rua sem saída 15

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Nesta obra de ficção, o relevante papel de um adolescente sonhador se desvenda ao apreciar, indelevelmente, a beleza da menina, em uma dança popular, e com muita habilidade e perseverança, consegue arrebatá-la ao matrimônio, após seu pleno consentimento. As várias etapas dificultosas de vivência do casal, associadas às precárias condições de trabalho, na pequena cidade do interior do nordeste, a constituição de família, a migração em busca de labuta compensadora, foram obstáculos plenamente sobrepujados...

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Rua Sem Saída

São Paulo - 2015

C l a u d i o a i r o l d i

Rua Sem Saída

Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda.

Ilustração da Capa Edval Guimarães Pedro / Heloisa de Oliveira Bueno

Diagramação Felippe Scagion

Revisão Priscila Loiola

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________A255r

Airoldi, Claudio Rua sem saída / Claudio Airoldi. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2015.

ISBN 978-85-437-0333-6

1. Ficção brasileira. I. Título.

15-23214 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3________________________________________________________________28/05/2015 03/06/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo – SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

Sumário

Antecedentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .07Novos rumos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29Campanha política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43Preparativos do casamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61A viagem do casal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87A nova vida de Joana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .97Fatos inesperados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .123A família de Aurélio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .139O mandato do deputado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .159A nova vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .193Retorno ao torrão natal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .223Mudança de rumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .247A vida paulista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .269Viuvez e reencontro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .299A capital paulista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .335O futuro da velha pensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .379Reunião e reconhecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . .399

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Antecedentes

C omo sempre acontecia, aquele verão também fora extremamente quente. As poucas nuvens

que por lá passeavam apressadas no céu límpido fu-giam como quem sofre uma perseguição qualquer, mais especificamente do vento que soprava forte; elas nem conseguiam cumprimentar, mesmo que de passagem, aos sofridos sertanejos. Como num passo de mágica, prontamente elas se desmanchavam no horizonte, sem deixar quaisquer rastros, mesmo que fosse indelével, para marcar a falta de umidade no ar. Como se fosse uma súplica coletiva, todos dali acompanhavam com seus rostos sofridos aquele espetáculo jamais desejado. Era quase uma rotina de sofrimento à espera de nova sensação, e a esperança cravava profundamente no sen-timento as súplicas pelos melhores dias. Assim, todos se prontificavam de maneira anônima para o novo dia. Era uma angústia imensurável daqueles sertanejos, e somen-te quem ali vivera poderia ter dimensão exata da busca incansável do amanhã.

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Aquele robusto cavalheiro que nascera em Ar-raial da Esperança e sempre ali vivera era incansável conhecedor sobre os problemas climáticos da região, se comportava como um pedinte que impulsivamente jogava os olhos suplicantes em rogativas aos céus, para que trouxesse as primeiras gotas da tão sonhada chuva, já que há meses estava ausente. Todo o panorama que a vista poderia alcançar era simplesmente desolador, bastava verificar as planícies que se perdiam no con-torno dos vales, as encostas dos pequenos relevos e até o topo das colinas distantes. A cor palha seca dos ar-bustos e do próprio capim era o retrato cruel daquela paisagem incrustada nos olhos sofridos do observador. Jamais alguém que dependesse da água para viver gos-taria de sentir aquela desventura horripilante.

Nessa contemplação do cotidiano todos os sertane-jos tinham as mesmas e relevantes preocupações: o que seria deles com o passar do tempo. E os habitantes, mes-mo acostumados há anos com aqueles desvarios, manti-nham-se amorosos com relação à natureza, a ponto de se voltarem a se preocupar muito com os animais. Exem-plos não faltavam para ilustrar aquele turbilhão de en-volvimento. Em quaisquer lugares se observavam as reses magricelas e cambaleantes se esforçando para buscar com esforços incalculáveis os minguados fiapos de capim, se é que estavam ainda disponíveis.

Porém, pouco poderia se esperar nos meses vin-douros. A pequena plantação de cactos isolada na par-te mais hostil da propriedade, repleta de pedras dis-tribuídas aleatoriamente no solo, poderia apresentar

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a solução para o futuro alimento e água, dentro dos milagres da natureza, e essa parecia ser a última espe-rança para salvar os animais. No entanto, tudo estava devidamente reservado para a situação oportuna. Mas quando seria? Aquele era o retrato cruel da vivência do cotidiano daquele povo sofrido.

Mesmo em se tratando de poucas cabeças de gado que se distribuía tristonhamente na pequena proprieda-de, a preocupação crescia a cada instante e parecia não ter fim, para aquele senhor, sem que fosse o proprietá-rio. O motivo mais premente era ver o pequeno açude e todos os demais da redondeza diminuindo de volume, cuja superfície era submetida à evaporação da água de maneira assustadora, com o castigar constante do sol escaldante. Todos os animais sofriam essa desventura, as aves de arribação apenas passavam em rápidas paragens nos açudes e de imediato partiam com os seus cânticos tristonhos, na busca de outras paragens, evitando deixar uma mensagem otimista; pelo contrário, transmitiam também o desespero que presumidamente viam de um futuro não tão distante, naquele interior nordestino brasileiro. Aquelas aves ariscas partiam em breve, após apenas saciar a sede, em alvoroço no comando do líder do grupo, antes que algum sertanejo tentasse subtrair algumas delas, por meio de arma de fogo, para servir de substancial alimento, junto à rotineira e minguada refeição da farinha de mandioca com feijão.

Severino se lembrou de alguns anos atrás, agora acomodado à sombra do umbuzeiro para buscar bem ao fundo da memória as ações. Desde que era jovenzinho,

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sempre se tornara ajudante do pai Geraldo na constru-ção civil, como aprendiz da profissão na labuta da so-brevivência. Na volta ao lar, após o cansativo trabalho, costumeiramente recebia constantes bênçãos da querida mãe Maria do Socorro, que tinha sempre a companhei-ra e filha Leonice na ajuda das lides do lar. Foram tantas as jornadas cansativas e pouco retorno financeiro em jornadas árduas.

Logo que se deu por gente interessado em sexo oposto, conheceu de maneira não tão amistosa a bela e magrela Joana, justamente na costumeira festança mais esperada por todos no meado do ano, na famosa come-moração do São João. Por certo se inflamou em contenta-mento para ver muito além do comum, devido à invasão da alegria popular em vários dias do mês, coroados de satisfação do viver, para esquecer os desconfortos na su-peração dos inconvenientes motivos da seca.

Naquela região, as fogueiras surgiam como se orna-mentassem um jardim colorido, encantado de tonalidade amarelado, com fagulhas saltitantes do queimar da ma-deira ressequida, para despertar as chamas da amabilida-de dos corações entre todos da comunidade. Eram mo-mentos agradáveis e vibrantes de emoções, em que todos os habitantes se esqueciam dos dissabores da vida para brindar a paz em divertimentos alegres. As famílias saíam às ruas repletas do humor amável dos habitantes, com todos os membros com roupas coloridas e enfeitadas, em cumprimentos fraternos, usufruindo das delícias do milho e seus derivados, colhidos ali mesmo nos restritos baixios úmidos dos vales, e se embrenhavam em danças

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regionais alegres, envolvendo todas as idades, numa pre-servação dos costumes nobres e espontâneos.

A festança com lampejar de fogos de artifícios aden-trava a madrugada com espaços públicos utilizados para as danças mais variadas e com predomínio do forró. Bas-tava ter um trio com sanfona, triângulo e zabumba que tudo se acertava, e quantas pessoas eram exímias nesse conjunto instrumental. A alegria vinha do entusiasta san-foneiro com voz de sotaque bem característico da região e pronto, havia completa mistura de classes sociais, se é que assim se poderia dizer, mas, enfim, sem quaisquer restrições de posse financeira, numa abundância de dese-jos em se divertir.

A única rádio de pouco alcance em transmissão era enormemente agitada pelas músicas regionais, e onde não havia o conjunto animador, a que vinha das ondas sono-ras exerciam o mesmo efeito. O que às vezes incomoda-va era a postura dos políticos que com sorrisos abertos cumprimentavam a todos, beijavam as senhoras e mais especificamente as senhoritas e crianças, para demonstrar que eram gente simples como eles. Prometiam o que ja-mais teriam condições de cumprir, todos sabiam disso e faziam questão de esquecer, porque, afinal, eram dias de festas que não poderiam ser maculadas. Dessa maneira populista se comportavam o prefeito, toda câmara muni-cipal, deputados regionais e ainda os futuros candidatos a quaisquer cargos executivos ou legislativos.

Eram dias de feriados decretados pelo município, aliás, a tradição assim rezava. Dentro dessa sistemática de comportamento social, os habitantes eram felizes, e

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tudo valia, por pelo menos aqueles dias, de tanta relevân-cia e espera. Aqueles eram os dias cobiçados por jovens que pretendiam se aproximar de donzelas casadoiras, en-feitadas com vestidos longos cheios de babados, rostos caprichosamente pintados e chapéus ornamentados nas cabeças, caracteristicamente confeccionados para aquele tipo de festa. Quem sabe naquela noite acontecesse o en-volvimento, no decorrer da dança, durante um momento qualquer, para sentir os prazeres em formar um par e con-seguir a pretendente, assim pensavam os rapazes também vestidos a caráter para tal festa. Parecia quase que uma determinação vigente, uma vez formado o par, o mesmo persistia até o final daquela noite e talvez retornava no dia seguinte. Seria ali a oportunidade para expor a intenção de namoro até de maneira mais livre, pois, quase sempre, os pais controlavam mesmo à distância o comportamen-to respeitoso dos rapazes ao aproximarem de suas filhas.

Foi justamente naquele São João que Severino, com quinze anos de idade, esbelto e de aparência desengonçada devido ao crescimento abrupto, sem quaisquer fios de cabe-los no rosto, mas com espinhas evidentes, notou a presença da bela, da magra e da graciosa garotinha. Ela era realmente muito jovem, mas já apresentava certa formosura, demons-trando claramente que já esboçava um proeminente e belo corpo de mulher e se destacava com muita alegria entre os seus colegas de idade próxima. Esse grupo conversava e se animava em aparentes assuntos variados, conforme se pode-ria inferir à distância, em típica brincadeira de adolescentes.

Os meninos eram mais abrutalhados, se empurra-vam a todo instante, enquanto as meninas procuravam

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ter comportamento mais discreto, dócil e comentavam sobre aquele modo de ser masculino. A elegante garoti-nha de imediato passou a encher os olhos de Severino, que observava sem quaisquer meios de chegar até ela, pa-recendo existir uma barreira intransponível. Era um dis-tante surgimento de amor platônico de momento, sem mesmo ter ideia das inimagináveis pretensões dela. Ficava confabulando para si mesmo como poderia se aproximar, mas sempre atento para uma devida oportunidade, e o grupo alegre, discretamente se mantinha a parte, pare-cendo viver num mundo só deles. Como será que pode-ria quebrar aquela barreira?

O jovem dentro da sua timidez ficou esperando a dança coletiva, talvez essa fosse a oportunidade que teria para aproximar daquela que se vislumbrava como a menina dos seus sonhos. Quando teve chance de for-çar o encontro avançou na direção da roda humana formada, se interpôs entre os adolescentes e fez o elo com a menina, segurando com muito carinho a sua mão, que por não o conhecer ficou muito surpresa, assim como todo o grupo.

Quem será esse intruso e mal-educado? Pensou logo a garota.

Tentou remover a mão do desconhecido, mas sen-tiu que algo anormal estava acontecendo, contudo, seria enorme falta de educação de uma donzela repelir aquele rapaz afoito, talvez até precisasse de ajuda. No seu inte-rior, já sentira mesmo à distância uma estranha sensa-ção do sexo oposto, conforme o seu corpo se embelezava como visto no espelho, devido as transformações físicas.

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E o que será que estava acontecendo naquele instante? Na tentativa de se desvencilhar daquela situação de aparente incômodo, percebeu que o rapaz tinha certo afeto por ela, cuja percepção passa a ser intuitivamente própria da idade. Desse encontro fortuito, o único fato concreto foi quando ele indagou com a voz enfraquecida:

— Qual o seu nome?A garota tocada de surpresa conseguiu apenas, após

várias indagações, balbuciar:— Joana.— Trata-se de um belo nome — respondeu o rapaz.Depois disso, a garota teve o seu rosto ruborizado e

envolta pela enorme timidez, se afastou de imediato da roda.Joana juntara-se ao seu grupo e comentava sobre

aquele estranho acontecimento, aliás, jamais dera con-fiança para aquele atrevimento. Porém, o rapaz mesmo à distância não tirava o olho dela, que depois tomou o destino aparentemente ignorado na multidão, para o dis-sabor do jovem.

Severino ainda pôde segui-la por meio de vista e ve-rificou que a poucos metros dali ela toda afoita entrara numa residência que logo imaginou ser a dela, cuja mo-radia era bastante modesta, tal qual a sua, muito embora fosse um tanto distante daquele local, em uma rua sem saída, considerada fora do centro da cidade. Essa rua es-treita da garota dos sonhos lembrava todas as demais que davam à praça da igreja, como sempre acontece com a formação natural de qualquer povoado. Aquele rincão expressava exatamente o que acontecera há muito tem-po, cuja localização fora escolhida estrategicamente por

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existir ali perto também um riacho, que outrora continha abundante águas cristalinas que abasteciam os primeiros habitantes. Claro que com o tempo tudo foi mudando, inclusive o próprio leito do rio, e a pouca água que corria apenas acontecia nas chuvas de inverno, quando os céus abençoados propiciavam condições. Naquele exato mo-mento, o leito era usado pelas crianças para brincar na areia mais fina.

Em se tratando de diversão, ainda prosseguiam as festas como antes nos dias subsequentes, contudo, com esforço, o rapaz conseguiu à distância ver os passos de Jo-ana, sem que ela percebesse. Daí para frente foi um amor que crescia com os dias de maneira assustadora, a ponto de nem sentir o cansaço no final do exaustivo dia de tra-balho. Era uma força anormal que nutria a vivência. As-sim o tempo foi passando e a cada dia parecia surgir uma fonte nova de enlevo no caminhar para um futuro que ditava uma nova perspectiva de vida. O volume crescente daquele bem-estar o envolvia no transcurso de horas e parecia que se tornara mais nítida toda vez que buscava até sem querer a imagem da bela jovem, que se incrustara de maneira perfeita e irremovível na sua mente. Com esse crescimento do querer, parecia não mais se conter em seu interior, teve a vontade premente de exaltar aquele senti-mento, como jamais sentira antes. Alguma decisão teria que ser demonstrada, mesmo que fosse para ele próprio.

Houve várias tentativas de provocar o encontro de maneira aleatória. Foi bastante estranho que num certo dia passando pela praça da igreja percebeu à distância, que aquela figura que aos poucos ia se delineando com a