por meio de um “enfoque gnoseológico cético, carente, ademais, de qualquer

justificação e seriedade”; impostação seguida por Hans Kelsen, que prossegue nessa

“lamentável história dos erros humanos”39.

Smend aponta como principal erro de Kelsen aquele de não considerar o

Estado como uma realidade social40. Esse “niilismo” se deve ao fato de Kelsen “apoiar-

se em uma teoria do conhecimento amplamente superada”41. A crise na teoria do Estado

seria devida, aliás, não à derrota alemã na I Guerra ou mesmo à Revolução Alemã (que

proclamou a República), mas sim ao predomínio da “teoria do conhecimento” adotada

por Kelsen, qual seja o neokantismo: “com razão buscaram derivá-la da crise do

neokantismo ou, mais genericamente, da concepção científica cuja manifestação

filosófica é o neokantismo”42. No juízo de Smend, Kelsen dá continuidade à postura

alemã “estática” de se considerar que a “união dos membros de um grupo juridicamente

normatizado” seria um dado, um fenômeno natural, automático, derivado da

deontologicidade das normas43. Daí, Smend acredita no método “próprio às ciências do

espírito” para se fazer um contraponto ao neokantismo:

É missão deste trabalho mostrar como uma filosofia do Estado que atua assim passa por alto do objeto que lhe é próprio, construindo-se – tal como se criticou justamente – sob a base de um conceito jurídico de Estado puramente normativo, que é também interpretado em sentido meramente estático, espacialista e mecanicista, o que impossibilita qualquer elaboração de uma metodologia própria no marco das ciências do espírito. Essa construção equivocada é trasladada posteriormente à teoria jurídica do Estado, o que acarreta também a perda do seu objeto imediato e – como conseqüência do abandono de sua temática essencial e, por fim, da sua sistematicidade

39 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 44.40 As teses de Kelsen nesse sentido estão expostas em: KELSEN, Hans. Il concetto sociologico e il concetto giuridico dello Stato: studio critico sul rapporto tra Stato e diritto (1922). Ed. Agostino Carrino. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1997. Smend critica essa obra em várias oportunidades.41 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 57.42 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 44.43 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 52-61.

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própria – a consideração exclusiva de questões muito secundárias da realidade constitucional normatizada.44

No diagnóstico de Smend, a superação do paradigma positivista que, apoiado

na rígida separação neokantiana entre ser e dever-ser, entre norma e realidade, aborda o

Estado de uma forma “estática” é conseguida quando se percebe que a integração

consiste na principal tarefa do Estado. A centralidade que esse conceito assume para o

pensamento de Smend faz merecer o seu exame neste estudo.

3. Integração como teologia constitucional.

O embrião da “teoria da integração” se encontra em escrito da lavra de Smend

que data de 1919. Nele, Smend critica o sistema eleitoral proporcional instituído pela

Constituição de Weimar. Utilizando-se de argumentos um tanto reacionários e bem

semelhantes aos de Carl Schmitt, Smend sutilmente acusa a Constituição de Weimar de

não ter decidido entre as “difusas tendências político-constitucionais” da época45;

afirma, ainda, que o parlamentarismo é uma mera “fachada”46, instrumentalizado pelo

liberalismo47. Tudo isso se traduz, no plano jurídico, por um positivismo jurídico

estático e cético. Seria necessária, ante esse estado de coisas, uma “ótica distinta, que

considere primariamente não a anatomia do Estado, mas sim a sua fisiologia”48.

Destarte, “a base necessária para uma nova teoria do Estado na nova Alemanha não se

encontra em construções conceituais e sistematizadoras, nem em uma hermenêutica

atrelada ao legalismo, mas sim em uma teoria do Estado fundamentada

sociologicamente”49.

Essa teoria do Estado “fundamentada sociologicamente” tem seu início em

artigo publicado em 1923, no qual Smend lança o termo “integração”50. Já a partir daí o

44 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 61-62.45 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 35.46 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 3047 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 3148 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 35.49 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 36.50 Trata-se de: “Die politische Gewalt im Verfassungsstaat und das Problem der Staatsform”. In: Festgabe der Berliner Juristischen Fakultät für Wilhelm Kahl, Vol. III, 1923, pp. 16 e ss. Citado pelo próprio:

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termo se converte em expressão de grande uso no direito alemão. Mas foi em

Verfassung und Verfassungsrecht (1928), que Smend explicitou a integração, ao mesmo

tempo em que a alçou à condição de Leitmotiv de seu pensamento constitucional. Isso

porque foi em tal oportunidade que Smend concebeu a integração como a razão de ser

do Estado, o seu fundamento; em um duplo sentido: (i) o Estado tem a missão de

integrar as diversas realidades nele contidas e (ii) o Estado existe e se desenvolve a

partir de uma integração que nada mais é que uma permanente renovação, um

“plebiscito que se renova a cada dia”51.

A integração, por isso, serviria para combater o “ceticismo” jurídico propiciado

pelo positivismo jurídico. Hans Kelsen era particularmente intransigente com esse traço

da doutrina da integração; para o jurista de Viena, a irritação com a postura relativista e

cética do positivismo é expressão de um ranço teológico que também não aceita os

homens que não crêem, os “agnósticos”; era por isso que Kelsen afirmava: “Smend

representa um caso clássico de teologia política e, em sua natureza mais íntima, ele é

um teólogo do Estado”52. Com efeito, o matiz teológico apontado por Kelsen é

plenamente verificável. Em 1959, Smend confeccionou verbete no Evangelisches

Staatslexikon, no qual as raízes teológicas de seu conceito-chave ficaram mais que

evidenciadas (até pelo título da publicação). Nas palavras de Smend, a integração:

(...) é o ponto de partida material para uma ética protestante do indivíduo no Estado. Esta deve tomar a frente do processo vital no qual o indivíduo é solicitado a se empenhar na comunidade: em particular na comunidade estatal.53

O “protestantismo prussiano” de Smend advoga a utilização dessa

manifestação de teologia política, no âmbito da República de Weimar, uma vez que na

democracia, assim como na religião, existe a necessidade não de agnosticismo, mas de

SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 63. Para uma genealogia mais profunda do conceito de integração – coisa que escapa aos modestos limites deste ensaio – dando atenção aos “escritos de juventude” de Smend, Cf. LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale, pp. 177-187.51 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 63.52 KELSEN, Hans. O Estado como integração: um confronto de princípios. Trad. Plínio Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 44.53 SMEND, Rudolf. “Integrazione” (1959). In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988, p. 288.

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crença54. Para formar essa comunidade de crença, Smend sustenta que a integração pode

agir em três frentes: (i) integração pessoal, (ii) integração funcional e (iii) integração

material.

Necessário realizar duas ressalvas antes de examinar cada uma das

“integrações”. A primeira: é vã a procura por um conceito preciso de integração.

Utilizando-se de um estilo um tanto “pendular”, “oscilante” para assim dizer, Smend

não se preocupa em dar definições rígidas e precisas. Sintomático dessa impostação é o

exemplo dado pelo próprio Smend: convidado para confeccionar um verbete sobre o

que vem a ser a “teoria da integração”, ele sublinhou bem o caráter oscilante desse

conceito ao afirmar que em seus escritos a integração é definida de modo “ora mais

intransitivo enquanto conexão de experiências vividas, ora mais transitivo enquanto

atividade ou efeito dos fatores que animam (sorregono) o Estado”55.

Smend colheu desafetos por causa da sua postura “oscilante”. Kelsen, o

principal afetado pela postura belicosa de Smend, era particularmente intransigente com

esse estilo. Ao ponto de dar-se o trabalho de redigir livro no qual exclusivamente critica

a teoria da integração exposta no Verfassung und Verfassungsrecht (1928). Quando

Kelsen justifica a extensão de sua crítica, é desferido um forte ataque a Smend:

O que obriga o crítico a uma análise mais pormenorizada do que o normal é, sobretudo, a peculiaridade da exposição de Smend: uma total falta de uniformidade sistemática, uma certa insegurança da concepção, que se desvia das posições claras e unívocas e permanece em insinuações vagas sobrecarregando qualquer posição inteligível com prudentes limitações, daí um estilo de linguagem obscuro, difícil, inçado de palavras estrangeiras.56

A segunda ressalva a ser feita avisa que essas três modalidades de integração

não devem ser entendidas como tipos-ideais no sentido weberiano, uma vez que não são

passíveis de isolamento: a unidade do sistema de integração só é percebida caso se

observe que as frentes de integração se influenciam reciprocamente57. Bem explicado, o

sucesso da integração, pelo medium do Estado, depende dessa conjugação das técnicas

54 LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale, p. 197.55 SMEND, Rudolf. “Dottrina dell’integrazione” (1956). In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988, p. 272.56 KELSEN, Hans. O Estado como integração: um confronto de princípios, p. 2.57 GOZZI, Gustavo. “La crisi della dottrina dello Stato nell’età di Weimar”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale. Bologna: il Mulino, 1987, p. 145.

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de integração: Smend não tem nenhum pudor em afirmar que “uma das grandes virtudes

do fascismo” consiste precisamente nisso58. Passemos à análise de cada uma delas,

ainda que sem nenhuma pretensão de exaustão.

A integração pessoal é aquela que é feita por meio de líderes. Smend valoriza,

aqui, aquelas pessoas capazes de gozar da confiança daqueles que são dirigidos59. Esse

tipo de integração – diz ele – é desqualificado pela “mentalidade tipicamente liberal”,

que, influenciada por Max Weber, a denomina de “caudilhagem”60. O que o liberalismo

desconhece, aduz Smend, é que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”, de

sorte que o Estado precisa dessas pessoas que, por meio de suas qualidades pessoais

(Weber diria: carismáticas61), conseguem uma coesão no âmbito do grupo político62. Em

uma passagem que ostenta nítido culto à personalidade do Presidente Paul von

Hindenburg, Smend aponta a importância dessa função para a integração no Estado: “os

Chefes de Estado cumprem uma função similar àquela realizada (...) pelas bandeiras,

brasões e pelos hinos nacionais”, porquanto seu sentido reside “na ‘encarnação’ da

unidade política do povo”63

Por sua vez, a integração funcional é realizada por “processos que tendem a

produzir uma síntese social”64. Processos sociais como uma parada militar, uma

manifestação popular. Até mesmo uma linha de produção de uma fábrica: tudo isso gera

um processo, uma concatenação que tem como produto “uma contínua restauração da

comunidade política enquanto agrupamento de vontades”65. Smend faz uma importante

ressalva – e que é mostra fiel de seu conservadorismo. Ele acredita que o processo

legislativo não consiste em um meio integrador, uma vez que o parlamento nada mais é

do que uma “dialética teatral e retórica dos acontecimentos políticos, tão cara à

58 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 113.59 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 72.60 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 70-71.61 WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2000, pp. 158-161.62 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 72.63 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 73.64 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 78.65 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 79-80.

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burguesia latina”66 – Smend se refere, aqui, à França, que sob a égide das Leis

Constitucionais de 1875 se pautava, praticamente, pelo princípio da supremacia do

parlamento67.

Por último, a integração material é aquela que valoriza os objetivos comuns do

Estado, que leva em consideração que o Estado é uma “comunidade cultural ativa” e

que, por isso, “a condição para que os valores tenham uma eficácia e vida próprias é a

mesma comunidade na qual eles são vividos e na qual se atualizam”. E vice-versa:

também a comunidade depende dos valores que a sustentam. Os valores históricos,

culturais, símbolos políticos, o território nacional, bandeiras, hinos, isso produz uma

base institucional, material, que integra o indivíduo ao Estado68 e que faz com que a

ordem jurídica seja válida69.

Por tudo isso, podemos verificar que, do ponto de vista epistemológico, o

significado da integração smendiana traduz-se por uma tentativa de superação da

perspectiva “estática” que é própria ao positivismo jurídico que dominava o ambiente

intelectual da República de Weimar. A integração assim o faria porquanto encara o

Estado como uma “realidade” alinhavada de forma “dinâmica”. Entretanto, o

significado de uma teoria constitucional não é percebido com uma mera análise das

categorias que a constitui. Qualquer texto sempre tem um contexto, que é constitutivo

para a sua significação; no que toca aos textos constitucionais essa impostação é ainda

mais verificável70. O que se vai perquirir, no próximo item, é o significado histórico,

contextual, da integração. O que existia no contexto de Smend que, em seu juízo, urgia

ser integrado?

4. A “desintegrada” República de Weimar como aquilo a ser “integrado”.

66 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 83.67 Daí porque Carré de Malberg não aceitava a idéia de “lei em sentido material” para a França da República de 1875, ou seja, um elenco de matérias que consistiria no domínio material da lei. Segundo ele, “le domaine de la loi est sans bornes, comme celui de la volonté générale”. O que o Parlamento decide, é lei. CARRÉ DE MALBERG, Raymond. La Loi, expression de la volonté générale. Étude sur le concept de la loi dans la Constitution de 1875. Paris : Librarie du Recueil Sirey, 1931, p. 54.68 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 96-97.69 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 101.70 FARR, James. “Conceptual change and constitutional innovation”. In: BALL, Terence; POCOCK, John G. A. (orgs.). Conceptual change and the Constitution. Lawrence: University Press of Kansas, 1988, pp. 15 e ss., principalmente.

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A teoria da integração vem a lume em um período extremamente conturbado

da história alemã; um período de transição: com todas as angústias e inseguranças daí

decorrentes. O povo alemão debitou quase que exclusivamente na conta da monarquia a

responsabilidade pela derrota militar advinda com o termo da I Guerra: o desgaste foi

tão severo que lhe custou a existência71. Com a queda da monarquia, a Alemanha se

parlamentariza e a República é proclamada72. Independentemente do juízo de valor que

um ou outro constitucionalista fazia acerca do regime de Weimar, eles precisavam

assumir o suposto de que aquilo se tratava de uma república, e não de uma monarquia73.

Quantas consequências para o direito público teve essa assunção inicial. Como

apontou Michael Stolleis, “tudo teve que ser repensado”, pois “o desaparecimento das

monarquias, em particular, destruiu o ponto de referência intelectual e a legitimação

interna de muitas instituições”74. O princípio monárquico fazia com que o monarca fosse

entendido como centro e vértice do Estado, a ponto de poder considerar os direitos

fundamentais como bondosas concessões unilaterais por parte do monarca75 e o

Parlamento como uma “simples comissão legislativa”76. O art. 1º da Constituição de

Weimar confronta esse referencial histórico da dogmática do direito público, uma vez

que adotou, explicitamente, o princípio da soberania popular: “o Reich alemão é uma

república. O poder do Estado emana do povo”77.

Ante esse contexto, à publicística se impôs a seguinte questão: como é possível

observar a unidade do Estado em um Estado cujo ápice não é o monarca, mas o povo?

Um problema que, por um lado, é muito hobbesiano, pois quer saber como unir a

multidão em uma unidade monolítica de poder denominada “Estado”78; por outro, é 71 Cf. LOUREIRO, Isabel. A Revolução Alemã (1918-1923). São Paulo: Unesp, 2005.72 LANCHESTER, Fulco. Alle origini di Weimar: il dibattito costituzionalistico tedesco tra il 1900 e il 1918. Milano: Giuffrè, 1985, pp. 153, 154, 184-188.73 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945, p. 142.74 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945, p. 47.75 SCHÖNBERGER, Christoph. “État de droit et État conservateur: Friedrich Julius Stahl”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, p. 183. Stahl foi um dos grandes arquitetos conceituais para esse esvaziamento do caráter “prospectivo” dos direitos fundamentais, em sua condição de Kronjurist do Rei da Prússia quando da Restauração de 1850, ocasião histórica em que os postulados liberais do “Pré-Março” foram (militarmente) derrotados.76 BARTHÉLEMY, Joseph. “Les théories royalistes dans la doctrine allemande contemporaine: sur les rapports du Roi et des Chambres dans les Monarchies particulières de l’Empire”. In: Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et a l’étranger. Tomo 22, 12º Ano. Paris: E. Brière, 1905, pp. 744-745, especialmente.77 Edição utilizada: “La Costituzione di Weimar dell’11 agosto 1919” (Reichsgesetzblatt, n. 152, p. 1383)”. In: LANCHESTER, Fulco. Le Costituzione tedesche da Francoforte a Bonn: introduzione e testi. Milano: Giuffrè, 2002, pp. 189-230.78 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.109. Trata-se do célebre Cap. XVII. Em De Cive, Hobbes expressa tal diferença de modo bem direto: “Em último lugar, constitui um grande

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muito hegeliano, porquanto parte do suposto de que sem um Estado que encarna um

momento superior da eticidade, somente se tem o irracional, uma potência informe, um

vulgus, mas não um populus79.

A unidade do Estado, assim, é o problema que desafia os publicistas. Até aqui

nenhuma novidade, porquanto o problema da unidade do Estado também era o principal

desafio dos juristas quando do regime constitucional de Bismarck, normatizado pela

Constituição de 187180. Todavia, o regime constitucional de Weimar traz desafios novos

ao constitucionalismo alemão. Ao contrário da Constituição de 1871, a Constituição de

Weimar possui superioridade jurídica em relação à legislação ordinária, uma vez que

estipula processo diferenciado de emenda (art. 76(1) WRV). Não se limita, também, a

traçar obrigações para os súditos, porquanto possuía um catálogo de direitos

fundamentais. O tempo era diferente do regime bismarckiano de 1871, em que

“questões constitucionais” eram reduzidas a meras “questões de poder”81. Como lidar

com essa Constituição dotada de supremacia e que, por ser assentada no princípio da

soberania popular, não considerava direitos fundamentais como concessões outorgadas

do monarca, mas sim algo que é inerentemente de pertença do cidadão?

Smend aceita esse desafio. Ele parece perceber que a função dos direitos

fundamentais não mais se reduz àquela de ser um limite negativo ao poder; mostra-se

cônscio de que a ordem constitucional de Weimar expressa – conjuntamente com a sua

coetânea, a Constituição do México de 1917 – um deslocamento semântico da noção de

direitos fundamentais. Direitos fundamentais agora traduzem, também, meios

juridicamente aptos para se requerer que o sistema da política adote certas

programações decisórias82. Quando contextualizado historicamente, podemos ver o

porquê dessa oscilação semântica: o Estado deveria compensar a imensa exclusão social

perigo para o governo civil, em especial o monárquico, que não se faça suficiente distinção entre o que é um povo e o que é uma multidão. O povo é uno, tendo uma só vontade, e a ele pode atribuir-se uma ação; mas nada disso se pode dizer de uma multidão. Em qualquer governo é o povo quem governa. Pois até nas monarquias é o povo quem manda (porque nesse caso o povo diz sua vontade através da vontade de um homem), ao passo que a multidão é o mesmo que os cidadãos, isto é, os súditos.” HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Edição de Renato Janine Ribeiro. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, pp. 189-190.79 HEGEL, Georg Friedrich Wilhelm. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio III: a filosofia do Espírito (1830). Trad. Paulo Meneses. São Paulo: Edições Loyola, 1995, § 544, p. 316.80 SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. “Introduction – Constitutional Crisis: The German and the American Experience”. In: SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. (orgs.). Weimar: a Jurisprudence of Crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 20.81 HUMMEL, Jacky. Le constitutionnalisme allemand (1815-1918): le modèle allemand de la monarchie limitée. Paris: Presses Universitaires de France, 2002, p. 301.82 DE GIORGI, Raffaele. “Semântica da idéia de direito subjetivo”. In: Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, pp. 109-110; LUHMANN, Niklas. Teoría Política en el Estado de Bienestar. Ed. Fernando Vallespín. Madrid: Alianza Editorial, 1997, pp. 47-52.

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herdada pelo liberalismo econômico do Oitocentos83. E, dessa forma, “o desafio que se

colocava ao Estado em termos de direitos fundamentais era, sem dúvida alguma,

imenso, transformar aquela massa de desvalidos, antes vista como sociedade civil, em

cidadãos”84.

O fardo que a história colocou sob os ombros do Estado tem seu peso ainda

mais evidenciado quando se recorda que a vida política e econômica da República de

Weimar foi uma constante crise. O Tratado de Versalhes (1919) imposto pelos

vencedores da I Guerra só dificultou a recuperação econômica alemã, de modo que o

Estado simplesmente não conseguia suprir as prestações mais básicas dos indivíduos.

Um autor representativo do pensamento conservador da época, Carl Schmitt, costumava

dizer que a Alemanha não existia mais como Estado, mas sim como “uma unidade de

pagamento de reparações”85, porquanto o Tratado de Versalhes não passava de um

artifício que tinha por finalidade manter uma situação intermediária que nem era de paz

e nem de guerra declarada e que fazia da Alemanha a grande prejudicada86. A ausência

do poder público era aproveitada por agrupamentos sociais fortemente organizados que

faziam as funções que em tese caberiam ao Estado alemão, gerando assim o que os

“modernistas reacionários” do tempo chamavam de “pluralismo”87.

Os constitucionalistas da época descreviam esse “rito de passagem” alemão

com palavras um tanto negativas – e Smend, aqui, não se afigurava como exceção. Era

comum se falar que a República de Weimar tinha trazido uma “desintegração” social,

isto é, a queda da monarquia tinha provocado uma autonomização do indivíduo em

relação ao todo social88.

83 PINTO, Cristiano Paixão Araujo. “Arqueologia de uma distinção: o público e o privado na experiência histórica do direito”. In: PEREIRA, Cláudia Fernanda Oliveira (org.). In: O novo direito administrativo brasileiro: o Estado, as agências e o terceiro setor. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 40.84 CARVALHO NETTO, Menelick de. “A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição constitucional e os direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 149.85 SCHMITT, Carl. “The Liberal Rule of Law” [Der bürgerliche Rechtsstaat] (1928). In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 300. 86 SCHMITT, Carl. “The status quo and the Peace” (1925) In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, pp. 290-294.87 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar, p. 107: a superação desse pluralismo tinha a etiqueta “Estado Total” e era desejada por teóricos reacionários como Heinz Ziegler e Carl Schmitt.88 MANGIAMELI, Agata C. Amato. “Lo Stato tra diritto e politica. A partire dall’integrazione di Rudolf Smend”. In: Rivista internazionale di filosofia del diritto. IV Série, Volume LXVI, Número 2. Milano: Giuffrè, abril-junho de 1989, p. 360.

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Transformado no “arquiteto que erige a catedral para o culto da sua própria

personalidade”89, o indivíduo ocupava esse novo status por causa da dissolução dos

estamentos sociais (Stände)90, que, ao tempo do Império, organizavam as pessoas em

grupos a partir de sua ascendência, sendo assim o critério para inclusão/exclusão dos

cidadãos no aparato decisório do Estado. Esse critério estamental lembrava que o

fundamento da vontade do povo “não pode ser a vontade atomizada de cada um dos

indivíduos, pois a vontade de todo o povo não é nunca o resultado da soma das vontades

individuais”, mas sim dos estamentos, aqueles “órgãos coletivos”, “entes supra-

individuais”, “forças vivificantes sobre as quais se constrói a comunidade”91.

Só que, com o advento da República de Weimar, os estamentos caíram por

terra, ante a instalação do princípio da igualdade formal entre os cidadãos. Smend

analisa esse estado de coisas como uma transformação na “mentalidade alemã frente ao

Estado”; estava presente entre os indivíduos uma espécie de “sentimento de

distanciamento em relação ao Estado”, uma atitude absenteísta em relação ao Estado92:

no seio da sociedade havia a crença de que o cidadão (Bürger) estava reduzido a um

mero “burguês” (Bourgeois), “o egoísta calculista e argentário da era capitalista,

incapaz de qualquer ato heróico ou valoroso”93, porquanto preocupado unicamente com

os seus próprios interesses privados.

Pois bem. Esse contexto histórico – informado por uma tradição monárquica,

recessão econômica e insegurança frente aos efeitos oriundos das novas instituições

republicanas (efeitos amiúde descritos como “pluralismo”, “atomismo burguês”) – gera

89 SCHMITT, Carl. Romanticismo politico (1924, 2ª ed.). Ed. Carlo Galli. Milano: Giuffrè, 1981, p. 24.90 Para uma erudita análise de como os diplomas normativos organizavam uma sociedade disciplinada em estamentos, Cf. KOSELLECK, Reinhart. La Prussia tra riforma e rivoluzione (1791-1848). Trad. Marco Cupellaro. Bolonha: il Mulino, 1988, pp. 55-83, 131-164, 323-372, principalmente.91 SMEND, Rudolf. “Criterios del derecho electoral en la teoría alemana del Estado del siglo XIX” (1911). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 9. De se conceder que em tal escrito – ocasião em que a Alemanha ainda se pautava pelo princípio monárquico – Smend critica o tradicional método estamental (das três classes) da Prússia, e advoga a adoção do critério proporcional. Contudo, foi só a República de Weimar se instalar, e implementar o sistema proporcional, que Smend publica estudo, em 1919, com ácidas considerações acerca do novo método de voto universal e com sistema proporcional. Em seu juízo, esse método enfraquece o Parlamento porquanto o transforma em uma mera “fachada atrás da qual se realizam com toda liberdade as negociações entre os partidos” (p. 30), sendo nada mais que um “abstruso racionalismo” típico do liberalismo (p. 31). Cf. SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 27-36.92 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 46.93 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 251.

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questionamentos à ordem constitucional. Smend enfrentou, diretamente, essas questões.

É o que será tratado a seguir.

5. Constituição em sentido material: contraponto à “dissolução social”.

Toda a produção acadêmica de Smend no período de Weimar tem como

hipótese de trabalho esse cenário, acima descrito, de queda da monarquia, e consequente

instalação da república. Sob sua ótica, é com o início do regime democrático que o

quadro de dissolução social se instala e a necessidade de “integrar” começa a se fazer

presente94. Verifica-se isso quando se leva em conta os copiosos elogios que Smend faz

ao passado monárquico alemão.

A monarquia não precisa se preocupar com um processo “dinâmico”,

“espiritual” de integração, porque a integração já é de sua essência; afinal, o “efeito

integrador da monarquia atua através de um conjunto de valores que, no essencial, são

indiscutíveis; valores que ela mesma simboliza e representa, através dos quais se

legitima”95. O fascínio com o passado imperial alemão é tão incontrolável que Smend

chega a afirmar que, entre as Constituições modernas que ele conhece, aquela de

Bismarck, de 1871, é a única que “responde conscientemente à sua função

integradora”96, “apesar de sua escassa reflexão teórica”97.

Mas a Alemanha, agora, é uma república; a Constituição de 1871, assentada no

princípio monárquico, deixou de viger porquanto foi substituída pela Constituição

republicana de 1919. O Estado continua com a sua tarefa de integrar, porém não possui

mais, ao seu auxílio, a forma monárquica. Smend lembra que a “eficácia integradora é

condicionada à existência de uma comunidade de valores que não é questionada pela

luta política uma vez que se mantém a salvo dela”98 (grifamos). Na monarquia o não

questionamento da “ordem concreta de valores” é conseguido com facilidade, mediante

a integração pessoal realizada pelo monarca, aliado ao simbolismo da cultura 94 Aliás, o só fato de se confeccionar uma teoria que busca “integrar a realidade social” já consiste em um atestado de que essa ordem é considerada “fragmentada” e que por isso faz-se necessário conjugar as partes em um todo. Consoante apontou: MANGIAMELI, Agata C. Amato. “Lo Stato tra diritto e política. A partire dall’integrazione di Rudolf Smend”. In: Rivista internazionale di filosofia del diritto, p. 365.95 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 172.96 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 134.97 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 69.98 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 87.

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monárquica (integração material) que cria ritos (integração funcional) que doam o

Estado de substância. Mas: e numa república? Como se conseguir aquela “crença” que

Smend reputa como imprescindível a uma democracia?

Mesmo em uma república o Estado continuará com a séria tarefa de forjar uma

realidade cultural integradora; porque o Estado consiste em uma “forma espiritual

coletiva” em constante “processo de atualização funcional”, e que “existe e se

desenvolve exclusivamente nesse processo de contínua renovação e permanente

renascimento”99. Assim, citando Renan, Smend acredita que o Estado “vive de um

plebiscito que se renova a cada dia”100.

Essa característica “dinâmica” do Estado faz com que a insuficiência dos

enfoques positivistas da Escola de Viena e da “Teoria Geral do Estado” (allgemeine

Staatslehre) do século XIX se revelem, porquanto são vítimas de um pensamento

profundamente “estático e territorial” que reduz o Estado a um conjunto de “homens,

território e poder”101. Nesse marco de idéias, essa tradicional postura positivista

“estática” da allgemeine Staatslehre – que insiste em fechar os olhos para os fatos em

nome de uma exclusiva valoração do dever-ser – não consegue responder àquele desafio

colocado à publicística da República de Weimar, qual seja, transformar o vulgus em

populus.

Por tudo isso é que Smend, fazendo coro a Carl Schmitt102, acredita que é hora

de substituir a Teoria Geral do Estado por uma Teoria da Constituição103. E a passagem

99 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 62-63.100 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 63.101 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 52. Para a descrição clássica desses três elementos, Cf., por todos: JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Trad. Fernando de los Rios. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2004, pp. 368-400.102 No relevante “prólogo” da Teoria da Constituição de Carl Schmitt, verificamos: “É necessário, aliás, esforçar-se para erigir também uma Teoria da Constituição e considerar o âmbito da Teoria da Constituição como um ramo especial da Teoria do Direito Público. Este importante e autônomo setor da literatura não experimentou cultivo algum na última geração. Suas questões e matérias foram discutidas, mais ou menos esporádica e incidentalmente, seja no Direito Político, como diversos temas do Direito Público, seja na Teoria Geral do Estado. Isto se explica historicamente pela situação do Direito Político na monarquia constitucional; talvez também pela peculiaridade da Constituição de Bismarck, cuja genial concepção reunia simplicidade elementar e complicada torpeza”. SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 2001, p. 21.103 Diz Smend: “não se pretende, a seguir, desenvolver um esquema de uma teoria do Estado, mas sim de expor simplesmente os pressupostos filosóficos de uma teoria da Constituição”. SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 52. Para uma explicitação acerca da transição da Teoria Geral do Estado para a Teoria da Constituição, é imprescindível, ainda: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 1315-1318; VERDÚ, Pablo Lucas. “Lugar de la Teoría de la Constitución en el marco del derecho político”. In: Revista de Estudios Politicos. Nº 188. Madrid:

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da Teoria do Estado para a Teoria da Constituição é um atestado de que Smend enxerga

na Constituição republicana um ponto de partida promissor para se construir a tão

desejada “integração”. Para que isso seja possível, Smend acredita ser necessária uma

mudança conceitual de “Constituição”. Em franca oposição à tradição alemã positivista,

Smend não conceituará a Constituição como um documento jurídico que se resume a

separar os poderes do Estado, a demarcar competências e instituir órgãos104. Sua

definição é mais abrangente, ou como apraz Smend, “dinâmica”:

A Constituição é a ordenação jurídica do Estado, melhor dizendo: da dinâmica vital na qual se desenvolve a vida do Estado, quer dizer, de seu processo de integração. A finalidade desse processo é a perpétua recolocação da realidade total do Estado: e a Constituição é a modelagem legal ou normativa dos aspectos singulares desse processo105.

Smend prossegue:

Enquanto direito positivo, a Constituição é norma, mas também realidade; enquanto Constituição, é também realidade integradora, integração que se realiza historicamente (...). A natureza da Constituição – como realidade integradora permanente e contínua – enquanto pressuposto especialmente significativo da eficácia integradora de toda a comunidade jurídica, resulta evidente (...). Essa eficácia integradora não é fruto da Constituição, quando entendida como um “momento estático e permanente da vida do Estado”, mas sim da contínua criação e renovação da dinâmica constitucional.106

Nos excertos acima transcritos, podemos observar que Smend paga um preço

quando tecer um nexo interno entre “Constituição” e “integração”: uma certa

“oscilação” conceitual. Ao definir, concomitantemente, a Constituição como norma e

realidade, Smend transita entre o “mundo do ser” (Sein) e o “mundo do dever-ser”

Instituto de Estudios Políticos, marzo-abril de 1973, pp. 5-10, principalmente. Realizando o caminho inverso, o erudito Gilberto Bercovici se recusa a conceber a Teoria do Estado como uma disciplina meramente “histórica”, e advoga a sua atualidade: “a compreensão das relações entre política, direito e economia, buscando a supremacia da soberania popular e da democracia sobre o poder econômico privado é um bom motivo para entender possível, e necessária, hoje, uma Teoria do Estado”, Cf. BERCOVICI, Gilberto. “As possibilidades de uma Teoria do Estado”. In: LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes (orgs.). Democracia, direito e política: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Müller. Florianópolis: Fundação Boiteux; Conceito Editorial, 2006, p. 343.104 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 129.105 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 132.106 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 136.

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(Sollen) a todo instante, sem nenhum pudor. Uma atitude que pode tirar um positivista

do sério107, mas que não é nenhum problema para o método geisteswissenschaftlich, que

parte do suposto de que “toda realidade espiritual contém (...) uma estrutura inteligível e

ideal, um princípio de formalização imanente e atemporal”108.

Esse modo “oscilante” mediante o qual Smend definiu a Constituição levou a

doutrina a desencontros de compreensão. É verdade que há um certo consenso no seio

da doutrina constitucional em afirmar que Smend não só possui um conceito material de

Constituição como é um dos idealizadores dessa noção109. Contudo, há vozes

dissonantes. Um contemporâneo de Smend, o italiano Costantino Mortati – um dos

grandes artífices e propagadores do conceito material de Constituição no Ocidente

latino – não consegue vislumbrar uma “matéria” na descrição smendiana de

Constituição: e o critica por isso. A seu juízo, Smend falha ao entender a Constituição

como o “princípio dinâmico do devir do Estado” precisamente no momento em que não

explica de que maneira essa integração é realizada e, tampouco, de que maneira a

integração poderia ser um elemento específico da Constituição estatal110. Essa vacilação

faz com que a integração não seja nada “material”, mas sim “processual”, um “processo

de fazer-se”, de contínuo recriar-se111. E quando se compara essa Constituição – que

pretende continuamente atualizar os valores políticos – com o Estado, a impressão que

assalta Mortati é a de que essas duas ordens, Estado/Constituição, permanecem – no

discurso de Smend – como “justapostas, momentos distintos de realidade, expressões de

107 Nos termos da ácida crítica de Hans Kelsen, o esse “oscilar do pensamento” de Smend (por sua vez inspirado em Theodor Litt) nada mais é do que cair na mesma vala da tradicional Teoria Geral do Estado (allgemeine Staatslehre), uma vez que essa “recaída na teoria dualista” do Estado de Jellinek. Isso porque Smend “não tem uma sílaba a mais para dizer do que, anteriormente, já havia sido dito por Jellinek, quando este afirmava que o Estado tem um aspecto sociológico-real e um jurídico-ideal, ficando assim, porém, devedor de uma resposta à pergunta sobre como esses dois aspectos, que, em princípio, representam contradições conceituais, podem ser conceitualmente ligados”. KELSEN, Hans. O Estado como integração: um confronto de princípios, p. 22.108 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 131.109 No Brasil, Cf., por todos, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 147 e 154. Na Alemanha, um autor como Otto Bachof, quando vai definir o conceito de Constituição em sentido material, simplesmente abre aspas e transcreve Smend: BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? (1951), p. 39. Nesse sentido, também: JOUANJAN, Olivier. “Présentation”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, p. 49.110 MORTATI, Costantino. La Costituzione in senso materiale (1940). Milano: Giuffrè, 1998, p. 39.111 Possivelmente Smend rebateria esse argumento de Mortati afirmando que forma e conteúdo nada mais são que “momentos de um fenômeno único”. SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 95.

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dois mundos, aquele do ser e do dever-ser, entre eles não comunicantes e por isso

incapazes de exprimir aquela plenitude da vida que deveria resultar de sua síntese”112.

Destarte, na crítica de Mortati, Smend aparece como portador de um conceito

de Constituição que a teoria do direito contemporânea adjetiva de “procedimental”, e

que tem em Jürgen Habermas seu grande representante. Mas será adequado

compreender Smend uma espécie de Habermas avant la lettre? De maneira alguma. Isso

porque, segundo a pena do próprio Habermas, a teoria do discurso “concebe os direitos

fundamentais e princípios do Estado de direito como uma resposta consequente à

pergunta sobre como institucionalizar as exigentes condições de comunicação do

procedimento democrático”113. Por seu turno, em Smend os direitos fundamentais

cumprem a função de doar materialidade à Constituição114, pois são havidos como “um

sistema de valores concretos, que resumiria o sentido da vida estatal na Constituição”115.

É precisamente esse o fio condutor que, a um só tempo, justifica que a doutrina veja em

Smend um conceito material de Constituição e mostra o erro de Mortati em descrever

um Smend “procedimental”: na construção smendiana, direitos fundamentais consistem

no “conteúdo material de caráter integrador das Constituições”116.

Por mais que a busca por uma integração tenha sido explicitada desde 1923

(conquanto insinuada em 1919), foi só com Verfassung und Verfassungsrecht, de 1928,

que Smend confeccionou o nexo interno entre os direitos fundamentais e essa função

“material integradora”. A data é relevante; é a época em que a República de Weimar

começa a anunciar seu crepúsculo. Um período final – que tem como fecho o fatídico

24 de março de 1933, ocasião em que o Parlamento (Reichstag) alemão aprovou a “Lei

para a cura do infortúnio do Povo e do Reich” (Gesetz zur Behebung der Not von Volk

und Reich), que concedera plenos poderes a Hitler117 – que é marcado por um profundo

radicalismo do debate político. É um tempo em que agremiações políticas, como o

112 MORTATI, Costantino. La Costituzione in senso materiale (1940), p. 40-41.113 HABERMAS, Jürgen. “Três modelos normativos de democracia”. In: A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George Spenber e Paulo Soethe. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 280.114 O que é bem diferente de enxergar nos direitos fundamentais a função de institucionalização dos pressupostos da comunicação social, como faz Habermas apoiado em Niklas Luhmann – por mais que Habermas e muito menos os habermasianos nunca estejam em condições psicológicas de assumir essa influência. As primeiras consideração teóricas desse “giro procedimental” foram lançadas em: LUHMANN, Niklas. I diritti fondamentali come istituzione. Ed. Gianluigi Palombella e Luigi Pannarale. Bari: Dedalo, 2002.115 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar, p. 37.116 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 225.117 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945, p. 332.

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Partido Nacional-Socialista, começam a exercer funções paramilitares118, beneficiando-

se da profunda anomia política causada, em grande parte, pelos partidos políticos com

assento no Reichstag que, em sua imaturidade, eram incapazes de qualquer acordo,

porquanto agiam como verdadeiras “comunidades de crença”119.

Foi nessa época que finalmente Smend cessa os seus ataques àquela República

de Weimar que ele tanto combateu, e passa a ver nos direitos fundamentais um

expediente apto a gerar a integração por meio da Constituição. E mais. Smend se sentiu

tão confortável na sua novel posição de “defensor republicano” que proferiu palestra,

em 18 de janeiro de 1933, na qual explicitamente criticou o decisionismo jurídico de

Carl Schmitt. Na mesma oportunidade, sustentou a manutenção da Constituição de

Weimar e, especialmente, de sua 2ª Parte, que elencava aqueles direitos fundamentais

que agiam como “laço de união” entre o cidadão e o Estado120, e que, assim,

salvaguardavam “o conteúdo essencial da Constituição, qual seja, o de formar um

povo”121.

A pergunta que advém não é outra: essa defesa quase que póstuma da

República de Weimar, que levou Smend, inclusive, a se contrapor a Carl Schmitt, é

capaz de fazer com que a sua noção de direitos fundamentais possa ser tida como

“democrática”?

6. Direitos fundamentais em Smend: contra ou com Carl Schmitt?

Em conferência realizada na Universidade Friedrich-Wilhelm de Berlin, em 18

de janeiro de 1933, Smend deixou claro qual seria a “missão histórica” da sua

concepção de direitos fundamentais enquanto ordem concreta de valores. O título da

palestra em muito auxilia na sua interpretação: “cidadão e burguês no direito público

alemão” (Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht)122.

118 MARABINI, Jean. Berlim no tempo de Hitler. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 17-19.119 SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. “Introduction – Constitutional Crisis: The German and the American Experience”. In: SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. (orgs.). Weimar: a Jurisprudence of Crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 12.120 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 258.121 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 266.122 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, pp. 249-268.

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A data era muito significativa para os alemães, porquanto consistia no

aniversário de fundação do Reich de Bismarck, o que aconteceu em 1871. Reich que

finalmente conseguiu forjar a tão almejada unidade para os alemães. Às vésperas do

coup nazista, Smend denunciava a falta de honestidade intelectual de uma parcela da

intelectualidade alemã que, comprometida com os movimentos de extrema-direita,

interpretavam o presente alemão como uma vítima do Reich de Bismarck.

Para esses pensadores, 1871 teria sido “o momento histórico no qual a

burguesia alemã e o Estado alemão se confundem definitivamente”123. Isso teria

inaugurado uma mentalidade burguesa que consistiu “no ponto de onde partem a

industrialização e o materialismo, a esterilidade espiritual e moral, a mecanização e

massificação”124. Ou seja: o princípio do fim. E Smend não tem dúvidas em apontar Carl

Schmitt – que em poucos meses ocuparia a posição de Kronjurist do III Reich, este

fundado sob os cuidados de Adolf Hitler125 – como o grande representante deste

posicionamento no âmbito da doutrina constitucional da República de Weimar:

O ponto culminante desta interpretação é, coerentemente, uma das teorias mais discutidas atualmente [1933] no âmbito do Direito Público e da política: a teoria da Constituição de Carl Schmitt, na qual, a partir da história constitucional do século XIX, os direitos fundamentais e a divisão de poderes são concebidos como a Carta Magna do individualismo burguês e apolítico, como parte apolítica

123 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 250124 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 250. Jeffrey Herf cunhou o conceito “modernismo reacionário” para descrever essa postura ambígua desses teóricos alemães, mencionada nas lamentações de Smend, frente à modernidade: os modernistas reacionários entendiam os problemas alemães como uma decorrência necessária de um excesso de intelectualismo ocidental e burguês. À procura de uma “barbárie revigorante”, os modernistas reacionários atacavam as conseqüências da modernidade, usualmente descrita como Zivilization, ao associá-la ao Ocidente, à racionalidade fria da técnica, ao artificial, ao comércio, aos judeus, à democracia parlamentar, à Inglaterra e França, ao individualismo, aos limites ao poder. Essa Zivilization supostamente afeminada e frágil deveria ser substituída pela Kultur germânica, um conceito mediante o qual se descreve o instinto, o orgânico, a alma, a guerra, a virilidade, o primado da política, as qualidades de uma comunidade eticamente coesa que pode exigir o sacrifício da vida. A “decadência do Ocidente” devia ser combatida, então, com um ataque à racionalidade ocidental, que deveria ser negada. HERF, Jeffrey. O modernismo reacionário: tecnologia, cultura e política na República de Weimar e no 3º Reich. Trad. Cláudio Ramos. Campinas: Unicamp; Editora Ensaio, 1993, pp. 24, 26, 27, 34, 49-50, 65. SPENGLER, Oswald. La decadencia de Occidente: bosquejo de una morfologia de la historia universal. Trad. Manuel Morente. Vol. IV. Madrid: Espasa-Calpe, 1937, pp. 349-350. Cf., também, SPENGLER, Oswald. El hombre y la técnica: contribuición a una filosofía de la vida. 2ª ed. Trad. Manuel Morente. Madrid: Espasa-Calpe, 1934, pp. 13, 20, 28.125 Para um perfil biográfico de Schmitt nesse período, Cf. BENDERSKY, Joseph. “The Expendable Kronjurist: Carl Schmitt and National Socialism, 1933-1936”. In: Journal of Contemporary History. Vol. 14. London: Sage, 1979.

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das Constituições e como a própria essência do Estado de Direito – dito mais radicalmente como Estado “burguês” de Direito.126

Rudolf Smend estava bem correto quanto a Carl Schmitt; de fato, ele foi um

dos principais mandarins do “modernismo reacionário”127. Embora já mencionadas

incidentalmente em escritos do tempo Weimar128, as teses de Schmitt em relação ao II

Reich foram explanadas de forma mais incisiva em uma publicação de 1934:

Staatsgefüge und Zusammenbruch des Zweiten Reiches: der Sieg des Bürgers über den

Soldaten (“Estrutura estatal e colapso do Segundo Reich: a vitória do cidadão sobre o

soldado”). Nesse estudo, Schmitt aduz que o Reich de Bismarck não era uma forma

política determinada, mas sim intermediária, que evitou tomar uma decisão entre

monarquia e parlamentarismo. Essa forma política aparentemente mista revela, contudo,

uma derrota do “princípio monárquico”, pois o conflito que realmente existia aí era

travado entre “Estado-soldado prussiano” e “Estado constitucional burguês”, sendo este

último o grande vencedor intelectual (e por isso político, também) desse embate129.

Essa apropriação da história por parte de Schmitt, que desconsidera que a

Alemanha durante o século XIX – e o Reich de Bismarck não é exceção – foi um

regime semi-absolutista130, tinha um objetivo certo, como Smend muito bem percebeu:

Schmitt entendia o passado e o presente constitucional alemão como um Estado de

Direito “burguês”, com um intuito “polêmico”, para assim advogar a passagem para um 126 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 254.127 A caracterização de Schmitt como modernista reacionário é possível não só pela utilização das mesmas categorias de autores como um Spengler e Ernest Jünger, mas sim pela semelhança de objetivo. A esse respeito, cumpre afirmar que já em 1914 Schmitt fazia coro ao gênero de autores que não se conforma com o predomínio do “dinheiro e da técnica”, que aliás seria algo característico da época moderna, Cf. SCHMITT, Carl. La valeur de l’État et la signification de l’individu (1914). Edição de Sandrine Baume. Genève: Librarie Droz, 2003, p. 64.128 Schmitt acreditava que a Alemanha do século XIX não se dirigia politicamente pelo “princípio monárquico”, uma vez que o regime político daquele tempo era notoriamente “pactuado”. O “centro de gravidade” da política não estava exclusivamente nas mãos do monarca, porquanto o parlamento tinha peso igual nessas formas políticas: Cf. SCHMITT, Carl. “Neutralité et neutralisations. À propôs de: Christoph Steding, Das Reich und die Krankheit der europäischen Kultur” (1939). In: SCHMITT, Carl. Du Politique: “légatité et légitimité” et autres essais. Puiseaux: Pardès, 1990, pp. 103-115. A tese não possui sustentação histórica. Para uma refutação dessa corrente historiográfica do direito constitucional Cf. JOUANJAN, Olivier. “Le contrôle incident des normes et les contradictions de l’État monarchique en Allemagne (1815-1860). In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, pp. 268-287, principalmente.129 BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. “The German Type of Constitutional Monarchy in the Nineteenth Century”. In: State, Society and Liberty: Studies in Political Theory and Constitutional Law. New York: Berg, 1991, p. 89.130 BERGHAHN, Volker R. Imperial Germany, 1871-1914: Economy, Society, Culture and Politics. Oxford: Berghahn Books, 1994, p. 190. Com mais ênfase ainda, compreendendo o II Reich como um semi-absolutismo pseudoconstitucional: WEHLER, Hans-Ulrich. The German Empire 1871-1918. Trad. Kim Traynor. Leamington Spa: Berg Publishers, 1985, pp. 52-55.

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Estado “total”131. A crítica de Schmitt ao Reich de Bismarck era a mesma tecida para a

República de Weimar: uma fórmula de compromisso que dissolve a substância política

devido à aposição de elementos “ocidentais”, “liberais”. No caso da Constituição de

Weimar, seu defeito de nascença foi a sua filiação ao conceito burguês de Constituição,

uma vez que nela predominava a separação dos poderes e os direitos individuais

contidos na segunda parte da Constituição e que nada mais eram do que uma forma “de

proteção da liberdade burguesa frente ao Estado”132.

Até 1928, Smend compartilhava da mesma opinião quanto ao traço

“liberalesco” da Constituição de Weimar133; mas a partir daquela data, munido de sua

interpretação “integradora”, Smend não mais vai concordar com a descrição que

Schmitt faz dos direitos fundamentais. No entender de Smend, os direitos fundamentais

contidos na 2ª Parte da Constituição de Weimar não consistem em um “mosaico das

mais variadas cores políticas”, uma indecisão entre burguesia ou socialismo, ou mesmo

um “programa apolítico”134. A seu sentir, direitos fundamentais não podem ser

compreendidos como “uma barreira ou reserva que separa o cidadão do Estado, mas sim

um laço de união com ele”135.

No marco da teoria da integração, direitos fundamentais formam um povo no

mesmo instante em que dão forma a um determinado sistema cultural de uma nação.

Smend aduz que isso pode ser facilmente vislumbrado nos artigos que compõem a 2ª

Parte da Constituição. Eles começam com fórmulas do tipo “Todos os alemães...”,

“Cada alemão...”136. É dessa forma que os direitos fundamentais:

(...) expressam de forma unívoca os dois elementos que compõe o sentido do catálogo dos direitos fundamentais, o qual pretende regular, por uma parte, uma série material autônoma, quer dizer, um sistema de valores, de bens, um sistema cultural e, por outra parte, o regula enquanto sistema nacional, isto é, o sistema de todos os alemães, o qual afirma o caráter nacional de valores mais gerais (...). Nesses dois sentidos, o de fundamentação de um sistema cultural e no de

131 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 255.132 SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución (1928), p. 62, de forma clara e concisa. 133 Cf., por todos: SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, várias vezes citado, acima.134 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constituciona, p. 259.135 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 258.136 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 230.

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integração popular, reside a orientação positiva dos direitos fundamentais (...).137

Dessa maneira, a integração material, aquela que busca produzir uma base

institucional que, ao valorizar os objetivos comuns do Estado, une o indivíduo à

comunidade na qual ele se situa, consegue ser realizada. Aquilo que os rituais e o

simbolismo monárquico faziam no passado pré-republicano tem seu equivalente nos

direitos fundamentais trazidos na 2ª Parte da Constituição de Weimar. Daí Smend não

concordar com os primeiros escritos de Schmitt que concebiam os direitos fundamentais

como meros elementos burgueses que propiciariam o atomismo liberal que assolava a

República de Weimar. Pelo contrário.

A diferença entre Smend e Schmitt pode ser demarcada de modo mais eficiente

quando nos atemos a um mote mais concreto: o direito fundamental à liberdade de

expressão é o exemplo aqui escolhido.

No entender de Carl Schmitt, a liberdade de expressão não passa de um

requisito para que a burguesia possa confrontar livremente opiniões, o que se pauta na

crença liberal de que a verdade emerge entre a melhor das vontades confrontadas138.

Smend tem outra interpretação. Diz ele que “essa liberdade, enquanto direito

fundamental, não constitui uma forma de emancipação burguesa com relação ao Estado;

ao contrário, trata da fundamentação cidadã do mesmo [Estado]”139. Citando – e se

contrapondo a – Staatsethik und pluralistischer Staat140, de Carl Schmitt, Smend aduz

que direitos fundamentais somente podem ser tidos como uma ordenação que permite a

cada indivíduo perseguir o seu bem particular (sem se sentir obrigado com o todo

social) caso se desconheça que, na verdade, os direitos fundamentais da Constituição

“constituem” um cidadão moralmente ligado ao Estado141.

Em síntese: os direitos fundamentais não são estruturas pré-estatais

pertencentes ao indivíduo abstratamente considerado. Direitos fundamentais são

transubjetivos, porquanto externos ao indivíduo, consistem em uma ordem concreta142.

137 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 230-231.138 SCHMITT, Carl. The Crisis of Parliamentary Democracy (1926). Ed. Ellen Kenedy. Cambridge: MIT Press, 1994, p. 35.139 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 259.140 SCHMITT, Carl. “State Ethics and the Pluralist State” (1930). In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard. Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, pp. 300-312.141 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, pp. 264-265.

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E mais: somam esforços no sentido de evitar uma dissolução atomista da sociedade,

pois só têm sentido no Estado.

E aqui aparece o lado perverso da “integração”: uma vez que os direitos

fundamentais encontram o seu fundamento de validade em uma ordem concreta de

valores mediada pelo Estado, os direitos fundamentais só valem no Estado, não

podendo consistir em um elemento que possa ser antagônico ao Estado. Assim, direitos

fundamentais não se contrapõem ao Estado. O paradoxo é curioso. Na busca por

superar a atitude “agnóstica” e “cética”143 dos positivistas representantes da Teoria

Geral do Estado do século XIX, o “protestantismo prussiano” de Smend propõe uma

“crença” nos direitos fundamentais. Todavia, “agnósticos” e “crentes” incidem no

mesmo “pecado capital”: a estatolatria.

Destarte, por incrível que pareça, não há nada de efetivamente novo na atitude

de Smend de querer valorizar o “caráter político dos direitos fundamentais” e propor,

para tanto, “uma interpretação distinta do seu conteúdo material e uma nova

caracterização do sentido formal de sua validade”144. Há, aqui, a mesma postura da

dogmática do direito público alemão de alçar o Estado à condição de centro e vértice da

sociedade145.

Como percebeu Michael Stolleis, esse anti-positivismo na verdade guarda

traços anti-democráticos. Não é obra da “astúcia da Razão” o repentino interesse dos

publicistas alemães pelo tópico direitos fundamentais. Em um primeiro momento

(1919-1924) os juristas alemães com “um misto de criticismo e descaso” concebiam

direitos fundamentais como “declarações políticas” desprovidas de conteúdo jurídico.

Entretanto, quando as conseqüências da parlamentarização da Alemanha começaram a

se fazer sentir, principalmente após 1924, “os direitos fundamentais providenciaram um

meio de contenção de legisladores socialistas ou extremamente reformistas”. Foi assim

que os direitos fundamentais se transformaram em um sistema de “valores

legislados”146.

142 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, pp. 77 e 82.143 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 235.144 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 229.145 LUHMANN, Niklas. I diritti fondamentali come istituzione, pp. 47-50.146 STOLLEIS, Michael. “Judicial review, administrative review, and constitutional review in the Weimar Republic”. In: Ratio Juris. Vol. 16, nº 2. Oxford: Blackwell, junho de 2003, p. 273.

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Com isso fica mais fácil de perceber porque os “direitos fundamentais” tiveram

como grandes divulgadores, durante a República de Weimar, juristas reacionários. É o

exemplo de Heinrich Triepel, Gerhard Leibholz, Hans-Carl Nipperdey, Erich Kauffman

etc. É o caso de Smend, um autor que de maneira audaz propugnava uma submissão de

tudo que é legislado à observância de uma ordem concreta de valores: “este

ordenamento positivo é válido somente enquanto representa esse sistema de valores”147.

A tese é audaz porque a formulação é inédita; entrementes, o efeito buscado não é

inovador: a neutralização do potencial democrático que uma República tem. Aqui,

nenhuma distância em relação ao decisionismo jurídico de Schmitt: metodologias

diversas, conciliações reacionárias.

7. Conclusão

Há uma atitude conservadora, notoriamente contraposta ao constitucionalismo

moderno148, no conceito smendiano de “direitos fundamentais”. Tal como os expoentes

do pensamento monárquico do século XIX e consoante aos publicistas da República de

Weimar, Smend rejeita claramente a afirmação de que cidadãos têm direitos inatos. Na

verdade, os direitos derivam de um meio comum, de um ethos, uma ordem concreta da

qual o Estado é o grande porta-voz. Aceitar que os cidadãos sejam portadores de

direitos levaria a uma dissolução da unidade do Estado, ao atomismo burguês: direitos

existem no Estado. Por expressar os valores de um Estado-Nação, os direitos

fundamentais teriam, também, antecedência em relação ao ordenamento jurídico

positivo, pois este deve a sua validade à ordem concreta de valores que o antecede e o

legitima. O legislador democrático é um perigo: a “ordem de valores” controla-o.

Consoante a abalizada análise de Peter C. Caldwell149, afigura-se possível

afirmar que Rudolf Smend, com sua teoria da integração, foi a principal referência

intelectual no cenário alemão pós-guerra. Seu seminário na Universidade de Göttingen

foi freqüentado por uma audiência composta de nomes como Peter Häberle, Horst

147 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 232.148 Cf. DIPPEL, Horst. “O surgimento do constitucionalismo moderno e as primeiras constituições latino-americanas”. Trad. Paulo Sávio Peixoto Maia. In: Notícia do Direito Brasileiro. Nº 13 (nova série). Brasília: Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2006, p. 64: um dos componentes do constitucionalismo moderno é a noção de que os indivíduos têm direitos que lhes são inerentes. Esse elemento é esvaziado quando se concebe que os direitos seriam, na verdade, outorgados.149 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism, p. 142.

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Ehmke e Konrad Hesse. Smend formou, portanto, a “doutrina dominante”, que pauta,

como foi demonstrado na introdução, a autocompreensão do BVerfG de que sua tarefa é

“concretizar” a ordem de valores que funda o ordenamento jurídico positivo, o que é

feito com o auxílio metodológico do princípio da proporcionalidade150.

Esse posicionamento, que conjuga o conceito smendiano de direitos

fundamentais enquanto decorrência de um ethos, com a noção de que cabe aos tribunais

constitucionais (monoliticamente) a decisão acerca de qual é a correta ordem dos

valores, fez fortuna pela Europa Continental e América Latina – Brasil, inclusive151. A

esse posicionamento, a doutrina do Ocidente latino denomina neoconstitucionalismo.

Esse rótulo, o neoconstitucionalismo, anuncia “novos tempos para o

constitucionalismo”152. A novidade consistiria em uma refundação do “Estado de

Direito”, o Rechtsstaat, que agora é “Estado Constitucional”, Verfassungsstaat. A

mudança efetiva residiria no seguinte: com o neoconstitucionalismo, abandona-se a

concepção, própria ao século XIX, de que um Estado só é politicamente limitado caso

todo o direito que afeta a vida dos cidadãos seja oriundo exclusivamente do Poder

Legislativo. O Verfassungsstaat teria a (pretensa) qualidade de não considerar a unidade

do ordenamento jurídico como um dado natural – oriundo do Poder Legislativo – mas

sim como uma tarefa a ser desenvolvida pela concretização dos valores que informam

os princípios contidos na Constituição153. O Verfassungsstaat, portanto, consiste na

superação de um positivismo jurídico cego aos valores que (supostamente) informam a

ordem constitucional154.

Só que, muito antes de ser a descoberta da “quadratura do círculo” o que essa

“passagem para o Verfassungsstaat” denota, a rigor, é a atitude de alçar à posição de

vértice da sociedade uma corte constitucional que, tal como escabinos medievais, vão

dizer quais são os “valores” corretos a se seguir e quais os malditos155.

Pelos motivos mais tortos possíveis, portanto, a doutrina da integração sofre

uma mutação. Antes o seu problema era o de como construir uma significação em 150 NEUMAN, Gerald L. “The U.S. constitutional conception of the rule of law and the Rechtsstaatprinzip of the Grundgesetz”. In: Columbia Law School – Public Law & Legal Theory Working Paper Group. Paper nº 5. New York: University of Columbia, 15 de junho de 1999 (manuscrito), p. 22.151 Cf. BARROSO, Luís Roberto. “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito”. In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 240. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005, pp. 1-42.152 CARBONELL, Miguel. “Nuevos tiempos para el constitucionalismo”. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2003, p. 9.153 ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mitte: legge, diritti, giustizia. Torino: Einaudi, 1992, pp. 20-50.154 ALEXY, Robert. Concetto e validità del diritto. Trad. Fabio Fiore. Torino: Einaudi, 1997, pp. 3-10.155 MAUS, Ingeborg. “Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’”. In: Novos Estudos. Trad. Martonio Mont’Alverne Lima e Paulo Albuquerque. N° 58. São Paulo: Cebrap, novembro de 2000, p. 192.

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comum aos vários indivíduos que integram um Estado em situação de anomia;

atualmente, a integração de Smend sobrevive para garantir um verniz teorético a “um

suposto ordenamento de valores pré-estabelecido, reduzindo-a a uma degeneração do

direito natural”156. É de se questionar, portanto, se vale a pena simplesmente transferir a

posição do legislador decimonônico europeu para tribunais que se colocam como um

super-ego da sociedade, para assim gerar paternalisticamente cidadania aos seus

tutelados, olvidando, dessa forma, que a tutela paternalística elimina precisamente

aquilo que ela promete preservar: a cidadania157.

Com efeito, cumpre ressaltar que não estamos a afirmar que os direitos

fundamentais no marco smendiano sejam ontologicamente anti-democráticos. Contudo,

se prestam muito bem a um uso autoritário sim. Isso porque, a “dinamização” que

Smend promove em seu conceito de Constituição – uma vez que a concebe como

realidade e norma – acaba dissolvendo a normatividade constitucional. Porque a

Constituição será aquilo que o “leitor da ordem concreta de valores” disser que é. A

normatividade descamba em voluntarismo porque aquele que guarda os valores os tem

como “disponíveis”158.

Ao fim e ao cabo, o que a doutrina e a praxis judicial precisa perceber é que a

força normativa da Constituição não depende de uma mística “vontade de Constituição”

tal como propagada pelo jusnaturalismo voluntarista de Konrad Hesse. Ao contrário, a

força de uma Constituição é tanto maior quanto mais a cidadania conseguir determinar a

pauta daquilo que vai ser direito positivo, a programação decisória do Poder

Legislativo. A Constituição é tanto mais vivenciada quanto mais a Administração

Pública for lembrada, pela cidadania, de que a população é também co-autora das

políticas públicas, e não meramente uma massa passiva, informe e sem voz. A

Constituição é tão mais forte quanto mais o Poder Judiciário, como um todo, puder

debater qual é a conformação de um direito fundamental, e não somente um tribunal

superior da capital federal a milhas distante da produção da prova. A Constituição será

tanto mais forte quanto mais os direitos fundamentais sejam havidos como conquistas

históricas da cidadania e não uma mera outorga tribunalesca, a qual se chega após uma

mítica ponderação de valores cuja prática jurisprudencial denuncia sua função precípua:

ser uma capa teorética para um decisionismo irracional que neutraliza, assim, o

156 LUHMANN, Niklas. I diritti fondamentali come istituzione, p. 91.157 CARVALHO NETTO, Menelick de. “Apresentação”. In: ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 11.158 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade, p. 82.

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potencial prospectivo e até contramajoritário que é inerente ao constitucionalismo

moderno159, porquanto vive a serviço dos setores conservadores que não descansam em

sua tarefa de neutralizar as conquistas da Constituição de 1988.

8. Bibliografia citada.

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